NOVA REVOLUÇÃO HUMANA CAPITULO:LUZES DO ALVORECER No Estudo Anterior... Chegada do Presidente Ikeda ao Brasil Conversa do Presidente Ikeda com jornalista sobre as atividades da Gakkai,instigados pelo regime militar. Claras respostas e esclarecimentos sobre a BSGI e as atividades para criar cidadãos exemplares através do Budismo de Nitiren Daishonin. No Estudo de Hoje... Após a entrevista, Shin-iti saiu para um passeio com os membros do Rio de Janeiro para conhecer a segunda maior cidade brasileira. Eles foram primeiro para o Corcovado, de onde poderiam apreciar o belo panorama da cidade. Depois de subir pelo caminho tortuoso, deixaram o carro no estacionamento e caminharam até o alto do morro. Durante a caminhada, Shin-iti aproveitou a ocasião para conversar com o casal Masatada e Misako Kohno, que eram responsáveis do Distrito Rio de Janeiro. Masatada imigrou para o Brasil em julho de 1960 como técnico em construção naval e começou a trabalhar num estaleiro. Depois de cinco meses, trouxe sua família para morar no Rio de Janeiro. Antes de partir, Misako foi até a sede da Soka Gakkai em Tóquio para comunicar sua mudança para o Brasil. Nessa ocasião, teve a sorte de encontrar-se com o presidente Yamamoto que havia voltado da viagem ao Brasil algum tempo antes. — Na viagem que fiz recentemente ao Brasil, fui informado de que ainda não havia nenhum membro no Rio de Janeiro. Por isso, sua família será a primeira semente da Gakkai nessa cidade. Desejo que você construa uma história que eternize o seu nome como pioneira do Kossen-rufu. Posso contar com você? — Sim! Irei me esforçar ao máximo. — Muito bem. Essa decisão é importante. Enviarei Daimoku e orarei pelo seu sucesso. Na minha próxima visita ao Brasil, vamos nos encontrar no Rio de Janeiro. O casal Kohno começou a vida na nova terra. A maior barreira que os dois enfrentaram foi a do idioma, pois não sabiam falar o português. Por isso, procuraram os japoneses e seus descendentes para conversar sobre o budismo e alguns chegaram a abraçar a prática da fé. Entretanto, como não havia muitos japoneses como em São Paulo, em pouco tempo não tinham mais com quem conversar sobre o budismo. Por outro lado, a maioria dos japoneses que se converteu ao budismo por intermédio do casal trabalhava em empresas japonesas e acabava retornando para o Japão após o término do contrato de trabalho. Os dois chegaram à conclusão de que, se ficassem apenas falando sobre o budismo para os japoneses, não haveria um progresso real no Kossen-rufu. Era preciso ampliar a propagação para os brasileiros. O casal sentiu que era hora de partir para novos desafios com novas idéias para gerar avanço. Se ficassem repetindo a mesma coisa todos os dias não poderiam construir um futuro promissor. Masatada e Misako esforçaram-se em aprender o português. Por conhecerem apenas poucas palavras, começaram a gesticular ao falarem sobre o budismo para os cariocas que iam conhecendo no trabalho ou na vizinhança de sua casa. Apesar de seus esforços para explicar o budismo, a maioria não conseguia entender quase nada. Contudo, o casal continuou se empenhando-se com toda a seriedade na propagação, recitando Daimoku e acreditando na cristalização dessa dedicação diária. Com o passar do tempo, começaram a surgir pessoas recitando o Gongyo e o Daimoku junto com o casal, sendo que algumas delas já estavam comprovando os benefícios na vida diária. Com a comprovação da prática da fé pelos brasileiros, alguns começaram a atuar como “intérpretes” do português falado pelo casal e procuravam completar a explicação com suas palavras. Dessa forma, o número de praticantes brasileiros começou a aumentar gradativamente. No topo do Corcovado, de 710 metros de altura, estava a enorme estátua do Cristo Redentor de braços abertos. Essa estátua foi instalada em 1931 em comemoração do centenário da proclamação da independência do Brasil. Ela mede 30 metros sobre uma base de oito metros. Dali tem-se uma visão panorâmica do Rio de Janeiro — as águas azuis da Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar, conhecido como símbolo dessa metrópole. Shin-iti disse para Masatada: — É uma cidade belíssima! Quantas comunidades existem aqui no Rio? — Estamos