UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE PARANAÍBA Aires David de Lima NEGROS COTISTAS NO CURSO DE DIREITO DA UEMS Dificuldades e conquistas – turma de 2008 Paranaíba-MS 2013 Aires David de Lima NEGROS COTISTAS NO CURSO DE DIREITO DA UEMS Dificuldades e conquistas – turma de 2008 Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação, área de concentração em Educação, Linguagem e Sociedade da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª Drª Maria José de Jesus Alves Cordeiro. Paranaíba-MS 2013 AIRES DAVID DE LIMA NEGROS COTISTAS NO CURSO DE DIREITO DA UEMS Dificuldades e conquistas – turma de 2008 Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Educação. Área de concentração: Educação, Linguagem e Sociedade. Aprovada em........../........../.......... BANCA EXAMINADORA _______________________________________________________ Profª Drª Maria José de Jesus Alves Cordeiro Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) _______________________________________________________ Profª Drª Lucélia Tavares Guimarães Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) _______________________________________________________ Profª Drª Raquel Coelho de Freitas Universidade Federal do Ceará (UFC) A Deus, que nos permitiu completar mais esta jornada. À minha esposa Janete Alves da Silva, pela presença constante. Aos companheiros de caminhada. AGRADECIMENTOS À Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, pela preocupação constante em prol da efetivação de uma genuína democracia. À minha orientadora, Profª Drª Maria José de Jesus Alves Cordeiro, cujos ensinamentos permitiram tornar mais plana a caminhada, sendo as orientações uma lição de vida. A todos os professores do programa de Mestrado em Educação da UEMS – Unidade de Paranaíba, pelo empenho em prol do aprimoramento da Educação. Ao Prof. Dr. Elson Luiz de Araujo, do programa de mestrado, sempre presente com suas observações e sugestões para o enriquecimento deste trabalho. Ao acadêmico Rafael Veríssimo Simões (Zulu), pela colaboração constante na aplicação dos questionários em Paranaíba. As verdades científicas são transitórias, certezas do momento emendadas por certezas maiores no momento próximo. Jules Henri Poincaré RESUMO A presença de Negros cotistas no curso de Direito da UEMS é uma realidade que não pode passar despercebida de gestores, professores e demais acadêmicos. Com a política de cotas, a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul deu importante passo no sentido de democratizar o ensino superior no estado. Passados nove anos da implantação destas, em cumprimento à Lei Estadual nº 2.605, de 06/01/2003 e suas regulamentações, verifica-se a necessidade de se avaliar os resultados da presença de negros cotistas no ensino superior oferecido pela UEMS, sendo que esta pesquisa limitou-se aos quatro cursos de Direito. Assim, delimitada a temática, o presente estudo teve por objetivo identificar as conquistas e dificuldades para permanência enfrentadas por estes acadêmicos com ingresso em 2008, bem como as ações efetivadas, ou que deveriam ter sido realizadas pela instituição, voltadas à permanência e à formação com qualidade, pois entendemos que não basta garantir o acesso, a universidade deve travar um diálogo permanente, visando conhecer as dificuldades acadêmicas enfrentadas por esses negros cotistas até completar sua formação. Para o desenvolvimento deste estudo, utilizou-se a pesquisa qualitativa na estratégia estudo de caso para verificar in locu com os discentes negros cotistas que, pelo projeto pedagógico, deveriam estar cursando o quinto ano, quais foram os aspectos relevantes, as conquistas e as dificuldades enfrentadas no percurso acadêmico. Para isso, foi aplicado questionário a quarenta negros cotistas e outro a seis coordenadores dos cursos de Direito que estiveram na função desde 2008 ou a exercem atualmente. Os resultados apontam para dificuldades relacionadas à permanência, bem como para a retenção em disciplinas ocasionada por fatores socioeconômicos, dificuldade de conciliar estudo e trabalho, problemas relacionados aos conteúdos básicos do curso e relação professor/aluno no ambiente acadêmico. Palavras-chave: Negro. Cotas. UEMS. Curso de Direito. Permanência. ABSTRACT The presence of Blacks shareholders in the course of law UEMS is a reality that can not go unnoticed by managers, professors and other academics. With the quota policy, the State University of Mato Grosso do Sul has done a important step towards democratizing higher education in the state. Past nine years of the implementation of these in compliance with State Law No. 2,605, of 06/01/2003 and its regulations, there is a need to evaluate the results of the presence of black unitholders in higher education offered by UEMS. This research was limited to its four law courses. Thus, bounded on the subject, this study aimed to identify the achievements and difficulties faced by these students stay with ticket in 2008, as well as the actions effected, or which should have been carried out by the institution aimed at permanence and quality training because we understand that not only ensure access, the university should engage in a dialogue aimed at knowing the academic difficulties faced by black shareholders to their training. For the development of this study, we used a qualitative research strategy case study to check in with the students locu black shareholders that the pedagogical project, should be attending the fifth year, which were relevant aspects, achievements and difficulties faced in the academic path. For this purpose, a questionnaire was applied to forty black shareholders and another six coordinators of law courses that have been in function since 2008 or currently. The results point to difficulties related to the presence and retention in subjects caused by socioeconomic factors, difficulties in reconciling work and study, problems related to the basic content of the course and teacher / student relationship in the academic environment. Keywords: Black. Quotas. UEMS. Law Course. Permanence. SIGLAS ABEDi – Associação Brasileira de Ensino de Direito CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CE - Câmara de Ensino CEE/MS - Conselho Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul CFE - Conselho Federal de Educação CEPE - Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão CEJU - Comissão do Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB CNE - Conselho Nacional de Educação CNE/CES - Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico COUNI - Conselho Universitário EJA - Educação de Jovens e Adultos IES - Instituição de Educação Superior INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC - Ministério da Educação OAB - Ordem dos Advogados do Brasil ONU - Organização das Nações Unidas PAE - Programa de Assistência Estudantil PIBEX - Programa Institucional de Bolsas de Extensão PIBIC - Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica PIBIC/AAF - Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas PDI - Plano de Desenvolvimento Institucional PIM - Programa Institucional de Monitoria da UEMS PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento PP - Projeto Pedagógico PROE - Pró-Reitoria de Ensino PROPP - Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-graduação PROEC - Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Comunitários PROAP - Pró-Reitoria de Administração e Planejamento PRODHS - Pró-Reitoria de Desenvolvimento Humano e Social SISU - Sistema de Seleção Unificada STF - Supremo Tribunal Federal TCC - Trabalho de Conclusão de Curso UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul USP - Universidade de São Paulo SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12 1 UNIVERSIDADE – ESCORÇO HISTÓRICO, DO SEU NASCIMENTO AOS PRIMEIROS CURSOS DE DIREITO DO BRASIL ............................................................... 17 1.1 A exclusão do negro da educação............................................................................... 23 1.2 Ensino jurídico no Brasil ............................................................................................ 26 1.3 Conhecendo a UEMS..................................................................................................42 1.4 Caracterização dos Cursos de Direito da UEMS ........................................................ 46 2 O ENSINO SUPERIOR E AS COTAS................................................................................. 53 2.1 Posição internacional e iniciativas no Brasil com relação a Políticas de Ações Afirmativas ....................................................................................................................... 61 2.2 Cotas para negros na UEMS....................................................................................... 66 3 PERCURSOS METODOLÓGICOS ..................................................................................... 80 3.1Trilhas da pesquisa ...................................................................................................... 80 4 ANÁLISES E INTERPRETAÇÕES DOS QUESTIONÁRIOS E DAS ATAS DE RESULTADOS FINAIS .......................................................................................................... 94 4.1 Dos negros cotistas ..................................................................................................... 94 4.2 Do desempenho acadêmico dos negros cotistas de 2008 a 2012 – análise das atas de resultados finais .............................................................................................................. 129 4.3 Comparações dos resultados dos cursos de Direito entre as Unidades de Dourados, Paranaíba e Naviraí ......................................................................................................... 136 4.3.1 Sede em Dourados Turno Matutino X Unidade de Paranaíba Turno Matutino 136 4.3.2 Unidade de Paranaíba Turno Noturno X Unidade de Naviraí Turno Noturno .. 137 4.3.3 Unidade de Paranaíba Turno Matutino X Unidade de Paranaíba Turno Noturno .................................................................................................................................... 139 5 CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 141 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 145 Apêndice A – Termo de Esclarecido e Livre Consentimento ................................................ 153 Apêndice B – Termo de Confidencialidade ........................................................................... 155 Apêndice C – Autorização Institucional para Coleta de Dados (gerentes) ............................ 156 Apêndice D – Autorização Institucional para Coleta de Dados (coordenadores) .................. 157 Apêndice E – Questionário aos negros cotistas ...................................................................... 158 Apêndice F – Questionário aos coordenadores ...................................................................... 162 12 INTRODUÇÃO O acesso desigual dos grupos sociais ao sistema de ensino é um tema que, há décadas, vem ocupando a agenda dos estudiosos no campo da educação. Muitas interpretações têm sido formuladas no sentido de buscar explicar a contribuição do sistema de ensino para as desigualdades presentes na sociedade [...]. As análises têm buscado demonstrar que o sistema de ensino é um dos espaços de reprodução das desiguais condições de existência dos indivíduos e grupos. Delcele Mascarenhas Queiroz. Quando somos desafiados a uma decisão, muitas vezes tomamos a direção que mais tarde pode nos levar ao arrependimento. No entanto, a omissão é um posicionamento muitas vezes mais pernicioso do que uma errônea opção tomada. Ao iniciar um trabalho de pesquisa, ficamos cheios de ansiedades e expectativas, primeiramente no que diz respeito aos caminhos a serem percorridos, ao material selecionado, à coleta de dados e ao compromisso com a verdade. Imaginamos diversas hipóteses que poderemos confirmar ou não ao final. Nisto reside a magia da pesquisa, em descobrir o novo, ou mesmo lançar um olhar diferente sobre o velho. Acreditamos honestamente que nossos esforços valerão a pena e que nossa pesquisa poderá subsidiar novos estudos nesta área do conhecimento. No caminhar, a cada certeza que alcançamos, apresentam-se novas dúvidas. Descobrimos, no percurso, que apenas a pesquisa bibliográfica nem sempre é suficiente para responder a todas as indagações, pois não traz, em suas palavras, os dramas particulares vividos por cada um, suas angústias, esperanças e perspectivas. Então, para melhor se compreender uma realidade muitas vezes apenas dedutível, lançamos mão de métodos que podem nos aproximar dos atores e com eles travar um diálogo mais estreito. Com estas inquietações, nos vimos a pesquisar sobre cotas1 para negros na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS; não apenas seus aspectos legais que proporcionam o ingresso na universidade, mas também aspectos que favorecem a permanência desses acadêmicos e a sua conclusão, especificamente no Curso de Direito, o 1 “busca promover o princípio da igualdade em prol das minorias raciais e étnicas”. Cf. CORDEIRO, Maria José de Jesus Alves. Negros e indígenas cotistas da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul: desempenho acadêmico do ingresso à conclusão de curso. 2008. 268f. Tese (Doutorado em Educação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008. p. 25. Disponível em: <http://www.redeacaoafirmativa.ceao.ufba.br> Acesso em: 16 nov. 2011. 13 que podemos chamar de “cota dos sonhos”, porque para muitos é o passaporte para uma vida melhor. Com relação a esse aspecto, vemos as cotas como um assunto interessante e instigador que, muito embora já tenha sido objeto de inúmeras pesquisas, renova-se a cada estudo, lançando luzes sobre o caminhar, assim como a cada ano os discentes cotistas também se renovam. A cada discussão que se instaura acerca das cotas, novas polêmicas se levantam, até mesmo no que diz respeito aos critérios de oferta e seu aperfeiçoamento, tendo em vista a pacificação da discussão quanto a sua legitimidade, após decisão judicial do Supremo Tribunal Federal – STF, em 26 de abril de 2012, que reconheceu sua constitucionalidade. Datada de 2003 a primeira oferta de cotas pela UEMS, ainda encontramos forte resistência por aqueles responsáveis em dar efetividade a ela, uma vez que, guiados pela ideologia e por meio de discursos desinformados, estes continuam acreditando no mito da “democracia racial” e na hipótese utópica de que a melhoria da qualidade do ensino fundamental e médio possa resolver a desigualdade no acesso, que acreditamos envolver também questões sociais e raciais. Basta ver os dados apresentados no censo do IBGE de 2010 sobre renda, moradia e educação, nos quais flagrantemente se podem perceber as desigualdades. A UEMS, quando chamada a dar sua parcela de contribuição para a democratização do ensino superior, demonstrou seu compromisso com a sociedade, muito embora se possa argumentar que apenas o fez em cumprimento da Lei Estadual nº 2.605, de 06/01/2003, que dispõe sobre a reserva de, no mínimo, 20% das vagas para negros. Sabemos que a tradição brasileira é o não cumprimento da lei, ou mesmo a sua não regulamentação e a universidade poderia, com sua inércia, provocar este fato, o que não ocorreu. Acreditamos que esta pesquisa poderá também servir para uma melhor compreensão da parte dos docentes, uma vez que a diversidade é a marca da sociedade brasileira e a convivência com esta, já nos bancos universitários, preparará o acadêmico para a realidade do mercado de trabalho e de sua vida social. Daí o interesse em se conhecer de que forma os cursos de Direito da UEMS percebem e tratam a formação dos negros cotistas. Com este objetivo e na perspectiva de uma abordagem qualitativa de pesquisa, na estratégia estudo de caso, aplicamos questionários aos negros cotistas que ingressaram em 2008 e que supostamente deveriam estar em 2012 no quinto ano dos quatro cursos de Direito ofertados pela instituição, bem como aos diversos coordenadores que atuaram desde essa época até os atuais. 14 Com os resultados da pesquisa bibliográfica e de campo, construímos este trabalho, que se encontra assentado sobre referenciais teóricos tais como Cordeiro 2008, Queiroz 2002, Silva 2008, Piovesan 2008, entre outros, e que está organizado em quatro capítulos, conforme explicitamos a seguir. No primeiro capítulo, relatamos o aparecimento das primeiras universidades no mundo e no Brasil, bem como a criação dos primeiros cursos jurídicos no país e a constante preocupação no oferecimento de um ensino de qualidade, tendo em vista a pouca tradição do ensino superior no Brasil, pois isto não era uma preocupação da Coroa. Discutimos, ainda, as tentativas do governo em busca do aprimoramento dos cursos de Direito, a expansão do número de instituições de ensino que os oferecem e a preocupação do órgão de classe com essa oferta exagerada. Ainda dentro da contextualização histórica, apresentamos a UEMS, sua criação, cursos oferecidos, número de vagas, e estrutura das Unidades Universitárias que oferecem o curso de Direito e suas regulamentações. No segundo capítulo, discorremos sobre o ensino superior e a oferta de vagas na graduação para negros pelo sistema de cotas, demonstrando que esta reivindicação há muito tempo já era bandeira de luta do Movimento Negro, mas não lograva os efeitos esperados nem gozava da simpatia da sociedade, tendo em vista a falsa crença, muito arraigada, até mesmo internacionalmente, de que no Brasil vigora uma autêntica “democracia racial”. Em momento posterior, apresentamos os debates e encaminhamentos para regulamentação da Lei que trata da reserva de vagas para negros na UEMS, chamando a atenção sobre as discussões para sua implantação nas reuniões da Câmara de Ensino (CE) do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) e outras reuniões dos conselhos superiores, inclusive com a participação dos movimentos sociais, resultando nas normas internas para o primeiro processo seletivo ainda em 2003. A constitucionalidade da oferta de vagas pelo sistema de cotas é reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), bem como pela promulgação de lei federal que veio a estabelecer as cotas sociais com recorte étnico-racial nas universidades públicas federais. Dados estatísticos sobre a pouca representatividade da população negra na graduação, fato não condizente com a superioridade numérica dessa população no Brasil, de acordo com o informado pelo IBGE, também fazem parte deste capítulo. Todo esse movimento histórico sobre ações afirmativas/cotas serviu de fundamento para a compreensão de que o estabelecimento e os critérios de oferta das cotas raciais, até então, não têm sido processos fáceis, pois a oposição é imensa, muito embora a maioria das 15 pessoas reconheça nas cotas sociais importante instrumento de democratização do ensino superior. No terceiro capítulo, explicitamos nosso percurso metodológico para uma melhor compreensão do que vivenciam os negros cotistas da amostra selecionada nos cursos de Direito da UEMS, alunos que trazem em seu ser elementos de uma trajetória que, até então, inferíamos ser marcada pela discriminação e/ou preconceito dos professores e colegas; poucas oportunidades de ascensão, tendo em vista o reduzido referencial acadêmico que tiveram na família; dificuldades financeiras; disciplinas em dependência; problemas para conciliar estudos com trabalho; insuficiência de bolsas de estudos na Universidade para suprir suas necessidades; pouca sensibilidade dos professores quanto às possíveis dificuldades e condições didático-pedagógicas. O propósito de se investigar estes acadêmicos que constituem nossa amostra deve-se ao fato de que já enfrentaram (ou deveriam ter enfrentado) todos os anos da caminhada acadêmica do curso de Direito, podendo dar um depoimento do que viveram durante todo esse período, sendo estas informações relevantes para se delinear o próprio perfil do curso e da Universidade na qual estão inseridos e avaliar o que tem sido feito para a promoção do diálogo, condições de permanência e aperfeiçoamento do sistema para atender a esta demanda. Como caminho metodológico, elegemos a abordagem qualitativa na estratégia estudo de caso, pois, de acordo com Chizzotti, nessa forma [...] todos os fenômenos são igualmente importantes e preciosos: a constância das manifestações e sua ocasionalidade, a freqüência e a interrupção, a fala e o silêncio. [...] Procura-se compreender a experiência que eles têm, as representações que formam e os conceito que elaboram. Esses conceitos manifestos, as experiências relatadas ocupam o centro de referência das análises e interpretações, na pesquisa qualitativa. (CHIZZOTTI, 2010, p. 84). Nesse contexto, “o caso é tomado como unidade significativa do todo e, por isso, suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma intervenção” (CHIZZOTTI, 2010, p. 102). A metodologia usada buscou analisar aspectos pessoais, familiares, profissionais e acadêmicos referentes aos negros cotistas, bem como aspectos relacionados à sua permanência no curso de Direito, considerando que pouco adianta o acesso à universidade se esta não proporcionar também condições para seu egresso, o que constituirá o conteúdo do quarto capítulo. 16 Este diálogo serviu para avaliar se a Universidade está aberta a ouvir os negros cotistas, se lhe interessa saber das suas dificuldades na caminhada acadêmica, ou se é alheia a esses elementos, dando por cumprido seu papel de respeitadora das diversidades e promotora da democratização do ensino superior apenas com o oferecimento das cotas. Além dos dados dos questionários, foram analisadas as Atas de Resultados Finais de 2008 a 2012,2 nas quais foi detectado alto índice de evasão e de reprovações. Todas estas informações já apresentadas serviram de parâmetro para as considerações finais, assim como algumas ponderações e sugestões relativas ao sistema de cotas na UEMS e ao curso de Direito. 2 “A ata de Resultado final tem como finalidade gerar as folhas do livro de resultado final dos cursos registrando os resultados acadêmicos dos alunos.” Fonte: Aix Sistemas. Disponível em: <http://www.aix.com.br/wiki/index.php?title=Ata_de_Resultado>. Acesso em: 8 abr. 2012. Sendo “de responsabilidade da Diretoria de Registro Acadêmico - DRA /UEMS disponibilizada apenas para pesquisadores com projeto sobre a temática registrado na UEMS”. Cf. CORDEIRO, Maria José de Jesus Alves; ZARPELON Shirley Flores. Indígenas cotistas da UEMS: acesso, Permanência e evasão dos primeiros Ingressantes em 2004. Educação e Fronteiras On-Line, Dourados/MS, v. 1, n. 1, p.65-79, jan/abr. 2011. Disponível em: <http://www.periodicos.ufgd.edu.br/index.php/educacao/article/viewFile/1408/pdf_65>. Acesso em: 8 abr. 2012. 17 1 UNIVERSIDADE – ESCORÇO HISTÓRICO, DO SEU NASCIMENTO AOS PRIMEIROS CURSOS DE DIREITO DO BRASIL Apesar da universidade pública brasileira ser um dos poucos redutos de exercício do pensamento crítico em nosso país, se a observarmos a partir da perspectiva da justiça racial, impressiona a indiferença, a insensibilidade e o desconhecimento da classe universitária a respeito da exclusão racial com que, desde sua origem, convive. José Jorge de Carvalho Foi no período medieval ocidental na Europa que o ensino superior começou a se delinear, isto no final do século XI e início do XII, momento de nascedouro dos primeiros esboços do que se conhece hoje como Universidade, sendo que, naquele período, este ensino era conhecido por universitas, termo latino que significa corporação, agrupamento ou ainda universidade, nas palavras de Lage (2006). Na estrutura da universitas, havia uma associação de pessoas, como um grupo de alunos junto aos seus mestres, com aulas ministradas em lugares aleatórios, sendo liberado o acesso a quem a elas quisesse assistir. Já o século XII traz como marca uma verdadeira organização e estruturação das primeiras universidades, o que ocorreu em Bolonha, Paris, Oxford, Montpellier, Cambridge e Pádua. No dizer de Morhy (2001), quando o Brasil foi descoberto já havia no mundo 62 (sessenta e duas) universidades, passando à soma de 143 (cento e quarenta e três) por volta de 1800, e a América do Norte já contava, no ano de 1776, com nove universidades, sendo Harvard (1636) e Yale (1701) as pioneiras. Após este período e até a segunda metade do século XIX, o modelo universitário de então passou por significativas reformulações que, em parte, tiveram por base as universidades alemãs, influenciadas pela corrente neo-humanista de W. Von Humboldt, Fichte e Schleiermacher, que propunham a liberdade de aprender e ensinar, a valorização do pesquisador e do estudante, bem como a busca de um ensino mais técnico e científico. Outra corrente que teve grande influência nesse aprimoramento foi a das universidades francesas, que tinham como mote uma formação profissional, sem muito interesse pelo cientificismo e erudição (MORHY, 2001). Entre 1860 e 1940, inicia-se um novo período, em que a docência é reconhecida como profissão, assim como a função de pesquisador, ocorrendo também, um incremento no número de cursos e de outras atividades afins, dentre elas, a extensão. Nessa época, a 18 universidade começa a se delinear nos moldes como a conhecemos hoje; no entanto, um longo caminho ainda resta pela frente. Assim, os primeiros esboços de Universidades surgiram no final do século XI e início do século XII na Europa. A partir do século XII, começaram a se estruturar e organizar, sendo que apenas na segunda metade do século XIX foram esboçados os modelos das atuais universidades nos padrões como as conhecemos atualmente. Com relação a esses períodos, não foi possível aferir dados sobre raça e cor dos primeiros estudantes, bem como dos habitantes do país, assim como se o negro esteve presente nos primeiro cursos. A falta de interesse de se organizar um banco de dados sobre esse assunto deve-se ao Estado, bem como ao fato de as pesquisas sobre raça ainda se encontrarem em fase embrionária, uma vez que estudos mais aprofundados sobre este tema remontam ao ano de 1775, elaborados pelo alemão Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), fundador da Antropologia, que [...] determinou a região geográfica originária de cada raça e a cor da pele como elementos demarcatórios entre elas (branca ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongólica; parda ou malaia e vermelha ou americana). No século XIX, foram agregados outros quesitos fenotípicos, como o tamanho da cabeça e a fisionomia. Desde Blumenbach, no entanto, a cor da pele aparece como um dado recorrente. Inferindo-se, daí, que, dos dados do fenótipo, isto é, das características físicas, a “cor da pele” é o que tem sido mais usado e considerado importante, pois aparece em quase todas as classificações raciais. (OLIVEIRA, 2004, n.p., grifos do autor). Sendo assim, ficam prejudicados os dados acerca da presença negra nessas primeiras ofertas de ensino superior, não havendo elementos para provar se o negro esteve presente nessas Instituições ao longo da história. Ao analisar as primeiras ofertas de ensino superior no Brasil, observamos vários registros de iniciativas tendentes à criação de universidades, sendo que uma “chegou a ser instalada em 1592 pelos jesuítas na Bahia, mas esta instituição não foi reconhecida ou autorizada, nem pelo Papa e nem pelo Rei de Portugal” (MORHY, 2004, p. 26). Outras tentativas se sucederam, porém todas sem sucesso. Esta infundada postergação levou o país a ficar atrasado com relação à oferta desses cursos. Essa falta de interesse da Coroa retardou a educação superior no Brasil. Outros países da América do Sul anteciparam-se nesse aspecto, a exemplo do Peru, que criou a Universidade de São Marcos em 1551. 19 A criação da primeira instituição de ensino superior no Brasil ocorreu no começo do século XIX, por ocasião da transferência do trono português para o Brasil, em 18 de fevereiro de 1808, data em que D. João VI assinou documento criando a Escola de Cirurgia da Bahia (PREITE SOBRINHO, 2008), embora o reconhecimento dessa primazia não seja unânime entre os autores, muitos dos quais atribuem a outras instituições de ensino superior este mérito, uma vez que entendem que essa não preenchia os requisitos para ser considerada Universidade. Durante a Primeira República, também chamada de República Nova, entre os anos de 1889 a 1930, [...] a quantidade de cursos limitou-se a poucas escolas, voltadas para campos específicos do saber (Medicina e correlatos, Engenharia e correlatos, Direito e Agronomia). Estas escolas concentravam-se em 7 cidades: Rio de Janeiro, São Paulo, Ouro Preto, Salvador, Recife/Olinda, Cruz das Almas (BA) e Pelotas (RS). Aos poucos foram se estendendo a outras cidades. (SANCHEZ, 1996, p. 30-31). Também neste início do século XX foram criadas as universidades de Manaus em 1909, a de São Paulo e Curitiba em 1911, todas substituídas, posteriormente, pelos institutos isolados (SANCHEZ, 1996), ocorrendo mais tarde o fenômeno inverso, ou seja, esses institutos ou escolas foram reunidos, para novamente formarem as universidades no Brasil. É o que relata Morhy (2004, p. 26), quando diz que “em 1920, foi então criada a Universidade do Rio de Janeiro, que resultou da fusão da Escola Politécnica com a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Direito, então existentes”. Já em 1927, houve a união das faculdades de Direito, Engenharia, Medicina, Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte, para formar uma só universidade, qual seja: a Universidade de Minas Gerais, da mesma forma que ocorreu com a Escola de Engenharia de Porto Alegre, que teve sua fundação em 1896. O ensino superior no Brasil desenvolveu-se de forma cambaleante entre uma matriz ideológica liberal e o ideário positivista, realidade que perdurou até 1920, perpassando desde o interesse de um ensino que pudesse atender às carências da indústria, isto é, para formar trabalhadores visando suprir as vagas do mercado de trabalho, que precisava de mão de obra especializada para o seu desenvolvimento frente a um Brasil que estava se industrializando, e uma segunda vertente, que vislumbrava uma educação emancipadora, que pudesse ser o sustentáculo do progresso da nação, ideologia que ganhou força após os anos trinta do século passado e ainda perdura atualmente, sendo ainda incipiente a pesquisa nesse período. 20 Nesse contexto, outras instituições de ensino superior foram fundadas no Brasil: a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, e a Universidade do Distrito Federal, em 1935, na época, situada no Rio de Janeiro, perfazendo, neste momento histórico, o total de cinco universidades. Com a nova Constituição (a segunda da República), no ano de 1934, pioneiramente a educação foi positivada como um direito de todos e dever do Estado. Onze anos após sua promulgação, ampliou-se significativamente o número de instituições que ofereciam a graduação e, “em 1945, o ensino superior brasileiro compreendia 5 universidades e 293 estabelecimentos isolados” como noticia Sanchez (1996, p. 36). O interesse mercadológico, fundado nas exigências da indústria, ainda era a ideologia da universidade, modelo que vinha sofrendo severas críticas por seu efeito imediatista, sendo que, apenas em 1968, com a denominada Reforma Universitária, se pôde presenciar [...] consideráveis investimentos e avanços no setor público de educação superior. As universidades brasileiras deram grande salto qualitativo e quantitativo. A pósgraduação e a pesquisa científica foram expandidas e modernizadas. (MORHY, 2004, p. 31). Outras mudanças trazidas pela Lei de Reforma Universitária (Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968) e o Decreto-Lei nº 464, de 11 de fevereiro de 1969, foram: [...] vestibular classificatório, a criação dos Institutos Básicos e dos Departamentos, a criação de cursos de curta duração, a chamada indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, regimes de tempo integral e de dedicação exclusiva de professores, institucionalização da pesquisa e outra inovações. (MORHY, 2004, p. 31). Apesar dessas inovações no ensino superior, ainda restam elementos com caráter profissionalizante, imediatista, presentes desde as primeiras universidades surgidas no Brasil, como conta Neves.3 [...] ficam aí definidas as funções econômicas e ético-políticas da educação superior: preparar mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho e lideranças sociais sintonizadas com as mudanças qualitativas ocorridas no mundo capitalista na atualidade. O plano preocupa-se, simultaneamente, em adequar o homem brasileiro desde o início de século à forma capitalista de trabalho e de vida. (NEVES 2002 apud SEIFERT, 2010, p. 18). 3 NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.) O Empresariamento da Educação: novos contornos do ensino superior no Brasil dos anos 1990. São Paulo: Xamã, 2022. 21 É importante mencionar que o vocábulo “universidade” sempre foi empregado no Brasil como um termo genérico, que engloba toda a educação superior. No entanto, é necessário esclarecer o termo a partir do que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/96, compreende por educação superior, bem como onde esta pode ser ministrada. Art. 44º. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas: I - cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino; II - de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo; III - de pós -graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino; IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino. Art. 45º. A educação superior será ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização. O Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior, por meio do parecer CNE/CES nº 108/2003, teve a oportunidade de manifestar sua opinião acerca do que entende por educação superior, quando questionado sobre a duração de cursos presenciais de bacharelado, levando-se em conta o que dispõe a LDB: [...] a educação superior abrange uma variedade de cursos e programas, desde sequenciais e cursos de extensão, passando pela graduação tradicional e a pósgraduação lato e stricto sensu (art. 44). Ademais, deve ser “ministrada em instituições de ensino superior, públicas ou privadas, com variados graus de abrangência ou especialização” (art. 45). (BRASIL, 2003, p. 1). O artigo 12, do Decreto nº 5.773, de 9 de maio de 2006, ao regulamentar o artigo 45 da LDB, elencou as instituições que podem ser consideradas de educação superior no Brasil, como segue: Art. 12. As instituições de educação superior, de acordo com sua organização e respectivas prerrogativas acadêmicas, serão credenciadas como: I - faculdades; II - centros universitários; e III - universidades. 22 Para Cavalcante (2000, p. 20), as distinções entre essas categorias são de fácil percepção, uma vez que Universidades – São instituições pluridisciplinares de formação de quadros profissionais de nível superior e caracterizam-se pela indissociabilidade das atividades de ensino, pesquisa e extensão [...]. Centros Universitários – São instituições pluricurriculares, abrangendo uma ou mais áreas de conhecimento, que devem oferecer ensino de excelência, oportunidade de qualificação do corpo docente e condições de trabalho acadêmico. Centros Universitários Especializados - Deverão atuar numa área de conhecimento específica ou de formação profissional. Assim, pela atual legislação, as universidades dispõem de autonomia, com obrigatoriedade de manter em seu quadro docente, no mínimo, um terço de professores com titulação de mestres ou doutores, sendo, ainda, necessário que um terço dos professores tenha dedicação exclusiva à instituição, bem como oferecer ao menos cursos em cinco áreas do conhecimento, promovendo a pesquisa e extensão em seu programa de trabalho de uma forma indissociável, devendo regularmente oferecer, também, pelo menos 4 (quatro) cursos de mestrado e 2 (dois) de doutorado, reconhecidos pelo Ministério da Educação.4 Os Centros Universitários, conforme dispõe a lei, têm alguma autonomia para a criação, aumento ou diminuição do número de cursos ou mesmo de vagas, não havendo a necessidade do desenvolvimento da pesquisa nem da pós-graduação Stricto Sensu. Com a oferta e acessibilidade cada vez maior ao ensino fundamental e médio, também com um mercado de trabalho cada vez mais exigente quanto à formação, as instituições de ensino superior no Brasil multiplicaram-se, conforme demonstra a pesquisa realizada pelo INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Pelos dados do Censo da Educação Superior 2010 promovido pelo referido instituto, o número de instituições que oferecem graduação saltou de 1.391 (um mil trezentos e noventa e um) em 2001 para 2.377 (dois mil trezentos e setenta e sete) em 2010, distribuídas entre públicas e privadas; logo, o número de graduandos também aumentou consideravelmente, uma vez que, em 2001, ingressaram 1.043.131 (um milhão quarenta e três mil cento e trinta e um), saltando, em 2010, para 2.182.229 (dois milhões cento e oitenta e dois mil duzentos e vinte e nove) alunos na graduação, correspondendo a um aumento de 109,2% em relação a 2001. 4 A Resolução n. 3, do Conselho Nacional de Educação, de 14 de outubro de 2010, regulamenta o artigo 52 da LDB e dispõe sobre normas e procedimentos para credenciamento e recredenciamento de universidades do Sistema Federal de Ensino. 23 Pelo exposto anteriormente, pode-se notar que o ensino superior no Brasil sofreu mudanças significativas, a começar pela concepção de universidade, bem como a ampliação e diversificação de seus cursos e instituições, exigindo cada vez mais a capacitação de seu corpo docente, além da promoção e desenvolvimento concomitante do ensino, pesquisa e extensão dentre outras exigências. Atualmente, a proposta de Universidade vem amparada na Constituição Federal de 1988, que traça suas linhas mestras, estabelecendo como princípio a “indissociabilidade entre ensino pesquisa e extensão” (BRASIL, 2011, art. 207), sendo as demais diretrizes regulamentadas por leis, decretos, portarias e pareceres. Nesse contexto, pode surgir a seguinte indagação: historicamente, o negro sempre esteve presente nesta ascensão de oferta de vagas na graduação ou, assim como foi escravizado no Brasil foi também excluído dos bancos universitários ao longo da história da educação? 1.1 A exclusão do negro da educação Estudos demonstram que a exclusão do negro de instituições escolares desenvolveu-se no decorrer da história da educação brasileira. O marco inicial para essa exclusão foi a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, que ocorreu no final do século XIX, ganhando proporções maiores de desigualdades educacionais e sociais no século XX, sendo que, no século XXI, o cenário perpetuou-se. Investigações realizadas no Brasil tentando responder à pergunta sobre a exclusão do negro do processo educacional são apresentadas a seguir. Passos (2012, n.p.) comenta pesquisa realizada por Dávila5 (2006 apud PASSOS, 2012) que trata da política social e racial implementada no Brasil entre 1917 e 1945, concluindo que fica evidente que a escola teve sua criação sob a influência de pensamento racista, ideologia que guiava as políticas públicas da época, sendo que “intelectuais, médicos e cientistas sociais acreditavam que a criação de uma escola universal poderia embranquecer a nação, liberando o Brasil do que eles imaginavam ser a degeneração de sua população” (PASSOS, 2012, n.p.), pois visavam “transformar uma população geralmente não-branca e pobre em pessoas embranquecidas em sua cultura, 5 DÁVILA, J. Diploma de brancura: política social e racial no Brasil (1917 -1945). Trad. Claudia Sant'Ana Martins. São Paulo: Editora UNESP, 2006. 24 higiene, comportamento e até, eventualmente, na cor da pele” (DÁVILA apud PASSOS, 2012, n.p.). Dessa forma, utilizando-se de um discurso pseudocientífico, dentre outros elementos de uma retórica racista, os intelectuais e gestores públicos influenciaram decisivamente as políticas educacionais, excluindo os negros do processo educativo. Isto resultou no fato de que, de acordo com Passos, As teorias racistas amplamente difundidas foram naturalizando as desigualdades raciais em novo ambiente político e jurídico. Consolidou-se uma forte política de branqueamento como projeto nacional, de modo a conciliar a crença na superioridade branca com o progressivo desaparecimento do negro, cuja presença estava relacionada ao atraso. O modelo de desenvolvimento pretendido estava diretamente associado ao projeto de uma nação branca. As elites, ao interpretarem o Brasil, projetavam a necessidade da regeneração das populações brasileiras. (PASSOS, 2012, n.p., grifo da autora). Os negros eram tidos como “doentes, indolentes e improdutivos” (CARVALHO6 1989 apud PASSOS, 2012, n.p.). Assim, a educação tinha o papel de libertar a nação brasileira, com o fim de torná-la saudável, produtiva e civilizada. As observações anteriormente realizadas servem de introdução para tratar da ausência do negro na graduação, podendo contribuir com a ampliação do olhar acerca das desigualdades raciais havidas na educação brasileira, que se iniciam já no ensino fundamental para culminar com a exclusão nos bancos universitários, uma vez que, sem passar pelas séries iniciais, os estudantes jamais poderão cursar as subsequentes. Fica claro que a escravidão do negro no Brasil não pode ser vista como única explicação para as atuais desigualdades entre brancos e negros; outros elementos colaboraram para a ocorrência desses fatos. O racismo presente nas relações educacionais e sociais estigmatiza a criança em seus primeiros anos, trazendo prejuízos que podem resultar em processo de autoexclusão dos estudos, o que trará consequências irreparáveis. Dentre os traumas que podem se desenvolver na criança, estão a [...] auto-rejeição, rejeição ao seu outro igual, rejeição por parte do grupo; desenvolvimento de baixa estima com ausência de reconhecimento de capacidade pessoal, timidez, pouca ou nenhuma participação em sala de aula; ausência de reconhecimento positivo de seu pertencimento racial; dificuldade de aprendizagem; 6 CARVALHO, M. M. C. de. A escola e a república. São Paulo: Editora Brasiliense, 1989. 25 recusa em ir para a escola e exclusão escolar. (CAVALLEIRO7 2002 apud PASSOS 2012, n.p.). Os efeitos perversos do racismo podem causar traumas irreparáveis no intelecto das crianças, refletir-se em sua autoestima e criar complexo de inferioridade, com o sentimento de incapacidade de ascender social e economicamente. O pior é que alguns naturalizam essa exclusão,8 sem perceber que essa ocorrência já na educação básica termina, logicamente, tendo consequências no acesso ao ensino superior, no qual, além das questões econômicas, as questões étnico-raciais têm peso significativo. Ademais, “qualquer proposta de mudança em benefício dos excluídos jamais receberia um apoio unânime, sobretudo quando se trata de uma sociedade racista” (MUNANGA, 2003, n.p.). A exclusão socioeconômica e educacional do negro é visivelmente percebida, tendo em vista a ausência dessa população nos setores de maior representatividade da sociedade, somada ao fato de que [...] estudos acadêmicos qualitativos e quantitativos [...] realizados pelas instituições de pesquisas respeitadíssimas como o IBGE e o IPEA não deixam dúvidas sobre a gravidade gritante da exclusão do negro, isto é, pretos e mestiços na sociedade brasileira. Fazendo um cruzamento sistemático entre a pertencia racial e os indicadores econômicos de renda, emprego, escolaridade, classe social, idade, situação familiar e região ao longo de mais de 70 anos desde 1929, Ricardo Henriques (2001) chega à conclusão de que “no Brasil, a condição racial constitui um fator de privilégio para brancos e de exclusão e desvantagem para os nãobrancos. Algumas cifras assustam quem tem preocupação social aguçada e compromisso com a busca de igualdade e qualidade nas sociedades humanas: do total dos universitários, 97% são brancos, sobre 2% de negros e 1% de descendentes de orientais. Sobre 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, 70% deles são negros. Sobre 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63% deles são negros” (Henriques, 2001). (MUNANGA, 2003, n.p.). A conclusão a que chega Munanga não é nada alentadora para a população negra, pois o ensino básico e fundamental oferecido pela rede pública é pouco satisfatório, o que impede os pobres e, entre eles, os negros, de equilibrar a situação, pois “levariam cerca de 32 anos para atingir o atual nível dos alunos brancos. Isso supondo que os brancos fiquem parados em 7 CAVALLEIRO. E. Identificando o racismo, o preconceito e a discriminação racial na escola. In: LIMA, I.C.; ROMÃO, J. Os negros e a escola brasileira. 