UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE PARANAÍBA
Aires David de Lima
NEGROS COTISTAS NO CURSO DE DIREITO DA UEMS
Dificuldades e conquistas – turma de 2008
Paranaíba-MS
2013
Aires David de Lima
NEGROS COTISTAS NO CURSO DE DIREITO DA UEMS
Dificuldades e conquistas – turma de 2008
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação, área de concentração em
Educação, Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual
de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba
como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em
Educação.
Orientadora: Profª Drª Maria José de Jesus Alves Cordeiro.
Paranaíba-MS
2013
AIRES DAVID DE LIMA
NEGROS COTISTAS NO CURSO DE DIREITO DA UEMS
Dificuldades e conquistas – turma de 2008
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, como requisito parcial para obtenção do Título
de Mestre em Educação. Área de concentração: Educação, Linguagem e Sociedade.
Aprovada em........../........../..........
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Profª Drª Maria José de Jesus Alves Cordeiro
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)
_______________________________________________________
Profª Drª Lucélia Tavares Guimarães
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)
_______________________________________________________
Profª Drª Raquel Coelho de Freitas
Universidade Federal do Ceará (UFC)
A Deus, que nos permitiu completar mais esta jornada.
À minha esposa Janete Alves da Silva, pela presença constante.
Aos companheiros de caminhada.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, pela preocupação constante em prol
da efetivação de uma genuína democracia.
À minha orientadora, Profª Drª Maria José de Jesus Alves Cordeiro, cujos
ensinamentos permitiram tornar mais plana a caminhada, sendo as orientações uma lição de
vida.
A todos os professores do programa de Mestrado em Educação da UEMS – Unidade
de Paranaíba, pelo empenho em prol do aprimoramento da Educação.
Ao Prof. Dr. Elson Luiz de Araujo, do programa de mestrado, sempre presente com
suas observações e sugestões para o enriquecimento deste trabalho.
Ao acadêmico Rafael Veríssimo Simões (Zulu), pela colaboração constante na
aplicação dos questionários em Paranaíba.
As verdades científicas são transitórias, certezas do momento emendadas por certezas maiores no momento
próximo.
Jules Henri Poincaré
RESUMO
A presença de Negros cotistas no curso de Direito da UEMS é uma realidade que não pode
passar despercebida de gestores, professores e demais acadêmicos. Com a política de cotas, a
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul deu importante passo no sentido de
democratizar o ensino superior no estado. Passados nove anos da implantação destas, em
cumprimento à Lei Estadual nº 2.605, de 06/01/2003 e suas regulamentações, verifica-se a
necessidade de se avaliar os resultados da presença de negros cotistas no ensino superior
oferecido pela UEMS, sendo que esta pesquisa limitou-se aos quatro cursos de Direito.
Assim, delimitada a temática, o presente estudo teve por objetivo identificar as conquistas e
dificuldades para permanência enfrentadas por estes acadêmicos com ingresso em 2008, bem
como as ações efetivadas, ou que deveriam ter sido realizadas pela instituição, voltadas à
permanência e à formação com qualidade, pois entendemos que não basta garantir o acesso, a
universidade deve travar um diálogo permanente, visando conhecer as dificuldades
acadêmicas enfrentadas por esses negros cotistas até completar sua formação. Para o
desenvolvimento deste estudo, utilizou-se a pesquisa qualitativa na estratégia estudo de caso
para verificar in locu com os discentes negros cotistas que, pelo projeto pedagógico, deveriam
estar cursando o quinto ano, quais foram os aspectos relevantes, as conquistas e as
dificuldades enfrentadas no percurso acadêmico. Para isso, foi aplicado questionário a
quarenta negros cotistas e outro a seis coordenadores dos cursos de Direito que estiveram na
função desde 2008 ou a exercem atualmente. Os resultados apontam para dificuldades
relacionadas à permanência, bem como para a retenção em disciplinas ocasionada por fatores
socioeconômicos, dificuldade de conciliar estudo e trabalho, problemas relacionados aos
conteúdos básicos do curso e relação professor/aluno no ambiente acadêmico.
Palavras-chave: Negro. Cotas. UEMS. Curso de Direito. Permanência.
ABSTRACT
The presence of Blacks shareholders in the course of law UEMS is a reality that can not go
unnoticed by managers, professors and other academics. With the quota policy, the State
University of Mato Grosso do Sul has done a important step towards democratizing higher
education in the state. Past nine years of the implementation of these in compliance with State
Law No. 2,605, of 06/01/2003 and its regulations, there is a need to evaluate the results of the
presence of black unitholders in higher education offered by UEMS. This research was
limited to its four law courses. Thus, bounded on the subject, this study aimed to identify the
achievements and difficulties faced by these students stay with ticket in 2008, as well as the
actions effected, or which should have been carried out by the institution aimed at
permanence and quality training because we understand that not only ensure access, the
university should engage in a dialogue aimed at knowing the academic difficulties faced by
black shareholders to their training. For the development of this study, we used a qualitative
research strategy case study to check in with the students locu black shareholders that the
pedagogical project, should be attending the fifth year, which were relevant aspects,
achievements and difficulties faced in the academic path. For this purpose, a questionnaire
was applied to forty black shareholders and another six coordinators of law courses that have
been in function since 2008 or currently. The results point to difficulties related to the
presence and retention in subjects caused by socioeconomic factors, difficulties in reconciling
work and study, problems related to the basic content of the course and teacher / student
relationship in the academic environment.
Keywords: Black. Quotas. UEMS. Law Course. Permanence.
SIGLAS
ABEDi – Associação Brasileira de Ensino de Direito
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CE - Câmara de Ensino
CEE/MS - Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul
CFE - Conselho Federal de Educação
CEPE - Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão
CEJU - Comissão do Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB
CNE - Conselho Nacional de Educação
CNE/CES - Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
COUNI - Conselho Universitário
EJA - Educação de Jovens e Adultos
IES - Instituição de Educação Superior
INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MEC - Ministério da Educação
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil
ONU - Organização das Nações Unidas
PAE - Programa de Assistência Estudantil
PIBEX - Programa Institucional de Bolsas de Extensão
PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
PIBIC/AAF - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas
PDI - Plano de Desenvolvimento Institucional
PIM - Programa Institucional de Monitoria da UEMS
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PP - Projeto Pedagógico
PROE - Pró-Reitoria de Ensino
PROPP - Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação
PROEC - Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Comunitários
PROAP - Pró-Reitoria de Administração e Planejamento
PRODHS - Pró-Reitoria de Desenvolvimento Humano e Social
SISU - Sistema de Seleção Unificada
STF - Supremo Tribunal Federal
TCC - Trabalho de Conclusão de Curso
UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
USP - Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12
1 UNIVERSIDADE – ESCORÇO HISTÓRICO, DO SEU NASCIMENTO AOS
PRIMEIROS CURSOS DE DIREITO DO BRASIL ............................................................... 17
1.1 A exclusão do negro da educação............................................................................... 23
1.2 Ensino jurídico no Brasil ............................................................................................ 26
1.3 Conhecendo a UEMS..................................................................................................42
1.4 Caracterização dos Cursos de Direito da UEMS ........................................................ 46
2 O ENSINO SUPERIOR E AS COTAS................................................................................. 53
2.1 Posição internacional e iniciativas no Brasil com relação a Políticas de Ações
Afirmativas ....................................................................................................................... 61
2.2 Cotas para negros na UEMS....................................................................................... 66
3 PERCURSOS METODOLÓGICOS ..................................................................................... 80
3.1Trilhas da pesquisa ...................................................................................................... 80
4 ANÁLISES E INTERPRETAÇÕES DOS QUESTIONÁRIOS E DAS ATAS DE
RESULTADOS FINAIS .......................................................................................................... 94
4.1 Dos negros cotistas ..................................................................................................... 94
4.2 Do desempenho acadêmico dos negros cotistas de 2008 a 2012 – análise das atas de
resultados finais .............................................................................................................. 129
4.3 Comparações dos resultados dos cursos de Direito entre as Unidades de Dourados,
Paranaíba e Naviraí ......................................................................................................... 136
4.3.1 Sede em Dourados Turno Matutino X Unidade de Paranaíba Turno Matutino 136
4.3.2 Unidade de Paranaíba Turno Noturno X Unidade de Naviraí Turno Noturno .. 137
4.3.3 Unidade de Paranaíba Turno Matutino X Unidade de Paranaíba Turno Noturno
.................................................................................................................................... 139
5 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 141
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 145
Apêndice A – Termo de Esclarecido e Livre Consentimento ................................................ 153
Apêndice B – Termo de Confidencialidade ........................................................................... 155
Apêndice C – Autorização Institucional para Coleta de Dados (gerentes) ............................ 156
Apêndice D – Autorização Institucional para Coleta de Dados (coordenadores) .................. 157
Apêndice E – Questionário aos negros cotistas ...................................................................... 158
Apêndice F – Questionário aos coordenadores ...................................................................... 162
12
INTRODUÇÃO
O acesso desigual dos grupos sociais ao sistema de ensino é um
tema que, há décadas, vem ocupando a agenda dos estudiosos
no campo da educação. Muitas interpretações têm sido
formuladas no sentido de buscar explicar a contribuição do
sistema de ensino para as desigualdades presentes na sociedade
[...]. As análises têm buscado demonstrar que o sistema de
ensino é um dos espaços de reprodução das desiguais
condições de existência dos indivíduos e grupos.
Delcele Mascarenhas Queiroz.
Quando somos desafiados a uma decisão, muitas vezes tomamos a direção que mais
tarde pode nos levar ao arrependimento. No entanto, a omissão é um posicionamento muitas
vezes mais pernicioso do que uma errônea opção tomada.
Ao iniciar um trabalho de pesquisa, ficamos cheios de ansiedades e expectativas,
primeiramente no que diz respeito aos caminhos a serem percorridos, ao material selecionado,
à coleta de dados e ao compromisso com a verdade. Imaginamos diversas hipóteses que
poderemos confirmar ou não ao final. Nisto reside a magia da pesquisa, em descobrir o novo,
ou mesmo lançar um olhar diferente sobre o velho.
Acreditamos honestamente que nossos esforços valerão a pena e que nossa pesquisa
poderá subsidiar novos estudos nesta área do conhecimento.
No caminhar, a cada certeza que alcançamos, apresentam-se novas dúvidas.
Descobrimos, no percurso, que apenas a pesquisa bibliográfica nem sempre é suficiente para
responder a todas as indagações, pois não traz, em suas palavras, os dramas particulares
vividos por cada um, suas angústias, esperanças e perspectivas. Então, para melhor se
compreender uma realidade muitas vezes apenas dedutível, lançamos mão de métodos que
podem nos aproximar dos atores e com eles travar um diálogo mais estreito.
Com estas inquietações, nos vimos a pesquisar sobre cotas1 para negros na
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS; não apenas seus aspectos legais que
proporcionam o ingresso na universidade, mas também aspectos que favorecem a
permanência desses acadêmicos e a sua conclusão, especificamente no Curso de Direito, o
1
“busca promover o princípio da igualdade em prol das minorias raciais e étnicas”. Cf. CORDEIRO, Maria José
de Jesus Alves. Negros e indígenas cotistas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul: desempenho
acadêmico do ingresso à conclusão de curso. 2008. 268f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, 2008. p. 25. Disponível em: <http://www.redeacaoafirmativa.ceao.ufba.br>
Acesso em: 16 nov. 2011.
13
que podemos chamar de “cota dos sonhos”, porque para muitos é o passaporte para uma vida
melhor.
Com relação a esse aspecto, vemos as cotas como um assunto interessante e instigador
que, muito embora já tenha sido objeto de inúmeras pesquisas, renova-se a cada estudo,
lançando luzes sobre o caminhar, assim como a cada ano os discentes cotistas também se
renovam.
A cada discussão que se instaura acerca das cotas, novas polêmicas se levantam, até
mesmo no que diz respeito aos critérios de oferta e seu aperfeiçoamento, tendo em vista a
pacificação da discussão quanto a sua legitimidade, após decisão judicial do Supremo
Tribunal Federal – STF, em 26 de abril de 2012, que reconheceu sua constitucionalidade.
Datada de 2003 a primeira oferta de cotas pela UEMS, ainda encontramos forte
resistência por aqueles responsáveis em dar efetividade a ela, uma vez que, guiados pela
ideologia e por meio de discursos desinformados, estes continuam acreditando no mito da
“democracia racial” e na hipótese utópica de que a melhoria da qualidade do ensino
fundamental e médio possa resolver a desigualdade no acesso, que acreditamos envolver
também questões sociais e raciais. Basta ver os dados apresentados no censo do IBGE de
2010 sobre renda, moradia e educação, nos quais flagrantemente se podem perceber as
desigualdades.
A UEMS, quando chamada a dar sua parcela de contribuição para a democratização do
ensino superior, demonstrou seu compromisso com a sociedade, muito embora se possa
argumentar que apenas o fez em cumprimento da Lei Estadual nº 2.605, de 06/01/2003, que
dispõe sobre a reserva de, no mínimo, 20% das vagas para negros. Sabemos que a tradição
brasileira é o não cumprimento da lei, ou mesmo a sua não regulamentação e a universidade
poderia, com sua inércia, provocar este fato, o que não ocorreu.
Acreditamos que esta pesquisa poderá também servir para uma melhor compreensão
da parte dos docentes, uma vez que a diversidade é a marca da sociedade brasileira e a
convivência com esta, já nos bancos universitários, preparará o acadêmico para a realidade do
mercado de trabalho e de sua vida social. Daí o interesse em se conhecer de que forma os
cursos de Direito da UEMS percebem e tratam a formação dos negros cotistas.
Com este objetivo e na perspectiva de uma abordagem qualitativa de pesquisa, na
estratégia estudo de caso, aplicamos questionários aos negros cotistas que ingressaram em
2008 e que supostamente deveriam estar em 2012 no quinto ano dos quatro cursos de Direito
ofertados pela instituição, bem como aos diversos coordenadores que atuaram desde essa
época até os atuais.
14
Com os resultados da pesquisa bibliográfica e de campo, construímos este trabalho,
que se encontra assentado sobre referenciais teóricos tais como Cordeiro 2008, Queiroz 2002,
Silva 2008, Piovesan 2008, entre outros, e que está organizado em quatro capítulos, conforme
explicitamos a seguir.
No primeiro capítulo, relatamos o aparecimento das primeiras universidades no mundo
e no Brasil, bem como a criação dos primeiros cursos jurídicos no país e a constante
preocupação no oferecimento de um ensino de qualidade, tendo em vista a pouca tradição do
ensino superior no Brasil, pois isto não era uma preocupação da Coroa. Discutimos, ainda, as
tentativas do governo em busca do aprimoramento dos cursos de Direito, a expansão do
número de instituições de ensino que os oferecem e a preocupação do órgão de classe com
essa oferta exagerada.
Ainda dentro da contextualização histórica, apresentamos a UEMS, sua criação, cursos
oferecidos, número de vagas, e estrutura das Unidades Universitárias que oferecem o curso de
Direito e suas regulamentações.
No segundo capítulo, discorremos sobre o ensino superior e a oferta de vagas na
graduação para negros pelo sistema de cotas, demonstrando que esta reivindicação há muito
tempo já era bandeira de luta do Movimento Negro, mas não lograva os efeitos esperados nem
gozava da simpatia da sociedade, tendo em vista a falsa crença, muito arraigada, até mesmo
internacionalmente, de que no Brasil vigora uma autêntica “democracia racial”.
Em momento posterior, apresentamos os debates e encaminhamentos para
regulamentação da Lei que trata da reserva de vagas para negros na UEMS, chamando a
atenção sobre as discussões para sua implantação nas reuniões da Câmara de Ensino (CE) do
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) e outras reuniões dos conselhos superiores,
inclusive com a participação dos movimentos sociais, resultando nas normas internas para o
primeiro processo seletivo ainda em 2003.
A constitucionalidade da oferta de vagas pelo sistema de cotas é reconhecida pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), bem como pela promulgação de lei federal que veio a
estabelecer as cotas sociais com recorte étnico-racial nas universidades públicas federais.
Dados estatísticos sobre a pouca representatividade da população negra na graduação, fato
não condizente com a superioridade numérica dessa população no Brasil, de acordo com o
informado pelo IBGE, também fazem parte deste capítulo.
Todo esse movimento histórico sobre ações afirmativas/cotas serviu de fundamento
para a compreensão de que o estabelecimento e os critérios de oferta das cotas raciais, até
então, não têm sido processos fáceis, pois a oposição é imensa, muito embora a maioria das
15
pessoas reconheça nas cotas sociais importante instrumento de democratização do ensino
superior.
No terceiro capítulo, explicitamos nosso percurso metodológico para uma melhor
compreensão do que vivenciam os negros cotistas da amostra selecionada nos cursos de
Direito da UEMS, alunos que trazem em seu ser elementos de uma trajetória que, até então,
inferíamos ser marcada pela discriminação e/ou preconceito dos professores e colegas; poucas
oportunidades de ascensão, tendo em vista o reduzido referencial acadêmico que tiveram na
família; dificuldades financeiras; disciplinas em dependência; problemas para conciliar
estudos com trabalho; insuficiência de bolsas de estudos na Universidade para suprir suas
necessidades; pouca sensibilidade dos professores quanto às possíveis dificuldades e
condições didático-pedagógicas.
O propósito de se investigar estes acadêmicos que constituem nossa amostra deve-se
ao fato de que já enfrentaram (ou deveriam ter enfrentado) todos os anos da caminhada
acadêmica do curso de Direito, podendo dar um depoimento do que viveram durante todo esse
período, sendo estas informações relevantes para se delinear o próprio perfil do curso e da
Universidade na qual estão inseridos e avaliar o que tem sido feito para a promoção do
diálogo, condições de permanência e aperfeiçoamento do sistema para atender a esta
demanda.
Como caminho metodológico, elegemos a abordagem qualitativa na estratégia estudo
de caso, pois, de acordo com Chizzotti, nessa forma
[...] todos os fenômenos são igualmente importantes e preciosos: a constância das
manifestações e sua ocasionalidade, a freqüência e a interrupção, a fala e o silêncio.
[...] Procura-se compreender a experiência que eles têm, as representações que
formam e os conceito que elaboram. Esses conceitos manifestos, as experiências
relatadas ocupam o centro de referência das análises e interpretações, na pesquisa
qualitativa. (CHIZZOTTI, 2010, p. 84).
Nesse contexto, “o caso é tomado como unidade significativa do todo e, por isso,
suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma intervenção”
(CHIZZOTTI, 2010, p. 102).
A metodologia usada buscou analisar aspectos pessoais, familiares, profissionais e
acadêmicos referentes aos negros cotistas, bem como aspectos relacionados à sua
permanência no curso de Direito, considerando que pouco adianta o acesso à universidade se
esta não proporcionar também condições para seu egresso, o que constituirá o conteúdo do
quarto capítulo.
16
Este diálogo serviu para avaliar se a Universidade está aberta a ouvir os negros
cotistas, se lhe interessa saber das suas dificuldades na caminhada acadêmica, ou se é alheia a
esses elementos, dando por cumprido seu papel de respeitadora das diversidades e promotora
da democratização do ensino superior apenas com o oferecimento das cotas.
Além dos dados dos questionários, foram analisadas as Atas de Resultados Finais de
2008 a 2012,2 nas quais foi detectado alto índice de evasão e de reprovações. Todas estas
informações já apresentadas serviram de parâmetro para as considerações finais, assim como
algumas ponderações e sugestões relativas ao sistema de cotas na UEMS e ao curso de
Direito.
2
“A ata de Resultado final tem como finalidade gerar as folhas do livro de resultado final dos cursos registrando
os
resultados
acadêmicos
dos
alunos.”
Fonte:
Aix
Sistemas.
Disponível
em:
<http://www.aix.com.br/wiki/index.php?title=Ata_de_Resultado>. Acesso em: 8 abr. 2012. Sendo “de
responsabilidade da Diretoria de Registro Acadêmico - DRA /UEMS disponibilizada apenas para pesquisadores
com projeto sobre a temática registrado na UEMS”. Cf. CORDEIRO, Maria José de Jesus Alves; ZARPELON
Shirley Flores. Indígenas cotistas da UEMS: acesso, Permanência e evasão dos primeiros Ingressantes em 2004.
Educação e Fronteiras On-Line, Dourados/MS, v. 1, n. 1, p.65-79, jan/abr. 2011. Disponível em:
<http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/educacao/article/viewFile/1408/pdf_65>. Acesso em: 8 abr. 2012.
17
1 UNIVERSIDADE – ESCORÇO HISTÓRICO, DO SEU NASCIMENTO AOS
PRIMEIROS CURSOS DE DIREITO DO BRASIL
Apesar da universidade pública brasileira ser um dos poucos
redutos de exercício do pensamento crítico em nosso país, se a
observarmos a partir da perspectiva da justiça racial,
impressiona a indiferença, a insensibilidade e o
desconhecimento da classe universitária a respeito da exclusão
racial com que, desde sua origem, convive.
José Jorge de Carvalho
Foi no período medieval ocidental na Europa que o ensino superior começou a se
delinear, isto no final do século XI e início do XII, momento de nascedouro dos primeiros
esboços do que se conhece hoje como Universidade, sendo que, naquele período, este ensino
era conhecido por universitas, termo latino que significa corporação, agrupamento ou ainda
universidade, nas palavras de Lage (2006).
Na estrutura da universitas, havia uma associação de pessoas, como um grupo de
alunos junto aos seus mestres, com aulas ministradas em lugares aleatórios, sendo liberado o
acesso a quem a elas quisesse assistir.
Já o século XII traz como marca uma verdadeira organização e estruturação das
primeiras universidades, o que ocorreu em Bolonha, Paris, Oxford, Montpellier, Cambridge e
Pádua. No dizer de Morhy (2001), quando o Brasil foi descoberto já havia no mundo 62
(sessenta e duas) universidades, passando à soma de 143 (cento e quarenta e três) por volta de
1800, e a América do Norte já contava, no ano de 1776, com nove universidades, sendo
Harvard (1636) e Yale (1701) as pioneiras.
Após este período e até a segunda metade do século XIX, o modelo universitário de
então passou por significativas reformulações que, em parte, tiveram por base as
universidades alemãs, influenciadas pela corrente neo-humanista de W. Von Humboldt,
Fichte e Schleiermacher, que propunham a liberdade de aprender e ensinar, a valorização do
pesquisador e do estudante, bem como a busca de um ensino mais técnico e científico. Outra
corrente que teve grande influência nesse aprimoramento foi a das universidades francesas,
que tinham como mote uma formação profissional, sem muito interesse pelo cientificismo e
erudição (MORHY, 2001).
Entre 1860 e 1940, inicia-se um novo período, em que a docência é reconhecida como
profissão, assim como a função de pesquisador, ocorrendo também, um incremento no
número de cursos e de outras atividades afins, dentre elas, a extensão. Nessa época, a
18
universidade começa a se delinear nos moldes como a conhecemos hoje; no entanto, um longo
caminho ainda resta pela frente.
Assim, os primeiros esboços de Universidades surgiram no final do século XI e início
do século XII na Europa. A partir do século XII, começaram a se estruturar e organizar, sendo
que apenas na segunda metade do século XIX foram esboçados os modelos das atuais
universidades nos padrões como as conhecemos atualmente. Com relação a esses períodos,
não foi possível aferir dados sobre raça e cor dos primeiros estudantes, bem como dos
habitantes do país, assim como se o negro esteve presente nos primeiro cursos.
A falta de interesse de se organizar um banco de dados sobre esse assunto deve-se ao
Estado, bem como ao fato de as pesquisas sobre raça ainda se encontrarem em fase
embrionária, uma vez que estudos mais aprofundados sobre este tema remontam ao ano de
1775, elaborados pelo alemão Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), fundador da
Antropologia, que
[...] determinou a região geográfica originária de cada raça e a cor da pele como
elementos demarcatórios entre elas (branca ou caucasiana; negra ou etiópica;
amarela ou mongólica; parda ou malaia e vermelha ou americana). No século XIX,
foram agregados outros quesitos fenotípicos, como o tamanho da cabeça e a
fisionomia. Desde Blumenbach, no entanto, a cor da pele aparece como um dado
recorrente. Inferindo-se, daí, que, dos dados do fenótipo, isto é, das características
físicas, a “cor da pele” é o que tem sido mais usado e considerado importante, pois
aparece em quase todas as classificações raciais. (OLIVEIRA, 2004, n.p., grifos do
autor).
Sendo assim, ficam prejudicados os dados acerca da presença negra nessas primeiras
ofertas de ensino superior, não havendo elementos para provar se o negro esteve presente
nessas Instituições ao longo da história.
Ao analisar as primeiras ofertas de ensino superior no Brasil, observamos vários
registros de iniciativas tendentes à criação de universidades, sendo que uma “chegou a ser
instalada em 1592 pelos jesuítas na Bahia, mas esta instituição não foi reconhecida ou
autorizada, nem pelo Papa e nem pelo Rei de Portugal” (MORHY, 2004, p. 26). Outras
tentativas se sucederam, porém todas sem sucesso. Esta infundada postergação levou o país a
ficar atrasado com relação à oferta desses cursos.
Essa falta de interesse da Coroa retardou a educação superior no Brasil. Outros países
da América do Sul anteciparam-se nesse aspecto, a exemplo do Peru, que criou a
Universidade de São Marcos em 1551.
19
A criação da primeira instituição de ensino superior no Brasil ocorreu no começo do
século XIX, por ocasião da transferência do trono português para o Brasil, em 18 de fevereiro
de 1808, data em que D. João VI assinou documento criando a Escola de Cirurgia da Bahia
(PREITE SOBRINHO, 2008), embora o reconhecimento dessa primazia não seja unânime
entre os autores, muitos dos quais atribuem a outras instituições de ensino superior este
mérito, uma vez que entendem que essa não preenchia os requisitos para ser considerada
Universidade.
Durante a Primeira República, também chamada de República Nova, entre os anos de
1889 a 1930,
[...] a quantidade de cursos limitou-se a poucas escolas, voltadas para campos
específicos do saber (Medicina e correlatos, Engenharia e correlatos, Direito e
Agronomia). Estas escolas concentravam-se em 7 cidades: Rio de Janeiro, São
Paulo, Ouro Preto, Salvador, Recife/Olinda, Cruz das Almas (BA) e Pelotas (RS).
Aos poucos foram se estendendo a outras cidades. (SANCHEZ, 1996, p. 30-31).
Também neste início do século XX foram criadas as universidades de Manaus em
1909, a de São Paulo e Curitiba em 1911, todas substituídas, posteriormente, pelos institutos
isolados (SANCHEZ, 1996), ocorrendo mais tarde o fenômeno inverso, ou seja, esses
institutos ou escolas foram reunidos, para novamente formarem as universidades no Brasil. É
o que relata Morhy (2004, p. 26), quando diz que “em 1920, foi então criada a Universidade
do Rio de Janeiro, que resultou da fusão da Escola Politécnica com a Faculdade de Medicina e
a Faculdade de Direito, então existentes”.
Já em 1927, houve a união das faculdades de Direito, Engenharia, Medicina,
Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, para formar uma só universidade, qual seja: a
Universidade de Minas Gerais, da mesma forma que ocorreu com a Escola de Engenharia de
Porto Alegre, que teve sua fundação em 1896.
O ensino superior no Brasil desenvolveu-se de forma cambaleante entre uma matriz
ideológica liberal e o ideário positivista, realidade que perdurou até 1920, perpassando desde
o interesse de um ensino que pudesse atender às carências da indústria, isto é, para formar
trabalhadores visando suprir as vagas do mercado de trabalho, que precisava de mão de obra
especializada para o seu desenvolvimento frente a um Brasil que estava se industrializando, e
uma segunda vertente, que vislumbrava uma educação emancipadora, que pudesse ser o
sustentáculo do progresso da nação, ideologia que ganhou força após os anos trinta do século
passado e ainda perdura atualmente, sendo ainda incipiente a pesquisa nesse período.
20
Nesse contexto, outras instituições de ensino superior foram fundadas no Brasil: a
Universidade de São Paulo (USP), em 1934, e a Universidade do Distrito Federal, em 1935,
na época, situada no Rio de Janeiro, perfazendo, neste momento histórico, o total de cinco
universidades.
Com a nova Constituição (a segunda da República), no ano de 1934, pioneiramente a
educação foi positivada como um direito de todos e dever do Estado. Onze anos após sua
promulgação, ampliou-se significativamente o número de instituições que ofereciam a
graduação e, “em 1945, o ensino superior brasileiro compreendia 5 universidades e 293
estabelecimentos isolados” como noticia Sanchez (1996, p. 36).
O interesse mercadológico, fundado nas exigências da indústria, ainda era a ideologia
da universidade, modelo que vinha sofrendo severas críticas por seu efeito imediatista, sendo
que, apenas em 1968, com a denominada Reforma Universitária, se pôde presenciar
[...] consideráveis investimentos e avanços no setor público de educação superior.
As universidades brasileiras deram grande salto qualitativo e quantitativo. A pósgraduação e a pesquisa científica foram expandidas e modernizadas. (MORHY,
2004, p. 31).
Outras mudanças trazidas pela Lei de Reforma Universitária (Lei nº 5.540, de 28 de
novembro de 1968) e o Decreto-Lei nº 464, de 11 de fevereiro de 1969, foram:
[...] vestibular classificatório, a criação dos Institutos Básicos e dos Departamentos,
a criação de cursos de curta duração, a chamada indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão, regimes de tempo integral e de dedicação exclusiva de
professores, institucionalização da pesquisa e outra inovações. (MORHY, 2004, p.
31).
Apesar dessas inovações no ensino superior, ainda restam elementos com caráter
profissionalizante, imediatista, presentes desde as primeiras universidades surgidas no Brasil,
como conta Neves.3
[...] ficam aí definidas as funções econômicas e ético-políticas da educação superior:
preparar mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho e lideranças sociais
sintonizadas com as mudanças qualitativas ocorridas no mundo capitalista na
atualidade. O plano preocupa-se, simultaneamente, em adequar o homem brasileiro
desde o início de século à forma capitalista de trabalho e de vida. (NEVES 2002
apud SEIFERT, 2010, p. 18).
3
NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.) O Empresariamento da Educação: novos contornos do ensino
superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2022.
21
É importante mencionar que o vocábulo “universidade” sempre foi empregado no
Brasil como um termo genérico, que engloba toda a educação superior. No entanto, é
necessário esclarecer o termo a partir do que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96, compreende por educação superior, bem como onde esta
pode ser ministrada.
Art. 44º. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:
I - cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência,
abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de
ensino;
II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou
equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo;
III - de pós -graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos
de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em
cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino;
IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em
cada caso pelas instituições de ensino.
Art. 45º. A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior,
públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização.
O Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior, por meio do
parecer CNE/CES nº 108/2003, teve a oportunidade de manifestar sua opinião acerca do que
entende por educação superior, quando questionado sobre a duração de cursos presenciais de
bacharelado, levando-se em conta o que dispõe a LDB:
[...] a educação superior abrange uma variedade de cursos e programas, desde
sequenciais e cursos de extensão, passando pela graduação tradicional e a pósgraduação lato e stricto sensu (art. 44). Ademais, deve ser “ministrada em
instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de
abrangência ou especialização” (art. 45). (BRASIL, 2003, p. 1).
O artigo 12, do Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006, ao regulamentar o artigo 45
da LDB, elencou as instituições que podem ser consideradas de educação superior no Brasil,
como segue:
Art. 12. As instituições de educação superior, de acordo com sua organização e
respectivas prerrogativas acadêmicas, serão credenciadas como:
I - faculdades;
II - centros universitários; e
III - universidades.
22
Para Cavalcante (2000, p. 20), as distinções entre essas categorias são de fácil
percepção, uma vez que
Universidades – São instituições pluridisciplinares de formação de quadros
profissionais de nível superior e caracterizam-se pela indissociabilidade das
atividades de ensino, pesquisa e extensão [...].
Centros Universitários – São instituições pluricurriculares, abrangendo uma ou mais
áreas de conhecimento, que devem oferecer ensino de excelência, oportunidade de
qualificação do corpo docente e condições de trabalho acadêmico.
Centros Universitários Especializados - Deverão atuar numa área de conhecimento
específica ou de formação profissional.
Assim, pela atual legislação, as universidades dispõem de autonomia, com
obrigatoriedade de manter em seu quadro docente, no mínimo, um terço de professores com
titulação de mestres ou doutores, sendo, ainda, necessário que um terço dos professores tenha
dedicação exclusiva à instituição, bem como oferecer ao menos cursos em cinco áreas do
conhecimento, promovendo a pesquisa e extensão em seu programa de trabalho de uma forma
indissociável, devendo regularmente oferecer, também, pelo menos 4 (quatro) cursos de
mestrado e 2 (dois) de doutorado, reconhecidos pelo Ministério da Educação.4
Os Centros Universitários, conforme dispõe a lei, têm alguma autonomia para a
criação, aumento ou diminuição do número de cursos ou mesmo de vagas, não havendo a
necessidade do desenvolvimento da pesquisa nem da pós-graduação Stricto Sensu.
Com a oferta e acessibilidade cada vez maior ao ensino fundamental e médio, também
com um mercado de trabalho cada vez mais exigente quanto à formação, as instituições de
ensino superior no Brasil multiplicaram-se, conforme demonstra a pesquisa realizada pelo
INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).
Pelos dados do Censo da Educação Superior 2010 promovido pelo referido instituto, o
número de instituições que oferecem graduação saltou de 1.391 (um mil trezentos e noventa e
um) em 2001 para 2.377 (dois mil trezentos e setenta e sete) em 2010, distribuídas entre
públicas e privadas; logo, o número de graduandos também aumentou consideravelmente,
uma vez que, em 2001, ingressaram 1.043.131 (um milhão quarenta e três mil cento e trinta e
um), saltando, em 2010, para 2.182.229 (dois milhões cento e oitenta e dois mil duzentos e
vinte e nove) alunos na graduação, correspondendo a um aumento de 109,2% em relação a
2001.
4
A Resolução n. 3, do Conselho Nacional de Educação, de 14 de outubro de 2010, regulamenta o artigo 52 da
LDB e dispõe sobre normas e procedimentos para credenciamento e recredenciamento de universidades do
Sistema Federal de Ensino.
23
Pelo exposto anteriormente, pode-se notar que o ensino superior no Brasil sofreu
mudanças significativas, a começar pela concepção de universidade, bem como a ampliação e
diversificação de seus cursos e instituições, exigindo cada vez mais a capacitação de seu
corpo docente, além da promoção e desenvolvimento concomitante do ensino, pesquisa e
extensão dentre outras exigências.
Atualmente, a proposta de Universidade vem amparada na Constituição Federal de
1988, que traça suas linhas mestras, estabelecendo como princípio a “indissociabilidade entre
ensino pesquisa e extensão” (BRASIL, 2011, art. 207), sendo as demais diretrizes
regulamentadas por leis, decretos, portarias e pareceres.
Nesse contexto, pode surgir a seguinte indagação: historicamente, o negro sempre
esteve presente nesta ascensão de oferta de vagas na graduação ou, assim como foi
escravizado no Brasil foi também excluído dos bancos universitários ao longo da história da
educação?
1.1 A exclusão do negro da educação
Estudos demonstram que a exclusão do negro de instituições escolares desenvolveu-se no
decorrer da história da educação brasileira. O marco inicial para essa exclusão foi a transição do
trabalho escravo para o trabalho livre, que ocorreu no final do século XIX, ganhando proporções
maiores de desigualdades educacionais e sociais no século XX, sendo que, no século XXI, o
cenário perpetuou-se.
Investigações realizadas no Brasil tentando responder à pergunta sobre a exclusão do
negro do processo educacional são apresentadas a seguir. Passos (2012, n.p.) comenta pesquisa
realizada por Dávila5 (2006 apud PASSOS, 2012) que trata da política social e racial
implementada no Brasil entre 1917 e 1945, concluindo que fica evidente que a escola teve sua
criação sob a influência de pensamento racista, ideologia que guiava as políticas públicas da
época, sendo que “intelectuais, médicos e cientistas sociais acreditavam que a criação de uma
escola universal poderia embranquecer a nação, liberando o Brasil do que eles imaginavam
ser a degeneração de sua população” (PASSOS, 2012, n.p.), pois visavam “transformar uma
população geralmente não-branca e pobre em pessoas embranquecidas em sua cultura,
5
DÁVILA, J. Diploma de brancura: política social e racial no Brasil (1917 -1945). Trad. Claudia Sant'Ana
Martins. São Paulo: Editora UNESP, 2006.
24
higiene, comportamento e até, eventualmente, na cor da pele” (DÁVILA apud PASSOS,
2012, n.p.).
Dessa forma, utilizando-se de um discurso pseudocientífico, dentre outros elementos
de uma retórica racista, os intelectuais e gestores públicos influenciaram decisivamente as
políticas educacionais, excluindo os negros do processo educativo.
Isto resultou no fato de que, de acordo com Passos,
As teorias racistas amplamente difundidas foram naturalizando as desigualdades
raciais em novo ambiente político e jurídico. Consolidou-se uma forte política de
branqueamento como projeto nacional, de modo a conciliar a crença na
superioridade branca com o progressivo desaparecimento do negro, cuja presença
estava relacionada ao atraso. O modelo de desenvolvimento pretendido estava
diretamente associado ao projeto de uma nação branca. As elites, ao interpretarem o
Brasil, projetavam a necessidade da regeneração das populações brasileiras.
(PASSOS, 2012, n.p., grifo da autora).
Os negros eram tidos como “doentes, indolentes e improdutivos” (CARVALHO6 1989
apud PASSOS, 2012, n.p.). Assim, a educação tinha o papel de libertar a nação brasileira, com
o fim de torná-la saudável, produtiva e civilizada.
As observações anteriormente realizadas servem de introdução para tratar da ausência
do negro na graduação, podendo contribuir com a ampliação do olhar acerca das
desigualdades raciais havidas na educação brasileira, que se iniciam já no ensino fundamental
para culminar com a exclusão nos bancos universitários, uma vez que, sem passar pelas séries
iniciais, os estudantes jamais poderão cursar as subsequentes.
Fica claro que a escravidão do negro no Brasil não pode ser vista como única
explicação para as atuais desigualdades entre brancos e negros; outros elementos colaboraram
para a ocorrência desses fatos.
O racismo presente nas relações educacionais e sociais estigmatiza a criança em seus
primeiros anos, trazendo prejuízos que podem resultar em processo de autoexclusão dos
estudos, o que trará consequências irreparáveis. Dentre os traumas que podem se desenvolver
na criança, estão a
[...] auto-rejeição, rejeição ao seu outro igual, rejeição por parte do grupo;
desenvolvimento de baixa estima com ausência de reconhecimento de capacidade
pessoal, timidez, pouca ou nenhuma participação em sala de aula; ausência de
reconhecimento positivo de seu pertencimento racial; dificuldade de aprendizagem;
6
CARVALHO, M. M. C. de. A escola e a república. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989.
25
recusa em ir para a escola e exclusão escolar. (CAVALLEIRO7 2002 apud PASSOS
2012, n.p.).
Os efeitos perversos do racismo podem causar traumas irreparáveis no intelecto das
crianças, refletir-se em sua autoestima e criar complexo de inferioridade, com o sentimento de
incapacidade de ascender social e economicamente. O pior é que alguns naturalizam essa
exclusão,8 sem perceber que essa ocorrência já na educação básica termina, logicamente,
tendo consequências no acesso ao ensino superior, no qual, além das questões econômicas, as
questões étnico-raciais têm peso significativo.
Ademais, “qualquer proposta de mudança em benefício dos excluídos jamais receberia
um apoio unânime, sobretudo quando se trata de uma sociedade racista” (MUNANGA, 2003,
n.p.). A exclusão socioeconômica e educacional do negro é visivelmente percebida, tendo em
vista a ausência dessa população nos setores de maior representatividade da sociedade,
somada ao fato de que
[...] estudos acadêmicos qualitativos e quantitativos [...] realizados pelas instituições
de pesquisas respeitadíssimas como o IBGE e o IPEA não deixam dúvidas sobre a
gravidade gritante da exclusão do negro, isto é, pretos e mestiços na sociedade
brasileira. Fazendo um cruzamento sistemático entre a pertencia racial e os
indicadores econômicos de renda, emprego, escolaridade, classe social, idade,
situação familiar e região ao longo de mais de 70 anos desde 1929, Ricardo
Henriques (2001) chega à conclusão de que “no Brasil, a condição racial constitui
um fator de privilégio para brancos e de exclusão e desvantagem para os nãobrancos. Algumas cifras assustam quem tem preocupação social aguçada e
compromisso com a busca de igualdade e qualidade nas sociedades humanas: do
total dos universitários, 97% são brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes
de orientais. Sobre 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza,
70% deles são negros. Sobre 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63%
deles são negros” (Henriques, 2001). (MUNANGA, 2003, n.p.).
A conclusão a que chega Munanga não é nada alentadora para a população negra, pois
o ensino básico e fundamental oferecido pela rede pública é pouco satisfatório, o que impede
os pobres e, entre eles, os negros, de equilibrar a situação, pois “levariam cerca de 32 anos
para atingir o atual nível dos alunos brancos. Isso supondo que os brancos fiquem parados em
7
CAVALLEIRO. E. Identificando o racismo, o preconceito e a discriminação racial na escola. In: LIMA,
I.C.; ROMÃO, J. Os negros e a escola brasileira. 2. ed. Florianópolis: Alilènde: Núcleo de Estudos Negros,
2002.
8
“A palavra exclusão remete o pensamento instantaneamente para a ideia de desigualdade. Não há como pensar
em grupos privados de direitos considerados básicos sem que se tenha em mente um comparativo, com um outro
cujo acesso a esses direitos seja pleno” (POCHMAM, 2006, p. 97).
26
suas posições atuais esperando a chegada dos negros, para juntos caminharem no mesmo pé
de igualdade” (MUNANGA, 2003, n.p.), o que seria impossível de ocorrer.
É nesse panorama que a graduação se apresenta ao negro no Brasil, o que reclama uma
urgente intervenção estatal na tentativa de equilibrar a situação. O que será tratado quando
falarmos das iniciativas que o governo brasileiro tomou para reverter esse quadro, dentre elas,
as ações afirmativas.
1.2 Ensino jurídico no Brasil
Os cursos jurídicos no Brasil também sofreram descaso da Coroa para sua criação. A
implantação dos primeiros se deu por meio do Decreto Imperial de 11.08.1827, sendo criados
em São Paulo e Olinda9 com a denominação original de Academias de Direito. O curso de
São Paulo foi instalado no Largo de São Francisco em março de 1828 e o de Olinda em maio
do mesmo ano, no Mosteiro de São Bento, ocorrendo, posteriormente, sua transferência para
Recife.
A criação dos cursos de Direito, que na época valorizavam apenas o conhecimento
como cultura, visava à formação daqueles que comporiam os quadros político e
administrativo, pois o país se encontrava carente de pessoal especializado para ocupar essas
vagas. Também tinham o propósito de formar bacharéis para atuar na advocacia.
O novo país em formação precisava capacitar uma classe que iria dirigi-lo, pois esta
era uma exigência premente da independência, que necessitava “substituir o aparelho
administrativo metropolitano que partia” (TREVISAN, 1987 p. 37). Assim, a formação desse
novo quadro que iria dirigir o país seria incumbência da educação, uma vez que a
administração pública se encontrava desprovida de pessoal especializado para isso em fins do
século XIX. Nessa conjuntura,
O Estado brasileiro se preparava, então, para atender as transformações que a
consolidação do capitalismo internacional exigia dos Estados de economia
dependente. A organização socioeconômica relativamente à realidade da existência
9
“Os locais para funcionamento dos cursos jurídicos, tanto em São Paulo quanto em Olinda e posteriormente em
Recife foram requisitados pelo Governo Imperial à Igreja Católica, pois o governo não dispunha de recursos para
a construção de instalações apropriadas e nem dispunha de outras que pudessem servir a estes propósitos.
Conforme Rower (1957), a biblioteca do Convento e Igreja de São Francisco foi ‘vendida’ para a Faculdade de
Direito porque não se possuía nenhum acervo bibliográfico para o início do curso” (ROWER 1957 apud
DURAN, 2004, p. 74).
