PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara APELAÇÃO COM REVISÃO Nº 584.033-0/0 - SÃO PAULO Apelante: Pietro Forziati Apelado : Carlos Henrique Kohn EMBARGOS À EXECUÇÃO. LOCAÇÃO. FIANÇA. A fiança prestada em conjunto a um só débito por mais de uma pessoa, importa em compromisso de solidariedade entre elas, salvo se houver declaração de reserva de benefício da divisão, sendo lícito ao credor acionar qualquer uma delas, à sua livre escolha (Código Civil, artigo 904), podendo exigir a dívida de algum dos codevedores. Trata-se de devedor solidário. O crédito está amparado pelo art. 585, inc. IV, do Cód. de Proc. Civil, e o não cumprimento das condições estabelecidas pelo acordo deu ensejo à rescisão do contrato de locação, com impulso da ação de despejo e, evidentemente, da cobrança da multa prevista pelo contrato (de locação). Voto nº 4.235 Visto. PIETRO FORZIATI opôs Embargos à Execução que lhe é movida por CARLOS HENRIQUE KOHN, partes qualificadas nos autos, argüindo em preliminar, carência da ação e inépcia da inicial e, sustentando, no mérito, ocorrer excesso de execução e que os juros não foram convencionados pelas partes. O Embargado, ao impugnar a pretensão, refutou as matérias preliminar e de mérito, uma vez que o crédito, originário de contrato de locação, restou constituído por transação que foi apreciada pelo Juízo de Direito. PIETRO FORZIATTI opôs Embargos de Declaração, que foi acolhido, sendo-lhe concedido os benefícios da assistência judiciária. Em seguida interpôs Apelação. Aduz em preliminar ser impossível a cumulação -1- PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara de execuções para cobrança de uma só dívida, e inépcia da inicial por falta de documentos essenciais. No mérito insiste no excesso de execução, questionando a cobrança de multa e dos juros de mora. CARLOS HENRIQUE KOHN replicou discordando das razões preliminares e de mérito, defendendo o acerto da decisão. Pietro Forziati fez encarte de “... declaração feita pelo beneficiário do contrato de locação ...” (folha 127). É o relatório, adotando-se no mais o da r. sentença. Não há necessidade de se cumprir a norma do art. 398 do Cód. de Proc. Civil, porque a “declaração” retrata ato unilateral acostado ao processo após o julgamento. “A falta de oportunidade para manifestação sobre documentos irrelevantes para o desfecho do caso não configura cerceamento de defesa 1”. As matérias preliminar e de mérito serão examinadas e decididas simultaneamente. Carlos Henrique Kohn ingressou com Ação de Execução de quantia certa contra o devedor solvente Pietro Forziati, perseguindo a satisfação do crédito originário do contrato de locação, firmado em 15 de agosto de 1996. Nele figuraram como locador Carlos Henrique Kohn, como locatária Auto Posto Brasil de Descalvado Ltda. e como fiador Pietro Forziati, “... italiano, solteiro, aposentado ...” (folhas 9/12). Formalizada a angularidade da ação de despejo, o locatário e o fiador firmaram acordo, onde, o ali Requerido confessou o débito de R$9.420,00, que seria pago em três parcelas iguais e sucessivas de R$3.140,00, com vencimentos para 10 de julho, 21 de julho e 30 de julho de 1997 (folhas 13/15). 1 - 2º TACivSP - Ap. c/ Rev. 546.841-00/4 - 2ª Câm. - Rel. Juiz GILBERTO DOS SANTOS J. 19.4.99. No mesmo sentido: Ap. c/ Rev. 304.865 - 6ª Câm. - Rel. Juiz FRANCISCO BARROS - J. 6.11.91; Ap. s/ Rev. 601.324-00/6 - 3ª Câm. - Rel. Juiz ACLIBES BURGARELLI - J. 8.2.2000. -2- PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara Nesse instrumento estabeleceram que o inadimplemento implicaria no vencimento antecipado do débito total, com multa de mora de 3% sobre o valor devido, e da rescisão da locação com o impulso da ação de despejo. O fiador, presente a esse ato, firmou o instrumento e aceitou: “... como anuente o fiador e principal pagador Sr. Pietro Forzati, responsabilizando-se integralmente pelos termos do presente acordo ...” (folha 14). Essa composição foi homologada pelo Juízo de Direito em 15 de agosto de 1997 (folha 16). Daí não se pode questionar a natureza jurídica do título de crédito. Trata-se de devedor solidário. O crédito está amparado pelo art. 585, inc. IV, do Cód. de Proc. Civil, e o não cumprimento das condições estabelecidas pelo acordo deu ensejo à rescisão do contrato de locação, com impulso da ação de despejo e, evidentemente, da cobrança da multa prevista pelo contrato (de locação). A ação de despejo por falta de pagamento c. c. cobrança em trânsito perante r. Juízo de Direito da 31ª Vara Cível não alija a pretensão do credor. Torna-se evidente o legítimo interesse na persecutio do crédito, nada contrariando fosse promovida a execução contra o devedor principal ou solidário, uma vez que “... O credor, propondo ação contra um dos devedores solidários, não fica inibido de acionar os outros ...” 