2. ed. Florianópolis: Alilènde: Núcleo de Estudos Negros, 2002. 8 “A palavra exclusão remete o pensamento instantaneamente para a ideia de desigualdade. Não há como pensar em grupos privados de direitos considerados básicos sem que se tenha em mente um comparativo, com um outro cujo acesso a esses direitos seja pleno” (POCHMAM, 2006, p. 97). 26 suas posições atuais esperando a chegada dos negros, para juntos caminharem no mesmo pé de igualdade” (MUNANGA, 2003, n.p.), o que seria impossível de ocorrer. É nesse panorama que a graduação se apresenta ao negro no Brasil, o que reclama uma urgente intervenção estatal na tentativa de equilibrar a situação. O que será tratado quando falarmos das iniciativas que o governo brasileiro tomou para reverter esse quadro, dentre elas, as ações afirmativas. 1.2 Ensino jurídico no Brasil Os cursos jurídicos no Brasil também sofreram descaso da Coroa para sua criação. A implantação dos primeiros se deu por meio do Decreto Imperial de 11.08.1827, sendo criados em São Paulo e Olinda9 com a denominação original de Academias de Direito. O curso de São Paulo foi instalado no Largo de São Francisco em março de 1828 e o de Olinda em maio do mesmo ano, no Mosteiro de São Bento, ocorrendo, posteriormente, sua transferência para Recife. A criação dos cursos de Direito, que na época valorizavam apenas o conhecimento como cultura, visava à formação daqueles que comporiam os quadros político e administrativo, pois o país se encontrava carente de pessoal especializado para ocupar essas vagas. Também tinham o propósito de formar bacharéis para atuar na advocacia. O novo país em formação precisava capacitar uma classe que iria dirigi-lo, pois esta era uma exigência premente da independência, que necessitava “substituir o aparelho administrativo metropolitano que partia” (TREVISAN, 1987 p. 37). Assim, a formação desse novo quadro que iria dirigir o país seria incumbência da educação, uma vez que a administração pública se encontrava desprovida de pessoal especializado para isso em fins do século XIX. Nessa conjuntura, O Estado brasileiro se preparava, então, para atender as transformações que a consolidação do capitalismo internacional exigia dos Estados de economia dependente. A organização socioeconômica relativamente à realidade da existência 9 “Os locais para funcionamento dos cursos jurídicos, tanto em São Paulo quanto em Olinda e posteriormente em Recife foram requisitados pelo Governo Imperial à Igreja Católica, pois o governo não dispunha de recursos para a construção de instalações apropriadas e nem dispunha de outras que pudessem servir a estes propósitos. Conforme Rower (1957), a biblioteca do Convento e Igreja de São Francisco foi ‘vendida’ para a Faculdade de Direito porque não se possuía nenhum acervo bibliográfico para o início do curso” (ROWER 1957 apud DURAN, 2004, p. 74). 27 de uma população negra que fatalmente iria se misturar nos espaços e no direito da sociedade branca - elite ou não - impõe aos poderes do Estado estabelecer, no seu braço regulador e ordenador social, qual seja, do direito, as diretrizes para a manutenção e desenvolvimento da nova nação que surgia a fim de adequá-la aos parâmetros já definidos racialmente, qual seja, uma nação branca. (BERTÚLIO10 2002 apud PASSOS, 2012, n.p.). Podemos notar, nesse momento histórico, uma grande preocupação em formar uma sociedade de “brancos”, nascendo o novo Estado com as mesmas mazelas excludentes do anterior. A oferta dos cursos de Direito foi importante, pois a organização política e administrativa brasileira ainda era dominada pela Igreja Católica, que mantinha em suas mãos o controle de toda a infraestrutura, fator que impedia a independência do país. De acordo com Romano11 As autoridades eclesiásticas detinham o domínio da educação, da saúde pública, das obras assistenciais, do registro da população (nascimento, batismo, casamento e óbito), entre outros. Mas elas foram sendo gradativamente afastadas destes últimos “privilégios”, à medida que o Estado se provia dos recursos técnicos e humanos para assegurar tais “serviços” públicos. (ROMANO 1979 apud DURAN, 2004, p. 31). Com os cursos de Direito em São Paulo e Olinda, pretendia-se uma capacitação para que fosse possível a formação do quadro político do Estado; no entanto, o ensino superior era privilégio de poucos, com a elite se perpetuando no poder, pois apenas uma pequena parcela da população brasileira detinha condições financeiras de custear os estudos superiores de seus filhos. Nos primeiros anos em que os cursos foram oferecidos, ainda não se mencionava a “autonomia” da universidade, uma vez que estes se caracterizavam pelo total controle do governo imperial e a influência da Igreja Católica ainda era muito forte, embora estivesse perdendo sua força diante da organização estatal. A composição dos cursos restringia-se a nove cadeiras, com duração de cinco anos, e a vinculação orgânica com o Império e suas bases político-idológicas que se dava pelas cadeiras de Direito Natural e Direito Público Eclesiástico. Essa estrutura curricular originária prevaleceu até 1854, quando foram introduzidas as cadeiras de Direito Romano e Direito Administrativo (RODRIGUES, 1995). 10 BERTÚLIO, D. L. L. Racismo, violência e direitos humanos: considerações sobre a discriminação de raça e gênero na sociedade brasileira, 2001. Disponível em: <http://www.lppuerj.net/olped/documentos/2296.pdf>. Acesso em: 6 ago. 2008. 11 ROMANO, R. Brasil: igreja contra estado. São Paulo: Kairós Liv.e Ed., 1979. 28 Nessas primeiras ofertas dos cursos jurídicos, o jusnaturalismo12 era a doutrina predominante, sendo a metodologia de ministração dos conteúdos a aula-conferência, no estilo da Universidade de Coimbra. Nesse contexto, devido “à incúria e ao desleixo de alguns professores de São Paulo, que eram indiferentes às faltas dos acadêmicos às aulas e às imerecidas aprovações dos mesmos em exames, considerados perniciosos [...] fato este que ocorria também em Olinda” (DURAN, 2004, p. 36), os egressos saíam com pouco conhecimento do Direito. Logo nos primeiros anos de funcionamento dos cursos jurídicos, entre 1931 e 1937, no relatório anual elaborado pelo diretor da Academia de São Paulo, consta a informação sobre o desleixo, tanto de alunos quanto de professores, com relação à presença em sala de aula, demonstrando o pouco zelo destes. Situação que também ocorria em Olinda, sendo apontada a formação de egressos pouco capacitados e descompromissados (BEVILÁQUA, 1927). Pelos fatos anteriormente apresentados, podemos constatar uma formação precária dos acadêmicos nos primeiros anos de implantação do ensino jurídico no país. Algumas razões podem explicar essa situação, tais como o fato de a criação de instituições de ensino superior ter ocorrido pouco tempo depois da independência do Brasil e o país não possuir qualquer tradição cultural, levando-se em conta que a Coroa Portuguesa não permitira que se desenvolvessem escolas de nível superior em sua Colônia americana, ao contrário das iniciativas espanholas; sendo assim, o que se via no ensino jurídico dessa época eram [...] instalações péssimas, má qualidade dos catedráticos, professores displicentes, alunos sem base propedêutica, sem interesse e sem aplicação, pais que pediam para seus filhos não ensino, mas diplomas, excesso de indulgência nas aprovações, fraude 13 nos exames, a ignorância no fim do curso (ALMEIDA JÚNIOR 1956 apud UEMS, 2005, p. 4). 12 “Jusnaturalismo é a construção científica, é a teoria formulada por um grupo de cientistas pertencentes a uma mesma escola. O Jusnaturalismo também é denominado de Direito Natural, que é uma ideia abstrata do direito, da existência de um ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior de que existe um direito anterior, superior e eterno ao direito posto, materializado, positivado, que tem ascensão sobre este último, chamado de ideologia pelos positivistas. São normas que servem de fundamento ao Direito Positivo tais como: deve-se fazer o bem, dar a cada um o que lhe é devido, a vida social deve ser conservada, os contratos devem ser observadas e outras. São leis que apesar de não escritas, são indeléveis, jamais se apagarão e cada um de nós as traz gravadas no próprio coração, descansando sobre elas a vida das comunidades, ordenando o respeito a Deus, à liberdade e aos bens, a defesa da pátria, constituindo as bases permanentes e sólidas de toda legislação, representando a duplicata ideal do Direito Positivo, o paradigma que deve inspirar o legislador ao editar as suas normas. São normas tendentes a se converterem em Direito Positivo ou a modificar o Direito preexistente e da qual realiza má obra ou injusta o legislador que dela se afasta. O Jusnaturalismo foi defendido por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino e também pelos doutores da Igreja e pensadores dos séculos XVII e XVIII. As Escolas Históricas e Positivistas refutam o Jusnaturalismo atendo-se à realidade concreta do Direito Positivo. No século XX o Jusnaturalismo renasceu e predominou em razão do movimento neotomista e da ideia neokantiana” (MONTEIRO, 1989, p. 7-8). 13 ALMEIDA JR., A. Problemas do ensino superior. São Paulo: Ed. Nacional, 1956. 29 No ano de 1854, as Academias de Direito tiveram uma mudança de nomenclatura, vindo a se chamar Faculdades de Direito; no entanto, a qualidade do ensino ainda continuou precária, encontrando-se os mesmos problemas acima mencionados. Em 1869, o Conselheiro Leôncio de Carvalho propõe uma ampla reforma no ensino jurídico, pretendendo tornar o ensino livre, no qual “o aluno não era obrigado a frequentar as aulas, mas apenas a prestar os exames e obter a aprovação” (UEMS, 2005, p. 4). Tal reforma não prosperou, e a qualidade do ensino jurídico no Brasil continuou a apresentar os mesmos problemas relacionados à falta de interesse e desleixo dos professores, somados à precária condição física dos locais onde os cursos eram ministrados. No entanto, acreditamos que essa tentativa de Reforma promovida pelo Conselheiro Leôncio foi a precursora da mercantilização da educação que conhecemos atualmente. Sem a pretensão de esgotar o tema, interessa mencionar que esse fenômeno, cujos germes foram lançados em 1869, atualmente assume proporções gigantescas, apoiando-se na doutrina político-ideológica neoliberal que tem como estratégia as reformas de Estado, sendo a mercantilização da educação superior uma [...] necessidade de expansão do capital para outros setores da economia ainda não organizados sob a lógica do modo capitalista de produção. Fenômeno este impulsionado pelas políticas neoliberais que tem como princípio o livre mercado e como consequência, a privatização. A privatização, implementada pelas políticas neoliberais hegemônicas, sobretudo na América Latina, vêm atingindo as “instituições” universitárias públicas de tal modo que significa o desmantelamento do Ensino Superior público e sua consequente mercantilização. Nesse sentido, a política de restrição ao crescimento das universidades públicas e sua reestruturação voltada para a produtividade e competitividade, tem favorecido a propagação das universidades privadas por intermédio da idéia do livre mercado. (SCREMIN; MARTINS, 2005, n.p.). Enfatizando, as sementes da mercantilização foram lançadas pela mal sucedida reforma de iniciativa do Conselheiro Leôncio no ano de 1869 e potencializada nos últimos anos pela política neoliberal, sendo que o curso de Direito foi um dos principais alvos de exploração pela iniciativa privada, tendo em vista as vantagens financeiras obtidas ao oferecer este curso, muitas vezes sem a preocupação com um ensino de qualidade. Retomando o percurso histórico, consta que a República trouxe um incremento do número de cursos jurídicos: em 1900 o país já contava com seis escolas de Direito, agora não mais se concentrando apenas em São Paulo e Recife, mas em diversos outros estados do Brasil. 30 O aumento dos cursos de Direito foi gradual e, em 1930, já havia doze deles espalhados pelo Brasil, fundados em uma matriz ideológica liberal, com um paradigma científico positivista, aliado a uma metodologia que apenas transmitia conhecimento, o que não mais se sustentava devido às modificações geopolíticas havidas após a Primeira Guerra Mundial e a influência direta dos Estados Unidos na América Latina. Este período, como nos conta Martínez [...] encerra um momento de afirmação do Liberalismo na sociedade brasileira, cristalizado nos cursos de Direito por meio da baixa estruturação metodológica e do direcionamento privatista das grades curriculares. Isso contribuiu para a formação de um ciclo de reprodução da ideologia liberal na formação jurídica dos operadores brasileiros do Direito, contribuindo oportunamente para o surgimento do termo “fábricas de bacharéis”. (MARTÍNEZ, 2006, p. 1, grifo do autor). Atento à proliferação da graduação, Francisco Campos, Ministro da Educação, empreendeu, em 1931, ampla reforma, por meio do Decreto nº 19.851, visando dar organicidade ao ensino no Brasil, instituindo o Estatuto das Universidades Brasileiras, que estabelecia: O ensino universitário tem como finalidade: elevar o nível da cultura geral; estimular a investigação científica em quaisquer domínios dos conhecimentos humanos; habilitar ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e científico superior; concorrer, enfim, pela educação do indivíduo e da coletividade, pela harmonia de objetivos entre professores e estudantes e pelo aproveitamento de todas as atividades universitárias para a grandeza da Nação e para o aperfeiçoamento da Humanidade. (MORHY, 2004, p. 27). Com essas diretrizes, pretendeu o governo federal avançar no caminho do aprimoramento da política educacional brasileira, até então cambaleante devido às suas instabilidades e fragilidades. Essas medidas visavam [...] equipar, tecnicamente, as elites profissionais do país e de proporcionar ambiente propício às vocações especulativas e desinteressadas, cujo destino imprescindível à formação da cultura nacional é o da pesquisa, da investigação e da ciência pura. 14 (VENÂNCIO FILHO 1982 apud DURAN, 2004, p. 133). 14 VENÂNCIO FILHO, A. Das arcadas ao bacharelismo: história. 2. ed. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1982. 31 No que diz respeito ao ensino jurídico, procurou-se dar caráter profissional aos cursos de Direito, dividindo-os em Bacharelado e Doutorado, sendo que apenas os de bacharelado permanecem no mesmo nível até hoje. O ano de 1961 foi um marco no país para o Ensino Jurídico, sendo implantado, pela primeira vez, um currículo mínimo, com o propósito de que os Cursos de Direito contemplassem um mínimo requerido para a formação jurídica geral dos estudantes. Prescrevia o artigo 70 da já revogada Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que fixava as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, um currículo mínimo e a duração dos cursos que deveriam ser respeitados para a obtenção do diploma e o exercício da profissão, sendo esta fixação de competência do Conselho Federal de Educação (BRASIL, Lei 4.024/61, art. 70). A implantação desse Currículo deu-se em 1963, estabelecendo a duração do curso em cinco anos e a obrigatoriedade de quatorze disciplinas, quais sejam: 1. Introdução à Ciência do Direito 2. Direito Civil 3. Direito Comercial 4. Direito Judiciário (com prática forense) 5. Direito Internacional Privado 6. Direito Constitucional (incluindo noções de Teoria do Estado) 7. Direito Internacional Público 8. Direito Administrativo 9. Direito do Trabalho 10. Direito Penal 11. Medicina Legal 12. Direito Judiciário Penal (com prática forense) 13. Direito Financeiro e Finanças 14. Economia Política. (BRASIL, 2004. Parecer CNE/CES n.º: 211/2004). Por esse modelo, podemos notar que, nessa primeira criação do currículo mínimo, o perfil privilegiado foi o tecnicista, atribuindo-se ao estudo de leis e códigos valor maior do que os ligados a aspectos humanísticos, sociais e políticos; algumas disciplinas, como Filosofia e História do Direito, passaram a ser facultativas, o que, na época, significava o mesmo que dispensadas. No entanto, a iniciativa de se exigir um currículo mínimo não teve o efeito esperado, pois as instituições de ensino superior admitiram nos currículos as disciplinas previstas no currículo mínimo como suficientes, não se acrescentado outras como necessárias à formação acadêmica. Nesse contexto, o número de cursos jurídicos crescia consideravelmente, pois, em 1964, o Brasil já contava com 61 (sessenta e uma) Faculdades de Direito (UEMS, 2005, p. 5). No ano de 1972, o ensino jurídico vivia uma grande crise; nessa conjuntura, 32 [...] a manutenção da idéia de reforma, pela simples modificação da grade curricular, novamente voltou a ser indicada como a solução para a crise em 1972, quando os cursos de Direito receberam nova modificação curricular por determinação da Resolução n. 3, do Conselho Federal de Educação. Um dos fundamentos da reformulação curricular de 1972 consistia em que o obstáculo à implantação de “soluções inovadoras" na metodologia do ensino jurídico decorria da "dilatada extensão" do currículo mínimo dos cursos de Direito. (MARTÍNEZ, 2006, p. 1, grifos do autor). A referida reforma novamente introduziu um currículo mínimo para os Cursos de Direito; no entanto, não resolveu o cerne da crise, e os cursos jurídicos continuaram apresentando os mesmos problemas que a reforma de 1961 tentou resolver. Assim, diante desta também mal sucedida reforma, o que se continuou a ver eram as faculdades de Direito seguindo seus programas tradicionais como suficientes para serem ensinados durante a graduação. Rodrigues, ao comentar a reforma, esclarece o que ocorreu por parte das instituições de ensino. Para o autor, A maioria delas adotou o currículo mínimo como sendo o currículo pleno, deixando de acrescentar-lhe outras matérias que permitissem, em cada caso concreto, a adequação dos cursos às necessidades regionais. Em nível curricular, o que deveriam ter entendido os responsáveis pelos cursos de Direito é que todo currículo mínimo enumera o mínimo necessário como ponto de partida, mas nunca o todo, motivo pelo qual o currículo pleno deve possuir uma parte complementar e opcional em relação a ele, que viabilize a formação de profissionais especializados e melhor preparados para enfrentar o mercado de trabalho. É preciso entender que currículo mínimo e pleno não se confundem. (RODRIGUES, 1995, p. 47). Após essa análise, o autor conclui, em relação à reforma de 1972, que esta “não resolveu os problemas do ensino jurídico” (RODRIGUES, 1995, p. 50), pelo fato de não ter atingido os pontos necessários das mudanças estruturais, ou mesmo em razão de aqueles que deveriam zelar pela sua implementação não lhe terem dado a devida atenção. Mesmo com essas novas diretrizes, os cursos jurídicos no Brasil continuaram em ampla expansão, tendo em vista o baixo investimento necessário para abrir um curso, pois este não necessita de equipamentos e laboratórios custosos, levando-se em conta outras graduações como a medicina, cujos investimentos são muito maiores; ademais, pela possibilidade de altos rendimentos, impulsiona uma grande procura. Com esses atributos, o que se vê é uma explosão do crescimento maior que nos demais cursos de graduação, que, nos últimos anos, também tiveram sua oferta ampliada consideravelmente. 33 Tendo em vista a baixa qualidade dos cursos jurídicos até então, o Ministério da Educação e Cultura (MEC), por meio da Portaria nº 1.886/94, estabeleceu diretrizes curriculares em substituição aos currículos mínimos, para entrar em vigor já no ano de 1996, vindo, posteriormente, este prazo, a ser prorrogado para 1997 (UEMS, 2005). A nova LDB, editada em 1996, positivou, agora por lei, as portarias acima mencionadas, com o fim de estabelecer um novo modelo que substituiu o Currículo Mínimo pelas Diretrizes Curriculares. Essa nova orientação teve como temática a qualidade, envolvendo todos os partícipes nesse processo de melhora, com a preocupação no desenvolvimento social. Isto porque os cursos superiores no Brasil apenas aumentavam, tanto que, no ano de 1999, já passavam de 300 (trezentos), e em 2002 já havia mais de 400 (quatrocentos) (UEMS, 2005, p. 5). Tomando por base as alterações inseridas pela nova LDB, o CNE expediu o Parecer CES/CNE nº 146/02, no ano de 2002, propondo novas Diretrizes Curriculares para o curso de Direito; dentre as inovações constava a redução da duração do curso de Direito de 5 (cinco) para 3 (três) anos, proposta que foi recebida com fortes críticas, tendo em vista o retrocesso que tal alteração representaria (UEMS, 2005, p. 7). Pela oposição geral que esta inovação enfrentou, tendo em vista a LDB e a Portaria 186/1996, o ato foi suspenso em 12 de setembro de 2002, por decisão do Superior Tribunal de Justiça, em Liminar em Mandado de Segurança impetrado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), tendo o mérito da questão sido julgado procedente em abril de 2003. Consta no Projeto Pedagógico – PP do Curso de Direito da UEMS a informação dada pelo Professor Paulo Roberto Gouveia de Medina, que na época era presidente da Comissão do Ensino Jurídico do Conselho Federal da OAB (CEJU), durante a abertura do VII Seminário do Ensino Jurídico, realizado em São Paulo, que o Brasil possuía, em 2002, 654 (seiscentos e cinquenta e quatro) cursos jurídicos, expansão que já começava a agravar, cada vez mais, a preocupação da entidade com relação à qualidade do ensino oferecido. No que diz respeito ao aspecto “qualidade”, vejamos a conclusão a que chegou Aidar, presidente da OAB-SP no mesmo ano de 2002, ao tecer análise com relação à melhora do ensino jurídico no Brasil, bem como à limitação do número de cursos: O futuro do Ensino Jurídico no País não nos parece claro ou promissor. O número de escolas é excessivo, a formação dos alunos é precária, o mercado não consegue absorver tantos formandos e se torna mais excludente, preferindo egressos de 34 Faculdades de primeira linha, que tradicionalmente obtêm índice de aprovação acima de 90% nos Exame de Ordem. Grande parte das instituições de ensino jurídico, hoje, não formam, não pesquisam, não têm compromissos sociais e profissionais. E, desde já, podemos detectar os prejuízos que os maus profissionais do Direito causam em sua atuação, a despeito de todos os filtros. Tornam-se advogados sem a devida qualificação, podendo impor significativos danos a seus clientes, ao deixar de lhes assegurar direitos, depondo contra a Advocacia e aumentando o número de processos disciplinares, decorrentes da má formação e inobservância de preceitos éticos na profissão. (AIDAR, 2002, n.p.). O CNE, em 18.02.2004, aprovou o Parecer nº 055/2004, que trazia novas Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, vindo o Parecer nº 211 de 08.07.2004, do mesmo Conselho, alterar alguns pontos; dentre eles, incluir a elaboração de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), também denominado Monografia Jurídica, e o Estágio Curricular. O Parecer CNE/CES 211/2004, que trata da “Reconsideração do Parecer CNE/CES 55/2004 referente às Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em Direito”, aprovado em 08.07.2004, foi solicitado pela Associação Brasileira de Ensino de Direito (ABEDi), pelo fato de entender que o Parecer CNE/CES 211/2004 frustrou as expectativas da comunidade, pois não contemplava alguns itens discutidos, como, por exemplo, no item denominado “conteúdos curriculares”, a inclusão de Antropologia no Eixo de Formação Fundamental, que poderia ser acompanhada de uma referência à história e à Introdução ao Direito. A Monografia Jurídica e o Estágio Curricular também foram objetos de irresignação da ABEDi, que relata a existência do debate consistente em [...] disposições antagônicas: uma favorável à monografia obrigatória e outra, contrária à sua própria existência [...]. Ainda, segundo o relato do documento da ABEDi, esse antagonismo seria resolvido pelo Parecer CNE/CES 146/2002 e respectiva proposta de Resolução, [...]. (BRASIL, CNE/CES 211/2004, 2004, p. 2). No entanto, o Parecer CNE/CES 146/2002 tornou a Monografia opcional, o que foi muito contestado e, no propósito de conciliar as três posições que constavam dos documentos, que sinalizavam pela inexistência, existência opcional e existência obrigatória, a ABEDi reivindicou a sua realização em caráter obrigatório em algum momento mais próximo ao final do curso. Quanto ao Estágio Curricular Supervisionado, 35 [...] a ABEDi destaca que a P. M 1.886/94 trouxe nesse campo avanços para o ensino jurídico, permitindo a integração dos conteúdos teóricos com as atividades práticas, especialmente quanto à concepção do estágio curricular como Prática e não somente como Prática Forense. Entendem, que se o estágio for realizado fora da IES, haverá o esvaziamento do Núcleo de Prática Jurídica (NPJ) e estabelecerá novamente impasse, segundo ela, já superado pela P.M 1.886/99 e que diz respeito à mistura entre estágio curricular e estágio profissional. Reconhece a importância dos convênios somente para serem utilizados parcialmente, de modo a suprir as atividades que não são oferecidas na IES. (BRASIL, CNE/CES 211/2004, 2004, n. p.). Dessa forma, o pedido de reconsideração versa sobre três itens: Conteúdos Curriculares (introdução da disciplina Introdução ao Direito), Monografia Jurídica e Estágio Curricular Supervisionado. O CNE/CES, após ampla discussão, aprovou, por unanimidade, a obrigatoriedade dos itens pleiteados. Com este breve adendo para se compreender o ensino jurídico após o Parecer CNE/CES 211/2004, ressalta-se que a sua oferta tomava, cada vez mais, proporções gigantescas, uma vez que, no ano de 2004, o Professor Paulo Roberto Gouveia de Medina, durante o III Congresso Brasileiro do Ensino Jurídico, conforme exposto no mesmo Projeto Pedagógico do curso de Direito de 2005 da UEMS, informava já existirem no Brasil 806 (oitocentos e seis) cursos jurídicos, bem como 450 (quatrocentos e cinquenta) novos pedidos para implantação, o que representava um aumento considerável da oferta, não acompanhada pelos demais cursos de graduação. Esse aumento do número de cursos de Direito preocupava, cada vez mais, a entidade de classe, exigindo providências quanto ao seu acompanhamento. Melo Filho, membro da Comissão de Educação Jurídica e da Comissão responsável pelo selo da OAB, em entrevista à Gazeta do Povo, em 27.11.2011, ao ser questionado sobre as razões da criação do selo “OAB Recomenda”, manifestou sua apreensão com a quantidade de cursos jurídicos no Brasil, bem como a sua qualidade, entendendo que a OAB necessitava avaliar a qualidade do ensino oferecido para emitir seu parecer. De acordo com Melo Filho: Estamos preocupados com a qualidade do ensino jurídico. O Brasil tem um número exorbitante de cursos de direito. Hoje são 1.219 cursos com quase 700 mil alunos matriculados. Dez bacharéis de Direito se formam por hora no Brasil. Os números de outros países podem ajudar a analisar essa quantidade: a China tem 927 cursos de Direito, a Índia 1002 cursos, a Rússia 486 e os Estados Unidos 201. E, nesse cenário, a facilidade e a rentabilidade de se criar um curso de Direito no Brasil não são acompanhadas pela qualidade e pela ética. Nos dez últimos Exames de Ordem, as inscrições subiram em 310%, mas os aprovados reduziram em 50%. Nesse panorama, o selo OAB Recomenda tem por objetivo premiar aquelas instituições exemplares que se destacam e levam em conta a qualidade e não a quantidade do ensino jurídico. (MELO FILHO, 2011, n.p.). 36 Pelos dados anteriormente apresentados, há no Brasil mais de 1.219 (mil duzentos e dezenove) cursos jurídicos, com quase 700.000 (setecentos mil) acadêmicos matriculados, restando questionar que tipo de profissional essas Instituições estão formando, uma vez que o ensino superior no Brasil, especialmente o jurídico, tem mostrado ser uma atividade altamente lucrativa. No entanto, pelas ponderações acima, a qualidade tão apregoada se resume à preocupação com uma oferta excessiva. Com esse aumento da oferta de vagas dos cursos jurídicos no Brasil, cabe-nos questionar o lugar reservado à população negra nesses cursos. Ao analisar a história da educação no Brasil, notamos que, no começo da colonização, esta foi entregue à igreja católica; assim, foram “[...] os Jesuítas que criaram [...] e por dois séculos quase exclusivamente mantiveram o ensino público no Brasil” (CARVALHO15 1976 apud TREVISAN, 1987, p. 21). A igreja católica via os negros como “gentios” e a oportunidade de catequizá-los e convertê-los ao cristianismo auxiliaria vencer uma batalha religiosa travada contra os cristãos reformados. “Era imperativo ganhar novas almas para o rebanho da Igreja Romana” (FERREIRA JÚNIOR; BITTAR, 1999, p. 477). Na escola de rudimentos e de catequese poderiam estudar filhos de escravos, mas não havia preocupação com o ensino e a emancipação, pois o que se primava era a catequização e, mesmo assim [...] a educação de crianças negras no Brasil Colonial foi um fenômeno residual. Constituiu-se uma exceção da regra geral que caracteriza os grandes traços explicativos da história da educação do período em tela, ou seja, a exclusão da ampla maioria do povo brasileiro. (FERREIRA JÚNIOR; BITTAR, 1999, p. 473). Nesse contexto, não havendo sequer escola para os brancos, era uma exceção o negro se dar ao luxo de aprender as “primeiras letras” (neste caso, os filhos de senhores de engenhos com escravas – mulatos). Logo, sem esse ensino básico, não haveria como se falar em continuação dos estudos ou mesmo em uma graduação. No ano de 1759, os jesuítas foram expulsos do Brasil com a Reforma Educacional implantada por Pombal (TREVISAN, 1987). O fato é que a Ordem Jesuítica, com sua organização, exercia certo controle sobre este país, que se encontrava em início de colonização e ainda com pouca presença estatal. Uma vez expulsa a Ordem Jesuítica, com urgência outro processo educacional deveria ocupar o vazio deixado. Era esta a maior preocupação de Pombal. 15 CARVALHO, Laerte Ramos de. Ação Missionária e Educação. In: História Geral da Civilização Brasileira. Tomo I, Vol. I. São Paulo, 1976. 37 Ocorre que, durante o Império, a educação já sob o controle do Estado, a instrução primária e secundária deixava muito a desejar. Estudo feito por Barroso16 (1867 apud TREVISAN, 1987, p. 80) menciona que “em 1867 as matrículas das escolas primárias atingiam 197.500 para uma população livre de cerca de 8.830.000, estimando-se em 1.200.000 a população em idade escolar”, o que demonstra que naquela época o ensino era privilégio de poucos. Sendo assim, o negro, mesmo o liberto, na época em que no Brasil ainda existia a escravidão, ficou acorrentado a outro jugo, pois a escravidão fez também surgir a discriminação e o preconceito com relação a esta população, o que podemos notar de alguns dispositivos imperiais que restringiam o acesso do negro ao ensino. Cite-se como exemplo a Lei número 1, de 14 de janeiro de 1837, onde as escolas e os cursos noturnos vetavam o acesso de escravos, como se pode perceber na regulamentação: “São proibidos de frequentar as escolas públicas: Primeiro: Todas as pessoas que padecem de moléstias contagiosas. Segundo: os escravos e os pretos africanos, ainda que sejam livres ou libertos”. (FONSECA17 2002 apud PASSOS, 2012, n.p., grifo nosso). Pelas informações anteriores, o negro, mais uma vez, continuou excluído do processo educacional promovido pelo Império, que os condenava a um futuro sem perspectivas. No entanto, relevantes transformações se aproximavam com a chegada do novo século, pois o Estado mudaria de domínio; logo, as bases do ensino também precisariam ser revistas, para se adequarem a essas inovações, recebendo novas funções. Parron nos conta como foi a transição para o novo Estado, bem como o fato de que, nessa época, vozes já se levantavam denunciando a escravidão e preparando o terreno para a sua gradual extinção em solo brasileiro, ao dizer que Na crise da Independência do Brasil, as províncias americanas elegeram delegados para a Assembleia Nacional Constituinte, reunida no Rio de Janeiro em 1823. Ao contrário de Lisboa, uma poderosa mente antiescravista, José Bonifácio de Andrade e Silva, conseguiu integrar a comissão de redação da constituição, atuando como o provável autor do artigo 234 do projeto constitucional, que previa a “emancipação lenta dos negros”. Bonifácio ainda tinha nas mangas uma Representação sobre a escravatura, a ser lida perante a Assembleia, em que vindicava a supressão do tráfico negreiro em cinco anos, o direito legal do escravo à alforria e a limitação da soberania doméstica senhorial como medidas propedêuticas para o fim gradual do cativeiro. (PARRON, 2013, p. 51, grifos do autor). 16 BARROSO, Liberato. A instrução pública no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier Editor, 1867. FONSECA, M. V. A educação dos negros: uma nova face do processo de abolição da escravidão no Brasil. Bragança Paulista: ESUSF, 2002. 17 38 Nessa conjuntura, o Estado tinha que se organizar para compor seu quadro administrativo burocrático, pois a recente independência exigia essa providência. Para a formação desse pessoal, nada melhor que o Curso Jurídico, para que os formandos “conduzissem o país em nome de sua elite senhorial iletrada” (CONTIER 18 1979 apud TREVISAN, 1987, p. 52). Os jovens brasileiros que faziam parte da elite tinham a possibilidade de estudar em Coimbra, ou seja, apenas a uma pequena parcela (chamada nata) da sociedade era reservado este privilégio. No entanto, com a independência, houve certo desconforto na continuação dos estudos mesmo desse grupo. Na Assembleia Constituinte, no dia 14 de junho de 1823, o Visconde de São Leopoldo denunciou este fato, ao dizer que [...] uma porção escolhida da grande família brasileira, a mocidade, a quem um nobre estímulo levou a Universidade de Coimbra, geme ali debaixo dos mais duros tratamentos e opressão; não se decidindo, apesar de tudo, a interromper e abandonar sua carreira, já incertos de como será semelhante conduta avaliada por seus pais, já desanimados, por não haver ainda no Brasil institutos onde prossigam e remetem seus encetados estudos. (ANAIS DA ASSEMBLÉIA CONSTITUINTE, SESSÃO 14 DE JUNHO DE 1823 apud TREVISAN, 1987, p. 52). A manutenção dos vínculos com Coimbra ficou prejudicada com a emancipação política, e muitas foram as manifestações em termos de propostas legislativas reivindicando Cursos Jurídicos no país. No entanto, foi em 1826 que o projeto pôde ser levado adiante, conforme citado em páginas anteriores. Com a criação dos cursos de Direito no Brasil, a primeira turma formou-se em 1832. Em sua composição, havia jovens de diversas províncias do Brasil e também de Portugal e Angola. Os relatos da escola de Direito de Olinda dão conta de que A Faculdade é germinal. Que se irradiou por todo o Nordeste. E que esteve e está presente nas Universidades Regionais que se criaram. Formou os bacharéis saídos dos Recife que ergueram, sobre os alicerces do humanismo jurídico, as Faculdades de Direito dos Estados vizinhos. Para ela vinham as gerações ansiosas de saber, futuros magistrados, advogados, juristas, jornalistas, diplomatas, estadistas, parlamentares, ministros de Estado, conselheiros do Império, escritores, poetas, tribunos, políticos... (PEREIRA19 1983 apud PEREIRA, 2010, n.p.). 18 CONTIER, Arnaldo D. Imprensa e Ideologia em São Paulo, 1822-1842. Petrópolis, RJ; Campinas, SP: Vozes/ Universidade Estadual de Campinas, 1979. 19 PEREIRA, Nilo. Pernambucanidade. Vol. I. Recife: 1983. 39 Cita ainda Pereira que muitos dos egressos da escola de Olinda se destacaram em seus ofícios e em diversos cargos públicos. Da escola nordestina saíram muitos nomes conhecidos como exemplo Teixeira de Freitas, jurista, Epitácio Pessoa, presidente da república, Nilo Peçanha, presidente da república, Pontes de Miranda, jurista, Clóvis Beviláqua, criador do código civil de 1916, Tobias Barretos, poeta e jurista, entre outros. (PEREIRA, 2010, n.p.). O mesmo autor cita alguns nomes famosos da escola de Direito de São Paulo: “Washington Luis, Janio Quadros, Julio Prestes, Lafayette Rodrigues Pereira, Castro Alves, Olavo Bilac, Oswald de Andrade, Rui Barbosa e outros” (PEREIRA, 2010, n.p.). Esses egressos destacaram-se como presidentes, governadores, prefeitos, banqueiros, escritores e em muitas outras carreiras. Entretanto, essa proposta de Universidade era elaborada apenas para uma selecionada elite, pois, à época, o ensino básico era privilégio de poucos, sendo uma etapa que se encarregava de selecionar aqueles que comporiam os bancos universitários para, em momento posterior, dirigir a nação brasileira, nessa nova ordem implantada com a independência de Portugal. Assim, o negro, até mesmo o liberto, mais uma vez ficava de fora desse processo educacional, uma vez que outros fatores, além da escravidão, o levavam a ocupar os piores postos e lugares, bem como auferir rendimentos inferiores aos brancos. É o que se pode depreender do comentário de Silva, ao dizer que O lugar ocupado pelo negro no Brasil nos diversos espaços da sociedade nos dias de hoje, no entanto, não é fruto da escravidão, mas da discriminação. É algo que permeia nossa cultura, para manutenção do grupo dominante. Não é a falta de qualificação que mantém o negro em postos inferiores de trabalho, mas a falta de vontade de toda a sociedade de permitir que o negro encontre um patamar mais igualitário. Mudar essa realidade é imprescindível para que possamos alcançar uma sociedade mais justa. (SILVA, 2005a, p. 34). Kaufmann (2007), escrevendo sobre o “sincretismo racial” brasileiro, analisa como a posição social do indivíduo influencia na percepção da sua própria cor, e por consequência, a qual raça pertence. Registra a presença do negro nas camadas sociais mais elevadas, nos induzindo a pensar que a miscigenação sempre esteve presente na história brasileira, bem como, que a esta população não foi negada sua participação na sociedade. Assertiva que os dados socioeconômicos e educacionais registrados ao longo da história desmentem. 40 A autora cita o exemplo extraído da Ordem de 1731, procedente de D. João V, que revela surpreendente exemplo de recusa à discriminação e “[...] postura contrária da autoridade máxima ao manifestado preconceito de cor” (KAUFMANN, 2007, p. 41). Por meio da Ordem acima citada, foram conferidos pelo Rei poderes para que o Governador da Capitania de Pernambuco, que à época era Duarte Pereira, empossasse um mulato no cargo de Procurador da Coroa, posição de grande prestígio na época, argumentando que “a cor não servia como um impedimento para exercer a função. Haveria obstáculo, no entanto, se ele não fosse bacharel” (KAUFMANN, 2007, p. 41). Esse raro posicionamento de negação ao racismo ocorreu uns cento e cinquenta anos antes do fim da escravatura. Relata, ainda, Kaufmann que Também no Império, por sua vez, havia um grande número de mulatos que ocuparam cargos importantes, seja como membros do Gabinete Imperial, seja como Senadores, juízes ou deputados. A Guarda Nacional, um dos maiores ícones da elite, era formada inclusive por afro-descendentes, e, muito antes da formação da Guarda, o negro Henrique Dias já havia sido agraciado com o grau de cavaleiro da Ordem de Cristo e com título “Governador dos Crioulos, Pretos e Mulatos”, pela notável participação na Batalha dos Montes Guararapes. (KAUFMANN, 2007, p. 42, grifo da autora). O que podemos extrair desses relatos é a possibilidade concedida a alguns negros de se sobressaírem na seleta estrutura social brasileira, mesmo na época do Brasil Colônia, quando a escravidão estava em alta, concedendo-se ao negro livre certo status social, isso ainda bem antes da abolição da escravatura. Outros negros destacaram-se na época da escravidão; no entanto, como esta pesquisa se liga, de certa forma, ao Direito, mencionaremos apenas aqueles com esta graduação, ou que atuaram nesta área. De acordo com Kaufmann, temos: [...] Conselheiro Rebouças. Filho de uma escrava liberta com um alfaiate português, nascido na Bahia em 1789, Rebouças tornou-se grande especialista no direito civil, foi várias vezes deputado pela província da Bahia, Conselheiro do Imperador e advogado do Conselho de Estado. (KAUFMANN, 2007, p. 43). Freyre20 relata interessante episódio envolvendo o Conselheiro Rebouças. Conta que Durante um baile na Corte, à época Imperial, o Conselheiro Rebouças sentiu-se constrangido por estar um pouco deslocado diante da aristocracia. Percebendo o mal-estar, Dom Pedro II chamou a Princesa Isabel e pediu que esta dançasse com o 20 FREYRE, Gilberto. Novo Mundo nos Trópicos. Tradução de Olívio Montenegro e Luiz de Miranda Corrêa. Prefácio de Wilson Martins. 2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks – UniverCidade. 41 mulato Rebouças, como prova de que a sua cor não o impedia de participar do convívio com a realeza e com a alta sociedade. (FREYRE 2000 apud KAUFMANN, 2007, p. 43). Este acontecimento relata a pouca presença negra junto à aristocracia e, no caso das mulheres, nenhuma presença, uma vez que os poucos que conseguiam se destacar ficavam isolados dessa elite política e social do Império, como os citados a seguir Luis Gama, negro de origem humilde, filho de uma quitandeira africana liberta com um fidalgo português, conseguiu ascender socialmente e chegou a se tornar um dos mais importantes líderes abolicionistas. Nasceu livre em 1830, mas o pai o vendera posteriormente como escravo. Conseguiu fugir da casa do senhor para quem trabalhava e adquiriu a liberdade, foi poeta, jornalista, advogado e um dos líderes do Partido Republicano Paulista. [...] Tobias Barreto, jurista, mulato, escritor, poeta, nascido em 1839 na Vila de Campos, em Sergipe. Tobias foi patrono da Cadeira nº 38 da Academia Brasileira de Letras e professor da Faculdade de Direito de Recife, também conhecida como a “Casa de Tobias”. (KAUFMANN, 2007, p. 43). Nesses poucos registros na literatura, não identificamos nenhuma referência a “preto” pois, em todos os casos, os negros eram mulatos, classificados como filhos de pai branco e mãe negra, nascidos de relacionamentos extraconjugais dos senhores de engenho com escravas libertas. A escola de Direito de Olinda, como visto, teve um estudante negro antes da abolição que, posteriormente, se tornou presidente do Brasil: Nilo Procópio Peçanha, nascido em 2 de outubro de 1867, que assumiu o cargo em virtude da morte de Afonso Pena em 1909, governando até 1910. Era de origem negra, de cor mulata (cor parda, segundo o IBGE). Peçanha [...] era filho de uma família simples ligada ao campo e tinha a pele mulata, o que lhe causou uma série de situações desconfortáveis. Foi muitas vezes subjugado durante sua vida e comenta-se que no seu período como presidente as fotos oficiais do líder político eram retocadas para fazê-lo parecer dono de uma pele mais clara. (GASPARETTO JUNIOR, 2010, n.p.). Pode-se perceber que a discriminação não perdoava nem mesmo as classes mais abastadas e os políticos mais influentes. Ascender social e politicamente em um país altamente racista como o Brasil da época não tornava o indivíduo respeitado como membro do corpo social, mas sim um corpo estranho ocupando um cargo que não lhe pertencia. Por fim, dentre cargos de destaque ocupados atualmente no Brasil por negros, temos o Presidente da mais alta corte de justiça, STF, Ministro Joaquim Barbosa, primeiro presidente 42 negro desse tribunal, que foi instalado em 9 de janeiro de 1829, sob a denominação de “Supremo Tribunal de Justiça”.21 Após esta análise histórica sobre a presença do negro no curso de Direito, cabe fazer uma descrição panorâmica de uma realidade mais próxima, que diz respeito diretamente ao objeto desta pesquisa, ou seja, os quatro cursos de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, bem como a importância desta instituição no contexto social e regional. Essa concepção oferece subsídios para o entendimento de seu papel na sociedade sul-mato-grossense e nacional, como elemento indispensável para a inclusão da diversidade étnico-racial. 