27
de uma população negra que fatalmente iria se misturar nos espaços e no direito da
sociedade branca - elite ou não - impõe aos poderes do Estado estabelecer, no seu
braço regulador e ordenador social, qual seja, do direito, as diretrizes para a
manutenção e desenvolvimento da nova nação que surgia a fim de adequá-la aos
parâmetros já definidos racialmente, qual seja, uma nação branca. (BERTÚLIO10
2002 apud PASSOS, 2012, n.p.).
Podemos notar, nesse momento histórico, uma grande preocupação em formar uma
sociedade de “brancos”, nascendo o novo Estado com as mesmas mazelas excludentes do
anterior. A oferta dos cursos de Direito foi importante, pois a organização política e
administrativa brasileira ainda era dominada pela Igreja Católica, que mantinha em suas mãos
o controle de toda a infraestrutura, fator que impedia a independência do país. De acordo com
Romano11
As autoridades eclesiásticas detinham o domínio da educação, da saúde pública, das
obras assistenciais, do registro da população (nascimento, batismo, casamento e
óbito), entre outros. Mas elas foram sendo gradativamente afastadas destes últimos
“privilégios”, à medida que o Estado se provia dos recursos técnicos e humanos para
assegurar tais “serviços” públicos. (ROMANO 1979 apud DURAN, 2004, p. 31).
Com os cursos de Direito em São Paulo e Olinda, pretendia-se uma capacitação para
que fosse possível a formação do quadro político do Estado; no entanto, o ensino superior era
privilégio de poucos, com a elite se perpetuando no poder, pois apenas uma pequena parcela
da população brasileira detinha condições financeiras de custear os estudos superiores de seus
filhos.
Nos primeiros anos em que os cursos foram oferecidos, ainda não se mencionava a
“autonomia” da universidade, uma vez que estes se caracterizavam pelo total controle do
governo imperial e a influência da Igreja Católica ainda era muito forte, embora estivesse
perdendo sua força diante da organização estatal.
A composição dos cursos restringia-se a nove cadeiras, com duração de cinco anos, e a
vinculação orgânica com o Império e suas bases político-idológicas que se dava pelas cadeiras
de Direito Natural e Direito Público Eclesiástico.
Essa estrutura curricular originária
prevaleceu até 1854, quando foram introduzidas as cadeiras de Direito Romano e Direito
Administrativo (RODRIGUES, 1995).
10
BERTÚLIO, D. L. L. Racismo, violência e direitos humanos: considerações sobre a discriminação de raça e
gênero na sociedade brasileira, 2001. Disponível em: <http://www.lppuerj.net/olped/documentos/2296.pdf>.
Acesso em: 6 ago. 2008.
11
ROMANO, R. Brasil: igreja contra estado. São Paulo: Kairós Liv.e Ed., 1979.
28
Nessas primeiras ofertas dos cursos jurídicos, o jusnaturalismo12 era a doutrina
predominante, sendo a metodologia de ministração dos conteúdos a aula-conferência, no
estilo da Universidade de Coimbra. Nesse contexto, devido “à incúria e ao desleixo de alguns
professores de São Paulo, que eram indiferentes às faltas dos acadêmicos às aulas e às
imerecidas aprovações dos mesmos em exames, considerados perniciosos [...] fato este que
ocorria também em Olinda” (DURAN, 2004, p. 36), os egressos saíam com pouco
conhecimento do Direito.
Logo nos primeiros anos de funcionamento dos cursos jurídicos, entre 1931 e 1937, no
relatório anual elaborado pelo diretor da Academia de São Paulo, consta a informação sobre o
desleixo, tanto de alunos quanto de professores, com relação à presença em sala de aula,
demonstrando o pouco zelo destes. Situação que também ocorria em Olinda, sendo apontada a
formação de egressos pouco capacitados e descompromissados (BEVILÁQUA, 1927).
Pelos fatos anteriormente apresentados, podemos constatar uma formação precária dos
acadêmicos nos primeiros anos de implantação do ensino jurídico no país. Algumas razões
podem explicar essa situação, tais como o fato de a criação de instituições de ensino superior
ter ocorrido pouco tempo depois da independência do Brasil e o país não possuir qualquer
tradição cultural, levando-se em conta que a Coroa Portuguesa não permitira que se
desenvolvessem escolas de nível superior em sua Colônia americana, ao contrário das
iniciativas espanholas; sendo assim, o que se via no ensino jurídico dessa época eram
[...] instalações péssimas, má qualidade dos catedráticos, professores displicentes,
alunos sem base propedêutica, sem interesse e sem aplicação, pais que pediam para
seus filhos não ensino, mas diplomas, excesso de indulgência nas aprovações, fraude
13
nos exames, a ignorância no fim do curso (ALMEIDA JÚNIOR 1956 apud
UEMS, 2005, p. 4).
12
“Jusnaturalismo é a construção científica, é a teoria formulada por um grupo de cientistas pertencentes a uma
mesma escola. O Jusnaturalismo também é denominado de Direito Natural, que é uma ideia abstrata do direito,
da existência de um ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior de que existe um direito anterior,
superior e eterno ao direito posto, materializado, positivado, que tem ascensão sobre este último, chamado de
ideologia pelos positivistas. São normas que servem de fundamento ao Direito Positivo tais como: deve-se fazer
o bem, dar a cada um o que lhe é devido, a vida social deve ser conservada, os contratos devem ser observadas e
outras. São leis que apesar de não escritas, são indeléveis, jamais se apagarão e cada um de nós as traz gravadas
no próprio coração, descansando sobre elas a vida das comunidades, ordenando o respeito a Deus, à liberdade e
aos bens, a defesa da pátria, constituindo as bases permanentes e sólidas de toda legislação, representando a
duplicata ideal do Direito Positivo, o paradigma que deve inspirar o legislador ao editar as suas normas. São
normas tendentes a se converterem em Direito Positivo ou a modificar o Direito preexistente e da qual realiza má
obra ou injusta o legislador que dela se afasta. O Jusnaturalismo foi defendido por Santo Agostinho e São Tomás
de Aquino e também pelos doutores da Igreja e pensadores dos séculos XVII e XVIII. As Escolas Históricas e
Positivistas refutam o Jusnaturalismo atendo-se à realidade concreta do Direito Positivo. No século XX o
Jusnaturalismo renasceu e predominou em razão do movimento neotomista e da ideia neokantiana”
(MONTEIRO, 1989, p. 7-8).
13
ALMEIDA JR., A. Problemas do ensino superior. São Paulo: Ed. Nacional, 1956.
29
No ano de 1854, as Academias de Direito tiveram uma mudança de nomenclatura,
vindo a se chamar Faculdades de Direito; no entanto, a qualidade do ensino ainda continuou
precária, encontrando-se os mesmos problemas acima mencionados.
Em 1869, o Conselheiro Leôncio de Carvalho propõe uma ampla reforma no ensino
jurídico, pretendendo tornar o ensino livre, no qual “o aluno não era obrigado a frequentar as
aulas, mas apenas a prestar os exames e obter a aprovação” (UEMS, 2005, p. 4). Tal reforma
não prosperou, e a qualidade do ensino jurídico no Brasil continuou a apresentar os mesmos
problemas relacionados à falta de interesse e desleixo dos professores, somados à precária
condição física dos locais onde os cursos eram ministrados. No entanto, acreditamos que essa
tentativa de Reforma promovida pelo Conselheiro Leôncio foi a precursora da
mercantilização da educação que conhecemos atualmente.
Sem a pretensão de esgotar o tema, interessa mencionar que esse fenômeno, cujos
germes foram lançados em 1869, atualmente assume proporções gigantescas, apoiando-se na
doutrina político-ideológica neoliberal que tem como estratégia as reformas de Estado, sendo
a mercantilização da educação superior uma
[...] necessidade de expansão do capital para outros setores da economia ainda não
organizados sob a lógica do modo capitalista de produção. Fenômeno este
impulsionado pelas políticas neoliberais que tem como princípio o livre mercado e
como consequência, a privatização.
A privatização, implementada pelas políticas neoliberais hegemônicas, sobretudo na
América Latina, vêm atingindo as “instituições” universitárias públicas de tal modo
que significa o desmantelamento do Ensino Superior público e sua consequente
mercantilização. Nesse sentido, a política de restrição ao crescimento das
universidades públicas e sua reestruturação voltada para a produtividade e
competitividade, tem favorecido a propagação das universidades privadas por
intermédio da idéia do livre mercado. (SCREMIN; MARTINS, 2005, n.p.).
Enfatizando, as sementes da mercantilização foram lançadas pela mal sucedida
reforma de iniciativa do Conselheiro Leôncio no ano de 1869 e potencializada nos últimos
anos pela política neoliberal, sendo que o curso de Direito foi um dos principais alvos de
exploração pela iniciativa privada, tendo em vista as vantagens financeiras obtidas ao oferecer
este curso, muitas vezes sem a preocupação com um ensino de qualidade.
Retomando o percurso histórico, consta que a República trouxe um incremento do
número de cursos jurídicos: em 1900 o país já contava com seis escolas de Direito, agora não
mais se concentrando apenas em São Paulo e Recife, mas em diversos outros estados do
Brasil.
30
O aumento dos cursos de Direito foi gradual e, em 1930, já havia doze deles
espalhados pelo Brasil, fundados em uma matriz ideológica liberal, com um paradigma
científico positivista, aliado a uma metodologia que apenas transmitia conhecimento, o que
não mais se sustentava devido às modificações geopolíticas havidas após a Primeira Guerra
Mundial e a influência direta dos Estados Unidos na América Latina.
Este período, como nos conta Martínez
[...] encerra um momento de afirmação do Liberalismo na sociedade brasileira,
cristalizado nos cursos de Direito por meio da baixa estruturação metodológica e do
direcionamento privatista das grades curriculares. Isso contribuiu para a formação de
um ciclo de reprodução da ideologia liberal na formação jurídica dos operadores
brasileiros do Direito, contribuindo oportunamente para o surgimento do termo
“fábricas de bacharéis”. (MARTÍNEZ, 2006, p. 1, grifo do autor).
Atento à proliferação da graduação, Francisco Campos, Ministro da Educação,
empreendeu, em 1931, ampla reforma, por meio do Decreto nº 19.851, visando dar
organicidade ao ensino no Brasil, instituindo o Estatuto das Universidades Brasileiras, que
estabelecia:
O ensino universitário tem como finalidade: elevar o nível da cultura geral;
estimular a investigação científica em quaisquer domínios dos conhecimentos
humanos; habilitar ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e
científico superior; concorrer, enfim, pela educação do indivíduo e da coletividade,
pela harmonia de objetivos entre professores e estudantes e pelo aproveitamento de
todas as atividades universitárias para a grandeza da Nação e para o aperfeiçoamento
da Humanidade. (MORHY, 2004, p. 27).
Com essas diretrizes, pretendeu o governo federal avançar no caminho do
aprimoramento da política educacional brasileira, até então cambaleante devido às suas
instabilidades e fragilidades. Essas medidas visavam
[...] equipar, tecnicamente, as elites profissionais do país e de proporcionar ambiente
propício às vocações especulativas e desinteressadas, cujo destino imprescindível à
formação da cultura nacional é o da pesquisa, da investigação e da ciência pura.
14
(VENÂNCIO FILHO 1982 apud DURAN, 2004, p. 133).
14
VENÂNCIO FILHO, A. Das arcadas ao bacharelismo: história. 2. ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1982.
31
No que diz respeito ao ensino jurídico, procurou-se dar caráter profissional aos cursos
de Direito, dividindo-os em Bacharelado e Doutorado, sendo que apenas os de bacharelado
permanecem no mesmo nível até hoje.
O ano de 1961 foi um marco no país para o Ensino Jurídico, sendo implantado, pela
primeira vez, um currículo mínimo, com o propósito de que os Cursos de Direito
contemplassem um mínimo requerido para a formação jurídica geral dos estudantes.
Prescrevia o artigo 70 da já revogada Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixava as
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, um currículo mínimo e a duração dos cursos que
deveriam ser respeitados para a obtenção do diploma e o exercício da profissão, sendo esta
fixação de competência do Conselho Federal de Educação (BRASIL, Lei 4.024/61, art. 70).
A implantação desse Currículo deu-se em 1963, estabelecendo a duração do curso em
cinco anos e a obrigatoriedade de quatorze disciplinas, quais sejam:
1. Introdução à Ciência do Direito
2. Direito Civil
3. Direito Comercial
4. Direito Judiciário (com prática forense)
5. Direito Internacional Privado
6. Direito Constitucional (incluindo noções de Teoria do Estado)
7. Direito Internacional Público
8. Direito Administrativo
9. Direito do Trabalho
10. Direito Penal
11. Medicina Legal
12. Direito Judiciário Penal (com prática forense)
13. Direito Financeiro e Finanças
14. Economia Política. (BRASIL, 2004. Parecer CNE/CES n.º: 211/2004).
Por esse modelo, podemos notar que, nessa primeira criação do currículo mínimo, o
perfil privilegiado foi o tecnicista, atribuindo-se ao estudo de leis e códigos valor maior do
que os ligados a aspectos humanísticos, sociais e políticos; algumas disciplinas, como
Filosofia e História do Direito, passaram a ser facultativas, o que, na época, significava o
mesmo que dispensadas.
No entanto, a iniciativa de se exigir um currículo mínimo não teve o efeito esperado,
pois as instituições de ensino superior admitiram nos currículos as disciplinas previstas no
currículo mínimo como suficientes, não se acrescentado outras como necessárias à formação
acadêmica. Nesse contexto, o número de cursos jurídicos crescia consideravelmente, pois, em
1964, o Brasil já contava com 61 (sessenta e uma) Faculdades de Direito (UEMS, 2005, p. 5).
No ano de 1972, o ensino jurídico vivia uma grande crise; nessa conjuntura,
32
[...] a manutenção da idéia de reforma, pela simples modificação da grade curricular,
novamente voltou a ser indicada como a solução para a crise em 1972, quando os
cursos de Direito receberam nova modificação curricular por determinação da
Resolução n. 3, do Conselho Federal de Educação. Um dos fundamentos da
reformulação curricular de 1972 consistia em que o obstáculo à implantação de
“soluções inovadoras" na metodologia do ensino jurídico decorria da "dilatada
extensão" do currículo mínimo dos cursos de Direito. (MARTÍNEZ, 2006, p. 1,
grifos do autor).
A referida reforma novamente introduziu um currículo mínimo para os Cursos de
Direito; no entanto, não resolveu o cerne da crise, e os cursos jurídicos continuaram
apresentando os mesmos problemas que a reforma de 1961 tentou resolver. Assim, diante
desta também mal sucedida reforma, o que se continuou a ver eram as faculdades de Direito
seguindo seus programas tradicionais como suficientes para serem ensinados durante a
graduação.
Rodrigues, ao comentar a reforma, esclarece o que ocorreu por parte das instituições
de ensino. Para o autor,
A maioria delas adotou o currículo mínimo como sendo o currículo pleno, deixando
de acrescentar-lhe outras matérias que permitissem, em cada caso concreto, a
adequação dos cursos às necessidades regionais. Em nível curricular, o que
deveriam ter entendido os responsáveis pelos cursos de Direito é que todo currículo
mínimo enumera o mínimo necessário como ponto de partida, mas nunca o todo,
motivo pelo qual o currículo pleno deve possuir uma parte complementar e opcional
em relação a ele, que viabilize a formação de profissionais especializados e melhor
preparados para enfrentar o mercado de trabalho. É preciso entender que currículo
mínimo e pleno não se confundem. (RODRIGUES, 1995, p. 47).
Após essa análise, o autor conclui, em relação à reforma de 1972, que esta “não
resolveu os problemas do ensino jurídico” (RODRIGUES, 1995, p. 50), pelo fato de não ter
atingido os pontos necessários das mudanças estruturais, ou mesmo em razão de aqueles que
deveriam zelar pela sua implementação não lhe terem dado a devida atenção.
Mesmo com essas novas diretrizes, os cursos jurídicos no Brasil continuaram em
ampla expansão, tendo em vista o baixo investimento necessário para abrir um curso, pois
este não necessita de equipamentos e laboratórios custosos, levando-se em conta outras
graduações como a medicina, cujos investimentos são muito maiores; ademais, pela
possibilidade de altos rendimentos, impulsiona uma grande procura. Com esses atributos, o
que se vê é uma explosão do crescimento maior que nos demais cursos de graduação, que, nos
últimos anos, também tiveram sua oferta ampliada consideravelmente.
33
Tendo em vista a baixa qualidade dos cursos jurídicos até então, o Ministério da
Educação e Cultura (MEC), por meio da Portaria nº 1.886/94, estabeleceu diretrizes
curriculares em substituição aos currículos mínimos, para entrar em vigor já no ano de 1996,
vindo, posteriormente, este prazo, a ser prorrogado para 1997 (UEMS, 2005).
A nova LDB, editada em 1996, positivou, agora por lei, as portarias acima
mencionadas, com o fim de estabelecer um novo modelo que substituiu o Currículo Mínimo
pelas Diretrizes Curriculares. Essa nova orientação teve como temática a qualidade,
envolvendo todos os partícipes nesse processo de melhora, com a preocupação no
desenvolvimento social. Isto porque os cursos superiores no Brasil apenas aumentavam, tanto
que, no ano de 1999, já passavam de 300 (trezentos), e em 2002 já havia mais de 400
(quatrocentos) (UEMS, 2005, p. 5).
Tomando por base as alterações inseridas pela nova LDB, o CNE expediu o Parecer
CES/CNE nº 146/02, no ano de 2002, propondo novas Diretrizes Curriculares para o curso de
Direito; dentre as inovações constava a redução da duração do curso de Direito de 5 (cinco)
para 3 (três) anos, proposta que foi recebida com fortes críticas, tendo em vista o retrocesso
que tal alteração representaria (UEMS, 2005, p. 7).
Pela oposição geral que esta inovação enfrentou, tendo em vista a LDB e a Portaria
186/1996, o ato foi suspenso em 12 de setembro de 2002, por decisão do Superior Tribunal de
Justiça, em Liminar em Mandado de Segurança impetrado pelo Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil (OAB), tendo o mérito da questão sido julgado procedente em abril
de 2003.
Consta no Projeto Pedagógico – PP do Curso de Direito da UEMS a informação dada
pelo Professor Paulo Roberto Gouveia de Medina, que na época era presidente da Comissão
do Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB (CEJU), durante a abertura do VII
Seminário do Ensino Jurídico, realizado em São Paulo, que o Brasil possuía, em 2002, 654
(seiscentos e cinquenta e quatro) cursos jurídicos, expansão que já começava a agravar, cada
vez mais, a preocupação da entidade com relação à qualidade do ensino oferecido.
No que diz respeito ao aspecto “qualidade”, vejamos a conclusão a que chegou Aidar,
presidente da OAB-SP no mesmo ano de 2002, ao tecer análise com relação à melhora do
ensino jurídico no Brasil, bem como à limitação do número de cursos:
O futuro do Ensino Jurídico no País não nos parece claro ou promissor. O número de
escolas é excessivo, a formação dos alunos é precária, o mercado não consegue
absorver tantos formandos e se torna mais excludente, preferindo egressos de
34
Faculdades de primeira linha, que tradicionalmente obtêm índice de aprovação
acima de 90% nos Exame de Ordem. Grande parte das instituições
de ensino jurídico, hoje, não formam, não pesquisam, não têm compromissos sociais
e profissionais. E, desde já, podemos detectar os prejuízos que os maus
profissionais do Direito causam em sua atuação, a despeito de todos os filtros.
Tornam-se advogados sem a devida qualificação, podendo impor significativos
danos a seus clientes, ao deixar de lhes assegurar direitos, depondo contra a
Advocacia e aumentando o número de processos disciplinares, decorrentes da má
formação e inobservância de preceitos éticos na profissão. (AIDAR, 2002, n.p.).
O CNE, em 18.02.2004, aprovou o Parecer nº 055/2004, que trazia novas Diretrizes
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, vindo o Parecer nº 211 de
08.07.2004, do mesmo Conselho, alterar alguns pontos; dentre eles, incluir a elaboração de
um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), também denominado Monografia Jurídica, e o
Estágio Curricular.
O Parecer CNE/CES 211/2004, que trata da “Reconsideração do Parecer CNE/CES
55/2004 referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Direito”,
aprovado em 08.07.2004, foi solicitado pela Associação Brasileira de Ensino de Direito
(ABEDi), pelo fato de entender que o Parecer CNE/CES 211/2004 frustrou as expectativas da
comunidade, pois não contemplava alguns itens discutidos, como, por exemplo, no item
denominado “conteúdos curriculares”, a inclusão de Antropologia no Eixo de Formação
Fundamental, que poderia ser acompanhada de uma referência à história e à Introdução ao
Direito. A Monografia Jurídica e o Estágio Curricular também foram objetos de irresignação
da ABEDi, que relata a existência do debate consistente em
[...] disposições antagônicas: uma favorável à monografia obrigatória e outra,
contrária à sua própria existência [...]. Ainda, segundo o relato do documento da
ABEDi, esse antagonismo seria resolvido pelo Parecer CNE/CES 146/2002 e
respectiva proposta de Resolução, [...]. (BRASIL, CNE/CES 211/2004, 2004, p. 2).
No entanto, o Parecer CNE/CES 146/2002 tornou a Monografia opcional, o que foi
muito contestado e, no propósito de conciliar as três posições que constavam dos documentos,
que sinalizavam pela inexistência, existência opcional e existência obrigatória, a ABEDi
reivindicou a sua realização em caráter obrigatório em algum momento mais próximo ao final
do curso.
Quanto ao Estágio Curricular Supervisionado,
35
[...] a ABEDi destaca que a P. M 1.886/94 trouxe nesse campo avanços para o
ensino jurídico, permitindo a integração dos conteúdos teóricos com as atividades
práticas, especialmente quanto à concepção do estágio curricular como Prática e não
somente como Prática Forense. Entendem, que se o estágio for realizado fora da
IES, haverá o esvaziamento do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) e estabelecerá
novamente impasse, segundo ela, já superado pela P.M 1.886/99 e que diz respeito à
mistura entre estágio curricular e estágio profissional. Reconhece a importância dos
convênios somente para serem utilizados parcialmente, de modo a suprir as
atividades que não são oferecidas na IES. (BRASIL, CNE/CES 211/2004, 2004, n.
p.).
Dessa forma, o pedido de reconsideração versa sobre três itens: Conteúdos
Curriculares (introdução da disciplina Introdução ao Direito), Monografia Jurídica e Estágio
Curricular Supervisionado. O CNE/CES, após ampla discussão, aprovou, por unanimidade, a
obrigatoriedade dos itens pleiteados.
Com este breve adendo para se compreender o ensino jurídico após o Parecer
CNE/CES 211/2004, ressalta-se que a sua oferta tomava, cada vez mais, proporções
gigantescas, uma vez que, no ano de 2004, o Professor Paulo Roberto Gouveia de Medina,
durante o III Congresso Brasileiro do Ensino Jurídico, conforme exposto no mesmo Projeto
Pedagógico do curso de Direito de 2005 da UEMS, informava já existirem no Brasil 806
(oitocentos e seis) cursos jurídicos, bem como 450 (quatrocentos e cinquenta) novos pedidos
para implantação, o que representava um aumento considerável da oferta, não acompanhada
pelos demais cursos de graduação.
Esse aumento do número de cursos de Direito preocupava, cada vez mais, a entidade
de classe, exigindo providências quanto ao seu acompanhamento. Melo Filho, membro da
Comissão de Educação Jurídica e da Comissão responsável pelo selo da OAB, em entrevista à
Gazeta do Povo, em 27.11.2011, ao ser questionado sobre as razões da criação do selo “OAB
Recomenda”, manifestou sua apreensão com a quantidade de cursos jurídicos no Brasil, bem
como a sua qualidade, entendendo que a OAB necessitava avaliar a qualidade do ensino
oferecido para emitir seu parecer. De acordo com Melo Filho:
Estamos preocupados com a qualidade do ensino jurídico. O Brasil tem um número
exorbitante de cursos de direito. Hoje são 1.219 cursos com quase 700 mil alunos
matriculados. Dez bacharéis de Direito se formam por hora no Brasil. Os números
de outros países podem ajudar a analisar essa quantidade: a China tem 927 cursos de
Direito, a Índia 1002 cursos, a Rússia 486 e os Estados Unidos 201. E, nesse
cenário, a facilidade e a rentabilidade de se criar um curso de Direito no Brasil não
são acompanhadas pela qualidade e pela ética. Nos dez últimos Exames de Ordem,
as inscrições subiram em 310%, mas os aprovados reduziram em 50%. Nesse
panorama, o selo OAB Recomenda tem por objetivo premiar aquelas instituições
exemplares que se destacam e levam em conta a qualidade e não a quantidade do
ensino jurídico. (MELO FILHO, 2011, n.p.).
36
Pelos dados anteriormente apresentados, há no Brasil mais de 1.219 (mil duzentos e
dezenove) cursos jurídicos, com quase 700.000 (setecentos mil) acadêmicos matriculados,
restando questionar que tipo de profissional essas Instituições estão formando, uma vez que o
ensino superior no Brasil, especialmente o jurídico, tem mostrado ser uma atividade altamente
lucrativa. No entanto, pelas ponderações acima, a qualidade tão apregoada se resume à
preocupação com uma oferta excessiva. Com esse aumento da oferta de vagas dos cursos
jurídicos no Brasil, cabe-nos questionar o lugar reservado à população negra nesses cursos.
Ao analisar a história da educação no Brasil, notamos que, no começo da colonização,
esta foi entregue à igreja católica; assim, foram “[...] os Jesuítas que criaram [...] e por dois
séculos quase exclusivamente mantiveram o ensino público no Brasil” (CARVALHO15 1976
apud TREVISAN, 1987, p. 21).
A igreja católica via os negros como “gentios” e a
oportunidade de catequizá-los e convertê-los ao cristianismo auxiliaria vencer uma batalha
religiosa travada contra os cristãos reformados. “Era imperativo ganhar novas almas para o
rebanho da Igreja Romana” (FERREIRA JÚNIOR; BITTAR, 1999, p. 477). Na escola de
rudimentos e de catequese poderiam estudar filhos de escravos, mas não havia preocupação
com o ensino e a emancipação, pois o que se primava era a catequização e, mesmo assim
[...] a educação de crianças negras no Brasil Colonial foi um fenômeno residual.
Constituiu-se uma exceção da regra geral que caracteriza os grandes traços
explicativos da história da educação do período em tela, ou seja, a exclusão da
ampla maioria do povo brasileiro. (FERREIRA JÚNIOR; BITTAR, 1999, p. 473).
Nesse contexto, não havendo sequer escola para os brancos, era uma exceção o negro
se dar ao luxo de aprender as “primeiras letras” (neste caso, os filhos de senhores de engenhos
com escravas – mulatos). Logo, sem esse ensino básico, não haveria como se falar em
continuação dos estudos ou mesmo em uma graduação.
No ano de 1759, os jesuítas foram expulsos do Brasil com a Reforma Educacional
implantada por Pombal (TREVISAN, 1987). O fato é que a Ordem Jesuítica, com sua
organização, exercia certo controle sobre este país, que se encontrava em início de
colonização e ainda com pouca presença estatal. Uma vez expulsa a Ordem Jesuítica, com
urgência outro processo educacional deveria ocupar o vazio deixado. Era esta a maior
preocupação de Pombal.
15
CARVALHO, Laerte Ramos de. Ação Missionária e Educação. In: História Geral da Civilização Brasileira.
Tomo I, Vol. I. São Paulo, 1976.
37
Ocorre que, durante o Império, a educação já sob o controle do Estado, a instrução
primária e secundária deixava muito a desejar. Estudo feito por Barroso16 (1867 apud
TREVISAN, 1987, p. 80) menciona que “em 1867 as matrículas das escolas primárias
atingiam 197.500 para uma população livre de cerca de 8.830.000, estimando-se em
1.200.000 a população em idade escolar”, o que demonstra que naquela época o ensino era
privilégio de poucos.
Sendo assim, o negro, mesmo o liberto, na época em que no Brasil ainda existia a
escravidão, ficou acorrentado a outro jugo, pois a escravidão fez também surgir a
discriminação e o preconceito com relação a esta população, o que podemos notar de alguns
dispositivos imperiais que restringiam o acesso do negro ao ensino. Cite-se como exemplo a
Lei número 1, de 14 de janeiro de 1837, onde as escolas e os cursos noturnos
vetavam o acesso de escravos, como se pode perceber na regulamentação: “São
proibidos de frequentar as escolas públicas: Primeiro: Todas as pessoas que
padecem de moléstias contagiosas. Segundo: os escravos e os pretos africanos,
ainda que sejam livres ou libertos”. (FONSECA17 2002 apud PASSOS, 2012, n.p.,
grifo nosso).
Pelas informações anteriores, o negro, mais uma vez, continuou excluído do processo
educacional promovido pelo Império, que os condenava a um futuro sem perspectivas. No
entanto, relevantes transformações se aproximavam com a chegada do novo século, pois o
Estado mudaria de domínio; logo, as bases do ensino também precisariam ser revistas, para se
adequarem a essas inovações, recebendo novas funções.
Parron nos conta como foi a transição para o novo Estado, bem como o fato de que,
nessa época, vozes já se levantavam denunciando a escravidão e preparando o terreno para a
sua gradual extinção em solo brasileiro, ao dizer que
Na crise da Independência do Brasil, as províncias americanas elegeram delegados
para a Assembleia Nacional Constituinte, reunida no Rio de Janeiro em 1823. Ao
contrário de Lisboa, uma poderosa mente antiescravista, José Bonifácio de Andrade
e Silva, conseguiu integrar a comissão de redação da constituição, atuando como o
provável autor do artigo 234 do projeto constitucional, que previa a “emancipação
lenta dos negros”. Bonifácio ainda tinha nas mangas uma Representação sobre a
escravatura, a ser lida perante a Assembleia, em que vindicava a supressão do
tráfico negreiro em cinco anos, o direito legal do escravo à alforria e a limitação da
soberania doméstica senhorial como medidas propedêuticas para o fim gradual do
cativeiro. (PARRON, 2013, p. 51, grifos do autor).
16
BARROSO, Liberato. A instrução pública no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier Editor, 1867.
FONSECA, M. V. A educação dos negros: uma nova face do processo de abolição da escravidão no Brasil.
Bragança Paulista: ESUSF, 2002.
17
38
Nessa conjuntura, o Estado tinha que se organizar para compor seu quadro
administrativo burocrático, pois a recente independência exigia essa providência. Para a
formação desse pessoal, nada melhor que o Curso Jurídico, para que os formandos
“conduzissem o país em nome de sua elite senhorial iletrada” (CONTIER 18 1979 apud
TREVISAN, 1987, p. 52).
Os jovens brasileiros que faziam parte da elite tinham a possibilidade de estudar em
Coimbra, ou seja, apenas a uma pequena parcela (chamada nata) da sociedade era reservado
este privilégio. No entanto, com a independência, houve certo desconforto na continuação dos
estudos mesmo desse grupo. Na Assembleia Constituinte, no dia 14 de junho de 1823, o
Visconde de São Leopoldo denunciou este fato, ao dizer que
[...] uma porção escolhida da grande família brasileira, a mocidade, a quem um
nobre estímulo levou a Universidade de Coimbra, geme ali debaixo dos mais duros
tratamentos e opressão; não se decidindo, apesar de tudo, a interromper e abandonar
sua carreira, já incertos de como será semelhante conduta avaliada por seus pais, já
desanimados, por não haver ainda no Brasil institutos onde prossigam e remetem
seus encetados estudos. (ANAIS DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE, SESSÃO
14 DE JUNHO DE 1823 apud TREVISAN, 1987, p. 52).
A manutenção dos vínculos com Coimbra ficou prejudicada com a emancipação
política, e muitas foram as manifestações em termos de propostas legislativas reivindicando
Cursos Jurídicos no país. No entanto, foi em 1826 que o projeto pôde ser levado adiante,
conforme citado em páginas anteriores.
Com a criação dos cursos de Direito no Brasil, a primeira turma formou-se em 1832.
Em sua composição, havia jovens de diversas províncias do Brasil e também de Portugal e
Angola. Os relatos da escola de Direito de Olinda dão conta de que
A Faculdade é germinal. Que se irradiou por todo o Nordeste. E que esteve e está
presente nas Universidades Regionais que se criaram. Formou os bacharéis saídos
dos Recife que ergueram, sobre os alicerces do humanismo jurídico, as Faculdades
de Direito dos Estados vizinhos. Para ela vinham as gerações ansiosas de saber,
futuros magistrados, advogados, juristas, jornalistas, diplomatas, estadistas,
parlamentares, ministros de Estado, conselheiros do Império, escritores, poetas,
tribunos, políticos... (PEREIRA19 1983 apud PEREIRA, 2010, n.p.).
18
CONTIER, Arnaldo D. Imprensa e Ideologia em São Paulo, 1822-1842. Petrópolis, RJ; Campinas, SP:
Vozes/ Universidade Estadual de Campinas, 1979.
19
PEREIRA, Nilo. Pernambucanidade. Vol. I. Recife: 1983.
39
Cita ainda Pereira que muitos dos egressos da escola de Olinda se destacaram em seus
ofícios e em diversos cargos públicos.
Da escola nordestina saíram muitos nomes conhecidos como exemplo Teixeira de
Freitas, jurista, Epitácio Pessoa, presidente da república, Nilo Peçanha, presidente da
república, Pontes de Miranda, jurista, Clóvis Beviláqua, criador do código civil de
1916, Tobias Barretos, poeta e jurista, entre outros. (PEREIRA, 2010, n.p.).
O mesmo autor cita alguns nomes famosos da escola de Direito de São Paulo:
“Washington Luis, Janio Quadros, Julio Prestes, Lafayette Rodrigues Pereira, Castro Alves,
Olavo Bilac, Oswald de Andrade, Rui Barbosa e outros” (PEREIRA, 2010, n.p.). Esses
egressos destacaram-se como presidentes, governadores, prefeitos, banqueiros, escritores e em
muitas outras carreiras.
Entretanto, essa proposta de Universidade era elaborada apenas para uma selecionada
elite, pois, à época, o ensino básico era privilégio de poucos, sendo uma etapa que se
encarregava de selecionar aqueles que comporiam os bancos universitários para, em momento
posterior, dirigir a nação brasileira, nessa nova ordem implantada com a independência de
Portugal.
Assim, o negro, até mesmo o liberto, mais uma vez ficava de fora desse processo
educacional, uma vez que outros fatores, além da escravidão, o levavam a ocupar os piores
postos e lugares, bem como auferir rendimentos inferiores aos brancos. É o que se pode
depreender do comentário de Silva, ao dizer que
O lugar ocupado pelo negro no Brasil nos diversos espaços da sociedade nos dias de
hoje, no entanto, não é fruto da escravidão, mas da discriminação. É algo que
permeia nossa cultura, para manutenção do grupo dominante. Não é a falta de
qualificação que mantém o negro em postos inferiores de trabalho, mas a falta de
vontade de toda a sociedade de permitir que o negro encontre um patamar mais
igualitário. Mudar essa realidade é imprescindível para que possamos alcançar uma
sociedade mais justa. (SILVA, 2005a, p. 34).
Kaufmann (2007), escrevendo sobre o “sincretismo racial” brasileiro, analisa como a
posição social do indivíduo influencia na percepção da sua própria cor, e por consequência, a
qual raça pertence. Registra a presença do negro nas camadas sociais mais elevadas, nos
induzindo a pensar que a miscigenação sempre esteve presente na história brasileira, bem
como, que a esta população não foi negada sua participação na sociedade. Assertiva que os
dados socioeconômicos e educacionais registrados ao longo da história desmentem.
40
A autora cita o exemplo extraído da Ordem de 1731, procedente de D. João V, que
revela surpreendente exemplo de recusa à discriminação e “[...] postura contrária da
autoridade máxima ao manifestado preconceito de cor” (KAUFMANN, 2007, p. 41).
Por meio da Ordem acima citada, foram conferidos pelo Rei poderes para que o
Governador da Capitania de Pernambuco, que à época era Duarte Pereira, empossasse um
mulato no cargo de Procurador da Coroa, posição de grande prestígio na época, argumentando
que “a cor não servia como um impedimento para exercer a função. Haveria obstáculo, no
entanto, se ele não fosse bacharel” (KAUFMANN, 2007, p. 41). Esse raro posicionamento de
negação ao racismo ocorreu uns cento e cinquenta anos antes do fim da escravatura.
Relata, ainda, Kaufmann que
Também no Império, por sua vez, havia um grande número de mulatos que
ocuparam cargos importantes, seja como membros do Gabinete Imperial, seja como
Senadores, juízes ou deputados. A Guarda Nacional, um dos maiores ícones da elite,
era formada inclusive por afro-descendentes, e, muito antes da formação da Guarda,
o negro Henrique Dias já havia sido agraciado com o grau de cavaleiro da Ordem de
Cristo e com título “Governador dos Crioulos, Pretos e Mulatos”, pela notável
participação na Batalha dos Montes Guararapes. (KAUFMANN, 2007, p. 42, grifo
da autora).
O que podemos extrair desses relatos é a possibilidade concedida a alguns negros de se
sobressaírem na seleta estrutura social brasileira, mesmo na época do Brasil Colônia, quando
a escravidão estava em alta, concedendo-se ao negro livre certo status social, isso ainda bem
antes da abolição da escravatura. Outros negros destacaram-se na época da escravidão; no
entanto, como esta pesquisa se liga, de certa forma, ao Direito, mencionaremos apenas
aqueles com esta graduação, ou que atuaram nesta área. De acordo com Kaufmann, temos:
[...] Conselheiro Rebouças. Filho de uma escrava liberta com um alfaiate português,
nascido na Bahia em 1789, Rebouças tornou-se grande especialista no direito civil,
foi várias vezes deputado pela província da Bahia, Conselheiro do Imperador e
advogado do Conselho de Estado. (KAUFMANN, 2007, p. 43).
Freyre20 relata interessante episódio envolvendo o Conselheiro Rebouças. Conta que
Durante um baile na Corte, à época Imperial, o Conselheiro Rebouças sentiu-se
constrangido por estar um pouco deslocado diante da aristocracia. Percebendo o
mal-estar, Dom Pedro II chamou a Princesa Isabel e pediu que esta dançasse com o
20
FREYRE, Gilberto. Novo Mundo nos Trópicos. Tradução de Olívio Montenegro e Luiz de Miranda Corrêa.
Prefácio de Wilson Martins. 2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks – UniverCidade.
41
mulato Rebouças, como prova de que a sua cor não o impedia de participar do
convívio com a realeza e com a alta sociedade. (FREYRE 2000 apud KAUFMANN,
2007, p. 43).
Este acontecimento relata a pouca presença negra junto à aristocracia e, no caso das
mulheres, nenhuma presença, uma vez que os poucos que conseguiam se destacar ficavam
isolados dessa elite política e social do Império, como os citados a seguir
Luis Gama, negro de origem humilde, filho de uma quitandeira africana liberta com
um fidalgo português, conseguiu ascender socialmente e chegou a se tornar um dos
mais importantes líderes abolicionistas. Nasceu livre em 1830, mas o pai o vendera
posteriormente como escravo. Conseguiu fugir da casa do senhor para quem
trabalhava e adquiriu a liberdade, foi poeta, jornalista, advogado e um dos líderes do
Partido Republicano Paulista. [...] Tobias Barreto, jurista, mulato, escritor, poeta,
nascido em 1839 na Vila de Campos, em Sergipe. Tobias foi patrono da Cadeira nº
38 da Academia Brasileira de Letras e professor da Faculdade de Direito de Recife,
também conhecida como a “Casa de Tobias”. (KAUFMANN, 2007, p. 43).
Nesses poucos registros na literatura, não identificamos nenhuma referência a “preto”
pois, em todos os casos, os negros eram mulatos, classificados como filhos de pai branco e
mãe negra, nascidos de relacionamentos extraconjugais dos senhores de engenho com
escravas libertas.
A escola de Direito de Olinda, como visto, teve um estudante negro antes da abolição
que, posteriormente, se tornou presidente do Brasil: Nilo Procópio Peçanha, nascido em 2 de
outubro de 1867, que assumiu o cargo em virtude da morte de Afonso Pena em 1909,
governando até 1910. Era de origem negra, de cor mulata (cor parda, segundo o IBGE).
Peçanha
[...] era filho de uma família simples ligada ao campo e tinha a pele mulata, o que
lhe causou uma série de situações desconfortáveis. Foi muitas vezes subjugado
durante sua vida e comenta-se que no seu período como presidente as fotos oficiais
do líder político eram retocadas para fazê-lo parecer dono de uma pele mais clara.
(GASPARETTO JUNIOR, 2010, n.p.).
Pode-se perceber que a discriminação não perdoava nem mesmo as classes mais
abastadas e os políticos mais influentes. Ascender social e politicamente em um país
altamente racista como o Brasil da época não tornava o indivíduo respeitado como membro
do corpo social, mas sim um corpo estranho ocupando um cargo que não lhe pertencia.
Por fim, dentre cargos de destaque ocupados atualmente no Brasil por negros, temos o
Presidente da mais alta corte de justiça, STF, Ministro Joaquim Barbosa, primeiro presidente
42
negro desse tribunal, que foi instalado em 9 de janeiro de 1829, sob a denominação de
“Supremo Tribunal de Justiça”.21
Após esta análise histórica sobre a presença do negro no curso de Direito, cabe fazer
uma descrição panorâmica de uma realidade mais próxima, que diz respeito diretamente ao
objeto desta pesquisa, ou seja, os quatro cursos de Direito da Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul – UEMS, bem como a importância desta instituição no contexto social e
regional. Essa concepção oferece subsídios para o entendimento de seu papel na sociedade
sul-mato-grossense e nacional, como elemento indispensável para a inclusão da diversidade
étnico-racial.
1.3 Conhecendo a UEMS
Os idealizadores da UEMS, em seu projeto inicial, vislumbraram uma proposta
inovadora de Universidade, que atendesse à carência regional, especialmente àquela do
interior do Estado, uma vez que a parca oferta de ensino superior nessas localidades gerava, e
ainda gera, entraves ao desenvolvimento do MS, proporcionando o aumento das
desigualdades sociais. Para aferir as necessidades de cada região, sucederam-se diversas
reuniões com as comunidades locais, chegando-se ao consenso de que o Estado necessitava de
[...] uma Universidade com vocação para a interiorização de suas tarefas, para
atender a uma população que, por dificuldades geográficas e sociais, dificilmente
teria acesso ao ensino superior. [...] propôs-se, portanto, a reduzir as disparidades do
saber e as desigualdades sociais, a constituir-se em “núcleo captador e irradiador de
conhecimento científico, cultural, tecnológico e político” e, principalmente, a mudar
o cenário da qualidade da educação básica do Estado, voltada, primordialmente, para
a formação de professores. (UEMS, 2005, p. 3, grifo do autor).
Nesse ensejo, a UEMS teve o propósito de impulsionar o crescimento regional,
tecnológico, científico e regional do Estado, tornando-se um agente de transformação social,
garantindo um ensino superior gratuito e de qualidade, com a vantagem de suas Unidades
estarem implantadas no interior do estado, fato que já demonstra, no seu nascedouro, um
21
Informação obtida no portal do Supremo Tribunal Federal – Histórico-. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfConhecaStfHistorico>. Acesso em: 25 fev.
2013.
43
estímulo à população menos favorecida, que não teria recursos para buscar formação superior
em outras localidades. Esse propósito poderá ou não se confirmar ao longo desta pesquisa,
principalmente no aspecto diversidade, por meio das análises e comentários das respostas aos
questionários aplicados.
A previsão de criação da UEMS constava da primeira, e já revogada, Constituição do
Estado, datada de 13 de junho de 1979, em seu artigo 190, bem como está expressa na atual
Constituição Estadual, de 5 de outubro de 1989, cujo artigo 48, do Ato das Disposições
Constitucionais Gerais e Transitórias prevê: “Art. 48. Fica criada a Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul, com sede na cidade de Dourados, cuja instalação e funcionamento
deverão ocorrer no início do ano letivo de 1992” (VASCOTTO, 2011, p. 915).