2. Não se pode acolher, também, a argüição de inépcia da inicial pela falta de documentos essenciais, exatamente porque o pedido foi instruído com cópias do contrato de locação, do título de crédito extrajudicial e da publicação da decisão homologatória, constando em seu corpo a planilha do débito que foi revisado pelo Contador do Juízo. Quando alguém abona obrigação de outrem para com o seu credor, caso o devedor não a cumpra ou 2 - Código Civil, artigo 910. -3- PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara possa cumpri-la, dá-se o contrato de fiança, que é acessório, distinto da locação, mas não exclui a responsabilidade do garante pelas obrigações resultantes desses contratos. A fiança prestada em conjunto a um só débito por mais de uma pessoa, importa em compromisso de solidariedade entre elas, salvo se houver declaração de reserva do benefício da divisão, sendo lícito ao credor acionar qualquer um deles, à sua livre escolha (Código Civil, art. 904), podendo exigir a dívida de algum dos codevedores. A liberdade dos contratantes sobre a criação ou a estipulação de vínculos obrigacionais está subordinada às normas jurídicas e ao interesse coletivo. O Embargante assumiu a condição de fiador de forma livre e consciente. Não nega que assinou o pacto adjeto de fiança ao contrato de locação, nem questiona seu conteúdo. Não vingam as infundadas alegações de que o título não tem caráter executivo, porque não houve contrariedade fundamental em seus aspectos substanciais. A renúncia ao direito de exoneração da fiança está inserida no âmbito de disponibilidade dos direitos do fiador, cuja responsabilidade permanece após o término do prazo estabelecido pelo contrato de locação, circunstância que dispensa qualquer aviso ou notificação prévia, porque há disposição legal3. “A prorrogação do prazo contratual não caracteriza extinção da obrigação, ex vi do artigo 39 da Lei do Inquilinato, quando os fiadores assumiram a responsabilidade solidária pelos afiançados até a efetiva entrega das chaves do imóvel livre de pessoas e coisas 4”. 3 - Lei nº 8.245, 18.10.91, art. 39. 4 - 2ºTACivSP - Ap. s/ Rev. 498.593 - 11ª Câm. - Rel. Juiz CLÓVIS CASTELO - J. 20.10.97. No mesmo sentido: JTA 77/302, 86/401, 103/300, 106/367, 117/431, 136/298, 143/332, RT 554/166; Ap. c/ Rev. 424.485 - 10ª Câm. - Rel. Juiz ISMERALDO FARIAS - J. 7.3.95; Ap. s/ Rev. 430.105 - 10ª Câm. - Rel. Juiz EUCLIDES DE OLIVEIRA - J. 17.5.95; AI 456.607 - 10ª Câm. - Rel. Juiz EUCLIDES DE OLIVEIRA - J. 6.3.96; Ap. c/ Rev. 499.062 - 4ª Câm. - Rel. Juiz CELSO PIMENTEL - J. 21.10.97; Ap. c/ Rev. 513.989 - 1ª Câm. Rel. Juiz MAGNO ARAÚJO - J. 30.3.98; Ap. c/ Rev. 518.723 - 11ª Câm. - Rel. Juiz ARTUR MARQUES - J. 8.6.98; Ap. c/ Rev. 533.009 - 7ª Câm. - Rel. Juiz AMÉRICO -4- PODER JUDICIÁRIO SÃO PAULO SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL Décima Câmara Para a exoneração da responsabilidade do Fiador sobre as obrigações assumidas espontaneamente até a efetiva desocupação do imóvel seria necessária ação judicial própria. As razões, sem documentos ou elementos eficientes para alijar a pretensão, não podem ser acolhidas. O ônus da prova, como estabelece o art. 333, inc. II, do Cód. de Proc. Civil, estava a cargo do Apelante. Devia ter feito a demonstração do excesso de execução. Não se desincumbiu da prova do fato constitutivo do seu alegado direito. “A posição do credor é especialíssima, pois para fazer valer seu direito, nada tem que provar, já que o título executivo de que dispõe é prova cabal de seu crédito e razão suficiente para levar a execução forçada até as últimas conseqüências. Ao pretender desconstituí-lo, diante da presunção legal de legitimidade que o ampara, incumbe ao devedor embargante, todo o ônus da prova 5”. Em face ao exposto, rejeita-se a matéria preliminar e nega-se provimento ao recurso. IRINEU PEDROTTI Relator ANGÉLICO - J. 10.11.98; Ap. s/ Rev. 540.825 - 8ª Câm. - Rel. Juiz ORLANDO PISTORESI - J. 4.2.99. 5 - 2º TACivSP - Ap. c/ Rev. 477.769 - 2ª Câm. - Rel. Juiz ANDREATTA RIZZO - J. 23.6.97. -5-