1.3 Conhecendo a UEMS Os idealizadores da UEMS, em seu projeto inicial, vislumbraram uma proposta inovadora de Universidade, que atendesse à carência regional, especialmente àquela do interior do Estado, uma vez que a parca oferta de ensino superior nessas localidades gerava, e ainda gera, entraves ao desenvolvimento do MS, proporcionando o aumento das desigualdades sociais. Para aferir as necessidades de cada região, sucederam-se diversas reuniões com as comunidades locais, chegando-se ao consenso de que o Estado necessitava de [...] uma Universidade com vocação para a interiorização de suas tarefas, para atender a uma população que, por dificuldades geográficas e sociais, dificilmente teria acesso ao ensino superior. [...] propôs-se, portanto, a reduzir as disparidades do saber e as desigualdades sociais, a constituir-se em “núcleo captador e irradiador de conhecimento científico, cultural, tecnológico e político” e, principalmente, a mudar o cenário da qualidade da educação básica do Estado, voltada, primordialmente, para a formação de professores. (UEMS, 2005, p. 3, grifo do autor). Nesse ensejo, a UEMS teve o propósito de impulsionar o crescimento regional, tecnológico, científico e regional do Estado, tornando-se um agente de transformação social, garantindo um ensino superior gratuito e de qualidade, com a vantagem de suas Unidades estarem implantadas no interior do estado, fato que já demonstra, no seu nascedouro, um 21 Informação obtida no portal do Supremo Tribunal Federal – Histórico-. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=sobreStfConhecaStfHistorico>. Acesso em: 25 fev. 2013. 43 estímulo à população menos favorecida, que não teria recursos para buscar formação superior em outras localidades. Esse propósito poderá ou não se confirmar ao longo desta pesquisa, principalmente no aspecto diversidade, por meio das análises e comentários das respostas aos questionários aplicados. A previsão de criação da UEMS constava da primeira, e já revogada, Constituição do Estado, datada de 13 de junho de 1979, em seu artigo 190, bem como está expressa na atual Constituição Estadual, de 5 de outubro de 1989, cujo artigo 48, do Ato das Disposições Constitucionais Gerais e Transitórias prevê: “Art. 48. Fica criada a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, com sede na cidade de Dourados, cuja instalação e funcionamento deverão ocorrer no início do ano letivo de 1992” (VASCOTTO, 2011, p. 915). No entanto, apenas a previsão constitucional não seria o suficiente para a sua implantação e funcionamento. Foi necessária a edição de outras normas e, nessa senda, foi promulgada a Lei Estadual nº 1.461, de 20 de dezembro de 1993, que a instituiu. O funcionamento de seus cursos foi autorizado pelo Parecer nº 08 do CEE/MS de 9 de fevereiro de 1994, os quais vieram a ser oferecidos no segundo semestre do mesmo ano. Seu credenciamento como Universidade deu-se com a Deliberação nº 4787 do CEE/MS, de 20 de agosto de 1997, estando, dessa forma, regularizada para desenvolver as atividades de ensino, pesquisa e extensão, tendo como princípios norteadores, de acordo com o seu Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) [...] reafirmar compromissos, definir metas, estabelecer novos mecanismos de atuação e organizar as ações no sentido de impulsionar o desenvolvimento do Estado, ampliando o atendimento da UEMS no interior, valorizando o quadro docente e administrativo da Instituição, além de implementar as estruturas e serviços internos e os voltados à comunidade. (UEMS, 2005, p. 4). Conforme o estabelecido no art. 3 da Lei Estadual nº 1.461, de 20 de dezembro de 1993, que autoriza o Poder Executivo a instituir a Fundação Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, a UEMS tem como objetivo a ministração do ensino superior de graduação e pós-graduação, a extensão universitária e o desenvolvimento da pesquisa, das ciências, das letras e das artes. A UEMS, em consonância com a nova LDB (Lei 9.394/96), teve a preocupação, desde o início, de manter-se atualizada em seus dispositivos legais. Assim, de acordo com o Projeto Pedagógico dos Cursos de Direito de 2005, com o advento da Nova LDB, a Instituição 44 [...] vem promovendo, desde a época de sua criação, a reformulação de seus dispositivos legais. Foram aprovados o novo Estatuto (Decreto nº 9337, de 14 de janeiro de 1999) e o Regimento Geral (Resolução UEMS nº 01, de 08 de março de 1999, que foi alterada pela Resolução COUNI nº 227, de 29 de novembro de 2002). (UEMS, 2005, p. 4). Estas atualizações normativas foram analisadas pelo Conselho Estadual de Educação – CEE/MS, e, por este entendê-las adequadas ao que dispõem os artigos 43, 44 e 45 da LDB (Lei 9.394/96), foi concedida à UEMS a qualificação para atender às finalidades do ensino superior. De acordo com o estabelecido no artigo 1º do Estatuto da UEMS, aprovado pelo Decreto Estadual nº 9.337, de 14 de janeiro de 1999, a UEMS tem a condição jurídica de “instituição Estadual de natureza fundacional pública, gozando de autonomia didáticocientífica, disciplinar, administrativa, financeira e patrimonial” (UEMS, 1999, p. 1). A escolha dos cursos seguiu, como critério, as peculiaridades e carência do local onde a Unidade seria instalada, com a proposta de [...] reduzir as disparidades do saber e as desigualdades sociais e, principalmente, a mudar o cenário da qualidade da Educação Básica do Estado, estabelecendo como missão: “gerar e disseminar o conhecimento, voltada para a interiorização, e com compromisso em relação aos outros níveis de ensino”. Com esta finalidade, a UEMS foi implantada, além da sede, em outros 14 municípios, funcionando [...] nas seguintes cidades: Amambai, Aquidauana, Campo Grande, Cassilândia, Coxim, Glória de Dourados, Ivinhema, Jardim, Maracaju, Mundo Novo, Naviraí, Nova Andradina, Paranaíba e Ponta Porã [...]. Em seu início, a UEMS possuía 12 cursos, com 18 ofertas às comunidades onde estava localizada. (UEMS/CPA, 2006, p. 1, grifos do autor). Para o oferecimento de um ensino democratizado e acessível a todas as camadas da população sul-mato-grossense, tendo em vista as dimensões do Estado e levando-se em conta que este se encontrava a caminho do desenvolvimento, com parcas ofertas de ensino superior público, bem como com a preocupação de racionalizar verbas públicas, [...] a UEMS adotou, inicialmente, três estratégias diferenciadas: a rotatividade dos cursos, sendo os mesmos permanentes em sua oferta e temporários em sua localização; a criação de Unidades de Ensino, em substituição ao modelo de campus, e a estrutura centrada em Coordenadorias de Curso, ao invés de Departamentos. (UEMS, PDI 2009-2013, 2008, p. 13). Muito embora recente a sua implantação, uma vez que conta atualmente com 19 anos, datando sua autorização e oferta de cursos do ano de 1994, a instituição ofereceu, no processo 45 seletivo 2012, um total de 52 (cinquenta e dois) cursos de graduação em suas quatorze unidades e na sede. Ela dispõe também de diversas pós-graduações stricto e lato sensu, vindo a suprir uma carência verificada no estado com relação ao ensino superior, uma vez que visa o atendimento a uma clientela específica, carente de formação e qualificação. A formação superior proporcionada pela UEMS tem como consequência oportunizar uma melhor condição de vida ao sul-mato-grossense e, em muitos locais, aos fronteiriços de outros estados, uma vez que diversas Unidades estão situadas próximas a eles; citem-se, como exemplo, as Unidades de Cassilândia, Mundo Novo, Paranaíba e Ponta Porã. Conjugando diversos fatores, dentre eles o fato de se tratar de uma universidade pública estadual, bem como a extensão do território de Mato Grosso do Sul, que conta com 357.124,96 km² (trezentos e cinquenta e sete milhões, cento e vinte e quatro mil e noventa e seis quilômetros quadrados), somados às carências econômicas e educacionais, pode-se afirmar que, sem a implantação desta universidade, a maioria da população do estado estaria fadada a não ter acesso ao ensino superior (MATO GROSSO DO SUL, 2013). Para o oferecimento de um ensino de qualidade, a UEMS precisa, além de professores qualificados, também de uma boa organização administrativa. Para seu funcionamento administrativo, bem como dos órgãos que encaminham suas ações, ostenta um perfil descentralizado em sua estrutura administrativa, seguindo a tendência das modernas universidades do país. A UEMS, no início de suas atividades, desenvolvia sua administração através de diversas Diretorias setoriais, reduzidas, posteriormente, ao número de duas, mudança ocorrida devido à busca de maior rapidez, potencialização de desempenho e descentralização dos encaminhamentos pedagógicos às Unidades de Ensino. Em um breve esboço, pode-se resumir a estrutura da UEMS da seguinte forma: Órgãos Colegiados Superiores (COUNI – Conselho Universitário e CEPE – Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão), Reitoria, Vice Reitoria, e cinco Pró-Reitorias: Ensino (PROE); Pesquisa e Pós-graduação (PROPP); Extensão, Cultura e Assuntos Comunitários (PROEC); Administração e Planejamento (PROAP) e, por fim, Desenvolvimento Humano e Social (PRODHS). Compõe, também, sua organização, 15 (quinze) Gerências de Unidade e mais de 50 (cinquenta) Coordenações de Curso, como forma de articular os trabalhos pedagógicos para cumprir a proposta prevista no projeto de cada curso ofertado. Conta também com Órgãos Colegiados Auxiliares, tais como: Colegiado de Curso, presidido pela coordenação do curso e Conselho Comunitário Consultivo, presidido pela gerência da Unidade. 46 Contando com todos os seus cursos reconhecidos, ou em renovação de reconhecimento, uma vez que essa diligência é constante, é contínua a busca da universidade pela ampliação e aperfeiçoamento de seus cursos, bem como a incansável preocupação na qualificação docente, como se vê pelo programa de afastamento para capacitação, previsto na Resolução Conjunta COUNI/CEPE-UEMS nº 021, de 2 de julho de 2004, que aprova o Regulamento de Capacitação da UEMS, com o fim de atender às exigências da LDB (Lei nº 9.394/96) no que diz respeito aos quantitativos de mestres e doutores. A UEMS, visando uma maior dedicação docente, adotou de forma ampla o regime de trabalho de tempo integral, situação que facilita, sobremodo, o desenvolvimento das atividades do professor com a possibilidade deste dispor de tempo para, além do preparo de suas aulas, realizar seus projetos de pesquisa, extensão e publicações. 1.4 Caracterização dos Cursos de Direito da UEMS Ao se analisar o curso de Direito oferecido por esta instituição, constata-se que o primeiro foi criado na cidade de Três Lagoas, em junho de 1994, e teve o primeiro vestibular ofertado no mês de julho do mesmo ano. A escolha por este curso envolveu diversos setores organizados da sociedade civil, tais como clubes de serviços, entidades profissionais, sindicatos, lojas maçônicas, bem como os poderes executivo, legislativo e judiciário, em uma ampla discussão social, o que também ocorreu com a escolha dos demais cursos. Inicialmente, o curso de Direito foi regularizado pelo Processo de Reconhecimento do Curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul nº 13/300846/98, de 22.12.1998, aprovado pelo Parecer CEE/MS nº 537/99, em Sessão Plenária, de 10.12.1999, e pela Deliberação CEE/MS nº 5737, de 15.12.1999. Pelo fato de o reconhecimento ser por prazo determinado, tendo em vista alguns balizamentos que norteiam a matéria, tais como evoluções sociais e legais, exigências do mercado, determinações ditadas pelo Ministério da Educação, bem como outras recomendações de órgãos governamentais, os cursos já foram submetidos a esse processo algumas vezes, e hoje todos se encontram autorizados. 47 Atualmente, o curso de Direito da Unidade de Dourados encontra-se com seu reconhecimento renovado por mais quatro anos pela Deliberação CEE/MS nº 9442, de 17/12/2010, a contar de 1º de janeiro de 2011, com término em 31 de dezembro de 2014. O curso de Direito da Unidade de Naviraí também se encontra com o processo de reconhecimento renovado pelo prazo de mais três anos, de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2013, pela Deliberação CEE/MS nº 8440, de 17.12.2010. Do mesmo modo, a Unidade de Paranaíba encontra-se com seu curso reconhecido pela Deliberação CEE/MS 9443, de 17 de dezembro de 2010, pelo prazo de quatro anos, de 1º de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2014. O curso de Direito, em todos os locais citados, veio atender a uma antiga e insistente reivindicação dos estudantes dos diversos municípios e regiões onde estão implantados, uma vez que se trata de um curso dinâmico, com amplas possibilidades profissionais, tanto na área pública quanto na privada. Originariamente, em 1994, ofereceram-se 90 (noventa) vagas, distribuídas nos municípios de Paranaíba e Três Lagoas, sendo quarenta na primeira e cinquenta na segunda localidade. Na cidade de Três Lagoas, a oferta se deu apenas uma vez, sendo o curso extinto, em virtude da presença da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e do seu interesse em oferecer o Curso de Direito na cidade, tendo sido as 50 vagas remanejadas para a sede em Dourados, em 1997, ocorrendo, assim, a instituição do curso nessa localidade, fato recebido com muito entusiasmo pela classe estudantil. O curso de Direito, atualmente, é oferecido nas Unidades Universitárias de Dourados, Naviraí e Paranaíba. Em 2004, foi elaborado um novo Projeto Pedagógico para vigorar a partir de 2005, nas três Unidades. Para isso, ocorreram diversas discussões, estudos, debates e pesquisas promovidos pela Comissão encarregada, colhendo-se informações nas três localidades onde o curso é oferecido, com o fim de se inteirar da demanda, bem como diagnosticar a vocação do curso, com o propósito de formar um egresso capacitado. A comunidade acadêmica também foi chamada a se manifestar, o que resultou em um Projeto Pedagógico único. Assim, vigorava em 2008 o mesmo Projeto Pedagógico para os quatro cursos com “[...] carga horária de 4.212 (quatro mil duzentas e doze) horas de atividades, com prazo mínimo de 5 (cinco) anos e, máximo de 8 (oito) anos para integralização” (UEMS, PP. 2005, p. 2), em regime anual, conferindo o grau de Bacharel em Direito, sendo que, para se habilitar como advogado, é necessário ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. 48 Atualmente, apenas na Unidade de Paranaíba este Projeto Pedagógico está em vigor, visto que, em Naviraí, este já encerrou sua vigência em 2010 e em Dourados em 2011, considerando que, a partir de 2010, os cursos poderiam ter Projetos Pedagógicos que contemplassem as especificidades locais, conforme normatizado pela Deliberação CE-CEPEUEMS nº 163, de 21/10/2009 – Diretrizes para Elaboração de Projetos Pedagógicos dos Cursos de Graduação da UEMS, homologada, com alterações, pela Resolução CEPE-UEMS nº 977, de 14 de abril de 2010 (UEMS, AILEN, 2013). A preocupação com a formulação de um projeto que atendesse aos anseios atuais e futuros deve-se ao fato de que o Direito é uma ciência dinâmica e a universidade não pode ficar alheia a essa realidade. De acordo com Duran,22 o curso de Direito deve ser oferecido de modo que [...] atenda às necessidades fundamentais para a sobrevivência do ser humano e do planeta, com um mínimo de qualidade de vida, o que requer a satisfação das necessidades de paz, de desenvolvimento, de proteção e preservação ambiental, das garantias dos direitos individuais, do acesso à Justiça, da diminuição das desigualdades sociais, políticas e econômicas, dos direitos sociais. Um Direito que seja capaz de estabelecer uma convivência harmônica entre os homens, seja pela composição dos conflitos de interesses já manifestados, seja pela previsão de conflitos futuros. Um Direito que promova e que permita uma Democracia autêntica, através de leis justas, que impeçam os abusos, que não acobertem os privilégios e os interesses, que restaure a credibilidade na legalidade, que expurgue a impunidade e que revitalize as instituições jurídico-judiciais. (DURAN 2004 apud UEMS, 2005, p. 8-9). A função do ensino jurídico deve ser a de proporcionar uma formação que promova a participação ativa nos rumos sociais, capacitando cidadãos para a consciência de seus direitos e deveres, sempre levando em conta as constantes mudanças sociais para o fim de atuação nos movimentos sociais e coletivos. Na reformulação do Projeto Pedagógico de 2005, destaca-se a Resolução CNE/CES nº 09, de 29.09.2004, que estabelece: Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Curriculares do Curso de Graduação em Direito, Bacharelado, a serem observadas pelas Instituições de Educação Superior em sua organização curricular. Art. 2º A organização do Curso de Graduação em Direito, observadas as Diretrizes Curriculares Nacionais se expressa através do seu projeto pedagógico, abrangendo o perfil do formando, as competências e habilidades, os conteúdos curriculares, o estágio curricular supervisionado, as atividades complementares, o sistema de 22 DURAN, Ângela Aparecida da Cruz. Que Educação os Advogados devem ter? São Paulo, SP, 2004. In mimeo: Trabalho apresentado no III Congresso do Ensino Jurídico Brasileiro, em São Paulo, nos dias 29, 30 de Setembro e 01 de Outubro de 2004, a ser publicado em Anais, no Anuário de 2005 da ABEDI- Associação Brasileira de Ensino do Direito. 49 avaliação, o trabalho de curso como componente curricular obrigatório do curso, o regime acadêmico de oferta, a duração do curso, sem prejuízo de outros aspectos que tornem consistente o referido projeto pedagógico. Com relação à estrutura física, em Dourados, onde se situa a sede da UEMS, a universidade dispõe de prédio próprio e o curso de Direito ocupa 5 salas de aula, além de contar com um prédio alugado no centro da cidade, onde funciona o Núcleo de Prática Jurídica. O curso dispõe de espaço para a coordenação, sala coletiva de professores, além de usufruir de toda a infraestrutura dos demais cursos e da administração da UEMS, como sala de vídeo e teleconferência, biblioteca central, anfiteatro, dentre outras, onde são ofertadas 50 (cinquenta) vagas no período matutino. No que diz respeito ao corpo docente, temos os seguintes dados: quatro Graduados; seis Especialistas; dois Mestrandos; sete Mestres; um Doutorando; três Doutores e um Pós-Doutorado.23 Este curso foi autorizado pelo Parecer CEE/MS nº 8/94 de 09 de fevereiro de 1994 e reconhecido pela Deliberação CEE/MS 5637 de 10 de dezembro de 1999 (UEMS, Cursos de Graduação da UEMS, 2008, n.p.), e apresenta como conquistas: Selo de Qualidade “OAB Recomenda” nos anos de 2007 e 2009; nota 5 (cinco) no ENADE 2009; 4 (quatro) estrelas no Guia do Estudante publicado pela Editora Abril – Melhores Universidades em 2010; Selo de Qualidade “OAB Recomenda” nos anos de 2011 e 2012 e 5 (cinco) Estrelas no Guia do Estudante publicado pela Editora Abril – Melhores Universidades 2012.24 A avaliação do ENADE 2012 não havia sido divulgada pelo Ministério da Educação até o encerramento desta pesquisa. Na Unidade de Naviraí, o curso funciona em sede própria, localizada na região central, dispondo de 5 (cinco) salas de aulas, espaços para a Coordenação e Sala de Professores, localizadas nas dependências da Unidade Universitária, com a seguinte infraestrutura: Biblioteca, Laboratório de Informática, Auditório. O Núcleo de Prática e Assistência Jurídica, onde é ministrado o Estágio Supervisionado para o desenvolvimento das atividades de cunho prático-profissional aos alunos do quinto ano, situa-se no centro da cidade, em prédio cedido por meio de parceria com a prefeitura. O curso, nessa Unidade, funciona no turno noturno e oferta 50 (cinquenta) vagas, tendo sido autorizado a funcionar pela Resolução CEPE – UEMS nº 287, de 27/05/2002 e reconhecido pela deliberação CEE/MS nº 7729, de 17/12/04, apresentando em seu corpo docente professores com as seguintes qualificações: cinco Graduados; 12 Especialistas; dois 23 24 Fonte: UEMS. Disponível em: < http://www.uems.br>. Acesso em: 13 jan. 2013. Fonte: UEMS. Disponível em: < http://www.uems.br>. Cursos de graduação. Acesso em: 13 jan. 2013. 50 Mestrandos; sete Mestres e um Doutor.25 A avaliação do ENADE 2012 ainda não havia sido divulgada. Na Unidade de Paranaíba, o curso funciona em sede própria, localizada na região central, próxima aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (inclusive a Vara do Trabalho) e à Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil. O prédio dispõe de oito salas de aula, das quais o curso de Direito utiliza cinco, espaço para a Coordenação e Sala de Professores coletiva, Biblioteca, Laboratório de Informática, Auditório, compartilhando o espaço físico, bem como instalações e demais recursos com os cursos de Pedagogia e Ciências Sociais, além de cursos de pós-graduação stricto e lato sensu. O Núcleo de Prática e Assistência Jurídica, onde é ministrada a disciplina de Estágio Supervisionado aos acadêmicos do quinto ano, funciona em espaço próprio dentro da Unidade Universitária. Este curso encontra-se autorizado pelo Parecer CEE/MS nº 8/94 de 09.02.1994 e atualmente reconhecido pela Deliberação CEE/MS nº 9443, de 17/12/2010, publicada no DO/MS nº 7856, de 29/12/2010. Foi avaliado pelo MEC com a nota C e no ENADE 2009 recebeu a nota 4; quanto ao ENADE 2012, não foi divulgado o resultado da avaliação. Funciona nos turnos matutino e noturno, com a oferta de 40 vagas em cada um. Possui um quadro de professores com: um Graduado; quatro Especialistas; seis Mestrandos; 12 Mestres; 11 Doutorandos e um Doutor.26 Nos cursos de Direito, de acordo com a realidade de cada Unidade, varia a média de efetivos e convocados.27 Na Unidade de Paranaíba, a porcentagem gira em torno de 58 % de efetivos. Na Unidade de Dourados, a porcentagem de efetivos é superior a 90%. Em Naviraí, os professores efetivos ficam em torno de 35% de todo o corpo docente. A tendência é o aumento progressivo do número de professores efetivos; no entanto, sempre haverá necessidade da colaboração dos contratados, uma vez que os afastamentos para capacitação são constantes, sendo de interesse da Universidade ter em seus quadros número cada vez maior de mestres e doutores. Ao longo dos anos, pôde-se perceber uma melhora em vários aspectos; no entanto, a estrutura física nas três Unidades Universitárias ainda é insuficiente para comportar todos os cursos e Escritórios Jurídicos para o estágio dos acadêmicos de Direito do quinto ano. Ainda 25 Fonte: UEMS. Disponível em: < http://www.uems.br>. Acesso em: 13 jan. 2013. Fonte: UEMS. Disponível em: < http://www.uems.br>. Acesso em: 13 jan. 2013. 27 A convocação trata de uma contratação de professor a título temporário e corresponde ao cometimento das atribuições que competem ao titular do cargo de Professor de Ensino Superior a profissional habilitado para a função, aprovado em processo seletivo, não gerando qualquer direito subjetivo a permanência. Está previsto na Resolução Conjunta COUNI/CEPE-UEMS Nº 047, de 19 de novembro de 2009. Disponível em: <http://www.uems.br>. Acesso em: 12 jan. 2013. 26 51 assim, a UEMS encontra-se consolidada como uma Instituição criadora e disseminadora do conhecimento, fazendo parte do cenário local e regional. Os avanços foram muitos, podendo-se citar, como exemplos, a ampliação do acervo bibliográfico e dos recursos didáticos; a aprovação do Projeto Pedagógico, que já foi reformulado por diversas vezes, tendo em vista sua temporariedade, exigências do mercado de trabalho e das alterações legais editas pelo Conselho Nacional de Educação; a realização de diversos concursos, tanto para técnicos como para professores; a autorização e reconhecimento do curso, prédio próprio e muitos outros. Essas adequações foram relevantes, uma vez que projetou o curso de Direito a um nível de credibilidade estadual e interestadual, recebendo, por isso, alunos de muitas partes do Brasil, restabelecendo a confiança da comunidade e firmando, de uma vez por todas, a importância de uma instituição pública de qualidade como agente de transformação social. Muito já foi feito, mas muito ainda resta por fazer, uma vez que a UEMS, por meio de seus gestores, deve estar sempre atenta às mudanças sociais e regionais, com o fim de permanecer como uma verdadeira partícipe do processo de mudança do cenário nacional, e não como agente perpetuadora das desigualdades, tais como as referentes aos segmentos étnico-raciais, objeto desta pesquisa. Ao se analisar o Projeto Pedagógico, percebe-se um discurso de formação humanista que será avaliado com base nos dados que serão apresentados no capítulo quarto. Em seu perfil institucional, a UEMS demonstra preocupação constante com a diversidade e a inclusão, pois entende que, só assim, poderá formar o profissional pleno, o que significa [...] cidadãos e profissionais, com consciência ética, crítica e profissional, tendo por base conhecimentos técnicos, científicos e humanistas, para atender às demandas sociais atuais e futuras. Nesse contexto, visa preparar um cidadão e profissional capaz de assumir seu papel de co-artífice na tarefa de construção e re-construção permanente do Direito e da Sociedade, com espírito crítico e reflexivo, com conhecimento interdisciplinar do fenômeno jurídico, consciência ética geral e profissional, para atuar como profissional do direito e agente formador de opinião, valendo-se da correta utilização e compreensão da Ciência do Direito e dos demais conhecimentos necessários à formação de um cidadão pleno, ciente da necessidade de capacitação e atualização permanente em sua profissão, com habilidades e competências, técnico-jurídicas e político-sociais para o exercício das diversas funções no campo do Direito. (UEMS, PP, 2005, p. 10). O profissional acima descrito necessariamente estará preparado para compreender e atuar com as diferenças no mercado de trabalho, de acordo com uma filosofia de matriz humanista, porém pouco incorporada na prática pedagógica dos cursos de Direito. 52 Na busca da qualidade e reconhecimento, devem-se destacar, também, alguns fatos recentes dignos de menção que comprovam a qualidade dos cursos de Direito. Um deles ocorreu no dia 19 de abril de 2012, oportunidade em que os cursos de Direito da sede, em Dourados, bem como da Unidade de Naviraí receberam, em Brasília, o Selo OAB, figurando na lista dos melhores cursos do país, segundo a avaliação da própria OAB, entre os 790 (setecentos e noventa) cursos que foram avaliados por aquela entidade. Isto se deveu aos bons resultados de seus egressos nas provas da OAB, motivo de grande entusiasmo por parte de todo o corpo docente e acadêmico, comemorado pelo então Reitor Prof. Dr. Fábio Edir ao declarar que [...] tanto a conquista do Selo OAB pelo curso de Direito de Dourados, quanto as aprovações do curso de direito de Naviraí atestam a qualidade da educação que a UEMS tem promovido; nós ficamos orgulhosos com essas conquistas, pois o maior reconhecimento que a Universidade pode ter é quando os nossos alunos alcançam sucesso. (UEMS, 2012, n.p.). É nesse cenário que a UEMS se apresenta como uma universidade em busca de seu papel, visando a formação cidadã de seus discentes, preparando-os para enfrentar uma sociedade da qual a diversidade é seu componente essencial, apesar de negligenciada pelo ensino superior. Sendo assim, as cotas para negros e indígenas 28 vieram preencher uma ausência representacional no contexto universitário referente à população brasileira, que, no Censo do IBGE, em 2010, atingiu 50,7 de negros autodeclarados. A convivência com a diversidade étnico-racial via cotas na sala de aula e demais espaços acadêmicos favorece as relações, compreensão e respeito às diferenças no processo de formação do discente. Para isso, se faz necessário aos docentes e gestores conhecerem o sistema de cotas e as justificativas para a sua criação. A presença dos negros cotistas nos cursos de Direito da UEMS pode fazer a diferença na formação e atuação dos não negros. Contudo, sabemos que, na trajetória acadêmica, os negros cotistas enfrentam dificuldades de vários matizes, principalmente na área do Direito, que foi majoritariamente branca durante toda a história do ensino jurídico no Brasil. Com o fito de identificar as dificuldades específicas desse público, foram realizados estudos e pesquisa de campo a serem apresentados nos próximos capítulos. 28 Reconhece-se a vulnerabilidade do indígena; no entanto, não será explorada nesta pesquisa, por não fazer parte do objeto de estudo. 53 2 O ENSINO SUPERIOR E AS COTAS Imenso é o abismo entre o mundo das normas jurídicas e o mundo da realidade. Muito se decide no plano ideal e pouco se realiza concretamente. Ninguém quer perder privilégio, ainda que à custa do sacrifício de seu semelhante. Bernard Schwartz, em seu “Direito Constitucional americano” [...] talvez não tenha exagerado quando disse que “a discriminação contra o negro não podia ter um efeito tão grande sem a tolerância da ordem jurídica”. Adhemar Ferreira Maciel O cenário atual em que se apresenta o ensino superior no Brasil é de uma profunda reflexão sobre a mudança de paradigmas, pois, muito embora a universidade seja o local apropriado para as transformações, ela vem desempenhando o papel de perpetuadora das desigualdades sociais, bem como propagadora de uma cultura discriminatória que segrega dos bancos universitários um número considerável de pessoas que até então não eram tidas como dignas de cursar o ensino superior. Santos (1984) nos conta episódio interessante ligado à segregação racial, que acredita ter ocorrido em 1967, por ocasião da visita do senador norte-americano Bob Kennedy à Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Naquela ocasião, um grupo de estudantes passou a agredi-lo verbalmente, com relação aos eventos relacionados ao ódio racial ocorridos em seu país. Em sua defesa, trouxe uma indagação que, até os dias atuais, é de difícil elucidação: “E os negros brasileiros, por que não estou vendo nenhum aqui entre vocês?” (SANTOS, 1984, p. 46). No ano de 1972, o IBGE, órgão do governo federal encarregado de promover o levantamento da população, retirou do censo desse mesmo ano a pergunta sobre a cor. Isto ocorreu justamente no momento em que o racismo brasileiro começava a ser questionado e debatido de maneira ampla. Relata Santos (1984, p. 43-44) que “milhões de negros saíram à rua, nesta década, no Rio, em São Paulo, em Porto Alegre, exigindo direitos e exibindo seu cabelo black”. Nessa mesma época, os líderes negros já reivindicavam uma participação maior nas decisões sociais, tendo em vista a sua superioridade numérica. O fato de se retirar a pergunta sobre a cor naquele momento, talvez tenha sido uma forma de tentar barrar o inconformismo com a tão apregoada “democracia racial”, pois sendo os negros a maioria, não ocupavam lugares relevantes na sociedade brasileira. 54 A retirada desse item do censo do IBGE foi apressadamente respondida pelo seu presidente sob o argumento de que “o item fora retirado porque é inútil saber quantas são as pessoas de cor, já que ‘não temos aqui nenhum problema racial, somos todos uma só raça’” (SANTOS, 1984, p. 44, grifo do autor). Apesar do argumento apresentado anteriormente, não é o que os negros sentiam e ainda sentem quando, diariamente, são discriminados, no momento de procurarem emprego, moradia, companheira/o, clube social etc. A falsa crença da democracia racial foi aceita até mesmo internacionalmente como verdadeira, uma vez que, no Brasil, não ocorriam os episódios violentos envolvendo raças, como os noticiados em outras partes do mundo. A discriminação, no Brasil, porém, apresenta um quadro de exclusão que também seleciona quem cursará a graduação e, por consequência, ocupará os melhores cargos e salários, cujos filhos, em consequência estudarão em escolas particulares, ou as públicas classificadas como as melhores, obtendo êxito no vestibular e se graduando, sendo essas “trajetórias escolares chamadas pelos estudiosos de círculos virtuosos” (NOGUEIRA29 2000 apud QUEIROZ, 2004, p. 82, grifo da autora), pois os levam novamente a ocupar os melhores cargos e salários e assim sucessivamente, demonstrando que o direito ao ensino superior é monopólio de uma elite. Para romper esse círculo, dando oportunidades a um número considerável de pessoas a quem, até então, não era permitido o direito de sonhar com uma ascensão social, cabe à Universidade um papel relevante no sentido da democratização do ensino e inclusão de grupos fragilizados pelas mais diversas razões, dentre eles os negros, objeto desta pesquisa. Dentre as iniciativas tomadas, podemos citar as cotas para negros no ensino superior, que se tornaram um importante instrumento de inclusão, muito embora, até o presente momento, sejam motivo de embates e questionamentos. No entanto, no plano legal, já se encontram consolidadas com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu em 26 de abril de 2012 a constitucionalidade das cotas (GORGULHO, 2012, n.p.). Outro importante marco rumo à democratização do ensino superior deu-se com a sanção da Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, pela Presidente Dilma Rousseff, que estabelece cotas sociais com recorte étnico-racial nas Universidades Públicas Federais, passo 29 NOGUEIRA, Maria Alice; ROMANELLI, Geraldo; ZAGO, Nadir (Orgs.). Família e escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares. Petrópolis: Vozes, 2000. 55 relevante no dizer de Mercadante30 (2012 apud ALCANTARA, 2012, n.p.), entendendo que “essa política de cotas para o ensino público vai representar grande motivação aos estudantes que estão no ensino médio, que representam 88% dos estudantes [...]". No que diz respeito a essa parcela de reserva étnico-racial, especialmente para negros, ao analisar a situação de descaso com que essa população vem sendo tratada historicamente, Bairros31 (2012 apud ALCANTARA, 2012, n.p.) acrescenta que “[...] com essa lei demos um grande passo naquilo que se refere às ações afirmativas nas universidades. Em quatro anos pode nos levar a um total de 56 mil vagas reservadas para alunos negros” , e conclui, constatando que, dos 220 mil alunos no ensino público federal, apenas 8,7 mil são negros, estatística que demonstra flagrantemente que essa população estava excluída dos bancos universitários. Abstraindo a questão legal, que hoje se encontra praticamente consolidada pela edição da lei acima mencionada e pela posição do STF, nota-se que o sistema de cotas para negros nas universidades públicas conta com defensores e opositores, bem como com um grupo numeroso que se mantém indiferente sobre o assunto, entendendo, erroneamente, que, no Brasil, não há de se falar em preconceito ou discriminação racial, pois se considera que o país já superou esta chaga, ou que o racismo não existe. Diante desse quadro de omissão e desinformação, a ideia veiculada na sociedade – notamos claramente o posicionamento da mídia de grande porte – é a associação exclusiva de ações afirmativas como sinônimos de cotas e cópia da política implementada nos Estados Unidos. Usam também os conflitos ocorridos nos Estados Unidos para calçar a ideia de que as ações afirmativas não deram certo e ainda acirraram os casos de racismo. No Brasil, acreditam os contra que também será assim. (CORDEIRO, 2008, p. 25). A verdade é que algo tinha de ser feito no sentido de promover o negro e sua cultura, pois até então estes não vinham sendo valorizados, apesar da contribuição relevante que deram para o desenvolvimento do país. O primeiro pensamento que vem à mente de grande 30 Informação obtida no portal notícias.terra.com.br, publicado em 29 de agosto de 2012 sob o título Dilma sanciona lei de 50% de cotas em universidades federais. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/educacao/dilma-sanciona-lei-de-50-de-cotas-em-universidades>. Acesso em: 9 out. 2012. 31 Informação obtida no portal notícias.terra.com.br, publicado em 29 de agosto de 2012 sob o título Dilma sanciona lei de 50% de cotas em universidades federais. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/educacao/dilma-sanciona-lei-de-50-de-cotas-em-universidades>. Acesso em: 9 out. 2012. 56 parte dos brasileiros quando se fala da África é da sua associação à pobreza, e do negro como intelectualmente inferior, pois, de acordo com Gonçalves, A valorização de um currículo eurocêntrico, que privilegiou a cultura branca, masculina e cristã menosprezou as demais culturas dentro de sua composição do currículo e das atividades do cotidiano escolar. As culturas não brancas foram relegadas a uma inferioridade imposta no interior da escola, concomitantemente, a esses povos foram determinados as classes sociais inferiores da sociedade. (GONÇALVES, 2006, p. 6). Os entraves ao acesso escolar do negro têm suas raízes já na educação básica, entre jovens de sete a quatorze anos, pois muito embora, nessa faixa etária, o ensino se encontre praticamente ao alcance de todos, ainda se verifica um obstáculo, na análise de Pereira: Por mais que o ensino fundamental esteja universalizado (cerca de 97% dos jovens de 7 a 14 anos estão matriculados na escola) e programas de transferência de renda como o Bolsa Família incentivam a permanência na escola, nas últimas décadas é cada vez maior o abismo entre a qualidade do ensino nas redes públicas (município e estado) e na rede privada, esta última, operando, via de regra, com uma lógica instrumental voltada ao prosseguimento dos estudos. (PEREIRA, 2011, p. 73), As informações acima sobre o ensino fundamental têm sérias implicações que geram grande diferença nas condições de ingresso na universidade, pois [...] além das questões econômicas (de classe social), as questões étnico-raciais se apresentam com força, criando um cenário no qual, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano (PNUD, 2005), a probabilidade de um branco ingressar na universidade é, no Brasil, 137 vezes superior a de um negro. O percentual de negros com diploma universitário hoje, no Brasil, equivale ao dos Estados Unidos dos anos 1940, quando leis segregacionistas estaduais impediam negros de frequentar, como alunos, universidades para brancos. Equivale, ainda, ao percentual de negros com diploma na África do Sul, durante o apartheid. (PEREIRA, 2011, p. 75). Para comprovar a pouca representatividade negra nos bancos universitários no Brasil e, em especial, no curso de Direito, e a importância da reserva de cotas para se ingressar na universidade, buscamos dados em pesquisas publicadas cujos resultados puderam confirmar a importância da adoção das cotas, principalmente para que os negros pudessem entrar nos cursos ou carreiras consideradas socialmente de maior prestígio. Para se ter uma ideia da ausência da população negra no curso de Direito, tomamos como base pesquisa elaborada em 2004 pelo Prof. Dilvo Ristoff, diretor do INEP, o qual 57 comprovou que o Direito é o sexto curso “mais branco”, com 79,4% das vagas preenchidas por estes (SANTOS, 2006a, p. 27). Diante desses dados, questionamos: E se nada fosse feito, como ficaria a questão do negro brasileiro? A resposta mais coerente sugere que o abismo entre negros e brancos permaneceria inalterado e o quadro de exclusão persistiria como historicamente vem sendo comprovado. Levando-se em conta as profissões com maiores ofertas de emprego e com salários maiores no mercado de trabalho da Região Metropolitana de Salvador (RMS), com base no resultado de coleta de dados junto a empresas que atuam na área de consultoria em recursos humanos daquela região pesquisada e da análise dos cursos oferecidos pela Universidade Federal da Bahia, chega-se a uma “escala de prestígio de cinco posições – Alto, Médio alto, Médio, Médio baixo e Baixo” (QUEIROZ, 2002, p. 46, grifo da autora), sendo o Direito um dos cursos que gozam de “alto prestígio”, pelo que pôde aferir a autora. Os dados de Queiroz não diferem muito da procura por essas carreiras ou cursos nas demais localidades do país, é a conclusão a que chega a autora elaboradora da pesquisa, levando-se em conta as oportunidades de ascensão social, bem como o grande leque de atividades que poderá exercer o egresso com bacharelado em Direito. Ao tratar do aspecto didático-pedagógico, o curso de Direito, na modalidade bacharelado, objetiva a [...] formação de profissionais generalistas, que sejam bons operadores do Direito, alcançando a conscientização de cidadania voltada para a comunidade, trabalhando para maior respeito aos direitos individuais, sociais e coletivos, difusos e garantias legais/constitucionais. (UEMS 2005, p. 17). De acordo com Pochmann et. al. (2006, p. 97) [...] a palavra exclusão remete o pensamento instantaneamente para a ideia de desigualdade. Não há como pensar em grupos privados de direitos considerados básicos sem que se tenha em mente um comparativo, com um outro cujo acesso a esses direitos seja pleno. À vista das disparidades acima apontadas, pode-se perguntar como o Brasil está cumprindo o disposto no artigo 205 da Constituição Federal de 1988, que prescreve: Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno 58 desenvolvimento da pessoa, seu preparo para a o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Ainda o artigo 206, inciso I da mesma Carta, garante como princípio “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. A questão que se impõe é saber se este preceito constitucional está sendo efetivado, garantindo-se oportunidades iguais aos destinatários da norma, respeitando-se suas peculiaridades para galgar a verdadeira democracia. Por essas disposições, é patente que seu conteúdo não vem sendo cumprido, em especial no que diz respeito à educação superior, uma vez que [...] é importante ressaltar ainda dois aspectos de exclusão racial na universidade brasileira. O primeiro é que a pequena participação dos negros é fortemente concentrada nos cursos de menor prestígio. Entre 1980 e 2000, os cursos que registraram maior crescimento são da área de ciências humanas e sociais, em que os negros já apresentavam maior participação. Em cursos que dão acesso a rendimentos mais elevados, como medicina, direito, odontologia, computação e arquitetura, a presença de negros aumentou muito pouco e, em alguns casos, até diminuiu. Em segundo lugar, pode-se especular com bastante segurança que a participação dos negros só não reduziu ainda mais ao longo da década de 1990 porque a expansão do sistema universitário ocorreu mais no setor privado (crescimento de 88%) que no público (53%). (PNUD 2005, p. 71, apud PEREIRA, 2011, p. 75). As informações acima parecem contraditórias, levando-se em conta a expressiva representatividade numérica dos negros em relação aos brancos, de acordo com as estatísticas oficiais promovidas pelo IBGE anteriormente descritas, porém essa superioridade numérica não tem a mesma representação no que diz respeito à formação superior. Foi a partir da constatação de que, se nada fosse feito para tentar equilibrar a escolaridade superior do negro com a do branco, o abismo entre ambos se perpetuaria, que o governo se preocupou acerca da necessidade de implementar algumas ações que pudessem reverter esse quadro. As ações afirmativas foram um marco nesse sentido e hoje são desenvolvidas em diversas instituições do país. Conta Guimarães (2006, p. 22) que “a expressão ação afirmativa originou-se durante o Movimento dos Direitos Civis em 1964, nos Estados Unidos, criada primeiramente para eliminar desequilíbrios raciais no mercado de trabalho, foi estendida, posteriormente, para a área educacional”. 