No entanto, apenas a previsão constitucional não seria o suficiente para a sua
implantação e funcionamento. Foi necessária a edição de outras normas e, nessa senda, foi
promulgada a Lei Estadual nº 1.461, de 20 de dezembro de 1993, que a instituiu. O
funcionamento de seus cursos foi autorizado pelo Parecer nº 08 do CEE/MS de 9 de fevereiro
de 1994, os quais vieram a ser oferecidos no segundo semestre do mesmo ano.
Seu credenciamento como Universidade deu-se com a Deliberação nº 4787 do
CEE/MS, de 20 de agosto de 1997, estando, dessa forma, regularizada para desenvolver as
atividades de ensino, pesquisa e extensão, tendo como princípios norteadores, de acordo com
o seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)
[...] reafirmar compromissos, definir metas, estabelecer novos mecanismos de
atuação e organizar as ações no sentido de impulsionar o desenvolvimento do
Estado, ampliando o atendimento da UEMS no interior, valorizando o quadro
docente e administrativo da Instituição, além de implementar as estruturas e serviços
internos e os voltados à comunidade. (UEMS, 2005, p. 4).
Conforme o estabelecido no art. 3 da Lei Estadual nº 1.461, de 20 de dezembro de
1993, que autoriza o Poder Executivo a instituir a Fundação Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul, a UEMS tem como objetivo a ministração do ensino superior de graduação e
pós-graduação, a extensão universitária e o desenvolvimento da pesquisa, das ciências, das
letras e das artes.
A UEMS, em consonância com a nova LDB (Lei 9.394/96), teve a preocupação, desde
o início, de manter-se atualizada em seus dispositivos legais. Assim, de acordo com o Projeto
Pedagógico dos Cursos de Direito de 2005, com o advento da Nova LDB, a Instituição
44
[...] vem promovendo, desde a época de sua criação, a reformulação de seus
dispositivos legais. Foram aprovados o novo Estatuto (Decreto nº 9337, de 14 de
janeiro de 1999) e o Regimento Geral (Resolução UEMS nº 01, de 08 de março de
1999, que foi alterada pela Resolução COUNI nº 227, de 29 de novembro de 2002).
(UEMS, 2005, p. 4).
Estas atualizações normativas foram analisadas pelo Conselho Estadual de Educação –
CEE/MS, e, por este entendê-las adequadas ao que dispõem os artigos 43, 44 e 45 da LDB
(Lei 9.394/96), foi concedida à UEMS a qualificação para atender às finalidades do ensino
superior.
De acordo com o estabelecido no artigo 1º do Estatuto da UEMS, aprovado pelo
Decreto Estadual nº 9.337, de 14 de janeiro de 1999, a UEMS tem a condição jurídica de
“instituição Estadual de natureza fundacional pública, gozando de autonomia didáticocientífica, disciplinar, administrativa, financeira e patrimonial” (UEMS, 1999, p. 1).
A escolha dos cursos seguiu, como critério, as peculiaridades e carência do local onde
a Unidade seria instalada, com a proposta de
[...] reduzir as disparidades do saber e as desigualdades sociais e, principalmente, a
mudar o cenário da qualidade da Educação Básica do Estado, estabelecendo como
missão: “gerar e disseminar o conhecimento, voltada para a interiorização, e com
compromisso em relação aos outros níveis de ensino”.
Com esta finalidade, a UEMS foi implantada, além da sede, em outros 14
municípios, funcionando [...] nas seguintes cidades: Amambai, Aquidauana, Campo
Grande, Cassilândia, Coxim, Glória de Dourados, Ivinhema, Jardim, Maracaju,
Mundo Novo, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba e Ponta Porã [...].
Em seu início, a UEMS possuía 12 cursos, com 18 ofertas às comunidades onde
estava localizada. (UEMS/CPA, 2006, p. 1, grifos do autor).
Para o oferecimento de um ensino democratizado e acessível a todas as camadas da
população sul-mato-grossense, tendo em vista as dimensões do Estado e levando-se em conta
que este se encontrava a caminho do desenvolvimento, com parcas ofertas de ensino superior
público, bem como com a preocupação de racionalizar verbas públicas,
[...] a UEMS adotou, inicialmente, três estratégias diferenciadas: a rotatividade dos
cursos, sendo os mesmos permanentes em sua oferta e temporários em sua
localização; a criação de Unidades de Ensino, em substituição ao modelo de campus,
e a estrutura centrada em Coordenadorias de Curso, ao invés de Departamentos.
(UEMS, PDI 2009-2013, 2008, p. 13).
Muito embora recente a sua implantação, uma vez que conta atualmente com 19 anos,
datando sua autorização e oferta de cursos do ano de 1994, a instituição ofereceu, no processo
45
seletivo 2012, um total de 52 (cinquenta e dois) cursos de graduação em suas quatorze
unidades e na sede. Ela dispõe também de diversas pós-graduações stricto e lato sensu, vindo
a suprir uma carência verificada no estado com relação ao ensino superior, uma vez que visa o
atendimento a uma clientela específica, carente de formação e qualificação.
A formação superior proporcionada pela UEMS tem como consequência oportunizar
uma melhor condição de vida ao sul-mato-grossense e, em muitos locais, aos fronteiriços de
outros estados, uma vez que diversas Unidades estão situadas próximas a eles; citem-se, como
exemplo, as Unidades de Cassilândia, Mundo Novo, Paranaíba e Ponta Porã.
Conjugando diversos fatores, dentre eles o fato de se tratar de uma universidade
pública estadual, bem como a extensão do território de Mato Grosso do Sul, que conta com
357.124,96 km² (trezentos e cinquenta e sete milhões, cento e vinte e quatro mil e noventa e
seis quilômetros quadrados), somados às carências econômicas e educacionais, pode-se
afirmar que, sem a implantação desta universidade, a maioria da população do estado estaria
fadada a não ter acesso ao ensino superior (MATO GROSSO DO SUL, 2013).
Para o oferecimento de um ensino de qualidade, a UEMS precisa, além de professores
qualificados, também de uma boa organização administrativa. Para seu funcionamento
administrativo, bem como dos órgãos que encaminham suas ações, ostenta um perfil
descentralizado em sua estrutura administrativa, seguindo a tendência das modernas
universidades do país.
A UEMS, no início de suas atividades, desenvolvia sua administração através de
diversas Diretorias setoriais, reduzidas, posteriormente, ao número de duas, mudança ocorrida
devido à busca de maior rapidez, potencialização de desempenho e descentralização dos
encaminhamentos pedagógicos às Unidades de Ensino.
Em um breve esboço, pode-se resumir a estrutura da UEMS da seguinte forma: Órgãos
Colegiados Superiores (COUNI – Conselho Universitário e CEPE – Conselho de Ensino,
Pesquisa e Extensão), Reitoria, Vice Reitoria, e cinco Pró-Reitorias: Ensino (PROE); Pesquisa
e Pós-graduação (PROPP); Extensão, Cultura e Assuntos Comunitários (PROEC);
Administração e Planejamento (PROAP) e, por fim, Desenvolvimento Humano e Social
(PRODHS).
Compõe, também, sua organização, 15 (quinze) Gerências de Unidade e mais de 50
(cinquenta) Coordenações de Curso, como forma de articular os trabalhos pedagógicos para
cumprir a proposta prevista no projeto de cada curso ofertado. Conta também com Órgãos
Colegiados Auxiliares, tais como: Colegiado de Curso, presidido pela coordenação do curso e
Conselho Comunitário Consultivo, presidido pela gerência da Unidade.
46
Contando com todos os seus cursos reconhecidos, ou em renovação de
reconhecimento, uma vez que essa diligência é constante, é contínua a busca da universidade
pela ampliação e aperfeiçoamento de seus cursos, bem como a incansável preocupação na
qualificação docente, como se vê pelo programa de afastamento para capacitação, previsto na
Resolução Conjunta COUNI/CEPE-UEMS nº 021, de 2 de julho de 2004, que aprova o
Regulamento de Capacitação da UEMS, com o fim de atender às exigências da LDB (Lei nº
9.394/96) no que diz respeito aos quantitativos de mestres e doutores.
A UEMS, visando uma maior dedicação docente, adotou de forma ampla o regime de
trabalho de tempo integral, situação que facilita, sobremodo, o desenvolvimento das
atividades do professor com a possibilidade deste dispor de tempo para, além do preparo de
suas aulas, realizar seus projetos de pesquisa, extensão e publicações.
1.4 Caracterização dos Cursos de Direito da UEMS
Ao se analisar o curso de Direito oferecido por esta instituição, constata-se que o
primeiro foi criado na cidade de Três Lagoas, em junho de 1994, e teve o primeiro vestibular
ofertado no mês de julho do mesmo ano. A escolha por este curso envolveu diversos setores
organizados da sociedade civil, tais como clubes de serviços, entidades profissionais,
sindicatos, lojas maçônicas, bem como os poderes executivo, legislativo e judiciário, em uma
ampla discussão social, o que também ocorreu com a escolha dos demais cursos.
Inicialmente, o curso de Direito foi regularizado pelo Processo de Reconhecimento do
Curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul nº 13/300846/98, de
22.12.1998, aprovado pelo Parecer CEE/MS nº 537/99, em Sessão Plenária, de 10.12.1999, e
pela Deliberação CEE/MS nº 5737, de 15.12.1999.
Pelo fato de o reconhecimento ser por prazo determinado, tendo em vista alguns
balizamentos que norteiam a matéria, tais como evoluções sociais e legais, exigências do
mercado, determinações ditadas pelo Ministério da Educação, bem como outras
recomendações de órgãos governamentais, os cursos já foram submetidos a esse processo
algumas vezes, e hoje todos se encontram autorizados.
47
Atualmente, o curso de Direito da Unidade de Dourados encontra-se com seu
reconhecimento renovado por mais quatro anos pela Deliberação CEE/MS nº 9442, de
17/12/2010, a contar de 1º de janeiro de 2011, com término em 31 de dezembro de 2014.
O curso de Direito da Unidade de Naviraí também se encontra com o processo de
reconhecimento renovado pelo prazo de mais três anos, de janeiro de 2011 a 31 de dezembro
de 2013, pela Deliberação CEE/MS nº 8440, de 17.12.2010.
Do mesmo modo, a Unidade de Paranaíba encontra-se com seu curso reconhecido pela
Deliberação CEE/MS 9443, de 17 de dezembro de 2010, pelo prazo de quatro anos, de 1º de
janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2014.
O curso de Direito, em todos os locais citados, veio atender a uma antiga e insistente
reivindicação dos estudantes dos diversos municípios e regiões onde estão implantados, uma
vez que se trata de um curso dinâmico, com amplas possibilidades profissionais, tanto na área
pública quanto na privada. Originariamente, em 1994, ofereceram-se 90 (noventa) vagas,
distribuídas nos municípios de Paranaíba e Três Lagoas, sendo quarenta na primeira e
cinquenta na segunda localidade.
Na cidade de Três Lagoas, a oferta se deu apenas uma vez, sendo o curso extinto, em
virtude da presença da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e do seu interesse em
oferecer o Curso de Direito na cidade, tendo sido as 50 vagas remanejadas para a sede em
Dourados, em 1997, ocorrendo, assim, a instituição do curso nessa localidade, fato recebido
com muito entusiasmo pela classe estudantil.
O curso de Direito, atualmente, é oferecido nas Unidades Universitárias de Dourados,
Naviraí e Paranaíba. Em 2004, foi elaborado um novo Projeto Pedagógico para vigorar a
partir de 2005, nas três Unidades. Para isso, ocorreram diversas discussões, estudos, debates e
pesquisas promovidos pela Comissão encarregada, colhendo-se informações nas três
localidades onde o curso é oferecido, com o fim de se inteirar da demanda, bem como
diagnosticar a vocação do curso, com o propósito de formar um egresso capacitado. A
comunidade acadêmica também foi chamada a se manifestar, o que resultou em um Projeto
Pedagógico único.
Assim, vigorava em 2008 o mesmo Projeto Pedagógico para os quatro cursos com
“[...] carga horária de 4.212 (quatro mil duzentas e doze) horas de atividades, com prazo
mínimo de 5 (cinco) anos e, máximo de 8 (oito) anos para integralização” (UEMS, PP. 2005,
p. 2), em regime anual, conferindo o grau de Bacharel em Direito, sendo que, para se habilitar
como advogado, é necessário ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil –
OAB.
48
Atualmente, apenas na Unidade de Paranaíba este Projeto Pedagógico está em vigor,
visto que, em Naviraí, este já encerrou sua vigência em 2010 e em Dourados em 2011,
considerando que, a partir de 2010, os cursos poderiam ter Projetos Pedagógicos que
contemplassem as especificidades locais, conforme normatizado pela Deliberação CE-CEPEUEMS nº 163, de 21/10/2009 – Diretrizes para Elaboração de Projetos Pedagógicos dos
Cursos de Graduação da UEMS, homologada, com alterações, pela Resolução CEPE-UEMS
nº 977, de 14 de abril de 2010 (UEMS, AILEN, 2013).
A preocupação com a formulação de um projeto que atendesse aos anseios atuais e
futuros deve-se ao fato de que o Direito é uma ciência dinâmica e a universidade não pode
ficar alheia a essa realidade. De acordo com Duran,22 o curso de Direito deve ser oferecido de
modo que
[...] atenda às necessidades fundamentais para a sobrevivência do ser humano e do
planeta, com um mínimo de qualidade de vida, o que requer a satisfação das
necessidades de paz, de desenvolvimento, de proteção e preservação ambiental, das
garantias dos direitos individuais, do acesso à Justiça, da diminuição das
desigualdades sociais, políticas e econômicas, dos direitos sociais. Um Direito que
seja capaz de estabelecer uma convivência harmônica entre os homens, seja pela
composição dos conflitos de interesses já manifestados, seja pela previsão de
conflitos futuros. Um Direito que promova e que permita uma Democracia
autêntica, através de leis justas, que impeçam os abusos, que não acobertem os
privilégios e os interesses, que restaure a credibilidade na legalidade, que expurgue
a impunidade e que revitalize as instituições jurídico-judiciais. (DURAN 2004 apud
UEMS, 2005, p. 8-9).
A função do ensino jurídico deve ser a de proporcionar uma formação que promova a
participação ativa nos rumos sociais, capacitando cidadãos para a consciência de seus direitos
e deveres, sempre levando em conta as constantes mudanças sociais para o fim de atuação nos
movimentos sociais e coletivos. Na reformulação do Projeto Pedagógico de 2005, destaca-se a
Resolução CNE/CES nº 09, de 29.09.2004, que estabelece:
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares do Curso de
Graduação em Direito, Bacharelado, a serem observadas pelas Instituições de
Educação Superior em sua organização curricular.
Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as Diretrizes
Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto pedagógico, abrangendo o
perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos curriculares, o
estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de
22
DURAN, Ângela Aparecida da Cruz. Que Educação os Advogados devem ter? São Paulo, SP, 2004. In mimeo: Trabalho
apresentado no III Congresso do Ensino Jurídico Brasileiro, em São Paulo, nos dias 29, 30 de Setembro e 01 de Outubro de
2004, a ser publicado em Anais, no Anuário de 2005 da ABEDI- Associação Brasileira de Ensino do Direito.
49
avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do curso, o
regime acadêmico de oferta, a duração do curso, sem prejuízo de outros aspectos que
tornem consistente o referido projeto pedagógico.
Com relação à estrutura física, em Dourados, onde se situa a sede da UEMS, a
universidade dispõe de prédio próprio e o curso de Direito ocupa 5 salas de aula, além de
contar com um prédio alugado no centro da cidade, onde funciona o Núcleo de Prática
Jurídica. O curso dispõe de espaço para a coordenação, sala coletiva de professores, além de
usufruir de toda a infraestrutura dos demais cursos e da administração da UEMS, como sala
de vídeo e teleconferência, biblioteca central, anfiteatro, dentre outras, onde são ofertadas 50
(cinquenta) vagas no período matutino. No que diz respeito ao corpo docente, temos os
seguintes dados: quatro Graduados; seis Especialistas; dois Mestrandos; sete Mestres; um
Doutorando; três Doutores e um Pós-Doutorado.23
Este curso foi autorizado pelo Parecer CEE/MS nº 8/94 de 09 de fevereiro de 1994 e
reconhecido pela Deliberação CEE/MS 5637 de 10 de dezembro de 1999 (UEMS, Cursos de
Graduação da UEMS, 2008, n.p.), e apresenta como conquistas: Selo de Qualidade “OAB
Recomenda” nos anos de 2007 e 2009; nota 5 (cinco) no ENADE 2009; 4 (quatro) estrelas no
Guia do Estudante publicado pela Editora Abril – Melhores Universidades em 2010; Selo de
Qualidade “OAB Recomenda” nos anos de 2011 e 2012 e 5 (cinco) Estrelas no Guia do
Estudante publicado pela Editora Abril – Melhores Universidades 2012.24 A avaliação do
ENADE 2012 não havia sido divulgada pelo Ministério da Educação até o encerramento desta
pesquisa.
Na Unidade de Naviraí, o curso funciona em sede própria, localizada na região central,
dispondo de 5 (cinco) salas de aulas, espaços para a Coordenação e Sala de Professores,
localizadas nas dependências da Unidade Universitária, com a seguinte infraestrutura:
Biblioteca, Laboratório de Informática, Auditório. O Núcleo de Prática e Assistência Jurídica,
onde é ministrado o Estágio Supervisionado para o desenvolvimento das atividades de cunho
prático-profissional aos alunos do quinto ano, situa-se no centro da cidade, em prédio cedido
por meio de parceria com a prefeitura.
O curso, nessa Unidade, funciona no turno noturno e oferta 50 (cinquenta) vagas,
tendo sido autorizado a funcionar pela Resolução CEPE – UEMS nº 287, de 27/05/2002 e
reconhecido pela deliberação CEE/MS nº 7729, de 17/12/04, apresentando em seu corpo
docente professores com as seguintes qualificações: cinco Graduados; 12 Especialistas; dois
23
24
Fonte: UEMS. Disponível em: < http://www.uems.br>. Acesso em: 13 jan. 2013.
Fonte: UEMS. Disponível em: < http://www.uems.br>. Cursos de graduação. Acesso em: 13 jan. 2013.
50
Mestrandos; sete Mestres e um Doutor.25 A avaliação do ENADE 2012 ainda não havia sido
divulgada.
Na Unidade de Paranaíba, o curso funciona em sede própria, localizada na região
central, próxima aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (inclusive a Vara do
Trabalho) e à Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil. O prédio dispõe de oito salas de
aula, das quais o curso de Direito utiliza cinco, espaço para a Coordenação e Sala de
Professores coletiva, Biblioteca, Laboratório de Informática, Auditório, compartilhando o
espaço físico, bem como instalações e demais recursos com os cursos de Pedagogia e Ciências
Sociais, além de cursos de pós-graduação stricto e lato sensu. O Núcleo de Prática e
Assistência Jurídica, onde é ministrada a disciplina de Estágio Supervisionado aos
acadêmicos do quinto ano, funciona em espaço próprio dentro da Unidade Universitária.
Este curso encontra-se autorizado pelo Parecer CEE/MS nº 8/94 de 09.02.1994 e
atualmente reconhecido pela Deliberação CEE/MS nº 9443, de 17/12/2010, publicada no
DO/MS nº 7856, de 29/12/2010. Foi avaliado pelo MEC com a nota C e no ENADE 2009
recebeu a nota 4; quanto ao ENADE 2012, não foi divulgado o resultado da avaliação.
Funciona nos turnos matutino e noturno, com a oferta de 40 vagas em cada um. Possui um
quadro de professores com: um Graduado; quatro Especialistas; seis Mestrandos; 12 Mestres;
11 Doutorandos e um Doutor.26
Nos cursos de Direito, de acordo com a realidade de cada Unidade, varia a média de
efetivos e convocados.27 Na Unidade de Paranaíba, a porcentagem gira em torno de 58 % de
efetivos. Na Unidade de Dourados, a porcentagem de efetivos é superior a 90%. Em Naviraí,
os professores efetivos ficam em torno de 35% de todo o corpo docente.
A tendência é o aumento progressivo do número de professores efetivos; no entanto,
sempre haverá necessidade da colaboração dos contratados, uma vez que os afastamentos para
capacitação são constantes, sendo de interesse da Universidade ter em seus quadros número
cada vez maior de mestres e doutores.
Ao longo dos anos, pôde-se perceber uma melhora em vários aspectos; no entanto, a
estrutura física nas três Unidades Universitárias ainda é insuficiente para comportar todos os
cursos e Escritórios Jurídicos para o estágio dos acadêmicos de Direito do quinto ano. Ainda
25
Fonte: UEMS. Disponível em: < http://www.uems.br>. Acesso em: 13 jan. 2013.
Fonte: UEMS. Disponível em: < http://www.uems.br>. Acesso em: 13 jan. 2013.
27
A convocação trata de uma contratação de professor a título temporário e corresponde ao cometimento das
atribuições que competem ao titular do cargo de Professor de Ensino Superior a profissional habilitado para
a função, aprovado em processo seletivo, não gerando qualquer direito subjetivo a permanência. Está previsto na
Resolução Conjunta COUNI/CEPE-UEMS Nº 047, de 19 de novembro de 2009. Disponível em:
<http://www.uems.br>. Acesso em: 12 jan. 2013.
26
51
assim, a UEMS encontra-se consolidada como uma Instituição criadora e disseminadora do
conhecimento, fazendo parte do cenário local e regional.
Os avanços foram muitos, podendo-se citar, como exemplos, a ampliação do acervo
bibliográfico e dos recursos didáticos; a aprovação do Projeto Pedagógico, que já foi
reformulado por diversas vezes, tendo em vista sua temporariedade, exigências do mercado de
trabalho e das alterações legais editas pelo Conselho Nacional de Educação; a realização de
diversos concursos, tanto para técnicos como para professores; a autorização e
reconhecimento do curso, prédio próprio e muitos outros.
Essas adequações foram relevantes, uma vez que projetou o curso de Direito a um
nível de credibilidade estadual e interestadual, recebendo, por isso, alunos de muitas partes do
Brasil, restabelecendo a confiança da comunidade e firmando, de uma vez por todas, a
importância de uma instituição pública de qualidade como agente de transformação social.
Muito já foi feito, mas muito ainda resta por fazer, uma vez que a UEMS, por meio de
seus gestores, deve estar sempre atenta às mudanças sociais e regionais, com o fim de
permanecer como uma verdadeira partícipe do processo de mudança do cenário nacional, e
não como agente perpetuadora das desigualdades, tais como as referentes aos segmentos
étnico-raciais, objeto desta pesquisa.
Ao se analisar o Projeto Pedagógico, percebe-se um discurso de formação humanista
que será avaliado com base nos dados que serão apresentados no capítulo quarto. Em seu
perfil institucional, a UEMS demonstra preocupação constante com a diversidade e a
inclusão, pois entende que, só assim, poderá formar o profissional pleno, o que significa
[...] cidadãos e profissionais, com consciência ética, crítica e profissional, tendo por
base conhecimentos técnicos, científicos e humanistas, para atender às demandas
sociais atuais e futuras.
Nesse contexto, visa preparar um cidadão e profissional capaz de assumir seu papel
de co-artífice na tarefa de construção e re-construção permanente do Direito e da
Sociedade, com espírito crítico e reflexivo, com conhecimento interdisciplinar do
fenômeno jurídico, consciência ética geral e profissional, para atuar como
profissional do direito e agente formador de opinião, valendo-se da correta utilização
e compreensão da Ciência do Direito e dos demais conhecimentos necessários à
formação de um cidadão pleno, ciente da necessidade de capacitação e atualização
permanente em sua profissão, com habilidades e competências, técnico-jurídicas e
político-sociais para o exercício das diversas funções no campo do Direito. (UEMS,
PP, 2005, p. 10).
O profissional acima descrito necessariamente estará preparado para compreender e
atuar com as diferenças no mercado de trabalho, de acordo com uma filosofia de matriz
humanista, porém pouco incorporada na prática pedagógica dos cursos de Direito.
52
Na busca da qualidade e reconhecimento, devem-se destacar, também, alguns fatos
recentes dignos de menção que comprovam a qualidade dos cursos de Direito. Um deles
ocorreu no dia 19 de abril de 2012, oportunidade em que os cursos de Direito da sede, em
Dourados, bem como da Unidade de Naviraí receberam, em Brasília, o Selo OAB, figurando
na lista dos melhores cursos do país, segundo a avaliação da própria OAB, entre os 790
(setecentos e noventa) cursos que foram avaliados por aquela entidade.
Isto se deveu aos bons resultados de seus egressos nas provas da OAB, motivo de
grande entusiasmo por parte de todo o corpo docente e acadêmico, comemorado pelo então
Reitor Prof. Dr. Fábio Edir ao declarar que
[...] tanto a conquista do Selo OAB pelo curso de Direito de Dourados, quanto as
aprovações do curso de direito de Naviraí atestam a qualidade da educação que a
UEMS tem promovido; nós ficamos orgulhosos com essas conquistas, pois o maior
reconhecimento que a Universidade pode ter é quando os nossos alunos alcançam
sucesso. (UEMS, 2012, n.p.).
É nesse cenário que a UEMS se apresenta como uma universidade em busca de seu
papel, visando a formação cidadã de seus discentes, preparando-os para enfrentar uma
sociedade da qual a diversidade é seu componente essencial, apesar de negligenciada pelo
ensino superior. Sendo assim, as cotas para negros e indígenas 28 vieram preencher uma
ausência representacional no contexto universitário referente à população brasileira, que, no
Censo do IBGE, em 2010, atingiu 50,7 de negros autodeclarados.
A convivência com a diversidade étnico-racial via cotas na sala de aula e demais
espaços acadêmicos favorece as relações, compreensão e respeito às diferenças no processo
de formação do discente. Para isso, se faz necessário aos docentes e gestores conhecerem o
sistema de cotas e as justificativas para a sua criação. A presença dos negros cotistas nos
cursos de Direito da UEMS pode fazer a diferença na formação e atuação dos não negros.
Contudo, sabemos que, na trajetória acadêmica, os negros cotistas enfrentam
dificuldades de vários matizes, principalmente na área do Direito, que foi majoritariamente
branca durante toda a história do ensino jurídico no Brasil. Com o fito de identificar as
dificuldades específicas desse público, foram realizados estudos e pesquisa de campo a serem
apresentados nos próximos capítulos.
28
Reconhece-se a vulnerabilidade do indígena; no entanto, não será explorada nesta pesquisa, por não fazer parte
do objeto de estudo.
53
2 O ENSINO SUPERIOR E AS COTAS
Imenso é o abismo entre o mundo das normas jurídicas e o
mundo da realidade. Muito se decide no plano ideal e pouco se
realiza concretamente. Ninguém quer perder privilégio, ainda
que à custa do sacrifício de seu semelhante. Bernard Schwartz,
em seu “Direito Constitucional americano” [...] talvez não
tenha exagerado quando disse que “a discriminação contra o
negro não podia ter um efeito tão grande sem a tolerância da
ordem jurídica”.
Adhemar Ferreira Maciel
O cenário atual em que se apresenta o ensino superior no Brasil é de uma profunda
reflexão sobre a mudança de paradigmas, pois, muito embora a universidade seja o local
apropriado para as transformações, ela vem desempenhando o papel de perpetuadora das
desigualdades sociais, bem como propagadora de uma cultura discriminatória que segrega dos
bancos universitários um número considerável de pessoas que até então não eram tidas como
dignas de cursar o ensino superior.
Santos (1984) nos conta episódio interessante ligado à segregação racial, que acredita
ter ocorrido em 1967, por ocasião da visita do senador norte-americano Bob Kennedy à
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Naquela ocasião, um grupo de estudantes
passou a agredi-lo verbalmente, com relação aos eventos relacionados ao ódio racial ocorridos
em seu país. Em sua defesa, trouxe uma indagação que, até os dias atuais, é de difícil
elucidação: “E os negros brasileiros, por que não estou vendo nenhum aqui entre vocês?”
(SANTOS, 1984, p. 46).
No ano de 1972, o IBGE, órgão do governo federal encarregado de promover o
levantamento da população, retirou do censo desse mesmo ano a pergunta sobre a cor. Isto
ocorreu justamente no momento em que o racismo brasileiro começava a ser questionado e
debatido de maneira ampla. Relata Santos (1984, p. 43-44) que “milhões de negros saíram
à rua, nesta década, no Rio, em São Paulo, em Porto Alegre, exigindo direitos e exibindo seu
cabelo black”.
Nessa mesma época, os líderes negros já reivindicavam uma participação maior nas
decisões sociais, tendo em vista a sua superioridade numérica. O fato de se retirar a pergunta
sobre a cor naquele momento, talvez tenha sido uma forma de tentar barrar o inconformismo
com a tão apregoada “democracia racial”, pois sendo os negros a maioria, não ocupavam
lugares relevantes na sociedade brasileira.
54
A retirada desse item do censo do IBGE foi apressadamente respondida pelo seu
presidente sob o argumento de que “o item fora retirado porque é inútil saber quantas são as
pessoas de cor, já que ‘não temos aqui nenhum problema racial, somos todos uma só raça’”
(SANTOS, 1984, p. 44, grifo do autor).
Apesar do argumento apresentado anteriormente, não é o que os negros sentiam e
ainda sentem quando, diariamente, são discriminados, no momento de procurarem emprego,
moradia, companheira/o, clube social etc.
A falsa crença da democracia racial foi aceita até mesmo internacionalmente como
verdadeira, uma vez que, no Brasil, não ocorriam os episódios violentos envolvendo raças,
como os noticiados em outras partes do mundo.
A discriminação, no Brasil, porém, apresenta um quadro de exclusão que também
seleciona quem cursará a graduação e, por consequência, ocupará os melhores cargos e
salários, cujos filhos, em consequência estudarão em escolas particulares, ou as públicas
classificadas como as melhores, obtendo êxito no vestibular e se graduando, sendo essas
“trajetórias escolares chamadas pelos estudiosos de círculos virtuosos” (NOGUEIRA29 2000
apud QUEIROZ, 2004, p. 82, grifo da autora), pois os levam novamente a ocupar os melhores
cargos e salários e assim sucessivamente, demonstrando que o direito ao ensino superior é
monopólio de uma elite.
Para romper esse círculo, dando oportunidades a um número considerável de pessoas a
quem, até então, não era permitido o direito de sonhar com uma ascensão social, cabe à
Universidade um papel relevante no sentido da democratização do ensino e inclusão de
grupos fragilizados pelas mais diversas razões, dentre eles os negros, objeto desta pesquisa.
Dentre as iniciativas tomadas, podemos citar as cotas para negros no ensino superior,
que se tornaram um importante instrumento de inclusão, muito embora, até o presente
momento, sejam motivo de embates e questionamentos. No entanto, no plano legal, já se
encontram consolidadas com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu
em 26 de abril de 2012 a constitucionalidade das cotas (GORGULHO, 2012, n.p.).
Outro importante marco rumo à democratização do ensino superior deu-se com a
sanção da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, pela Presidente Dilma Rousseff, que
estabelece cotas sociais com recorte étnico-racial nas Universidades Públicas Federais, passo
29
NOGUEIRA, Maria Alice; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO, Nadir (Orgs.). Família e escola: trajetórias de
escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000.
55
relevante no dizer de Mercadante30 (2012 apud ALCANTARA, 2012, n.p.), entendendo que
“essa política de cotas para o ensino público vai representar grande motivação aos estudantes
que estão no ensino médio, que representam 88% dos estudantes [...]".
No que diz respeito a essa parcela de reserva étnico-racial, especialmente para negros,
ao analisar a situação de descaso com que essa população vem sendo tratada historicamente,
Bairros31 (2012 apud ALCANTARA, 2012, n.p.) acrescenta que “[...] com essa lei demos um
grande passo naquilo que se refere às ações afirmativas nas universidades. Em quatro anos
pode nos levar a um total de 56 mil vagas reservadas para alunos negros” , e conclui,
constatando que, dos 220 mil alunos no ensino público federal, apenas 8,7 mil são negros,
estatística que demonstra flagrantemente que essa população estava excluída dos bancos
universitários.
Abstraindo a questão legal, que hoje se encontra praticamente consolidada pela edição
da lei acima mencionada e pela posição do STF, nota-se que o sistema de cotas para negros
nas universidades públicas conta com defensores e opositores, bem como com um grupo
numeroso que se mantém indiferente sobre o assunto, entendendo, erroneamente, que, no
Brasil, não há de se falar em preconceito ou discriminação racial, pois se considera que o país
já superou esta chaga, ou que o racismo não existe. Diante desse quadro de omissão e
desinformação,
a ideia veiculada na sociedade – notamos claramente o posicionamento da mídia de
grande porte – é a associação exclusiva de ações afirmativas como sinônimos de
cotas e cópia da política implementada nos Estados Unidos. Usam também os
conflitos ocorridos nos Estados Unidos para calçar a ideia de que as ações
afirmativas não deram certo e ainda acirraram os casos de racismo. No Brasil,
acreditam os contra que também será assim. (CORDEIRO, 2008, p. 25).
A verdade é que algo tinha de ser feito no sentido de promover o negro e sua cultura,
pois até então estes não vinham sendo valorizados, apesar da contribuição relevante que
deram para o desenvolvimento do país. O primeiro pensamento que vem à mente de grande
30
Informação obtida no portal notícias.terra.com.br, publicado em 29 de agosto de 2012 sob o título Dilma
sanciona
lei
de
50%
de
cotas
em
universidades
federais.
Disponível
em:
<http://noticias.terra.com.br/educacao/dilma-sanciona-lei-de-50-de-cotas-em-universidades>. Acesso em: 9 out.
2012.
31
Informação obtida no portal notícias.terra.com.br, publicado em 29 de agosto de 2012 sob o título Dilma
sanciona
lei
de
50%
de
cotas
em
universidades
federais.
Disponível
em:
<http://noticias.terra.com.br/educacao/dilma-sanciona-lei-de-50-de-cotas-em-universidades>. Acesso em: 9
out. 2012.
56
parte dos brasileiros quando se fala da África é da sua associação à pobreza, e do negro como
intelectualmente inferior, pois, de acordo com Gonçalves,
A valorização de um currículo eurocêntrico, que privilegiou a cultura branca,
masculina e cristã menosprezou as demais culturas dentro de sua composição do
currículo e das atividades do cotidiano escolar. As culturas não brancas foram
relegadas a uma inferioridade imposta no interior da escola, concomitantemente, a
esses povos foram determinados as classes sociais inferiores da sociedade.
(GONÇALVES, 2006, p. 6).
Os entraves ao acesso escolar do negro têm suas raízes já na educação básica, entre
jovens de sete a quatorze anos, pois muito embora, nessa faixa etária, o ensino se encontre
praticamente ao alcance de todos, ainda se verifica um obstáculo, na análise de Pereira:
Por mais que o ensino fundamental esteja universalizado (cerca de 97% dos jovens
de 7 a 14 anos estão matriculados na escola) e programas de transferência de renda
como o Bolsa Família incentivam a permanência na escola, nas últimas décadas é
cada vez maior o abismo entre a qualidade do ensino nas redes públicas (município
e estado) e na rede privada, esta última, operando, via de regra, com uma lógica
instrumental voltada ao prosseguimento dos estudos. (PEREIRA, 2011, p. 73),
As informações acima sobre o ensino fundamental têm sérias implicações que geram
grande diferença nas condições de ingresso na universidade, pois
[...] além das questões econômicas (de classe social), as questões étnico-raciais se
apresentam com força, criando um cenário no qual, segundo o Relatório de
Desenvolvimento Humano (PNUD, 2005), a probabilidade de um branco ingressar
na universidade é, no Brasil, 137 vezes superior a de um negro. O percentual de
negros com diploma universitário hoje, no Brasil, equivale ao dos Estados Unidos
dos anos 1940, quando leis segregacionistas estaduais impediam negros de
frequentar, como alunos, universidades para brancos. Equivale, ainda, ao percentual
de negros com diploma na África do Sul, durante o apartheid. (PEREIRA, 2011, p.
75).
Para comprovar a pouca representatividade negra nos bancos universitários no Brasil
e, em especial, no curso de Direito, e a importância da reserva de cotas para se ingressar na
universidade, buscamos dados em pesquisas publicadas cujos resultados puderam confirmar a
importância da adoção das cotas, principalmente para que os negros pudessem entrar nos
cursos ou carreiras consideradas socialmente de maior prestígio.
Para se ter uma ideia da ausência da população negra no curso de Direito, tomamos
como base pesquisa elaborada em 2004 pelo Prof. Dilvo Ristoff, diretor do INEP, o qual
57
comprovou que o Direito é o sexto curso “mais branco”, com 79,4% das vagas preenchidas
por estes (SANTOS, 2006a, p. 27). Diante desses dados, questionamos: E se nada fosse feito,
como ficaria a questão do negro brasileiro? A resposta mais coerente sugere que o abismo
entre negros e brancos permaneceria inalterado e o quadro de exclusão persistiria como
historicamente vem sendo comprovado.
Levando-se em conta as profissões com maiores ofertas de emprego e com salários
maiores no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Salvador (RMS), com base no
resultado de coleta de dados junto a empresas que atuam na área de consultoria em recursos
humanos daquela região pesquisada e da análise dos cursos oferecidos pela Universidade
Federal da Bahia, chega-se a uma “escala de prestígio de cinco posições – Alto, Médio alto,
Médio, Médio baixo e Baixo” (QUEIROZ, 2002, p. 46, grifo da autora), sendo o Direito um
dos cursos que gozam de “alto prestígio”, pelo que pôde aferir a autora.
Os dados de Queiroz não diferem muito da procura por essas carreiras ou cursos nas
demais localidades do país, é a conclusão a que chega a autora elaboradora da pesquisa,
levando-se em conta as oportunidades de ascensão social, bem como o grande leque de
atividades que poderá exercer o egresso com bacharelado em Direito.
Ao tratar do aspecto didático-pedagógico, o curso de Direito, na modalidade
bacharelado, objetiva a
[...] formação de profissionais generalistas, que sejam bons operadores do Direito,
alcançando a conscientização de cidadania voltada para a comunidade, trabalhando
para maior respeito aos direitos individuais, sociais e coletivos, difusos e garantias
legais/constitucionais. (UEMS 2005, p. 17).
De acordo com Pochmann et. al. (2006, p. 97)
[...] a palavra exclusão remete o pensamento instantaneamente para a ideia de
desigualdade. Não há como pensar em grupos privados de direitos considerados
básicos sem que se tenha em mente um comparativo, com um outro cujo acesso a
esses direitos seja pleno.
À vista das disparidades acima apontadas, pode-se perguntar como o Brasil está
cumprindo o disposto no artigo 205 da Constituição Federal de 1988, que prescreve:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
58
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Ainda o artigo 206, inciso I da mesma Carta, garante como princípio “igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola”. A questão que se impõe é saber se este
preceito constitucional está sendo efetivado, garantindo-se oportunidades iguais aos
destinatários da norma, respeitando-se suas peculiaridades para galgar a verdadeira
democracia. Por essas disposições, é patente que seu conteúdo não vem sendo cumprido, em
especial no que diz respeito à educação superior, uma vez que
[...] é importante ressaltar ainda dois aspectos de exclusão racial na universidade
brasileira. O primeiro é que a pequena participação dos negros é fortemente
concentrada nos cursos de menor prestígio. Entre 1980 e 2000, os cursos que
registraram maior crescimento são da área de ciências humanas e sociais, em que os
negros já apresentavam maior participação. Em cursos que dão acesso a
rendimentos mais elevados, como medicina, direito, odontologia, computação e
arquitetura, a presença de negros aumentou muito pouco e, em alguns casos, até
diminuiu. Em segundo lugar, pode-se especular com bastante segurança que a
participação dos negros só não reduziu ainda mais ao longo da década de 1990
porque a expansão do sistema universitário ocorreu mais no setor privado
(crescimento de 88%) que no público (53%). (PNUD 2005, p. 71, apud PEREIRA,
2011, p. 75).
As informações acima parecem contraditórias, levando-se em conta a expressiva
representatividade numérica dos negros em relação aos brancos, de acordo com as estatísticas
oficiais promovidas pelo IBGE anteriormente descritas, porém essa superioridade numérica
não tem a mesma representação no que diz respeito à formação superior.
Foi a partir da constatação de que, se nada fosse feito para tentar equilibrar a
escolaridade superior do negro com a do branco, o abismo entre ambos se perpetuaria, que o
governo se preocupou acerca da necessidade de implementar algumas ações que pudessem
reverter esse quadro. As ações afirmativas foram um marco nesse sentido e hoje são
desenvolvidas em diversas instituições do país.
Conta Guimarães (2006, p. 22) que “a expressão ação afirmativa originou-se durante o
Movimento dos Direitos Civis em 1964, nos Estados Unidos, criada primeiramente para
eliminar desequilíbrios raciais no mercado de trabalho, foi estendida, posteriormente, para a
área educacional”.
59
No Brasil, pode-se citar como uma das formas de Ação Afirmativa a política de cotas
étnico-raciais nas universidades públicas, iniciativa que mitiga a meritocracia, sistema este até
então exclusivamente utilizado, mas considerado hoje um critério injusto e excludente, pois
[...] constitui um sistema distributivo, que confere de modo desigual vagas e títulos
universitários, premiando a capacidade, responsabilidade e talento individuais.
Para que seja justo, é preciso que esteja baseado em uma efetiva igualdade de
oportunidades, julgando apenas o esforço e competência individual, e não o
sobrenome (o que, por óbvio, não constitui mérito próprio). Desta forma, instituir
um sistema de cotas é a alternativa eficaz e racional para assegurar um
indispensável critério meritocrático, como procedimento para o recrutamento aos
bancos universitários. (MARENCO32 2007 apud PEREIRA, 2011, p. 76, grifo
nosso).
A ideia do mérito tem como premissa que apenas poderão entrar os melhores, uma
forma extremamente excludente de selecionar, na qual a trajetória de vida de cada um não é
respeitada; não se levam em consideração os percalços particulares de cada pessoa, só se
exige uma igualdade no ponto de chegada, do mesmo modo como se, em uma luta, aos
lutadores fossem dadas armas diferentes.
É contra essa ideologia que Carvalho (2002, p. 84) se insurge, ao dizer que:
Temos uma ideologia do mérito e do concurso implantada de uma forma totalmente
cega. Colocada e defendida de um modo esquizofrênico, a ideologia do mérito passa
a se desvincular de qualquer causa social. Como se alguém, independente das
dificuldades que sofreu, no momento final da competição aberta e voraz, se
igualasse a todos os seus concorrentes de melhor sorte social. Universalizou-se
apenas a concorrência, mas não as condições para competir. Não se equaciona o
mérito da trajetória, somente conta o mérito do concurso. Nenhuma avaliação do
esforço de travessia, e uma fixação cega, não problematizada, na ordem de chegada.
O autor resume bem o que vive grande parte da população brasileira, e em especial a
população negra, a quem sempre foram atribuídos os piores trabalhos e salários; seus
componentes são obrigados a estudar em escolas públicas, a maioria na periferia das cidades,
nas quais a qualidade do ensino oferecido não permite passar em um curso classificado como
de “alto prestígio”, o que apenas atualiza o círculo vicioso que essa população enfrenta desde
a época da Abolição.
32
MARENCO, A. Mérito e cotas: os dois lados da mesma moeda. 2007. Disponível em:
<http://ufrgsprocotas.noblog.org/post/2007/06/22/merito.e.cotas>. Acesso em: 19 jul. 2010.
60
Essa competição desigual pode ser atribuída à ausência de políticas públicas de
investimento na educação que promovam condições favoráveis para desenvolver os
pré-requisitos exigidos em níveis de domínio dos conhecimentos acadêmicos
àqueles que advêm de um ambiente menos favorecido. (EMERICH, 2011, p. 30).
Baseando-se na reflexão de Emerich, pode-se afirmar que, se a universidade não revir
seus paradigmas, pois, até então, adotava a meritocracia como única forma de ingresso, não
será o agente transformador que tanto se espera, mas apenas mais um instrumento de
perpetuação das injustiças sociais. A transformação não requer a extinção da meritocracia,
mas a adoção de outros critérios somados a ela, de modo a contemplar a realidade brasileira
no acesso ao ensino superior. Por isso, Cordeiro alerta que
a entrada de negros e indígenas na educação superior pelo processo de cotas vem
obrigando as universidades a provocarem mudanças no contexto acadêmico e na
relação pedagógica, bem como na estruturação do discurso pedagógico. A
resistência maior fica evidente na instância dos currículos em prática na academia.