agora com três comunidades e dez blocos, totalizando 166 famílias. Já faz cinco anos que estou morando aqui e sinto-me envergonhado por não ter conseguido um avanço maior no movimento pelo Kossen-rufu. Ele estava consciente da responsabilidade de levar a felicidade para todas as pessoas do Rio de Janeiro. Comparando com São Paulo, cuja organização já era composta de milhares de membros, sentia que o Rio não estava acompanhando o mesmo ritmo de desenvolvimento. Shin-iti sabia que a promoção do Kossen-rufu dependia desse senso de responsabilidade. Por isso, disse-lhe sorrindo. — Não seja impaciente. Você partiu de uma única família e em cinco anos conseguiu ampliar para 166 famílias. Este é um resultado extraordinário! O sol brilhava com todo seu esplendor no céu do Rio de Janeiro. Shin-iti disse para o casal Kohno: — Para tudo existe um tempo oportuno. Vocês devem ter notado muitas árvores jovens enquanto caminhávamos até aqui. Durante os próximos anos, elas crescerão até se tornarem grandes ávores. A organização do Rio de Janeiro é ainda pequena, porém, se vocês atuarem com todo o esforço recitando firmemente o Daimoku, ela certamente atingirá um grande progresso. O importante é não esquecerem a decisão de avançar, de crescer e de vencer a cada dia, criando ao mesmo tempo uma magnífica história em sua vida para não se arrependerem mais tarde. Em outras palavras, é importante que questionem a si mesmos “O que eu devo fazer agora?”, “Como devo atuar no dia de hoje?”, mantendo sempre o desafio de empenhar todo o esforço em prol do Kossen-rufu. Este ato equivale às frases Mai-ji-sa-ze-nen 1 e Mi-zo-zan-pai 2 que constam no capítulo Juryo do Sutra de Lótus. De toda forma, a contínua luta em prol do Kossen-rufu é uma sublime atuação como emissários do Buda e é o caminho direto para a felicidade absoluta. O glorioso futuro de nossa organização nesta bela cidade do Rio de Janeiro depende unicamente de vocês dois. Vamos juntos criar essa história dourada? — Sim! Com toda certeza! O casal Kohno respondeu com voz firme e decidida. Depois de dezoito anos desse encontro no Corcovado, Shin-iti retornou ao Brasil pela terceira vez e constatou que o número de membros do Rio de Janeiro havia crescido para seis mil famílias. Quando Shin-iti voltou para o hotel após o passeio pela cidade, repórteres de vários jornais estavam sendo atendidos por Hiroshi Izumida e Kiyoshi Jujo. Como ambos haviam participado da entrevista anterior junto com Shin-iti, não tiveram dificuldades para responder as perguntas e esclarecer as dúvidas dos repórteres. Na reunião de acertos realizada à noite, Izumida disse: — Como a imprensa nos procurou no hotel, as autoridades policiais já têm provavelmente todas as informações de nosso movimento. É quase certo que estão vigiando nossos passos. Não seria melhor mudarmos a programação para não sermos incomodados? Todos fitaram Shin-iti, aguardando uma resposta. — Qual é a necessidade de fazermos essa alteração? Devemos naturalmente tomar as devidas precauções e agir com todo o cuidado. Entretanto, não estamos cometendo nenhum mal nem praticando atos ilegais. Por isso, vamos manter a mesma programação. Se a alterarmos repentinamente, daremos motivo para suspeitarem de nós. Shin-iti percebeu que os membros da comitiva ficaram meio abalados. Tentou então convencê-los imprimindo mais força em suas palavras. — Jamais percam de vista o ponto essencial da questão por considerarem apenas os fatores circunstanciais. Caso contrário, perderão a qualificação como líderes. O mais importante agora é incentivar os companheiros brasileiros e despertar neles a convicção na prática da fé. Se as raízes da prática da fé estiverem fortes e profundas, eles não tombarão, por mais intensos que forem os vendavais. Contudo, se as raízes forem frágeis, não suportarão nem mesmo um vento fraco. Levantem-se com base na prática da fé! Lutem com base na prática da fé! E vençam com base na prática da fé! Esta é a atitude fundamental que nos conduz à grande vitória sem depender de outros fatores! Shin-iti cerrou o punho e disse, concluindo: — Amanhã iremos finalmente para São Paulo. A verdadeira luta ainda está para começar! Ao ouvirem a voz vibrante de Shin-iti, os