59 No Brasil, pode-se citar como uma das formas de Ação Afirmativa a política de cotas étnico-raciais nas universidades públicas, iniciativa que mitiga a meritocracia, sistema este até então exclusivamente utilizado, mas considerado hoje um critério injusto e excludente, pois [...] constitui um sistema distributivo, que confere de modo desigual vagas e títulos universitários, premiando a capacidade, responsabilidade e talento individuais. Para que seja justo, é preciso que esteja baseado em uma efetiva igualdade de oportunidades, julgando apenas o esforço e competência individual, e não o sobrenome (o que, por óbvio, não constitui mérito próprio). Desta forma, instituir um sistema de cotas é a alternativa eficaz e racional para assegurar um indispensável critério meritocrático, como procedimento para o recrutamento aos bancos universitários. (MARENCO32 2007 apud PEREIRA, 2011, p. 76, grifo nosso). A ideia do mérito tem como premissa que apenas poderão entrar os melhores, uma forma extremamente excludente de selecionar, na qual a trajetória de vida de cada um não é respeitada; não se levam em consideração os percalços particulares de cada pessoa, só se exige uma igualdade no ponto de chegada, do mesmo modo como se, em uma luta, aos lutadores fossem dadas armas diferentes. É contra essa ideologia que Carvalho (2002, p. 84) se insurge, ao dizer que: Temos uma ideologia do mérito e do concurso implantada de uma forma totalmente cega. Colocada e defendida de um modo esquizofrênico, a ideologia do mérito passa a se desvincular de qualquer causa social. Como se alguém, independente das dificuldades que sofreu, no momento final da competição aberta e voraz, se igualasse a todos os seus concorrentes de melhor sorte social. Universalizou-se apenas a concorrência, mas não as condições para competir. Não se equaciona o mérito da trajetória, somente conta o mérito do concurso. Nenhuma avaliação do esforço de travessia, e uma fixação cega, não problematizada, na ordem de chegada. O autor resume bem o que vive grande parte da população brasileira, e em especial a população negra, a quem sempre foram atribuídos os piores trabalhos e salários; seus componentes são obrigados a estudar em escolas públicas, a maioria na periferia das cidades, nas quais a qualidade do ensino oferecido não permite passar em um curso classificado como de “alto prestígio”, o que apenas atualiza o círculo vicioso que essa população enfrenta desde a época da Abolição. 32 MARENCO, A. Mérito e cotas: os dois lados da mesma moeda. 2007. Disponível em: <http://ufrgsprocotas.noblog.org/post/2007/06/22/merito.e.cotas>. Acesso em: 19 jul. 2010. 60 Essa competição desigual pode ser atribuída à ausência de políticas públicas de investimento na educação que promovam condições favoráveis para desenvolver os pré-requisitos exigidos em níveis de domínio dos conhecimentos acadêmicos àqueles que advêm de um ambiente menos favorecido. (EMERICH, 2011, p. 30). Baseando-se na reflexão de Emerich, pode-se afirmar que, se a universidade não revir seus paradigmas, pois, até então, adotava a meritocracia como única forma de ingresso, não será o agente transformador que tanto se espera, mas apenas mais um instrumento de perpetuação das injustiças sociais. A transformação não requer a extinção da meritocracia, mas a adoção de outros critérios somados a ela, de modo a contemplar a realidade brasileira no acesso ao ensino superior. Por isso, Cordeiro alerta que a entrada de negros e indígenas na educação superior pelo processo de cotas vem obrigando as universidades a provocarem mudanças no contexto acadêmico e na relação pedagógica, bem como na estruturação do discurso pedagógico. A resistência maior fica evidente na instância dos currículos em prática na academia. (CORDEIRO, 2008, p. 89). Santos33 identifica três crises que assolam a universidade do século XXI, propondo, para tanto, alternativas. De acordo com o autor, são as de hegemonia, de legitimidade, de instituição. [...] as mesma devem ser enfrentadas através da ecologia dos saberes, a fim de superar a monocultura do saber científico. Isso implica não apenas levar o saber da universidade aos sujeitos sociais, mas também valorizar os seus conhecimentos e articular-se com eles para produzir um conhecimento contra-hegemônico. Além disso, possibilitar que os próprios sujeitos, sobretudo os que sempre estiveram excluídos desse direito ou invisibilizados pela ótica produtivista hegemônica, adentrem à universidade. (SANTOS 2005 apud BENICÁ, 2011, p. 38, grifos do autor). Trata-se da valorização e reconhecimento das diversas culturas, não se satisfazendo a universidade apenas com a reprodução dos conhecimentos acumulados durante os séculos, mas, também, exercendo uma postura ativa, que dialogue com as diversas culturas, tornandose uma “caixa de ressonância” dos saberes adquiridos e construídos. Dessa forma, na tentativa da correção de injustiças históricas perpetradas contra um grupo, até então, excluído dos bancos universitários, a UEMS, dando efetividade à Lei Estadual nº 2.605, de 06/01/2003, de autoria do deputado Pedro Kemp, que determinou a 33 SANTOS, Boaventura de Souza. A Universidade no século XXI: para uma reforma democrática e emancipatória da Universidade. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2005. 61 reserva de, no mínimo, 20% das vagas para negros, começou a promover encaminhamentos para que o referido dispositivo tivesse aplicabilidade, implantando-o para a primeira oferta no vestibular do ano de 200334. Com uma política de cotas para negros, o estado de Mato Grosso do Sul foi um dos pioneiros a oferecer essa reserva de vagas, por meio da UEMS, juntamente com os estados do Rio de Janeiro e da Bahia. O sistema de cotas na universidade é uma Ação Afirmativa no sentido em que entende Munanga (2001, p. 31) “[...] elas visam oferecer aos grupos discriminados e excluídos um tratamento diferenciado para compensar as desvantagens devidas à sua situação de vítimas do racismo e de outras formas de discriminação”. Podemos concluir que elas são uma forma de efetivar a inclusão social, reservando-se a grupos vulneráveis vagas no ensino superior. No mesmo sentido, pode-se também entender as Ações Afirmativas como “medidas governamentais que criam uma reserva de vaga em instituições públicas ou privadas para determinados segmentos sociais” (SALVIANO, 2011, p. 48). Para a compreensão de como as ações afirmativas, especialmente as cotas, se apresentam hoje, cabe contextualizar-se, resumidamente, parte da luta do Movimento Negro até então, bem como as iniciativas no Brasil em matéria de normatização de compromissos assumidos e alguns instrumentos internacionais que cobravam e ainda cobram do governo brasileiro uma postura de inclusão dos vários segmentos sociais. 2.1 Posição internacional e iniciativas no Brasil com relação a Políticas de Ações Afirmativas Os germes de uma política de igualdade e de respeito à diversidade datam de épocas mais remotas. De acordo com Cordeiro (2008, p. 26), “a luta do homem contra a discriminação racial tem suas origens nas idéias defendidas pela Independência Americana, em 1776, e na Revolução Francesa, de 1789, no surgimento dos ideais democráticos e, essencialmente, na luta dos homens pelos seus direitos naturais”. Como marco, tem-se a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que deu início ao desenvolvimento de uma nova ideologia acerca do Direito Internacional dos Direitos 34 Nesta época, a UEMS ainda não havia aderido ao SISU (Sistema de Seleção Unificada). 62 Humanos, tudo regulado pelos tratados internacionais que continham a proteção de princípios humanistas fundamentais. Elaborada pela ONU (Organização das Nações Unidas), a referida Declaração é um dos mais importantes documentos e representa uma carta de intenção aos países signatários, pois reconhece o direito à liberdade, à igualdade e à fraternidade entre todas as pessoas, não admitindo qualquer tipo de distinção entre elas. Prescreve o referido documento: Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo II Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades, estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. A proteção desses direitos passou por diversas fases, sendo a primeira marcada pela proteção geral, necessária numa era pós-nazismo, como forma de evitar que novos episódios como aquele se repetissem. Isto fica claro quando se analisa quem foram os destinatários da Declaração Universal de 1948, assim como quando se lança um olhar para a Convenção para Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio, também de 1948, cuja preocupação é punir a lógica da intolerância pautada na destruição de outro ser humano em virtude de aspectos ligados à sua nacionalidade, etnia, raça ou religião. Outros diplomas internacionais influenciaram ativamente a formação de uma nova ideologia. Como exemplo, temos a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial (1968), a Convenção OIT 111 de 25 de junho de 1958, ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 62.150, de 19 de janeiro de 1968, que trata sobre a discriminação no emprego e profissão e o Plano de Ação da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas (2001) (SANTOS, 2006a). Em resposta ao que ficou estabelecido no Plano de Ação da III Conferência contra o Racismo, o Ministério da Educação e Cultura lançou, no ano de 2002, o Programa Diversidade na Universidade, “[...] com o objetivo de implementar e avaliar estratégias para a promoção do acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a grupos socialmente desfavorecidos, especialmente a população negra e indígena” (SANTOS, 2006a, p. 25), sendo a principal ação desse projeto “o apoio financeiro às instituições que organizavam cursos 63 preparatórios para o exame vestibular de ingresso no ensino superior” (SANTOS, 2006a, p. 25). Cabe também mencionar que os movimentos antirracistas acreditam no ensino como uma das formas mais importantes para alcançarem a tão sonhada igualdade, sendo este o principal foco de luta. De acordo com Gonçalves,35 a educação é [...] ora vista como estratégia capaz de equiparar os negros aos brancos, dando-lhes oportunidades iguais no mercado de trabalho; ora como veículo de ascensão social e, por conseguinte de integração; ora como instrumento de conscientização por meio do qual os negros aprenderiam a história de seus ancestrais, os valores e a cultura de seu povo, podendo a partir destes reivindicar direitos sociais e políticos, direito à diferença e respeito humano. (GONÇALVES 2000 apud CORDEIRO, 2008, p. 27). Esta relevante ferramenta de luta estava sendo negada aos negros, pois a questão do mérito, que até então era o único requisito para se adentrar os cursos universitários via vestibular, era uma forma injusta de admissão, uma vez que premiava a capacidade de cada um, sem perquirir as oportunidades concedidas. Assim, a injustiça verificada nesse caso consistia em tratar os desiguais de forma igual, e essa desigualdade social não é algo natural, mas o “resultado do processo histórico e das decisões políticas advindas da correlação de forças presentes na sociedade” (PEREIRA, 2011, p. 77). No Brasil, no que diz respeito aos negros, datam da década de 1940 as primeiras reivindicações organizadas para implantação de Ações Afirmativas, as quais foram [...] apresentadas no Manifesto à Nação Brasileira, fruto da Convenção Nacional do Negro Brasileiro organizada pelo Teatro Experimental de Abdias do Nascimento. Nesse documento, reivindicava-se o ensino gratuito em todos os graus, a admissão de brasileiros negros como pensionistas do Estado nas escolas particulares e oficiais de ensino secundário e superior do país, incluindo as militares. (CORDEIRO, 2008, p. 39). Entretanto, como nos conta ainda Cordeiro (2008), mais de quarenta anos se passaram até que o primeiro Projeto de Lei fosse apresentado por Abdias do Nascimento, que era então Deputado Federal pelo Rio de Janeiro, propondo o Projeto de Lei nº 1.332, de 1983, que visava, em linhas gerais, compensar a raça negra pelos prejuízos sociais que havia sofrido ao 35 GONÇALVES, L. A. Os negros e educação no Brasil. In: LOPES, E. M. et. al. 500 anos de Educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 325-346. 64 longo das décadas, prevendo cotas para os negros e negras no ensino e no emprego público e privado. O projeto também obrigava o Ministério e as Secretarias de Educação a rever os currículos em todos os níveis de ensino com o objetivo de incorporar, aos estudos de História Geral e História do Brasil, conteúdos que diziam respeito a contribuições positivas dos africanos para a nação, bem como da civilização africana, e o progresso tecnológico e cultural que já havia antes da invasão europeia, dentre outras. No entanto, como nos relata Cordeiro, O projeto não chegou sequer a ser apreciado, porém, várias das medidas ali pensadas estão sendo executadas nesta última década como, por exemplo, a introdução do ensino de história e cultura afro-brasileiras nos currículos do ensino fundamental e médio e as bolsas de estudos para o Instituto Rio Branco. (CORDEIRO, 2008, p. 39). A conclusão a que se chega é que Abdias do Nascimento era um homem adiante do seu tempo, pois agora, passados mais de vinte anos, suas ideias encontram solo fértil para germinar e florescer. Algumas delas ele testemunhou antes da sua morte, em 2011, como, por exemplo, as cotas étnico-raciais nas universidades públicas e a aprovação do Estatuto da Igualdade racial em 2010. O reconhecimento e os avanços da população negra adquiridos nos últimos anos nem sequer se comparam às primeiras oposições ocorridas quando os primeiros negros foram trazidos como escravos para o Brasil, cabendo mencionar que sempre houve a resistência negra à subjugação pelo branco, uma vez que há registros de que A história da resistência negra no Brasil é contemporânea com a vinda dos primeiros escravos, que se deu em meados do século XVI. Posteriormente a esse período, houve resistência organizada com a Revolta de Malês, na Bahia; a instituição da República dos Palmares na Serra da Barriga em Alagoas, reduto que durou até 1695 com a morte de Zumbi; e, por volta da década de 1940, organizouse a chamada Frente Negra de combate ao racismo. (CORDEIRO, 2008, p. 39). Uma das formas de resistência organizada eram os quilombos, que eram comunidades formadas por negros que fugiam de seus senhores e passavam a viver em liberdade. São reconhecidos como um dos primeiros movimentos negros organizados de resistência e luta pela liberdade, dentre os quais, considera-se, como o mais importante no Brasil “o Quilombo dos Palmares [...]. Localizava-se no atual Estado de Alagoas e durou aproximadamente 70 65 anos. Milhares de negros viviam em Palmares, numa área de aproximadamente 27 mil quilômetros quadrados” (SILVA; BASTOS, 1983, p. 45). Entretanto, registram os mesmos autores que, antes disso, o negro empreendeu uma luta solitária na tentativa de edificar sua identidade, liberdade e reconhecimento como povo detentor de suas culturas e tradições. Nesse ensejo, sempre buscou seu reconhecimento como sujeito de direitos, fator que marcou sua trajetória, pois, “[...] apesar de o colono branco e o traficante procurarem embrutecê-lo com a violência – reagiu contra a escravidão evitando a reprodução (para que seus filhos não nascessem escravos), suicidando-se, matando feitores, capitães-do-mato e fugindo” (SILVA; BASTOS, 1983, p. 45). Assim, a existência da escravidão nunca foi pacífica, como muitos acreditam, e, entre avanços e contramarchas, o movimento negro foi conquistando o reconhecimento de seus direitos; mesmo com toda a repressão que ocorreu durante o governo militar, conseguiu manter-se organizado. No processo de democratização do país, o governo brasileiro reconheceu a existência do mito da democracia racial, comprometendo-se a assumir “sua dívida histórica para com os negros” (SILVA, 2008, p. 190), isto no ano de 1995, no mesmo período em que ocorreu uma grande mobilização denominada Marcha Zumbi dos Palmares contra o Racismo e pela Cidadania e a Vida. A III Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, Xenofobia e Intolerância Correlata, que se realizou em Durban, em 2001, sensibilizou o governo brasileiro para a necessidade de ações afirmativas, com o intuito de se promover uma igualdade material entre os grupos menos favorecidos. Dessa forma, com todo este espaço e reconhecimento que o Movimento Negro ganhou no cenário nacional, algumas ações foram implementadas; citam-se, como exemplos, a questão das cotas nas universidades públicas, dentre estas a UEMS; a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010); a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universidades públicas federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e estabelece cotas sociais com recorte étnico-racial. Mas, o que representam as cotas? É o assunto objeto da análise apresentada no próximo item. 66 2.2 Cotas para negros na UEMS As cotas refletem a ideia de inclusão social,36 pois, levando em conta o respeito às peculiaridades de cada um, dão condições para o acesso, por meio de uma política diferenciada, de grupos de pessoas que sofreram e ainda sofrem um histórico processo de discriminação e preconceito. Citem-se, como exemplos, os negros e indígenas. Essa segregação desrespeita o Estado brasileiro, pois “Democracia não combina com racismo. Não existe democracia sem igualdade, nem igualdade sem democracia” (SANTOS, 2003, p. 149). A profundidade dessa assertiva chama a atenção para o momento singular que o Brasil vive atualmente rumo à efetivação de uma democracia material no ensino superior, com a instituição das políticas de ações afirmativas/cotas em algumas universidades públicas. No entanto, o que se presencia como obstáculo para a introdução desse novo paradigma, que leva em conta outros aspectos, além da pura e simples meritocracia, é o fato de que a tão sonhada igualdade material, relativa à raça, gênero e etnia, ainda não é vista como integrante essencial do conceito de democracia. Entretanto, os ativistas do Movimento Negro e grande parte da população já se conscientizaram de que, enquanto não for concedido à população negra o devido acesso à justiça, à educação, ao trabalho, bem como permitida sua participação nas decisões sociais, não se pode falar de uma democracia plena. A edição de leis que criminalizam o racismo e suas formas de expressão não é o suficiente para que a população negra possa gozar dessa democracia, na qual a igualdade de direitos seja precedida da igualdade de oportunidades. A própria definição de racismo exige do intérprete redobrado fôlego, pois até mesmo a palavra raça37 fora pejorativamente utilizada, de acordo com os propósitos e conveniências do momento histórico em que foi empregada. Como exemplo da importância da adoção das cotas pela UEMS, em estudo realizado por Cordeiro (2008), comprovou-se que, em dezembro de 2003, o primeiro vestibular com a criação de cotas, foram ofertadas 328 vagas para negros nesta instituição. 36 Inclusão social é um termo amplo, utilizado em contextos diferentes, em referência a questões sociais variadas. De modo geral, o termo é utilizado ao se fazer referência à inserção de pessoas com algum tipo de deficiência às escolas de ensino regular e ao mercado de trabalho, ou ainda a pessoas consideradas excluídas, que não têm as mesmas oportunidades dentro da sociedade, por motivos como: condições socioeconômicas, gênero, raça, falta de acesso a tecnologias (exclusão digital). A inserção dessas pessoas que se encontram à margem da sociedade ou o acesso às tecnologias aos excluídos digitais ocorre, geralmente, por meio de projetos de inclusão social, o que reforça a utilização desse termo. Disponível em: <http://www.infoescola.com>. Acesso em: 10 out. 2012. 37 “[...] grupo de pessoas socialmente unificadas numa determinada sociedade em virtude de marcadores físicos como a pigmentação da pele, a textura do cabelo, os traços faciais, a estatura e coisas do gênero” (CASHMORE, Ellis; BANTON, Michael et al. Dicionário de Relações Étnica e Raciais. São Paulo: Summus, 2000, p. 454). 67 Ao final das matrículas, em 2004, especificamente no curso de Direito, ingressaram pelas cotas, no ano de 2004, 9 (nove) alunos em Dourados, 10 (dez) em Naviraí, 6 (seis) em Paranaíba no matutino e 15 (quinze) no noturno, perfazendo um total de 40 (quarenta) ingressos, demonstrando, já no primeiro ano de oferta de vagas para negros na UEMS, uma mudança de direção do cenário desalentador anteriormente relatado. De acordo com os dados dos questionários socioeconômicos aplicados aos candidatos do vestibular até 2002, estimava-se em 27% os autodeclarados (pardos), pois não havia no questionário o critério negro. Quanto aos matriculados, nenhum registro de cor era solicitado nos formulários de matrícula antes das cotas. Ademais, o racismo no Brasil tem um aspecto interessante: condena-se a sua prática; no entanto, nenhuma instituição reconhece que em seu meio alguém o pratique, é a conclusão a que chega Santos, quando afirma que A discriminação racial é um ato reconhecido em nossa sociedade, mas, paradoxalmente, não pode ser admitida sua existência e muito menos identificada naquela ou em qualquer outra instituição. A probabilidade zero de ocorrência não permite sequer a dúvida. (SANTOS, 2003, p. 156). A imagem do Brasil sustentada internacionalmente era a de um país que cultivava uma verdadeira democracia racial. Aqui não existiam os conflitos raciais violentos, como noticiados em outras partes do mundo, tais como nos Estados Unidos. Nessa conjuntura, imaginava-se que havia uma igualdade material entre as raças. No entanto, mesmo alicerçados nessa ideologia, seus defensores não conseguiam explicar porque aos negros eram atribuídos os menores salários e os postos inferiores na hierarquia social. Isto soma-se aos fatos de as pesquisas demonstrarem a pobreza em que vivia grande parte dessa população e a sua escolaridade ser menor que a do branco. As afirmações anteriores comprovam a existência de uma discriminação entre as raças, que, nas palavras de Piovesan, é representada por [...] toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo. Logo, a discriminação significa sempre desigualdade. (PIOVESAN, 2008, p. 20). 68 Esse entendimento confirma o conceito de discriminação racial expresso no artigo 1º da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial de 1968, que oferece importantes subsídios para se chegar ao significado do termo. De acordo com a referida Convenção, a [...] expressão "discriminação racial" significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública. (CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO RACIAL DE 1968, grifo do autor). De fato, estamos no caminho da democracia, e as instituições públicas têm plena liberdade em seu funcionamento. Essa democratização do acesso ao ensino superior é uma questão relevante na área da educação, uma vez que a universidade, no Brasil, sempre foi um espaço reservado à elite, embasado em critérios individualistas e meritocráticos, que desconsiderou qualquer outra circunstância social, econômica cultural e política. Entretanto, como nos conta Pereira (2011, p. 73): “Na última década, estamos vivenciando um processo de expansão do acesso ao ensino superior, particularmente com o Governo Lula (2003), em suas políticas como ProUni, UAB e Reuni.” No entanto, um dilema ainda se impõe: esses programas abrangem todos os segmentos historicamente excluídos, equalizando uma cidadania para todos, inclusive àqueles centenariamente marcados pelas desigualdades raciais? Acreditamos que não, pois a compreensão errônea do que venha a ser igualdade cria muito mais injustiça do que resolve problemas, e equipara os que se encontram em situações diferentes. Não respeitar as desigualdades é a maior forma de discriminar. Afirmar que todos são iguais, pode conter uma indagação: iguais a que? Vide, pois, o artigo 179, inciso XIII da Constituição Política do Império, de 25 de março de 1824, que fora outorgada seis décadas antes da abolição da escravidão, que prescreve: “Art. 179 [...] XIII – A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.” (SILVA JR., 2002, p. 8). Nessa época já se apregoava uma igualdade e o texto citado confirma seu status constitucional; no entanto, a escravidão ainda existia, e o negro era tratado como coisa, propriedade de seu dono. Todavia, se acaso viesse a cometer algum crime, responderia como pessoa. 69 O paradoxo apresentado anteriormente ainda esteve presente na vida da população negra por muito tempo, pois, muito embora os negros sejam numericamente superiores no Brasil, de acordo com os dados do IBGE, poucos estão presentes na sociedade, quando se trata dos cargos de prestígio ou lugares de visibilidade. Identificado o problema, deve-se pensar nas formas de se coibir a sua ocorrência. Como alternativa, tem-se a solução proposta pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, que destaca duas vertentes: “a) a estratégia repressivo-punitiva (que tem por objetivo punir, proibir e eliminar a discriminação); b) e estratégia promocional (que tem por objetivo promover, fomentar e avançar a igualdade)” (PIOVESAN, 2008, p. 20, grifo nosso). A simples e tão só proibição da segregação não é o suficiente para a promoção de igualdade e respeito, pois visa muito mais à pessoa do infrator do que à própria vítima da discriminação. A conjugação das duas vertentes, a repressiva com a instituição de políticas compensatórias é uma forma de proporcionar uma igualdade material. No Brasil, quando se trata de efetivar o direito à igualdade racial, essa iniciativa encontra fortes opositores. O país tem avançado muito na busca de ações que favoreçam o exercício de direitos garantidos pelo Estado Democrático de Direito, porém, ainda resta um longo caminho pela frente. Importante passo neste sentido são as políticas de ações afirmativas e, dentre eles, as cotas. Contudo, o Estado, mesmo com a implantação dessa política, não se exime de proporcionar acesso e condições de permanência para todos os brasileiros no ensino superior. Confirmando essa declaração, encontramos a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que traz, em seu artigo 208, diversas garantias que devem ser efetivadas pelo Estado no que se refere à Educação, vindo, em seu inciso V, determinar que cabe ao Estado brasileiro proporcionar o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (BRASIL, 1988). Entretanto, essa garantia consiste em assegurar o acesso, mas não especifica, no mesmo texto, como isso sucederá. Cabe ao Estado, ao menos teoricamente, “[...] promover e incentivar políticas de reparações [e] garantir indistintamente, por meio da educação, iguais direitos para o pleno desenvolvimento de todos e de cada um, enquanto pessoa, cidadão ou profissional” (MULLER38 et al. 2009 apud EMERICH, 2011, p. 23). Nesse contexto, as ações afirmativas, especialmente as cotas, têm-se tornado um mecanismo importante de inclusão social e étnico-racial , podendo ser conceituadas como 38 MULLER, Maria Lúcia Rodrigues, et al. Educação e diferenças: os desafios da Lei nº 10.639/03. Cuiabá: EdUFMT, 2009. 70 [...] medidas especiais e temporárias que, buscando remediar um passado discriminatório, objetivam acelerar o processo de igualdade, com o alcance da equidade substantiva por parte de grupos vulneráveis, como as minorias étnicas e raciais e as mulheres, dentre outros grupos. (PIOVESAN, 2008, p. 21). O estabelecimento desse tipo de ação, que cumpre uma função de política compensatória, é, muitas vezes, adotado para mitigar ou remediar uma situação de desequilíbrio atual, reflexo de um passado discriminatório, servindo como um importante instrumento para a concepção do estabelecimento de um Estado Democrático, uma vez que compete a este garantir o respeito à diversidade e às diferenças. Salviano afirma que esse tipo de política não é recente no Brasil, e que a pressão internacional foi decisiva para uma postura mais enérgica do governo brasileiro: [...] dentro deste cenário de ações afirmativas [...] com a rejeição ao racismo, declarada pela participação ativa do Brasil na Conferência promovida pela ONU em Durban/2001, que ganhou força normativa no direito brasileiro e pressionado pelos Movimentos Afrodescendentes e Indígenas, bem como vários outros movimentos sociais, inicia-se uma série de ações para o desenvolvimento de políticas voltadas a população negra e indígena que acarreta na adoção de cotas (reserva de vagas) nas Instituições de Ensino Superior brasileiras. (SALVIANO, 2011, p. 58). Pode-se perceber que, mais difícil do que a adoção do sistema de cotas, foi o reconhecimento de que, no Brasil, existia e ainda existe discriminação e racismo. Mesmo os dados oficiais comprovando a condição caótica que o negro vivia em relação ao branco, insistia-se no mito da “democracia racial”, ideologia responsável pelo atraso da adoção de medidas compensatórias. Admitida a inverdade dessa suposta democracia racial, a implementação de ações foi motivo de lutas e reivindicações. Nesse contexto, entram as Ações Afirmativas, que, no dizer de Oliven, [...] refere-se a um conjunto de políticas públicas para proteger minorias e grupos que, em uma determinada sociedade, tenham sido discriminados no passado. A ação afirmativa visa remover barreiras, formais e informais, que impeçam o acesso de certos grupos ao mercado de trabalho, universidades e posições de liderança. Em termos práticos, as ações afirmativas incentivam as organizações a agir positivamente a fim de favorecer pessoas de segmentos sociais discriminados a terem oportunidade de ascender a postos de comando. (OLIVEN, 2007, p. 30). Com a adoção das políticas de Ações Afirmativas, sendo as cotas na Universidade um de seus principais mecanismos para a promoção da democratização do ensino superior, 71 podemos pensar até na ascensão de uma igualdade meramente formal a uma igualdade real ou substancial, aproximando os dois extremos, os quais, pelo curso natural, distanciar-se-iam cada vez mais. Abordando este assunto, Munanga39 (2001 apud EMERICH, 2011, p. 30) diz que o sistema de cotas “[...] é apenas um instrumento e uma medida emergencial enquanto se buscam outros caminhos”. Ele é, portanto, uma medida transitória, permanecendo ativa até que se consiga uma melhor adequação do Estado brasileiro, bem como o aprimoramento e conscientização da sociedade na busca da democracia substancial e da plena cidadania. Dessa forma, as cotas são o começo das providências a serem tomadas pelo Estado em favor daqueles que foram e ainda são sistematicamente discriminados pela sua raça. Algumas universidades, reconhecendo essa vulnerabilidade histórica, já haviam criado políticas compensatórias consistentes na reserva de vagas. Em Mato Grosso do Sul, a Lei nº 2.605/2003 estabeleceu percentuais mínimos de ingresso dessa população à universidade, estabelecendo em seus artigos primeiro e segundo: Art. 1º A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul deverá reservar uma cota mínima de 20% de suas vagas nos cursos de graduação destinada ao ingresso de alunos negros Art. 2º O Poder Executivo, por meio da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, regulamentará a matéria no prazo de noventa dias a contar da Publicação desta Lei. A implantação desta Lei na UEMS ocorreu no mesmo ano, com o ingresso dos negros cotistas já no ano letivo de 2004. De acordo com Cordeiro (2008, p. 17), foi “uma oportunidade para construir e executar um processo único no Brasil. [...] um processo de discussão e debate acadêmico e sociopolítico com todos os segmentos internos e externos à Universidade”. Com a edição da Lei estadual anteriormente mencionada, bem como a determinação, em seu artigo segundo, de que, no prazo de noventa dias, o Poder Executivo, por intermédio da UEMS, regulamentaria a matéria, a Universidade teve que se mobilizar, especialmente por meio de sua Pró-Reitoria de Ensino, responsável pelo processo seletivo (vestibular). Muitos foram os estudos e reuniões de trabalho visando dar efetividade à referida Lei, regulamentando-a para estabelecer os critérios de inscrição sem que houvesse injustiça, uma vez que não se poderia admitir que uma lei criada para corrigir discriminações 39 MUNANGA, Kabengele. Superando o racismo na escola. 3. ed. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Fundamental, 2005. 72 sistematicamente praticadas contra os negros, perpetrasse outras piores que as primeiras, uma vez que admitidas sob o manto da correção das desigualdades. Descreve novamente Cordeiro (2008), Pró-Reitora de Ensino em 2003 e grande responsável pela articulação e encaminhamento dos debates para a implantação da reserva de vagas já no mesmo ano, as atividades realizadas para a discussão e envolvimento da sociedade: [...] foi criada uma comissão que durante os trabalhos promoveu o Fórum de Discussão “Reserva de vagas para indígenas e negros na UEMS: vencendo preconceitos”, nos quatorzes municípios onde existem Unidades Universitárias da UEMS e na sua Sede em Dourados, no dia 13 de maio de 2003. Nesse fórum, participaram representantes indígenas, do Movimento Negro e da sociedade em geral, além da comunidade acadêmica. Baseada nessas discussões, a comissão fez um processo de sensibilização na instituição através de seminários, palestras, reuniões com coordenadores de cursos e pessoal da administração, durante uns seis meses. Foram realizadas diversas audiências públicas em vários municípios do estado com a minha presença, do Movimento Negro e do deputado autor da lei de cota para negros. (CORDEIRO, 2008, p. 17-18, grifos da autora). Por esses encaminhamentos, pode-se perceber que o processo de implantação foi democrático, com a presença constante de representantes do Movimento Negro, significando o início de uma mudança de paradigma, pois se estava dando ao negro a oportunidade de ser ouvido nas decisões sociais, uma vez que até então, no Brasil, a essa população ainda não era concedido o direito à voz no espaço acadêmico de “intelectuais”, totalidade quase absoluta de “brancos”. Com a finalização desse processo, uma vez que o tempo exigia agilidade para a sua implantação no vestibular do mesmo ano, foi aprovada pelo COUNI-UEMS a Resolução nº 241, de 17 de julho de 2003, dispondo sobre as vagas em regime de cotas nos cursos de graduação da UEMS, levando em conta a Lei nº 2.605, de 6 de janeiro de 2003, estabelecendo em seu artigo primeiro e alínea “b”: Art. 1º As vagas ofertadas para o ingresso aos cursos de graduação da Fundação Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, pelo processo de seleção, serão aprovadas e normatizadas pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, distribuídas por curso, obedecendo a seguinte proporção: [...] b) vinte por cento aos aprovados que concorreram às vagas ofertadas no regime de cotas para negros; 73 Essa Resolução veio, posteriormente, a ser revista, considerando-se que reservava o quantitativo de vagas para negros sem qualquer outra exigência. Assim, novamente aqueles que tiveram condições de estudar em escola particular levariam vantagem, o que amenizaria minimamente o problema da população negra, mas não do negro que havia estudado em escola pública e presumidamente pobre, uma vez que aqueles estariam em condições de aprovação pelas vagas gerais. Para a correção dessa injustiça, logo após se aprovou norma retificadora, na figura da Resolução COUNI-UEMS nº 250, de 31 de julho de 2003, que estabelece: Art. 1º Fica alterada a redação da alínea “b” do art. 1º da Resolução COUNI-UEMS Nº 241, de 17 de julho de 2003, publicada no DO/MS Nº 6051, de 1 de agosto de 2003, p. 21, que dispõe sobre a oferta das vagas em regime de cotas dos cursos de graduação da UEMS, que passa a vigorar como segue: [...] b) vinte por cento aos aprovados que concorreram às vagas ofertadas no regime de cotas para negros, oriundos de escolas da rede pública de ensino ou bolsistas da rede privada de ensino. (grifo nosso) Sem dúvida alguma, o acréscimo de mais esse requisito foi de grande valia na busca da justiça, via sistema de cotas raciais, uma vez que a ausência dessa exigência permitiria que o negro que teve acesso a escola particular poderia preferir concorrer pelas cotas e levaria vantagem em relação àquele que cursou o ensino fundamental e médio em escola pública. Situação que levaria o negro pobre outra vez a ser excluído, verificando-se novamente a injustiça. Com a exigência de comprovação de haver estudado em escola pública ou particular mediante bolsa para o negro que quisesse concorrer ao sistema de cotas, houve uma fusão entre a cota social e racial, favorecendo em grande parte os mais carentes, proporcionando à instituição um novo desafio, consistente em [...] nova reflexão e postura às universidades que contam, cada vez mais, com alunos provindos das camadas populares, assim, “temos que enfrentar o desafio de repensar a própria instituição universidade, sob pena de estarmos passando de uma exclusão da universidade para uma exclusão na universidade, fato que poderá desencadear processos expressivos de evasão”. (PEREIRA 2011, p. 76, grifos do autor). Mesmo com todas essas preocupações, o sistema de cotas não se tornou imune a críticas; contudo, beneficiou a classe menos favorecida, proporcionando a realização do sonho de uma formação superior e ascensão social. E, muito embora haja resistência às cotas, seus 74 opositores esquecem o fato de que os futuros advogados vão enfrentar essa diversidade quando de sua atuação profissional. Dentre os discursos de oposição podemos destacar que [...] o desfavorecimento de negros e índios na sociedade brasileira é uma premissa falsa e que nem todos os índios e negros pertencem à categoria mais pobre da população;[...] nem todos os “brancos” estão na outra ponta da pirâmide social; [...] que nem todos os menos favorecidos economicamente se encontram alijados de boas instituições de ensino; [...] total ausência de critério para qualificação como negro e índio a esmagadora maioria da população com ascendência em tais etnias; [...] que o sistema de cotas é esdrúxulo, que é mais correto melhorar a qualidade de ensino público que é acessível a todos e investir em programas que melhorem e universalizem o acesso ao ensino superior; [...] que as cotas prejudicam os demais candidatos, marginaliza os cotistas e perpetua o conflito social; [...] que mesmo com falhas, o vestibular trata-se de sistema meritório, que garante não somente aos mais preparados, mas também aos mais dedicados e interessados o acesso ao curso pretendido. (CORDEIRO; NOLASCO, 2004, p. 1-9) Para prevenir eventuais fraudes, bem como falsas autodeclarações, a Resolução CEPE/UEMS nº 430, de 30/07/04, que revogou a Resolução CEPE/UEMS n. 382/03 (que regulamentava os requisitos para a inscrição e concorrência às vagas pelas cotas, exigidos do candidato no ato da inscrição e sob a qual se ofertou o primeiro vestibular com cotas), fez algumas alterações, mas os critérios permaneceram conforme descritos a seguir: Art. 9º Aos candidatos que optarem por concorrer no regime de cotas de 20% (vinte por cento) para negros, além dos incisos I, II, III e IV do art. 8º, serão exigidos: I - uma foto colorida recente 5x7 cm; II - autodeclaração constante na ficha de inscrição; III - fotocópia do histórico escolar do Ensino Médio ou atestado de matrícula expedido por escola da rede pública de ensino; IV - declaração da condição de aluno bolsista fornecida por instituição da rede privada de ensino, quando for o caso. § 1º Os candidatos inscritos no percentual de vagas para negros terão suas inscrições avaliadas por uma comissão instituída pela Pró-Reitoria de Ensino da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, composta por representantes da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e do Movimento Negro, indicados pelo Fórum Permanente de Entidades do Movimento Negro do Mato Grosso do Sul e pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Negro, que as deferirá ou não, por decisão fundamentada, de acordo com o fenótipo do candidato. A análise de responsabilidade da comissão composta pelos representantes citados foi salutar para evitar a fraude ou a má-fé, ou mesmo a desinformação, uma vez que a miscigenação no Brasil é uma característica marcante e muitos ainda não sabem como se autodeclarar racialmente, inclusive pelo fato de não possuirem a consciência da sua identidade étnico-racial. Ao final da referida Resolução, esta arremata, em seu parágrafo segundo, que os 75 candidatos que tiverem suas inscrições indeferidas concorrerão automaticamente às vagas gerais. Atualmente, os quatro Cursos de Direito da UEMS oferecem 180 (cento e oitenta) vagas; deste quantitativo, a UEMS disponibiliza cota de 20% para negros40 que tenham estudado em escola pública ou em escola particular, se comprovada sua condição de bolsista, o que representou, para os candidatos que fizeram o vestibular em dezembro de 2007 e ingressaram no curso em 2008, um total de 10 (dez) vagas em Dourados, 10 (dez) em Naviraí e 8 (oito) em Paranaíba no período matutino e o mesmo número para o noturno, ou seja, 36 (trinta e seis) vagas para os cotistas. Porém, em Paranaíba, o ingresso de negros cotistas se dá na proporção de 30%, pois os 10% de vagas destinadas à cota para indígenas em nenhum ano foi preenchida, pela ausência de povos indígenas na Região do Bolsão e, de acordo com as normas, são os negros que as ocupam. Para a compreensão de como essas vagas são ocupadas e/ou remanejadas, tem-se que analisar o estabelecido na mencionada Resolução, em seu Capítulo V – Das Convocações para Matrículas – artigo 26, § 5º, que estabelece: a) as vagas remanescentes do regime de cotas para negros serão preenchidas por candidatos das cotas para indígenas, obedecendo à ordem de classificação; b) as vagas remanescentes do regime de cotas para indígenas serão preenchidas por candidatos das cotas para negros, obedecendo à ordem de classificação; c) ainda havendo vagas remanescentes nos regimes de cotas, as mesmas serão preenchidas pelos classificados nos 70% (setenta por cento) referentes às vagas gerais, obedecendo à ordem de classificação. (RESOLUÇÃO CEPE-UEMS Nº 430, 2004, n.p.). Tratando ainda da oferta de vagas, o artigo 28 da mesma Resolução destaca que: “esgotadas as convocações, as vagas provenientes do cancelamento de matriculas serão destinadas ao processo de transferência para o ano subsequente, de acordo com as normas específicas estabelecidas pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão”. O sistema elaborado pela UEMS, muito embora resultado de um processo democrático, ainda sofre críticas, que ora emergem dos critérios de admissão da pessoa como negra, ora por ter aderido ao sistema de cotas. Hoje, as cotas na UEMS são uma realidade que não pode ser questionada quanto a sua legalidade, restando continuar os estudos para a busca de seu aprimoramento. Pois, apesar de todo este processo democrático e desse arcabouço jurídico que as sustentam, um aspecto ainda encontra forte resistência para que, na prática, o 40 De acordo com o IBGE, a raça negra compreende os pretos e os pardos. 