(CORDEIRO, 2008, p. 89).
Santos33 identifica três crises que assolam a universidade do século XXI, propondo,
para tanto, alternativas. De acordo com o autor, são as
de hegemonia, de legitimidade, de instituição. [...] as mesma devem ser enfrentadas
através da ecologia dos saberes, a fim de superar a monocultura do saber científico.
Isso implica não apenas levar o saber da universidade aos sujeitos sociais, mas
também valorizar os seus conhecimentos e articular-se com eles para produzir um
conhecimento contra-hegemônico. Além disso, possibilitar que os próprios sujeitos,
sobretudo os que sempre estiveram excluídos desse direito ou invisibilizados pela
ótica produtivista hegemônica, adentrem à universidade. (SANTOS 2005 apud
BENICÁ, 2011, p. 38, grifos do autor).
Trata-se da valorização e reconhecimento das diversas culturas, não se satisfazendo a
universidade apenas com a reprodução dos conhecimentos acumulados durante os séculos,
mas, também, exercendo uma postura ativa, que dialogue com as diversas culturas, tornandose uma “caixa de ressonância” dos saberes adquiridos e construídos.
Dessa forma, na tentativa da correção de injustiças históricas perpetradas contra um
grupo, até então, excluído dos bancos universitários, a UEMS, dando efetividade à Lei
Estadual nº 2.605, de 06/01/2003, de autoria do deputado Pedro Kemp, que determinou a
33
SANTOS, Boaventura de Souza. A Universidade no século XXI: para uma reforma democrática e
emancipatória da Universidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
61
reserva de, no mínimo, 20% das vagas para negros, começou a promover encaminhamentos
para que o referido dispositivo tivesse aplicabilidade, implantando-o para a primeira oferta no
vestibular do ano de 200334.
Com uma política de cotas para negros, o estado de Mato Grosso do Sul foi um dos
pioneiros a oferecer essa reserva de vagas, por meio da UEMS, juntamente com os estados do
Rio de Janeiro e da Bahia. O sistema de cotas na universidade é uma Ação Afirmativa no
sentido em que entende Munanga (2001, p. 31) “[...] elas visam oferecer aos grupos
discriminados e excluídos um tratamento diferenciado para compensar as desvantagens
devidas à sua situação de vítimas do racismo e de outras formas de discriminação”. Podemos
concluir que elas são uma forma de efetivar a inclusão social, reservando-se a grupos
vulneráveis vagas no ensino superior.
No mesmo sentido, pode-se também entender as Ações Afirmativas como “medidas
governamentais que criam uma reserva de vaga em instituições públicas ou privadas para
determinados segmentos sociais” (SALVIANO, 2011, p. 48).
Para a compreensão de como as ações afirmativas, especialmente as cotas, se
apresentam hoje, cabe contextualizar-se, resumidamente, parte da luta do Movimento Negro
até então, bem como as iniciativas no Brasil em matéria de normatização de compromissos
assumidos e alguns instrumentos internacionais que cobravam e ainda cobram do governo
brasileiro uma postura de inclusão dos vários segmentos sociais.
2.1 Posição internacional e iniciativas no Brasil com relação a Políticas de Ações
Afirmativas
Os germes de uma política de igualdade e de respeito à diversidade datam de épocas
mais remotas. De acordo com Cordeiro (2008, p. 26), “a luta do homem contra a
discriminação racial tem suas origens nas idéias defendidas pela Independência Americana,
em 1776, e na Revolução Francesa, de 1789, no surgimento dos ideais democráticos e,
essencialmente, na luta dos homens pelos seus direitos naturais”.
Como marco, tem-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que deu
início ao desenvolvimento de uma nova ideologia acerca do Direito Internacional dos Direitos
34
Nesta época, a UEMS ainda não havia aderido ao SISU (Sistema de Seleção Unificada).
62
Humanos, tudo regulado pelos tratados internacionais que continham a proteção de princípios
humanistas fundamentais.
Elaborada pela ONU (Organização das Nações Unidas), a referida Declaração é um
dos mais importantes documentos e representa uma carta de intenção aos países signatários,
pois reconhece o direito à liberdade, à igualdade e à fraternidade entre todas as pessoas, não
admitindo qualquer tipo de distinção entre elas. Prescreve o referido documento:
Artigo I
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São
dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito
de fraternidade.
Artigo II
Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades,
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça,
cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional
ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
A proteção desses direitos passou por diversas fases, sendo a primeira marcada pela
proteção geral, necessária numa era pós-nazismo, como forma de evitar que novos episódios
como aquele se repetissem. Isto fica claro quando se analisa quem foram os destinatários da
Declaração Universal de 1948, assim como quando se lança um olhar para a Convenção para
Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, também de 1948, cuja preocupação é punir a
lógica da intolerância pautada na destruição de outro ser humano em virtude de aspectos
ligados à sua nacionalidade, etnia, raça ou religião.
Outros diplomas internacionais influenciaram ativamente a formação de uma nova
ideologia. Como exemplo, temos a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as
Formas de Discriminação Racial (1968), a Convenção OIT 111 de 25 de junho de 1958,
ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 62.150, de 19 de janeiro de 1968, que trata sobre a
discriminação no emprego e profissão e o Plano de Ação da III Conferência Mundial contra o
Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas (2001) (SANTOS,
2006a).
Em resposta ao que ficou estabelecido no Plano de Ação da III Conferência contra o
Racismo, o Ministério da Educação e Cultura lançou, no ano de 2002, o Programa
Diversidade na Universidade, “[...] com o objetivo de implementar e avaliar estratégias para a
promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente
desfavorecidos, especialmente a população negra e indígena” (SANTOS, 2006a, p. 25), sendo
a principal ação desse projeto “o apoio financeiro às instituições que organizavam cursos
63
preparatórios para o exame vestibular de ingresso no ensino superior” (SANTOS, 2006a, p.
25).
Cabe também mencionar que os movimentos antirracistas acreditam no ensino como
uma das formas mais importantes para alcançarem a tão sonhada igualdade, sendo este o
principal foco de luta. De acordo com Gonçalves,35 a educação é
[...] ora vista como estratégia capaz de equiparar os negros aos brancos, dando-lhes
oportunidades iguais no mercado de trabalho; ora como veículo de ascensão social
e, por conseguinte de integração; ora como instrumento de conscientização por
meio do qual os negros aprenderiam a história de seus ancestrais, os valores e a
cultura de seu povo, podendo a partir destes reivindicar direitos sociais e políticos,
direito à diferença e respeito humano. (GONÇALVES 2000 apud CORDEIRO,
2008, p. 27).
Esta relevante ferramenta de luta estava sendo negada aos negros, pois a questão do
mérito, que até então era o único requisito para se adentrar os cursos universitários via
vestibular, era uma forma injusta de admissão, uma vez que premiava a capacidade de cada
um, sem perquirir as oportunidades concedidas. Assim, a injustiça verificada nesse caso
consistia em tratar os desiguais de forma igual, e essa desigualdade social não é algo natural,
mas o “resultado do processo histórico e das decisões políticas advindas da correlação de
forças presentes na sociedade” (PEREIRA, 2011, p. 77).
No Brasil, no que diz respeito aos negros, datam da década de 1940 as primeiras
reivindicações organizadas para implantação de Ações Afirmativas, as quais foram
[...] apresentadas no Manifesto à Nação Brasileira, fruto da Convenção Nacional do
Negro Brasileiro organizada pelo Teatro Experimental de Abdias do Nascimento.
Nesse documento, reivindicava-se o ensino gratuito em todos os graus, a admissão
de brasileiros negros como pensionistas do Estado nas escolas particulares e oficiais
de ensino secundário e superior do país, incluindo as militares. (CORDEIRO, 2008,
p. 39).
Entretanto, como nos conta ainda Cordeiro (2008), mais de quarenta anos se passaram
até que o primeiro Projeto de Lei fosse apresentado por Abdias do Nascimento, que era então
Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, propondo o Projeto de Lei nº 1.332, de 1983, que
visava, em linhas gerais, compensar a raça negra pelos prejuízos sociais que havia sofrido ao
35
GONÇALVES, L. A. Os negros e educação no Brasil. In: LOPES, E. M. et. al. 500 anos de Educação no
Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 325-346.
64
longo das décadas, prevendo cotas para os negros e negras no ensino e no emprego público e
privado.
O projeto também obrigava o Ministério e as Secretarias de Educação a rever os
currículos em todos os níveis de ensino com o objetivo de incorporar, aos estudos de História
Geral e História do Brasil, conteúdos que diziam respeito a contribuições positivas dos
africanos para a nação, bem como da civilização africana, e o progresso tecnológico e cultural
que já havia antes da invasão europeia, dentre outras. No entanto, como nos relata Cordeiro,
O projeto não chegou sequer a ser apreciado, porém, várias das medidas ali
pensadas estão sendo executadas nesta última década como, por exemplo, a
introdução do ensino de história e cultura afro-brasileiras nos currículos do ensino
fundamental e médio e as bolsas de estudos para o Instituto Rio Branco.
(CORDEIRO, 2008, p. 39).
A conclusão a que se chega é que Abdias do Nascimento era um homem adiante do
seu tempo, pois agora, passados mais de vinte anos, suas ideias encontram solo fértil para
germinar e florescer. Algumas delas ele testemunhou antes da sua morte, em 2011, como, por
exemplo, as cotas étnico-raciais nas universidades públicas e a aprovação do Estatuto da
Igualdade racial em 2010.
O reconhecimento e os avanços da população negra adquiridos nos últimos anos nem
sequer se comparam às primeiras oposições ocorridas quando os primeiros negros foram
trazidos como escravos para o Brasil, cabendo mencionar que sempre houve a resistência
negra à subjugação pelo branco, uma vez que há registros de que
A história da resistência negra no Brasil é contemporânea com a vinda dos
primeiros escravos, que se deu em meados do século XVI. Posteriormente a esse
período, houve resistência organizada com a Revolta de Malês, na Bahia; a
instituição da República dos Palmares na Serra da Barriga em Alagoas, reduto que
durou até 1695 com a morte de Zumbi; e, por volta da década de 1940, organizouse a chamada Frente Negra de combate ao racismo. (CORDEIRO, 2008, p. 39).
Uma das formas de resistência organizada eram os quilombos, que eram comunidades
formadas por negros que fugiam de seus senhores e passavam a viver em liberdade. São
reconhecidos como um dos primeiros movimentos negros organizados de resistência e luta
pela liberdade, dentre os quais, considera-se, como o mais importante no Brasil “o Quilombo
dos Palmares [...]. Localizava-se no atual Estado de Alagoas e durou aproximadamente 70
65
anos. Milhares de negros viviam em Palmares, numa área de aproximadamente 27 mil
quilômetros quadrados” (SILVA; BASTOS, 1983, p. 45).
Entretanto, registram os mesmos autores que, antes disso, o negro empreendeu uma
luta solitária na tentativa de edificar sua identidade, liberdade e reconhecimento como povo
detentor de suas culturas e tradições. Nesse ensejo, sempre buscou seu reconhecimento como
sujeito de direitos, fator que marcou sua trajetória, pois, “[...] apesar de o colono branco e o
traficante procurarem embrutecê-lo com a violência – reagiu contra a escravidão evitando a
reprodução (para que seus filhos não nascessem escravos), suicidando-se, matando feitores,
capitães-do-mato e fugindo” (SILVA; BASTOS, 1983, p. 45).
Assim, a existência da escravidão nunca foi pacífica, como muitos acreditam, e, entre
avanços e contramarchas, o movimento negro foi conquistando o reconhecimento de seus
direitos; mesmo com toda a repressão que ocorreu durante o governo militar, conseguiu
manter-se organizado.
No processo de democratização do país, o governo brasileiro reconheceu a existência
do mito da democracia racial, comprometendo-se a assumir “sua dívida histórica para com os
negros” (SILVA, 2008, p. 190), isto no ano de 1995, no mesmo período em que ocorreu uma
grande mobilização denominada Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo e pela
Cidadania e a Vida.
A III Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, Xenofobia e
Intolerância Correlata, que se realizou em Durban, em 2001, sensibilizou o governo brasileiro
para a necessidade de ações afirmativas, com o intuito de se promover uma igualdade material
entre os grupos menos favorecidos.
Dessa forma, com todo este espaço e reconhecimento que o Movimento Negro ganhou
no cenário nacional, algumas ações foram implementadas; citam-se, como exemplos, a
questão das cotas nas universidades públicas, dentre estas a UEMS; a aprovação do Estatuto
da Igualdade Racial (Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010); a Lei nº 12.711, de 29 de agosto
de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades públicas federais e nas instituições
federais de ensino técnico de nível médio e estabelece cotas sociais com recorte étnico-racial.
Mas, o que representam as cotas? É o assunto objeto da análise apresentada no próximo item.
66
2.2 Cotas para negros na UEMS
As cotas refletem a ideia de inclusão social,36 pois, levando em conta o respeito às
peculiaridades de cada um, dão condições para o acesso, por meio de uma política
diferenciada, de grupos de pessoas que sofreram e ainda sofrem um histórico processo de
discriminação e preconceito. Citem-se, como exemplos, os negros e indígenas.
Essa segregação desrespeita o Estado brasileiro, pois “Democracia não combina com
racismo. Não existe democracia sem igualdade, nem igualdade sem democracia” (SANTOS,
2003, p. 149). A profundidade dessa assertiva chama a atenção para o momento singular que
o Brasil vive atualmente rumo à efetivação de uma democracia material no ensino superior,
com a instituição das políticas de ações afirmativas/cotas em algumas universidades públicas.
No entanto, o que se presencia como obstáculo para a introdução desse novo
paradigma, que leva em conta outros aspectos, além da pura e simples meritocracia, é o fato
de que a tão sonhada igualdade material, relativa à raça, gênero e etnia, ainda não é vista
como integrante essencial do conceito de democracia. Entretanto, os ativistas do Movimento
Negro e grande parte da população já se conscientizaram de que, enquanto não for concedido
à população negra o devido acesso à justiça, à educação, ao trabalho, bem como permitida sua
participação nas decisões sociais, não se pode falar de uma democracia plena.
A edição de leis que criminalizam o racismo e suas formas de expressão não é o
suficiente para que a população negra possa gozar dessa democracia, na qual a igualdade de
direitos seja precedida da igualdade de oportunidades. A própria definição de racismo exige
do intérprete redobrado fôlego, pois até mesmo a palavra raça37 fora pejorativamente
utilizada, de acordo com os propósitos e conveniências do momento histórico em que foi
empregada.
Como exemplo da importância da adoção das cotas pela UEMS, em estudo realizado
por Cordeiro (2008), comprovou-se que, em dezembro de 2003, o primeiro vestibular com a
criação de cotas, foram ofertadas 328 vagas para negros nesta instituição.
36
Inclusão social é um termo amplo, utilizado em contextos diferentes, em referência a questões sociais
variadas. De modo geral, o termo é utilizado ao se fazer referência à inserção de pessoas com algum tipo de
deficiência às escolas de ensino regular e ao mercado de trabalho, ou ainda a pessoas consideradas excluídas, que
não têm as mesmas oportunidades dentro da sociedade, por motivos como: condições socioeconômicas, gênero,
raça, falta de acesso a tecnologias (exclusão digital). A inserção dessas pessoas que se encontram à margem da
sociedade ou o acesso às tecnologias aos excluídos digitais ocorre, geralmente, por meio de projetos de inclusão
social, o que reforça a utilização desse termo. Disponível em: <http://www.infoescola.com>. Acesso em: 10 out.
2012.
37
“[...] grupo de pessoas socialmente unificadas numa determinada sociedade em virtude de marcadores físicos
como a pigmentação da pele, a textura do cabelo, os traços faciais, a estatura e coisas do gênero” (CASHMORE,
Ellis; BANTON, Michael et al. Dicionário de Relações Étnica e Raciais. São Paulo: Summus, 2000, p. 454).
67
Ao final das matrículas, em 2004, especificamente no curso de Direito, ingressaram
pelas cotas, no ano de 2004, 9 (nove) alunos em Dourados, 10 (dez) em Naviraí, 6 (seis) em
Paranaíba no matutino e 15 (quinze) no noturno, perfazendo um total de 40 (quarenta)
ingressos, demonstrando, já no primeiro ano de oferta de vagas para negros na UEMS, uma
mudança de direção do cenário desalentador anteriormente relatado.
De acordo com os dados dos questionários socioeconômicos aplicados aos candidatos
do vestibular até 2002, estimava-se em 27% os autodeclarados (pardos), pois não havia no
questionário o critério negro. Quanto aos matriculados, nenhum registro de cor era solicitado
nos formulários de matrícula antes das cotas.
Ademais, o racismo no Brasil tem um aspecto interessante: condena-se a sua prática;
no entanto, nenhuma instituição reconhece que em seu meio alguém o pratique, é a conclusão
a que chega Santos, quando afirma que
A discriminação racial é um ato reconhecido em nossa sociedade, mas,
paradoxalmente, não pode ser admitida sua existência e muito menos identificada
naquela ou em qualquer outra instituição. A probabilidade zero de ocorrência não
permite sequer a dúvida. (SANTOS, 2003, p. 156).
A imagem do Brasil sustentada internacionalmente era a de um país que cultivava uma
verdadeira democracia racial. Aqui não existiam os conflitos raciais violentos, como
noticiados em outras partes do mundo, tais como nos Estados Unidos. Nessa conjuntura,
imaginava-se que havia uma igualdade material entre as raças. No entanto, mesmo alicerçados
nessa ideologia, seus defensores não conseguiam explicar porque aos negros eram atribuídos
os menores salários e os postos inferiores na hierarquia social. Isto soma-se aos fatos de as
pesquisas demonstrarem a pobreza em que vivia grande parte dessa população e a sua
escolaridade ser menor que a do branco.
As afirmações anteriores comprovam a existência de uma discriminação entre as raças,
que, nas palavras de Piovesan, é representada por
[...] toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou
resultado prejudicar ou anular o exercício, em igualdade de condições, dos direitos
humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social,
cultural e civil ou em qualquer outro campo. Logo, a discriminação significa sempre
desigualdade. (PIOVESAN, 2008, p. 20).
68
Esse entendimento confirma o conceito de discriminação racial expresso no artigo 1º
da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial
de 1968, que oferece importantes subsídios para se chegar ao significado do termo. De acordo
com a referida Convenção, a
[...] expressão "discriminação racial" significará toda distinção, exclusão, restrição
ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que
tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou
exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e
liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em
qualquer outro campo da vida pública. (CONVENÇÃO INTERNACIONAL
SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO
RACIAL DE 1968, grifo do autor).
De fato, estamos no caminho da democracia, e as instituições públicas têm plena
liberdade em seu funcionamento. Essa democratização do acesso ao ensino superior é uma
questão relevante na área da educação, uma vez que a universidade, no Brasil, sempre foi um
espaço reservado à elite, embasado em critérios individualistas e meritocráticos, que
desconsiderou qualquer outra circunstância social, econômica cultural e política. Entretanto,
como nos conta Pereira (2011, p. 73): “Na última década, estamos vivenciando um processo
de expansão do acesso ao ensino superior, particularmente com o Governo Lula (2003), em
suas políticas como ProUni, UAB e Reuni.”
No entanto, um dilema ainda se impõe: esses programas abrangem todos os segmentos
historicamente excluídos, equalizando uma cidadania para todos, inclusive àqueles
centenariamente marcados pelas desigualdades raciais? Acreditamos que não, pois a
compreensão errônea do que venha a ser igualdade cria muito mais injustiça do que resolve
problemas, e equipara os que se encontram em situações diferentes.
Não respeitar as desigualdades é a maior forma de discriminar. Afirmar que todos são
iguais, pode conter uma indagação: iguais a que? Vide, pois, o artigo 179, inciso XIII da
Constituição Política do Império, de 25 de março de 1824, que fora outorgada seis décadas
antes da abolição da escravidão, que prescreve: “Art. 179 [...] XIII – A Lei será igual para
todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada
um.” (SILVA JR., 2002, p. 8). Nessa época já se apregoava uma igualdade e o texto citado
confirma seu status constitucional; no entanto, a escravidão ainda existia, e o negro era tratado
como coisa, propriedade de seu dono. Todavia, se acaso viesse a cometer algum crime,
responderia como pessoa.
69
O paradoxo apresentado anteriormente ainda esteve presente na vida da população
negra por muito tempo, pois, muito embora os negros sejam numericamente superiores no
Brasil, de acordo com os dados do IBGE, poucos estão presentes na sociedade, quando se
trata dos cargos de prestígio ou lugares de visibilidade.
Identificado o problema, deve-se pensar nas formas de se coibir a sua ocorrência.
Como alternativa, tem-se a solução proposta pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos,
que destaca duas vertentes: “a) a estratégia repressivo-punitiva (que tem por objetivo punir,
proibir e eliminar a discriminação); b) e estratégia promocional (que tem por objetivo
promover, fomentar e avançar a igualdade)” (PIOVESAN, 2008, p. 20, grifo nosso).
A simples e tão só proibição da segregação não é o suficiente para a promoção de
igualdade e respeito, pois visa muito mais à pessoa do infrator do que à própria vítima da
discriminação. A conjugação das duas vertentes, a repressiva com a instituição de políticas
compensatórias é uma forma de proporcionar uma igualdade material.
No Brasil, quando se trata de efetivar o direito à igualdade racial, essa iniciativa
encontra fortes opositores. O país tem avançado muito na busca de ações que favoreçam o
exercício de direitos garantidos pelo Estado Democrático de Direito, porém, ainda resta um
longo caminho pela frente. Importante passo neste sentido são as políticas de ações
afirmativas e, dentre eles, as cotas. Contudo, o Estado, mesmo com a implantação dessa
política, não se exime de proporcionar acesso e condições de permanência para todos os
brasileiros no ensino superior.
Confirmando essa declaração, encontramos a Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, que traz, em seu artigo 208, diversas garantias que devem ser efetivadas pelo
Estado no que se refere à Educação, vindo, em seu inciso V, determinar que cabe ao Estado
brasileiro proporcionar o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um” (BRASIL, 1988).
Entretanto, essa garantia consiste em assegurar o acesso, mas não especifica, no
mesmo texto, como isso sucederá. Cabe ao Estado, ao menos teoricamente, “[...] promover e
incentivar políticas de reparações [e] garantir indistintamente, por meio da educação, iguais
direitos para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou
profissional” (MULLER38 et al. 2009 apud EMERICH, 2011, p. 23).
Nesse contexto, as ações afirmativas, especialmente as cotas, têm-se tornado um
mecanismo importante de inclusão social e étnico-racial , podendo ser conceituadas como
38
MULLER, Maria Lúcia Rodrigues, et al. Educação e diferenças: os desafios da Lei nº 10.639/03. Cuiabá:
EdUFMT, 2009.
70
[...] medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado
discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da
equidade substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e
raciais e as mulheres, dentre outros grupos. (PIOVESAN, 2008, p. 21).
O estabelecimento desse tipo de ação, que cumpre uma função de política
compensatória, é, muitas vezes, adotado para mitigar ou remediar uma situação de
desequilíbrio atual, reflexo de um passado discriminatório, servindo como um importante
instrumento para a concepção do estabelecimento de um Estado Democrático, uma vez que
compete a este garantir o respeito à diversidade e às diferenças.
Salviano afirma que esse tipo de política não é recente no Brasil, e que a pressão
internacional foi decisiva para uma postura mais enérgica do governo brasileiro:
[...] dentro deste cenário de ações afirmativas [...] com a rejeição ao racismo,
declarada pela participação ativa do Brasil na Conferência promovida pela ONU em
Durban/2001, que ganhou força normativa no direito brasileiro e pressionado pelos
Movimentos Afrodescendentes e Indígenas, bem como vários outros movimentos
sociais, inicia-se uma série de ações para o desenvolvimento de políticas voltadas a
população negra e indígena que acarreta na adoção de cotas (reserva de vagas) nas
Instituições de Ensino Superior brasileiras. (SALVIANO, 2011, p. 58).
Pode-se perceber que, mais difícil do que a adoção do sistema de cotas, foi o
reconhecimento de que, no Brasil, existia e ainda existe discriminação e racismo. Mesmo os
dados oficiais comprovando a condição caótica que o negro vivia em relação ao branco,
insistia-se no mito da “democracia racial”, ideologia responsável pelo atraso da adoção de
medidas compensatórias.
Admitida a inverdade dessa suposta democracia racial, a implementação de ações foi
motivo de lutas e reivindicações. Nesse contexto, entram as Ações Afirmativas, que, no dizer
de Oliven,
[...] refere-se a um conjunto de políticas públicas para proteger minorias e grupos
que, em uma determinada sociedade, tenham sido discriminados no passado. A ação
afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que impeçam o acesso de
certos grupos ao mercado de trabalho, universidades e posições de liderança. Em
termos práticos, as ações afirmativas incentivam as organizações a agir
positivamente a fim de favorecer pessoas de segmentos sociais discriminados a
terem oportunidade de ascender a postos de comando. (OLIVEN, 2007, p. 30).
Com a adoção das políticas de Ações Afirmativas, sendo as cotas na Universidade um
de seus principais mecanismos para a promoção da democratização do ensino superior,
71
podemos pensar até na ascensão de uma igualdade meramente formal a uma igualdade real ou
substancial, aproximando os dois extremos, os quais, pelo curso natural, distanciar-se-iam
cada vez mais.
Abordando este assunto, Munanga39 (2001 apud EMERICH, 2011, p. 30) diz que o
sistema de cotas “[...] é apenas um instrumento e uma medida emergencial enquanto se
buscam outros caminhos”. Ele é, portanto, uma medida transitória, permanecendo ativa até
que se consiga uma melhor adequação do Estado brasileiro, bem como o aprimoramento e
conscientização da sociedade na busca da democracia substancial e da plena cidadania. Dessa
forma, as cotas são o começo das providências a serem tomadas pelo Estado em favor
daqueles que foram e ainda são sistematicamente discriminados pela sua raça.
Algumas universidades, reconhecendo essa vulnerabilidade histórica, já haviam criado
políticas compensatórias consistentes na reserva de vagas. Em Mato Grosso do Sul, a Lei nº
2.605/2003 estabeleceu percentuais mínimos de ingresso dessa população à universidade,
estabelecendo em seus artigos primeiro e segundo:
Art. 1º A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul deverá reservar uma cota
mínima de 20% de suas vagas nos cursos de graduação destinada ao ingresso de
alunos negros
Art. 2º O Poder Executivo, por meio da Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul, regulamentará a matéria no prazo de noventa dias a contar da Publicação desta
Lei.
A implantação desta Lei na UEMS ocorreu no mesmo ano, com o ingresso dos negros
cotistas já no ano letivo de 2004. De acordo com Cordeiro (2008, p. 17), foi “uma
oportunidade para construir e executar um processo único no Brasil. [...] um processo de
discussão e debate acadêmico e sociopolítico com todos os segmentos internos e externos à
Universidade”.
Com a edição da Lei estadual anteriormente mencionada, bem como a determinação,
em seu artigo segundo, de que, no prazo de noventa dias, o Poder Executivo, por intermédio
da UEMS, regulamentaria a matéria, a Universidade teve que se mobilizar, especialmente por
meio de sua Pró-Reitoria de Ensino, responsável pelo processo seletivo (vestibular).
Muitos foram os estudos e reuniões de trabalho visando dar efetividade à referida Lei,
regulamentando-a para estabelecer os critérios de inscrição sem que houvesse injustiça, uma
vez que não se poderia admitir que uma lei criada para corrigir discriminações
39
MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. 3. ed. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria
de Educação Fundamental, 2005.
72
sistematicamente praticadas contra os negros, perpetrasse outras piores que as primeiras, uma
vez que admitidas sob o manto da correção das desigualdades.
Descreve novamente Cordeiro (2008), Pró-Reitora de Ensino em 2003 e grande
responsável pela articulação e encaminhamento dos debates para a implantação da reserva de
vagas já no mesmo ano, as atividades realizadas para a discussão e envolvimento da
sociedade:
[...] foi criada uma comissão que durante os trabalhos promoveu o Fórum de
Discussão “Reserva de vagas para indígenas e negros na UEMS: vencendo
preconceitos”, nos quatorzes municípios onde existem Unidades Universitárias da
UEMS e na sua Sede em Dourados, no dia 13 de maio de 2003. Nesse fórum,
participaram representantes indígenas, do Movimento Negro e da sociedade em
geral, além da comunidade acadêmica.
Baseada nessas discussões, a comissão fez um processo de sensibilização na
instituição através de seminários, palestras, reuniões com coordenadores de cursos e
pessoal da administração, durante uns seis meses. Foram realizadas diversas
audiências públicas em vários municípios do estado com a minha presença, do
Movimento Negro e do deputado autor da lei de cota para negros. (CORDEIRO,
2008, p. 17-18, grifos da autora).
Por esses encaminhamentos, pode-se perceber que o processo de implantação foi
democrático, com a presença constante de representantes do Movimento Negro, significando
o início de uma mudança de paradigma, pois se estava dando ao negro a oportunidade de ser
ouvido nas decisões sociais, uma vez que até então, no Brasil, a essa população ainda não era
concedido o direito à voz no espaço acadêmico de “intelectuais”, totalidade quase absoluta de
“brancos”.
Com a finalização desse processo, uma vez que o tempo exigia agilidade para a sua
implantação no vestibular do mesmo ano, foi aprovada pelo COUNI-UEMS a Resolução nº
241, de 17 de julho de 2003, dispondo sobre as vagas em regime de cotas nos cursos de
graduação da UEMS, levando em conta a Lei nº 2.605, de 6 de janeiro de 2003, estabelecendo
em seu artigo primeiro e alínea “b”:
Art. 1º As vagas ofertadas para o ingresso aos cursos de graduação da Fundação
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, pelo processo de seleção, serão
aprovadas e normatizadas pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão,
distribuídas por curso, obedecendo a seguinte proporção: [...]
b) vinte por cento aos aprovados que concorreram às vagas ofertadas no regime de
cotas para negros;
73
Essa Resolução veio, posteriormente, a ser revista, considerando-se que reservava o
quantitativo de vagas para negros sem qualquer outra exigência. Assim, novamente aqueles
que tiveram condições de estudar em escola particular levariam vantagem, o que amenizaria
minimamente o problema da população negra, mas não do negro que havia estudado em
escola pública e presumidamente pobre, uma vez que aqueles estariam em condições de
aprovação pelas vagas gerais.
Para a correção dessa injustiça, logo após se aprovou norma retificadora, na figura da
Resolução COUNI-UEMS nº 250, de 31 de julho de 2003, que estabelece:
Art. 1º Fica alterada a redação da alínea “b” do art. 1º da Resolução COUNI-UEMS
Nº 241, de 17 de julho de 2003, publicada no DO/MS Nº 6051, de 1 de agosto de
2003, p. 21, que dispõe sobre a oferta das vagas em regime de cotas dos cursos de
graduação da UEMS, que passa a vigorar como segue: [...]
b) vinte por cento aos aprovados que concorreram às vagas ofertadas no regime de
cotas para negros, oriundos de escolas da rede pública de ensino ou bolsistas da
rede privada de ensino. (grifo nosso)
Sem dúvida alguma, o acréscimo de mais esse requisito foi de grande valia na busca
da justiça, via sistema de cotas raciais, uma vez que a ausência dessa exigência permitiria que
o negro que teve acesso a escola particular poderia preferir concorrer pelas cotas e levaria
vantagem em relação àquele que cursou o ensino fundamental e médio em escola pública.
Situação que levaria o negro pobre outra vez a ser excluído, verificando-se novamente a
injustiça.
Com a exigência de comprovação de haver estudado em escola pública ou particular
mediante bolsa para o negro que quisesse concorrer ao sistema de cotas, houve uma fusão
entre a cota social e racial, favorecendo em grande parte os mais carentes, proporcionando à
instituição um novo desafio, consistente em
[...] nova reflexão e postura às universidades que contam, cada vez mais, com alunos
provindos das camadas populares, assim, “temos que enfrentar o desafio de repensar
a própria instituição universidade, sob pena de estarmos passando de uma exclusão
da universidade para uma exclusão na universidade, fato que poderá desencadear
processos expressivos de evasão”. (PEREIRA 2011, p. 76, grifos do autor).
Mesmo com todas essas preocupações, o sistema de cotas não se tornou imune a
críticas; contudo, beneficiou a classe menos favorecida, proporcionando a realização do sonho
de uma formação superior e ascensão social. E, muito embora haja resistência às cotas, seus
74
opositores esquecem o fato de que os futuros advogados vão enfrentar essa diversidade
quando de sua atuação profissional. Dentre os discursos de oposição podemos destacar que
[...] o desfavorecimento de negros e índios na sociedade brasileira é uma premissa
falsa e que nem todos os índios e negros pertencem à categoria mais pobre da
população;[...] nem todos os “brancos” estão na outra ponta da pirâmide social; [...]
que nem todos os menos favorecidos economicamente se encontram alijados de boas
instituições de ensino; [...] total ausência de critério para qualificação como negro e
índio a esmagadora maioria da população com ascendência em tais etnias; [...] que o
sistema de cotas é esdrúxulo, que é mais correto melhorar a qualidade de ensino
público que é acessível a todos e investir em programas que melhorem e
universalizem o acesso ao ensino superior; [...] que as cotas prejudicam os demais
candidatos, marginaliza os cotistas e perpetua o conflito social; [...] que mesmo com
falhas, o vestibular trata-se de sistema meritório, que garante não somente aos mais
preparados, mas também aos mais dedicados e interessados o acesso ao curso
pretendido. (CORDEIRO; NOLASCO, 2004, p. 1-9)
Para prevenir eventuais fraudes, bem como falsas autodeclarações, a Resolução
CEPE/UEMS nº 430, de 30/07/04, que revogou a Resolução CEPE/UEMS n. 382/03 (que
regulamentava os requisitos para a inscrição e concorrência às vagas pelas cotas, exigidos do
candidato no ato da inscrição e sob a qual se ofertou o primeiro vestibular com cotas), fez
algumas alterações, mas os critérios permaneceram conforme descritos a seguir:
Art. 9º Aos candidatos que optarem por concorrer no regime de cotas de 20% (vinte
por cento) para negros, além dos incisos I, II, III e IV do art. 8º, serão exigidos:
I - uma foto colorida recente 5x7 cm;
II - autodeclaração constante na ficha de inscrição;
III - fotocópia do histórico escolar do Ensino Médio ou atestado de matrícula
expedido por escola da rede pública de ensino;
IV - declaração da condição de aluno bolsista fornecida por instituição da rede
privada de ensino, quando for o caso.
§ 1º Os candidatos inscritos no percentual de vagas para negros terão suas inscrições
avaliadas por uma comissão instituída pela Pró-Reitoria de Ensino da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul, composta por representantes da Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul e do Movimento Negro, indicados pelo Fórum
Permanente de Entidades do Movimento Negro do Mato Grosso do Sul e pelo
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Negro, que as deferirá ou não, por
decisão fundamentada, de acordo com o fenótipo do candidato.
A análise de responsabilidade da comissão composta pelos representantes citados foi
salutar para evitar a fraude ou a má-fé, ou mesmo a desinformação, uma vez que a
miscigenação no Brasil é uma característica marcante e muitos ainda não sabem como se
autodeclarar racialmente, inclusive pelo fato de não possuirem a consciência da sua identidade
étnico-racial. Ao final da referida Resolução, esta arremata, em seu parágrafo segundo, que os
75
candidatos que tiverem suas inscrições indeferidas concorrerão automaticamente às vagas
gerais.
Atualmente, os quatro Cursos de Direito da UEMS oferecem 180 (cento e oitenta)
vagas; deste quantitativo, a UEMS disponibiliza cota de 20% para negros40 que tenham
estudado em escola pública ou em escola particular, se comprovada sua condição de bolsista,
o que representou, para os candidatos que fizeram o vestibular em dezembro de 2007 e
ingressaram no curso em 2008, um total de 10 (dez) vagas em Dourados, 10 (dez) em Naviraí
e 8 (oito) em Paranaíba no período matutino e o mesmo número para o noturno, ou seja, 36
(trinta e seis) vagas para os cotistas.
Porém, em Paranaíba, o ingresso de negros cotistas se dá na proporção de 30%, pois os
10% de vagas destinadas à cota para indígenas em nenhum ano foi preenchida, pela ausência
de povos indígenas na Região do Bolsão e, de acordo com as normas, são os negros que as
ocupam. Para a compreensão de como essas vagas são ocupadas e/ou remanejadas, tem-se que
analisar o estabelecido na mencionada Resolução, em seu Capítulo V – Das Convocações
para Matrículas – artigo 26, § 5º, que estabelece:
a) as vagas remanescentes do regime de cotas para negros serão preenchidas por
candidatos das cotas para indígenas, obedecendo à ordem de classificação; b) as
vagas remanescentes do regime de cotas para indígenas serão preenchidas por
candidatos das cotas para negros, obedecendo à ordem de classificação; c) ainda
havendo vagas remanescentes nos regimes de cotas, as mesmas serão preenchidas
pelos classificados nos 70% (setenta por cento) referentes às vagas gerais,
obedecendo à ordem de classificação. (RESOLUÇÃO CEPE-UEMS Nº 430, 2004,
n.p.).
Tratando ainda da oferta de vagas, o artigo 28 da mesma Resolução destaca que:
“esgotadas as convocações, as vagas provenientes do cancelamento de matriculas serão
destinadas ao processo de transferência para o ano subsequente, de acordo com as normas
específicas estabelecidas pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão”.
O sistema elaborado pela UEMS, muito embora resultado de um processo
democrático, ainda sofre críticas, que ora emergem dos critérios de admissão da pessoa como
negra, ora por ter aderido ao sistema de cotas. Hoje, as cotas na UEMS são uma realidade que
não pode ser questionada quanto a sua legalidade, restando continuar os estudos para a busca
de seu aprimoramento. Pois, apesar de todo este processo democrático e desse arcabouço
jurídico que as sustentam, um aspecto ainda encontra forte resistência para que, na prática, o
40
De acordo com o IBGE, a raça negra compreende os pretos e os pardos.
76
sistema de cotas funcione como deveria, garantindo-se ao negro não apenas a entrada, mas
também a permanência.
Esse entrave à permanência depende da aceitação e adequação dos docentes às cotas e
políticas internas da instituição. Salviano (2011), após uma análise da representação docente
acerca das cotas para indígenas na UEMS no curso de Direito, na sede de Dourados, bem
como seus reflexos, e tendo questionado os docentes, fala sobre o despreparo destes para lidar
com a diversidade, pois
[...] desde a aprovação das cotas, e após várias pesquisas que comprovam não haver
diferença no aprendizado e desempenho do cotista e do não cotista, mesmo assim o
que ainda se vê é o discurso velado da discriminação. Os docentes ouvidos nessa
pesquisa, ainda não conseguem aceitar essa inclusão, principalmente com relação ao
indígena. A meu ver, ainda trazem para a sala de aula muito do folclórico e da ideia
de integração cultural que permeou durante séculos o imaginário popular. O que se
ensina não atende as disposições constitucionais de respeito e conservação da
diferença. Muito pelo contrário, já que o que se ensina e como se ensina, vem da
antiga formação deficitária do bacharel em direito, sem qualquer modificação no
modo de transmissão e de pesquisa desse professor. (SALVIANO, 2011, p. 64).
O que descreve a autora sobre o curso de Direito acerca das cotas para os indígenas
pode perfeitamente ser aplicado à presença dos negros cotistas no mesmo curso e sua relação
com os docentes e gestores, pois o que existe é uma posição de resistência, uma vez que,
desde a implantação dos primeiros cursos jurídicos no Brasil, criou-se a crença de que este é
de alta cultura, pois na época só se admitia o conhecimento formal como válido, o que faz
com que até hoje os docentes desse curso tenham uma visão elitista do mesmo, com a plena
convicção de que o seu egresso alcançará “os mais elevados cargos nos concursos públicos da
carreira jurídica, com bagagem doutrinária suficiente para enfrentar o Exame de Ordem e
obter a aprovação” (SALVIANO, 2011, p. 67).
Portanto, assumir uma postura a favor ou contra a política de ação afirmativa de
reserva de vagas (sistema de cotas) não é uma questão relativamente simples quando
não se tem conhecimento das questões históricas e políticas envolvidas na temática.
É importante haver uma reflexão aprofundada sobre as ações afirmativas, e não
apenas posicionamentos ideológicos, sem o conhecimento teórico da pluralidade
étnico-racial em que estamos inseridos.
Com base nessa reflexão é que as ações afirmativas necessitam ser pensadas no
contexto do sistema de cotas, como um mecanismo de acesso à educação superior
pelo viés do direito social para aqueles que, historicamente, foram excluídos dos
processos de acesso à educação e de outros direitos sociais. (EMERICH, 2011, p.
27).
77
Pelas informações anteriormente apresentadas, pode-se inferir que as políticas de
ações afirmativas constituem-se de múltiplas iniciativas implementadas por programas e
projetos, com especial destaque ao sistema de cotas, cuja definição pode ser dada como uma
interferência político-social “que busca promover o princípio da igualdade em prol das
minorias raciais e étnicas [...] estando, desde o ano de 2002, inseridos nas discussões de
algumas universidades públicas estaduais e federais deste país” (CORDEIRO, 2008, p. 25).
Mas ainda cabe questionar: as pessoas envolvidas na efetivação dessa política
conscientizaram-se de seu papel como artífices dessa nova realidade ou julgam essas ações
dispensáveis por ainda acreditarem no mito da “democracia racial”?
No trabalho realizado por Guimarães (2006), que levantou, por um período de doze
meses, as falas no Orkut de vários segmentos da sociedade brasileira, uns contra, outros a
favor das cotas nas universidades públicas, a autora pôde concluir que a maioria da população
é a favor das cotas, especificamente as sociais; no entanto, é contra as cotas raciais.
As razões que levam as pessoas a se posicionarem dessa forma talvez estejam ligadas
aos valores passados de pais para filhos relativos à raça negra, cultivando o pensamento de
que estes são intelectualmente inferiores. Desconhecem esses opositores a saga vivida pelos
negros desde que foram trazidos ao Brasil na condição de escravos.
Fazendo uma pequena retrospectiva histórica para entender as marcas que esse povo
carrega até nossos dias, Alencar41 (1979 apud SILVA; BASTOS, 1983, p. 45) diz que “o
negro entra na sociedade brasileira como cultura dominada, esmagada. E as marcas da
escravidão persistem, no disfarçado preconceito racial, na situação miserável de muitos. Não
se pode pensar em Brasil sem levar em conta toda essa história”.
A ausência de políticas estatais efetivas e organizadas faz com que se perpetuem as
discriminações e injustiças sociais que se seguiram à libertação, uma vez que o governo não
se preocupou com iniciativas que pudessem integrar o negro à sociedade, agora já na condição
de liberto, mas preferiu, em um primeiro momento, apoiar a imigração de grandes levas de
italianos para dar continuidade à lavra do café, que era cultivado principalmente na região
sudeste (SILVA; BASTOS, 1983, p. 48).
Sem a renda necessária para manter-se e firmar-se com dignidade em uma sociedade
capitalista como a brasileira, o negro foi marginalizado e discriminado. Para reverter esse
quadro centenário de abandono, tem-se, nas Políticas de Ações Afirmativas, um importante
mecanismo, sendo o sistema de cotas nas universidades públicas uma relevante compensação
41
ALENCAR, Francisco et al. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979. p.
20.
78
dessas injustiças, pelo fato de proporcionar os instrumentos necessários na luta por
reconhecimento dos mesmos privilégios até então concedidos somente aos brancos.
O grande mérito das Ações Afirmativas/cotas é servir de contraponto a esse quadro de
discriminação e preconceito, que deita suas raízes até nossos dias; nisso consiste essa política,
que, no dizer de Emerich (2011, p. 30),
[...] é assegurado ao aluno negro competir pela vaga na educação superior de forma
igualitária. Ele compete com outros que tiveram as mesmas oportunidades restritas –
uma vez que alunos negros, em sua maioria, são oriundos de classe economicamente
desfavorecida, o que provavelmente se reflete em limitações para adentrar na
educação superior por meio da competitividade do vestibular e da disputa no sistema
de vagas geral.