membros da comitiva sentiram avivar a chama de seu espírito de luta. Com tanta vitalidade, nem parecia que ele estava sendo incomodado pela febre durante os três últimos dias. Izumida pensou: “Provavelmente sua vigorosa determinação de proteger os companheiros do Brasil de todas as formas tenha afastado a maldade da doença. Esta deve ser a enérgica disposição de um líder do Kossen-rufu!” Na edição de 12 de março de alguns jornais do Rio, aparecia em destaque a notícia da visita do presidente Yamamoto ao Brasil. Não havia críticas nem comentários de teor preconceituoso contra a Gakkai graças aos contatos e esclarecimentos feitos diretamente com a redação. Logo pela manhã, Shin-iti foi informado por Yasuhiro Saiki a respeito do teor da notícia divulgada na imprensa e, em seguida, disse para os membros de sua comitiva: — Em todo caso, é importante dialogarmos diretamente com as pessoas para esclarecer os pontos polêmicos. Vamos, doravante, aproveitar todas as oportunidades para falar a respeito do verdadeiro propósito da Soka Gakkai. Quando Shin-iti e sua comitiva chegaram ao aeroporto por volta das 10h30, o vôo anterior para São Paulo não havia partido. Como havia lugares vagos nesse vôo, resolveram antecipar o embarque. Após um percurso de cinqüenta minutos, a comitiva desembarcou no Aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Por terem chegado antes do horário previsto, foram recebidos por um pequeno grupo de pessoas. A imprensa também não estava na ala de desembarque. Entretanto, Shin-iti logo percebeu a presença de investigadores do Dops atrás dos pilares, espreitando sua chegada. Chegando ao hotel em São Paulo, Shin-iti reuniu-se com os dirigentes para analisar a estrutura da organização e, em seguida, saiu para conhecer o imóvel que Yasuhiro Saiki havia proposto para ser adquirido como sede da Soka Gakkai do Brasil, onde seria instalado também um templo da Nitiren Shoshu. Até então, havia em São Paulo uma sede provisória que fora alugada e inaugurada em janeiro de 1965 como sede da Soka Gakkai da América do Sul. Era uma pequena residência, cuja sala de reunião tinha capacidade para quarenta pessoas, e não servia mais como centro de atividades da organização, que havia se expandido para mais de oito mil famílias. Por esse motivo, estava em estudo o projeto de adquirir um novo imóvel. Logo depois de vistoriar o imóvel, Shin-iti foi até a sede da América do Sul para entrevistar os dirigentes propostos para ocupar novos cargos e depois participou de uma reunião de dirigentes. Nessa ocasião, ele apresentou a ampliação da organização de um para três distritos gerais e efetuou a nomeação de novos dirigentes. Essa novidade foi recebida com uma forte salva de palmas por todos os dirigentes participantes. Yasuhiro Saiki foi nomeado responsável de um dos distritos gerais, além de ocupar o cargo de responsável da Regional América do Sul. O jovem Aoi Tiba tornou-se responsável por outro distrito geral, acumulando o cargo de responsável pela Divisão Masculina de Jovens da Regional América do Sul. Esse jovem havia chegado do Japão em novembro de 1964 para atuar como responsável do escritório da Soka Gakkai da América do Sul. Shin-iti procedeu também à apresentação dos responsáveis das outras três divisões como também anunciou a formação de sete novos distritos em localidades como Brasília e Itatiba. Em seguida, falou a respeito da aquisição de um imóvel. — Hoje tive a oportunidade de ver o imóvel que está sendo pleiteado pelos senhores para instalar a nova sede e um templo. Aproveitando este encontro, desejo anunciar que vistoriamos e decidimos adquirir esse imóvel que se localiza numa área residencial próxima ao centro de São Paulo. Tem uma área de 735 metros quadrados com um sobrado e uma casa nos fundos. Pretendemos instalar nesse local a nova sede da Soka Gakkai da América do Sul e também o primeiro templo. Todos os dirigentes ficaram muito felizes com a rápida providência tomada pelo presidente Yamamoto e o aplaudiram com muito entusiasmo. Dando seqüência às suas palavras, Shin-iti referiu-se ao princípio budista de Bonno soku bodai (Desejos mundanos são iluminação) e disse que a verdadeira felicidade encontra-se no ato de