76 sistema de cotas funcione como deveria, garantindo-se ao negro não apenas a entrada, mas também a permanência. Esse entrave à permanência depende da aceitação e adequação dos docentes às cotas e políticas internas da instituição. Salviano (2011), após uma análise da representação docente acerca das cotas para indígenas na UEMS no curso de Direito, na sede de Dourados, bem como seus reflexos, e tendo questionado os docentes, fala sobre o despreparo destes para lidar com a diversidade, pois [...] desde a aprovação das cotas, e após várias pesquisas que comprovam não haver diferença no aprendizado e desempenho do cotista e do não cotista, mesmo assim o que ainda se vê é o discurso velado da discriminação. Os docentes ouvidos nessa pesquisa, ainda não conseguem aceitar essa inclusão, principalmente com relação ao indígena. A meu ver, ainda trazem para a sala de aula muito do folclórico e da ideia de integração cultural que permeou durante séculos o imaginário popular. O que se ensina não atende as disposições constitucionais de respeito e conservação da diferença. Muito pelo contrário, já que o que se ensina e como se ensina, vem da antiga formação deficitária do bacharel em direito, sem qualquer modificação no modo de transmissão e de pesquisa desse professor. (SALVIANO, 2011, p. 64). O que descreve a autora sobre o curso de Direito acerca das cotas para os indígenas pode perfeitamente ser aplicado à presença dos negros cotistas no mesmo curso e sua relação com os docentes e gestores, pois o que existe é uma posição de resistência, uma vez que, desde a implantação dos primeiros cursos jurídicos no Brasil, criou-se a crença de que este é de alta cultura, pois na época só se admitia o conhecimento formal como válido, o que faz com que até hoje os docentes desse curso tenham uma visão elitista do mesmo, com a plena convicção de que o seu egresso alcançará “os mais elevados cargos nos concursos públicos da carreira jurídica, com bagagem doutrinária suficiente para enfrentar o Exame de Ordem e obter a aprovação” (SALVIANO, 2011, p. 67). Portanto, assumir uma postura a favor ou contra a política de ação afirmativa de reserva de vagas (sistema de cotas) não é uma questão relativamente simples quando não se tem conhecimento das questões históricas e políticas envolvidas na temática. É importante haver uma reflexão aprofundada sobre as ações afirmativas, e não apenas posicionamentos ideológicos, sem o conhecimento teórico da pluralidade étnico-racial em que estamos inseridos. Com base nessa reflexão é que as ações afirmativas necessitam ser pensadas no contexto do sistema de cotas, como um mecanismo de acesso à educação superior pelo viés do direito social para aqueles que, historicamente, foram excluídos dos processos de acesso à educação e de outros direitos sociais. (EMERICH, 2011, p. 27). 77 Pelas informações anteriormente apresentadas, pode-se inferir que as políticas de ações afirmativas constituem-se de múltiplas iniciativas implementadas por programas e projetos, com especial destaque ao sistema de cotas, cuja definição pode ser dada como uma interferência político-social “que busca promover o princípio da igualdade em prol das minorias raciais e étnicas [...] estando, desde o ano de 2002, inseridos nas discussões de algumas universidades públicas estaduais e federais deste país” (CORDEIRO, 2008, p. 25). Mas ainda cabe questionar: as pessoas envolvidas na efetivação dessa política conscientizaram-se de seu papel como artífices dessa nova realidade ou julgam essas ações dispensáveis por ainda acreditarem no mito da “democracia racial”? No trabalho realizado por Guimarães (2006), que levantou, por um período de doze meses, as falas no Orkut de vários segmentos da sociedade brasileira, uns contra, outros a favor das cotas nas universidades públicas, a autora pôde concluir que a maioria da população é a favor das cotas, especificamente as sociais; no entanto, é contra as cotas raciais. As razões que levam as pessoas a se posicionarem dessa forma talvez estejam ligadas aos valores passados de pais para filhos relativos à raça negra, cultivando o pensamento de que estes são intelectualmente inferiores. Desconhecem esses opositores a saga vivida pelos negros desde que foram trazidos ao Brasil na condição de escravos. Fazendo uma pequena retrospectiva histórica para entender as marcas que esse povo carrega até nossos dias, Alencar41 (1979 apud SILVA; BASTOS, 1983, p. 45) diz que “o negro entra na sociedade brasileira como cultura dominada, esmagada. E as marcas da escravidão persistem, no disfarçado preconceito racial, na situação miserável de muitos. Não se pode pensar em Brasil sem levar em conta toda essa história”. A ausência de políticas estatais efetivas e organizadas faz com que se perpetuem as discriminações e injustiças sociais que se seguiram à libertação, uma vez que o governo não se preocupou com iniciativas que pudessem integrar o negro à sociedade, agora já na condição de liberto, mas preferiu, em um primeiro momento, apoiar a imigração de grandes levas de italianos para dar continuidade à lavra do café, que era cultivado principalmente na região sudeste (SILVA; BASTOS, 1983, p. 48). Sem a renda necessária para manter-se e firmar-se com dignidade em uma sociedade capitalista como a brasileira, o negro foi marginalizado e discriminado. Para reverter esse quadro centenário de abandono, tem-se, nas Políticas de Ações Afirmativas, um importante mecanismo, sendo o sistema de cotas nas universidades públicas uma relevante compensação 41 ALENCAR, Francisco et al. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979. p. 20. 78 dessas injustiças, pelo fato de proporcionar os instrumentos necessários na luta por reconhecimento dos mesmos privilégios até então concedidos somente aos brancos. O grande mérito das Ações Afirmativas/cotas é servir de contraponto a esse quadro de discriminação e preconceito, que deita suas raízes até nossos dias; nisso consiste essa política, que, no dizer de Emerich (2011, p. 30), [...] é assegurado ao aluno negro competir pela vaga na educação superior de forma igualitária. Ele compete com outros que tiveram as mesmas oportunidades restritas – uma vez que alunos negros, em sua maioria, são oriundos de classe economicamente desfavorecida, o que provavelmente se reflete em limitações para adentrar na educação superior por meio da competitividade do vestibular e da disputa no sistema de vagas geral. E conforme arremata Cordeiro (2008, p. 158), [...] pode ser que a política de cotas não seja a melhor solução para a exclusão social e cultural, mas é a única política adotada até agora com bons resultados para promover reparação, compensação e inclusão dos negros e indígenas alijados do processo de aquisição de conhecimento durante toda história deste país. O que se pôde abstrair dos diversos posicionamentos foi que, necessariamente, algo tinha que ser feito nesse país para que não se perpetuassem as desigualdades entre as raças, sendo que a vulnerabilidade do negro tem suas raízes desde que chegou ao solo brasileiro, pois a escravidão era justificada cientificamente e até mesmo na abolição houve uma preocupação maior com os brancos, que não queriam a miscigenação, vista como forma de degeneração da raça, do que com a situação dos negros. Para evitar que os negros se misturassem com os brancos, investiu-se em grandes levas de imigrantes italianos para trabalhar de forma assalariada, sendo que este direito não foi concedido aos libertos, os quais foram sendo empurrados para fora das cidades, constituindo bolsões de pobreza, ou seja, uma segunda escravidão. Nascia, assim, a política do branqueamento42 da sociedade brasileira. Com o reconhecimento do mito que imperava no Brasil, denominado “democracia racial”, crença reconhecida até mesmo internacionalmente, somado ao que demonstravam as 42 “A ideologia do branqueamento se efetiva no momento em que, internalizando uma imagem negativa de si próprio e uma imagem positiva do outro, o indivíduo estigmatizado tende a se rejeitar, a não se estimar e a procurar aproximar-se em tudo do indivíduo estereotipado positivamente e dos seus valores, tidos como bons e perfeitos” MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o Racismo na Escola. 2. ed. revisada. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. p. 23. 79 pesquisas sobre a pobreza e discriminação que o negro enfrentava, a pressão internacional começou a exigir do Brasil posturas mais efetivas, que pudessem minorar os efeitos perversos que séculos de discriminação e preconceito impingiram a essa população. Nesse contexto, entram as Ações Afirmativas e, em especial, as cotas no ensino superior, como uma medida paliativa e transitória para tentar reverter esse quadro de abandono. Pelo pouco tempo de sua adoção em algumas universidades, pode-se afirmar que elas estão cumprindo um importante papel nessa iniciativa que visa à consecução de um legítimo Estado Democrático de Direito e o estabelecimento de uma igualdade material entre todos os integrantes da comunidade brasileira. Visando a um diálogo mais estreito com os principais beneficiários dessa oferta de vagas, bem como a visão dos coordenadores acerca de alguns aspectos referentes aos negros cotistas, aplicamos questionários aos negros cotistas ingressos no ano de 2008, bem como aos coordenadores do curso de Direito desde a mesma época, uma vez que o objetivo da pesquisa foi fazer uma avaliação da trajetória acadêmica desses cotistas, suas conquistas e percalços. Ninguém mais autorizado a dar essas informações do que aqueles que se encontram no fim desse trajeto e os coordenadores que acompanharam de perto essa caminhada. Para compreender os caminhos percorridos para a realização da pesquisa, bem como os aspectos relacionados à coleta dos dados e sua análise, descrevemos, no capítulo seguinte, as trilhas, encontros e desencontros enfrentados em nosso percurso. 80 3 PERCURSOS METODOLÓGICOS O debate entre correntes divergentes pode ser enriquecedor, se os seus fautores não se plantarem em trincheiras ideológicas arregimentando munições para as suas fortalezas, sem atinar pelos frutos que debates bem fundamentados podem trazer ao avanço das ciências humanas e sociais. Antonio Chizzotti 3.1Trilhas da pesquisa As primeiras cotas para negros na UEMS foram oferecidas em dezembro de 2003 para o ingresso na Universidade no ano de 2004. Logo, já se passaram mais de dez anos desde sua primeira oferta. Houve muitas modificações na universidade desde a sua implantação, como, por exemplo, a consolidação do reconhecimento da legalidade das cotas e pesquisas abordando o tema. Esse interesse dos pesquisadores, configurado em dissertações e teses, no que concerne aos estudos de cotas para negros na universidade, representa um progresso para a compreensão da diversidade, pois, no Brasil, até bem pouco tempo, havia poucas iniciativas que propunham estudar questões multirraciais da população brasileira em nível de PósGraduação. Os dados confirmam que: [...] de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) sobre a Formação de Professores no Brasil (2002), no período entre 1990 e 1998, dos 834 trabalhos de dissertação e teses defendidas, 60 (7,1%) tratavam da formação de professores(as). Dentre estas, apenas uma dissertação, de 1993, relaciona-se à formação inicial e questões étnico-raciais. Esta aponta para a necessidade de repensar o curso de formação de professores(as), incluindo o debate das relações étnico-raciais com o objetivo de romper com o fracasso escolar. (BRASIL, 2010, p. 127). Outro dado que colabora para a compreensão temporal e quantitativa sobre o assunto está no banco de dados da CAPES:43 No diretório de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (Capes), é possível identificar 125 dissertações de mestrado sobre negro e educação e 54 que tratam de educação e raça defendidas em diferentes áreas do conhecimento. Os primeiros trabalhos datam do início dos anos 1980, e a maior parte das produções data de meados de 1990. (BRASIL, 2010, p.127). 43 Disponível em: <http://capesdw.capes.gov.br/capesdw/resumo.html?idtese>. Acesso em: 13 jan. 13. 81 De acordo com o Banco de Teses da Capes, inferimos que várias pesquisas tratam de fatores que determinam a ausência da cultura afro-brasileira dos currículos escolares, bem como investigam aspectos ligados aos estereótipos e preconceito em relação aos negros, veiculados em livros escolares de comunicação e expressão. Os autores das pesquisas buscam compreender essa ausência, bem como a grande relevância atribuída ao branco e seu contexto socioeconômico e cultural, no qual o negro é ligado a maldades e incapacidade intelectual. Dentre as pesquisas, algumas discutem os conteúdos de trabalhos elaborados nos meios acadêmicos a respeito das relações raciais no Brasil e da existência do segmento negro e mulato da população brasileira, bem como aspectos ligados à construção da identidade negra, de particularidades da cultura negra e sua reelaboração simbólica no código de sua expressividade. De acordo com esse banco de dados, concluímos que até bem pouco tempo este assunto não era alvo de debates, sendo, por consequência, pouco estudado. Entretanto, com o sistema de cotas há um avanço, com um número cada vez maior de trabalhos questionando a exclusão do negro, bem como a pouca importância dada a sua cultura, sua identidade, e sua contribuição no desenvolvimento da nação brasileira. Os estudos que constataram a exclusão social e acadêmica do negro e o debate público não possibilitaram sua integração à Universidade, tornando-se necessária a edição de leis que garantissem o seu ingresso nos cursos superiores. O reconhecimento da legalidade das cotas representou, para a comunidade acadêmica, certa tranquilidade, possibilitando que todas as energias fossem canalizadas para a discussão do ensino e a permanência do cotista. Este é o panorama em que as Universidades se encontram. Assim, superadas parte das dificuldades que envolviam a implantação das cotas, o que se soma ao fato de que elas foram reconhecidas como legais pela Justiça, o cenário se apresenta hoje com certa estabilidade, mas ainda em busca de condições para produzir melhores frutos do que o da época de sua criação. Na UEMS, o debate sobre as ações para a permanência não avança. Para a compreensão da situação acadêmica dos alunos abarcados pelo regime de cotas para negros, que ingressaram nos cursos de Direito da UEMS no ano de 2008, foi necessário adotar um encaminhamento metodológico que ensejasse o atendimento dos objetivos propostos de identificar as dificuldades para permanência dos cotistas no curso, bem como as ações realizadas pela instituição, que favorecessem ou favoreceram sua permanência e, consequentemente, a formação com qualidade. 82 Assim, tornou-se necessário eleger e percorrer determinado caminho teórico metodológico e, para isso, recorremos à pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, tendo em vista os objetivos pretendidos. No dizer de Minayo (2007, p. 15) “[...] a metodologia é muito mais que técnicas. Ela inclui as concepções teóricas da abordagem, articulando-se com a teoria, com a realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade”. O intuito foi colher informações dos envolvidos, para compreender os processos e interações que dizem respeito às cotas, após a adoção destas pela Universidade, decorridos quase cinco anos de caminhada; todas essas experiências podem proporcionar importantes subsídios para se chegar ao que representam as cotas para os negros em uma universidade. A pesquisa exige alguns cuidados para a sua realização, pois a conotação que a palavra pesquisa vem tomando nos últimos anos tem contribuído para a mitigação de sua cientificidade, sendo empregada para atividades corriqueiras ao aprendizado. Neste ponto, chamam a atenção Lüdke e André, (1986, p. 1), quando dizem dos cuidados que o pesquisador deve tomar para que as informações obtidas possam embasar um trabalho científico. Para as autoras, [...] é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito dele. Em geral isso se faz a partir do estudo de um problema, que ao mesmo tempo desperta o interesse do pesquisador e limita sua atividade de pesquisa a uma determinada porção do saber, a qual ele se compromete a construir naquele momento. Os tipos de abordagem, qualitativa ou quantitativa, variam de acordo com o objeto pesquisado e os objetivos da pesquisa. Assim, a pesquisa qualitativa nos possibilitou obsevar a relação dinâmica entre a realidade e o discente negro, captando a percepção das pessoas envolvidas sobre o processo de inclusão racial da pessoa negra na universidade. De acordo com Chizzotti (2010, p. 79), a pesquisa qualitativa abriga diferentes pesquisas que se fundamentam em pressupostos contrários ao modelo experimental, que, por meio de métodos e técnicas diferenciados deste, capta os sentidos e os significados das ações do sujeito. Para ele: [...] há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um 83 significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas ações. Para ser fiel à descrição da realidade encontrada, analisando-a com o rigor da pesquisa cientifica, a abordagem qualitativa nos oferece subsídios para análise dos dados (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). As raízes da abordagem qualitativa da pesquisa remontam ao final do século XIX, quando os cientistas sociais começaram a perquirir “[...] se o método de investigação das ciências físicas e naturais, que por sua vez se fundamentava numa perspectiva positivista de conhecimento, deveria continuar servindo como modelo para o estudo dos fenômenos humanos e sociais” (ANDRÉ, 2011, p. 16). Além disso, a pesquisa qualitativa possibilita compreender as ações humanas e a percepção das pessoas envolvidas no processo de inclusão do negro na universidade via cotas e oferece subsídios para interpretação das questões pesquisadas. Por esse paradigma, o pesquisador deixa de ser considerado como agindo exclusivamente dentro de um sistema de normas, ao asseverar as vantagens sumárias de um modelo e os defeitos congênitos do outro. Sua ação também é definida pelas relações estabelecidas com os outros, contribuindo para identificar seu papel social. Dessa forma, as ações não possuem significação social estável, mas devem ser reinterpretadas constantemente no decorrer das interações; o contexto deixa de ser um simples quadro passivo das ações para vir a ser interpretado, sendo as interpretações, tanto das ações como de seus contextos suscetíveis de serem reformuladas. (ARAÚJO, 2002, p. 46). A escolha do estudo de caso possibilitou a busca de dados nas experiências e cotidiano dos personagens pesquisados, por meio de uma interação direta, para compreender vivências pessoais no ambiente acadêmico, sem deixar de lado os cuidados peculiares que uma pesquisa científica exige. No dizer de Araújo (2002), é necessário este procedimento quando a pesquisa envolve o estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos de maneira que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento. A pesquisa qualitativa ocorreu de forma não conflituosa, devido ao fato de muitos pesquisadores perceberem que inúmeras informações contidas no interior da sociedade não poderiam ser tratadas de forma quantificada e decodificadas de acordo com dados objetivos. A opção pela pesquisa qualitativa deve-se à necessidade de encaminhamento com base em um conjunto cultural ampliado, sem a possibilidade de se fracionar esta realidade em pequenas porções a fim de estudá-las, considerando o dinamismo dessa relação com a 84 realidade objetiva e sua subjetividade, que não pode ser traduzida em números (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). É de se dizer que a pesquisa qualitativa também pode envolver números, sem, no entanto, transformar em quantitativa. Na pesquisa quantitativa, são os números que vão dar margem para pensar e esclarecer o texto, diferentemente do que ocorre com a pesquisa qualitativa, em que os números são meios para compreender, analisar e interpretar o texto. A utilização da abordagem qualitativa nos permite empregar variadas técnicas, tais como entrevistas, narrações, histórias de vida, entre outras (GAMBOA, 1997); por isso, optamos pelo uso do questionário, que possibilitou “[...] um maior aprofundamento das informações obtidas; e a análise documental, que complementa os dados obtidos [...]” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 9). Assim, a pesquisa qualitativa contribuiu para entender o percurso acadêmico e parte do histórico familiar que interessa para o estudo dos negros cotistas do curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidades Universitárias de Paranaíba, Naviraí e da sede em Dourados e assim interpretar os fenômenos obtidos no cenário natural, atribuindo-lhes significados. Por esta razão, propomos colher informações dos envolvidos e analisarmos as respostas dos questionários, uma vez que, embora as questões fossem, na sua maioria, fechadas, havia oportunidade de os pesquisados contribuírem através de suas falas e sugestões para as devidas interações. A importância desse tipo de pesquisa reside no fato de o pesquisador não apenas descrever, mas “mergulhar” em seus resultados, para tentar compreender a realidade daquilo que representa. Este fenômeno é explicado por Duarte,44 quando diz que: [...] a seleção de dados pertinentes é uma característica básica da pesquisa qualitativa e que seu valor não reside neles mesmos, mas nos fecundos resultados a que podem levar. Por outro lado, o rigor de uma pesquisa dessa natureza não se mede apenas por comprovações estatísticas, mas justamente pela amplitude e pertinência das explicações e teorias, ainda que estas não sejam definitivas e não sejam generalizáveis os resultados alcançados. (DUARTE 1998 apud SUASSUNA, 2008, p. 348). Essas compreensões devem estar presentes desde o momento em que alguém se dispõe à elaboração de uma pesquisa, pois um trabalho assim deve ser de interesse para o progresso de alguma área do conhecimento e deve ser desenvolvido com a atenção necessária no que 44 DUARTE, C. Uma análise de procedimentos de leitura baseada no paradigma indiciário. 1998. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1998. 85 tange ao rigor metodológico, pois poderá ser utilizado como referencial teórico para embasar outras pesquisas do gênero. Daí a responsabilidade do pesquisador na seleção das fontes, análise dos conteúdos e conclusões que podem ser comprovadas à vista dos materiais utilizados e caminhos percorridos. Para Chizzotti, [...] a pesquisa investiga o mundo em que o homem vive e o próprio homem. Para esta atividade, o observador recorre à observação e à reflexão que faz sobre os problemas que enfrenta, e à experiência passada e atual dos homens na solução destes problemas, a fim de munir-se dos instrumentos mais adequados à sua ação e intervir no seu mundo para construí-lo adequado à sua vida. (CHIZZOTTI, 2010, p. 11). Ao investigado deve ser dado especial enfoque para a realização da pesquisa, pois este não é uma coisa, mas um sujeito que deve ser ouvido, e sua contribuição auxilia no entendimento da teoria e será esta interação entre teoria e realidade que fornecerá subsídios para a compreensão dos fenômenos estudados. Para esse diálogo, elegemos os questionários semiestruturados (questões fechadas e abertas), uma vez que estes geram a obtenção de informações que dificilmente seriam conseguidas de outra forma, somado ao fato de que a quase padronização das perguntas pode ensejar uma mais fácil, rápida e segura tabulação com o fim de compreender as conclusões dos atores, podendo este elemento de coleta de dados ser conceituado como “um conjunto de questões sobre o problema, previamente elaboradas, para serem respondidas por um interlocutor, por escrito ou oralmente. Nesse último caso, o pesquisador se encarrega de preencher as questões respondidas” (CHIZZOTTI, 2010, p. 44). Esclarece ainda o mesmo autor, quando tratou desse tipo de coleta de dados, que as questões podem ser de forma fechada, caso em que a resposta é limitada aos itens questionados, ou abertas, as quais oportunizam ao interlocutor formular suas respostas, críticas e sugestões, podendo, ainda, conjugarem-se as duas formas em um mesmo instrumento de coleta de dados (CHIZZOTTI, 2010). Assim, esta pesquisa está amparada no paradigma interpretativo, pois busca, além da análise e compreensão do fenômeno pesquisado, também interpretar, de forma crítica, as respostas dadas aos questionários relativas aos pontos marcantes da trajetória de vida e dos percalços acadêmicos dos negros cotistas que ingressaram no curso de Direito da UEMS, turma 2008, os quais estavam, na maioria, matriculados no quinto ano em 2012, bem como 86 dos demais pesquisados (coordenadores de curso). Suas respostas constituem fonte preciosa para a compreensão de suas representações45 (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Pelo paradigma interpretativo, o pesquisador deixa de ser considerado um observador passivo e sua participação também faz parte das relações estabelecidas com os demais, contribuindo, desta forma, para que este encontre seu papel social. Assim, as ações não têm significados imutáveis, pois estes devem ser revistos reiteradamente no decorrer desses confrontos. A conjuntura é vista não como um cenário inerte das ações, mas passível de ser interpretada, tanto por seus contextos como por suas próprias ações, capazes de sofrer transformações. Nesse conjunto, ao pesquisador se atribui o encargo de selecionar os elementos encontrados no decorrer da pesquisa, bem como os significados destes. Com essa atribuição, o pesquisador adquire função primordial no desenvolvimento da pesquisa, uma vez que lhe compete, de maneira neutra ou envolvente, a interpretação e compreensão dos dados que se relacionam aos fenômenos estudados. Para Gamboa: Para as pesquisas fenomenlógico-hermenêuticas, a ciência consiste na compreensão dos fenômenos em suas diversas manifestações (variantes) através de uma estrutura cognitiva (invariante) ou na explicação dos pressupostos, das implicações e dos mecanismos ocultos (essência) nos quais se fundamentam os fenômenos. Os fenômenos objetos da pesquisa (palavras, gestos, ações, símbolos, sinais, textos, artefatos, obras, discursos etc.) precisam ser compreendidos. Isto é, pesquisar consiste em captar o significado dos fenômenos, saber ou desvendar seu sentido ou seus sentidos. A compreensão supõe uma interpretação, uma maneira de conhecer seu significado que não se dá imediatamente; razão pela qual precisamos da interpretação (hermenêutica). (GAMBOA, 1997, p. 100). Continuando, Gamboa afirma: A hermenêutica é entendida como indagação ou esclarecimento dos pressupostos, das modalidades e dos princípios da interpretação e da compreensão. [...] A compreensão de um fenômeno só é possível com relação à totalidade à qual pertence (horizonte da compreensão). Não há compreensão de um fenômeno isolado; uma palavra só pode ser compreendida dentro de um texto, e este, num contexto. (GAMBOA, 1997, p. 100/101). 45 Ideia que concebemos do mundo ou de uma coisa. Disponível em: <http://www.dicionarioweb.com.br>. Acesso em: 10 out. 2012. 87 O sistema de cotas raciais envolve uma realidade que não pode passar despercebida da própria universidade nem de seus professores; faz-se necessário o comprometimento de todos os envolvidos no aperfeiçoamento dessa importante ferramenta de inclusão social. Nesta pesquisa, após alguma teorização inicial acerca do importante instrumento que as cotas para negros representam como agente de democratização do ensino superior, o próximo passo será demonstrar como essa proposta se desenvolve com os negros cotistas que estão cursando a graduação em Direito na UEMS, para saber como ela se materializa na prática. Como instrumento metodológico para a obtenção dos dados, elaborou-se um questionário que foi aplicado aos negros cotistas presentes em 2012 no quinto ano dos cursos de Direito da UEMS, turma 2008. Durante a aplicação, pudemos perceber o grande número de desistências nas Unidades de Paranaíba e Naviraí, bem como o fato de alguns se encontrarem retidos em anos anteriores, nos quatro cursos, sendo que alguns foram localizados e responderam ao questionário, pois a evasão é um dos resultados da ausência de políticas de permanência em qualquer instituição. Os motivos das desistências, bem como da retenção em anos anteriores, serão analisados detalhadamente no quarto capítulo, por ocasião da tabulação e análise dos questionários, uma vez que esses pontos exigem uma apreciação mais minuciosa. Para a coleta dos dados, de início havia um plano geral voltado para a aplicação de questionários a todos os negros cotistas dos quatro cursos de Direito das duas Unidades Universitárias e mais a sede, bem como aos pró-reitores e coordenadores de curso, o que consistiria em um amplo universo. No decorrer da pesquisa, restringiu-se este universo apenas para aplicação do questionário aos negros cotistas que ingressaram em 2008 nos quatro cursos, pois estes, no final da caminhada acadêmica (ou deveriam estar nesta fase), poderiam oferecer elementos suficientes para se compreender o que o negro cotista enfrenta no decorrer do curso de Direito. Para a segunda amostra, buscamos subsídios junto aos coordenadores dos quatro cursos, ou seja, todos que ocuparam a função desde 2008. Realizamos pesquisa documental via análise do Projeto Pedagógico em vigor durante os estudos desses cotistas das três Unidades onde o curso de Direito é oferecido, bem como as normatizações que tratam das cotas, tanto as internas da UEMS, quanto leis, decretos e principais tratados internacionais que cobram uma política de inclusão. 88 Em relação às pró-reitorias, entendemos por bem excluí-las da pesquisa e sua percepção enquanto pró-reitores, pois, com as mudanças de reitores, esses cargos se sucediam, e muitos dos que se encontravam no exercício quando da elaboração do trabalho, muito pouco sabiam das discussões para a implantação das cotas, dos primeiros obstáculos para seu desenvolvimento e das ações que a universidade vem realizando para atender essa ação afirmativa. No questionário, respondido pelos alunos cotistas e coordenadores de curso, havia indagações acerca da postura da universidade frente à oferta de cotas, se houve mudança no PP dos cursos de Direito após a implementação destas ou se os gestores se limitaram a cumprir a lei e normatizações estabelecidas sem qualquer outra preocupação, a exemplo da permanência no curso, além de questões específicas sobre dados pessoais, familiares, profissionais e trajetória acadêmica. Ao explorar essas duas amostras, constatamos que a pesquisa qualitativa guarda uma peculiaridade importante, uma vez que “[...] partindo de fenômenos aparentemente simples de fatos singulares, essas novas pesquisas valorizaram aspectos qualitativos dos fenômenos, [...] a complexidade, a vida humana e [...] significados ignorados da vida social” (CHIZZOTTI, 2010, p. 78). Entendemos que o tipo de pesquisa adotado, qual seja, a qualitativa, na estratégia estudo de caso, é o mais adequado ao desenvolvimento da proposta, já que o ensejo era conhecer a percepção dos negros cotistas sobre seu percurso acadêmico e dos coordenadores no que diz respeito às cotas e aos negros cotistas. Buscamos alternativas que aproximassem as suas experiências e vivências durante essa caminhada sem a imposição de hipóteses prévias. O objetivo da pesquisa de campo era colher o maior número de informações possíveis sobre os negros cotistas, sua caminhada acadêmica e seus percalços, tais como: projetos ou programas em que estavam inseridos, disponibilidades para o cumprimento das atividades, suporte oferecido pela universidade, como livros e fotocópias. Todas essas indagações estavam contidas no questionário aplicado a eles. A pesquisa qualitativa na modalidade estudo de caso não se importa com a regularidade, primando pela análise dos significados atribuídos pelos indivíduos às suas próprias ações no meio em que vivem e desenvolvem cotidianamente suas relações. Busca compreender o que significa cada ato, bem como o comportamento dos atores sociais, preocupando-se até com as relações individuais no contexto social em que elas se realizam (CHIZZOTTI, 2010). Esse foi o caminho adotado para a realização deste trabalho, no qual o objeto pesquisado 89 [...] é tomado como unidade significativa do todo e, por isso, suficiente tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma intervenção. É considerado também como um marco de referência de complexas condições socioculturais que envolvem uma situação e tanto retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade de aspectos globais, presentes em uma dada situação. (CHIZZOTTI, 2010, p. 102). Ventura, ao tratar do estudo de caso, informa que: [...] pesquisa científica necessita definir seu objeto de estudo e, a partir daí, construir um processo de investigação, delimitando o universo que será estudado. Observando-se os casos extremos, numa ponta identificam-se os estudos agregados, quando a intenção é examinar o próprio universo, e na outra, os estudos de caso, quando se estuda uma unidade ou parte desse todo. (VENTURA, 2007, p. 383). No entanto, adverte que: [...] em relação aos estudos de caso, deverá haver sempre a preocupação de se perceber o que o caso sugere a respeito do todo e não o estudo apenas daquele caso. Portanto, pesquisar significa fazer uma escolha, pois em cada caso concreto, deve-se definir um determinado nível de agregação. (VENTURA, 2007, p. 383). Os cotistas que foram matriculados inicialmente em 2008 trazem a experiência de quase cinco anos de caminhada universitária e tiveram condições de acompanhar todo o desenvolvimento desse sistema, desde seu ingresso na graduação. São oriundos, na sua maioria, de escola pública.46 Dos coordenadores, executores das políticas emanadas da Universidade, somado ao fato de estarem em contato direto com os docentes e discentes, colhemos a percepção sobre a realidade da implantação e desenvolvimento das cotas. Todo o material elaborado para a pesquisa de campo consistiu no questionário dirigido aos negros cotistas do curso de Direito ingressos em 2008, das duas Unidades e Sede da UEMS, totalizando quatro cursos de Direito, bem como aos coordenadores desses cursos desde 2008, Termo de Esclarecido e Livre Consentimento, Termo de Confidencialidade e Autorização Institucional para a Coleta de Dados, solicitando o consentimento dos coordenadores do curso de Direito e gerentes de Unidade para aplicação dos questionários. Nos questionários dos discentes, foram abordadas questões sobre a escolaridade dos pais, formas de se manter na universidade, distância que precisam percorrer para chegar à universidade, dificuldades encontradas durante o curso, se sofreram discriminação ou 46 Uma vez que a Resolução CEPE/UEMS nº 430, de 30/07/04, admite, em seu inciso IV, cotas aos negros que comprovem que estudaram em escola particular mediante bolsa. 90 preconceito, as razões porque optaram pelas cotas, participação em projetos, recebimento de bolsas, reprovações e ainda sugestões à UEMS. Enfim, o uso do questionário foi a opção que entendemos mais apropriada aos objetivos da pesquisa, levando-se em conta outras formas de coleta de dados. A opção pelas duas amostras se deve ao fato de estarem em lados opostos, mas a possibilidade de comparação de alguns itens dos questionários também servirá para a interpretação dos dados e melhor compreensão do sistema de cotas e da gestão pedagógica dos cursos de Direito. A coleta dos dados iniciou-se na Unidade de Paranaíba, nos dois turnos, tendo em vista a presunção da menor dificuldade que esta supostamente representava, por estar na cidade onde os trabalhos de pesquisa e escrita da dissertação estavam sendo realizados. No entanto, devido ao grande número de desistentes e desencontro com os alunos, houve muitas dificuldades. As lideranças das salas ajudaram na distribuição e coleta dos questionários e o pesquisador esteve presente nos dias da aplicação, no pátio da universidade, para esclarecimentos. A maior dificuldade encontrada foi na aplicação do questionário aos acadêmicos que haviam desistido do curso, pelo fato de muitos não residirem em Paranaíba e os dados cadastrais constantes na universidade estarem desatualizados. Dois destes ficaram sem responder, alunos do período noturno, e, de acordo com as informações, uma reside em uma fazenda na região da Lagoa Santa, no estado de Goiás, e outro se mudou a serviço para o estado de São Paulo. Assim, no período noturno, obtivemos 10 (dez) questionários respondidos de um total de 12 (doze). No período matutino, na mesma Unidade, em um primeiro contato na sala de aula, havia 3 (três) cotistas presentes e 3 (três) haviam faltado, e o restante, de acordo com as informações da sala, havia desistido. Alguns negros cotistas da lista não eram sequer conhecidos dos demais colegas, sendo as dificuldades para aplicação as mesmas do período noturno, mas mesmo assim foi possível a coleta de todos os questionários, totalizando 12 (doze), já que localizamos todos os desistentes. A Unidade de Dourados foi a localidade em que encontramos a menor dificuldade para aplicação do questionário. Os acadêmicos que nos interessavam estavam estudando no prédio onde funciona o Núcleo de Prática Jurídica, no centro da cidade. No dia 06.09.12, os acadêmicos estavam em prova. Solicitamos ao professor que avisasse aos mesmos que após a realização desta as pessoas da lista que lhe apresentamos se dirigissem à secretaria para responderem ao questionário, o que foi feito e, com este em mãos, se dirigiram a uma das 91 salas do prédio para preenchimento, durante o qual, se houvesse dúvidas, poderiam nos procurar na secretaria. Assim, coletamos a maioria dos questionários. Para os que haviam faltado, contamos com a colaboração das secretárias do Núcleo, que providenciaram a coleta e nos entregaram no dia seguinte. Assim, de um total de 12 (doze) negros cotistas, todos responderam. Estivemos na Unidade de Naviraí para a aplicação do questionário no dia 11.09.12; no entanto, neste dia a aula não era presencial, e no dia seguinte iniciar-se-ia um evento jurídico. Assim, encaminhamos as demais autorizações e deixamos o questionário com a coordenadora do curso, que se comprometeu a aplicá-lo e remeter por malote. Porém, de um total de 11 (onze), esta havia recolhido apenas 3 (três), o que entendemos ser uma amostra que não atendia à pesquisa; ademais, sem a resposta dos alunos desistentes, o que mais nos interessava. Dessa forma, nos dirigimos novamente à Unidade de Naviraí em 22.10.12 para a aplicação dos questionários com informações sobre o endereço e o número dos celulares dos cotistas, obtidos junto à Universidade. No entanto, de oito que ainda faltavam responder, apenas um atendeu ao telefone e, esclarecido o propósito da pesquisa, gentilmente nos recebeu e respondeu ao questionário. Na lista de negros cotistas que adentraram em 2008 na Unidade de Naviraí constavam alunos do município de Mundo Novo, que fica distante 117 km de Naviraí, que já haviam desistido, e cujos dados constantes nos bancos da universidade estavam desatualizados. Duas acadêmicas estavam de licença médica (uma de Ivinhema, a 100 km da unidade, e outra de Angélica, a 119 km), outro já havia se formado (fez aproveitamento de estudos) mas trabalha na delegacia local e não se encontrava na cidade. Sendo assim, foi possível a coleta de apenas mais dois acadêmicos (um deles por acaso, pois se encontrava de licença médica e estava na unidade). Assim, na Unidade de Naviraí, foi possível a coleta de 6 (seis) questionários de um total de 11 (onze). Não se ignora a importância da coleta de informações dos desistentes, pois as suas contribuições tornariam possível uma melhor avaliação do sistema de cotas na UEMS, no entanto, se ficássemos presos a essa etapa, não evoluiríamos para o desfecho da pesquisa. As maiores dificuldades foram nas Unidades de Paranaíba e de Naviraí, por causa da quantidade de alunos desistentes, o fato de residirem em outras cidades e os dados se encontrarem desatualizadas nos cadastros da universidade. No entanto, mesmo com esses contratempos, apenas dois questionários não foram aplicados na Unidade de Paranaíba e cinco na Unidade de Naviraí. 92 Na sede, em Dourados, obtivemos a resposta de 100% dos alunos da turma de 2008, em Paranaíba 91,6% e em Naviraí 54,5%. Assim, foram coletados 40 (quarenta) questionários de um universo de 47 (quarenta e sete) negros cotistas dos cursos de Direito que ingressaram em 2008. Em relação aos coordenadores, foi possível a aplicação a todos aqueles que estiveram à frente dos quatro cursos de Direito desde 2008, totalizando 6 (seis) questionários preenchidos. Com muito esforço, poderíamos aplicar todos os questionários que compõem o objeto da pesquisa, uma vez que acreditamos que os alunos desistentes poderiam oferecer elementos para posterior reflexão e ajuste no sistema de cotas, no entanto: [...] como a pesquisa é um esforço durável de busca, análise e síntese, impõe uma disciplina que responda ao volume físico e mental de trabalho por um período duradouro e exige adoção de métodos de organização pessoal condizentes com a complexidade das questões que deverão ser resolvidas. (CHIZZOTTI, 2010, p. 20). Desta forma, desenvolveu-se o presente estudo de caso, seguindo as lições de Nisbet e Watt47 em [...] três fases, sendo uma primeira aberta ou exploratória, a segunda mais sistemática em termos de coleta de dados e a terceira consistindo na análise e interpretação sistemática dos dados e na elaboração do relatório. [...] essas três fases se superpõem em diversos momentos, sendo difícil precisar as linhas que as separam. (NISBET; WATT 1978 apud LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 21). A primeira fase, de acordo com o enunciado apresentado anteriormente, é iniciada com um plano rudimentar; à medida que o estudo vai tomando forma, também se delineia mais claramente. Algumas questões vão tomando corpo, outras são reformuladas, bem como algumas vão sendo abandonadas, pois o exame da literatura ajuda na compreensão do que se quer pesquisar e de que forma isto é possível. É o que nos contam Lüdke e André, ao dizer que uma pesquisa como essa pretende [...] não partir de uma visão predeterminada da realidade, mas apreender os aspectos ricos e imprevistos que envolvem uma determinada situação, a fase exploratória se coloca como fundamental para uma definição mais precisa do objeto de estudo. (LÜDKE; ANDRÉ 1986, p. 22). 47 NISBET, J. E. WATT, J. Case Stuty Readguide 26: Guides in Educacional Research. University of Nottinghan School of Educacion, 1978. 93 É nessa fase que se iniciam os contatos para os trabalhos de campo, de localização de informantes e outros encaminhamentos iniciais. Para o desenvolvimento da segunda fase, usamos a “coleta sistemática de informações, utilizando os instrumentos mais ou menos estruturados, técnicas mais ou menos variadas, sua escolha sendo determinada pelas características próprias do objeto estudado” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 22). Esta fase é importante pelo fato de determinar os focos a serem investigados, uma vez que, se não haver foco, a pesquisa se perde em seus meandros, pela impossibilidade de investigar todos os fenômenos que a envolvem no limitado tempo para seu desenvolvimento. Assim, “a seleção de aspectos mais relevantes e a determinação do recorte é, pois, crucial para atingir os propósitos do estudo de caso e para chegar a uma compreensão mais completa da situação estudada” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 22). A análise sistemática e a elaboração do relatório é a terceira fase, que, muito embora possa ter sido rascunhada na fase anterior, exige a organização das informações e elaboração do relatório para que seja possível sua compreensão e apresentação, considerando que cada fase não é estanque, elas se inter-relacionam. Lüdke e André (1986, p. 23) dizem que “essas fases não se completam numa sequência linear, mas se interpolam em vários momentos, surgindo apenas um movimento constante no confronto teoria-prática”. Assim, no próximo capítulo, passar-se-á à apresentação dos dados obtidos com as respostas colhidas dos indivíduos pesquisados, discentes e coordenadores, bem como a análise interpretativa destas, buscando responder a nossas indagações e aos objetivos da pesquisa. 