E conforme arremata Cordeiro (2008, p. 158),
[...] pode ser que a política de cotas não seja a melhor solução para a exclusão
social e cultural, mas é a única política adotada até agora com bons resultados para
promover reparação, compensação e inclusão dos negros e indígenas alijados do
processo de aquisição de conhecimento durante toda história deste país.
O que se pôde abstrair dos diversos posicionamentos foi que, necessariamente, algo
tinha que ser feito nesse país para que não se perpetuassem as desigualdades entre as raças,
sendo que a vulnerabilidade do negro tem suas raízes desde que chegou ao solo brasileiro,
pois a escravidão era justificada cientificamente e até mesmo na abolição houve uma
preocupação maior com os brancos, que não queriam a miscigenação, vista como forma de
degeneração da raça, do que com a situação dos negros.
Para evitar que os negros se misturassem com os brancos, investiu-se em grandes levas
de imigrantes italianos para trabalhar de forma assalariada, sendo que este direito não foi
concedido aos libertos, os quais foram sendo empurrados para fora das cidades, constituindo
bolsões de pobreza, ou seja, uma segunda escravidão. Nascia, assim, a política do
branqueamento42 da sociedade brasileira.
Com o reconhecimento do mito que imperava no Brasil, denominado “democracia
racial”, crença reconhecida até mesmo internacionalmente, somado ao que demonstravam as
42
“A ideologia do branqueamento se efetiva no momento em que, internalizando uma imagem negativa de si
próprio e uma imagem positiva do outro, o indivíduo estigmatizado tende a se rejeitar, a não se estimar e a
procurar aproximar-se em tudo do indivíduo estereotipado positivamente e dos seus valores, tidos como bons e
perfeitos” MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o Racismo na Escola. 2. ed. revisada. Brasília:
Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 23.
79
pesquisas sobre a pobreza e discriminação que o negro enfrentava, a pressão internacional
começou a exigir do Brasil posturas mais efetivas, que pudessem minorar os efeitos perversos
que séculos de discriminação e preconceito impingiram a essa população.
Nesse contexto, entram as Ações Afirmativas e, em especial, as cotas no ensino
superior, como uma medida paliativa e transitória para tentar reverter esse quadro de
abandono. Pelo pouco tempo de sua adoção em algumas universidades, pode-se afirmar que
elas estão cumprindo um importante papel nessa iniciativa que visa à consecução de um
legítimo Estado Democrático de Direito e o estabelecimento de uma igualdade material entre
todos os integrantes da comunidade brasileira.
Visando a um diálogo mais estreito com os principais beneficiários dessa oferta de
vagas, bem como a visão dos coordenadores acerca de alguns aspectos referentes aos negros
cotistas, aplicamos questionários aos negros cotistas ingressos no ano de 2008, bem como aos
coordenadores do curso de Direito desde a mesma época, uma vez que o objetivo da pesquisa
foi fazer uma avaliação da trajetória acadêmica desses cotistas, suas conquistas e percalços.
Ninguém mais autorizado a dar essas informações do que aqueles que se encontram no fim
desse trajeto e os coordenadores que acompanharam de perto essa caminhada.
Para compreender os caminhos percorridos para a realização da pesquisa, bem como
os aspectos relacionados à coleta dos dados e sua análise, descrevemos, no capítulo seguinte,
as trilhas, encontros e desencontros enfrentados em nosso percurso.
80
3 PERCURSOS METODOLÓGICOS
O debate entre correntes divergentes pode ser enriquecedor, se
os seus fautores não se plantarem em trincheiras ideológicas
arregimentando munições para as suas fortalezas, sem atinar
pelos frutos que debates bem fundamentados podem trazer ao
avanço das ciências humanas e sociais.
Antonio Chizzotti
3.1Trilhas da pesquisa
As primeiras cotas para negros na UEMS foram oferecidas em dezembro de 2003 para
o ingresso na Universidade no ano de 2004. Logo, já se passaram mais de dez anos desde sua
primeira oferta. Houve muitas modificações na universidade desde a sua implantação, como,
por exemplo, a consolidação do reconhecimento da legalidade das cotas e pesquisas
abordando o tema.
Esse interesse dos pesquisadores, configurado em dissertações e teses, no que
concerne aos estudos de cotas para negros na universidade, representa um progresso para a
compreensão da diversidade, pois, no Brasil, até bem pouco tempo, havia poucas iniciativas
que propunham estudar questões multirraciais da população brasileira em nível de PósGraduação. Os dados confirmam que:
[...] de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais (Inep) sobre a Formação de Professores no Brasil (2002), no período
entre 1990 e 1998, dos 834 trabalhos de dissertação e teses defendidas, 60 (7,1%)
tratavam da formação de professores(as). Dentre estas, apenas uma dissertação, de
1993, relaciona-se à formação inicial e questões étnico-raciais. Esta aponta para a
necessidade de repensar o curso de formação de professores(as), incluindo o debate
das relações étnico-raciais com o objetivo de romper com o fracasso escolar.
(BRASIL, 2010, p. 127).
Outro dado que colabora para a compreensão temporal e quantitativa sobre o assunto
está no banco de dados da CAPES:43
No diretório de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de
Nível Superior (Capes), é possível identificar 125 dissertações de mestrado sobre
negro e educação e 54 que tratam de educação e raça defendidas em diferentes áreas
do conhecimento. Os primeiros trabalhos datam do início dos anos 1980, e a maior
parte das produções data de meados de 1990. (BRASIL, 2010, p.127).
43
Disponível em: <http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese>. Acesso em: 13 jan. 13.
81
De acordo com o Banco de Teses da Capes, inferimos que várias pesquisas tratam de
fatores que determinam a ausência da cultura afro-brasileira dos currículos escolares, bem
como investigam aspectos ligados aos estereótipos e preconceito em relação aos negros,
veiculados em livros escolares de comunicação e expressão. Os autores das pesquisas buscam
compreender essa ausência, bem como a grande relevância atribuída ao branco e seu contexto
socioeconômico e cultural, no qual o negro é ligado a maldades e incapacidade intelectual.
Dentre as pesquisas, algumas discutem os conteúdos de trabalhos elaborados nos
meios acadêmicos a respeito das relações raciais no Brasil e da existência do segmento negro
e mulato da população brasileira, bem como aspectos ligados à construção da identidade
negra, de particularidades da cultura negra e sua reelaboração simbólica no código de sua
expressividade.
De acordo com esse banco de dados, concluímos que até bem pouco tempo este
assunto não era alvo de debates, sendo, por consequência, pouco estudado. Entretanto, com o
sistema de cotas há um avanço, com um número cada vez maior de trabalhos questionando a
exclusão do negro, bem como a pouca importância dada a sua cultura, sua identidade, e sua
contribuição no desenvolvimento da nação brasileira.
Os estudos que constataram a exclusão social e acadêmica do negro e o debate público
não possibilitaram sua integração à Universidade, tornando-se necessária a edição de leis que
garantissem o seu ingresso nos cursos superiores.
O reconhecimento da legalidade das cotas representou, para a comunidade acadêmica,
certa tranquilidade, possibilitando que todas as energias fossem canalizadas para a discussão
do ensino e a permanência do cotista. Este é o panorama em que as Universidades se
encontram.
Assim, superadas parte das dificuldades que envolviam a implantação das cotas, o que
se soma ao fato de que elas foram reconhecidas como legais pela Justiça, o cenário se
apresenta hoje com certa estabilidade, mas ainda em busca de condições para produzir
melhores frutos do que o da época de sua criação. Na UEMS, o debate sobre as ações para a
permanência não avança.
Para a compreensão da situação acadêmica dos alunos abarcados pelo regime de cotas
para negros, que ingressaram nos cursos de Direito da UEMS no ano de 2008, foi necessário
adotar um encaminhamento metodológico que ensejasse o atendimento dos objetivos
propostos de identificar as dificuldades para permanência dos cotistas no curso, bem como as
ações realizadas pela instituição, que favorecessem ou favoreceram sua permanência e,
consequentemente, a formação com qualidade.
82
Assim, tornou-se necessário eleger e percorrer determinado caminho teórico
metodológico e, para isso, recorremos à pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, tendo em
vista os objetivos pretendidos. No dizer de Minayo (2007, p. 15) “[...] a metodologia é muito
mais que técnicas. Ela inclui as concepções teóricas da abordagem, articulando-se com a
teoria, com a realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade”.
O intuito foi colher informações dos envolvidos, para compreender os processos e
interações que dizem respeito às cotas, após a adoção destas pela Universidade, decorridos
quase cinco anos de caminhada; todas essas experiências podem proporcionar importantes
subsídios para se chegar ao que representam as cotas para os negros em uma universidade.
A pesquisa exige alguns cuidados para a sua realização, pois a conotação que a palavra
pesquisa vem tomando nos últimos anos tem contribuído para a mitigação de sua
cientificidade, sendo empregada para atividades corriqueiras ao aprendizado.
Neste ponto, chamam a atenção Lüdke e André, (1986, p. 1), quando dizem dos
cuidados que o pesquisador deve tomar para que as informações obtidas possam embasar um
trabalho científico. Para as autoras,
[...] é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações
coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito
dele. Em geral isso se faz a partir do estudo de um problema, que ao mesmo tempo
desperta o interesse do pesquisador e limita sua atividade de pesquisa a uma
determinada porção do saber, a qual ele se compromete a construir naquele
momento.
Os tipos de abordagem, qualitativa ou quantitativa, variam de acordo com o objeto
pesquisado e os objetivos da pesquisa. Assim, a pesquisa qualitativa nos possibilitou obsevar
a relação dinâmica entre a realidade e o discente negro, captando a percepção das pessoas
envolvidas sobre o processo de inclusão racial da pessoa negra na universidade.
De acordo com Chizzotti (2010, p. 79), a pesquisa qualitativa abriga diferentes
pesquisas que se fundamentam em pressupostos contrários ao modelo experimental, que, por
meio de métodos e técnicas diferenciados deste, capta os sentidos e os significados das ações
do sujeito. Para ele:
[...] há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência
viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados,
conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do
processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um
83
significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e
relações que sujeitos concretos criam em suas ações.
Para ser fiel à descrição da realidade encontrada, analisando-a com o rigor da pesquisa
cientifica, a abordagem qualitativa nos oferece subsídios para análise dos dados (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986). As raízes da abordagem qualitativa da pesquisa remontam ao final do século
XIX, quando os cientistas sociais começaram a perquirir “[...] se o método de investigação
das ciências físicas e naturais, que por sua vez se fundamentava numa perspectiva positivista
de conhecimento, deveria continuar servindo como modelo para o estudo dos fenômenos
humanos e sociais” (ANDRÉ, 2011, p. 16).
Além disso, a pesquisa qualitativa possibilita compreender as ações humanas e a
percepção das pessoas envolvidas no processo de inclusão do negro na universidade via cotas
e oferece subsídios para interpretação das questões pesquisadas.
Por esse paradigma, o pesquisador deixa de ser considerado como agindo
exclusivamente dentro de um sistema de normas, ao asseverar as vantagens sumárias
de um modelo e os defeitos congênitos do outro. Sua ação também é definida pelas
relações estabelecidas com os outros, contribuindo para identificar seu papel social.
Dessa forma, as ações não possuem significação social estável, mas devem ser
reinterpretadas constantemente no decorrer das interações; o contexto deixa de ser
um simples quadro passivo das ações para vir a ser interpretado, sendo as
interpretações, tanto das ações como de seus contextos suscetíveis de serem
reformuladas. (ARAÚJO, 2002, p. 46).
A escolha do estudo de caso possibilitou a busca de dados nas experiências e cotidiano
dos personagens pesquisados, por meio de uma interação direta, para compreender vivências
pessoais no ambiente acadêmico, sem deixar de lado os cuidados peculiares que uma pesquisa
científica exige.
No dizer de Araújo (2002), é necessário este procedimento quando a pesquisa envolve
o estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos de maneira que se permita o seu
amplo e detalhado conhecimento.
A pesquisa qualitativa ocorreu de forma não conflituosa, devido ao fato de muitos
pesquisadores perceberem que inúmeras informações contidas no interior da sociedade não
poderiam ser tratadas de forma quantificada e decodificadas de acordo com dados objetivos.
A opção pela pesquisa qualitativa deve-se à necessidade de encaminhamento com base
em um conjunto cultural ampliado, sem a possibilidade de se fracionar esta realidade em
pequenas porções a fim de estudá-las, considerando o dinamismo dessa relação com a
84
realidade objetiva e sua subjetividade, que não pode ser traduzida em números (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986).
É de se dizer que a pesquisa qualitativa também pode envolver números, sem, no
entanto, transformar em quantitativa. Na pesquisa quantitativa, são os números que vão dar
margem para pensar e esclarecer o texto, diferentemente do que ocorre com a pesquisa
qualitativa, em que os números são meios para compreender, analisar e interpretar o texto.
A utilização da abordagem qualitativa nos permite empregar variadas técnicas, tais
como entrevistas, narrações, histórias de vida, entre outras (GAMBOA, 1997); por isso,
optamos pelo uso do questionário, que possibilitou “[...] um maior aprofundamento das
informações obtidas; e a análise documental, que complementa os dados obtidos [...]”
(LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 9).
Assim, a pesquisa qualitativa contribuiu para entender o percurso acadêmico e parte
do histórico familiar que interessa para o estudo dos negros cotistas do curso de Direito da
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidades Universitárias de Paranaíba, Naviraí
e da sede em Dourados e assim interpretar os fenômenos obtidos no cenário natural,
atribuindo-lhes significados. Por esta razão, propomos colher informações dos envolvidos e
analisarmos as respostas dos questionários, uma vez que, embora as questões fossem, na sua
maioria, fechadas, havia oportunidade de os pesquisados contribuírem através de suas falas e
sugestões para as devidas interações.
A importância desse tipo de pesquisa reside no fato de o pesquisador não apenas
descrever, mas “mergulhar” em seus resultados, para tentar compreender a realidade daquilo
que representa. Este fenômeno é explicado por Duarte,44 quando diz que:
[...] a seleção de dados pertinentes é uma característica básica da pesquisa qualitativa
e que seu valor não reside neles mesmos, mas nos fecundos resultados a que podem
levar. Por outro lado, o rigor de uma pesquisa dessa natureza não se mede apenas
por comprovações estatísticas, mas justamente pela amplitude e pertinência das
explicações e teorias, ainda que estas não sejam definitivas e não sejam
generalizáveis os resultados alcançados. (DUARTE 1998 apud SUASSUNA, 2008,
p. 348).
Essas compreensões devem estar presentes desde o momento em que alguém se dispõe
à elaboração de uma pesquisa, pois um trabalho assim deve ser de interesse para o progresso
de alguma área do conhecimento e deve ser desenvolvido com a atenção necessária no que
44
DUARTE, C. Uma análise de procedimentos de leitura baseada no paradigma indiciário. 1998.
Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, SP, 1998.
85
tange ao rigor metodológico, pois poderá ser utilizado como referencial teórico para embasar
outras pesquisas do gênero. Daí a responsabilidade do pesquisador na seleção das fontes,
análise dos conteúdos e conclusões que podem ser comprovadas à vista dos materiais
utilizados e caminhos percorridos.
Para Chizzotti,
[...] a pesquisa investiga o mundo em que o homem vive e o próprio homem. Para
esta atividade, o observador recorre à observação e à reflexão que faz sobre os
problemas que enfrenta, e à experiência passada e atual dos homens na solução
destes problemas, a fim de munir-se dos instrumentos mais adequados à sua ação e
intervir no seu mundo para construí-lo adequado à sua vida. (CHIZZOTTI, 2010, p.
11).
Ao investigado deve ser dado especial enfoque para a realização da pesquisa, pois este
não é uma coisa, mas um sujeito que deve ser ouvido, e sua contribuição auxilia no
entendimento da teoria e será esta interação entre teoria e realidade que fornecerá subsídios
para a compreensão dos fenômenos estudados.
Para esse diálogo, elegemos os questionários semiestruturados (questões fechadas e
abertas), uma vez que estes geram a obtenção de informações que dificilmente seriam
conseguidas de outra forma, somado ao fato de que a quase padronização das perguntas pode
ensejar uma mais fácil, rápida e segura tabulação com o fim de compreender as conclusões
dos atores, podendo este elemento de coleta de dados ser conceituado como “um conjunto de
questões sobre o problema, previamente elaboradas, para serem respondidas por um
interlocutor, por escrito ou oralmente. Nesse último caso, o pesquisador se encarrega de
preencher as questões respondidas” (CHIZZOTTI, 2010, p. 44).
Esclarece ainda o mesmo autor, quando tratou desse tipo de coleta de dados, que as
questões podem ser de forma fechada, caso em que a resposta é limitada aos itens
questionados, ou abertas, as quais oportunizam ao interlocutor formular suas respostas,
críticas e sugestões, podendo, ainda, conjugarem-se as duas formas em um mesmo
instrumento de coleta de dados (CHIZZOTTI, 2010).
Assim, esta pesquisa está amparada no paradigma interpretativo, pois busca, além da
análise e compreensão do fenômeno pesquisado, também interpretar, de forma crítica, as
respostas dadas aos questionários relativas aos pontos marcantes da trajetória de vida e dos
percalços acadêmicos dos negros cotistas que ingressaram no curso de Direito da UEMS,
turma 2008, os quais estavam, na maioria, matriculados no quinto ano em 2012, bem como
86
dos demais pesquisados (coordenadores de curso). Suas respostas constituem fonte preciosa
para a compreensão de suas representações45 (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).
Pelo paradigma interpretativo, o pesquisador deixa de ser considerado um observador
passivo e sua participação também faz parte das relações estabelecidas com os demais,
contribuindo, desta forma, para que este encontre seu papel social. Assim, as ações não têm
significados imutáveis, pois estes devem ser revistos reiteradamente no decorrer desses
confrontos. A conjuntura é vista não como um cenário inerte das ações, mas passível de ser
interpretada, tanto por seus contextos como por suas próprias ações, capazes de sofrer
transformações.
Nesse conjunto, ao pesquisador se atribui o encargo de selecionar os elementos
encontrados no decorrer da pesquisa, bem como os significados destes. Com essa atribuição, o
pesquisador adquire função primordial no desenvolvimento da pesquisa, uma vez que lhe
compete, de maneira neutra ou envolvente, a interpretação e compreensão dos dados que se
relacionam aos fenômenos estudados.
Para Gamboa:
Para as pesquisas fenomenlógico-hermenêuticas, a ciência consiste na compreensão
dos fenômenos em suas diversas manifestações (variantes) através de uma estrutura
cognitiva (invariante) ou na explicação dos pressupostos, das implicações e dos
mecanismos ocultos (essência) nos quais se fundamentam os fenômenos.
Os fenômenos objetos da pesquisa (palavras, gestos, ações, símbolos, sinais, textos,
artefatos, obras, discursos etc.) precisam ser compreendidos. Isto é, pesquisar
consiste em captar o significado dos fenômenos, saber ou desvendar seu sentido ou
seus sentidos. A compreensão supõe uma interpretação, uma maneira de conhecer
seu significado que não se dá imediatamente; razão pela qual precisamos da
interpretação (hermenêutica). (GAMBOA, 1997, p. 100).
Continuando, Gamboa afirma:
A hermenêutica é entendida como indagação ou esclarecimento dos pressupostos,
das modalidades e dos princípios da interpretação e da compreensão. [...]
A compreensão de um fenômeno só é possível com relação à totalidade à qual
pertence (horizonte da compreensão). Não há compreensão de um fenômeno
isolado; uma palavra só pode ser compreendida dentro de um texto, e este, num
contexto. (GAMBOA, 1997, p. 100/101).
45
Ideia que concebemos do mundo ou de uma coisa. Disponível em: <http://www.dicionarioweb.com.br>.
Acesso em: 10 out. 2012.
87
O sistema de cotas raciais envolve uma realidade que não pode passar despercebida da
própria universidade nem de seus professores; faz-se necessário o comprometimento de todos
os envolvidos no aperfeiçoamento dessa importante ferramenta de inclusão social.
Nesta pesquisa, após alguma teorização inicial acerca do importante instrumento que
as cotas para negros representam como agente de democratização do ensino superior, o
próximo passo será demonstrar como essa proposta se desenvolve com os negros cotistas que
estão cursando a graduação em Direito na UEMS, para saber como ela se materializa na
prática.
Como instrumento metodológico para a obtenção dos dados, elaborou-se um
questionário que foi aplicado aos negros cotistas presentes em 2012 no quinto ano dos cursos
de Direito da UEMS, turma 2008. Durante a aplicação, pudemos perceber o grande número de
desistências nas Unidades de Paranaíba e Naviraí, bem como o fato de alguns se encontrarem
retidos em anos anteriores, nos quatro cursos, sendo que alguns foram localizados e
responderam ao questionário, pois a evasão é um dos resultados da ausência de políticas de
permanência em qualquer instituição.
Os motivos das desistências, bem como da retenção em anos anteriores, serão
analisados detalhadamente no quarto capítulo, por ocasião da tabulação e análise dos
questionários, uma vez que esses pontos exigem uma apreciação mais minuciosa.
Para a coleta dos dados, de início havia um plano geral voltado para a aplicação de
questionários a todos os negros cotistas dos quatro cursos de Direito das duas Unidades
Universitárias e mais a sede, bem como aos pró-reitores e coordenadores de curso, o que
consistiria em um amplo universo.
No decorrer da pesquisa, restringiu-se este universo apenas para aplicação do
questionário aos negros cotistas que ingressaram em 2008 nos quatro cursos, pois estes, no
final da caminhada acadêmica (ou deveriam estar nesta fase), poderiam oferecer elementos
suficientes para se compreender o que o negro cotista enfrenta no decorrer do curso de
Direito.
Para a segunda amostra, buscamos subsídios junto aos coordenadores dos quatro
cursos, ou seja, todos que ocuparam a função desde 2008. Realizamos pesquisa documental
via análise do Projeto Pedagógico em vigor durante os estudos desses cotistas das três
Unidades onde o curso de Direito é oferecido, bem como as normatizações que tratam das
cotas, tanto as internas da UEMS, quanto leis, decretos e principais tratados internacionais
que cobram uma política de inclusão.
88
Em relação às pró-reitorias, entendemos por bem excluí-las da pesquisa e sua
percepção enquanto pró-reitores, pois, com as mudanças de reitores, esses cargos se
sucediam, e muitos dos que se encontravam no exercício quando da elaboração do trabalho,
muito pouco sabiam das discussões para a implantação das cotas, dos primeiros obstáculos
para seu desenvolvimento e das ações que a universidade vem realizando para atender essa
ação afirmativa.
No questionário, respondido pelos alunos cotistas e coordenadores de curso, havia
indagações acerca da postura da universidade frente à oferta de cotas, se houve mudança no
PP dos cursos de Direito após a implementação destas ou se os gestores se limitaram a
cumprir a lei e normatizações estabelecidas sem qualquer outra preocupação, a exemplo da
permanência no curso, além de questões específicas sobre dados pessoais, familiares,
profissionais e trajetória acadêmica.
Ao explorar essas duas amostras, constatamos que a pesquisa qualitativa guarda uma
peculiaridade importante, uma vez que “[...] partindo de fenômenos aparentemente simples de
fatos singulares, essas novas pesquisas valorizaram aspectos qualitativos dos fenômenos, [...]
a complexidade, a vida humana e [...] significados ignorados da vida social” (CHIZZOTTI,
2010, p. 78).
Entendemos que o tipo de pesquisa adotado, qual seja, a qualitativa, na estratégia
estudo de caso, é o mais adequado ao desenvolvimento da proposta, já que o ensejo era
conhecer a percepção dos negros cotistas sobre seu percurso acadêmico e dos coordenadores
no que diz respeito às cotas e aos negros cotistas. Buscamos alternativas que aproximassem as
suas experiências e vivências durante essa caminhada sem a imposição de hipóteses prévias.
O objetivo da pesquisa de campo era colher o maior número de informações possíveis
sobre os negros cotistas, sua caminhada acadêmica e seus percalços, tais como: projetos ou
programas em que estavam inseridos, disponibilidades para o cumprimento das atividades,
suporte oferecido pela universidade, como livros e fotocópias. Todas essas indagações
estavam contidas no questionário aplicado a eles.
A pesquisa qualitativa na modalidade estudo de caso não se importa com a
regularidade, primando pela análise dos significados atribuídos pelos indivíduos às suas
próprias ações no meio em que vivem e desenvolvem cotidianamente suas relações. Busca
compreender o que significa cada ato, bem como o comportamento dos atores sociais,
preocupando-se até com as relações individuais no contexto social em que elas se realizam
(CHIZZOTTI, 2010). Esse foi o caminho adotado para a realização deste trabalho, no qual o
objeto pesquisado
89
[...] é tomado como unidade significativa do todo e, por isso, suficiente tanto para
fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma intervenção. É
considerado também como um marco de referência de complexas condições
socioculturais que envolvem uma situação e tanto retrata uma realidade quanto
revela a multiplicidade de aspectos globais, presentes em uma dada situação.
(CHIZZOTTI, 2010, p. 102).
Ventura, ao tratar do estudo de caso, informa que:
[...] pesquisa científica necessita definir seu objeto de estudo e, a partir daí, construir
um processo de investigação, delimitando o universo que será estudado.
Observando-se os casos extremos, numa ponta identificam-se os estudos agregados,
quando a intenção é examinar o próprio universo, e na outra, os estudos de caso,
quando se estuda uma unidade ou parte desse todo. (VENTURA, 2007, p. 383).
No entanto, adverte que:
[...] em relação aos estudos de caso, deverá haver sempre a preocupação de se
perceber o que o caso sugere a respeito do todo e não o estudo apenas daquele caso.
Portanto, pesquisar significa fazer uma escolha, pois em cada caso concreto, deve-se
definir um determinado nível de agregação. (VENTURA, 2007, p. 383).
Os cotistas que foram matriculados inicialmente em 2008 trazem a experiência de
quase cinco anos de caminhada universitária e tiveram condições de acompanhar todo o
desenvolvimento desse sistema, desde seu ingresso na graduação. São oriundos, na sua
maioria, de escola pública.46 Dos coordenadores, executores das políticas emanadas da
Universidade, somado ao fato de estarem em contato direto com os docentes e discentes,
colhemos a percepção sobre a realidade da implantação e desenvolvimento das cotas.
Todo o material elaborado para a pesquisa de campo consistiu no questionário dirigido
aos negros cotistas do curso de Direito ingressos em 2008, das duas Unidades e Sede da
UEMS, totalizando quatro cursos de Direito, bem como aos coordenadores desses cursos
desde 2008, Termo de Esclarecido e Livre Consentimento, Termo de Confidencialidade e
Autorização Institucional para a Coleta de Dados, solicitando o consentimento dos
coordenadores do curso de Direito e gerentes de Unidade para aplicação dos questionários.
Nos questionários dos discentes, foram abordadas questões sobre a escolaridade dos
pais, formas de se manter na universidade, distância que precisam percorrer para chegar à
universidade, dificuldades encontradas durante o curso, se sofreram discriminação ou
46
Uma vez que a Resolução CEPE/UEMS nº 430, de 30/07/04, admite, em seu inciso IV, cotas aos negros que
comprovem que estudaram em escola particular mediante bolsa.
90
preconceito, as razões porque optaram pelas cotas, participação em projetos, recebimento de
bolsas, reprovações e ainda sugestões à UEMS.
Enfim, o uso do questionário foi a opção que entendemos mais apropriada aos
objetivos da pesquisa, levando-se em conta outras formas de coleta de dados. A opção pelas
duas amostras se deve ao fato de estarem em lados opostos, mas a possibilidade de
comparação de alguns itens dos questionários também servirá para a interpretação dos dados e
melhor compreensão do sistema de cotas e da gestão pedagógica dos cursos de Direito.
A coleta dos dados iniciou-se na Unidade de Paranaíba, nos dois turnos, tendo em
vista a presunção da menor dificuldade que esta supostamente representava, por estar na
cidade onde os trabalhos de pesquisa e escrita da dissertação estavam sendo realizados. No
entanto, devido ao grande número de desistentes e desencontro com os alunos, houve muitas
dificuldades. As lideranças das salas ajudaram na distribuição e coleta dos questionários e o
pesquisador esteve presente nos dias da aplicação, no pátio da universidade, para
esclarecimentos.
A maior dificuldade encontrada foi na aplicação do questionário aos acadêmicos que
haviam desistido do curso, pelo fato de muitos não residirem em Paranaíba e os dados
cadastrais constantes na universidade estarem desatualizados. Dois destes ficaram sem
responder, alunos do período noturno, e, de acordo com as informações, uma reside em uma
fazenda na região da Lagoa Santa, no estado de Goiás, e outro se mudou a serviço para o
estado de São Paulo. Assim, no período noturno, obtivemos 10 (dez) questionários
respondidos de um total de 12 (doze).
No período matutino, na mesma Unidade, em um primeiro contato na sala de aula,
havia 3 (três) cotistas presentes e 3 (três) haviam faltado, e o restante, de acordo com as
informações da sala, havia desistido. Alguns negros cotistas da lista não eram sequer
conhecidos dos demais colegas, sendo as dificuldades para aplicação as mesmas do período
noturno, mas mesmo assim foi possível a coleta de todos os questionários, totalizando 12
(doze), já que localizamos todos os desistentes.
A Unidade de Dourados foi a localidade em que encontramos a menor dificuldade
para aplicação do questionário. Os acadêmicos que nos interessavam estavam estudando no
prédio onde funciona o Núcleo de Prática Jurídica, no centro da cidade. No dia 06.09.12, os
acadêmicos estavam em prova. Solicitamos ao professor que avisasse aos mesmos que após a
realização desta as pessoas da lista que lhe apresentamos se dirigissem à secretaria para
responderem ao questionário, o que foi feito e, com este em mãos, se dirigiram a uma das
91
salas do prédio para preenchimento, durante o qual, se houvesse dúvidas, poderiam nos
procurar na secretaria. Assim, coletamos a maioria dos questionários.
Para os que haviam faltado, contamos com a colaboração das secretárias do Núcleo,
que providenciaram a coleta e nos entregaram no dia seguinte. Assim, de um total de 12
(doze) negros cotistas, todos responderam.
Estivemos na Unidade de Naviraí para a aplicação do questionário no dia 11.09.12; no
entanto, neste dia a aula não era presencial, e no dia seguinte iniciar-se-ia um evento jurídico.
Assim, encaminhamos as demais autorizações e deixamos o questionário com a coordenadora
do curso, que se comprometeu a aplicá-lo e remeter por malote. Porém, de um total de 11
(onze), esta havia recolhido apenas 3 (três), o que entendemos ser uma amostra que não
atendia à pesquisa; ademais, sem a resposta dos alunos desistentes, o que mais nos
interessava.
Dessa forma, nos dirigimos novamente à Unidade de Naviraí em 22.10.12 para a
aplicação dos questionários com informações sobre o endereço e o número dos celulares dos
cotistas, obtidos junto à Universidade. No entanto, de oito que ainda faltavam responder,
apenas um atendeu ao telefone e, esclarecido o propósito da pesquisa, gentilmente nos
recebeu e respondeu ao questionário.
Na lista de negros cotistas que adentraram em 2008 na Unidade de Naviraí constavam
alunos do município de Mundo Novo, que fica distante 117 km de Naviraí, que já haviam
desistido, e cujos dados constantes nos bancos da universidade estavam desatualizados. Duas
acadêmicas estavam de licença médica (uma de Ivinhema, a 100 km da unidade, e outra de
Angélica, a 119 km), outro já havia se formado (fez aproveitamento de estudos) mas trabalha
na delegacia local e não se encontrava na cidade. Sendo assim, foi possível a coleta de apenas
mais dois acadêmicos (um deles por acaso, pois se encontrava de licença médica e estava na
unidade). Assim, na Unidade de Naviraí, foi possível a coleta de 6 (seis) questionários de um
total de 11 (onze).
Não se ignora a importância da coleta de informações dos desistentes, pois as suas
contribuições tornariam possível uma melhor avaliação do sistema de cotas na UEMS, no
entanto, se ficássemos presos a essa etapa, não evoluiríamos para o desfecho da pesquisa.
As maiores dificuldades foram nas Unidades de Paranaíba e de Naviraí, por causa da
quantidade de alunos desistentes, o fato de residirem em outras cidades e os dados se
encontrarem desatualizadas nos cadastros da universidade. No entanto, mesmo com esses
contratempos, apenas dois questionários não foram aplicados na Unidade de Paranaíba e cinco
na Unidade de Naviraí.
92
Na sede, em Dourados, obtivemos a resposta de 100% dos alunos da turma de 2008,
em Paranaíba 91,6% e em Naviraí 54,5%. Assim, foram coletados 40 (quarenta) questionários
de um universo de 47 (quarenta e sete) negros cotistas dos cursos de Direito que ingressaram
em 2008.
Em relação aos coordenadores, foi possível a aplicação a todos aqueles que estiveram
à frente dos quatro cursos de Direito desde 2008, totalizando 6 (seis) questionários
preenchidos. Com muito esforço, poderíamos aplicar todos os questionários que compõem o
objeto da pesquisa, uma vez que acreditamos que os alunos desistentes poderiam oferecer
elementos para posterior reflexão e ajuste no sistema de cotas, no entanto:
[...] como a pesquisa é um esforço durável de busca, análise e síntese, impõe uma
disciplina que responda ao volume físico e mental de trabalho por um período
duradouro e exige adoção de métodos de organização pessoal condizentes com a
complexidade das questões que deverão ser resolvidas. (CHIZZOTTI, 2010, p. 20).
Desta forma, desenvolveu-se o presente estudo de caso, seguindo as lições de Nisbet e
Watt47 em
[...] três fases, sendo uma primeira aberta ou exploratória, a segunda mais
sistemática em termos de coleta de dados e a terceira consistindo na análise e
interpretação sistemática dos dados e na elaboração do relatório. [...] essas três fases
se superpõem em diversos momentos, sendo difícil precisar as linhas que as
separam. (NISBET; WATT 1978 apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 21).
A primeira fase, de acordo com o enunciado apresentado anteriormente, é iniciada
com um plano rudimentar; à medida que o estudo vai tomando forma, também se delineia
mais claramente. Algumas questões vão tomando corpo, outras são reformuladas, bem como
algumas vão sendo abandonadas, pois o exame da literatura ajuda na compreensão do que se
quer pesquisar e de que forma isto é possível. É o que nos contam Lüdke e André, ao dizer
que uma pesquisa como essa pretende
[...] não partir de uma visão predeterminada da realidade, mas apreender os aspectos
ricos e imprevistos que envolvem uma determinada situação, a fase exploratória se
coloca como fundamental para uma definição mais precisa do objeto de estudo.
(LÜDKE; ANDRÉ 1986, p. 22).
47
NISBET, J. E. WATT, J. Case Stuty Readguide 26: Guides in Educacional Research. University of
Nottinghan School of Educacion, 1978.
93
É nessa fase que se iniciam os contatos para os trabalhos de campo, de localização de
informantes e outros encaminhamentos iniciais.
Para o desenvolvimento da segunda fase, usamos a “coleta sistemática de informações,
utilizando os instrumentos mais ou menos estruturados, técnicas mais ou menos variadas, sua
escolha sendo determinada pelas características próprias do objeto estudado” (LÜDKE;
ANDRÉ, 1986, p. 22). Esta fase é importante pelo fato de determinar os focos a serem
investigados, uma vez que, se não haver foco, a pesquisa se perde em seus meandros, pela
impossibilidade de investigar todos os fenômenos que a envolvem no limitado tempo para seu
desenvolvimento. Assim, “a seleção de aspectos mais relevantes e a determinação do recorte
é, pois, crucial para atingir os propósitos do estudo de caso e para chegar a uma compreensão
mais completa da situação estudada” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 22).
A análise sistemática e a elaboração do relatório é a terceira fase, que, muito embora
possa ter sido rascunhada na fase anterior, exige a organização das informações e elaboração
do relatório para que seja possível sua compreensão e apresentação, considerando que cada
fase não é estanque, elas se inter-relacionam. Lüdke e André (1986, p. 23) dizem que “essas
fases não se completam numa sequência linear, mas se interpolam em vários momentos,
surgindo apenas um movimento constante no confronto teoria-prática”.
Assim, no próximo capítulo, passar-se-á à apresentação dos dados obtidos com as
respostas colhidas dos indivíduos pesquisados, discentes e coordenadores, bem como a
análise interpretativa destas, buscando responder a nossas indagações e aos objetivos da
pesquisa.
4 ANÁLISES E INTERPRETAÇÕES DOS QUESTIONÁRIOS E DAS ATAS DE
RESULTADOS FINAIS
Muitos norte-americanos sentem-se constrangidos com o uso
da raça como fator levado em conta na admissão de estudantes
a faculdades e cursos de profissionalização seletivos. [...].
Dizem que todas essas medidas acentuam as diferenças raciais,
intensificam o preconceito e interferem no avanço rumo a uma
sociedade indiferente à cor. E asseveram que, aceitar
candidatos das minorias, com notas e escores baixos, pode
estigmatizar e desmoralizar os próprios estudantes que essa
política tenta ajudar, obrigando-os a competir com colegas de
turma de maior capacidade acadêmica.
Os defensores da admissão [...] insistem em que essas medidas
se justificam, para expiar um legado de opressão e compensar a
continuidade da discriminação na sociedade. Salientam fazer
muito tempo que os encarregados da admissão desviaram-se
dos escores de testes padronizados e do histórico das notas
anteriores, a fim de favorecer atletas, descendentes de exalunos e outros candidatos com características especiais, tidas
como desejáveis. E argumentam que admitir turmas
diversificadas dá aos alunos de todas as raças um preparo
melhor para o convívio e o trabalho numa sociedade cada vez
mais diversificada.
Willian G. Bowen e Derek Bok
Encerrada grande parte do aporte teórico e análise documental do que são cotas para
negros e o que elas representam para a graduação, neste capítulo nos dedicaremos às
tabulações, análise dos resultados dos questionários e das Atas de Resultados Finais dos
sujeitos pesquisados.
De um universo de 47 negros cotistas que ingressaram em 2008 nos quatro cursos de
Direito, foram coletados 40 questionários, o que representa 85% (oitenta e cinco por cento),
sendo 12 (doze) na sede em Dourados, 12 (doze) na Unidade de Paranaíba matutino, 10 (dez)
na Unidade de Paranaíba noturno e 6 (seis) na Unidade de Naviraí. Dos coordenadores, foram
coletados dados de 100% dos que exerceram essa função desde 2008, o que representa 2
(dois) questionários em cada unidade, totalizando 6 (seis) ao todo.
4.1 Dos negros cotistas
Nos questionários, constavam perguntas sobre dados pessoais, tais como sexo e idade,
estado civil, se tem filhos, autodeclaração de raça e de cor, com quem reside, escolaridade do
95
pai e da mãe, dados profissionais como profissão e salário, bem como renda individual e
familiar, dados educacionais relacionados à trajetória acadêmica, ano em que está matriculado
e se carrega dependência; e, caso isso ocorra, os motivos; onde cursou o ensino fundamental e
médio; se é ou se foi bolsista; maiores dificuldades para permanência na Universidade;
conhecimento e participação em projetos ou programas; bem como sugestões para a UEMS
relacionadas às cotas.
A seguir, apresentamos os dados devidamente tabulados, analisados e comentados
obtidos dos negros cotistas que ingressaram em 2008 nos quatro cursos de Direito das duas
Unidades (Paranaíba e Naviraí) e da sede em Dourados. O item I – Dados Pessoais, composto
de seis perguntas, gerou a tabela 1, na qual podemos tecer comparações entre os cursos.
Tabela 1 – Dados pessoais.
Unidade
Número de cotistas
Sexo
Masculino
Feminino
Até 21 anos
De 21 a 25 anos
De 26 a 30 anos
De 31 a 35 anos
Idade
De 36 a 40 anos
De 41 a 45 anos
De 46 a 50 anos
Estado civil
Solteiro
Casado
Convivente
Separado
Divorciado
Sim
Possui filhos
Não
Negro
Branco
Autodeclaração
Indígena
Racial
Amarelo
Branco
Preto
Autodeclaração
Pardo
de cor
Amarelo
Não resp.
Dourados
Mat.
12
5
7
0
7
3
0
1
1
0
10
1
0
1
0
1
11
12
0
0
0
1
7
4
0
0
Paranaíba
Mat.
12
3
9
0
5
3
1
2
0
1
6
5
1
0
0
6
6
12
0
0
0
0
4
8
0
0
Paranaíba
Not.
10
5
5
0
3
3
2
1
1
0
5
5
0
0
0
2
8
10
0
0
0
2
5
3
0
0
Naviraí
Not.
6
4
2
0
1
1
2
1
1
0
4
1
0
0
1
3
3
5
1
0
0
0
4
1
0
1
Total
40
17
23
0
16
10
5
5
3
1
25
12
1
1
1
12
28
39
1
0
0
3
20
16
0
1
96
Podemos constatar que, dos acadêmicos, 23 (vinte e três) são mulheres e 17
(dezessete) homens, ou seja, 73.9% dos negros cotistas são compostos pelo sexo feminino, o
que nos permite olhar com otimismo o cenário que se descortina à frente em relação ao
gênero, uma vez que, feito um resgate histórico do que a mulher negra sofreu no Brasil a
partir de sua entrada na condição de escrava, a situação atual se mostra bastante alentadora.
No início da colonização do Brasil, poucas foram as mulheres brancas que vieram com
os primeiros colonizadores, pois esta foi quase que exclusivamente masculina. Os homens
vinham sozinhos para a colônia recém-descoberta. Nesse período, a tolerância moral mostrouse benevolente, tendo em vista o grande número de relacionamentos dos colonizadores com as
negras escravas e indígenas. “Por certo, a ausência de mulheres brancas, aliada à posição
inferior das mulheres negras e índias e a necessidade dos homens portugueses de aqui
constituírem famílias, facilitou a miscigenação entre as diversas etnias” (KAUFMANN, 2007,
p. 39).
No entanto, como registra a mesma autora, por ocasião da instituição das capitanias
hereditárias, aos poucos as mulheres portuguesas foram chegando ao Brasil. Quanto à
infidelidade dos maridos, tiveram que se resignar; todavia, com relação à concubina, a
conduta foi “[...] vingar-se das escravas. Daí os relatos das maiores torturas e crueldades
perpetradas em relação às negras, provocadas pelos ciúmes da sinhá do engenho”
(KAUFMANN, 2007, p. 39).
Dados recentes comprovam que o subemprego afeta grande parte das mulheres negras
e é com relação a essa raça que se encontra a maior vulnerabilidade com relação ao turismo
sexual e o tráfico internacional de mulheres, no qual “[...] meninas, jovens e mulheres nãobrancas, e especialmente da região Norte e Nordeste, são alvos fundamentais da indústria
internacional do sexo” (BORGES, 2005, p. 64).
Para reverter o cenário acima, a educação é, sem dúvida, uma das áreas mais
importantes na qual podemos avaliar a desigualdade racial e de gênero. A mulher negra, nesse
quesito, até então, era muito prejudicada. Contudo, as respostas dos questionários confirmam
uma tendência já verificada em outros estudos, que comprovam que “[...] a mulher negra tem
apresentado nos últimos anos desempenho educacional superior ao do homem negro.”
(BORGES, 2005, p. 65), o que confirma uma ascensão social que a está libertando da situação
de exclusão.
Com relação à idade, podemos perceber que o maior número de negros cotistas se
enquadra na faixa etária dos 21 (vinte e um) aos 25 (vinte e cinco) anos, com 16 (dezesseis)
respostas a esta alternativa, seguida da faixa etária dos 26 (vinte e seis) aos 30 (trinta) anos,
97
com 10 (dez) acadêmicos. Pela análise, podemos notar a presença de acadêmicos das mais
diversas faixas etárias, chegando até aos compreendidos entre os 46 (quarenta e seis) aos 50
(cinquenta) anos. Assim, essa composição variada demonstra que a possibilidade de concorrer
pelas cotas trouxe incentivos para aqueles que se encontravam há longos anos fora dos bancos
escolares, ou concluíram o ensino médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos –
EJA, justificando algumas das dificuldades relacionadas aos conteúdos da graduação.