desafiar e vencer cada uma das dificuldades e sofrimentos da vida tendo sempre como base a firme prática da fé. Enfatizou também que a prática do budismo é uma constante luta contra a força das maldades que tentam atrapalhar e dificultar o exercício budista. Shin-iti colocou ênfase em cada palavra com o intuito de fincar uma forte e inabalável cunha da prática da fé no coração de seus companheiros do Brasil. — De acordo com as escrituras de Nitiren Daishonin, os Sansho shima (Três obstáculos e quatro maldades) surgirão infalivelmente quando avançarmos com fervorosa prática da fé na jornada pelo Kossen-rufu. Por exemplo, o avião enfrenta uma forte resistência do ar e turbulências no momento da decolagem para depois alçar um vôo mais tranqüilo e chegar ao destino. Da mesma forma, se nos amedrontarmos e desistirmos no meio do caminho por causa das dificuldades, não poderemos chegar ao nosso objetivo. Se continuarmos em nosso desafio, poderemos criar um desenvolvimento mais estável e voar tranqüilamente pelos céus do Kossen-rufu. Na escritura “Resposta a Hyoe-no-Sakan”, consta a seguinte passagem: “Com o aparecimento dos três obstáculos e quatro maldades, o sábio alegrar-se-á e o tolo se acovardará.” (END, vol. 1, pág. 250.) Portanto, como dignos sábios que abraçaram o budismo, devemos enfrentar as dificuldades, lutar contra as maldades e transformar nosso próprio destino a fim de criarmos a verdadeira felicidade na vida. Em outras palavras, o ato de lutar contra as adversidades é o caminho direto para aprimorarmos nossa capacidade; é um trampolim para a realização da revolução humana. Nossa vida e a prática da fé são comparáveis a uma corrida de obstáculos. Quando conseguirmos superar um obstáculo, a alegria transbordará em nosso coração. Por isso, desejo que todos os senhores avancem com toda a coragem como dignos discípulos de Nitiren Daishonin. Shin-iti externou com toda a franqueza o brado de sua vida para os dirigentes presentes. — De toda forma, a prática do Gongyo e do Daimoku e as atividades da Gakkai constituem os pontos básicos da prática da fé. São como a rotação e a translação que criam o movimento harmonioso da Terra e que podem ser comparadas à “prática individual”, que é a recitação do Gongyo e do Daimoku, e à “prática altruística”, que são as atividades da Gakkai. Com essas duas práticas em harmonia podemos criar a felicidade na vida e também a prosperidade e a paz social. Por favor, sem temer as adversidades que venham a barrar nosso avanço, espero que levem adiante uma corajosa prática da fé. Todos os presentes sabiam que a Gakkai estava sendo vista como uma organização perigosa pelo governo militar da época. Por essa razão, as palavras de Shin-iti penetraram profundamente no coração de todos como uma cunha, solidificando a decisão de avançar destemidamente. No dia 12 de março, a Kyodo Press divulgou um artigo reportando a situação da Gakkai e suas atividades em vários países da América do Sul e também a visita do presidente Yamamoto ao Brasil. O artigo destacava que o governo militar e o Dops não haviam descartado a idéia de que a Soka Gakkai seria uma organização política com fachada de instituição religiosa, declarando que a polícia enviara ao consulado japonês um questionário de quarenta e duas perguntas solicitando esclarecimentos a respeito da Soka Gakkai. Além disso, afirmava que a Gakkai era vista com cautela em vários países da América do Sul diante do boato de que em cinco ou seis anos o Partido Komeito tomaria o poder no governo japonês e restabeleceria a política de extrema-direita como na época do militarismo. Esse artigo foi reproduzido em alguns jornais do Japão no dia 14 de março. Os membros que tomaram conhecimento ficaram indignados com o teor da matéria. Numa comunidade da Província de Kanagawa, esse artigo tornou-se alvo de discussão entre seus responsáveis. Uma senhora disse: — Como é possível afirmar que o Komeito assumirá o governo e estabelecerá uma política de extremadireita como na época do militarismo? Esse artigo está completamente equivocado. Como podem rotular o Komeito de extrema-direita se é um partido com espírito democrático que luta devotadamente buscando o bem-estar da população? Um