4 ANÁLISES E INTERPRETAÇÕES DOS QUESTIONÁRIOS E DAS ATAS DE RESULTADOS FINAIS Muitos norte-americanos sentem-se constrangidos com o uso da raça como fator levado em conta na admissão de estudantes a faculdades e cursos de profissionalização seletivos. [...]. Dizem que todas essas medidas acentuam as diferenças raciais, intensificam o preconceito e interferem no avanço rumo a uma sociedade indiferente à cor. E asseveram que, aceitar candidatos das minorias, com notas e escores baixos, pode estigmatizar e desmoralizar os próprios estudantes que essa política tenta ajudar, obrigando-os a competir com colegas de turma de maior capacidade acadêmica. Os defensores da admissão [...] insistem em que essas medidas se justificam, para expiar um legado de opressão e compensar a continuidade da discriminação na sociedade. Salientam fazer muito tempo que os encarregados da admissão desviaram-se dos escores de testes padronizados e do histórico das notas anteriores, a fim de favorecer atletas, descendentes de exalunos e outros candidatos com características especiais, tidas como desejáveis. E argumentam que admitir turmas diversificadas dá aos alunos de todas as raças um preparo melhor para o convívio e o trabalho numa sociedade cada vez mais diversificada. Willian G. Bowen e Derek Bok Encerrada grande parte do aporte teórico e análise documental do que são cotas para negros e o que elas representam para a graduação, neste capítulo nos dedicaremos às tabulações, análise dos resultados dos questionários e das Atas de Resultados Finais dos sujeitos pesquisados. De um universo de 47 negros cotistas que ingressaram em 2008 nos quatro cursos de Direito, foram coletados 40 questionários, o que representa 85% (oitenta e cinco por cento), sendo 12 (doze) na sede em Dourados, 12 (doze) na Unidade de Paranaíba matutino, 10 (dez) na Unidade de Paranaíba noturno e 6 (seis) na Unidade de Naviraí. Dos coordenadores, foram coletados dados de 100% dos que exerceram essa função desde 2008, o que representa 2 (dois) questionários em cada unidade, totalizando 6 (seis) ao todo. 4.1 Dos negros cotistas Nos questionários, constavam perguntas sobre dados pessoais, tais como sexo e idade, estado civil, se tem filhos, autodeclaração de raça e de cor, com quem reside, escolaridade do 95 pai e da mãe, dados profissionais como profissão e salário, bem como renda individual e familiar, dados educacionais relacionados à trajetória acadêmica, ano em que está matriculado e se carrega dependência; e, caso isso ocorra, os motivos; onde cursou o ensino fundamental e médio; se é ou se foi bolsista; maiores dificuldades para permanência na Universidade; conhecimento e participação em projetos ou programas; bem como sugestões para a UEMS relacionadas às cotas. A seguir, apresentamos os dados devidamente tabulados, analisados e comentados obtidos dos negros cotistas que ingressaram em 2008 nos quatro cursos de Direito das duas Unidades (Paranaíba e Naviraí) e da sede em Dourados. O item I – Dados Pessoais, composto de seis perguntas, gerou a tabela 1, na qual podemos tecer comparações entre os cursos. Tabela 1 – Dados pessoais. Unidade Número de cotistas Sexo Masculino Feminino Até 21 anos De 21 a 25 anos De 26 a 30 anos De 31 a 35 anos Idade De 36 a 40 anos De 41 a 45 anos De 46 a 50 anos Estado civil Solteiro Casado Convivente Separado Divorciado Sim Possui filhos Não Negro Branco Autodeclaração Indígena Racial Amarelo Branco Preto Autodeclaração Pardo de cor Amarelo Não resp. Dourados Mat. 12 5 7 0 7 3 0 1 1 0 10 1 0 1 0 1 11 12 0 0 0 1 7 4 0 0 Paranaíba Mat. 12 3 9 0 5 3 1 2 0 1 6 5 1 0 0 6 6 12 0 0 0 0 4 8 0 0 Paranaíba Not. 10 5 5 0 3 3 2 1 1 0 5 5 0 0 0 2 8 10 0 0 0 2 5 3 0 0 Naviraí Not. 6 4 2 0 1 1 2 1 1 0 4 1 0 0 1 3 3 5 1 0 0 0 4 1 0 1 Total 40 17 23 0 16 10 5 5 3 1 25 12 1 1 1 12 28 39 1 0 0 3 20 16 0 1 96 Podemos constatar que, dos acadêmicos, 23 (vinte e três) são mulheres e 17 (dezessete) homens, ou seja, 73.9% dos negros cotistas são compostos pelo sexo feminino, o que nos permite olhar com otimismo o cenário que se descortina à frente em relação ao gênero, uma vez que, feito um resgate histórico do que a mulher negra sofreu no Brasil a partir de sua entrada na condição de escrava, a situação atual se mostra bastante alentadora. No início da colonização do Brasil, poucas foram as mulheres brancas que vieram com os primeiros colonizadores, pois esta foi quase que exclusivamente masculina. Os homens vinham sozinhos para a colônia recém-descoberta. Nesse período, a tolerância moral mostrouse benevolente, tendo em vista o grande número de relacionamentos dos colonizadores com as negras escravas e indígenas. “Por certo, a ausência de mulheres brancas, aliada à posição inferior das mulheres negras e índias e a necessidade dos homens portugueses de aqui constituírem famílias, facilitou a miscigenação entre as diversas etnias” (KAUFMANN, 2007, p. 39). No entanto, como registra a mesma autora, por ocasião da instituição das capitanias hereditárias, aos poucos as mulheres portuguesas foram chegando ao Brasil. Quanto à infidelidade dos maridos, tiveram que se resignar; todavia, com relação à concubina, a conduta foi “[...] vingar-se das escravas. Daí os relatos das maiores torturas e crueldades perpetradas em relação às negras, provocadas pelos ciúmes da sinhá do engenho” (KAUFMANN, 2007, p. 39). Dados recentes comprovam que o subemprego afeta grande parte das mulheres negras e é com relação a essa raça que se encontra a maior vulnerabilidade com relação ao turismo sexual e o tráfico internacional de mulheres, no qual “[...] meninas, jovens e mulheres nãobrancas, e especialmente da região Norte e Nordeste, são alvos fundamentais da indústria internacional do sexo” (BORGES, 2005, p. 64). Para reverter o cenário acima, a educação é, sem dúvida, uma das áreas mais importantes na qual podemos avaliar a desigualdade racial e de gênero. A mulher negra, nesse quesito, até então, era muito prejudicada. Contudo, as respostas dos questionários confirmam uma tendência já verificada em outros estudos, que comprovam que “[...] a mulher negra tem apresentado nos últimos anos desempenho educacional superior ao do homem negro.” (BORGES, 2005, p. 65), o que confirma uma ascensão social que a está libertando da situação de exclusão. Com relação à idade, podemos perceber que o maior número de negros cotistas se enquadra na faixa etária dos 21 (vinte e um) aos 25 (vinte e cinco) anos, com 16 (dezesseis) respostas a esta alternativa, seguida da faixa etária dos 26 (vinte e seis) aos 30 (trinta) anos, 97 com 10 (dez) acadêmicos. Pela análise, podemos notar a presença de acadêmicos das mais diversas faixas etárias, chegando até aos compreendidos entre os 46 (quarenta e seis) aos 50 (cinquenta) anos. Assim, essa composição variada demonstra que a possibilidade de concorrer pelas cotas trouxe incentivos para aqueles que se encontravam há longos anos fora dos bancos escolares, ou concluíram o ensino médio na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – EJA, justificando algumas das dificuldades relacionadas aos conteúdos da graduação. Com relação ao estado civil, podemos notar que o número de solteiros compõe a maioria do universo questionado, com 25 (vinte e cinco), seguidos de 12 (doze) casados, que também é igual ao número de alunos com filhos. A maior concentração de solteiros encontrase na sede em Dourados, com 10 (dez) acadêmicos, podendo-se verificar, também, um reduzido número de separados e divorciados, com uma resposta a cada um destes itens. Com relação à autodeclaração racial, o quadro anterior representa uma pergunta objetiva, semelhante à usada pelo IBGE e traz como alternativas branca, negra (pretos e pardos), amarela e indígena. A grande maioria se autodeclara pertencente à raça negra, com 39 respostas a este item e 1 (uma) que se considera pertencente à raça branca. No entanto, nas declarações de cor, três negros cotistas se autodeclararam brancos. Com relação às respostas anteriores, muitas indagações podem surgir, desde o fato de muitos outros questionados se considerarem brancos, mesmo que todos tenham sido considerados negros pela comissão que analisa as inscrições dos candidatos às cotas de negros. O fato de se considerarem brancos, bem como não se identificarem com a própria raça, muitas vezes, ainda está ligado à questão do status social ocupado pelo branco, no qual “tudo isso faz com que a parcela da população negra se recuse a se assumir como negra [...]” (GUIMARÃES, 2006, p. 111). Essa negação da identidade relaciona-se a aspectos históricos internalizados ao longo dos anos, pois [...] para manter os interesses da classe dominante, desenvolveu-se no Brasil uma imagem deformada do negro que mais tarde se estendeu aos mestiços, como incapazes para o trabalho, imbecilizados e rudes, com baixo nível intelectual, pagãos, bárbaros culturais, incapazes de sentimentos civilizados, a não ser que houvesse a impregnação de virtudes dos brancos, através do exemplo ou de cruzamentos inter-raciais. (CORDEIRO, 2008, p. 98-99). No que diz respeito à cor, as respostas foram mais diversificadas, sendo que a maioria se considera preta, contendo esta alternativa 20 (vinte) respostas; seguida por pardo, com 16 (dezesseis), além dos 3 (três) brancos, sendo que um não respondeu. Podemos notar que a maioria se considera preta, seguida de perto pelos pardos. Essa quantidade de pardos 98 demonstra a alta miscigenação do povo brasileiro. Neste item, acreditamos que algumas respostas também foram tendenciosas pelo fato do ingresso pelas cotas, do que a simples e pura convicção de pertencimento a uma determinada cor, tendo em vista, em alguns casos, o grau de dificuldade dos próprios sujeitos em se autodenominar. Neste ponto, cabe-nos dizer que os primeiros estudos sobre raça remontam ao ano de 1775 pelo alemão Johann Friedrich Blumenbach (1752-1840), fundador da Antropologia48. Ademais, outros fatores internalizados ao longo dos anos podem influenciar na convicção de um determinado pertencimento racial, isto se deve [...] ao alto grau de dependência que o ser humano tem das outras pessoas e dos grupos aos quais ele imagina pertencer ou de fato faz parte, o fortalecimento do sentimento de identidade só pode se desenvolver no mundo social, mais especificamente na relação com o outro. (SILVA, 2005b, p. 40). O ingresso pelo sistema de cotas na UEMS exige critérios definidos pelos conselhos superiores, os quais a comissão de análise das inscrições procura seguir, para evitar fraudes ou falsas autodeclarações dos candidatos. Esses critérios foram construídos a partir das discussões durante a regulamentação da Lei Estadual n. 2.605, de 06/01/2003. Para isso, [...] os representantes traziam como proposta o fenótipo mesmo sabendo da impossibilidade de se definir raças. O que se justificava era o fato de que quem possuía pele escura (preta) era mais discriminado, ou seja, o conceito adotado foi o social e não o biológico. (CORDEIRO, 2008, p. 61, grifos da autora). Como eixo central das exigências para os negros. foram estabelecidos os critérios de “[...] escola pública, fenótipo e autodeclaração [...]” (CORDEIRO, 2008, p. 61). Portanto, é difícil entender como uma pessoa se declara pertencente à raça negra e posteriormente se declara de cor branca, o que induz a assertiva anterior, quando falamos sobre o fortalecimento da identidade étnico-racial desde a infância. Muitas vezes, a pessoa se considera branca ou se vê “branca” mesmo com fenótipo de preto ou pardo. Entretanto, pela suposta maior facilidade de adentrar a graduação pelo sistema de cotas, optou por declarar-se 48 [...] no Brasil, a atual classificação racial do IBGE [...] a pessoa escolhe, de um rol de cinco itens (branco, preto, pardo, amarelo e indígena) em qual deles se aloca. [...] desde 1940, quando coletou pela primeira vez o "quesito cor". Sabendo-se que raça não é uma categoria biológica, todas as classificações raciais, inevitavelmente, padecerão de limitações. [...] O IBGE trabalha então com o que se chama de "quesito cor", ou seja, a "cor da pele", conforme as seguintes categorias: branco, preto, pardo, amarelo e indígena. [...] Um outro dado que merece destaque é que a população negra, para a demografia, é o somatório de preto + pardo. Cabe ressaltar, no entanto, que preto é cor e negro é raça. Não há "cor negra", como muito se ouve. Há cor preta. (OLIVEIRA, 2004, n.p., grifos do autor). 99 negra. O sentimento de pertencimento à raça branca se deve, até então, à ideologia internalizada no imaginário popular de que “é natural o orgulho da raça branca pela supremacia branca” (GUIMARÃES, 2006, p. 105), afirmação que vem sendo desmistificada nos últimos tempos, com o reconhecimento da identidade da população negra. O reconhecimento de sua identidade étnico-racial e as lutas sociais, bem como uma maior informação, vem fazendo com que o negro se orgulhe de sua raça e sua cor, o que proporciona, cada vez mais, a ligação entre o pertencimento racial e a autodeclaração. No item II- Dos Dados Familiares, as informações sobre moradia e escolaridade dos pais são importantes para conhecermos o contexto cultural do qual os cotistas são originários. Tabela 2 – Dados familiares. Unidade Reside com Escolaridade do pai Escolaridade da Mãe Paranaíba Mat. 6 0 0 0 0 6 0 5 1 3 0 2 0 1 0 0 0 0 0 0 1 2 5 1 1 0 1 Paranaíba Not. 2 1 0 0 2 4 1 0 3 3 2 2 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 2 2 2 1 0 Naviraí Not. 2 0 0 0 2 2 0 2 0 3 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 2 0 3 0 0 1 0 Total Pai e mãe Somente com a mãe Somente com o pai Com avós Sozinho Outros Não respondeu Sem instrução Fundamental Completo Incompleto Médio Completo Incompleto Universitário Completo Incompleto Especialização Mestrado Completo Incompleto Doutorado Completo Incompleto Não resp. Sem instrução Fundamental Completo Incompleto Médio Completo Incompleto Universitário Completo Incompleto Dourados Mat. 4 4 0 0 4 0 0 1 1 0 1 0 5 0 2 0 0 0 1 1 2 0 3 1 0 4 1 Especialização Mestrado Completo Incompleto Doutorado Completo Incompleto Não resp. 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 3 14 5 0 0 8 12 1 8 5 9 3 4 5 2 2 0 0 0 1 1 6 3 13 4 3 6 2 100 Na tabela anteriormente apresentada, podemos constatar que o maior número de acadêmicos declara residir com pai e mãe, representando 14 (quatorze) acadêmicos, com a maior concentração na Unidade de Paranaíba, turno matutino. A alternativa “outros” contou com 12 (doze) respostas, sendo esclarecido residirem com esposo(a), convivente, esposo(a) e filhos; esposa e netos; filhos. Como podemos perceber, no item escolaridade do pai, a maior concentração está no item “fundamental incompleto” com 9 (nove) respostas, seguido pela alternativa “sem instrução”, com 8 (oito). O que demonstra a pouca instrução e a importância da universidade na reversão deste quadro. Encontramos dados semelhantes quando tratamos sobre a escolaridade da mãe, uma vez que o maior número de respostas assinaladas foram os itens fundamental incompleto com 13 (treze) e sem instrução com 6 (seis). Porém, as genitoras apresentaram um número ligeiramente maior de graduadas, ou seja, 6 (seis), contra 5 (cinco) dos pais. Estudos sobre esse ponto têm demonstrado que [...] a escolarização dos pais tem influência poderosa na determinação do sucesso acadêmico do estudante, apontando, deste modo, para o ensino superior como um espaço que concorre para a reprodução das desigualdades entre os seguimentos sociais (Prior, 1984; Brito e Carvalho 1978; Bourdieu e Passeron, 1973). (QUEIROZ, 2002, p. 35). Conforme a tabela apresentada, notamos um gradativo aumento na escolarização das famílias negras. No entanto, a história comprova que, se nada fosse feito para aumentar o acesso e permanência do negro, com incentivos que proporcionassem galgar níveis mais elevados de estudo, a diferença histórica entre negros e brancos se manteria. É o que nos diz Henriques, quando tratou da desigualdade racial e da evolução das condições de vida na década de 90: [...] a escolaridade média de um jovem negro com 25 anos de idade gira em torno de 6,1 anos de estudo; um jovem branco da mesma idade tem cerca de 8,4 anos de estudo. O diferencial de 2,3 anos de estudos entre jovens brancos e negros de 25 anos de idade é a mesma observada entre os pais desses jovens. E, de forma assustadoramente natural, 2,3 anos é a diferença entre os avós desses jovens. [...] escolaridade entre brancos e negros, mantém-se perversamente estável entre as gerações. (HENRIQUES 2001 apud PASSOS, 2012, n.p.). 101 Com relação à graduação das mães, encontramos 2 (duas) incompletas e 6 (seis) completas nas mais diversas áreas, tais como: Biologia, Moda e Estilismo, Pedagogia, Direito etc. Nesse contexto, podemos dizer que a educação é uma das áreas que possibilita de forma mais contundente avaliar a desigualdade de gênero, incluindo seus reflexos em outras áreas como saúde, trabalho etc. Embora os dados mais atuais demonstrem que vem aumentando gradativamente a escolarização da mulher negra, os negros e negras ainda são a maioria no grupo da baixa escolaridade: [...] com baixa escolaridade (até o primeiro grau: homens negros, 67% e mulheres negras, 64%), porém não ostentam melhor posição naqueles com mais de dez anos de estudo e com formação universitária (4% de homens brancos e 2% de homens não-brancos; 5% de mulheres brancas e 2% de mulheres negras). (BORGES, 2005, p. 65). No item III – Dos Dados Profissionais, as informações obtidas sobre trabalho e renda dos negros cotistas nos possibilitou justificar parte das dificuldades encontradas na trajetória acadêmica, bem como o alto número de desistências no curso. Tabela 3 – Dados profissionais. Unidade Atualmente Trabalha Faixa salarial (salário mínimo) Renda familiar (salário mínimo) Sim Não Até 01 De 01 a 03 De 04 a 10 De 10 a 20 Acima de 20 Até 01 De 01 a 03 De 04 a 10 De 10 a 20 Acima de 20 Não resp. Dourados Mat. 8 4 3 4 1 0 0 1 3 5 2 0 1 Paranaíba Mat. 8 4 3 3 2 0 0 3 4 5 0 0 0 Paranaíba Not. 7 3 4 1 2 0 0 1 6 3 0 0 0 Naviraí Not. 6 0 2 3 1 0 0 2 3 1 0 0 0 Total 29 11 12 11 6 0 0 7 16 14 2 0 1 Perguntados sobre dados profissionais, 29 (vinte e nove) acadêmicos disseram trabalhar, enquanto 11 (onze) responderam negativamente, informando manter-se na universidade com a ajuda dos pais. Nesse aspecto, alguns fatores podem interferir na seletividade dos acadêmicos, tais como o turno em que o curso é oferecido, pois, na sede em Dourados e uma das ofertas em Paranaíba, o curso é no período matutino, o que dificulta na obtenção de emprego, somado ao fato de que, no último ano, cumprem a disciplina de Estágio 102 Supervisionado junto ao Núcleo de Prática e Assistência Jurídica, o que torna qualquer carga horária de trabalho mais complicada. Entretanto, podemos afirmar que os estudantes do matutino, em sua maioria, vivem com os pais e possivelmente apresentam a maior renda salarial. Dos que disseram trabalhar, a faixa salarial que mais concentra acadêmicos é até 1 (um) salário mínimo, com 12 (doze) respostas a esta alternativa, divididos igualmente entre os turnos matutino e noturno. A faixa de 1 (um) a 3 (três) salários mínimos obteve 11 (onze) respostas, sendo a maioria no período matutino, o que nos faz acreditar que esses acadêmicos possuem bolsas ou estágio extracurricular remunerado. Quando juntamos os dados sobre renda até 3 (três) salários mínimos, obtemos um total de 23 (vinte e três) alunos ou 57% deles nessa condição, o mesmo acontecendo no que diz respeito à renda familiar com maior concentração nas faixas de até 1 (um) salário mínimo com 7 (sete) respostas e de 1 (um) a 3 (três) com 16 (dezesseis) respostas. Observamos que, na renda familiar de 4 (quatro) a 10 (dez) salários, dos 14 (quatorze) cotistas oriundos dessas famílias, 10 (dez) estudam no turno matutino. A exigência para que o negro cotista tenha estudado em escola pública ou particular mediante bolsa favoreceu o ingresso de jovens de famílias com menos recursos financeiros, acionando a função social da universidade. No item IV – Dos Dados Educacionais, constituído de oito questões, o objetivo foi buscar informações sobre a situação acadêmica em 2012 de cada aluno pesquisado, bem como outros fatores que interferem na trajetória acadêmica, tais como: local de residência, distância que percorre até a universidade, origem escolar, dependência nas disciplinas cursadas, motivos responsáveis pela reprovação e consequentemente pelas dependências. Para melhor visualização desses dados, apresentamos a tabela a seguir. Tabela 4 – Dados Educacionais (itens 4.1 a 4.7). Unidades Ano Matriculado e frequentando Carrega dependência? 1º ano 2º ano 3º ano 4º ano 5º ano Desistentes Sim Não 1 Dourados Mat. 0 0 0 2 10 0 5 7 2 Paranaíba Mat. 0 0 0 2 10 0 6 6 3 Paranaíba Not. 0 0 0 0 9 1 7 3 3 Naviraí Not. 0 0 0 2 4 0 5 1 2 Total 0 0 0 6 33 1 23 17 10 103 2 3 4 Não resp. a b Motivos c d Reside na cidade Sim em que estuda Não Menos de 5 Distância da +5 - 10 Universidade até + 10 - 15 a residência (em + 15 - 20 Km) + de 20 Não resp. Pública Ensino Particular fundamental em Particular escola: com bolsa Pública Ensino médio Particular em escola: Particular com bolsa Se carrega, quantas? 1 1 1 0 1 0 1 3 10 2 6 0 3 2 1 0 10 2 1 1 1 1 0 1 1 1 3 10 2 7 2 0 0 2 1 12 0 0 1 3 0 0 1 0 4 2 6 4 6 0 0 0 4 0 9 1 1 0 1 0 2 1 0 1 3 3 3 2 0 0 0 3 1 6 0 0 3 6 2 2 4 1 7 11 29 11 21 2 3 2 10 2 37 3 2 9 3 3 12 0 0 10 0 0 6 0 0 37 3 3 a. Dificuldade com conteúdos básicos do curso. b. Pouco acesso a material didático (xerox, livros etc.). c. Relação professor/aluno (discriminação, perseguições etc.). d. outros motivos. Com relação aos dados educacionais (Tabela 4), 33 (trinta e três) acadêmicos declararam estar matriculados e frequentando o quinto ano, 6 (seis) responderam estar matriculados e frequentando o quarto ano, bem como 1 (um) informou que havia desistido, sendo que 23 declararam carregar dependência e 17 (dezessete) disseram não possuir. Questionado sobre os motivos desta, dos 23 que afirmaram estar com dependência, 11 (onze) assinalaram a alternativa “outros motivos”, justificando como sendo: Na Unidade de Dourados: a) falta de mais esforço de minha parte; b) falta de compromisso com a disciplina; c) dificuldade com o estudo devido ao grande desgaste com o trabalho fora. Unidade de Paranaíba Matutino: a) problemas pessoais; b) doença e perda de muitas aulas; 104 c) falta de boa didática de alguns professores; d) transferência interna; e) horário de trabalho, jornada extensa e cansativa. Unidade de Paranaíba Noturno: a) dificuldades econômicas, falta de tempo e estrutura para estudar; b) trabalho. Unidade de Naviraí: a) perda de avaliação, não mais conseguindo recuperar na optativa; b) envolvimento em movimentos sociais, carga extensa no trabalho; c) falta de tempo para estudo. Como percebemos, apesar desta alternativa concentrar o maior número de respostas, estas foram bem diversificadas, em sua maioria ligadas à falta de esforço pessoal e ao desgaste ocasionado pelo trabalho. A graduação oferecida no período noturno favorece quem trabalha, no entanto, o rendimento pode ser inferior àquele dos que não exercem qualquer atividade, pois o desgaste ocasionado é um desestímulo aos estudos. Nesse ponto, muitas vezes o acadêmico se vê em uma encruzilhada: estudar ou sobreviver? Outro item que ganhou destaque foi a alternativa “c” (relação professor(a) aluno), com 7 (sete) respostas. Para a compreensão desse item, oferecemos alguns exemplos genéricos (discriminação, perseguições, etc.) dentro dos quais o(a) acadêmico(a) poderia enquadrar outras situações semelhantes vividas durante o curso. Essa alternativa era objetiva e, por consequência, não cabia justificativa. O índice de respostas a esse quesito, embora pareça pequeno, na verdade é alto, situação que não deveria ocorrer na universidade, que “[...] necessita, pois, continuamente pensar o que ela quer ser e que tipo de contribuição deseja prestar à sociedade na qual se encontra inserida” (BENICÁ, 2011, p. 36), pois, como espaço de diálogo e interações, a universidade deve minimizar a ocorrência dessa prática, com intervenção permanente junto aos professores e acadêmicos, visando uma melhor conscientização e respeito ao outro. O item “dificuldade com os conteúdos básicos do curso” contou com 4 (quatro) repostas, embora saibamos que as dependências geralmente são frutos de avaliações nas quais o aluno não dominou os conteúdos. Como fator que poderia interferir na vida acadêmica e, por consequência, na aprendizagem e permanência, no questionário constaram questões sobre a localização da 105 residência (se na mesma cidade em que estuda ou não), bem como a distância que necessitava percorrer para chegar até a Universidade. Nesse item, 29 (vinte e nove) disseram residir na mesma cidade em que estudam e 11 (onze) que não. Dos que disseram residir na mesma cidade, 21 (vinte um) residem a menos de 5 km (cinco quilômetros) da universidade, sendo que os que moram fora residem a mais de 20 km (vinte quilômetros), com as distâncias variando entre 45 km e 100 km. As informações sobre onde cursou o ensino fundamental e médio não causaram surpresa, tendo em vista ser este um critério para concorrer às cotas. A maioria estudou em escola pública, com 37 (trinta e sete) cursando ensino fundamental e médio nesta. Três em escola particular, mas apenas dois informaram mediante bolsa e um deixou em branco a alternativa, levando-nos a pensar que motivos este teria para ocultar esta informação. Será que apresentou falsa declaração de bolsa? É possível, mesmo com todo o cuidado que a Comissão responsável adotou no deferimento das inscrições para a cota de negros. Tabela 5 – Dados educacionais (item 4.8). Unidade Recebeu bolsa da universidade Se recebeu, qual? Dourados Mat. Paranaíba Mat. Paranaíba Not. Naviraí Not. Total Sim Não 4 8 2 10 1 9 0 6 7 33 PAE PIM PIBEX 1 0 1 1 0 0 1 0 0 0 0 0 3 0 1 PIBIC PIBIC/AAF/ CNPq PIBID 1 1 1 0 0 0 0 0 2 1 0 0 0 0 0 No que diz respeito às bolsas oferecidas durante a graduação, 33 (trinta e três) declararam que não recebem(eram) e 7 (sete) que recebe(eram). Dos que receberam, as respostas foram as mais diversificadas, sendo 3 (três) PAE, 1 (uma) PIBEX, 2 (duas) PIBIC, e 1 (uma) PIBIC/AAF/CNPq. Quem se beneficiou o fez em média de 7 (sete) meses a 1 (um) ano. E apenas 1 (um) acadêmico disse que ainda recebe bolsa PAE. Essas bolsas têm prestado um importante auxílio para a permanência e formação acadêmica, pois possibilitam ao estudante carente sua manutenção na graduação, além de iniciação à pesquisa e à docência. 106 A Bolsa PAE (Programa de Assistência Estudantil), oferecida pelo Edital 023/2011 – PAE - PROEC/UEMS, com programa compreendido entre abril a dezembro de 2012, concedeu 100 Bolsas Permanência, 35 Auxílios Alimentação e 35 Auxílios Moradia. Os critérios para concorrer eram: 1.1 Ser aluno regularmente matriculado em qualquer série dos Cursos de Graduação da UEMS, não possuir outro curso de nível superior; 1.2 Comprovar a renda per capta igual ou inferior a 1 salário mínimo vigente no País; 1.3 Não acumular qualquer tipo de bolsa, benefício, auxílio ou outra atividade remunerada, mesmo que não registrado em Carteira de Trabalho ou vínculo empregatício, que tenha continuidade na remuneração; [...] 1.5 O aluno poderá se inscrever em mais de uma modalidade de benefício, destacando-se que para concorrer ao Auxílio Alimentação e Auxílio Moradia, deverá obrigatoriamente residir fora do domicílio de seus pais/tutores ou equivalentes para estudar;49 A Bolsa PIM (Programa Institucional de Monitoria da UEMS), de acordo com o edital nº 001/2012/PIM/DEG/PROE/UEMS, objetiva: 1.1 Criar um espaço de atuação no âmbito universitário onde os alunos que possuem mérito e/ou rendimento escolar satisfatório atuem como monitores, contribuindo para o aperfeiçoamento do processo de ensino/aprendizagem, bem como para a interação entre alunos, professores e técnicos. 1.2 Realizar procedimentos acadêmicos auxiliares nos processos didáticopedagógicos, sob orientação do professor, este, preferencialmente lotado em Regime de Tempo Integral (TI), referendado e acompanhado pelo Colegiado de Curso. 1.3 Atender às necessidades institucionais de nivelamento e apoio aos acadêmicos com dificuldades de adaptação ou de acompanhamento dos conteúdos das disciplinas constantes de sua grade curricular. 1.4 Atender aos alunos com necessidades educacionais especiais para sua melhor ambientação no curso, garantindo o acompanhamento adequado das disciplinas constantes da grade curricular.50 Os valor mensal da bolsa é de R$ 180,00 (cento e oitenta reais) para 8 (oito) horasaula semanais; e R$ 90,00 (noventa reais), para 4 (quatro) horas-aula semanais.51 49 Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1080_1_01-12-2011_13_23_52.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2013. 50 Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1137_1_02-03-2012_15_39_03.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013. 51 Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1137_1_02-03-2012_15_39_03.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013. 107 A Bolsa PIBEX (Programa Institucional de Bolsas de Extensão), com Edital Chamada FUNDECT/UEMS n. 15/2012 – PIBEX-UEMS lançado em 13.11.12, com implantação de bolsas de 03/2013 a 01/2014, tem como objetivos: I - Estimular professores a incluírem estudantes de graduação nas práticas voltadas para o atendimento de necessidades sociais emergentes como as relacionadas com as áreas de Comunicação, Cultura, Direitos Humanos, Educação, Meio Ambiente, Saúde, Tecnologia e Produção, Trabalho, Habitação, dentre outros; II - Oportunizar aos bolsistas e seus orientadores a enfatizar a utilização disponível para ampliar a oferta de oportunidades e melhorar a qualidade da educação aí incluindo a Educação Continuada e a Distância; III - Possibilitar aos bolsistas meios e processos de produção, inovação e transferência de conhecimentos, permitindo a ampliação do acesso ao saber e o desenvolvimento tecnológico e social do País; IV - Estimular bolsistas e orientadores a desenvolverem atividades que impliquem em relações multi, inter ou transdisciplinares e interprofissionais de setores da Universidade e da Sociedade; e V - Proporcionar aos bolsistas e aos orientadores as condições para que tenham uma relação bidirecional entre a Universidade e a Sociedade, de tal modo que os problemas urgentes da sociedade recebam atenção produtiva por parte da Universidade.52 O valor pago por esta bolsa é de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais). Por este edital, estão sendo concedidas 150 bolsas de extensão, por um período de 11 (onze) meses, compreendido entre março de 2013 e janeiro de 2014. 53 A Bolsa PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) tem como objetivo, de acordo com o Edital Chamada FUNDECT/CNPq/UEMS N° 06/2012 – PIBICUEMS, [...] a concessão de bolsas de iniciação científica a alunos matriculados em cursos de graduação localizados na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, visando despertar a vocação científica e incentivar talentos potenciais, mediante a participação em projetos de pesquisas orientados por pesquisadores atuantes e qualificados.54 Pelo edital anterior, foram concedidas 227 (duzentas e vinte e sete) bolsas de iniciação científica, sendo 50 (cinquenta) bolsas do CNPq e 177 (cento e setenta e sete) da UEMS, para 52 Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1360_1_13-11-2012_11_49_59.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2013. 53 Disponível em:<http://www.uems.br/portal/editais/1360_1_13-11-2012_11_49_59.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2013. 54 Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1202_1_25-04-2012_15_15_20.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2013. 108 o período compreendido entre agosto de 2012 e julho de 2013, com duração de 12 meses. O valor da bolsa é de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais) por mês.55 A Bolsa PIBIC/AAF/CNPq (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas) tem por objeto [...] a concessão de bolsas de iniciação científica a alunos matriculados em curso de graduação localizados na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas (PIBIC-AAF), visando despertar a vocação científica e incentivar talentos potenciais, mediante a participação em projetos de pesquisas orientados por pesquisadores atuantes e qualificados, cuja inserção no ambiente acadêmico se deu por uma ação afirmativa no vestibular. 56 O valor desta bolsa é de R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais) por mês. Para o período compreendido entre agosto de 2012 e julho de 2013, foram concedidas 16 bolsas nessa modalidade. A Bolsa PIBID (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência – PIBID/UEMS), de acordo com o Edital nº 10/2012 – PROE/UEMS, de 12 de junho de 2012, tem o valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) mensais, é distribuída nos cursos de licenciatura da UEMS57 e objetiva: a. Incentivar a formação de docentes em nível superior para a Educação Básica; b. Contribuir para a valorização do magistério; c. Elevar a qualidade da formação inicial de professores nos cursos de licenciatura, promovendo a integração entre a Educação Superior e a Educação Básica; d. Inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem; e. Incentivar escolas públicas de Educação Básica, mobilizando seus professores como coformadores dos futuros docentes e tornando-as protagonistas nos processos de formação inicial para o magistério; e f. Contribuir para a articulação entre teoria e prática necessárias à formação dos docentes e elevar a qualidade das ações acadêmicas nos cursos de licenciatura. 58 55 Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1202_1_25-04-2012_15_15_20.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2013. 56 Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1181_1_09-04-2012_15_50_01.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2013. 57 Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1262_1_12-06-2012_09_26_23.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2013. 58 Disponível em: <http://www.uems.br/portal/editais/1262_1_12-06-2012_09_26_23.pdf>. Acesso em: 9 abr. 2013. 109 Dessa forma, podemos avaliar que é amplo o sistema de bolsas oferecido pela UEMS, e muitas delas sequer são pleiteadas, sobrando vagas, o que demonstra, muitas vezes, uma postura passiva de professores e coordenadores, que não incentivam os alunos a concorrer. Por outro lado, os alunos só podem concorrer se os seus professores possuírem projetos aprovados e em desenvolvimento, situação bastante rara entre os docentes da área do Direito. O motivo para a ausência de projetos, principalmente de pesquisa, se dá pela não qualificação docente (Mestrado e Doutorado); não opção pelo tempo integral, e o entendimento da maioria que basta ser advogado para ser professor e “Doutor”. Como maiores dificuldades para manterem-se na universidade, no curso de Direito de Dourados, a grande maioria dos pesquisados, ou seja, 6 (seis), assinalaram a alternativa “b”, que diz respeito a dificuldades econômicas, com necessidade de trabalho; 2 (dois) assinalaram a alternativa “a”, que é dificuldades de aprendizagem originadas do ensino fundamental e médio (leitura, escrita, interpretação, etc.); e 1 (um) respondeu a alternativa “c”, ausência de programas de apoio aos cotistas (bolsas, material didático, cursos de nivelamento), sendo que 2 (dois) alegaram outros motivos, tais como: compatibilizar horário de trabalho com a universidade e 1 (um) não assinalou nenhuma alternativa, justificando que não tem dificuldades. Já no curso de Direito matutino de Paranaíba, as dificuldades apontadas foram: 3 (três) para a resposta “a” - dificuldades de aprendizagem originadas do ensino fundamental e médio (leitura, escrita, interpretação, etc.); 2 (dois) para a alternativa “b” - dificuldades econômicas, com necessidade de trabalho; e 2 (dois) para a alternativa “d”. Outros motivos elencados foram: falta de amizade, sinceridade, lealdade, amor e humanismo entre os universitários e alguns professores, bem como falta de compreensão entre professores e alunos; jornada de trabalho longa, falta de tempo para estudar e não adequação ao curso. Alguns alegaram mais de um motivo. Os restantes disseram não haver dificuldades. Já os cotistas do período noturno da Unidade de Paranaíba assinalaram: 3 (três) acadêmicos alternativa “b”, que corresponde a dificuldades econômicas, com necessidade de trabalho; 2 (dois) a alternativa “a”, que corresponde às dificuldades de aprendizagem originadas do ensino fundamental e médio (leitura, escrita, interpretação, etc.); e 3 (três) a alternativa “d” (outros motivos), que oportuniza ao acadêmico esclarecer no que consistia. Nesse item, 2 (dois) não responderam por entenderem que não têm dificuldades para se manter na universidade. Os demais justificaram como sendo: - dificuldades no deslocamento até a faculdade; - conjugar estudo e trabalho 110 - problemas relacionados aos docentes. Na Unidade de Naviraí, a grande maioria, ou seja, 3 (três), assinalaram a resposta “b”, que diz respeito a dificuldades econômicas, com necessidade de trabalho; 1 (um) marcou a resposta “a”, que trata das dificuldades de aprendizagem originadas do ensino fundamental e médio (leitura, escrita, interpretação, etc.);1 (um) alega outro motivo (alternativa “d”), citando a distância da Universidade e alegando cansaço; 1 (um) disse não ter dificuldades. Pelos dados anteriores, considerando que alguns assinalaram mais de uma alternativa, e outros nada assinalaram por entenderem que não estão encontrando dificuldades, a alternativa que teve o maior número de respostas em todas as unidades foi a letra “b” dificuldades econômicas, com necessidade de trabalho - com 14 (quatorze) respostas, ou seja, a mesma situação que apontaram como motivo para estarem carregando dependências no curso. A maioria dos fatores está ligada ao trabalho, bem como ao deslocamento até a Universidade. O desgaste faz com que o rendimento não seja satisfatório, ensejando muitas reprovações, gerando dependência. Podemos notar que a situação econômica tem peso no desempenho acadêmico, uma vez que o desgaste ocasionado pelo trabalho reduz as forças para estudar, concentrar e ter um bom rendimento na universidade, e, como vimos, é baixa a faixa salarial, tanto individual quanto familiar, desses negros cotistas. Sabemos, ainda, que as profissões que exigem maiores esforços físicos são as que geram menores rendimentos e maior cansaço, principalmente para quem estuda no período noturno, fatos já comprovados em pesquisas com dados nos quais [...] estima-se que a média de horas trabalhadas por semana seja de 43 horas e 24 minutos, todavia entre pretos a jornada de 44 horas e 49 minutos é superior à média e à jornada dos de cor branca, que trabalham 44 horas e 33 minutos. [...] embora a população negra trabalhe mais que a população branca, seu salário ainda é inferior, pois a partir da média total de R$ 573, 23, constatou-se que os brancos recebem em média R$ 644,46 e os negros, R$ 506,48, uma diferença em favor dos brancos de 27%. (MARTINI; SILVA, 2005, p. 97-98). Nesse ponto, a universidade tem que rever as bolsas oferecidas, bem como seus valores, e caso estas já estejam sendo suficientes para suprir as necessidades dos negros cotistas e demais alunos, exigir dos professores e coordenadores a divulgação e oferecimento, pois muitas delas sequer são pleiteadas, pelo desconhecimento. Outras alternativas muito assinaladas entre os quatro cursos foram a letra “a”, com 8 (oito) e “d” com 9 (nove) respostas. O item “a” diz respeito a dificuldades de aprendizagem 111 originadas do ensino fundamental e médio (leitura, interpretação etc.). Nesses dados, podemos ver a deficiência da escola pública e a importância das cotas para o ingresso na graduação, bem como a necessidade de cursos de nivelamento para suprir uma carência em decorrência da educação básica. O item “d” - outros motivos - foi elencado pelas mesmas razões que justificaram as dependências. Tabela 6 – Dados Educacionais (itens 4.12, 4.13 e 4.16). Unidade Conhecimento de projeto ou programa para alunos negros cotistas na UEMS. Participou ou participa de algum projeto ou programa. Se sim, em qual ano do curso. Sugere a implantação de algum projeto específico para acadêmicos negros cotistas que ajude na permanência. sim não não resp. sim não 1º 2º 3º 4º 5º sim não não resp. Dourados Mat. 1 10 0 Paranaíba Mat. 1 11 1 Paranaíba Not. 1 9 0 Naviraí Not. 0 6 0 Total 5 7 0 12 3 7 0 6 8 32 4 0 3 1 0 7 5 0 0 0 0 0 0 3 8 1 0 3 1 1 0 4 6 0 0 0 0 0 0 5 1 0 4 3 4 2 0 19 20 1 3 36 1 De acordo com a tabela 6, impressiona o número de acadêmicos que não tem conhecimento de projetos ou programas para negros cotistas, uma vez que 36 (trinta e seis) deles responderam não conhecer, e apenas 3 (três) disseram ter ciência, havendo uma resposta em branco. Nesse aspecto, a universidade deveria providenciar e cobrar dos coordenadores de curso uma melhor divulgação, incentivo e participação, bem como os docentes se conscientizarem dessa necessidade premente a fim de oferecerem os projetos e programas disponíveis. Aos que responderam afirmativamente ao mencionado, foi questionado de qual projeto/programa havia participado, sendo que na sede, em Dourados, responderam: “Documentação: um Direito de Todos” e “O direito Ambiental floresce na Fundação Odacir Vidal” (3); “Extensão sem terras”, “Antropologia Jurídica”; “Combate à Homofobia”, 112 “Direito Previdenciário” e “A mulher na política como garantia de empoderamento da sociedade brasileira”. Observa-se que alguns acadêmicos participaram de mais de um projeto. Na Unidade de Paranaíba, turno matutino, em que se supõe que os acadêmicos tem disponibilidade para participar, os doze questionados informaram não haver participado de projeto algum. Já no período noturno, na mesma Unidade, disseram haver participado dos seguintes projetos/programas: “Diversidade (2009)”; “Amigos da Leitura (2009)”; “Jornal Voz Acadêmica” e “Atitude Ambiental”. Na Unidade de Naviraí, todos os questionados responderam não haver participado de projeto algum; talvez isso se deva ao fato de muitos acadêmicos residirem em cidades vizinhas à universidade e até mesmo o deslocamento até esta para poder estudar já é uma dificuldade, somado ao fato de todos os acadêmicos trabalharem, o que impossibilita o desenvolvimento dos projetos. Para aqueles que haviam participado desses projetos, foi questionado acerca do ano que isto ocorreu, tendo a maior incidência no 1º e 3º anos com 4 (quatro) participações, 3 (três) no segundo ano, 2 (duas) no quarto e nenhuma no quinto ano. No item sobre a implantação de algum projeto específico para os acadêmicos negros cotistas que os ajudasse na permanência, 20 (vinte) responderam ser esta providência desnecessária, enquanto que 19 (dezenove) entenderam que deveria ocorrer, sendo que um acadêmico não opinou. Aos que responderam afirmativamente sobre a necessidade de oferecimento de algum programa ou projeto, as respostas foram bem diversificadas. Na sede, em Dourados, os negros cotistas sugeriram projetos que visassem a integração e relação entre os cotistas; que oferecessem reforço acadêmico; que possibilitassem estágio dentro da universidade, de forma remunerada, focado no curso que o cotista faz; e, por fim, que fosse oferecido projeto que incentivasse a cultura. Na Unidade de Paranaíba, turno matutino, os projetos sugeridos foram: “a inclusão do cotista na universidade”, “Direitos Humanos” e “projetos que influenciassem a permanência de alguns desistentes”. No período noturno, os projetos sugeridos foram: incentivo à leitura e à pesquisa; consciência negra, histórico e política; incentivo a desenvolver pesquisas sobre sua cor ou raça e auxílio (dinheiro) para manutenção; orientação e/ou grupo de estudo. Sendo que um acadêmico não deu qualquer sugestão. Na Unidade de Naviraí, os negros cotistas sugeriram o oferecimento de alguns projetos, dentre eles: 113 - incentivo financeiro pelo fato de a maioria dos negros cotistas ser de famílias humildes; - melhor preparação com base no próprio curso; - oferta e divulgação de bolsas; - extensão na comunidade; - reforço didático das matérias. As sugestões dos discentes estão relacionadas às dificuldades que podem ser reduzidas mediante a contemplação de bolsas; no entanto, o que pudemos perceber é que estas não são oferecidas por ausência de projetos dos professores, e as razões dessa omissão podemos atribuir ao fato de os advogados não possuírem formação e conhecimento didáticopedagógico. Daí a importância de se aperfeiçoarem em áreas que possam suprir esta lacuna, pois muitos professores ministram suas aulas seguindo o modelo de seus professores de graduação, não se conscientizando de que a docência vai além das atividades realizadas na sala de aula. A coordenação, que deveria ser o elo entre as determinações das pró-reitorias e demais encaminhamentos da universidade, divulgando as bolsas e incentivando os professores e alunos a realizarem projetos, também se mantém inerte nesse sentido. Os poucos projetos que pudemos perceber que foram oferecidos ao longo da caminhada acadêmica contemplaram poucos alunos. Ademais, aqueles que realmente precisavam desses projetos e bolsas, talvez pela omissão dos gestores da universidade ou ainda pela falta de divulgação do oferecimento destes, não puderam deles usufruir. O que pode ter levado estes negros cotistas a um grande número de dependências, evasões e reprovações. Quanto a esse ponto, é necessário um maior empenho, tanto da coordenação quanto dos professores, para sensibilização com relação à necessidade premente de ofertarem projetos incentivando e auxiliando a participação dos discentes. Caso contrário, a universidade continuará sendo reprodutora das injustiças sociais, o que não se pode conceber. O item 4.18 concentra grande parte das respostas que buscamos nesta pesquisa, oportunidade em que questionamos os motivos que levaram os negros cotistas a concorrerem pelo sistema de cotas. A esta indagação, foram colocadas quatro alternativas: a) menor concorrência; b) exercício de um direito constitucional; c) sentimento de identidade e pertencimento racial; d) outro fator, solicitando a citação destes. 