Com relação ao estado civil, podemos notar que o número de solteiros compõe a
maioria do universo questionado, com 25 (vinte e cinco), seguidos de 12 (doze) casados, que
também é igual ao número de alunos com filhos. A maior concentração de solteiros encontrase na sede em Dourados, com 10 (dez) acadêmicos, podendo-se verificar, também, um
reduzido número de separados e divorciados, com uma resposta a cada um destes itens.
Com relação à autodeclaração racial, o quadro anterior representa uma pergunta
objetiva, semelhante à usada pelo IBGE e traz como alternativas branca, negra (pretos e
pardos), amarela e indígena. A grande maioria se autodeclara pertencente à raça negra, com
39 respostas a este item e 1 (uma) que se considera pertencente à raça branca. No entanto, nas
declarações de cor, três negros cotistas se autodeclararam brancos.
Com relação às respostas anteriores, muitas indagações podem surgir, desde o fato de
muitos outros questionados se considerarem brancos, mesmo que todos tenham sido
considerados negros pela comissão que analisa as inscrições dos candidatos às cotas de
negros. O fato de se considerarem brancos, bem como não se identificarem com a própria
raça, muitas vezes, ainda está ligado à questão do status social ocupado pelo branco, no qual
“tudo isso faz com que a parcela da população negra se recuse a se assumir como negra [...]”
(GUIMARÃES, 2006, p. 111). Essa negação da identidade relaciona-se a aspectos históricos
internalizados ao longo dos anos, pois
[...] para manter os interesses da classe dominante, desenvolveu-se no Brasil uma
imagem deformada do negro que mais tarde se estendeu aos mestiços, como
incapazes para o trabalho, imbecilizados e rudes, com baixo nível intelectual,
pagãos, bárbaros culturais, incapazes de sentimentos civilizados, a não ser que
houvesse a impregnação de virtudes dos brancos, através do exemplo ou de
cruzamentos inter-raciais. (CORDEIRO, 2008, p. 98-99).
No que diz respeito à cor, as respostas foram mais diversificadas, sendo que a maioria
se considera preta, contendo esta alternativa 20 (vinte) respostas; seguida por pardo, com 16
(dezesseis), além dos 3 (três) brancos, sendo que um não respondeu. Podemos notar que a
maioria se considera preta, seguida de perto pelos pardos. Essa quantidade de pardos
98
demonstra a alta miscigenação do povo brasileiro. Neste item, acreditamos que algumas
respostas também foram tendenciosas pelo fato do ingresso pelas cotas, do que a simples e
pura convicção de pertencimento a uma determinada cor, tendo em vista, em alguns casos, o
grau de dificuldade dos próprios sujeitos em se autodenominar.
Neste ponto, cabe-nos dizer que os primeiros estudos sobre raça remontam ao ano de
1775 pelo alemão Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), fundador da Antropologia48.
Ademais, outros fatores internalizados ao longo dos anos podem influenciar na
convicção de um determinado pertencimento racial, isto se deve
[...] ao alto grau de dependência que o ser humano tem das outras pessoas e dos
grupos aos quais ele imagina pertencer ou de fato faz parte, o fortalecimento do
sentimento de identidade só pode se desenvolver no mundo social, mais
especificamente na relação com o outro. (SILVA, 2005b, p. 40).
O ingresso pelo sistema de cotas na UEMS exige critérios definidos pelos conselhos
superiores, os quais a comissão de análise das inscrições procura seguir, para evitar fraudes ou
falsas autodeclarações dos candidatos. Esses critérios foram construídos a partir das
discussões durante a regulamentação da Lei Estadual n. 2.605, de 06/01/2003. Para isso,
[...] os representantes traziam como proposta o fenótipo mesmo sabendo da
impossibilidade de se definir raças. O que se justificava era o fato de que quem
possuía pele escura (preta) era mais discriminado, ou seja, o conceito adotado foi o
social e não o biológico. (CORDEIRO, 2008, p. 61, grifos da autora).
Como eixo central das exigências para os negros. foram estabelecidos os critérios de
“[...] escola pública, fenótipo e autodeclaração [...]” (CORDEIRO, 2008, p. 61).
Portanto, é difícil entender como uma pessoa se declara pertencente à raça negra e
posteriormente se declara de cor branca, o que induz a assertiva anterior, quando falamos
sobre o fortalecimento da identidade étnico-racial desde a infância. Muitas vezes, a pessoa se
considera branca ou se vê “branca” mesmo com fenótipo de preto ou pardo. Entretanto, pela
suposta maior facilidade de adentrar a graduação pelo sistema de cotas, optou por declarar-se
48
[...] no Brasil, a atual classificação racial do IBGE [...] a pessoa escolhe, de um rol de cinco itens (branco,
preto, pardo, amarelo e indígena) em qual deles se aloca. [...] desde 1940, quando coletou pela primeira vez
o "quesito cor". Sabendo-se que raça não é uma categoria biológica, todas as classificações raciais,
inevitavelmente, padecerão de limitações. [...] O IBGE trabalha então com o que se chama de "quesito cor", ou
seja, a "cor da pele", conforme as seguintes categorias: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. [...] Um outro
dado que merece destaque é que a população negra, para a demografia, é o somatório de preto + pardo. Cabe
ressaltar, no entanto, que preto é cor e negro é raça. Não há "cor negra", como muito se ouve. Há cor preta.
(OLIVEIRA, 2004, n.p., grifos do autor).
99
negra. O sentimento de pertencimento à raça branca se deve, até então, à ideologia
internalizada no imaginário popular de que “é natural o orgulho da raça branca pela
supremacia branca” (GUIMARÃES, 2006, p. 105), afirmação que vem sendo desmistificada
nos últimos tempos, com o reconhecimento da identidade da população negra.
O reconhecimento de sua identidade étnico-racial e as lutas sociais, bem como uma
maior informação, vem fazendo com que o negro se orgulhe de sua raça e sua cor, o que
proporciona, cada vez mais, a ligação entre o pertencimento racial e a autodeclaração.
No item II- Dos Dados Familiares, as informações sobre moradia e escolaridade dos
pais são importantes para conhecermos o contexto cultural do qual os cotistas são originários.
Tabela 2 – Dados familiares.
Unidade
Reside com
Escolaridade
do pai
Escolaridade
da Mãe
Paranaíba
Mat.
6
0
0
0
0
6
0
5
1
3
0
2
0
1
0
0
0
0
0
0
1
2
5
1
1
0
1
Paranaíba
Not.
2
1
0
0
2
4
1
0
3
3
2
2
0
0
0
0
0
0
0
0
1
1
2
2
2
1
0
Naviraí
Not.
2
0
0
0
2
2
0
2
0
3
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
2
0
3
0
0
1
0
Total
Pai e mãe
Somente com a mãe
Somente com o pai
Com avós
Sozinho
Outros
Não respondeu
Sem instrução
Fundamental Completo
Incompleto
Médio
Completo
Incompleto
Universitário Completo
Incompleto
Especialização
Mestrado
Completo
Incompleto
Doutorado
Completo
Incompleto
Não resp.
Sem instrução
Fundamental Completo
Incompleto
Médio
Completo
Incompleto
Universitário Completo
Incompleto
Dourados
Mat.
4
4
0
0
4
0
0
1
1
0
1
0
5
0
2
0
0
0
1
1
2
0
3
1
0
4
1
Especialização
Mestrado
Completo
Incompleto
Doutorado
Completo
Incompleto
Não resp.
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
3
14
5
0
0
8
12
1
8
5
9
3
4
5
2
2
0
0
0
1
1
6
3
13
4
3
6
2
100
Na tabela anteriormente apresentada, podemos constatar que o maior número de
acadêmicos declara residir com pai e mãe, representando 14 (quatorze) acadêmicos, com a
maior concentração na Unidade de Paranaíba, turno matutino. A alternativa “outros” contou
com 12 (doze) respostas, sendo esclarecido residirem com esposo(a), convivente, esposo(a) e
filhos; esposa e netos; filhos.
Como podemos perceber, no item escolaridade do pai, a maior concentração está no
item “fundamental incompleto” com 9 (nove) respostas, seguido pela alternativa “sem
instrução”, com 8 (oito). O que demonstra a pouca instrução e a importância da universidade
na reversão deste quadro.
Encontramos dados semelhantes quando tratamos sobre a escolaridade da mãe, uma
vez que o maior número de respostas assinaladas foram os itens fundamental incompleto com
13 (treze) e sem instrução com 6 (seis). Porém, as genitoras apresentaram um número
ligeiramente maior de graduadas, ou seja, 6 (seis), contra 5 (cinco) dos pais. Estudos sobre
esse ponto têm demonstrado que
[...] a escolarização dos pais tem influência poderosa na determinação do sucesso
acadêmico do estudante, apontando, deste modo, para o ensino superior como um
espaço que concorre para a reprodução das desigualdades entre os seguimentos
sociais (Prior, 1984; Brito e Carvalho 1978; Bourdieu e Passeron, 1973).
(QUEIROZ, 2002, p. 35).
Conforme a tabela apresentada, notamos um gradativo aumento na escolarização das
famílias negras. No entanto, a história comprova que, se nada fosse feito para aumentar o
acesso e permanência do negro, com incentivos que proporcionassem galgar níveis mais
elevados de estudo, a diferença histórica entre negros e brancos se manteria. É o que nos diz
Henriques, quando tratou da desigualdade racial e da evolução das condições de vida na
década de 90:
[...] a escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em torno de
6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de
estudo. O diferencial de 2,3 anos de estudos entre jovens brancos e negros de 25
anos de idade é a mesma observada entre os pais desses jovens. E, de forma
assustadoramente natural, 2,3 anos é a diferença entre os avós desses jovens. [...]
escolaridade entre brancos e negros, mantém-se perversamente estável entre as
gerações. (HENRIQUES 2001 apud PASSOS, 2012, n.p.).
101
Com relação à graduação das mães, encontramos 2 (duas) incompletas e 6 (seis)
completas nas mais diversas áreas, tais como: Biologia, Moda e Estilismo, Pedagogia, Direito
etc. Nesse contexto, podemos dizer que a educação é uma das áreas que possibilita de forma
mais contundente avaliar a desigualdade de gênero, incluindo seus reflexos em outras áreas
como saúde, trabalho etc. Embora os dados mais atuais demonstrem que vem aumentando
gradativamente a escolarização da mulher negra, os negros e negras ainda são a maioria no
grupo da baixa escolaridade:
[...] com baixa escolaridade (até o primeiro grau: homens negros, 67% e mulheres
negras, 64%), porém não ostentam melhor posição naqueles com mais de dez anos
de estudo e com formação universitária (4% de homens brancos e 2% de homens
não-brancos; 5% de mulheres brancas e 2% de mulheres negras). (BORGES, 2005,
p. 65).
No item III – Dos Dados Profissionais, as informações obtidas sobre trabalho e renda
dos negros cotistas nos possibilitou justificar parte das dificuldades encontradas na trajetória
acadêmica, bem como o alto número de desistências no curso.
Tabela 3 – Dados profissionais.
Unidade
Atualmente
Trabalha
Faixa salarial
(salário
mínimo)
Renda familiar
(salário
mínimo)
Sim
Não
Até 01
De 01 a 03
De 04 a 10
De 10 a 20
Acima de 20
Até 01
De 01 a 03
De 04 a 10
De 10 a 20
Acima de 20
Não resp.
Dourados
Mat.
8
4
3
4
1
0
0
1
3
5
2
0
1
Paranaíba
Mat.
8
4
3
3
2
0
0
3
4
5
0
0
0
Paranaíba
Not.
7
3
4
1
2
0
0
1
6
3
0
0
0
Naviraí
Not.
6
0
2
3
1
0
0
2
3
1
0
0
0
Total
29
11
12
11
6
0
0
7
16
14
2
0
1
Perguntados sobre dados profissionais, 29 (vinte e nove) acadêmicos disseram
trabalhar, enquanto 11 (onze) responderam negativamente, informando manter-se na
universidade com a ajuda dos pais. Nesse aspecto, alguns fatores podem interferir na
seletividade dos acadêmicos, tais como o turno em que o curso é oferecido, pois, na sede em
Dourados e uma das ofertas em Paranaíba, o curso é no período matutino, o que dificulta na
obtenção de emprego, somado ao fato de que, no último ano, cumprem a disciplina de Estágio
102
Supervisionado junto ao Núcleo de Prática e Assistência Jurídica, o que torna qualquer carga
horária de trabalho mais complicada. Entretanto, podemos afirmar que os estudantes do
matutino, em sua maioria, vivem com os pais e possivelmente apresentam a maior renda
salarial.
Dos que disseram trabalhar, a faixa salarial que mais concentra acadêmicos é até 1
(um) salário mínimo, com 12 (doze) respostas a esta alternativa, divididos igualmente entre os
turnos matutino e noturno. A faixa de 1 (um) a 3 (três) salários mínimos obteve 11 (onze)
respostas, sendo a maioria no período matutino, o que nos faz acreditar que esses acadêmicos
possuem bolsas ou estágio extracurricular remunerado.
Quando juntamos os dados sobre renda até 3 (três) salários mínimos, obtemos um total
de 23 (vinte e três) alunos ou 57% deles nessa condição, o mesmo acontecendo no que diz
respeito à renda familiar com maior concentração nas faixas de até 1 (um) salário mínimo
com 7 (sete) respostas e de 1 (um) a 3 (três) com 16 (dezesseis) respostas. Observamos que,
na renda familiar de 4 (quatro) a 10 (dez) salários, dos 14 (quatorze) cotistas oriundos dessas
famílias, 10 (dez) estudam no turno matutino.
A exigência para que o negro cotista tenha estudado em escola pública ou particular
mediante bolsa favoreceu o ingresso de jovens de famílias com menos recursos financeiros,
acionando a função social da universidade.
No item IV – Dos Dados Educacionais, constituído de oito questões, o objetivo foi
buscar informações sobre a situação acadêmica em 2012 de cada aluno pesquisado, bem como
outros fatores que interferem na trajetória acadêmica, tais como: local de residência, distância
que percorre até a universidade, origem escolar, dependência nas disciplinas cursadas,
motivos responsáveis pela reprovação e consequentemente pelas dependências.
Para melhor visualização desses dados, apresentamos a tabela a seguir.
Tabela 4 – Dados Educacionais (itens 4.1 a 4.7).
Unidades
Ano
Matriculado
e frequentando
Carrega
dependência?
1º ano
2º ano
3º ano
4º ano
5º ano
Desistentes
Sim
Não
1
Dourados
Mat.
0
0
0
2
10
0
5
7
2
Paranaíba
Mat.
0
0
0
2
10
0
6
6
3
Paranaíba
Not.
0
0
0
0
9
1
7
3
3
Naviraí
Not.
0
0
0
2
4
0
5
1
2
Total
0
0
0
6
33
1
23
17
10
103
2
3
4
Não resp.
a
b
Motivos
c
d
Reside na cidade Sim
em que estuda
Não
Menos de 5
Distância da
+5 - 10
Universidade até + 10 - 15
a residência (em + 15 - 20
Km)
+ de 20
Não resp.
Pública
Ensino
Particular
fundamental em Particular
escola:
com bolsa
Pública
Ensino médio
Particular
em escola:
Particular
com bolsa
Se carrega,
quantas?
1
1
1
0
1
0
1
3
10
2
6
0
3
2
1
0
10
2
1
1
1
1
0
1
1
1
3
10
2
7
2
0
0
2
1
12
0
0
1
3
0
0
1
0
4
2
6
4
6
0
0
0
4
0
9
1
1
0
1
0
2
1
0
1
3
3
3
2
0
0
0
3
1
6
0
0
3
6
2
2
4
1
7
11
29
11
21
2
3
2
10
2
37
3
2
9
3
3
12
0
0
10
0
0
6
0
0
37
3
3
a. Dificuldade com conteúdos básicos do curso.
b. Pouco acesso a material didático (xerox, livros etc.).
c. Relação professor/aluno (discriminação, perseguições etc.).
d. outros motivos.
Com relação aos dados educacionais (Tabela 4), 33 (trinta e três) acadêmicos
declararam estar matriculados e frequentando o quinto ano, 6 (seis) responderam estar
matriculados e frequentando o quarto ano, bem como 1 (um) informou que havia desistido,
sendo que 23 declararam carregar dependência e 17 (dezessete) disseram não possuir.
Questionado sobre os motivos desta, dos 23 que afirmaram estar com dependência, 11
(onze) assinalaram a alternativa “outros motivos”, justificando como sendo:
Na Unidade de Dourados:
a) falta de mais esforço de minha parte;
b) falta de compromisso com a disciplina;
c) dificuldade com o estudo devido ao grande desgaste com o trabalho fora.
Unidade de Paranaíba Matutino:
a) problemas pessoais;
b) doença e perda de muitas aulas;
104
c) falta de boa didática de alguns professores;
d) transferência interna;
e) horário de trabalho, jornada extensa e cansativa.
Unidade de Paranaíba Noturno:
a) dificuldades econômicas, falta de tempo e estrutura para estudar;
b) trabalho.
Unidade de Naviraí:
a) perda de avaliação, não mais conseguindo recuperar na optativa;
b) envolvimento em movimentos sociais, carga extensa no trabalho;
c) falta de tempo para estudo.
Como percebemos, apesar desta alternativa concentrar o maior número de respostas,
estas foram bem diversificadas, em sua maioria ligadas à falta de esforço pessoal e ao
desgaste ocasionado pelo trabalho.
A graduação oferecida no período noturno favorece quem trabalha, no entanto, o
rendimento pode ser inferior àquele dos que não exercem qualquer atividade, pois o desgaste
ocasionado é um desestímulo aos estudos. Nesse ponto, muitas vezes o acadêmico se vê em
uma encruzilhada: estudar ou sobreviver?
Outro item que ganhou destaque foi a alternativa “c” (relação professor(a) aluno), com
7 (sete) respostas. Para a compreensão desse item, oferecemos alguns exemplos genéricos
(discriminação, perseguições, etc.) dentro dos quais o(a) acadêmico(a) poderia enquadrar
outras situações semelhantes vividas durante o curso.
Essa alternativa era objetiva e, por consequência, não cabia justificativa. O índice de
respostas a esse quesito, embora pareça pequeno, na verdade é alto, situação que não deveria
ocorrer na universidade, que “[...] necessita, pois, continuamente pensar o que ela quer ser e
que tipo de contribuição deseja prestar à sociedade na qual se encontra inserida” (BENICÁ,
2011, p. 36), pois, como espaço de diálogo e interações, a universidade deve minimizar a
ocorrência dessa prática, com intervenção permanente junto aos professores e acadêmicos,
visando uma melhor conscientização e respeito ao outro.
O item “dificuldade com os conteúdos básicos do curso” contou com 4 (quatro)
repostas, embora saibamos que as dependências geralmente são frutos de avaliações nas quais
o aluno não dominou os conteúdos.
Como fator que poderia interferir na vida acadêmica e, por consequência, na
aprendizagem e permanência, no questionário constaram questões sobre a localização da
105
residência (se na mesma cidade em que estuda ou não), bem como a distância que necessitava
percorrer para chegar até a Universidade.
Nesse item, 29 (vinte e nove) disseram residir na mesma cidade em que estudam e 11
(onze) que não. Dos que disseram residir na mesma cidade, 21 (vinte um) residem a menos de
5 km (cinco quilômetros) da universidade, sendo que os que moram fora residem a mais de 20
km (vinte quilômetros), com as distâncias variando entre 45 km e 100 km.
As informações sobre onde cursou o ensino fundamental e médio não causaram
surpresa, tendo em vista ser este um critério para concorrer às cotas. A maioria estudou em
escola pública, com 37 (trinta e sete) cursando ensino fundamental e médio nesta. Três em
escola particular, mas apenas dois informaram mediante bolsa e um deixou em branco a
alternativa, levando-nos a pensar que motivos este teria para ocultar esta informação. Será que
apresentou falsa declaração de bolsa? É possível, mesmo com todo o cuidado que a Comissão
responsável adotou no deferimento das inscrições para a cota de negros.
Tabela 5 – Dados educacionais (item 4.8).
Unidade
Recebeu bolsa
da
universidade
Se recebeu,
qual?
Dourados
Mat.
Paranaíba
Mat.
Paranaíba
Not.
Naviraí
Not.
Total
Sim
Não
4
8
2
10
1
9
0
6
7
33
PAE
PIM
PIBEX
1
0
1
1
0
0
1
0
0
0
0
0
3
0
1
PIBIC
PIBIC/AAF/
CNPq
PIBID
1
1
1
0
0
0
0
0
2
1
0
0
0
0
0
No que diz respeito às bolsas oferecidas durante a graduação, 33 (trinta e três)
declararam que não recebem(eram) e 7 (sete) que recebe(eram). Dos que receberam, as
respostas foram as mais diversificadas, sendo 3 (três) PAE, 1 (uma) PIBEX, 2 (duas) PIBIC, e
1 (uma) PIBIC/AAF/CNPq. Quem se beneficiou o fez em média de 7 (sete) meses a 1 (um)
ano. E apenas 1 (um) acadêmico disse que ainda recebe bolsa PAE.
Essas bolsas têm prestado um importante auxílio para a permanência e formação
acadêmica, pois possibilitam ao estudante carente sua manutenção na graduação, além de
iniciação à pesquisa e à docência.
106
A Bolsa PAE (Programa de Assistência Estudantil), oferecida pelo Edital 023/2011 –
PAE - PROEC/UEMS, com programa compreendido entre abril a dezembro de 2012,
concedeu 100 Bolsas Permanência, 35 Auxílios Alimentação e 35 Auxílios Moradia.
Os critérios para concorrer eram:
1.1 Ser aluno regularmente matriculado em qualquer série dos Cursos de Graduação
da UEMS, não possuir outro curso de nível superior;
1.2 Comprovar a renda per capta igual ou inferior a 1 salário mínimo vigente no
País;
1.3 Não acumular qualquer tipo de bolsa, benefício, auxílio ou outra atividade
remunerada, mesmo que não registrado em Carteira de Trabalho ou vínculo
empregatício, que tenha continuidade na remuneração;
[...]
1.5 O aluno poderá se inscrever em mais de uma modalidade de benefício,
destacando-se que para concorrer ao Auxílio Alimentação e Auxílio Moradia, deverá
obrigatoriamente residir fora do domicílio de seus pais/tutores ou equivalentes para
estudar;49
A Bolsa PIM (Programa Institucional de Monitoria da UEMS), de acordo com o edital
nº 001/2012/PIM/DEG/PROE/UEMS, objetiva:
1.1 Criar um espaço de atuação no âmbito universitário onde os alunos que possuem
mérito e/ou rendimento escolar satisfatório atuem como monitores, contribuindo
para o aperfeiçoamento do processo de ensino/aprendizagem, bem como para a
interação entre alunos, professores e técnicos.
1.2 Realizar procedimentos acadêmicos auxiliares nos processos didáticopedagógicos, sob orientação do professor, este, preferencialmente lotado em Regime
de Tempo Integral (TI), referendado e acompanhado pelo Colegiado de Curso.
1.3 Atender às necessidades institucionais de nivelamento e apoio aos acadêmicos
com dificuldades de adaptação ou de acompanhamento dos conteúdos das
disciplinas constantes de sua grade curricular.
1.4 Atender aos alunos com necessidades educacionais especiais para sua melhor
ambientação no curso, garantindo o acompanhamento adequado das disciplinas
constantes da grade curricular.50
Os valor mensal da bolsa é de R$ 180,00 (cento e oitenta reais) para 8 (oito) horasaula semanais; e R$ 90,00 (noventa reais), para 4 (quatro) horas-aula semanais.51
49
Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1080_1_01-12-2011_13_23_52.pdf>. Acesso em: 20 mar.
2013.
50
Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1137_1_02-03-2012_15_39_03.pdf>. Acesso em: 24 mar.
2013.
51
Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1137_1_02-03-2012_15_39_03.pdf>. Acesso em: 24 mar.
2013.
107
A Bolsa PIBEX (Programa Institucional de Bolsas de Extensão), com Edital Chamada
FUNDECT/UEMS n. 15/2012 – PIBEX-UEMS lançado em 13.11.12, com implantação de
bolsas de 03/2013 a 01/2014, tem como objetivos:
I - Estimular professores a incluírem estudantes de graduação nas práticas voltadas
para o atendimento de necessidades sociais emergentes como as relacionadas com as
áreas de Comunicação, Cultura, Direitos Humanos, Educação, Meio Ambiente,
Saúde, Tecnologia e Produção, Trabalho, Habitação, dentre outros;
II - Oportunizar aos bolsistas e seus orientadores a enfatizar a utilização disponível
para ampliar a oferta de oportunidades e melhorar a qualidade da educação aí
incluindo a Educação Continuada e a Distância;
III - Possibilitar aos bolsistas meios e processos de produção, inovação e
transferência de conhecimentos, permitindo a ampliação do acesso ao saber e o
desenvolvimento tecnológico e social do País;
IV - Estimular bolsistas e orientadores a desenvolverem atividades que impliquem
em relações multi, inter ou transdisciplinares e interprofissionais de setores da
Universidade e da Sociedade; e
V - Proporcionar aos bolsistas e aos orientadores as condições para que tenham uma
relação bidirecional entre a Universidade e a Sociedade, de tal modo que os
problemas urgentes da sociedade recebam atenção produtiva por parte da
Universidade.52
O valor pago por esta bolsa é de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais). Por este edital,
estão sendo concedidas 150 bolsas de extensão, por um período de 11 (onze) meses,
compreendido entre março de 2013 e janeiro de 2014. 53
A Bolsa PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) tem como
objetivo, de acordo com o Edital Chamada FUNDECT/CNPq/UEMS N° 06/2012 – PIBICUEMS,
[...] a concessão de bolsas de iniciação científica a alunos matriculados em cursos de
graduação localizados na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, visando
despertar a vocação científica e incentivar talentos potenciais, mediante a
participação em projetos de pesquisas orientados por pesquisadores atuantes e
qualificados.54
Pelo edital anterior, foram concedidas 227 (duzentas e vinte e sete) bolsas de iniciação
científica, sendo 50 (cinquenta) bolsas do CNPq e 177 (cento e setenta e sete) da UEMS, para
52
Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1360_1_13-11-2012_11_49_59.pdf>. Acesso em: 20 mar.
2013.
53
Disponível em:<http://www.uems.br/portal/editais/1360_1_13-11-2012_11_49_59.pdf>. Acesso em: 20 mar.
2013.
54
Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1202_1_25-04-2012_15_15_20.pdf>. Acesso em: 20 mar.
2013.
108
o período compreendido entre agosto de 2012 e julho de 2013, com duração de 12 meses. O
valor da bolsa é de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais) por mês.55
A Bolsa PIBIC/AAF/CNPq (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica
nas Ações Afirmativas) tem por objeto
[...] a concessão de bolsas de iniciação científica a alunos matriculados em curso de
graduação localizados na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, pelo
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas
(PIBIC-AAF), visando despertar a vocação científica e incentivar talentos
potenciais, mediante a participação em projetos de pesquisas orientados por
pesquisadores atuantes e qualificados, cuja inserção no ambiente acadêmico se deu
por uma ação afirmativa no vestibular. 56
O valor desta bolsa é de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais) por mês. Para o período
compreendido entre agosto de 2012 e julho de 2013, foram concedidas 16 bolsas nessa
modalidade.
A Bolsa PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência –
PIBID/UEMS), de acordo com o Edital nº 10/2012 – PROE/UEMS, de 12 de junho de 2012,
tem o valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) mensais,
é distribuída nos cursos de
licenciatura da UEMS57 e objetiva:
a. Incentivar a formação de docentes em nível superior para a Educação Básica;
b. Contribuir para a valorização do magistério;
c. Elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura,
promovendo a integração entre a Educação Superior e a Educação Básica;
d. Inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação,
proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências
metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e
interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de
ensino-aprendizagem;
e. Incentivar escolas públicas de Educação Básica, mobilizando seus professores
como coformadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos
de formação inicial para o magistério; e
f. Contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos
docentes e elevar a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura. 58
55
Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1202_1_25-04-2012_15_15_20.pdf>. Acesso em: 20 mar.
2013.
56
Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1181_1_09-04-2012_15_50_01.pdf>. Acesso em: 24 mar.
2013.
57
Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1262_1_12-06-2012_09_26_23.pdf>. Acesso em: 9 abr.
2013.
58
Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1262_1_12-06-2012_09_26_23.pdf>. Acesso em: 9 abr.
2013.
109
Dessa forma, podemos avaliar que é amplo o sistema de bolsas oferecido pela UEMS,
e muitas delas sequer são pleiteadas, sobrando vagas, o que demonstra, muitas vezes, uma
postura passiva de professores e coordenadores, que não incentivam os alunos a concorrer.
Por outro lado, os alunos só podem concorrer se os seus professores possuírem projetos
aprovados e em desenvolvimento, situação bastante rara entre os docentes da área do Direito.
O motivo para a ausência de projetos, principalmente de pesquisa, se dá pela não qualificação
docente (Mestrado e Doutorado); não opção pelo tempo integral, e o entendimento da maioria
que basta ser advogado para ser professor e “Doutor”.
Como maiores dificuldades para manterem-se na universidade, no curso de Direito de
Dourados, a grande maioria dos pesquisados, ou seja, 6 (seis), assinalaram a alternativa “b”,
que diz respeito a dificuldades econômicas, com necessidade de trabalho; 2 (dois) assinalaram
a alternativa “a”, que é dificuldades de aprendizagem originadas do ensino fundamental e
médio (leitura, escrita, interpretação, etc.); e 1 (um) respondeu a alternativa “c”, ausência de
programas de apoio aos cotistas (bolsas, material didático, cursos de nivelamento), sendo que
2 (dois) alegaram outros motivos, tais como: compatibilizar horário de trabalho com a
universidade e 1 (um) não assinalou nenhuma alternativa, justificando que não tem
dificuldades.
Já no curso de Direito matutino de Paranaíba, as dificuldades apontadas foram: 3 (três)
para a resposta “a” - dificuldades de aprendizagem originadas do ensino fundamental e médio
(leitura, escrita, interpretação, etc.); 2 (dois) para a alternativa “b” - dificuldades econômicas,
com necessidade de trabalho; e 2 (dois) para a alternativa “d”. Outros motivos elencados
foram: falta de amizade, sinceridade, lealdade, amor e humanismo entre os universitários e
alguns professores, bem como falta de compreensão entre professores e alunos; jornada de
trabalho longa, falta de tempo para estudar e não adequação ao curso. Alguns alegaram mais
de um motivo. Os restantes disseram não haver dificuldades.
Já os cotistas do período noturno da Unidade de Paranaíba assinalaram: 3 (três)
acadêmicos alternativa “b”, que corresponde a dificuldades econômicas, com necessidade de
trabalho; 2 (dois) a alternativa “a”, que corresponde às dificuldades de aprendizagem
originadas do ensino fundamental e médio (leitura, escrita, interpretação, etc.); e 3 (três) a
alternativa “d” (outros motivos), que oportuniza ao acadêmico esclarecer no que consistia.
Nesse item, 2 (dois) não responderam por entenderem que não têm dificuldades para se
manter na universidade. Os demais justificaram como sendo:
- dificuldades no deslocamento até a faculdade;
- conjugar estudo e trabalho
110
- problemas relacionados aos docentes.
Na Unidade de Naviraí, a grande maioria, ou seja, 3 (três), assinalaram a resposta “b”,
que diz respeito a dificuldades econômicas, com necessidade de trabalho; 1 (um) marcou a
resposta “a”, que trata das dificuldades de aprendizagem originadas do ensino fundamental e
médio
(leitura, escrita, interpretação, etc.);1 (um) alega outro motivo (alternativa “d”),
citando a distância da Universidade e alegando cansaço; 1 (um) disse não ter dificuldades.
Pelos dados anteriores, considerando que alguns assinalaram mais de uma alternativa,
e outros nada assinalaram por entenderem que não estão encontrando dificuldades, a
alternativa que teve o maior número de respostas em todas as unidades foi a letra “b” dificuldades econômicas, com necessidade de trabalho - com 14 (quatorze) respostas, ou seja,
a mesma situação que apontaram como motivo para estarem carregando dependências no
curso.
A maioria dos fatores está ligada ao trabalho, bem como ao deslocamento até a
Universidade. O desgaste faz com que o rendimento não seja satisfatório, ensejando muitas
reprovações, gerando dependência.
Podemos notar que a situação econômica tem peso no desempenho acadêmico, uma
vez que o desgaste ocasionado pelo trabalho reduz as forças para estudar, concentrar e ter um
bom rendimento na universidade, e, como vimos, é baixa a faixa salarial, tanto individual
quanto familiar, desses negros cotistas. Sabemos, ainda, que as profissões que exigem maiores
esforços físicos são as que geram menores rendimentos e maior cansaço, principalmente para
quem estuda no período noturno, fatos já comprovados em pesquisas com dados nos quais
[...] estima-se que a média de horas trabalhadas por semana seja de 43 horas e 24
minutos, todavia entre pretos a jornada de 44 horas e 49 minutos é superior à média
e à jornada dos de cor branca, que trabalham 44 horas e 33 minutos. [...] embora a
população negra trabalhe mais que a população branca, seu salário ainda é inferior,
pois a partir da média total de R$ 573, 23, constatou-se que os brancos recebem em
média R$ 644,46 e os negros, R$ 506,48, uma diferença em favor dos brancos de
27%. (MARTINI; SILVA, 2005, p. 97-98).
Nesse ponto, a universidade tem que rever as bolsas oferecidas, bem como seus
valores, e caso estas já estejam sendo suficientes para suprir as necessidades dos negros
cotistas e demais alunos, exigir dos professores e coordenadores a divulgação e oferecimento,
pois muitas delas sequer são pleiteadas, pelo desconhecimento.
Outras alternativas muito assinaladas entre os quatro cursos foram a letra “a”, com 8
(oito) e “d” com 9 (nove) respostas. O item “a” diz respeito a dificuldades de aprendizagem
111
originadas do ensino fundamental e médio (leitura, interpretação etc.). Nesses dados, podemos
ver a deficiência da escola pública e a importância das cotas para o ingresso na graduação,
bem como a necessidade de cursos de nivelamento para suprir uma carência em decorrência
da educação básica. O item “d” - outros motivos - foi elencado pelas mesmas razões que
justificaram as dependências.
Tabela 6 – Dados Educacionais (itens 4.12, 4.13 e 4.16).
Unidade
Conhecimento de projeto
ou programa para alunos
negros cotistas na
UEMS.
Participou ou participa de
algum projeto ou
programa.
Se sim, em qual ano do
curso.
Sugere a implantação de
algum projeto específico
para acadêmicos negros
cotistas que ajude na
permanência.
sim
não
não
resp.
sim
não
1º
2º
3º
4º
5º
sim
não
não
resp.
Dourados
Mat.
1
10
0
Paranaíba
Mat.
1
11
1
Paranaíba
Not.
1
9
0
Naviraí
Not.
0
6
0
Total
5
7
0
12
3
7
0
6
8
32
4
0
3
1
0
7
5
0
0
0
0
0
0
3
8
1
0
3
1
1
0
4
6
0
0
0
0
0
0
5
1
0
4
3
4
2
0
19
20
1
3
36
1
De acordo com a tabela 6, impressiona o número de acadêmicos que não tem
conhecimento de projetos ou programas para negros cotistas, uma vez que 36 (trinta e seis)
deles responderam não conhecer, e apenas 3 (três) disseram ter ciência, havendo uma resposta
em branco. Nesse aspecto, a universidade deveria providenciar e cobrar dos coordenadores de
curso uma melhor divulgação, incentivo e participação, bem como os docentes se
conscientizarem dessa necessidade premente a fim de oferecerem os projetos e programas
disponíveis.
Aos que responderam afirmativamente ao mencionado, foi questionado de qual
projeto/programa havia participado, sendo que na sede, em Dourados, responderam:
“Documentação: um Direito de Todos” e “O direito Ambiental floresce na Fundação Odacir
Vidal” (3); “Extensão sem terras”, “Antropologia Jurídica”; “Combate à Homofobia”,
112
“Direito Previdenciário” e “A mulher na política como garantia de empoderamento da
sociedade brasileira”. Observa-se que alguns acadêmicos participaram de mais de um projeto.
Na Unidade de Paranaíba, turno matutino, em que se supõe que os acadêmicos tem
disponibilidade para participar, os doze questionados informaram não haver participado de
projeto algum. Já no período noturno, na mesma Unidade, disseram haver participado dos
seguintes projetos/programas: “Diversidade (2009)”; “Amigos da Leitura (2009)”; “Jornal
Voz Acadêmica” e “Atitude Ambiental”.
Na Unidade de Naviraí, todos os questionados responderam não haver participado de
projeto algum; talvez isso se deva ao fato de muitos acadêmicos residirem em cidades
vizinhas à universidade e até mesmo o deslocamento até esta para poder estudar já é uma
dificuldade, somado ao fato de todos os acadêmicos trabalharem, o que impossibilita o
desenvolvimento dos projetos.
Para aqueles que haviam participado desses projetos, foi questionado acerca do ano
que isto ocorreu, tendo a maior incidência no 1º e 3º anos com 4 (quatro) participações, 3
(três) no segundo ano, 2 (duas) no quarto e nenhuma no quinto ano.
No item sobre a implantação de algum projeto específico para os acadêmicos negros
cotistas que os ajudasse na permanência, 20 (vinte) responderam ser esta providência
desnecessária, enquanto que 19 (dezenove) entenderam que deveria ocorrer, sendo que um
acadêmico não opinou.
Aos que responderam afirmativamente sobre a necessidade de oferecimento de algum
programa ou projeto, as respostas foram bem diversificadas. Na sede, em Dourados, os negros
cotistas sugeriram projetos que visassem a integração e relação entre os cotistas; que
oferecessem reforço acadêmico; que possibilitassem estágio dentro da universidade, de forma
remunerada, focado no curso que o cotista faz; e, por fim, que fosse oferecido projeto que
incentivasse a cultura.
Na Unidade de Paranaíba, turno matutino, os projetos sugeridos foram: “a inclusão do
cotista na universidade”, “Direitos Humanos” e “projetos que influenciassem a permanência
de alguns desistentes”. No período noturno, os projetos sugeridos foram: incentivo à leitura e
à pesquisa; consciência negra, histórico e política; incentivo a desenvolver pesquisas sobre
sua cor ou raça e auxílio (dinheiro) para manutenção; orientação e/ou grupo de estudo. Sendo
que um acadêmico não deu qualquer sugestão.
Na Unidade de Naviraí, os negros cotistas sugeriram o oferecimento de alguns
projetos, dentre eles:
113
- incentivo financeiro pelo fato de a maioria dos negros cotistas ser de famílias
humildes;
- melhor preparação com base no próprio curso;
- oferta e divulgação de bolsas;
- extensão na comunidade;
- reforço didático das matérias.
As sugestões dos discentes estão relacionadas às dificuldades que podem ser reduzidas
mediante a contemplação de bolsas; no entanto, o que pudemos perceber é que estas não são
oferecidas por ausência de projetos dos professores, e as razões dessa omissão podemos
atribuir ao fato de os advogados não possuírem formação e conhecimento didáticopedagógico.
Daí a importância de se aperfeiçoarem em áreas que possam suprir esta lacuna, pois
muitos professores ministram suas aulas seguindo o modelo de seus professores de graduação,
não se conscientizando de que a docência vai além das atividades realizadas na sala de aula.
A coordenação, que deveria ser o elo entre as determinações das pró-reitorias e demais
encaminhamentos da universidade, divulgando as bolsas e incentivando os professores e
alunos a realizarem projetos, também se mantém inerte nesse sentido.
Os poucos projetos que pudemos perceber que foram oferecidos ao longo da
caminhada acadêmica contemplaram poucos alunos. Ademais, aqueles que realmente
precisavam desses projetos e bolsas, talvez pela omissão dos gestores da universidade ou
ainda pela falta de divulgação do oferecimento destes, não puderam deles usufruir. O que
pode ter levado estes negros cotistas a um grande número de dependências, evasões e
reprovações.
Quanto a esse ponto, é necessário um maior empenho, tanto da coordenação quanto
dos professores, para sensibilização com relação à necessidade premente de ofertarem
projetos incentivando e auxiliando a participação dos discentes. Caso contrário, a
universidade continuará sendo reprodutora das injustiças sociais, o que não se pode conceber.
O item 4.18 concentra grande parte das respostas que buscamos nesta pesquisa,
oportunidade em que questionamos os motivos que levaram os negros cotistas a concorrerem
pelo sistema de cotas. A esta indagação, foram colocadas quatro alternativas:
a) menor concorrência;
b) exercício de um direito constitucional;
c) sentimento de identidade e pertencimento racial;
d) outro fator, solicitando a citação destes.
114
Sendo a “d” genérica, o acadêmico tinha oportunidade de justificar, citando os
motivos. A alternativa que concentrou o maior número, com 20 (vinte) respostas, foi a letra
“b” - “exercício de um direito constitucional”; e as alternativas “a” - menor concorrência e “c”
- sentimento de identidade e pertencimento racial ficaram empatadas, com 10 (dez) respostas
cada uma.
Uma das pautas do Movimento Negro é a reivindicação por educação, o que há muito
fora apregoado por Freire (2008 apud PEREIRA, 2011, p. 70), ao dizer que “[...] o caminho
no campo do conhecimento é o caminho no campo político, através dos quais amanhã – e aí
vem a utopia –, as classes populares encontrem o poder”59 (grifo do autor).
A razão de o maior número concentrar as respostas na alternativa “b” talvez esteja
ligada ao fato de que apenas os negros cotistas do curso de Direito foram questionados, e no
curso de Direito, por ser uma ciência quase toda positivada, os acadêmicos tem uma
predileção especial por argumentos legais.
A menor concorrência (alternativa “a”) foi respondida por 10 (dez) acadêmicos, o que
demonstra que as cotas proporcionaram incentivos para cursar a graduação, o que muitas
vezes não ocorre na prática, pois, em alguns anos, a concorrência entre os candidatos pelas
cotas costuma ser maior que entre as vagas gerais, dado o número pequeno de vagas
oferecidas. O sentimento de identidade e pertencimento racial também contou com 10 (dez)
respostas, o que demonstra progresso, uma vez que
A universidade brasileira, ao se propor a adotar um plano de ações afirmativas, não
se encontra tão somente a corrigir os erros dos 500 anos de colonialismo e
escravidão; está reconhecendo que a população negra precisa ser valorizada no plano
social e individual. Existe a consciência de que a nossa identidade pode ser bem ou
mal formada no curso de nossas relações com outros significantes. Mas é
fundamental que haja ações políticas ininterruptas de reconhecimento igualitário.
(SANTOS, 2006b, p. 20).
Como um dos episódios interessantes acerca da não aceitação da identidade negra,
temos a história de Machado de Assis, importante escritor negro da nossa literatura que
[...] não apenas modelou a sua arte pela europeia. Casou-se com branca, nunca
mencionava os parentes pretos, não tinha amigos de cor. Na juventude, modesto
tipógrafo metido a escritor, os retratistas o pintavam negro como era; na velhice,
famoso e festejado, presidente da Academia Brasileira de Letras representavam-no
quase branco, a tez clara, o pixaim amaciado. (SANTOS, 1984, p. 70-71).
59
FREIRE, P. Paulo Freire ao vivo: gravação de conferências com debates realizadas na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba (1980-1981). São Paulo: Loyola, 1983.
115
Essa passagem soma-se àquela relatada acerca do primeiro presidente negro do Brasil,
Nilo Peçanha, que governou de 1909 a 1910, por ocasião do falecimento de Afonso Pena, o
qual teve suas fotos retocadas para que parecesse mais branco. As respostas aos questionários
nos fazem olhar com otimismo o número de acadêmicos que marcaram pertencimento racial e
a assunção como tal. Acreditamos que também nesse ponto as cotas são importantes, pois
levantam a autoestima e, por consequência, o reconhecimento de uma identidade étnicoracial.
Perguntados se o sistema de cotas havia facilitado a entrada na Universidade, na sede,
em Dourados, 10 (dez) responderam afirmativamente e 2 (dois) negativamente. As
explicações a esse questionamento foram as mais variadas.