dirigente da Divisão Masculina de Jovens disse concordando: — A senhora tem razão. Na época da guerra, a Soka Gakkai lutou contra a opressão do militarismo e o presidente Makiguti morreu na prisão por defender a liberdade religiosa. Foi com esse espírito que a Gakkai fundou mais tarde o Partido Komeito. O responsável pela comunidade disse, indignado: — A Soka Gakkai está empenhada em realizar a paz mundial. Esse espírito é um legado do presidente Toda, que declarou a proibição das armas nucleares em defesa do sagrado direito à vida de todos os seres humanos. Ele criou a correnteza da luta pela abolição das armas nucleares. Por tudo isso, rotular dessa forma o Komeito, que luta para disseminar esse pensamento de paz no campo da política, demonstra no mínimo um ponto de vista preconceituoso. Uma jovem externou sua preocupação: — Nessa situação, será que a visita do presidente Yamamoto para incentivar os membros brasileiros está transcorrendo sem problemas? Uma outra senhora recomendou a todos: — Vamos todos recitar Daimoku pelo bem-estar do presidente Yamamoto e de todos os companheiros do Brasil. Por ora, o que podemos fazer é recitar Daimoku com todo fervor. Chegou finalmente o dia 13 de março. No período da tarde, às 15 horas, seria aberto o Festival Cultural da América do Sul no Teatro Municipal em São Paulo. Shin-iti Yamamoto e sua comitiva saíram do hotel e dirigiram-se de carro para o local do evento. Durante o percurso, foram seguidos por autoridades do Dops. Quando Shin-iti desceu do carro diante da entrada principal do Teatro Municipal, foi focalizado pelas luzes das câmaras dos fotógrafos que estavam de prontidão. O prédio estava sitiado e os participantes tinham de passar constrangidos pela fila de policiais que os observavam desconfiados. O jovem Nobuhiro Uda, que fora nomeado como um dos responsáveis pela Divisão Masculina de Jovens na reunião de dirigentes realizada no dia anterior, aproximou-se de um dos policiais que parecia ser o comandante e perguntou: — O senhor poderia me esclarecer o motivo da presença de tantos policiais neste local? Eu acho muito estranho vigiar a Gakkai dessa forma se não cometemos nada de errado nem somos uma organização perigosa... O policial olhou-o com desdém e disse: — Mantemos a segurança para o bom andamento do evento. Dizem que o presidente Yamamoto é um homem importante e que tem a pretensão de dominar o mundo... Era uma resposta e uma provocação ao mesmo tempo. A manutenção da segurança não passava de um pretexto para justificar a presença da força policial. Indignado com a resposta, Nobuhiro retrucou: — Nós não solicitamos nenhum apoio da polícia! Diante desse protesto, o policial riu com escárnio e o provocou ainda mais. — Você quer me desacatar? Apesar de todo aquele aparato policial, Shin-iti manteve a serenidade de sempre e subiu os degraus cumprimentando tanto os policiais como os membros da Divisão dos Jovens que estavam recepcionando os participantes na entrada. A serenidade de Shin-iti vinha de sua firme decisão. Ele pensava consigo mesmo: “Se é para o bem do Kossen-rufu, toda a opressão será uma honra. Mesmo que seja injusto, estou preparado e podem prender-me quando quiserem!” Não havia nada que o atemorizasse. Seu único desejo e decisão era proteger os companheiros do Brasil a qualquer custo. Dentro do teatro, Shin-iti aproximou-se de Nobuhiro e procurou acalmá-lo. — Nobuhiro, sei que esta situação é revoltante para todos nós. Porém, nunca perca a calma nem seja arrastado pelo sentimentalismo. Um pequeno erro de nossa parte poderá ser usado como uma arma para nos atacar. A indignação de Nobuhiro era tamanha que suas mãos tremiam. Shin-iti disse-lhe calmamente. — O presidente Toda dizia com freqüência que devemos vestir a armadura da paciência. Essa paciência significa suportar até mesmo as humilhações e provocações contra nós. No presente momento, devemos manter a serenidade e suportar tudo isso com paciência. O importante é sermos vitoriosos daqui a dez ou vinte anos. Um pouco mais calmo, Nobuhiro acatou as palavras de Shin-iti fitando seu rosto com lágrimas nos olhos. Nobuhiro era um jovem muito esforçado e com forte senso de justiça. Filho de japoneses nascido no Brasil, era