114 Sendo a “d” genérica, o acadêmico tinha oportunidade de justificar, citando os motivos. A alternativa que concentrou o maior número, com 20 (vinte) respostas, foi a letra “b” - “exercício de um direito constitucional”; e as alternativas “a” - menor concorrência e “c” - sentimento de identidade e pertencimento racial ficaram empatadas, com 10 (dez) respostas cada uma. Uma das pautas do Movimento Negro é a reivindicação por educação, o que há muito fora apregoado por Freire (2008 apud PEREIRA, 2011, p. 70), ao dizer que “[...] o caminho no campo do conhecimento é o caminho no campo político, através dos quais amanhã – e aí vem a utopia –, as classes populares encontrem o poder”59 (grifo do autor). A razão de o maior número concentrar as respostas na alternativa “b” talvez esteja ligada ao fato de que apenas os negros cotistas do curso de Direito foram questionados, e no curso de Direito, por ser uma ciência quase toda positivada, os acadêmicos tem uma predileção especial por argumentos legais. A menor concorrência (alternativa “a”) foi respondida por 10 (dez) acadêmicos, o que demonstra que as cotas proporcionaram incentivos para cursar a graduação, o que muitas vezes não ocorre na prática, pois, em alguns anos, a concorrência entre os candidatos pelas cotas costuma ser maior que entre as vagas gerais, dado o número pequeno de vagas oferecidas. O sentimento de identidade e pertencimento racial também contou com 10 (dez) respostas, o que demonstra progresso, uma vez que A universidade brasileira, ao se propor a adotar um plano de ações afirmativas, não se encontra tão somente a corrigir os erros dos 500 anos de colonialismo e escravidão; está reconhecendo que a população negra precisa ser valorizada no plano social e individual. Existe a consciência de que a nossa identidade pode ser bem ou mal formada no curso de nossas relações com outros significantes. Mas é fundamental que haja ações políticas ininterruptas de reconhecimento igualitário. (SANTOS, 2006b, p. 20). Como um dos episódios interessantes acerca da não aceitação da identidade negra, temos a história de Machado de Assis, importante escritor negro da nossa literatura que [...] não apenas modelou a sua arte pela europeia. Casou-se com branca, nunca mencionava os parentes pretos, não tinha amigos de cor. Na juventude, modesto tipógrafo metido a escritor, os retratistas o pintavam negro como era; na velhice, famoso e festejado, presidente da Academia Brasileira de Letras representavam-no quase branco, a tez clara, o pixaim amaciado. (SANTOS, 1984, p. 70-71). 59 FREIRE, P. Paulo Freire ao vivo: gravação de conferências com debates realizadas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba (1980-1981). São Paulo: Loyola, 1983. 115 Essa passagem soma-se àquela relatada acerca do primeiro presidente negro do Brasil, Nilo Peçanha, que governou de 1909 a 1910, por ocasião do falecimento de Afonso Pena, o qual teve suas fotos retocadas para que parecesse mais branco. As respostas aos questionários nos fazem olhar com otimismo o número de acadêmicos que marcaram pertencimento racial e a assunção como tal. Acreditamos que também nesse ponto as cotas são importantes, pois levantam a autoestima e, por consequência, o reconhecimento de uma identidade étnicoracial. Perguntados se o sistema de cotas havia facilitado a entrada na Universidade, na sede, em Dourados, 10 (dez) responderam afirmativamente e 2 (dois) negativamente. As explicações a esse questionamento foram as mais variadas. Os que responderam afirmativamente disseram, em sua maioria, que, por conta da concorrência ser menor, facilitou a entrada, uma vez que alguns acadêmicos explicaram não possuir “bagagem” suficiente para concorrer com os alunos de escolas particulares. Outros afirmaram que o sistema de cotas possibilita a entrada em cursos com maior concorrência, aos quais geralmente a população negra tem menos acesso, citando como exemplo o Direito. O despreparo de quem cursou a educação básica pública foi analisada por Pereira (2011, p. 74-75) ao dizer que “[...] essa desigualdade na educação básica acaba, por consequência lógica, influenciando na hora do recrutamento ao ensino superior, onde, além das questões econômicas (de classe social), as questões étnico-raciais se apresentam com força [...]”. Quanto aos negros cotistas da Unidade de Paranaíba, turno matutino, na mesma pergunta, 8 (oito) responderam que sim e 4 (quatro) que não. As explicações para os que responderam negativamente foram que: - havia disputado a vaga com outros cotistas; - preparou-se para concorrer de qualquer forma; após saber que poderia concorrer pela cota, foi quando optou pelo sistema; - entende que não, pois o vestibular é uma disputa, tendo se colocado em uma situação igualitária a todos ao disputar a vaga. - as cotas não facilitam em nada, e o fato de ser pública gera muita discriminação. Dos que responderam afirmativamente, a maioria disse que a concorrência era menor do que para as vagas gerais, e outro falou que a concorrência foi com outros alunos que se encontravam com o mesmo nível de conhecimento, ou seja, os oriundos de escola pública. Um cotista não respondeu. 116 Na Unidade de Paranaíba, turno noturno, 6 (seis) responderam negativamente e 4 (quatro) afirmativamente. Incitados a explicar a opção escolhida, os que responderam negativamente asseveraram que: - a concorrência era a mesma, tanto para cotista quanto para os demais; - pelo fato de ter passado em quarto lugar, teria ocupado a vaga independentemente de cota, não concordando com elas; - disse que estudou muito para passar no vestibular, abriu mão de certas coisas para poder ingressar em uma universidade pública. O que chama a atenção é a resposta do que afirma ter passado em quarto lugar, diz que não concorda com as cotas, mas ao mesmo tempo fez uso delas. Por um lado, o que pudemos perceber é que este acadêmico pode ter se sentido inseguro de concorrer pelas vagas gerais, tanto que optou pelas cotas; no entanto, ao ver sua classificação, entendeu que poderia ter ingressado mesmo concorrendo pelas vagas gerais. O fato relatado anteriormente demonstra que as cotas aumentaram a autoestima daqueles que, em um primeiro momento, se julgavam incapazes de ingressar em uma graduação, e este sentimento de autoconfiança, com certeza, se estenderá ao mercado de trabalho e demais setores da sociedade. O que demonstra a importância das cotas além do ingresso nos bancos universitários. Os que responderam afirmativamente disseram que: - facilitou em muito a entrada, apesar de haver concorrência entre os cotistas; - acredita que, além de ser um direito constitucional, também apresenta concorrência; - afirma existir menor concorrência; - se não fossem as cotas, jamais poderia entrar em uma universidade pública, uma vez que sustenta a família e não teria condições financeiras para isso. Na Unidade de Naviraí, na questão sobre a facilidade proporcionada pelas cotas, 4 (quatro) responderam que sim e 2 (dois) que não. As explicações para os que responderam afirmativamente foram: - menor concorrência; - as cotas representaram uma facilidade para entrar na Universidade; - as cotas superaram alguns obstáculos, tais como baixa qualidade no ensino médio, a concorrência no vestibular e a dificuldade de passar. Os que responderam negativamente, disseram que poderiam ter passado mesmo que não tivessem concorrido pelas cotas, dada a pontuação obtida; dentre eles, houve um que, ao responder o item 4.18, afirmou que optou por estas por se tratar de um direito constitucional. 117 O item 4.20, que questiona se o respondente acreditava que os negros cotistas, ao se formarem, teriam as mesma condições e chances que os não cotistas no mercado de trabalho, obteve como resposta na sede, em Dourados, 9 (nove) sim e 3 (três) não. Dos que responderam afirmativamente, justificaram que: - a partir do momento em que se consegue entrar na faculdade, todos devem buscar a melhor maneira de colher conhecimentos para concorrer no mercado de forma justa, apesar das diferentes dificuldades, confiando na dedicação e oportunidade. - acreditam nas mesmas condições e chances; - reconhece o seu rendimento na universidade como sendo bem abaixo dos demais; no entanto, diz haver exceções; - entendem que o mercado de trabalho seleciona os melhores, independentemente de raça. No entanto, não é o que Martini e Silva constataram: A pesquisa nacional realizada em 2003 pela fundação Perseu Abramo (FPA) em parceria com a fundação alemã Rosa Luxemburg Stiftung demonstrou que a população negra não goza de condições equânimes em relação à população branca no mercado de trabalho e que as organizações de atuação profissional ainda são os principais lócus de discriminação racial. (MARTINI; SILVA, 2005, p. 96). A explicação dos que responderam negativamente foi de que nem sempre as condições serão as mesmas, tendo em vista que a situação socioeconômica traz uma maior dificuldade para ascensão profissional. Outros acreditam que as cotas deveriam se estender ao mercado de trabalho, pois este seleciona preconceituosamente os candidatos às vagas. Por fim, há quem entenda que a sociedade ainda é preconceituosa. O discente que entendeu que as cotas deveriam se estender ao mercado de trabalho, teve a percepção de que, no Brasil, este se encontra [...] estruturado com base na relação desigual entre capital e trabalho, também está apoiado na própria desigualdade racial. Nesse sentido, a construção da ponte entre as políticas de ações afirmativas e o mercado de trabalho pode criar patamares mais equânimes e condições leais de concorrência e ascensão para a população negra brasileira. (MARTINI; SILVA, 2005, p. 96). Ademais, uma política de inclusão e promoção da igualdade material também vem prevista no Estatuto da Igualdade Racial, Lei nº 12.288 de 20 de julho de 2010, que prevê 118 diversas medidas visando assegurar igualdade de oportunidade e tratamento para a população negra em matéria de trabalho e renda. O referido Estatuto diz que cabe ao poder público, inclusive à União, a adoção de programas que incluam a população negra em cargos e funções de confiança. Ainda no sentido da promoção de uma igualdade material, prevê o Estatuto incentivos para as empresas privadas que adotem programas de inclusão de trabalhadores negros, até mesmo observando a proporcionalidade de gênero. O Estatuto, além de garantir o acesso ao emprego, determina a obrigação do Estado de promover a igualdade nos programas de formação profissional, acesso a crédito para pequena produção e para as microempresas administradas por negros. Nesse item, concordamos com as ponderações desse acadêmico, que afirma que o mercado de trabalho ainda é preconceituoso, pois, muito embora o que respondeu positivamente afirme que o mercado de trabalho seleciona os melhores, independentemente da raça, não é o que presenciamos até os dias atuais, uma vez que a escravidão não é a única razão para explicar a situação de penúria que até hoje grande parte da população negra vive; outros fatores, tais como a discriminação e o preconceito, interferiram e ainda interferem para essa ocorrência, uma vez que [...] o preconceito de cor [...] têm se perpetuado como componentes estruturantes da desigualdade social no Brasil, constituindo fortes entraves para a conquista da cidadania plena por parte do conjunto da população. (VENTURI; BOKANY, 2005, p. 17). Em Paranaíba, turno matutino, com relação ao mesmo item 4.20, 9 (nove) responderam que sim e 3 (três) que não. Os que responderam afirmativamente justificaram que: - o desempenho profissional do negro é que vai dizer se está apto para realizar um bom trabalho; - o mercado de trabalho tem espaço para todos; - a maioria dos negros cotistas formados está inserida no mercado de trabalho; - o fato de entrar pelo sistema de cotas não os torna menos competentes que os demais; - todos têm chances iguais. Os que responderam negativamente justificaram que: - a maioria dos cotistas vem de família de baixa renda, assim, possuem dificuldades enormes; além de concluir o curso na universidade, têm que provar à sociedade que são capazes; 119 - entendem que, infelizmente, ainda existe preconceito, e isto dificultará até na escolha do próprio cliente para a sua defesa. Um não justificou sua resposta. Em Paranaíba, turno noturno, com relação ao mesmo item 4.20, 7 (sete) responderam que sim e 3 (três) que não. Justificando, alguns que responderam afirmativamente apontaram: - desde que tenha esforço, pode lutar por chances iguais no mercado de trabalho; - que a universidade prepara a base e a pessoa tem que buscar o sucesso; - a questão não é da cor da pele, e sim de competência. - o fato de os cotistas ingressarem na faculdade pelas cotas não significa que são menos inteligentes e sim que está sendo reparado um direito. Dois não justificaram. Os que responderam negativamente alegaram que: - depois de entrar, todos estudam a mesma matéria e a dificuldade agora é a estrutura que a pessoa possui para estudar, se dedica o tempo suficiente para ler os livros e pesquisar os assuntos, se tem ou não dinheiro para comprar livros etc.; - infelizmente, o racismo ainda toma conta de muitas mentes pequenas e não pensantes; - a base da família que dá estrutura ao negro é muito fraca, precária e este ainda sofre com o desnível social do mundo a que pertence. Em Naviraí, nesse item 4.20, os 6 (seis) negros cotistas responderam que sim, justificando nos seguintes termos: - o ensino é igual para todos; - não é a cor da pele que mede a capacidade e a inteligência da pessoa, pois temos Ministros no STF que são negros; - o desempenho após a faculdade depende de cada um, não importa a cota; - terão que estudar mais que o não cotista para se destacar além da cor; - apesar da discriminação ainda sofrida pelos negros, entende que a graduação coloca todos em pé de igualdade. Algumas observações podem ser traçadas com relação às afirmações anteriores, uma vez que o acadêmico que afirmou que há ministros no STF que são negros não atentou para o fato desse órgão se encontrar instalado desde 9 de janeiro de 1829, sendo o atual ministro Joaquim Barbosa o primeiro negro a ocupar a presidência, como já mencionado. O acadêmico que entende que terá que estudar mais que o não cotista para se destacar além da cor, intrinsecamente está reconhecendo que o preconceito existe, e que, se o desempenho após a universidade for igual ao do não negro, suas chances serão menores de se 120 destacar, somando-se à estrutura e histórico familiar, que não auxiliam nessa ascensão, muitas vezes por ausência de referenciais. Na sede, em Dourados, em relação ao item 5 – observações gerais, a questão 5.1 perguntava se havia alguma observação a fazer em relação ao sistema de cotas, projetos e outras iniciativas da UEMS com relação aos negros. Os negros cotistas afirmaram que: - o sistema de cotas implantado por nossa universidade, até agora, facilita a inserção do aluno no Ensino Superior, mas não há nenhum incentivo para que este permaneça; - há discriminação implícita de alguns profissionais da universidade (professores); - o sistema de cotas serve para proporcionar a inserção e facilitar a entrada de pessoas, porém existe uma classificação muito ampla de cor; com isso, existe a entrada de pessoas com “identidade duvidosa”, ou seja, na visão geral, não parecem se encaixar nas características negras ou índias. Hoje, mostra-se mais importante o nível escolar e não mais a questão de raça. - o fato de ser negro não está relacionado ao sucesso ou insucesso de uma pessoa, um dia já foi motivo, hoje não mais. Com relação ao acadêmico que disse existir uma classificação muito ampla de cor, o discente parece entender que apenas o preto pertence à raça negra, ignorando o critério do IBGE que adota as cores preto e pardo como pertencentes à raça negra. Em relação ao indígena, exige-se, de acordo com a Resolução CEPE/UEMS nº 382, de 14/08/2003, revogada pela Resolução CEPE/UEMS nº 430, de 30/07/2004, a comprovação de descendência indígena. Ao que parece, esse acadêmico negro cotista está fazendo uma análise com o mesmo olhar discriminador do branco, uma vez que procura detalhes no sistema para desmoralizar um importante instrumento de inclusão social. A percepção do acadêmico quanto ao fato de ser negro não interferir no sucesso ou insucesso da pessoa, dizendo que esse estigma se encontra superado, demonstra um olhar otimista para o cenário que encontra à frente, muito embora pesquisas comprovem que os cargos, empregos e renda dos negros ainda são inferiores aos do branco, sem nenhuma explicação para isso, a não ser o fato de que ainda nos encontramos em uma sociedade que avalia pessoas com base no conceito de raça. Na Unidade de Paranaíba, turno matutino, as observações quanto ao sistema de cotas foram: - somente em relação à publicação da lista de aprovação, por gerar muito preconceito entre os demais alunos; 121 - colocar um negro na universidade é fácil, mas deveríamos começar desde cedo, desde o ensino fundamental; - o que deveria ser mudada é a educação desde o início da vida escolar, por parte dos governantes; - a UEMS de Paranaíba desenvolve muitos projetos, dos quais participam qualquer aluno, tanto negro quanto branco. Em relação ao mesmo item, na Unidade de Paranaíba, turno noturno, as observações foram: - mesmo sendo um direito adquirido, a discriminação acontece da parte de alguns; - além da porcentagem que é destinada a negros, não vejo outros programas ou projetos, acho que deveria existir mais assistência, não só para os negros, mas para todos os alunos da UEMS; - a necessidade de diálogo para buscar um ponto que atenda às necessidades. Alguns não responderam. Na Unidade de Naviraí os negros cotistas fizeram as seguintes observações ao sistema de cotas: - projeto não, mas quando as pessoas fazem críticas em relação ao caso, deveriam abrir mais universidades públicas no Brasil; - ampliar as bolsas e projetos de ação social nos bairros. Os demais nada sugeriram. O que pudemos observar é um grande otimismo e entusiasmo com relação às cotas, bem como a possibilidade de ascensão social e melhores rendimentos com a graduação. Muito embora ainda reconheçam no racismo, ainda presente na nossa sociedade, um entrave para o crescimento socioeconômico e cultural do negro, mas que está diminuindo ao longo dos anos com a promoção da cultura e políticas de respeito à diversidade, dentre elas as cotas, entendidas como [...] fenômeno ou conceito [que] estende-se muito além da negritude, da afrodescendência, bem como de qualquer ideia de raça, de origem étnica ou de pertença sociocultural. Ela diz respeito às variedades das (e às variações nas) histórica pregressa de indivíduos e grupos, condições socioeconômicas, trajetórias sociais, status, origem geográfica, deslocamentos territoriais, gênero, orientação afetiva-sexual, visões de mundo, práticas culturais, religiões etc. (JUNQUEIRA, 2007, p. 19). As cotas foram o início de uma série de políticas que deveriam ter sido implantadas na universidade, tais como acompanhamento para evitar as dependências e evasões, bem como a 122 divulgação e oferecimento de projetos que contemplem as necessidades dos negros cotistas durante o trajeto acadêmico. Passaremos agora à análise do item 3.2 – Dos Coordenadores de Curso, referente aos questionários aplicados aos(às) coordenadores(as) dos quatro cursos oferecidos na sede, em Dourados, e duas Unidades, sendo respondidos 2 (dois) questionários em cada localidade, um pelo coordenador atual e outro pelo ex-coordenador. São, ao todo, 4 (quatro) professoras e 2 (dois) professores, totalizando 6 (seis) questionários. Tabela 7 – Cotas para negros, programas e bolsas (itens I e II). Unidade Era coordenador em 2008 Acompanhou o processo de implantação das cotas As cotas provocaram alguma mudança no curso de direito? Houve alguma mudança no projeto pedagógico do curso de direito com a implantação das cotas? As bolsas ajudaram na manutenção dos cotistas? As bolsas oferecidas são suficientes para os cotistas? Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não Sim Não Em branco Dourados Mat. 1 1 2* 0 0 2 0 2 Paranaíba Mat./Not. 1 1 1 1 0 2 1 1 Naviraí Not. 1 1 1 1 2 0 0 2 total 2 0 1 0 1 1 1 0 2 0 2 0 0 2 0 5 1 1 4 1 3 3 4 2 2 4 1 5 *Um Coordenador diz que participou na condição de professor. Dos coordenadores e ex-coordenadores que responderam ao questionário na sede e nas duas Unidades, três eram coordenadores no ano de 2008, data colocada como início dessa pesquisa sobre a trajetória e percalços dos negros cotistas do curso de Direito da UEMS. Quatro deles acompanharam a implantação das cotas, sendo que um na condição de docente. Dos que acompanharam, uma ex-coordenadora asseverou ter participado do fórum e seminários que houve na Unidade de Paranaíba no ano de 2003; outra ex-coordenadora disse ter participado de reunião e leitura de documentos relacionados ao tema, e outra também excoordenadora disse que acompanhou toda a proposta de criação e implantação das cotas. O coordenador atual, que na época da implantação das cotas era professor, disse ter participado das discussões iniciais. Entendemos pelas respostas dos coordenadores e ex-coordenadoras, que dizem ter acompanhado a implantação das cotas, que elas não foram discutidas, e sim que vieram 123 impostas e os coordenadores tiveram que aceitar. Daí pode-se tirar que, muitas vezes, não fizeram nada além de aceitar as determinações e encaminhamentos da reitoria e pró-reitorias, quando deveriam articular uma proposta mais eficiente e propor projetos e programas para atender às necessidades de aprendizagem e permanência dos cotistas que iriam receber no curso, tanto como docente quanto como coordenadores de curso. Dos coordenadores que não acompanharam, uma disse que não estava na UEMS, porém não disse o motivo, e um coordenador, após responder negativamente, não justificou. Com relações às mudanças provocadas na UEMS com as cotas, em especial no curso de Direito, apenas 2 (duas) coordenadoras na Unidade de Naviraí entenderam que estas de fato proporcionaram um maior acesso a segmentos sociais como negros, indígenas e deficientes provenientes de escola pública. Dos que entendem negativamente, uma coordenadora justificou que “este público foi sempre bem vindo aos cursos de Direito onde trabalhei (Dourados, Paranaíba e Naviraí)”; outro coordenador afirmou como “...irrelevante. Discussões sobre o assunto não alteraram as condições estruturais da Universidade”; uma ex-coordenadora disse “só consigo detectar o repúdio dos alunos, que alegam proteção desnecessária e opinando pelas cotas sociais”. O coordenador atual disse que “pelo princípio da universalidade houve posicionamentos favoráveis e contrários”. Pelos comentários dos coordenadores e ex-coordenadores, podemos perceber, em seus discursos, que pouco se interaram com relação à implantação do sistema de cotas, bem como não tiveram qualquer preocupação em compreender as razões pelas quais ele foi criado; limitaram-se a cumprir as determinações superiores. Muitos disseram que acompanharam, estiveram presentes nos fórum promovidos para discussão; no entanto, não trouxeram qualquer elemento concreto do que apreenderam com estes debates. Perguntados se houve mudança no Projeto Pedagógico do curso de Direito com a implantação das cotas, apenas uma coordenadora de Paranaíba respondeu afirmativamente, justificando “sim, para adequação própria ao curso e não por conta das cotas”, resposta que não nos permite identificar quais foram essas mudanças, uma vez que não apontou em que parte do Projeto Pedagógico ocorreu alteração. O item 1.5, com uma pergunta pessoal acerca da posição dos coordenadores com relação ao sistema de cotas, obteve a seguintes respostas: a ex-coordenadora do curso de Direito de Dourados disse que sempre foi favorável a estas, por ser defensora da inclusão ao sistema de qualquer cidadão, por simplesmente ser pessoa humana, e, conforme pesquisas, esse público sempre fora excluído por razões econômicas e de cor. Já o coordenador atual 124 declara que: “sou contra, em princípio. Prefiro que as cotas fossem para crianças e jovens em escolas de bom nível. Mas como não foi escolhida esta alternativa, aceito como medida que resgata um pouco a situação desfavorável”. Os coordenadores parecem concordar com as cotas, muito embora um deles prefira que as cotas fossem em escolas de bom nível. O coordenador é consciente da dificuldade de se melhorar o nível do ensino nas escolas públicas, uma vez que estudantes destas, em raros casos, conseguem competir em igualdade de condições com os estudantes de escolas particulares. Daí a importância de um dos critérios para se concorrer ao sistema de cotas na UEMS se comprovar ter estudado em escola pública ou particular mediante bolsa. Na Unidade de Paranaíba, a ex-coordenadora disse: “já fui contra, por não me aprofundar no assunto e entendia que tudo que acontece de cima para baixo é um desrespeito. Mas hoje sou uma fiel defensora das cotas, não existe como não nos posicionarmos nesse sentido frente à realidade discriminatória de nosso país”. O coordenador atual asseverou que, “considerando a igualdade formal e material sou favorável ao sistema”. Em Naviraí, a ex-coordenadora disse que trata-se de um mecanismo necessário, porém de duração temporária, para assegurar o acesso de negros em Universidades. Não se pode/deve desconsiderar a condição financeira e o mérito nas próximas décadas, sendo assim, é preciso melhorar o nível de ensino com investimentos significativos em educação. A coordenadora atual assegurou: “Considero importante, porém apenas garantir o acesso não é suficiente, é preciso desenvolver métodos de acompanhamento p/ esses alunos”. Pelas respostas dos coordenadores, percebemos que, à exceção de um coordenador, os demais são favoráveis às cotas; no entanto, nota-se que a implantação destas encontrou certa resistência, pois acreditavam em outras alternativas para a inclusão do negro na graduação, tais como a melhoria no ensino básico e fundamental público. É importante destacar as observações da coordenadora da unidade de Naviraí, que entende que as cotas devem ir além do acesso, que a Universidade deve acompanhar e desenvolver métodos para a permanência desses cotistas. O que acreditamos que deveria ter acontecido em um segundo momento após a implantação das cotas, no entanto, até hoje, há pouca movimentação neste sentido. 125 No item II, que indagava se o oferecimento de bolsas e outros programas de auxílio ajuda na manutenção dos alunos cotistas, houve 5 (cinco) respostas afirmativas e apenas uma negativa, do coordenador de Paranaíba. Quando questionados se o que a UEMS oferece em matéria de bolsa e programas é suficiente para atender aos alunos cotistas que precisam, houve uma resposta afirmativa. Um questionário sem resposta é justificado da seguinte forma: “não sei informar”, outros 4 (quatro) apresentaram respostas negativas. Dos que reponderam negativamente, em Paranaíba, a ex-coordenadora disse que “além do valor vergonhoso, deveria ser criada assessoria econômica para ajudar a organizar as despesas e gastos”. O atual coordenador fala sobre o baixo valor, ao dizer que “o valor é ínfimo, bem como transforma o bolsista em trabalho barato. Precisa reavaliar os objetivos e valores das bolsas”. Em Naviraí, foi dito pela ex-coordenadora que “o valor é insuficiente e as ações desenvolvidas precisam ser analisadas em função da necessidade de se contribuir para a formação do acadêmico”. A atual coordenadora entende da mesma forma, ao dizer da necessidade de “adequação do valor à necessidade de cada aluno e acompanhamento para garantir o necessário à formação”. Todos os que responderam negativamente falaram do valor da bolsa, que é insuficiente e precisa ser revisto. No entanto, o oferecimento de bolsas e a quantidade, conforme visto, já representa um grande avanço na formação acadêmica, pois proporciona ao aluno uma ajuda na sua manutenção, iniciação à pesquisa, mais tempo na universidade dedicado aos estudos. Dessa forma, é preciso conscientizar docentes, discentes e coordenadores que as bolsas vão além da mera manutenção, auxiliando grandemente na formação acadêmica do aluno, de modo a garantir que esta ocorra com qualidade. Tabela 8 – Desempenho acadêmico. Unidade Dourados Mat. Tem conhecimento das dificuldades do sim 0 negro cotista durante o curso. não 2 Se sim, a) Dificuldade com conteúdos 0 Motivos básicos do curso b) Pouco acesso a material 0 didático (xeros, livros etc.) c) Relação professor/aluno 0 (discriminação, perseguição, etc.) Paranaíba Mat/Not. 2 0 2 Naviraí Not. 2 0 2 Total 1 2 3 1 0 1 4 2 4 126 d) Outros motivos 0 0 1 1 Obs. Neste quadro, alguns questionados assinalaram mais de uma alternativa. Com relação ao desempenho acadêmico, os dois coordenadores de Dourados informaram desconhecer as dificuldades enfrentadas pelos negros cotistas durante o curso. Como sabemos, as cotas são de responsabilidade de toda a universidade; cabe aos coordenadores e professores estarem mais atentos ao desenvolvimento dessa política, pois o desconhecimento informado demonstra total apatia e desinteresse com a inclusão que elas representam e, mesmo mantendo um discurso de concordância com elas, como já informado, são completamente indiferentes quanto à correção das injustiças históricas que elas proporcionam. Em Paranaíba, os coordenadores disseram conhecer e informaram mais de uma alternativa. A ex-coordenadora assinalou: a) as dificuldades com conteúdos básicos do curso; c) relação professora/aluno discriminação, perseguições, etc. O atual assinalou a alternativa “a” - dificuldades com conteúdos básicos do curso e “b”- pouco acesso a material didático (xerox, livros etc.). Em Naviraí, a ex-coordenadora também assinalou as alternativas “a” e “b”, e a atual assinalou as alternativas “a”, “b” e “d” (outros motivos). Assim, o item apontado pelos coordenadores como o que mais dificulta a vida acadêmica do negro cotista, ensejando muitas vezes sua não permanência no curso, constituise de dificuldades com conteúdos básicos do curso, com 4 (quatro) respostas. Esse problema pode ter origem na educação básica, uma vez que a grande maioria dos cotistas é originária de escolas públicas que, muito embora ofertem um ensino ao alcance de todos, em muitas é abismal a distância que as separa das escolas particulares no que diz respeito à qualidade do ensino. Esse desequilíbrio interfere na interpretação e compreensão dos conteúdos; e, pelo fato de o Direito constituir-se, basicamente, de dispositivos legais que necessitam dessa capacidade, os alunos oriundos de escolas públicas acabam por ficar prejudicados, dentre eles se enquadram os negros cotistas, critério este necessário para pleitear vagas pelo sistema de cotas. Ademais, as compreensões desses conteúdos auxiliarão no entendimento dos que os sucederem, daí a importância de o professor estar atento às dificuldades iniciais dos negros cotistas. O segundo item assinalado como percalço foi a alternativa “b” (pouco acesso a material didático (xerox, livros etc.), que reflete as parcas condições financeiras dos negros 127 cotistas, já analisadas no item dados profissionais dos cotitas, bem como a dificuldade da universidade em suprir esse item, o que acaba também interferindo na formação acadêmica daqueles que não usufruem desse acesso. A letra “d” (outros motivos) obteve uma resposta. A coordenadora citou a “necessidade de o negro cotista trabalhar para custear suas despesas, o que às vezes interfere na realização do curso”. Acreditamos que essas dificuldades poderiam ser reduzidas com um eficiente programa de acesso às bolsas não apenas aos negros cotistas, mas a todos os demais alunos em condições socioeconômicas desfavoráveis. A letra “c” (Relação professor/aluno - discriminação, perseguição, etc.) também obteve uma resposta. A princípio, podemos inferir que há bem pouca ocorrência, ou que muitos casos não chegaram ao conhecimento da coordenação, uma vez que, se cruzarmos essa informação com a mesma pergunta elaborada aos acadêmicos, 7 (sete) dos 23 (vinte e três) acadêmicos que carregam dependência assinalaram essa alternativa como um dos motivos para a sua reprovação. No item 3.3, o coordenador foi instigado a citar as ações desenvolvidas para auxiliar no enfretamento das dificuldades dos negros cotistas, assim como para os demais alunos no curso de Direito sob sua responsabilidade. A ex-coordenadora de Dourados disse que “enquanto coordenadora sempre atuei de maneira a que todas as ações contemplassem todos os públicos, abrindo possibilidade de participação a viagens técnicas, congressos da UEMS ou externos, inclusive publicações científicas”. O atual disse: “não faço diferença entre acadêmicos, em princípio, exceto os casos problemáticos (ameaça de morte, cantadas indevidas, comportamentos inadequados e outros) independentemente de raças, credo ou cultura”. A resposta do atual coordenador não condiz com a pergunta, o que mais uma vez sugere que os mesmos não têm qualquer conhecimento, interesse e preocupação com este sistema nem com seu aprimoramento, uma vez que as cotas foram apenas o primeiro passo para a graduação, sendo importante o empenho de todos os partícipes (professores, coordenadores, gestores) para que esses cotistas permaneçam na universidade até a regular formação. Em Paranaíba, a respostas da ex-coordenadora foi que “não detectei nenhuma ação por parte da coordenação, dos professores do curso. Porque para mim, criar projeto de ‘reforço’ são ações de auxílio específico aos cotistas”. Já o atual coordenador afirma que “propostas de projetos de ensino (português) dependem de disponibilidade do corpo docente para, fora do horário, atender os discentes com dificuldades, parte dos professores o faz”. 128 As respostas anteriores demonstram que quem deveria ser os articuladores e executores das propostas se mantêm totalmente alheios a estas, uma vez que a primeira coordenadora disse não detectar nenhuma ação por parte da coordenação, quando na época era ela quem coordenava; no entanto, demonstra que nem ao menos conhecia as ações que deveria desenvolver para auxiliar os negros cotistas e demais acadêmicos que enfrentavam as mesmas dificuldades, quando menciona a necessidade de criar “reforço” aos negros cotistas como se somente a estes fosse necessária uma intervenção pedagógica, não considerando o fato de que os demais graduandos poderiam se encontrar nas mesmas situações. Em Naviraí, a ex-coordenadora citou que fez a “divulgação de oportunidades de estágio, bolsas e trabalho temporário; colocação das cotas e dificuldades dos acadêmicos na pauta das reuniões pedagógicas; ouvir a todos indistintamente e buscar alternativas possíveis para cada caso”. A coordenadora atual aponta ações semelhantes, quando diz que faz a “divulgação de oportunidades de estágio, bolsas e trabalho temporário; discussão das cotas e as dificuldades dos alunos em reuniões pedagógicas, buscando soluções e/ou alternativa”. No item 4, no qual foram solicitados a fazer algumas observações com relação ao sistema de cotas, projetos ou iniciativas para os alunos negros cotistas realizadas na UEMS, a ex-coordenadora de Dourados disse que “todas as ações que de alguma forma proporcionem a inclusão da pessoa devem ser realizadas”. O atual coordenador disse que “os cotistas têm obrigação institucional de auxiliar outros em semelhante situação, por exemplo, tutor de alunos de ensino médio”. A obrigação dos cotistas em auxiliar outros alunos não pode ser admitida, sob pena de os coordenadores não estarem entendendo nada do que as cotas representam e seu papel de reparadoras de injustiças sociais, uma vez que, para esse coordenador, aos demais acadêmicos parece não se exigir semelhante encargo. Em Paranaíba, a ex-coordenadora disse que “não podem tirar as atuais bolsas. E elas têm que ser revistas (o valor) é necessário uma maior integração entre os próprios cotistas”. O atual coordenador sugere que “alguns trabalhos (Especialização em D. Humanos) como o de Bruno Catolino avaliarão melhor, sugiro a leitura”. Com os comentários citados, podemos perceber o total despreparo daqueles que ocupam a coordenação, uma vez que, devendo ser os articuladores das políticas emanadas dos órgãos superiores e das pró-reitorias, denotam uma omissão na execução desses encaminhamentos. 129 Em Naviraí, a ex-coordenadora sugeriu que “todos os projetos devem ser melhor discutidos e os valores ampliados, para além das cotas”. A coordenadora atual apontou que “devem ser aprimorados, melhor discutidos e receber mais investimentos”. Essas declarações, ao que tudo indica, referem-se à oferta de bolsas, muito embora isso não esteja muito claro em sua resposta. Pelas afirmações dos coordenadores, alguns entendem que alguma coisa tem que ser feita com relação aos cotistas que já se encontram na graduação; no entanto, essa providência ainda não contou com a iniciativa dos órgãos superiores da universidade, dos docentes e sequer dos coordenadores que exercem a docência no curso e ainda são responsáveis por todas a ações do mesmo e sua qualidade. Em alguns momentos, falaram das bolsas, que são insuficientes e de reduzidos valores; no entanto, percebe-se que a maioria não as divulga aos acadêmicos e não incentiva o seu pleito, auxiliando na elaboração de projetos e oferecendo extensão que possam contemplar estes negros cotistas, demonstrando. inclusive, desconhecimento do assunto. Algumas providências para a permanência podem ser realizadas na própria unidade onde os acadêmicos se encontram. No entanto, parece que falta, entre os docentes, simpatizantes com as cotas, e compromisso docente com o curso, gerando parte dos percalços vividos pelos negros cotistas e demais alunos na mesma situação social, econômica e de aprendizagem, numa clara demonstração de que as oportunidades oferecidas pela universidade são suficientes para os negros e pobres que se aventuraram adentrar esse “nicho” de superioridade chamado Curso de Direito. 4.2 Do desempenho acadêmico dos negros cotistas de 2008 a 2012 – análise das atas de resultados finais Nesse tópico, analisaremos o desempenho acadêmico dos discentes dos quatro cursos de Direito, objeto desta pesquisa, pela análise das atas dos resultados finais, comparando com as respostas aos questionários. Na tabela 9, e nas que se seguem, apresentaremos o desempenho acadêmico dos negros cotistas com os seguintes itens: matriculados; aprovados sem e com dependência; reprovados; evadidos, e aqueles que estão cursando séries anteriores. Como evadidos, consideraremos aqueles que, muito embora tenham sido aprovados na série anterior, não 130 renovaram a matrícula, bem como aqueles reprovados que também não se matricularam na mesma série. Os aprovados foram subdivididos em sem dependência (sd) e com dependência (cd). Tabela 9 – Primeiro ano - Curso de Direito 2008. Curso de Direito – UEMS – Primeiro ano 2008 Unidade Dourados Mat. Paranaíba Mat. Paranaíba Not. Naviraí Not. Total Matriculados Aprovados Reprovados Evadidos Cursando séries anteriores 4º 1º 2º 3º 5º s.d c.d 12 12 0 0 0 0 0 0 0 0 12 9 2 1 0 0 0 0 0 0 12* 6 6 0 0 0 0 0 0 0 10** 6 2 2 0 0 0 0 0 0 46 33 10 3 0 0 0 0 0 0 * Na Unidade de Paranaíba, turno matutino, um acadêmico ingressou em 2008 já no segundo ano, após aproveitamento de estudos; no entanto, tendo em vista o número de disciplinas que cursou junto com a turma regular, será somado como pertencente a esta turma. ** Na Unidade de Naviraí, um acadêmico ingressou em 2008 já no segundo ano, após aproveitamento de estudos, fazendo apenas uma disciplina no primeiro ano, formando-se em 2011. Sendo assim, o mesmo não será considerado nesta tabela e nas posteriores, será somado junto com os aprovados em 2012. Dessa forma, para efeito das análises que faremos, serão considerados 46 (quarenta e seis) negros cotistas ingressos em 2008 e ao final, somando mais 1 (um) referente àquele da Unidade de Naviraí. Para essa primeira tabela, tomou-se como base a primeira série do ano de 2008. Ingressaram 47 (quarenta e sete) negros cotistas, contando o que aproveitou disciplinas na Unidade de Naviraí. Como já mencionado, o objeto de análise será de 46 (quarenta e seis) integrantes da turma regular, na qual ingressaram, em 2008, 46 (quarenta e seis), acadêmicos. Destes, 43 (quarenta e três) obtiveram aprovação, ou seja, 93,7%, e 3 (três) foram reprovados, o que corresponde a 6,3%. Nesse primeiro ano, pudemos constatar 10 (dez) acadêmicos com dependência. Foram reprovados dois acadêmicos na Unidade de Naviraí e um em Paranaíba turno matutino, o que acreditamos esteja ligado em Naviraí ao trabalho desenvolvido pelos acadêmicos, uma vez que os desgastes ocasionados por este, bem como o deslocamento à universidade fazem com que fique prejudicado o rendimento. 