Os que responderam afirmativamente disseram, em sua maioria, que, por conta da
concorrência ser menor, facilitou a entrada, uma vez que alguns acadêmicos explicaram não
possuir “bagagem” suficiente para concorrer com os alunos de escolas particulares. Outros
afirmaram que o sistema de cotas possibilita a entrada em cursos com maior concorrência, aos
quais geralmente a população negra tem menos acesso, citando como exemplo o Direito.
O despreparo de quem cursou a educação básica pública foi analisada por Pereira
(2011, p. 74-75) ao dizer que “[...] essa desigualdade na educação básica acaba, por
consequência lógica, influenciando na hora do recrutamento ao ensino superior, onde, além
das questões econômicas (de classe social), as questões étnico-raciais se apresentam com
força [...]”.
Quanto aos negros cotistas da Unidade de Paranaíba, turno matutino, na mesma
pergunta, 8 (oito) responderam que sim e 4 (quatro) que não. As explicações para os que
responderam negativamente foram que:
- havia disputado a vaga com outros cotistas;
- preparou-se para concorrer de qualquer forma; após saber que poderia concorrer pela
cota, foi quando optou pelo sistema;
- entende que não, pois o vestibular é uma disputa, tendo se colocado em uma situação
igualitária a todos ao disputar a vaga.
- as cotas não facilitam em nada, e o fato de ser pública gera muita discriminação.
Dos que responderam afirmativamente, a maioria disse que a concorrência era menor
do que para as vagas gerais, e outro falou que a concorrência foi com outros alunos que se
encontravam com o mesmo nível de conhecimento, ou seja, os oriundos de escola pública.
Um cotista não respondeu.
116
Na Unidade de Paranaíba, turno noturno, 6 (seis) responderam negativamente e 4
(quatro) afirmativamente. Incitados a explicar a opção escolhida, os que responderam
negativamente asseveraram que:
- a concorrência era a mesma, tanto para cotista quanto para os demais;
- pelo fato de ter passado em quarto lugar, teria ocupado a vaga independentemente de
cota, não concordando com elas;
- disse que estudou muito para passar no vestibular, abriu mão de certas coisas para
poder ingressar em uma universidade pública.
O que chama a atenção é a resposta do que afirma ter passado em quarto lugar, diz que
não concorda com as cotas, mas ao mesmo tempo fez uso delas. Por um lado, o que pudemos
perceber é que este acadêmico pode ter se sentido inseguro de concorrer pelas vagas gerais,
tanto que optou pelas cotas; no entanto, ao ver sua classificação, entendeu que poderia ter
ingressado mesmo concorrendo pelas vagas gerais.
O fato relatado anteriormente demonstra que as cotas aumentaram a autoestima
daqueles que, em um primeiro momento, se julgavam incapazes de ingressar em uma
graduação, e este sentimento de autoconfiança, com certeza, se estenderá ao mercado de
trabalho e demais setores da sociedade. O que demonstra a importância das cotas além do
ingresso nos bancos universitários.
Os que responderam afirmativamente disseram que:
- facilitou em muito a entrada, apesar de haver concorrência entre os cotistas;
- acredita que, além de ser um direito constitucional, também apresenta concorrência;
- afirma existir menor concorrência;
- se não fossem as cotas, jamais poderia entrar em uma universidade pública, uma vez
que sustenta a família e não teria condições financeiras para isso.
Na Unidade de Naviraí, na questão sobre a facilidade proporcionada pelas cotas, 4
(quatro) responderam que sim e 2 (dois) que não. As explicações para os que responderam
afirmativamente foram:
- menor concorrência;
- as cotas representaram uma facilidade para entrar na Universidade;
- as cotas superaram alguns obstáculos, tais como baixa qualidade no ensino médio, a
concorrência no vestibular e a dificuldade de passar.
Os que responderam negativamente, disseram que poderiam ter passado mesmo que
não tivessem concorrido pelas cotas, dada a pontuação obtida; dentre eles, houve um que, ao
responder o item 4.18, afirmou que optou por estas por se tratar de um direito constitucional.
117
O item 4.20, que questiona se o respondente acreditava que os negros cotistas, ao se
formarem, teriam as mesma condições e chances que os não cotistas no mercado de trabalho,
obteve como resposta na sede, em Dourados, 9 (nove) sim e 3 (três) não.
Dos que responderam afirmativamente, justificaram que:
- a partir do momento em que se consegue entrar na faculdade, todos devem buscar a
melhor maneira de colher conhecimentos para concorrer no mercado de forma justa, apesar
das diferentes dificuldades, confiando na dedicação e oportunidade.
- acreditam nas mesmas condições e chances;
- reconhece o seu rendimento na universidade como sendo bem abaixo dos demais; no
entanto, diz haver exceções;
- entendem que o mercado de trabalho seleciona os melhores, independentemente de
raça.
No entanto, não é o que Martini e Silva constataram:
A pesquisa nacional realizada em 2003 pela fundação Perseu Abramo (FPA) em
parceria com a fundação alemã Rosa Luxemburg Stiftung demonstrou que a
população negra não goza de condições equânimes em relação à população branca
no mercado de trabalho e que as organizações de atuação profissional ainda são os
principais lócus de discriminação racial. (MARTINI; SILVA, 2005, p. 96).
A explicação dos que responderam negativamente foi de que nem sempre as condições
serão as mesmas, tendo em vista que a situação socioeconômica traz uma maior dificuldade
para ascensão profissional. Outros acreditam que as cotas deveriam se estender ao mercado de
trabalho, pois este seleciona preconceituosamente os candidatos às vagas. Por fim, há quem
entenda que a sociedade ainda é preconceituosa.
O discente que entendeu que as cotas deveriam se estender ao mercado de trabalho,
teve a percepção de que, no Brasil, este se encontra
[...] estruturado com base na relação desigual entre capital e trabalho, também está
apoiado na própria desigualdade racial. Nesse sentido, a construção da ponte entre as
políticas de ações afirmativas e o mercado de trabalho pode criar patamares mais
equânimes e condições leais de concorrência e ascensão para a população negra
brasileira. (MARTINI; SILVA, 2005, p. 96).
Ademais, uma política de inclusão e promoção da igualdade material também vem
prevista no Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288 de 20 de julho de 2010, que prevê
118
diversas medidas visando assegurar igualdade de oportunidade e tratamento para a população
negra em matéria de trabalho e renda.
O referido Estatuto diz que cabe ao poder público, inclusive à União, a adoção de
programas que incluam a população negra em cargos e funções de confiança. Ainda no
sentido da promoção de uma igualdade material, prevê o Estatuto incentivos para as empresas
privadas que adotem programas de inclusão de trabalhadores negros, até mesmo observando a
proporcionalidade de gênero. O Estatuto, além de garantir o acesso ao emprego, determina a
obrigação do Estado de promover a igualdade nos programas de formação profissional, acesso
a crédito para pequena produção e para as microempresas administradas por negros.
Nesse item, concordamos com as ponderações desse acadêmico, que afirma que o
mercado de trabalho ainda é preconceituoso, pois, muito embora o que respondeu
positivamente afirme que o mercado de trabalho seleciona os melhores, independentemente
da raça, não é o que presenciamos até os dias atuais, uma vez que a escravidão não é a única
razão para explicar a situação de penúria que até hoje grande parte da população negra vive;
outros fatores, tais como a discriminação e o preconceito, interferiram e ainda interferem para
essa ocorrência, uma vez que
[...] o preconceito de cor [...] têm se perpetuado como componentes estruturantes da
desigualdade social no Brasil, constituindo fortes entraves para a conquista da
cidadania plena por parte do conjunto da população. (VENTURI; BOKANY, 2005,
p. 17).
Em Paranaíba, turno matutino, com relação ao mesmo item 4.20, 9 (nove)
responderam que sim e 3 (três) que não. Os que responderam afirmativamente justificaram
que:
- o desempenho profissional do negro é que vai dizer se está apto para realizar um bom
trabalho;
- o mercado de trabalho tem espaço para todos;
- a maioria dos negros cotistas formados está inserida no mercado de trabalho;
- o fato de entrar pelo sistema de cotas não os torna menos competentes que os demais;
- todos têm chances iguais.
Os que responderam negativamente justificaram que:
- a maioria dos cotistas vem de família de baixa renda, assim, possuem dificuldades
enormes; além de concluir o curso na universidade, têm que provar à sociedade que são
capazes;
119
- entendem que, infelizmente, ainda existe preconceito, e isto dificultará até na escolha
do próprio cliente para a sua defesa. Um não justificou sua resposta.
Em Paranaíba, turno noturno, com relação ao mesmo item 4.20, 7 (sete) responderam
que sim e 3 (três) que não. Justificando, alguns que responderam afirmativamente apontaram:
- desde que tenha esforço, pode lutar por chances iguais no mercado de trabalho;
- que a universidade prepara a base e a pessoa tem que buscar o sucesso;
- a questão não é da cor da pele, e sim de competência.
- o fato de os cotistas ingressarem na faculdade pelas cotas não significa que são
menos inteligentes e sim que está sendo reparado um direito. Dois não justificaram.
Os que responderam negativamente alegaram que:
- depois de entrar, todos estudam a mesma matéria e a dificuldade agora é a estrutura
que a pessoa possui para estudar, se dedica o tempo suficiente para ler os livros e pesquisar os
assuntos, se tem ou não dinheiro para comprar livros etc.;
- infelizmente, o racismo ainda toma conta de muitas mentes pequenas e não
pensantes;
- a base da família que dá estrutura ao negro é muito fraca, precária e este ainda sofre
com o desnível social do mundo a que pertence.
Em Naviraí, nesse item 4.20, os 6 (seis) negros cotistas responderam que sim,
justificando nos seguintes termos:
- o ensino é igual para todos;
- não é a cor da pele que mede a capacidade e a inteligência da pessoa, pois temos
Ministros no STF que são negros;
- o desempenho após a faculdade depende de cada um, não importa a cota;
- terão que estudar mais que o não cotista para se destacar além da cor;
- apesar da discriminação ainda sofrida pelos negros, entende que a graduação coloca
todos em pé de igualdade.
Algumas observações podem ser traçadas com relação às afirmações anteriores, uma
vez que o acadêmico que afirmou que há ministros no STF que são negros não atentou para o
fato desse órgão se encontrar instalado desde 9 de janeiro de 1829, sendo o atual ministro
Joaquim Barbosa o primeiro negro a ocupar a presidência, como já mencionado.
O acadêmico que entende que terá que estudar mais que o não cotista para se destacar
além da cor, intrinsecamente está reconhecendo que o preconceito existe, e que, se o
desempenho após a universidade for igual ao do não negro, suas chances serão menores de se
120
destacar, somando-se à estrutura e histórico familiar, que não auxiliam nessa ascensão, muitas
vezes por ausência de referenciais.
Na sede, em Dourados, em relação ao item 5 – observações gerais, a questão 5.1
perguntava se havia alguma observação a fazer em relação ao sistema de cotas, projetos e
outras iniciativas da UEMS com relação aos negros. Os negros cotistas afirmaram que:
- o sistema de cotas implantado por nossa universidade, até agora, facilita a inserção
do aluno no Ensino Superior, mas não há nenhum incentivo para que este permaneça;
- há discriminação implícita de alguns profissionais da universidade (professores);
- o sistema de cotas serve para proporcionar a inserção e facilitar a entrada de pessoas,
porém existe uma classificação muito ampla de cor; com isso, existe a entrada de pessoas com
“identidade duvidosa”, ou seja, na visão geral, não parecem se encaixar nas características
negras ou índias. Hoje, mostra-se mais importante o nível escolar e não mais a questão de
raça.
- o fato de ser negro não está relacionado ao sucesso ou insucesso de uma pessoa, um
dia já foi motivo, hoje não mais.
Com relação ao acadêmico que disse existir uma classificação muito ampla de cor, o
discente parece entender que apenas o preto pertence à raça negra, ignorando o critério do
IBGE que adota as cores preto e pardo como pertencentes à raça negra. Em relação ao
indígena, exige-se, de acordo com a Resolução CEPE/UEMS nº 382, de 14/08/2003, revogada
pela Resolução CEPE/UEMS nº 430, de 30/07/2004, a comprovação de descendência
indígena. Ao que parece, esse acadêmico negro cotista está fazendo uma análise com o
mesmo olhar discriminador do branco, uma vez que procura detalhes no sistema para
desmoralizar um importante instrumento de inclusão social.
A percepção do acadêmico quanto ao fato de ser negro não interferir no sucesso ou
insucesso da pessoa, dizendo que esse estigma se encontra superado, demonstra um olhar
otimista para o cenário que encontra à frente, muito embora pesquisas comprovem que os
cargos, empregos e renda dos negros ainda são inferiores aos do branco, sem nenhuma
explicação para isso, a não ser o fato de que ainda nos encontramos em uma sociedade que
avalia pessoas com base no conceito de raça.
Na Unidade de Paranaíba, turno matutino, as observações quanto ao sistema de cotas
foram:
- somente em relação à publicação da lista de aprovação, por gerar muito preconceito
entre os demais alunos;
121
- colocar um negro na universidade é fácil, mas deveríamos começar desde cedo,
desde o ensino fundamental;
- o que deveria ser mudada é a educação desde o início da vida escolar, por parte dos
governantes;
- a UEMS de Paranaíba desenvolve muitos projetos, dos quais participam qualquer
aluno, tanto negro quanto branco.
Em relação ao mesmo item, na Unidade de Paranaíba, turno noturno, as observações
foram:
- mesmo sendo um direito adquirido, a discriminação acontece da parte de alguns;
- além da porcentagem que é destinada a negros, não vejo outros programas ou
projetos, acho que deveria existir mais assistência, não só para os negros, mas para todos os
alunos da UEMS;
- a necessidade de diálogo para buscar um ponto que atenda às necessidades. Alguns
não responderam.
Na Unidade de Naviraí os negros cotistas fizeram as seguintes observações ao sistema
de cotas:
- projeto não, mas quando as pessoas fazem críticas em relação ao caso, deveriam abrir
mais universidades públicas no Brasil;
- ampliar as bolsas e projetos de ação social nos bairros. Os demais nada sugeriram.
O que pudemos observar é um grande otimismo e entusiasmo com relação às cotas,
bem como a possibilidade de ascensão social e melhores rendimentos com a graduação. Muito
embora ainda reconheçam no racismo, ainda presente na nossa sociedade, um entrave para o
crescimento socioeconômico e cultural do negro, mas que está diminuindo ao longo dos anos
com a promoção da cultura e políticas de respeito à diversidade, dentre elas as cotas,
entendidas como
[...] fenômeno ou conceito [que] estende-se muito além da negritude, da
afrodescendência, bem como de qualquer ideia de raça, de origem étnica ou de
pertença sociocultural. Ela diz respeito às variedades das (e às variações nas)
histórica pregressa de indivíduos e grupos, condições socioeconômicas, trajetórias
sociais, status, origem geográfica, deslocamentos territoriais, gênero, orientação
afetiva-sexual, visões de mundo, práticas culturais, religiões etc. (JUNQUEIRA,
2007, p. 19).
As cotas foram o início de uma série de políticas que deveriam ter sido implantadas na
universidade, tais como acompanhamento para evitar as dependências e evasões, bem como a
122
divulgação e oferecimento de projetos que contemplem as necessidades dos negros cotistas
durante o trajeto acadêmico.
Passaremos agora à análise do item 3.2 – Dos Coordenadores de Curso, referente aos
questionários aplicados aos(às) coordenadores(as) dos quatro cursos oferecidos na sede, em
Dourados, e duas Unidades, sendo respondidos 2 (dois) questionários em cada localidade, um
pelo coordenador atual e outro pelo ex-coordenador. São, ao todo, 4 (quatro) professoras e 2
(dois) professores, totalizando 6 (seis) questionários.
Tabela 7 – Cotas para negros, programas e bolsas (itens I e II).
Unidade
Era coordenador em 2008
Acompanhou o processo de implantação
das cotas
As cotas provocaram alguma mudança no
curso de direito?
Houve alguma mudança no projeto
pedagógico do curso de direito com a
implantação das cotas?
As bolsas ajudaram na manutenção dos
cotistas?
As bolsas oferecidas são suficientes para os
cotistas?
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Sim
Não
Em
branco
Dourados
Mat.
1
1
2*
0
0
2
0
2
Paranaíba
Mat./Not.
1
1
1
1
0
2
1
1
Naviraí
Not.
1
1
1
1
2
0
0
2
total
2
0
1
0
1
1
1
0
2
0
2
0
0
2
0
5
1
1
4
1
3
3
4
2
2
4
1
5
*Um Coordenador diz que participou na condição de professor.
Dos coordenadores e ex-coordenadores que responderam ao questionário na sede e nas
duas Unidades, três eram coordenadores no ano de 2008, data colocada como início dessa
pesquisa sobre a trajetória e percalços dos negros cotistas do curso de Direito da UEMS.
Quatro deles acompanharam a implantação das cotas, sendo que um na condição de docente.
Dos que acompanharam, uma ex-coordenadora asseverou ter participado do fórum e
seminários que houve na Unidade de Paranaíba no ano de 2003; outra ex-coordenadora disse
ter participado de reunião e leitura de documentos relacionados ao tema, e outra também excoordenadora disse que acompanhou toda a proposta de criação e implantação das cotas. O
coordenador atual, que na época da implantação das cotas era professor, disse ter participado
das discussões iniciais.
Entendemos pelas respostas dos coordenadores e ex-coordenadoras, que dizem ter
acompanhado a implantação das cotas, que elas não foram discutidas, e sim que vieram
123
impostas e os coordenadores tiveram que aceitar. Daí pode-se tirar que, muitas vezes, não
fizeram nada além de aceitar as determinações e encaminhamentos da reitoria e pró-reitorias,
quando deveriam articular uma proposta mais eficiente e propor projetos e programas para
atender às necessidades de aprendizagem e permanência dos cotistas que iriam receber no
curso, tanto como docente quanto como coordenadores de curso.
Dos coordenadores que não acompanharam, uma disse que não estava na UEMS,
porém não disse o motivo, e um coordenador, após responder negativamente, não justificou.
Com relações às mudanças provocadas na UEMS com as cotas, em especial no curso
de Direito, apenas 2 (duas) coordenadoras na Unidade de Naviraí entenderam que estas de
fato proporcionaram um maior acesso a segmentos sociais como negros, indígenas e
deficientes provenientes de escola pública.
Dos que entendem negativamente, uma coordenadora justificou que “este público foi
sempre bem vindo aos cursos de Direito onde trabalhei (Dourados, Paranaíba e Naviraí)”;
outro coordenador afirmou como “...irrelevante. Discussões sobre o assunto não alteraram
as condições estruturais da Universidade”; uma ex-coordenadora disse “só consigo detectar
o repúdio dos alunos, que alegam proteção desnecessária e opinando pelas cotas sociais”. O
coordenador atual disse que “pelo princípio da universalidade houve posicionamentos
favoráveis e contrários”.
Pelos comentários dos coordenadores e ex-coordenadores, podemos perceber, em seus
discursos, que pouco se interaram com relação à implantação do sistema de cotas, bem como
não tiveram qualquer preocupação em compreender as razões pelas quais ele foi criado;
limitaram-se a cumprir as determinações superiores. Muitos disseram que acompanharam,
estiveram presentes nos fórum promovidos para discussão; no entanto, não trouxeram
qualquer elemento concreto do que apreenderam com estes debates.
Perguntados se houve mudança no Projeto Pedagógico do curso de Direito com a
implantação das cotas, apenas uma coordenadora de Paranaíba respondeu afirmativamente,
justificando “sim, para adequação própria ao curso e não por conta das cotas”, resposta que
não nos permite identificar quais foram essas mudanças, uma vez que não apontou em que
parte do Projeto Pedagógico ocorreu alteração.
O item 1.5, com uma pergunta pessoal acerca da posição dos coordenadores com
relação ao sistema de cotas, obteve a seguintes respostas: a ex-coordenadora do curso de
Direito de Dourados disse que sempre foi favorável a estas, por ser defensora da inclusão ao
sistema de qualquer cidadão, por simplesmente ser pessoa humana, e, conforme pesquisas,
esse público sempre fora excluído por razões econômicas e de cor. Já o coordenador atual
124
declara que: “sou contra, em princípio. Prefiro que as cotas fossem para crianças e jovens
em escolas de bom nível. Mas como não foi escolhida esta alternativa, aceito como medida
que resgata um pouco a situação desfavorável”.
Os coordenadores parecem concordar com as cotas, muito embora um deles prefira
que as cotas fossem em escolas de bom nível. O coordenador é consciente da dificuldade de
se melhorar o nível do ensino nas escolas públicas, uma vez que estudantes destas, em raros
casos, conseguem competir em igualdade de condições com os estudantes de escolas
particulares. Daí a importância de um dos critérios para se concorrer ao sistema de cotas na
UEMS se comprovar ter estudado em escola pública ou particular mediante bolsa.
Na Unidade de Paranaíba, a ex-coordenadora disse: “já fui contra, por não me
aprofundar no assunto e entendia que tudo que acontece de cima para baixo é um
desrespeito. Mas hoje sou uma fiel defensora das cotas, não existe como não nos
posicionarmos nesse sentido frente à realidade discriminatória de nosso país”. O
coordenador atual asseverou que, “considerando a igualdade formal e material sou favorável
ao sistema”.
Em Naviraí, a ex-coordenadora disse que
trata-se de um mecanismo necessário, porém de duração temporária, para assegurar
o acesso de negros em Universidades. Não se pode/deve desconsiderar a condição
financeira e o mérito nas próximas décadas, sendo assim, é preciso melhorar o nível
de ensino com investimentos significativos em educação.
A coordenadora atual assegurou: “Considero importante, porém apenas garantir o
acesso não é suficiente, é preciso desenvolver métodos de acompanhamento p/ esses alunos”.
Pelas respostas dos coordenadores, percebemos que, à exceção de um coordenador, os
demais são favoráveis às cotas; no entanto, nota-se que a implantação destas encontrou certa
resistência, pois acreditavam em outras alternativas para a inclusão do negro na graduação,
tais como a melhoria no ensino básico e fundamental público.
É importante destacar as observações da coordenadora da unidade de Naviraí, que
entende que as cotas devem ir além do acesso, que a Universidade deve acompanhar e
desenvolver métodos para a permanência desses cotistas. O que acreditamos que deveria ter
acontecido em um segundo momento após a implantação das cotas, no entanto, até hoje, há
pouca movimentação neste sentido.
125
No item II, que indagava se o oferecimento de bolsas e outros programas de auxílio
ajuda na manutenção dos alunos cotistas, houve 5 (cinco) respostas afirmativas e apenas uma
negativa, do coordenador de Paranaíba.
Quando questionados se o que a UEMS oferece em matéria de bolsa e programas é
suficiente para atender aos alunos cotistas que precisam, houve uma resposta afirmativa. Um
questionário sem resposta é justificado da seguinte forma: “não sei informar”, outros 4
(quatro) apresentaram respostas negativas.
Dos que reponderam negativamente, em Paranaíba, a ex-coordenadora disse que
“além do valor vergonhoso, deveria ser criada assessoria econômica para ajudar a
organizar as despesas e gastos”. O atual coordenador fala sobre o baixo valor, ao dizer que
“o valor é ínfimo, bem como transforma o bolsista em trabalho barato. Precisa reavaliar os
objetivos e valores das bolsas”.
Em Naviraí, foi dito pela ex-coordenadora que “o valor é insuficiente e as ações
desenvolvidas precisam ser analisadas em função da necessidade de se contribuir para a
formação do acadêmico”. A atual coordenadora entende da mesma forma, ao dizer da
necessidade de “adequação do valor à necessidade de cada aluno e acompanhamento para
garantir o necessário à formação”.
Todos os que responderam negativamente falaram do valor da bolsa, que é insuficiente
e precisa ser revisto. No entanto, o oferecimento de bolsas e a quantidade, conforme visto, já
representa um grande avanço na formação acadêmica, pois proporciona ao aluno uma ajuda
na sua manutenção, iniciação à pesquisa, mais tempo na universidade dedicado aos estudos.
Dessa forma, é preciso conscientizar docentes, discentes e coordenadores que as bolsas vão
além da mera manutenção, auxiliando grandemente na formação acadêmica do aluno, de
modo a garantir que esta ocorra com qualidade.
Tabela 8 – Desempenho acadêmico.
Unidade
Dourados
Mat.
Tem conhecimento das dificuldades do sim 0
negro cotista durante o curso.
não 2
Se sim,
a) Dificuldade com conteúdos
0
Motivos
básicos do curso
b) Pouco acesso a material
0
didático (xeros, livros etc.)
c) Relação professor/aluno
0
(discriminação, perseguição,
etc.)
Paranaíba
Mat/Not.
2
0
2
Naviraí
Not.
2
0
2
Total
1
2
3
1
0
1
4
2
4
126
d) Outros motivos
0
0
1
1
Obs. Neste quadro, alguns questionados assinalaram mais de uma alternativa.
Com relação ao desempenho acadêmico, os dois coordenadores de Dourados
informaram desconhecer as dificuldades enfrentadas pelos negros cotistas durante o curso.
Como sabemos, as cotas são de responsabilidade de toda a universidade; cabe aos
coordenadores e professores estarem mais atentos ao desenvolvimento dessa política, pois o
desconhecimento informado demonstra total apatia e desinteresse com a inclusão que elas
representam e, mesmo mantendo um discurso de concordância com elas, como já informado,
são completamente indiferentes quanto à correção das injustiças históricas que elas
proporcionam.
Em Paranaíba, os coordenadores disseram conhecer e informaram mais de uma
alternativa. A ex-coordenadora assinalou: a) as dificuldades com conteúdos básicos do curso;
c) relação professora/aluno discriminação, perseguições, etc. O atual assinalou a alternativa
“a” - dificuldades com conteúdos básicos do curso e “b”- pouco acesso a material didático
(xerox, livros etc.).
Em Naviraí, a ex-coordenadora também assinalou as alternativas “a” e “b”, e a atual
assinalou as alternativas “a”, “b” e “d” (outros motivos).
Assim, o item apontado pelos coordenadores como o que mais dificulta a vida
acadêmica do negro cotista, ensejando muitas vezes sua não permanência no curso, constituise de dificuldades com conteúdos básicos do curso, com 4 (quatro) respostas. Esse problema
pode ter origem na educação básica, uma vez que a grande maioria dos cotistas é originária de
escolas públicas que, muito embora ofertem um ensino ao alcance de todos, em muitas é
abismal a distância que as separa das escolas particulares no que diz respeito à qualidade do
ensino.
Esse desequilíbrio interfere na interpretação e compreensão dos conteúdos; e, pelo
fato de o Direito constituir-se, basicamente, de dispositivos legais que necessitam dessa
capacidade, os alunos oriundos de escolas públicas acabam por ficar prejudicados, dentre eles
se enquadram os negros cotistas, critério este necessário para pleitear vagas pelo sistema de
cotas. Ademais, as compreensões desses conteúdos auxiliarão no entendimento dos que os
sucederem, daí a importância de o professor estar atento às dificuldades iniciais dos negros
cotistas.
O segundo item assinalado como percalço foi a alternativa “b” (pouco acesso a
material didático (xerox, livros etc.), que reflete as parcas condições financeiras dos negros
127
cotistas, já analisadas no item dados profissionais dos cotitas, bem como a dificuldade da
universidade em suprir esse item, o que acaba também interferindo na formação acadêmica
daqueles que não usufruem desse acesso.
A letra “d” (outros motivos) obteve uma resposta. A coordenadora citou a
“necessidade de o negro cotista trabalhar para custear suas despesas, o que às vezes
interfere na realização do curso”. Acreditamos que essas dificuldades poderiam ser reduzidas
com um eficiente programa de acesso às bolsas não apenas aos negros cotistas, mas a todos os
demais alunos em condições socioeconômicas desfavoráveis.
A letra “c” (Relação professor/aluno - discriminação, perseguição, etc.) também
obteve uma resposta. A princípio, podemos inferir que há bem pouca ocorrência, ou que
muitos casos não chegaram ao conhecimento da coordenação, uma vez que, se cruzarmos essa
informação com a mesma pergunta elaborada aos acadêmicos, 7 (sete) dos 23 (vinte e três)
acadêmicos que carregam dependência assinalaram essa alternativa como um dos motivos
para a sua reprovação.
No item 3.3, o coordenador foi instigado a citar as ações desenvolvidas para auxiliar
no enfretamento das dificuldades dos negros cotistas, assim como para os demais alunos no
curso de Direito sob sua responsabilidade. A ex-coordenadora de Dourados disse que
“enquanto coordenadora sempre atuei de maneira a que todas as ações contemplassem todos
os públicos, abrindo possibilidade de participação a viagens técnicas, congressos da UEMS
ou externos, inclusive publicações científicas”. O atual disse: “não faço diferença entre
acadêmicos, em princípio, exceto os casos problemáticos (ameaça de morte, cantadas
indevidas, comportamentos inadequados e outros) independentemente de raças, credo ou
cultura”.
A resposta do atual coordenador não condiz com a pergunta, o que mais uma vez
sugere que os mesmos não têm qualquer conhecimento, interesse e preocupação com este
sistema nem com seu aprimoramento, uma vez que as cotas foram apenas o primeiro passo
para a graduação, sendo importante o empenho de todos os partícipes (professores,
coordenadores, gestores) para que esses cotistas permaneçam na universidade até a regular
formação.
Em Paranaíba, a respostas da ex-coordenadora foi que “não detectei nenhuma ação
por parte da coordenação, dos professores do curso. Porque para mim, criar projeto de
‘reforço’ são ações de auxílio específico aos cotistas”. Já o atual coordenador afirma que
“propostas de projetos de ensino (português) dependem de disponibilidade do corpo docente
para, fora do horário, atender os discentes com dificuldades, parte dos professores o faz”.
128
As respostas anteriores demonstram que quem deveria ser os articuladores e
executores das propostas se mantêm totalmente alheios a estas, uma vez que a primeira
coordenadora disse não detectar nenhuma ação por parte da coordenação, quando na época
era ela quem coordenava; no entanto, demonstra que nem ao menos conhecia as ações que
deveria desenvolver para auxiliar os negros cotistas e demais acadêmicos que enfrentavam as
mesmas dificuldades, quando menciona a necessidade de criar “reforço” aos negros cotistas
como se somente a estes fosse necessária uma intervenção pedagógica, não considerando o
fato de que os demais graduandos poderiam se encontrar nas mesmas situações.
Em Naviraí, a ex-coordenadora citou que fez a “divulgação de oportunidades de
estágio, bolsas e trabalho temporário; colocação das cotas e dificuldades dos acadêmicos na
pauta das reuniões pedagógicas; ouvir a todos indistintamente e buscar alternativas possíveis
para cada caso”.
A coordenadora atual aponta ações semelhantes, quando diz que faz a “divulgação de
oportunidades de estágio, bolsas e trabalho temporário; discussão das cotas e as dificuldades
dos alunos em reuniões pedagógicas, buscando soluções e/ou alternativa”.
No item 4, no qual foram solicitados a fazer algumas observações com relação ao
sistema de cotas, projetos ou iniciativas para os alunos negros cotistas realizadas na UEMS, a
ex-coordenadora de Dourados disse que “todas as ações que de alguma forma proporcionem
a inclusão da pessoa devem ser realizadas”. O atual coordenador disse que “os cotistas têm
obrigação institucional de auxiliar outros em semelhante situação, por exemplo, tutor de
alunos de ensino médio”.
A obrigação dos cotistas em auxiliar outros alunos não pode ser admitida, sob pena de
os coordenadores não estarem entendendo nada do que as cotas representam e seu papel de
reparadoras de injustiças sociais, uma vez que, para esse coordenador, aos demais acadêmicos
parece não se exigir semelhante encargo.
Em Paranaíba, a ex-coordenadora disse que “não podem tirar as atuais bolsas. E elas
têm que ser revistas (o valor) é necessário uma maior integração entre os próprios cotistas”.
O atual coordenador sugere que “alguns trabalhos (Especialização em D. Humanos) como o
de Bruno Catolino avaliarão melhor, sugiro a leitura”.
Com os comentários citados, podemos perceber o total despreparo daqueles que
ocupam a coordenação, uma vez que, devendo ser os articuladores das políticas emanadas dos
órgãos superiores e das pró-reitorias, denotam uma omissão na execução desses
encaminhamentos.
129
Em Naviraí, a ex-coordenadora sugeriu que “todos os projetos devem ser melhor
discutidos e os valores ampliados, para além das cotas”. A coordenadora atual apontou que
“devem ser aprimorados, melhor discutidos e receber mais investimentos”. Essas
declarações, ao que tudo indica, referem-se à oferta de bolsas, muito embora isso não esteja
muito claro em sua resposta.
Pelas afirmações dos coordenadores, alguns entendem que alguma coisa tem que ser
feita com relação aos cotistas que já se encontram na graduação; no entanto, essa providência
ainda não contou com a iniciativa dos órgãos superiores da universidade, dos docentes e
sequer dos coordenadores que exercem a docência no curso e ainda são responsáveis por
todas a ações do mesmo e sua qualidade.
Em alguns momentos, falaram das bolsas, que são insuficientes e de reduzidos valores;
no entanto, percebe-se que a maioria não as divulga aos acadêmicos e não incentiva o seu
pleito, auxiliando na elaboração de projetos e oferecendo extensão que possam contemplar
estes negros cotistas, demonstrando. inclusive, desconhecimento do assunto.
Algumas providências para a permanência podem ser realizadas na própria unidade
onde os acadêmicos se encontram. No entanto, parece que falta, entre os docentes,
simpatizantes com as cotas, e compromisso docente com o curso, gerando parte dos percalços
vividos pelos negros cotistas e demais alunos na mesma situação social, econômica e de
aprendizagem, numa clara demonstração de que as oportunidades oferecidas pela
universidade são suficientes para os negros e pobres que se aventuraram adentrar esse “nicho”
de superioridade chamado Curso de Direito.
4.2 Do desempenho acadêmico dos negros cotistas de 2008 a 2012 – análise das atas de
resultados finais
Nesse tópico, analisaremos o desempenho acadêmico dos discentes dos quatro cursos
de Direito, objeto desta pesquisa, pela análise das atas dos resultados finais, comparando com
as respostas aos questionários.
Na tabela 9, e nas que se seguem, apresentaremos o desempenho acadêmico dos
negros cotistas com os seguintes itens: matriculados; aprovados sem e com dependência;
reprovados; evadidos, e aqueles que estão cursando séries anteriores. Como evadidos,
consideraremos aqueles que, muito embora tenham sido aprovados na série anterior, não
130
renovaram a matrícula, bem como aqueles reprovados que também não se matricularam na
mesma série. Os aprovados foram subdivididos em sem dependência (sd) e com dependência
(cd).
Tabela 9 – Primeiro ano - Curso de Direito 2008.
Curso de Direito – UEMS – Primeiro ano 2008
Unidade
Dourados
Mat.
Paranaíba
Mat.
Paranaíba
Not.
Naviraí
Not.
Total
Matriculados Aprovados Reprovados
Evadidos
Cursando séries
anteriores
4º
1º
2º
3º
5º
s.d
c.d
12
12
0
0
0
0
0
0
0
0
12
9
2
1
0
0
0
0
0
0
12*
6
6
0
0
0
0
0
0
0
10**
6
2
2
0
0
0
0
0
0
46
33
10
3
0
0
0
0
0
0
* Na Unidade de Paranaíba, turno matutino, um acadêmico ingressou em 2008 já no segundo ano, após
aproveitamento de estudos; no entanto, tendo em vista o número de disciplinas que cursou junto com a turma
regular, será somado como pertencente a esta turma.
** Na Unidade de Naviraí, um acadêmico ingressou em 2008 já no segundo ano, após aproveitamento de
estudos, fazendo apenas uma disciplina no primeiro ano, formando-se em 2011. Sendo assim, o mesmo não será
considerado nesta tabela e nas posteriores, será somado junto com os aprovados em 2012.
Dessa forma, para efeito das análises que faremos, serão considerados 46 (quarenta e
seis) negros cotistas ingressos em 2008 e ao final, somando mais 1 (um) referente àquele da
Unidade de Naviraí.
Para essa primeira tabela, tomou-se como base a primeira série do ano de 2008.
Ingressaram 47 (quarenta e sete) negros cotistas, contando o que aproveitou disciplinas na
Unidade de Naviraí. Como já mencionado, o objeto de análise será de 46 (quarenta e seis)
integrantes da turma regular, na qual ingressaram, em 2008, 46 (quarenta e seis), acadêmicos.
Destes, 43 (quarenta e três) obtiveram aprovação, ou seja, 93,7%, e 3 (três) foram reprovados,
o que corresponde a 6,3%. Nesse primeiro ano, pudemos constatar 10 (dez) acadêmicos com
dependência. Foram reprovados dois acadêmicos na Unidade de Naviraí e um em Paranaíba
turno matutino, o que acreditamos esteja ligado em Naviraí ao trabalho desenvolvido pelos
acadêmicos, uma vez que os desgastes ocasionados por este, bem como o deslocamento à
universidade fazem com que fique prejudicado o rendimento.
131
O número de dependências também foi maior entre os acadêmicos que estudam no
período noturno, 6 (seis) na Unidade de Paranaíba e 2 (duas) na Unidade de Naviraí, o que
pode também estar ligado ao trabalho e deslocamento, uma vez que, de acordo com a Tabela
3, os seis negros cotistas da Unidade de Naviraí que responderam ao questionário disseram
estar trabalhando.
Esses percalços verificados já nesse primeiro ano deveriam ser corrigidos, caso
contrário comprometeriam o desempenho nos anos posteriores, uma vez que o acúmulo de
dependência, se não superado, fatalmente gera reprovações. É o que poderá ser confirmado ou
não pelas tabelas a seguir.
Tabela 10 – Segundo ano – Curso de Direito 2009.60
Curso de Direito – UEMS – Segundo ano 2009
Unidade
Matriculados
Aprovados Reprovados
Evadidos
Cursando séries
anteriores
1º 2º 3º 4º 5º
s.d. c.d.
Dourados
Mat.
Paranaíba
Mat.
Paranaíba
Not.
Naviraí
Not.
Total
12
8
3
1
0
0
0
0
0
0
11
8
3
0
1
0
0
0
0
0
11
8
2
1
1
0
0
0
0
0
8
6
2
0
1
1
0
0
0
0
42
30
10
2
3
1
0
0
0
0
Dos 43 (quarenta e três) negros cotistas aprovados no primeiro ano em 2008, apenas
42 (quarenta e dois) rematricularam-se em 2009; como mencionado, um acadêmico de
Naviraí, em virtude do aproveitamento de estudos, já se encontrava no terceiro ano e não está
entrando na conta da tabela acima. Nesse mesmo ano, foram aprovados 40 (quarenta)
acadêmicos, o que representa 95%, e 2 (dois) foram reprovados, o que representa 5% dos que
se rematricularam nesse ano.
Verificamos que as reprovações estão divididas igualmente entre os cursos oferecidos
nos períodos matutino e noturno, com uma reprovação na Unidade de Dourados Matutino e
60
De acordo com o Regimento Interno dos Cursos de Graduação da Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul, 2009 “Art. 109. O aluno será promovido e matriculado no período seguinte, se aprovado em todas as
disciplinas do período cursado ou com dependência em disciplinas dos períodos anteriores” e “Art. 110. Será
considerada como dependência a disciplina em que o aluno não obtiver aprovação, devendo ser cursada
novamente, de acordo com o disposto nas Seções I e II deste Título”. Disponível em:
<http://www.uems.br/dra/arquivos/11_2011-11-17_14-25-29.PDF>. Acesso em: 22 abr. 2013.
132
uma na Unidade de Paranaíba Noturno, bem como, exceto na sede, em Dourados, verificamos
uma evasão em todas as demais Unidades; e em Naviraí, um acadêmico reprovado voltou a se
rematricular no primeiro ano.
Podemos perceber uma sensível diminuição na proporção de reprovação, que no
primeiro ano foi de 6,5% e neste segundo de 4,7%, levando-se em conta a Tabela 9, pois o
número de matrículas nesse ano diminuiu de 46 (quarenta e seis) para 42 (quarenta e dois).
Proporcionalmente, as dependências também aumentaram. No primeiro ano, foram 10 (dez),
representando 21,7%. No segundo, permaneceram as mesmas 10 (dez); no entanto, pela
diminuição do número das rematrículas, estas representaram 23,8%.
Como a tendência é continuar o aumento do número de dependências, nos anos
posteriores isso poderá gerar reprovações ou até retenção na série, uma vez que os conteúdos
a serem acompanhados aumentarão, exigindo do acadêmico maior esforço que os demais, o
que proporciona até mesmo um desestímulo para continuar os estudos. Para evitar que a
situação se agrave, a universidade deve atentar a esse fato para verificar quais as razões que
estão levando a essas dependências e sua possibilidade de intervir.
Tabela 11 – Terceiro ano - Curso de Direito - 2010.
Curso de Direito – UEMS – Terceiro ano 2010
Unidades
Dourados
Mat.
Paranaíba
Mat.
Paranaíba
Not.
Naviraí
Not.
Total
Matriculados Aprovados Reprovados
11
s.d. c.d.
6
5
0
Evadidos Cursando séries
anteriores
1º 2º 3º 4º 5º
0
0
1
0
0 0
10
5
4
1
1
0
0
0
0
0
10
5
4
1
2
0
1
0
0
0
8
2
6
0
2
0
0
0
0
0
39
18
19
2
5
0
2
0
0
0
Dos 40 (quarenta) acadêmicos aprovados, apenas 39 (trinta e novo) rematricularam-se
no terceiro ano. Proporcionalmente, o número de dependências também aumentou, uma vez
que, dos 37 (trinta e sete) aprovados, 51,3% carregavam dependência, o que comprova que as
dificuldades vão se acumulando, tornando necessário um diálogo mais estreito com esses
negros cotistas para verificar quais os problemas enfrentados e buscar alternativas para
solucioná-los. Numérica e proporcionalmente, a Unidade de Naviraí é a que detém o maior
133
número de dependentes, com 6 (seis), ou seja, 75% dos matriculados nesse ano, fato que
explica alguns elementos existentes nas tabelas posteriores.
Verificamos duas reprovações, ambas na Unidade de Paranaíba, uma em cada turno.
Nesse ano, é preocupante o número de evadidos, que aumentou para 5 (cinco), principalmente
nas Unidades de Paranaíba Noturno e Naviraí, com dois em cada uma delas.
Tabela 12 – Quarto ano - Curso de Direito – 2011.
Curso de Direito – UEMS – Quarto ano 2011
Unidade
Matriculados
Aprovados
Reprovados
Evadidos
Dourados
Mat.
Paranaíba
Mat.
Paranaíba
Not.
Naviraí
Not.
Total
11
s. d.
6
c. d.
5
0
0
Cursando séries
anteriores
1º 2º 3º 4º 5º
0 0 1 0 0
8
4
4
0
3
0
0
1
0
0
9
8
1
0
2
0
0
1
0
0
7
2
3
2
3
0
0
0
0
0
35
20
13
2
8
0
0
3
0
0
Dos 37 (trinta e sete) negros cotistas aprovados no terceiro ano em 2010, apenas 35
(trinta e cinco) rematricularam-se no quarto ano de 2011. Verificamos apenas duas
reprovações na Unidade de Naviraí, o que, de uma amostra de 7 (sete) rematriculados,
representa 28,5%. Nessa Unidade também se concentra o maior percentual de acadêmicos
com dependência, com 42,8% nessa situação.
Nesse momento, notamos que a porcentagem de negros cotistas que se encontram na
série regular varia consideravelmente, sendo que a menor porcentagem se concentra na
Unidade de Paranaíba Matutino, com 66,6%. Na sede, em Dourados, encontram-se 91,6%, na
Unidade de Paranaíba noturno 75% e em Naviraí 70%. Entretanto, nas Unidades de Dourados
e Paranaíba (matutino), mais de 50% desses matriculados carregam dependência de mais de
uma disciplina.
Na Unidade de Paranaíba matutino, o menor número de cotistas na série regular
surpreende, uma vez que, ao analisar a Tabela 3 – Dados Profissionais, verificamos que
apenas três declararam renda individual de até um salário mínimo, sendo os demais com faixa
salarial superior, equivalente à verificada em Dourados, tanto individual quanto familiar, bem
134
como o curso também é oferecido no período matutino. Ademais, supomos possuírem mais
tempo para se dedicar aos estudos, tendo em vista o turno em que estão cursando.