o mais velho de seis irmãos. Seu pai chegou ao Brasil com dezenove anos e sua mãe, quando ainda era uma criança de colo. Não aprendeu a falar japonês, apesar da tentativa de seu avô de ensinar-lhe o alfabeto mais simples. Em 1961, pouco tempo depois da conversão de seu pai, Nobuhiro começou a praticar o budismo. Seu pai havia sofrido um fracasso na agricultura apesar dos esforços em derrubar a mata virgem e abrir campos de plantação. Isso o levou a abraçar o budismo. Vendo seu pai recuperar o ânimo no trabalho e a esperança na vida, Nobuhiro sentiu-se estimulado a empenhar-se na prática da fé. Ele foi um dos primeiros brasileiros nisseis, que não entendiam a língua japonesa, a fazer parte da Gakkai. A maior dificuldade que enfrentou para participar das atividades era a barreira do idioma. Os impressos que existiam na época eram todos escritos em japonês. Mais tarde, em maio de 1965, foi publicada a primeira edição de um boletim interno chamado Nova Era. Como um dos colaboradores da equipe de redação, Nobuhiro sentiu a necessidade de traduzir as escrituras e as orientações para serem publicadas em português. Entretanto, não havia na época ninguém com essa capacidade. Ele lamentava muito o fato de não entender a língua japonesa. Alguns meses depois, em agosto de 1965, Nobuhiro participou de um curso de verão realizado no Japão. Apesar do ardente espírito de procura em seu peito, ele não conseguiu compreender as palavras ditas em japonês pelos dirigentes. Numa reunião de estudo, Nobuhiro foi indicado para ler um trecho de uma escritura. Com muita dificuldade e pulando os ideogramas, conseguiu ler as palavras mais simples, relembrando o que havia aprendido de seu avô. Todos aplaudiram e louvaram o esforço daquele jovem que viera do distante Brasil. Contudo, havia um vazio em seu peito. Na manhã seguinte, Nobuhiro ainda estava pensativo. Durante um intervalo do curso de verão, caminhando pela área do Templo Principal, pensou consigo mesmo: “Tenho a importante missão de criar um jornal no Brasil. Para isso, é indispensável que eu aprenda o japonês. Contudo, não entendo as orientações dos dirigentes nem sei ler as escrituras. A língua japonesa é muito difícil. Não tenho capacidade para isso. Na verdade, a tarefa de publicar um jornal é algo impossível que está além de minha capacidade.” De repente, alguém bateu em seu ombro. — Você não é o jovem Nobuhiro Uda que veio do Brasil? Quando voltou-se, viu que era Shin-iti Yamamoto. No dia anterior, Shin-iti havia encontrado todos os participantes vindos de vários países e incentivou cada um deles com um forte aperto de mão. Ele havia gravado o nome de Nobuhiro naquela ocasião. — Presidente Yamamoto... Nobuhiro ficou emocionado por ser lembrado por Shin-iti e aproveitou a ocasião para falar da ansiedade em seu coração. Depois de ouvi-lo atentamente, Shin-iti respondeu-lhe com voz vigorosa e cheia de calor humano. — Você conseguirá fazer tudo isso. Não desista. Jamais seja derrotado. Deve agir como um desbravador do Kossen-rufu do Brasil! Com essas poucas palavras, Nobuhiro sentiu uma forte coragem emergindo em seu coração e dissipando toda sua ansiedade. Seus olhos encheram-se de lágrimas. No final do encontro, Shin-iti apertou a mão de Nobuhiro desejando-lhe um brilhante desenvolvimento. Ele retribuiu a esse gesto jurando em seu coração: “Superarei sem falta a barreira do idioma e consagrarei minha vida em prol do contínuo desbravar dos caminhos do Kossen-rufu!” Voltando para o Brasil, Nobuhiro canalizou todo seu esforço em aprender o idioma japonês. Pediu aos companheiros para ensinar-lhe a leitura dos ideogramas utilizando os impressos da Gakkai. Mesmo não compreendendo o significado, anotava em letras romanas a pronúncia das palavras e depois lia e relia várias vezes até memorizá-las. Na etapa seguinte, perguntava o significado de cada palavra até conseguir decifrar o teor de uma frase. Sua vontade de aprender era tão grande que muitas vezes passou a noite em claro lendo os impressos em japonês. Em poucos meses, ele já dominava a leitura e a compreensão da língua japonesa. Esse esforço foi recompensado quando pôde servir de intérprete de Shin-iti Yamamoto em sua visita ao Brasil em 1966.