Tabela 13 – Quinto ano - Curso de Direito - 2012.
Curso de Direito – UEMS – Quinto ano 2012
Unidades
Matriculados Aprovados
Reprovados
Dourados
Mat.
Paranaíba
Mat.
Paranaíba
Not.
Naviraí
Not.
Total
11
s.d.
8
c.d.
0
3
Evadidos Cursando séries
anteriores
1º 2º
3º
4º 5º
0
0 0
0
1 0
7
3
0
4*
4
0
0
0
1
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9
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0
0
2
0
32
20
0
13
10
0
0
0
4
0
*um acadêmico aproveitou estudos e em 2008 ingressou no segundo ano. Em 2011, estava no quinto ano,
fazendo disciplina no quarto, reprovando em disciplina deste e do quinto. Na tabela acima está como reprovado.
Este acadêmico foi considerado em todas as tabelas, tendo em vista o número de disciplinas que cursou na série
regular.
** O resultado final foi de 47 acadêmicos, visto que um acadêmico de Naviraí aproveitou estudos e se formou
em 2011, sendo incluído na soma dos aprovados de 2012.
Em 2012, no quinto ano, 32 (trinta e três) negros cotistas foram matriculados. Destes,
apenas 20 foram aprovados sem dependências, somando-se um que aproveitou estudos, os
quais colaram grau, ou seja, egressos da turma de 2008. Ao analisar toda a amostra (47 negros
cotistas), verificamos que apenas 42,5% conquistaram a aprovação, concluindo seus estudos
no tempo regular, ficando os demais retidos no quinto ano, ou seja, 13 (treze) reprovados.
Além disso, 4 (quatro) ficaram retidos em séries anteriores e possivelmente colarão grau em
anos posteriores. Contudo, 10 (dez) foram considerados evadidos (desistentes) durante a
trajetória, ou seja, 21,3%. Para estes, só resta a alternativa de um novo ingresso.
Levando-se em conta as aprovações verificadas, notamos que, nessa trajetória, existem
gargalos que a universidade precisa identificar e procurar solucionar para que haja maior
permanência e conclusão de curso. Ao cotejar as tabelas anteriores, verificamos um número
de dependências, reprovações e evasões que deveria ter sido motivo de preocupação da
universidade (Pró-Reitoria de Ensino e coordenação de curso) a fim de se evitar esse alto
índice de negros cotistas nessa situação. Uma vez que, como mencionado anteriormente, as
135
cotas foram apenas o primeiro passo para o ingresso do negro na graduação, cabe zelar pela
permanência e aprovação dos cotistas para que essa importante ação afirmativa possa cumprir
seu papel.
Neste trabalho, pudemos constatar que as condições socioeconômicas (necessidade de
conciliar trabalho e estudo) interferem em muito no desempenho e permanência, sendo que as
bolsas poderiam amenizar este problema; no entanto, os valores oferecidos por elas estão
muito aquém do necessário para a manutenção desses alunos. Assim, cabe, muitas vezes, ao
negro cotista, optar entre sobreviver ou estudar.
Dos 47 negros cotistas que ingressaram em 2008, os questionários foram aplicados a
40 deles; pela análise das respostas, não foi possível identificar um único fator como
responsável pela reprovação e dependência, pois muitos fatores, em maior ou menor grau,
interferem no desempenho e na autoestima do negro cotista, perpassando desde um referencial
familiar até a falta de material didático para estudos. A universidade, muitas vezes, nem
sequer tem conhecimento dessas carências, e tomar ciência desses fatos é o primeiro passo
para a intervenção.
As bolsas podem servir de suporte para amenizar o problema mencionado. Para isso,
os professores e coordenadores devem conhecer as necessidades dos acadêmicos, oferecer
projetos e programas para a participação de quem realmente precisa. As dificuldades já
verificadas nos anos iniciais devem ser sanadas, para que as dependências não se acumulem e
se tornem um desestímulo à permanência, não só dos negros cotistas, mas também dos demais
acadêmicos que se encontram na mesma situação.
Precisamos, no atual estágio de consolidação das cotas, pensar além do oferecimento
destas (ingresso), como também na permanência dos cotistas, para que haja formação (egresso
regular). Caso contrário, o trajeto universitário estará padecendo do mesmo problema que as
cotas tentaram corrigir, ou seja, da exclusão da universidade para a exclusão na universidade.
Não há como negar que, nessa trajetória, também houve conquistas, uma vez que 20
(vinte) negros cotistas, que representam 42,5%, colaram grau, o que proporciona grande
alento a essa população, nos permitindo olhar com otimismo o cenário à frente, somado ao
fato de que 4 (quatro) ainda se encontravam cursando o quarto ano em 2012, quando do
encerramento desta pesquisa.
136
4.3 Comparações dos resultados dos cursos de Direito entre as Unidades de Dourados,
Paranaíba e Naviraí
4.3.1 Sede em Dourados Turno Matutino X Unidade de Paranaíba Turno Matutino
A sede em Dourados, em que o curso de Direito é oferecido, guarda uma similitude
com um curso da Unidade de Paranaíba, pois ambos são oferecidos no período Matutino. No
entanto, pelos questionários e atas dos resultados finais analisados, estes dois cursos, muito
embora com o mesmo Projeto Pedagógico em vigor e com a mesma quantidade de negros
cotistas matriculados no primeiro ano em 2008, viram suas trajetórias diferenciarem-se ao
longo dos cinco anos.
No primeiro ano, na sede em Dourados, turno matutino, dos doze matriculados, todos
obtiveram aprovação sem dependência. No mesmo ano e com o mesmo número de
matriculados, em Paranaíba, apenas nove foram aprovados sem dependência, dois com
dependência e uma reprovação.
No segundo ano, em 2009, as condições entre esses dois cursos, pela análise das Atas,
permanecem semelhantes: em Dourados, com 12 (doze) matriculados, 8 (oito) foram
aprovados sem dependência e
3 (três) com dependência, com 1 (um) reprovado. Em
Paranaíba, houve 11 (onze) matriculados, sendo que 8 (oito) foram aprovados sem
dependência e 3 (três) com dependência, e aquele que havia sido reprovado no ano anterior
não renovou a matrícula, sendo considerado evadido.
No terceiro ano, em 2010, em Dourados matricularam-se 11 (onze), sendo que 6 (seis)
foram aprovados sem dependência e cinco com dependência, e o que havia sido reprovado no
ano anterior voltou a se rematricular no segundo ano. Em Paranaíba, 10 (dez) se
matricularam; ao final, foram aprovados 5 (cinco) sem dependência e 4 (quatro) com
dependência, havendo uma reprovação e uma evasão.
No quarto ano, em 2011, a situação desses dois cursos começa a se diferenciar, uma
vez que, em Dourados, 11 (onze) continuam na mesma série, renovando a matrícula com 6
(seis) aprovações sem dependência e 5 (cinco) com dependência, havendo um aluno cursando
o terceiro ano. Diferentemente, em Paranaíba, onde o número de matriculados diminuiu,
apenas 8 (oito) acadêmicos se rematricularam, havendo 4 (quatro) aprovações com
dependência e o mesmo número sem dependência, um aluno cursando série anterior e 3 (três)
evadidos.
No quinto ano, em 2012, a tendência novamente permanece, pois em Dourados são
matriculados 11 (onze) acadêmicos, havendo 8 (oito) aprovações, 3 (três) reprovações e um
137
acadêmico cursando série anterior. No mesmo ano, em Paranaíba matutino, verificamos que
dos 12 (doze) inicialmente matriculados em 2008, apenas 7 (sete) renovaram suas matrículas,
e destes apenas 3 (três) obtiveram aprovação, com 4 (quatro) reprovações, 4 (quatro) evasões
e um cursando série anterior.
Analisando esses dois cursos durante esses cinco anos, podemos perceber que, em
Dourados, dos 12 (doze) negros cotistas matriculados no primeiro ano, em 2008, apenas 8
(oito) obtiveram aprovação, o que representa 66,6%; já na Unidade de Paranaíba matutino,
podemos constatar que apenas 25% obtiveram aprovação, o que representa uma diferença de
41,6% entre os cursos em relação ao número de egressos ou aproveitamento das vagas.
Ao analisarmos as tabelas, podemos concluir que um dos motivos que pode justificar
esta disparidade estaria ligado ao histórico acadêmico da família, uma vez que, pela análise da
Tabela 2, a escolaridade, tanto dos pais, quanto das mães, dos negros cotistas da Unidade de
Paranaíba, turno matutino, é inferior à dos genitores dos da sede em Dourados, uma vez que,
em Paranaíba, eram 5 (cinco) pais sem instrução e 8 (oito) mães com até o fundamental
completo, enquanto que, em Dourados, encontramos apenas um pai sem instrução e 5 (cinco)
mães com fundamental completo.
É o que constatou Queiroz ([20--], p. 12), ao dizer que
Os estudantes das carreiras de alto nível de prestígio, cujo pai não completou o
antigo curso primário, têm médias de ingresso e de rendimento inferiores àquelas
dos estudantes cujo pai tem escolaridade superior, evidenciando o efeito da
escolaridade do pai sobre o desempenho do estudante.
Essa herança cultural interfere no rendimento acadêmico, uma vez que a ausência de
referencial é um obstáculo a mais a ser rompido e a universidade pouco pode fazer para suprir
essa carência, cabendo a ela implementar outros incentivos à permanência, para que a soma
dessas dificuldades não acarretem a reprovação e evasão.
4.3.2 Unidade de Paranaíba Turno Noturno X Unidade de Naviraí Turno Noturno
A peculiaridade entre estes dois curso é o seu oferecimento no período noturno, com
ingresso em 2008 de 12 (doze) negros cotistas na Unidade de Paranaíba Noturno e 11 (onze)
(contando o que aproveitou estudos formando-se em 2011, levando-se em conta as tabelas, o
comentário será de dez) negros cotistas em Naviraí. No entanto, ao longo dos cinco anos, as
trajetórias se diferenciaram, uma vez que, já no primeiro ano, constatamos que, na Unidade de
138
Paranaíba, os 12 (doze) foram aprovados, porém a metade com dependência. O que não
ocorreu na Unidade de Naviraí, onde 8 (oito) foram aprovados, 2 (dois) com dependência, e já
neste primeiro ano verificamos 2 (duas) reprovações.
No segundo ano, em 2009, em Paranaíba, 11 (onze) se rematricularam, vindo 10 (dez)
a serem aprovados, havendo uma reprovação e uma evasão. Na Unidade de Naviraí, apenas 8
(oito) se rematricularam, os quais foram aprovados, sendo constatada uma evasão.
No terceiro ano, na Unidade de Paranaíba noturno, matricularam-se 10 (dez) em 2010,
com 9 (nove) aprovações, 5 (cinco) delas com dependência, e uma reprovação, vindo o
número de evadidos aumentar para 2 (dois). Na Unidade de Naviraí, turno Noturno, 8 (oito)
discentes renovaram matrícula, sendo que todos foram aprovados; no entanto, 6 (seis)
carregaram dependência e 2 (dois) se evadiram.
No quarto ano, em 2011, em Paranaíba noturno, houve 9 (nove) matriculados, todos
sendo aprovados, havendo apenas 1 (uma) dependência, permanecendo o número de evadidos
em 2 (dois). Na Unidade de Naviraí, matricularam-se 7 (sete), 5 (cinco) foram aprovados, 3
(três) ficaram de dependência, havendo 3 (três) evasões.
No quinto ano, em 2012, pudemos notar que as trajetórias tomaram rumos totalmente
diferentes, uma vez que, em Paranaíba, 9 (nove) rematricularam-se, vindo 7 (sete) a obter
aprovação, 2 (dois) foram reprovados e 3 (três) evadidos, ou seja, 58,3% dos acadêmicos
obtiveram aprovação. No mesmo ano e série, na Unidade de Naviraí, 5 (cinco) fizeram
rematrícula, mas apenas 1 (um) foi aprovado (dois, quando contamos o aluno que aproveitou
estudos e se formou em 2011), 4 (quatro) reprovados e 3 (três) evadidos, ou seja, apenas 18%
obtiveram aprovação (incluído o que aproveitou disciplinas).
É difícil apontar uma única razão para essas disparidades, uma vez que ambos os
cursos possuíam o mesmo projeto pedagógico, e muitas respostas aos itens das tabelas são
semelhantes, tais como os dados familiares e profissionais. No entanto, algumas diferenças
podem ser destacadas entre esses dois cursos: a primeira é com relação às distâncias da
residência à Universidade, que concentra maior percurso na Unidade de Naviraí, bem como o
fato de todos os negros cotistas questionados de Naviraí trabalharem e entre os de Paranaíba
Noturno apenas 7 (sete) dos 10 (dez). Nesse ponto, FIG/CIDA (2000)61 e Capellin (2000)62
(apud JUNQUEIRA, 2007, p. 35) advertem que
61
FIG/CIDA. Gênero no Mundo do Trabalho. In: I Encontro de Intercâmbio de Experiências do Fundo de
Gênero no Brasil. Brasília: [s.n.], 2000.
62
CAPELLIN, P.; DELGADO, D.; SOARES, V. (Orgs.). Mulher e Trabalho: experiências de ação afirmativa.
São Paulo: ELAS/Boitempo, 2000.
139
As transformações no mundo do trabalho apontam para um quadro em que antigas
defasagens entre homens e mulheres e entre brancos (as) e negros (as) vêm se somar
à criação de novos mecanismos de desigualdade. A flexibilização/precarização do
mercado de trabalho, o cancelamento de postos de trabalho, o crescimento dos
desempregos estrutural e metodológico e o surgimento de novas ocupações e
vocações empresariais afetam diferentemente estes contingentes.
Dada a situação social da quase totalidade dos negros brasileiros, necessariamente o
negro cotista tem que trabalhar para se sustentar, sendo muitas vezes arrimo de família. Foi
esta uma das justificativas que os negros cotistas da Unidade de Naviraí apontaram como
sendo causa das dependências, quando das respostas à pergunta sobre os motivos da
dependência, como consta na Tabela 4 – Dados Educacionais.
Os valores oferecidos pelas bolsas não são suficientes para eles se manterem nos
estudos e se dedicarem exclusivamente a estes; além disso, registra-se um número ínfimo de
bolsistas nos cursos. A alternativa é tentar conciliar o estudo com o trabalho, mas, como
sabemos, o desgaste produzido por estes vai influenciar o desempenho acadêmico.
4.3.3 Unidade de Paranaíba Turno Matutino X Unidade de Paranaíba Turno Noturno
Analisaremos o Curso de Direito oferecido na Unidade de Paranaíba comparando os
turnos matutino e noturno. Muito embora usufruam da mesma estrutura e do mesmo corpo
docente, podemos constatar algumas disparidades entre a trajetória de ambos.
Se olharmos as trajetórias pelas Tabelas 9 a 13, que trazem os dados sobre Atas de
Resultados Finais, nos quatro primeiros anos, podemos constatar poucas diferenças com
relação a esses dois turnos. Porém, estas se acirram no quinto ano, uma vez que, no turno
matutino, rematricularam-se 7 (sete) negros cotistas, com apenas 3 (três) aprovados; já no
período noturno, houve 9 rematrículas com 7 (sete) aprovados. Assim, no turno matutino, a
porcentagem de aprovação ficou na casa de 25%, enquanto que, no noturno, essa porcentagem
ficou em 58%. A diferença impressiona, quando supomos que os acadêmicos do período
matutino dispõem de mais tempo para estudar e se dedicar às atividades da universidade.
Algumas razões podem justificar essa divergência. A Tabela 3, que trata dos Dados
Educacionais, traz que 8 (oito) pais e 6 (seis) mães possuem até o fundamental incompleto no
matutino, enquanto que no noturno verificamos 6 (seis) pais e apenas 3 (três) mães nessas
condições. Isso pode interferir no desempenho acadêmico dos filhos, o que é comprovado
pelos estudos quando apontam que
140
Tais resultados mostram claramente a relação diretamente proporcional entre a
herança educacional dos pais e o desempenho dos filhos, uma vez que altos níveis
de escolaridade dos pais parecem condizer com melhor desempenho escolar dos
filhos. É interessante notar que a escolaridade dos pais ainda é uma variável de
impacto na vida acadêmica do filho, sobretudo quando é baixa e inclusive em
igualdade de condições de ensino. (OLIVEIRA; SILVA, 2010, n.p.).
Assim, estas questões representam um fator a mais a influenciar na permanência e
formação acadêmica dos negros cotistas, pois a falta de referencial na família acaba
interferindo no desempenho acadêmico.
Outro dado que também pode interferir está relacionado a aspectos familiares, pois
verificamos que, no matutino, 6 (seis) acadêmicos possuem filhos, enquanto que, no noturno,
apenas 2 (dois) se encontram nesta situação; o tempo dedicado à família, somado ao gasto
com o trabalho acaba reduzindo o horário de estudo.
Podemos perceber que não é um único fator que interfere no desempenho, mas a soma
de diversos deles. Daí a importância da universidade estar atenta a esses aspectos, para
verificar sua ocorrência e atuar visando sua amenização. Justifica-se, assim, estudar as cotas e
permanência como ferramentas para a diminuição da injustiça social e respeito à diversidade,
de modo que possa ser ampliado o número de jovens de diferentes raças e condições sociais e
econômicas ocupando as cadeiras universitárias. Sob essa perspectiva, acreditamos estar no
caminho da verdadeira democracia.
5 CONCLUSÃO
Realizamos uma análise da trajetória acadêmica constituída pelas dificuldades e
conquistas dos negros cotistas, bem como a percepção destes e dos coordenadores do curso de
Direito da UEMS, turma 2008, sobre as cotas para negros, objeto desta pesquisa, em que se
pretendeu mostrar o grande passo que as cotas representaram para o acesso da população
negra na graduação e como se deu a permanência desses acadêmicos durante o período de
2008 a 2012 nos quatro cursos pesquisados.
Para chegar ao oferecimento de cotas pela UEMS e aos negros cotistas que
ingressaram em 2008, fizemos um esboço histórico sobre a criação das primeiras
universidades conhecidas no mundo e no Brasil, bem como sobre o oferecimento dos
primeiros cursos de Direito.
Estudar a entrada do negro no Brasil na condição de escravo ajudou a compreender a
herança deixada pela escravidão e o cenário de exclusão e discriminação que se apresenta
com relação a essa população até os dias atuais, fato que as cotas nas universidades colaboram
para reverter, uma vez que apenas a escravidão não justifica a condição de abandono que o
negro busca superar. Fatores relacionados à exclusão, discriminação e atos de racismo não
permitiram a esse segmento da população, hoje majoritário, a integração à sociedade nos
mesmos moldes da população branca.
Nenhum fator justifica a escravatura do negro. No entanto, teorias pseudocientíficas
tentaram legitimar a escravidão pela inferioridade da raça negra, cultivando a ideologia da
supremacia branca e europeia e acirrando o racismo que grassa até hoje na sociedade.
Um grande marco para a população negra foi a abolição; no entanto, as verdadeiras
razões que a motivaram não foram divulgadas a grande parte da população, uma vez que os
dirigentes da época queriam constituir uma nação branca, seguindo o modelo europeu, e o
negro estava prejudicando esse sonho de progresso, além das dificuldades para prosseguir
com o tráfico já proibido por lei. Tanto é verdade, que os negros libertos não foram
contratados na condição de assalariados, tendo o governo preferido subsidiar grandes levas de
trabalhadores italianos para trabalhar nas lavouras de café, que eram cultivadas
principalmente na região sudoeste, relegando os negros à miséria.
A escravidão sustentou a discriminação e a exclusão do negro, cujos frutos são
perceptíveis até hoje; basta ver os dados do IBGE, censo 2010, relativos às condições
142
socioeconômicas, moradia, educação e salários desse grupo populacional, ao qual pertence a
maioria dos brasileiros.
Para reverter essa situação, uma das principais bandeiras de luta do Movimento Negro
é o acesso à educação, na crença de que o conhecimento, fruto da formação superior, é o
caminho para a ascensão social. Numa retomada histórica, podemos conferir que alguns
negros se destacaram na história e nos estudos do Direito, a exemplo de Nilo Peçanha, que
chegou a ser presidente do Brasil em 1909. No entanto, o fantasma da discriminação e do
racismo sempre esteve presente, pois se acreditava que suas fotos eram retocadas para
parecerem mais brancas.
Isso demonstra que a concepção generalizada da sociedade é a de que o negro não
tinha o direito de ocupar lugares de destaque na sociedade, pensamento que perdura até os
nossos dias; por isso, as ações afirmativas, na modalidade de cotas raciais, somadas às
questões sociais, como no caso da UEMS, a qual busca atender às questões do fenótipo e da
pobreza.
O não reconhecimento do Brasil como país racista dificultou a tomada de medidas na
tentativa de efetuar compensação pelos prejuízos sofridos pela raça negra desde que esta
entrou no Brasil na condição de escrava. A pressão internacional cobrou do Brasil uma
postura mais ativa no enfrentamento dessas questões, uma vez que nenhuma justificativa
conseguia explicar os dados que mostram que, aos negros, foram reservados os piores
trabalhos com os menores rendimentos, bem como o fato de a escolaridade destes ser inferior
à do branco, sua situação social e econômica estar abaixo da do branco, muito embora essa
população seja, numericamente, superior à branca.
A partir do reconhecimento de que, de fato, o negro estava sendo discriminado, e que
no Brasil havia (há) racismo, o governo brasileiro foi obrigado a propor iniciativas para mudar
esse quadro. É nessa conjuntura que entram as cotas nas universidades públicas.
De início, o discurso mais acirrado foi o de que as cotas eram inconstitucionais, por
fazer uma distinção, não aceita entre as pessoas e, em virtude da alta miscigenação do povo
brasileiro, não ser possível, segundo os que são contra as cotas, dizer quem pode ser
considerado negro. Essa discussão perdurou até 26 de abril de 2012, oportunidade em que o
Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade das cotas, o que vincula todos os
outros tribunais do Brasil, nenhum deles podendo julgar de maneira diversa.
A amostra selecionada para se compreender o que significam as cotas e a trajetória
vivenciada pelos negros cotistas, compreende os negros cotistas que ingressaram em 2008 nos
quatro cursos de Direito da UEMS. Para se inteirar do que estes viveram em quase cinco anos
143
de caminhada, e da percepção deles e dos coordenadores de curso sobre as cotas, ofertadas
desde 2004 na UEMS, aplicou-se um questionário aos dois grupos que constituíram o público
alvo (acadêmicos negros cotistas e coordenadores de curso). Além disso, as atas de resultados
finais de 2008 a 2012 também foram analisadas, detectando-se ali o índice de 21,2%
(levando-se em conta a totalidade dos quatro cursos, 47 negros cotistas) de evasão nesses
cursos.
Dentre os negros cotistas pesquisados, a quase totalidade realizou seus estudos no
ensino fundamental e médio em escolas públicas, com renda familiar de até 3 (três) salários
mínimos e muitos com idade cronológica acima dos 24 (vinte e quatro) anos, idade esta
considerada como média para a conclusão do ensino superior, o que demonstra que ficaram
vários anos afastados dos bancos escolares, somado ao fato de muitos trabalharem, sem tempo
de dedicarem aos estudos.
Sabemos que esse “tempo” fora de escola contribui para as dificuldades no domínio
dos conteúdos do curso, principalmente nos primeiros anos, fatores que, somados à ausência
de interesse e apoio pedagógico por parte de professores e coordenadores, facilmente leva a
evasão e repetência em disciplinas, acumulando dependências ou reprovação total na série.
Além disso, pelos dados aferidos sobre a escolaridade dos pais, constata-se que a
família da maioria não oferece um histórico acadêmico como referencial a ser seguido, pois o
grau de instrução dos pais está concentrado na falta de instrução ou ensino fundamental
incompleto.
As bolsas oferecidas pela universidade, que poderiam corrigir alguns problemas
enfrentados pelos negros cotistas, tais como: a ausência de recursos financeiros, tempo
remunerado para se dedicar aos estudos e oportunidade de acesso aos conhecimentos
científicos com mais frequência, participação em eventos e crescimento intelectual, humano e
social, não vêm sendo suficientemente divulgadas dentro dos cursos e não há incentivo para o
seu pleito. Pelas informações obtidas de alunos e coordenadores, percebe-se que nem mesmo
os professores têm interesse em sua obtenção, pois não oferecem projetos de pesquisa e
extensão que possam beneficiar os negros cotistas e demais acadêmicos.
Com todos esses obstáculos, é alto o número de matriculados com disciplinas em
dependência, o que torna premente a necessidade das coordenações de curso desencadear
estudos e ações que possam amenizar este problema, para que os negros cotistas e outros na
mesma situação possam concluir seus cursos no tempo previsto, com rendimento acadêmico.
Identificar os problemas e atuar para sua solução deveria ser um desdobramento
natural nas ações docentes e de gestores de uma universidade que oferta cotas étnico-raciais.
144
A sociedade, via movimentos sociais, já deu um grande passo ao lutar pela criação das cotas.
Cabe à UEMS, assim como a outras instituições com cotas, buscar seu aperfeiçoamento pelo
comprometimento de todos nesse processo de inclusão e democratização do ensino superior,
num claro movimento de respeito às diferenças e luta contra o racismo. Se a lei é considerada
uma forma de assegurar direitos aos cidadão, o curso de Direito precisa ser o exemplo prático
desse discurso, na sala de aula e na sociedade. Caso contrário, que advogado estará formando?
Conhecer as dificuldades enfrentadas pelos negros cotistas e demais alunos e
empenhar-se em solucioná-las devem ser motivos de preocupação dos coordenadores de
curso, professores e gestores da universidade, como iniciativas que vão além das cotas, em um
diálogo franco e direto com os sujeitos envolvidos. Só assim a universidade estará cumprindo
seu papel de disseminadora de conhecimentos, respeitadora da diversidade e promotora da
igualdade de direito e de fato.
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Abramo, 2005. p. 17-36.
153
APÊNDICE A – TERMO DE ESCLARECIDO E LIVRE CONSENTIMENTO
TERMO DE ESCLARECIDO E LIVRE CONSENTIMENTO
Você está sendo convidado (a) a participar, voluntariamente, da pesquisa – A
DIVERSIDADE
ETNICO-RACIAL
NOS
CURSOS
DE
DIREITO
DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros
cotistas faz diferença? no caso de concordância em participar da pesquisa, favor assinar este
documento ao final.
Sua participação não é obrigatória, e, a qualquer momento poderá desistir de participar
e retirar seu consentimento. Em caso de recusa, você não será penalizado(a) de forma alguma.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone dos pesquisadores (as)
responsáveis, podendo tirar dúvidas do projeto e de sua participação.
ESCLARECIMENTO SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO
DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de
negros cotistas faz diferença?
Pesquisadores Responsáveis: Aires David de Lima
Maria José de Jesus Alves Cordeiro
Instituição a que pertence os Pesquisadores Responsáveis: Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul – UEMS
Curso: Pós-Graduação em Educação
Local da Pesquisa: Unidade Universitária de Paranaíba, Dourados e Naviraí.
Nós, Aires David de Lima e Maria José de Jesus Alves Cordeiro, responsáveis pela
pesquisa - A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros
cotistas faz diferença? - estamos fazendo um convite para você participar, voluntariamente,
deste estudo.
Esta pesquisa pretende identificar as dificuldades para permanência, enfrentadas pelos
negros cotistas dos cursos de Direito da UEMS, com ingresso em 2008, bem como, as ações
realizadas pela instituição que favoreçam a permanência e a formação com qualidade. Sua
importância está fundada no dialogo com os próprios cotistas no sentido de compreensão e
apontamento de caminhos para o aperfeiçoamento das práticas até então desenvolvidas. Para
sua realização serão utilizados procedimentos metodológicos, como entrevistas
autobiográficas e questionários, a qual os participantes da pesquisa fornecem informações
sobre sua vida, formação educacional, trabalho, renda pessoal e familiar, bem como projetos
de apoio e dificuldades encontrados na Universidade, que serão analisadas no transcorrer da
pesquisa.
Durante todo o período da pesquisa você tem o direito de tirar qualquer dúvida ou
pedir qualquer outro esclarecimento, bastando para isso entrar em contato, com algum dos
pesquisadores. A principal investigadora é a Profa. Dra. Maria José de Jesus Alves Cordeiro,
que pode ser encontrada no endereço: Unidade Universitária de Dourados-UEMS, curso de
Pedagogia, telefone (67) 3902-2681 e (67) 9628 7180, além do docente Aires David de Lima,
que pode ser encontrada no endereço da Unidade Universitária de Paranaíba – UEMS, na Av.
154
Vereador João Rodrigues de Melo, s/n, (67) 3503-1006 e (67) 8134-5793. As informações
desta pesquisa serão confidencias, e serão divulgadas apenas em eventos ou publicações
científicas, não havendo identificação dos voluntários, a não ser entre os responsáveis pelo
estudo, sendo assegurado o sigilo sobre sua participação.
AUTORIZAÇÃO
Eu, ______________________________________, após a leitura deste termo e ter tido a
oportunidade de conversar com os pesquisadores responsáveis, para esclarecer todas as
minhas dúvidas, acredito estar suficientemente informado/a, ficando claro para mim que
minha participação é voluntária e que posso retirar este consentimento a qualquer momento
sem penalidades ou perda de qualquer benefício. Estou ciente também dos objetivos da
pesquisa, dos procedimentos aos quais serei submetido, dos possíveis danos ou riscos deles
provenientes e da garantia de confidencialidade e esclarecimentos sempre que desejar. Diante
do exposto expresso minha concordância de espontânea vontade em participar deste estudo.
Local e Data ____________________________________________________________
Nome e Assinatura do sujeito ou responsável __________________________________
Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido
deste/a participante (ou de seu representante legal) para a participação neste estudo.
- Testemunha 01 (não ligada à equipe de pesquisadores)
Nome: ________________________________________________________________
RG: ____________________________ Assinatura: ____________________________
- Testemunha 02 (não ligada à equipe de pesquisadores)
Nome: ________________________________________________________________
RG: ____________________________ Assinatura: ____________________________
Paranaíba (Dourados e Naviraí), ____de ____________________2012.
_______________________________
Assinatura do pesquisador responsável
155
APÊNDICE B – TERMO DE CONFIDENCIALIDADE
TERMO DE CONFIDENCIALIDADE
Título do Projeto: “A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO
DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de
negros cotistas faz diferença?”.
Pesquisadores: Aires David de Lima
Maria José de Jesus Alves Cordeiro
Instituição de Ensino: Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS
Curso: Pós-Graduação em Educação
Local da Pesquisa: Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS – Unidade
Universitária de Paranaíba, Dourados e Naviraí.
Nós, abaixo assinadas, nos comprometemos a manter a confidencialidade de todas as
informações dos cotistas negros questionados/entrevistados, da Universidade Estadual de
Mato Grosso do Sul – UEMS – Unidades Universitárias de Paranaíba, Dourados e Naviraí
cujos dados serão obtidos através de questionário/entrevista. Ressaltando, igualmente, que
todas as informações serão utilizadas unicamente para a execução da presente pesquisa,
podendo as mesmas ser divulgadas somente anonimamente. As informações serão mantidas
em arquivo pessoal, por período de aproximadamente 2 (dois) anos e, ultrapassado tal
período, os dados serão destruídos.
Paranaíba (Dourados e Naviraí) ,.............de ..............................de 2012.
________________________________
Aires David de Lima
CPF: 419.655.071-15
Pesquisador
________________________________
Maria José de Jesus Alves Cordeiro
CPF: 271.909.601-63.
Pesquisadora
156
APÊNDICE C – AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL PARA COLETA DE DADOS
(GERENTES)
AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL PARA COLETA DE DADOS
Ilmo. Sr. Gerente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade
Universitária de
Nós, Aires David de Lima e Maria José de Jesus Alves Cordeiro, pesquisadores
responsáveis pela pesquisa intitulada “A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS
CURSOS DE DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO
SUL: a presença de negros cotistas faz diferença?”, por meio deste instrumento,
solicitamos a Vossa Senhoria autorização para realizar a coleta de dados, junto aos docentes
do curso de Direito, desta Unidade Universitária.
Este trabalho pretende identificar as dificuldades para permanência, enfrentadas pelos
negros cotistas dos cursos de Direito da UEMS, com ingresso em 2008, bem como, as ações
realizadas pela instituição que favoreçam a permanência e a formação com qualidade. Sua
importância está fundada no dialogo com os próprios cotistas no sentido de compreensão e
apontamento de caminhos para o aperfeiçoamento das práticas até então desenvolvidas
Desde já, nos colocamos à disposição para esclarecimentos de qualquer dúvida que
possa surgir.
Antecipadamente agradecemos a colaboração.
Paranaíba, (Dourados e Naviraí)_____ de ____________________, 2012.
___________________________
Aires David de Lima
Pesquisador Responsável
____________________________________
Maria José de Jesus Alves Cordeiro
Pesquisadora Responsável
Autorizo ( )
Não autorizo ( )
____/____/_____
_______________________________________
157
APÊNDICE D – AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL PARA COLETA DE DADOS
(COORDENADORES)
AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL PARA COLETA DE DADOS
Ilmo. Sr. Coordenador do Curso de Direito, da Universidade Estadual de Mato Grosso
do Sul, Unidade Universitária de
, Sr.
Nós, Aires David de Lima e Maria José de Jesus Alves Cordeiro, pesquisadores
responsáveis, pela pesquisa intitulada “A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS
CURSOS DE DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO
SUL: a presença de negros cotistas faz diferença?”, por meio deste instrumento,
solicitamos a Vossa Senhoria autorização para realizar a coleta de dados, junto aos docentes
do curso de Direito, desta Unidade Universitária.
Este trabalho pretende identificar as dificuldades para permanência, enfrentadas pelos
negros cotistas dos cursos de Direito da UEMS, com ingresso em 2008, bem como, as ações
realizadas pela instituição que favoreçam a permanência e a formação com qualidade. Sua
importância está fundada no dialogo com os próprios cotistas no sentido de compreensão e
apontamento de caminhos para o aperfeiçoamento das práticas até então desenvolvidas
Desde já, nos colocamos à disposição para esclarecimentos de qualquer dúvida que
possa surgir.
Antecipadamente agradecemos a colaboração.
Paranaíba (Dourados e Naviraí), _____ de ____________________, 2012.
___________________________
Aires David de Lima
Pesquisador Responsável
____________________________________
Maria José de Jesus Alves Cordeiro
Pesquisadora Responsável
Autorizo ( )
Não autorizo ( )
____/____/_____
_________________________________________
158
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE PARANAÍBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
APÊNDICE E – QUESTIONÁRIO AOS NEGROS COTISTAS
Título da pesquisa: A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros cotistas faz
diferença?
Questionário dirigido aos acadêmicos negros cotistas do curso de Direito (Dourados, Naviraí
e Paranaíba) que ingressaram no ano letivo de 2008, ou seja, aprovados no vestibular de
dezembro de 2007.
Data ____/____/________.
Unidade em que estuda ________________________________________________________
I. DADOS PESSOAIS
1.1 Sexo: Masc. ( ) Fem. ( )
1.2. Idade:__________
1.3 Estado civil: Solteiro/a ( ) Casado/a ( ) Convivente ( ) Separado/a ( ) Divorciado/a ( )
Viúvo/a ( )
1.4 Tem filhos/as: Sim ( ) Não ( ) Se sim, quantos (total)? ________.
1.5 Em relação a raça você se autodeclara: Branca ( ) Negra ( ) Indígena ( ) Amarela ( )
1.6 Em relação a cor você se autodeclara: Branca ( ) Preta ( ) Parda ( ) Amarela ( )
II – DADOS FAMILIARES
2.1 Reside com: pai e mãe ( ) somente com a mãe ( ) somente com o pai ( ) com avós ( )
sozinho ( ) outros____________________________________________________________
2.2 Escolaridade do pai:
2.2.1 sem instrução ( )
2.2.2 Fundamental completo ( ) incompleto ( )
2.2.3 Médio completo ( ) incompleto ( )
2.2.4 Universitário completo ( ) incompleto ( )
159
2.2.5 Qual curso? _________________________________________________
2.2.6 Pós-Graduação:
2.2.7 Especialização ( )
2.2.8 Mestrado completo ( ) incompleto ( )
2.2.9 Doutorado completo ( ) incompleto ( )
2.3 Escolaridade da mãe
2.3.1 sem instrução ( )
2.3.2 Fundamental completo ( ) incompleto ( )
2.3.3 Médio completo ( ) incompleto ( )
2.3.4 Universitário completo ( ) incompleto ( )
2.3.5 Qual curso? _________________________________________________
2.3.6 Pós-Graduação:
2.3.7 Especialização ( )
2.3.8 Mestrado completo ( ) incompleto ( )
2.3.9 Doutorado completo ( ) incompleto ( )
III – DADOS PROFISSIONAIS
3.1 Atualmente você está trabalhando? Sim ( ) Não ( )
3.2. Se sim, em qual Profissão:______________________________________________
3.3 Se não trabalha como faz para se manter na Universidade? _________________________
3.4 Faixa Salarial:
3.4.1 Até 01 salário mínimo ( ) 01 a 03 salários mínimos ( ) 04 a 10 salários mínimos ( )
10 a 20 salários mínimos ( ) acima de 20 salários mínimos ( )
3.5. Renda familiar:
3.5.1 Até 01 salário mínimo ( ) 01 a 03 salários mínimos ( ) 04 a 10 salários mínimos ( )
160
10 a 20 salários mínimos ( ) acima de 20 salários mínimos ( )
IV - DADOS EDUCACIONAIS
4.1 Que ano do curso você está matriculado e frequentando? _______________.
4.2 Carrega dependência? Sim ( ) Não ( ). Se sim, quantas? _________.
4.3 Que motivos geraram a dependência?
a) (
b) (
c) (
d) (
) Dificuldade com conteúdos básicos do curso
) Pouco acesso a material didático (xerox, livros etc.)
) Relação professor/aluno (discriminação, perseguições etc.)
) outros motivos. Cite: ___________________________________________________
4.4 Reside na mesma cidade em que estuda: Sim ( ) Não ( )
4.5 Distância entre sua residência e a Universidade: menos de 5 km ( ) mais de 5Km e menos
que 10 Km ( ) mais de 10Km menos que 15Km ( ) mais que 15Km menos que 20Km ( ).
Se mais de 20km, cite o total: ________________________
4.6 Cursou o ensino fundamental em: escola pública ( ) particular ( ).
Se particular, com bolsa ( ), sem bolsa ( )
4.7 Cursou o ensino médio em: escola pública ( ) particular ( ).
Se particular, com bolsa ( ), sem bolsa ( )
4.8 Recebe (eu) algum tipo de bolsa da Universidade? Sim ( ) Não ( )
4.9 Se sim qual:
a) ( ) PAE (Programa de Assistência Estudantil – moradia, permanência ou alimentação)
b) ( ) PIM (Programa Institucional de Monitoria)
c) ( ) PIBEX (Programa Institucional de Bolsa de Extensão)
d) ( ) PIBIC (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica)
e) ( ) PIBIC/AAF/CNPq (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica para Ações
Afirmativas)
f) ( ) PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência)
4.10 Ainda recebe? Sim ( ) Não ( ). Se não, por quanto tempo recebeu. ___________
4.11 Maiores dificuldades para permanecer na universidade:
a) ( ) Dificuldades de aprendizagem originadas do ensino fundamental e médio (leitura,
escrita, interpretação, etc)
b) ( ) Dificuldades econômicas, com necessidade de trabalho.
c) ( ) Ausência de programas de apoio aos cotistas (bolsas, material didático, cursos de
nivelamento)
d) Outro motivo, cite: ________________________________________________
161
4.12 Tem conhecimento de algum projeto/programa para alunos negros cotistas na UEMS?
Sim ( ) Não ( )
4.13 Você participou ou participa de algum projeto ou programa? Sim ( ) Não ( )
4.14 Se sim, qual? _________________________________
4.15 Em que ano do curso? _____________________
4.16 Sugere a implementação de algum tipo de projeto específico para os acadêmicos negros
cotistas, que ajude na permanência? Sim ( ) Não ( ).
4.17 Se sim, que tipo de projeto?____________________________________
4.18 O que levou você a concorrer pelo sistema de cotas para negros?
a) ( ) a concorrência é menor;
b) ( ) o exercício de um direito constitucional
c) ( ) sentimento de identidade e pertencimento racial
d) ( ) outro fator. Cite: ________________________________________________
4.19 O Sistema de cotas facilitou seu ingresso na Universidade? Sim ( ) Não ( )
Explique: __________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4.20 Você acredita que os negros cotistas ao se formarem terão as mesmas condições e
chances que os não cotistas no mercado de trabalho? ( ) Sim ( ) Não
Justifique sua resposta.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
5 OBSERVAÇÕES GERAIS:
5.1 Você tem alguma observação a fazer em relação ao sistema de cotas, projetos ou iniciativa
para alunos negros cotistas realizados na UEMS? ___________________________________
___________________________________________________________________________
5.2 Você aceitaria e estaria disponível para uma entrevista, se necessário, para aprofundarmos
essas questões? Sim ( ) Não ( )
Nome (Opcional):____________________________________________________________
Telefone para contato (Opcional): __________________
162
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL
UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE PARANAÍBA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
APÊNDICE F – QUESTIONÁRIO AOS COORDENADORES
Título da pesquisa: A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros cotistas faz
diferença?
Questionário dirigido aos coordenadores do curso de Direito (Dourados, Naviraí e Paranaíba)
sobre os acadêmicos negros cotistas que ingressaram no ano letivo de 2008, ou seja,
aprovados no vestibular de dezembro de 2007.
Data ____/____/_______.
Unidade Universitária do curso em que coordena ___________________________________
Tempo de coordenação: _______________________________________________________
Era coordenador (a) no ano de 2008? ( )Sim ( ) Não
I. NO QUE DIZ RESPEITO ÀS COTAS PARA NEGROS
1.1 Você acompanhou o processo de implementação das cotas na UEMS? Sim ( ) não ( )
Se sim, de que forma? Se não, por quê? __________________________________________
___________________________________________________________________________
1.2 As cotas provocaram alguma mudança na UEMS e em especial no curso de Direito?
Sim ( ) não ( )
1.3 Que tipo de repercussão as cotas provocaram junto aos alunos?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
1.4 Houve alguma mudança no Projeto Pedagógico do curso de Direito com a implantação
das cotas? Sim ( ) Não ( ).
Se sim, quais foram as mudanças? _______________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
1.5 Como você se posiciona em relação ao sistema de cotas para negros?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
163
II – NO QUE DIZ RESPEITO A PROGRAMAS E BOLSAS
2.1 O oferecimento de bolsas ajudam na manutenção dos alunos cotistas? Sim ( ) não ( ).
2.2 O que a UEMS oferece em matéria de bolsa e programa esta sendo suficiente para atender
os alunos cotistas que precisam? Sim ( ) não ( ) Se não, o que sugere?__________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
III – COM RELAÇÃO AO DESEMPENHO ACADÊMICO
3.1 Tem conhecimento das dificuldades enfrentadas pelos negros cotistas durante o curso?
Sim ( ) Não ( ).
3.2 Se sua resposta anterior foi SIM, assinale abaixo as dificuldades que você como
coordenador (a) acredita que ocorre:
a) ( ) Dificuldade com conteúdos básicos do curso
b) ( ) Pouco acesso a material didático (xerox, livros etc.)
c) ( ) Relação professor/aluno (discriminação, perseguições etc.)
d) ( ) outros motivos. Cite: ___________________________________________________
3.3 Como coordenador(a) de curso cite as
ações desenvolvidas
para auxiliar no
enfrentamento das dificuldades dos alunos negros cotistas, assim como para os demais no
curso de Direito.
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4 OBSERVAÇÕES GERAIS:
4.1- Você tem alguma observação a fazer em relação ao sistema de cotas, projetos ou
iniciativa para alunos negros cotistas realizadas na UEMS?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
4.2 - Você aceitaria e estaria disponível para uma entrevista, se necessário, para
aprofundarmos essas questões? Sim ( ) Não ( )
Nome (Opcional):____________________________________________________________
Telefone para contato (Opcional) : __________________
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