131 O número de dependências também foi maior entre os acadêmicos que estudam no período noturno, 6 (seis) na Unidade de Paranaíba e 2 (duas) na Unidade de Naviraí, o que pode também estar ligado ao trabalho e deslocamento, uma vez que, de acordo com a Tabela 3, os seis negros cotistas da Unidade de Naviraí que responderam ao questionário disseram estar trabalhando. Esses percalços verificados já nesse primeiro ano deveriam ser corrigidos, caso contrário comprometeriam o desempenho nos anos posteriores, uma vez que o acúmulo de dependência, se não superado, fatalmente gera reprovações. É o que poderá ser confirmado ou não pelas tabelas a seguir. Tabela 10 – Segundo ano – Curso de Direito 2009.60 Curso de Direito – UEMS – Segundo ano 2009 Unidade Matriculados Aprovados Reprovados Evadidos Cursando séries anteriores 1º 2º 3º 4º 5º s.d. c.d. Dourados Mat. Paranaíba Mat. Paranaíba Not. Naviraí Not. Total 12 8 3 1 0 0 0 0 0 0 11 8 3 0 1 0 0 0 0 0 11 8 2 1 1 0 0 0 0 0 8 6 2 0 1 1 0 0 0 0 42 30 10 2 3 1 0 0 0 0 Dos 43 (quarenta e três) negros cotistas aprovados no primeiro ano em 2008, apenas 42 (quarenta e dois) rematricularam-se em 2009; como mencionado, um acadêmico de Naviraí, em virtude do aproveitamento de estudos, já se encontrava no terceiro ano e não está entrando na conta da tabela acima. Nesse mesmo ano, foram aprovados 40 (quarenta) acadêmicos, o que representa 95%, e 2 (dois) foram reprovados, o que representa 5% dos que se rematricularam nesse ano. Verificamos que as reprovações estão divididas igualmente entre os cursos oferecidos nos períodos matutino e noturno, com uma reprovação na Unidade de Dourados Matutino e 60 De acordo com o Regimento Interno dos Cursos de Graduação da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, 2009 “Art. 109. O aluno será promovido e matriculado no período seguinte, se aprovado em todas as disciplinas do período cursado ou com dependência em disciplinas dos períodos anteriores” e “Art. 110. Será considerada como dependência a disciplina em que o aluno não obtiver aprovação, devendo ser cursada novamente, de acordo com o disposto nas Seções I e II deste Título”. Disponível em: <http://www.uems.br/dra/arquivos/11_2011-11-17_14-25-29.PDF>. Acesso em: 22 abr. 2013. 132 uma na Unidade de Paranaíba Noturno, bem como, exceto na sede, em Dourados, verificamos uma evasão em todas as demais Unidades; e em Naviraí, um acadêmico reprovado voltou a se rematricular no primeiro ano. Podemos perceber uma sensível diminuição na proporção de reprovação, que no primeiro ano foi de 6,5% e neste segundo de 4,7%, levando-se em conta a Tabela 9, pois o número de matrículas nesse ano diminuiu de 46 (quarenta e seis) para 42 (quarenta e dois). Proporcionalmente, as dependências também aumentaram. No primeiro ano, foram 10 (dez), representando 21,7%. No segundo, permaneceram as mesmas 10 (dez); no entanto, pela diminuição do número das rematrículas, estas representaram 23,8%. Como a tendência é continuar o aumento do número de dependências, nos anos posteriores isso poderá gerar reprovações ou até retenção na série, uma vez que os conteúdos a serem acompanhados aumentarão, exigindo do acadêmico maior esforço que os demais, o que proporciona até mesmo um desestímulo para continuar os estudos. Para evitar que a situação se agrave, a universidade deve atentar a esse fato para verificar quais as razões que estão levando a essas dependências e sua possibilidade de intervir. Tabela 11 – Terceiro ano - Curso de Direito - 2010. Curso de Direito – UEMS – Terceiro ano 2010 Unidades Dourados Mat. Paranaíba Mat. Paranaíba Not. Naviraí Not. Total Matriculados Aprovados Reprovados 11 s.d. c.d. 6 5 0 Evadidos Cursando séries anteriores 1º 2º 3º 4º 5º 0 0 1 0 0 0 10 5 4 1 1 0 0 0 0 0 10 5 4 1 2 0 1 0 0 0 8 2 6 0 2 0 0 0 0 0 39 18 19 2 5 0 2 0 0 0 Dos 40 (quarenta) acadêmicos aprovados, apenas 39 (trinta e novo) rematricularam-se no terceiro ano. Proporcionalmente, o número de dependências também aumentou, uma vez que, dos 37 (trinta e sete) aprovados, 51,3% carregavam dependência, o que comprova que as dificuldades vão se acumulando, tornando necessário um diálogo mais estreito com esses negros cotistas para verificar quais os problemas enfrentados e buscar alternativas para solucioná-los. Numérica e proporcionalmente, a Unidade de Naviraí é a que detém o maior 133 número de dependentes, com 6 (seis), ou seja, 75% dos matriculados nesse ano, fato que explica alguns elementos existentes nas tabelas posteriores. Verificamos duas reprovações, ambas na Unidade de Paranaíba, uma em cada turno. Nesse ano, é preocupante o número de evadidos, que aumentou para 5 (cinco), principalmente nas Unidades de Paranaíba Noturno e Naviraí, com dois em cada uma delas. Tabela 12 – Quarto ano - Curso de Direito – 2011. Curso de Direito – UEMS – Quarto ano 2011 Unidade Matriculados Aprovados Reprovados Evadidos Dourados Mat. Paranaíba Mat. Paranaíba Not. Naviraí Not. Total 11 s. d. 6 c. d. 5 0 0 Cursando séries anteriores 1º 2º 3º 4º 5º 0 0 1 0 0 8 4 4 0 3 0 0 1 0 0 9 8 1 0 2 0 0 1 0 0 7 2 3 2 3 0 0 0 0 0 35 20 13 2 8 0 0 3 0 0 Dos 37 (trinta e sete) negros cotistas aprovados no terceiro ano em 2010, apenas 35 (trinta e cinco) rematricularam-se no quarto ano de 2011. Verificamos apenas duas reprovações na Unidade de Naviraí, o que, de uma amostra de 7 (sete) rematriculados, representa 28,5%. Nessa Unidade também se concentra o maior percentual de acadêmicos com dependência, com 42,8% nessa situação. Nesse momento, notamos que a porcentagem de negros cotistas que se encontram na série regular varia consideravelmente, sendo que a menor porcentagem se concentra na Unidade de Paranaíba Matutino, com 66,6%. Na sede, em Dourados, encontram-se 91,6%, na Unidade de Paranaíba noturno 75% e em Naviraí 70%. Entretanto, nas Unidades de Dourados e Paranaíba (matutino), mais de 50% desses matriculados carregam dependência de mais de uma disciplina. Na Unidade de Paranaíba matutino, o menor número de cotistas na série regular surpreende, uma vez que, ao analisar a Tabela 3 – Dados Profissionais, verificamos que apenas três declararam renda individual de até um salário mínimo, sendo os demais com faixa salarial superior, equivalente à verificada em Dourados, tanto individual quanto familiar, bem 134 como o curso também é oferecido no período matutino. Ademais, supomos possuírem mais tempo para se dedicar aos estudos, tendo em vista o turno em que estão cursando. Tabela 13 – Quinto ano - Curso de Direito - 2012. Curso de Direito – UEMS – Quinto ano 2012 Unidades Matriculados Aprovados Reprovados Dourados Mat. Paranaíba Mat. Paranaíba Not. Naviraí Not. Total 11 s.d. 8 c.d. 0 3 Evadidos Cursando séries anteriores 1º 2º 3º 4º 5º 0 0 0 0 1 0 7 3 0 4* 4 0 0 0 1 0 9 7 0 2 3 0 0 0 0 0 5 2** 0 4 3 0 0 0 2 0 32 20 0 13 10 0 0 0 4 0 *um acadêmico aproveitou estudos e em 2008 ingressou no segundo ano. Em 2011, estava no quinto ano, fazendo disciplina no quarto, reprovando em disciplina deste e do quinto. Na tabela acima está como reprovado. Este acadêmico foi considerado em todas as tabelas, tendo em vista o número de disciplinas que cursou na série regular. ** O resultado final foi de 47 acadêmicos, visto que um acadêmico de Naviraí aproveitou estudos e se formou em 2011, sendo incluído na soma dos aprovados de 2012. Em 2012, no quinto ano, 32 (trinta e três) negros cotistas foram matriculados. Destes, apenas 20 foram aprovados sem dependências, somando-se um que aproveitou estudos, os quais colaram grau, ou seja, egressos da turma de 2008. Ao analisar toda a amostra (47 negros cotistas), verificamos que apenas 42,5% conquistaram a aprovação, concluindo seus estudos no tempo regular, ficando os demais retidos no quinto ano, ou seja, 13 (treze) reprovados. Além disso, 4 (quatro) ficaram retidos em séries anteriores e possivelmente colarão grau em anos posteriores. Contudo, 10 (dez) foram considerados evadidos (desistentes) durante a trajetória, ou seja, 21,3%. Para estes, só resta a alternativa de um novo ingresso. Levando-se em conta as aprovações verificadas, notamos que, nessa trajetória, existem gargalos que a universidade precisa identificar e procurar solucionar para que haja maior permanência e conclusão de curso. Ao cotejar as tabelas anteriores, verificamos um número de dependências, reprovações e evasões que deveria ter sido motivo de preocupação da universidade (Pró-Reitoria de Ensino e coordenação de curso) a fim de se evitar esse alto índice de negros cotistas nessa situação. Uma vez que, como mencionado anteriormente, as 135 cotas foram apenas o primeiro passo para o ingresso do negro na graduação, cabe zelar pela permanência e aprovação dos cotistas para que essa importante ação afirmativa possa cumprir seu papel. Neste trabalho, pudemos constatar que as condições socioeconômicas (necessidade de conciliar trabalho e estudo) interferem em muito no desempenho e permanência, sendo que as bolsas poderiam amenizar este problema; no entanto, os valores oferecidos por elas estão muito aquém do necessário para a manutenção desses alunos. Assim, cabe, muitas vezes, ao negro cotista, optar entre sobreviver ou estudar. Dos 47 negros cotistas que ingressaram em 2008, os questionários foram aplicados a 40 deles; pela análise das respostas, não foi possível identificar um único fator como responsável pela reprovação e dependência, pois muitos fatores, em maior ou menor grau, interferem no desempenho e na autoestima do negro cotista, perpassando desde um referencial familiar até a falta de material didático para estudos. A universidade, muitas vezes, nem sequer tem conhecimento dessas carências, e tomar ciência desses fatos é o primeiro passo para a intervenção. As bolsas podem servir de suporte para amenizar o problema mencionado. Para isso, os professores e coordenadores devem conhecer as necessidades dos acadêmicos, oferecer projetos e programas para a participação de quem realmente precisa. As dificuldades já verificadas nos anos iniciais devem ser sanadas, para que as dependências não se acumulem e se tornem um desestímulo à permanência, não só dos negros cotistas, mas também dos demais acadêmicos que se encontram na mesma situação. Precisamos, no atual estágio de consolidação das cotas, pensar além do oferecimento destas (ingresso), como também na permanência dos cotistas, para que haja formação (egresso regular). Caso contrário, o trajeto universitário estará padecendo do mesmo problema que as cotas tentaram corrigir, ou seja, da exclusão da universidade para a exclusão na universidade. Não há como negar que, nessa trajetória, também houve conquistas, uma vez que 20 (vinte) negros cotistas, que representam 42,5%, colaram grau, o que proporciona grande alento a essa população, nos permitindo olhar com otimismo o cenário à frente, somado ao fato de que 4 (quatro) ainda se encontravam cursando o quarto ano em 2012, quando do encerramento desta pesquisa. 136 4.3 Comparações dos resultados dos cursos de Direito entre as Unidades de Dourados, Paranaíba e Naviraí 4.3.1 Sede em Dourados Turno Matutino X Unidade de Paranaíba Turno Matutino A sede em Dourados, em que o curso de Direito é oferecido, guarda uma similitude com um curso da Unidade de Paranaíba, pois ambos são oferecidos no período Matutino. No entanto, pelos questionários e atas dos resultados finais analisados, estes dois cursos, muito embora com o mesmo Projeto Pedagógico em vigor e com a mesma quantidade de negros cotistas matriculados no primeiro ano em 2008, viram suas trajetórias diferenciarem-se ao longo dos cinco anos. No primeiro ano, na sede em Dourados, turno matutino, dos doze matriculados, todos obtiveram aprovação sem dependência. No mesmo ano e com o mesmo número de matriculados, em Paranaíba, apenas nove foram aprovados sem dependência, dois com dependência e uma reprovação. No segundo ano, em 2009, as condições entre esses dois cursos, pela análise das Atas, permanecem semelhantes: em Dourados, com 12 (doze) matriculados, 8 (oito) foram aprovados sem dependência e 3 (três) com dependência, com 1 (um) reprovado. Em Paranaíba, houve 11 (onze) matriculados, sendo que 8 (oito) foram aprovados sem dependência e 3 (três) com dependência, e aquele que havia sido reprovado no ano anterior não renovou a matrícula, sendo considerado evadido. No terceiro ano, em 2010, em Dourados matricularam-se 11 (onze), sendo que 6 (seis) foram aprovados sem dependência e cinco com dependência, e o que havia sido reprovado no ano anterior voltou a se rematricular no segundo ano. Em Paranaíba, 10 (dez) se matricularam; ao final, foram aprovados 5 (cinco) sem dependência e 4 (quatro) com dependência, havendo uma reprovação e uma evasão. No quarto ano, em 2011, a situação desses dois cursos começa a se diferenciar, uma vez que, em Dourados, 11 (onze) continuam na mesma série, renovando a matrícula com 6 (seis) aprovações sem dependência e 5 (cinco) com dependência, havendo um aluno cursando o terceiro ano. Diferentemente, em Paranaíba, onde o número de matriculados diminuiu, apenas 8 (oito) acadêmicos se rematricularam, havendo 4 (quatro) aprovações com dependência e o mesmo número sem dependência, um aluno cursando série anterior e 3 (três) evadidos. No quinto ano, em 2012, a tendência novamente permanece, pois em Dourados são matriculados 11 (onze) acadêmicos, havendo 8 (oito) aprovações, 3 (três) reprovações e um 137 acadêmico cursando série anterior. No mesmo ano, em Paranaíba matutino, verificamos que dos 12 (doze) inicialmente matriculados em 2008, apenas 7 (sete) renovaram suas matrículas, e destes apenas 3 (três) obtiveram aprovação, com 4 (quatro) reprovações, 4 (quatro) evasões e um cursando série anterior. Analisando esses dois cursos durante esses cinco anos, podemos perceber que, em Dourados, dos 12 (doze) negros cotistas matriculados no primeiro ano, em 2008, apenas 8 (oito) obtiveram aprovação, o que representa 66,6%; já na Unidade de Paranaíba matutino, podemos constatar que apenas 25% obtiveram aprovação, o que representa uma diferença de 41,6% entre os cursos em relação ao número de egressos ou aproveitamento das vagas. Ao analisarmos as tabelas, podemos concluir que um dos motivos que pode justificar esta disparidade estaria ligado ao histórico acadêmico da família, uma vez que, pela análise da Tabela 2, a escolaridade, tanto dos pais, quanto das mães, dos negros cotistas da Unidade de Paranaíba, turno matutino, é inferior à dos genitores dos da sede em Dourados, uma vez que, em Paranaíba, eram 5 (cinco) pais sem instrução e 8 (oito) mães com até o fundamental completo, enquanto que, em Dourados, encontramos apenas um pai sem instrução e 5 (cinco) mães com fundamental completo. É o que constatou Queiroz ([20--], p. 12), ao dizer que Os estudantes das carreiras de alto nível de prestígio, cujo pai não completou o antigo curso primário, têm médias de ingresso e de rendimento inferiores àquelas dos estudantes cujo pai tem escolaridade superior, evidenciando o efeito da escolaridade do pai sobre o desempenho do estudante. Essa herança cultural interfere no rendimento acadêmico, uma vez que a ausência de referencial é um obstáculo a mais a ser rompido e a universidade pouco pode fazer para suprir essa carência, cabendo a ela implementar outros incentivos à permanência, para que a soma dessas dificuldades não acarretem a reprovação e evasão. 4.3.2 Unidade de Paranaíba Turno Noturno X Unidade de Naviraí Turno Noturno A peculiaridade entre estes dois curso é o seu oferecimento no período noturno, com ingresso em 2008 de 12 (doze) negros cotistas na Unidade de Paranaíba Noturno e 11 (onze) (contando o que aproveitou estudos formando-se em 2011, levando-se em conta as tabelas, o comentário será de dez) negros cotistas em Naviraí. No entanto, ao longo dos cinco anos, as trajetórias se diferenciaram, uma vez que, já no primeiro ano, constatamos que, na Unidade de 138 Paranaíba, os 12 (doze) foram aprovados, porém a metade com dependência. O que não ocorreu na Unidade de Naviraí, onde 8 (oito) foram aprovados, 2 (dois) com dependência, e já neste primeiro ano verificamos 2 (duas) reprovações. No segundo ano, em 2009, em Paranaíba, 11 (onze) se rematricularam, vindo 10 (dez) a serem aprovados, havendo uma reprovação e uma evasão. Na Unidade de Naviraí, apenas 8 (oito) se rematricularam, os quais foram aprovados, sendo constatada uma evasão. No terceiro ano, na Unidade de Paranaíba noturno, matricularam-se 10 (dez) em 2010, com 9 (nove) aprovações, 5 (cinco) delas com dependência, e uma reprovação, vindo o número de evadidos aumentar para 2 (dois). Na Unidade de Naviraí, turno Noturno, 8 (oito) discentes renovaram matrícula, sendo que todos foram aprovados; no entanto, 6 (seis) carregaram dependência e 2 (dois) se evadiram. No quarto ano, em 2011, em Paranaíba noturno, houve 9 (nove) matriculados, todos sendo aprovados, havendo apenas 1 (uma) dependência, permanecendo o número de evadidos em 2 (dois). Na Unidade de Naviraí, matricularam-se 7 (sete), 5 (cinco) foram aprovados, 3 (três) ficaram de dependência, havendo 3 (três) evasões. No quinto ano, em 2012, pudemos notar que as trajetórias tomaram rumos totalmente diferentes, uma vez que, em Paranaíba, 9 (nove) rematricularam-se, vindo 7 (sete) a obter aprovação, 2 (dois) foram reprovados e 3 (três) evadidos, ou seja, 58,3% dos acadêmicos obtiveram aprovação. No mesmo ano e série, na Unidade de Naviraí, 5 (cinco) fizeram rematrícula, mas apenas 1 (um) foi aprovado (dois, quando contamos o aluno que aproveitou estudos e se formou em 2011), 4 (quatro) reprovados e 3 (três) evadidos, ou seja, apenas 18% obtiveram aprovação (incluído o que aproveitou disciplinas). É difícil apontar uma única razão para essas disparidades, uma vez que ambos os cursos possuíam o mesmo projeto pedagógico, e muitas respostas aos itens das tabelas são semelhantes, tais como os dados familiares e profissionais. No entanto, algumas diferenças podem ser destacadas entre esses dois cursos: a primeira é com relação às distâncias da residência à Universidade, que concentra maior percurso na Unidade de Naviraí, bem como o fato de todos os negros cotistas questionados de Naviraí trabalharem e entre os de Paranaíba Noturno apenas 7 (sete) dos 10 (dez). Nesse ponto, FIG/CIDA (2000)61 e Capellin (2000)62 (apud JUNQUEIRA, 2007, p. 35) advertem que 61 FIG/CIDA. Gênero no Mundo do Trabalho. In: I Encontro de Intercâmbio de Experiências do Fundo de Gênero no Brasil. Brasília: [s.n.], 2000. 62 CAPELLIN, P.; DELGADO, D.; SOARES, V. (Orgs.). Mulher e Trabalho: experiências de ação afirmativa. São Paulo: ELAS/Boitempo, 2000. 139 As transformações no mundo do trabalho apontam para um quadro em que antigas defasagens entre homens e mulheres e entre brancos (as) e negros (as) vêm se somar à criação de novos mecanismos de desigualdade. A flexibilização/precarização do mercado de trabalho, o cancelamento de postos de trabalho, o crescimento dos desempregos estrutural e metodológico e o surgimento de novas ocupações e vocações empresariais afetam diferentemente estes contingentes. Dada a situação social da quase totalidade dos negros brasileiros, necessariamente o negro cotista tem que trabalhar para se sustentar, sendo muitas vezes arrimo de família. Foi esta uma das justificativas que os negros cotistas da Unidade de Naviraí apontaram como sendo causa das dependências, quando das respostas à pergunta sobre os motivos da dependência, como consta na Tabela 4 – Dados Educacionais. Os valores oferecidos pelas bolsas não são suficientes para eles se manterem nos estudos e se dedicarem exclusivamente a estes; além disso, registra-se um número ínfimo de bolsistas nos cursos. A alternativa é tentar conciliar o estudo com o trabalho, mas, como sabemos, o desgaste produzido por estes vai influenciar o desempenho acadêmico. 4.3.3 Unidade de Paranaíba Turno Matutino X Unidade de Paranaíba Turno Noturno Analisaremos o Curso de Direito oferecido na Unidade de Paranaíba comparando os turnos matutino e noturno. Muito embora usufruam da mesma estrutura e do mesmo corpo docente, podemos constatar algumas disparidades entre a trajetória de ambos. Se olharmos as trajetórias pelas Tabelas 9 a 13, que trazem os dados sobre Atas de Resultados Finais, nos quatro primeiros anos, podemos constatar poucas diferenças com relação a esses dois turnos. Porém, estas se acirram no quinto ano, uma vez que, no turno matutino, rematricularam-se 7 (sete) negros cotistas, com apenas 3 (três) aprovados; já no período noturno, houve 9 rematrículas com 7 (sete) aprovados. Assim, no turno matutino, a porcentagem de aprovação ficou na casa de 25%, enquanto que, no noturno, essa porcentagem ficou em 58%. A diferença impressiona, quando supomos que os acadêmicos do período matutino dispõem de mais tempo para estudar e se dedicar às atividades da universidade. Algumas razões podem justificar essa divergência. A Tabela 3, que trata dos Dados Educacionais, traz que 8 (oito) pais e 6 (seis) mães possuem até o fundamental incompleto no matutino, enquanto que no noturno verificamos 6 (seis) pais e apenas 3 (três) mães nessas condições. Isso pode interferir no desempenho acadêmico dos filhos, o que é comprovado pelos estudos quando apontam que 140 Tais resultados mostram claramente a relação diretamente proporcional entre a herança educacional dos pais e o desempenho dos filhos, uma vez que altos níveis de escolaridade dos pais parecem condizer com melhor desempenho escolar dos filhos. É interessante notar que a escolaridade dos pais ainda é uma variável de impacto na vida acadêmica do filho, sobretudo quando é baixa e inclusive em igualdade de condições de ensino. (OLIVEIRA; SILVA, 2010, n.p.). Assim, estas questões representam um fator a mais a influenciar na permanência e formação acadêmica dos negros cotistas, pois a falta de referencial na família acaba interferindo no desempenho acadêmico. Outro dado que também pode interferir está relacionado a aspectos familiares, pois verificamos que, no matutino, 6 (seis) acadêmicos possuem filhos, enquanto que, no noturno, apenas 2 (dois) se encontram nesta situação; o tempo dedicado à família, somado ao gasto com o trabalho acaba reduzindo o horário de estudo. Podemos perceber que não é um único fator que interfere no desempenho, mas a soma de diversos deles. Daí a importância da universidade estar atenta a esses aspectos, para verificar sua ocorrência e atuar visando sua amenização. Justifica-se, assim, estudar as cotas e permanência como ferramentas para a diminuição da injustiça social e respeito à diversidade, de modo que possa ser ampliado o número de jovens de diferentes raças e condições sociais e econômicas ocupando as cadeiras universitárias. Sob essa perspectiva, acreditamos estar no caminho da verdadeira democracia. 5 CONCLUSÃO Realizamos uma análise da trajetória acadêmica constituída pelas dificuldades e conquistas dos negros cotistas, bem como a percepção destes e dos coordenadores do curso de Direito da UEMS, turma 2008, sobre as cotas para negros, objeto desta pesquisa, em que se pretendeu mostrar o grande passo que as cotas representaram para o acesso da população negra na graduação e como se deu a permanência desses acadêmicos durante o período de 2008 a 2012 nos quatro cursos pesquisados. Para chegar ao oferecimento de cotas pela UEMS e aos negros cotistas que ingressaram em 2008, fizemos um esboço histórico sobre a criação das primeiras universidades conhecidas no mundo e no Brasil, bem como sobre o oferecimento dos primeiros cursos de Direito. Estudar a entrada do negro no Brasil na condição de escravo ajudou a compreender a herança deixada pela escravidão e o cenário de exclusão e discriminação que se apresenta com relação a essa população até os dias atuais, fato que as cotas nas universidades colaboram para reverter, uma vez que apenas a escravidão não justifica a condição de abandono que o negro busca superar. Fatores relacionados à exclusão, discriminação e atos de racismo não permitiram a esse segmento da população, hoje majoritário, a integração à sociedade nos mesmos moldes da população branca. Nenhum fator justifica a escravatura do negro. No entanto, teorias pseudocientíficas tentaram legitimar a escravidão pela inferioridade da raça negra, cultivando a ideologia da supremacia branca e europeia e acirrando o racismo que grassa até hoje na sociedade. Um grande marco para a população negra foi a abolição; no entanto, as verdadeiras razões que a motivaram não foram divulgadas a grande parte da população, uma vez que os dirigentes da época queriam constituir uma nação branca, seguindo o modelo europeu, e o negro estava prejudicando esse sonho de progresso, além das dificuldades para prosseguir com o tráfico já proibido por lei. Tanto é verdade, que os negros libertos não foram contratados na condição de assalariados, tendo o governo preferido subsidiar grandes levas de trabalhadores italianos para trabalhar nas lavouras de café, que eram cultivadas principalmente na região sudoeste, relegando os negros à miséria. A escravidão sustentou a discriminação e a exclusão do negro, cujos frutos são perceptíveis até hoje; basta ver os dados do IBGE, censo 2010, relativos às condições 142 socioeconômicas, moradia, educação e salários desse grupo populacional, ao qual pertence a maioria dos brasileiros. Para reverter essa situação, uma das principais bandeiras de luta do Movimento Negro é o acesso à educação, na crença de que o conhecimento, fruto da formação superior, é o caminho para a ascensão social. Numa retomada histórica, podemos conferir que alguns negros se destacaram na história e nos estudos do Direito, a exemplo de Nilo Peçanha, que chegou a ser presidente do Brasil em 1909. No entanto, o fantasma da discriminação e do racismo sempre esteve presente, pois se acreditava que suas fotos eram retocadas para parecerem mais brancas. Isso demonstra que a concepção generalizada da sociedade é a de que o negro não tinha o direito de ocupar lugares de destaque na sociedade, pensamento que perdura até os nossos dias; por isso, as ações afirmativas, na modalidade de cotas raciais, somadas às questões sociais, como no caso da UEMS, a qual busca atender às questões do fenótipo e da pobreza. O não reconhecimento do Brasil como país racista dificultou a tomada de medidas na tentativa de efetuar compensação pelos prejuízos sofridos pela raça negra desde que esta entrou no Brasil na condição de escrava. A pressão internacional cobrou do Brasil uma postura mais ativa no enfrentamento dessas questões, uma vez que nenhuma justificativa conseguia explicar os dados que mostram que, aos negros, foram reservados os piores trabalhos com os menores rendimentos, bem como o fato de a escolaridade destes ser inferior à do branco, sua situação social e econômica estar abaixo da do branco, muito embora essa população seja, numericamente, superior à branca. A partir do reconhecimento de que, de fato, o negro estava sendo discriminado, e que no Brasil havia (há) racismo, o governo brasileiro foi obrigado a propor iniciativas para mudar esse quadro. É nessa conjuntura que entram as cotas nas universidades públicas. De início, o discurso mais acirrado foi o de que as cotas eram inconstitucionais, por fazer uma distinção, não aceita entre as pessoas e, em virtude da alta miscigenação do povo brasileiro, não ser possível, segundo os que são contra as cotas, dizer quem pode ser considerado negro. Essa discussão perdurou até 26 de abril de 2012, oportunidade em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade das cotas, o que vincula todos os outros tribunais do Brasil, nenhum deles podendo julgar de maneira diversa. A amostra selecionada para se compreender o que significam as cotas e a trajetória vivenciada pelos negros cotistas, compreende os negros cotistas que ingressaram em 2008 nos quatro cursos de Direito da UEMS. Para se inteirar do que estes viveram em quase cinco anos 143 de caminhada, e da percepção deles e dos coordenadores de curso sobre as cotas, ofertadas desde 2004 na UEMS, aplicou-se um questionário aos dois grupos que constituíram o público alvo (acadêmicos negros cotistas e coordenadores de curso). Além disso, as atas de resultados finais de 2008 a 2012 também foram analisadas, detectando-se ali o índice de 21,2% (levando-se em conta a totalidade dos quatro cursos, 47 negros cotistas) de evasão nesses cursos. Dentre os negros cotistas pesquisados, a quase totalidade realizou seus estudos no ensino fundamental e médio em escolas públicas, com renda familiar de até 3 (três) salários mínimos e muitos com idade cronológica acima dos 24 (vinte e quatro) anos, idade esta considerada como média para a conclusão do ensino superior, o que demonstra que ficaram vários anos afastados dos bancos escolares, somado ao fato de muitos trabalharem, sem tempo de dedicarem aos estudos. Sabemos que esse “tempo” fora de escola contribui para as dificuldades no domínio dos conteúdos do curso, principalmente nos primeiros anos, fatores que, somados à ausência de interesse e apoio pedagógico por parte de professores e coordenadores, facilmente leva a evasão e repetência em disciplinas, acumulando dependências ou reprovação total na série. Além disso, pelos dados aferidos sobre a escolaridade dos pais, constata-se que a família da maioria não oferece um histórico acadêmico como referencial a ser seguido, pois o grau de instrução dos pais está concentrado na falta de instrução ou ensino fundamental incompleto. As bolsas oferecidas pela universidade, que poderiam corrigir alguns problemas enfrentados pelos negros cotistas, tais como: a ausência de recursos financeiros, tempo remunerado para se dedicar aos estudos e oportunidade de acesso aos conhecimentos científicos com mais frequência, participação em eventos e crescimento intelectual, humano e social, não vêm sendo suficientemente divulgadas dentro dos cursos e não há incentivo para o seu pleito. Pelas informações obtidas de alunos e coordenadores, percebe-se que nem mesmo os professores têm interesse em sua obtenção, pois não oferecem projetos de pesquisa e extensão que possam beneficiar os negros cotistas e demais acadêmicos. Com todos esses obstáculos, é alto o número de matriculados com disciplinas em dependência, o que torna premente a necessidade das coordenações de curso desencadear estudos e ações que possam amenizar este problema, para que os negros cotistas e outros na mesma situação possam concluir seus cursos no tempo previsto, com rendimento acadêmico. Identificar os problemas e atuar para sua solução deveria ser um desdobramento natural nas ações docentes e de gestores de uma universidade que oferta cotas étnico-raciais. 144 A sociedade, via movimentos sociais, já deu um grande passo ao lutar pela criação das cotas. Cabe à UEMS, assim como a outras instituições com cotas, buscar seu aperfeiçoamento pelo comprometimento de todos nesse processo de inclusão e democratização do ensino superior, num claro movimento de respeito às diferenças e luta contra o racismo. Se a lei é considerada uma forma de assegurar direitos aos cidadão, o curso de Direito precisa ser o exemplo prático desse discurso, na sala de aula e na sociedade. Caso contrário, que advogado estará formando? Conhecer as dificuldades enfrentadas pelos negros cotistas e demais alunos e empenhar-se em solucioná-las devem ser motivos de preocupação dos coordenadores de curso, professores e gestores da universidade, como iniciativas que vão além das cotas, em um diálogo franco e direto com os sujeitos envolvidos. Só assim a universidade estará cumprindo seu papel de disseminadora de conhecimentos, respeitadora da diversidade e promotora da igualdade de direito e de fato. REFERÊNCIAS AIDAR, Carlos Miguel. Queda na qualidade do ensino jurídico. Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo. 2002. Disponível em <http://www.oabsp.org.br.>. Acesso em: 12 jan. 2013. AIX sistemas. Disponível em: <http://www.aix.com.br/wiki/index.php?title=Ata_de_ Resultado>. Acesso em: 8 abr. 2012. 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Pedagogia Médica, Rio de Janeiro, p. 383-386, set./out. 2007. VENTURI, Gustavo; BOKANI, Vilma. Pesquisando discriminação institucional e identidade racial. In: SANTOS, Gevanilda; SILVA, Maria Palmira da (Orgs.). Racismo no Brasil: percepções da discriminação e do preconceito no século XXI. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2005. p. 17-36. 153 APÊNDICE A – TERMO DE ESCLARECIDO E LIVRE CONSENTIMENTO TERMO DE ESCLARECIDO E LIVRE CONSENTIMENTO Você está sendo convidado (a) a participar, voluntariamente, da pesquisa – A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros cotistas faz diferença? no caso de concordância em participar da pesquisa, favor assinar este documento ao final. Sua participação não é obrigatória, e, a qualquer momento poderá desistir de participar e retirar seu consentimento. Em caso de recusa, você não será penalizado(a) de forma alguma. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone dos pesquisadores (as) responsáveis, podendo tirar dúvidas do projeto e de sua participação. ESCLARECIMENTO SOBRE A PESQUISA: Título do Projeto: A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros cotistas faz diferença? Pesquisadores Responsáveis: Aires David de Lima Maria José de Jesus Alves Cordeiro Instituição a que pertence os Pesquisadores Responsáveis: Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS Curso: Pós-Graduação em Educação Local da Pesquisa: Unidade Universitária de Paranaíba, Dourados e Naviraí. Nós, Aires David de Lima e Maria José de Jesus Alves Cordeiro, responsáveis pela pesquisa - A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros cotistas faz diferença? - estamos fazendo um convite para você participar, voluntariamente, deste estudo. Esta pesquisa pretende identificar as dificuldades para permanência, enfrentadas pelos negros cotistas dos cursos de Direito da UEMS, com ingresso em 2008, bem como, as ações realizadas pela instituição que favoreçam a permanência e a formação com qualidade. Sua importância está fundada no dialogo com os próprios cotistas no sentido de compreensão e apontamento de caminhos para o aperfeiçoamento das práticas até então desenvolvidas. Para sua realização serão utilizados procedimentos metodológicos, como entrevistas autobiográficas e questionários, a qual os participantes da pesquisa fornecem informações sobre sua vida, formação educacional, trabalho, renda pessoal e familiar, bem como projetos de apoio e dificuldades encontrados na Universidade, que serão analisadas no transcorrer da pesquisa. Durante todo o período da pesquisa você tem o direito de tirar qualquer dúvida ou pedir qualquer outro esclarecimento, bastando para isso entrar em contato, com algum dos pesquisadores. A principal investigadora é a Profa. Dra. Maria José de Jesus Alves Cordeiro, que pode ser encontrada no endereço: Unidade Universitária de Dourados-UEMS, curso de Pedagogia, telefone (67) 3902-2681 e (67) 9628 7180, além do docente Aires David de Lima, que pode ser encontrada no endereço da Unidade Universitária de Paranaíba – UEMS, na Av. 154 Vereador João Rodrigues de Melo, s/n, (67) 3503-1006 e (67) 8134-5793. As informações desta pesquisa serão confidencias, e serão divulgadas apenas em eventos ou publicações científicas, não havendo identificação dos voluntários, a não ser entre os responsáveis pelo estudo, sendo assegurado o sigilo sobre sua participação. AUTORIZAÇÃO Eu, ______________________________________, após a leitura deste termo e ter tido a oportunidade de conversar com os pesquisadores responsáveis, para esclarecer todas as minhas dúvidas, acredito estar suficientemente informado/a, ficando claro para mim que minha participação é voluntária e que posso retirar este consentimento a qualquer momento sem penalidades ou perda de qualquer benefício. Estou ciente também dos objetivos da pesquisa, dos procedimentos aos quais serei submetido, dos possíveis danos ou riscos deles provenientes e da garantia de confidencialidade e esclarecimentos sempre que desejar. Diante do exposto expresso minha concordância de espontânea vontade em participar deste estudo. Local e Data ____________________________________________________________ Nome e Assinatura do sujeito ou responsável __________________________________ Declaro que obtive de forma apropriada e voluntária o Consentimento Livre e Esclarecido deste/a participante (ou de seu representante legal) para a participação neste estudo. - Testemunha 01 (não ligada à equipe de pesquisadores) Nome: ________________________________________________________________ RG: ____________________________ Assinatura: ____________________________ - Testemunha 02 (não ligada à equipe de pesquisadores) Nome: ________________________________________________________________ RG: ____________________________ Assinatura: ____________________________ Paranaíba (Dourados e Naviraí), ____de ____________________2012. _______________________________ Assinatura do pesquisador responsável 155 APÊNDICE B – TERMO DE CONFIDENCIALIDADE TERMO DE CONFIDENCIALIDADE Título do Projeto: “A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros cotistas faz diferença?”. Pesquisadores: Aires David de Lima Maria José de Jesus Alves Cordeiro Instituição de Ensino: Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS Curso: Pós-Graduação em Educação Local da Pesquisa: Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS – Unidade Universitária de Paranaíba, Dourados e Naviraí. Nós, abaixo assinadas, nos comprometemos a manter a confidencialidade de todas as informações dos cotistas negros questionados/entrevistados, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS – Unidades Universitárias de Paranaíba, Dourados e Naviraí cujos dados serão obtidos através de questionário/entrevista. Ressaltando, igualmente, que todas as informações serão utilizadas unicamente para a execução da presente pesquisa, podendo as mesmas ser divulgadas somente anonimamente. As informações serão mantidas em arquivo pessoal, por período de aproximadamente 2 (dois) anos e, ultrapassado tal período, os dados serão destruídos. Paranaíba (Dourados e Naviraí) ,.............de ..............................de 2012. ________________________________ Aires David de Lima CPF: 419.655.071-15 Pesquisador ________________________________ Maria José de Jesus Alves Cordeiro CPF: 271.909.601-63. Pesquisadora 156 APÊNDICE C – AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL PARA COLETA DE DADOS (GERENTES) AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL PARA COLETA DE DADOS Ilmo. Sr. Gerente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Nós, Aires David de Lima e Maria José de Jesus Alves Cordeiro, pesquisadores responsáveis pela pesquisa intitulada “A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros cotistas faz diferença?”, por meio deste instrumento, solicitamos a Vossa Senhoria autorização para realizar a coleta de dados, junto aos docentes do curso de Direito, desta Unidade Universitária. Este trabalho pretende identificar as dificuldades para permanência, enfrentadas pelos negros cotistas dos cursos de Direito da UEMS, com ingresso em 2008, bem como, as ações realizadas pela instituição que favoreçam a permanência e a formação com qualidade. Sua importância está fundada no dialogo com os próprios cotistas no sentido de compreensão e apontamento de caminhos para o aperfeiçoamento das práticas até então desenvolvidas Desde já, nos colocamos à disposição para esclarecimentos de qualquer dúvida que possa surgir. Antecipadamente agradecemos a colaboração. Paranaíba, (Dourados e Naviraí)_____ de ____________________, 2012. ___________________________ Aires David de Lima Pesquisador Responsável ____________________________________ Maria José de Jesus Alves Cordeiro Pesquisadora Responsável Autorizo ( ) Não autorizo ( ) ____/____/_____ _______________________________________ 157 APÊNDICE D – AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL PARA COLETA DE DADOS (COORDENADORES) AUTORIZAÇÃO INSTITUCIONAL PARA COLETA DE DADOS Ilmo. Sr. Coordenador do Curso de Direito, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de , Sr. Nós, Aires David de Lima e Maria José de Jesus Alves Cordeiro, pesquisadores responsáveis, pela pesquisa intitulada “A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros cotistas faz diferença?”, por meio deste instrumento, solicitamos a Vossa Senhoria autorização para realizar a coleta de dados, junto aos docentes do curso de Direito, desta Unidade Universitária. Este trabalho pretende identificar as dificuldades para permanência, enfrentadas pelos negros cotistas dos cursos de Direito da UEMS, com ingresso em 2008, bem como, as ações realizadas pela instituição que favoreçam a permanência e a formação com qualidade. Sua importância está fundada no dialogo com os próprios cotistas no sentido de compreensão e apontamento de caminhos para o aperfeiçoamento das práticas até então desenvolvidas Desde já, nos colocamos à disposição para esclarecimentos de qualquer dúvida que possa surgir. Antecipadamente agradecemos a colaboração. Paranaíba (Dourados e Naviraí), _____ de ____________________, 2012. ___________________________ Aires David de Lima Pesquisador Responsável ____________________________________ Maria José de Jesus Alves Cordeiro Pesquisadora Responsável Autorizo ( ) Não autorizo ( ) ____/____/_____ _________________________________________ 158 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE PARANAÍBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO APÊNDICE E – QUESTIONÁRIO AOS NEGROS COTISTAS Título da pesquisa: A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros cotistas faz diferença? Questionário dirigido aos acadêmicos negros cotistas do curso de Direito (Dourados, Naviraí e Paranaíba) que ingressaram no ano letivo de 2008, ou seja, aprovados no vestibular de dezembro de 2007. Data ____/____/________. Unidade em que estuda ________________________________________________________ I. DADOS PESSOAIS 1.1 Sexo: Masc. ( ) Fem. ( ) 1.2. Idade:__________ 1.3 Estado civil: Solteiro/a ( ) Casado/a ( ) Convivente ( ) Separado/a ( ) Divorciado/a ( ) Viúvo/a ( ) 1.4 Tem filhos/as: Sim ( ) Não ( ) Se sim, quantos (total)? ________. 1.5 Em relação a raça você se autodeclara: Branca ( ) Negra ( ) Indígena ( ) Amarela ( ) 1.6 Em relação a cor você se autodeclara: Branca ( ) Preta ( ) Parda ( ) Amarela ( ) II – DADOS FAMILIARES 2.1 Reside com: pai e mãe ( ) somente com a mãe ( ) somente com o pai ( ) com avós ( ) sozinho ( ) outros____________________________________________________________ 2.2 Escolaridade do pai: 2.2.1 sem instrução ( ) 2.2.2 Fundamental completo ( ) incompleto ( ) 2.2.3 Médio completo ( ) incompleto ( ) 2.2.4 Universitário completo ( ) incompleto ( ) 159 2.2.5 Qual curso? _________________________________________________ 2.2.6 Pós-Graduação: 2.2.7 Especialização ( ) 2.2.8 Mestrado completo ( ) incompleto ( ) 2.2.9 Doutorado completo ( ) incompleto ( ) 2.3 Escolaridade da mãe 2.3.1 sem instrução ( ) 2.3.2 Fundamental completo ( ) incompleto ( ) 2.3.3 Médio completo ( ) incompleto ( ) 2.3.4 Universitário completo ( ) incompleto ( ) 2.3.5 Qual curso? _________________________________________________ 2.3.6 Pós-Graduação: 2.3.7 Especialização ( ) 2.3.8 Mestrado completo ( ) incompleto ( ) 2.3.9 Doutorado completo ( ) incompleto ( ) III – DADOS PROFISSIONAIS 3.1 Atualmente você está trabalhando? Sim ( ) Não ( ) 3.2. Se sim, em qual Profissão:______________________________________________ 3.3 Se não trabalha como faz para se manter na Universidade? _________________________ 3.4 Faixa Salarial: 3.4.1 Até 01 salário mínimo ( ) 01 a 03 salários mínimos ( ) 04 a 10 salários mínimos ( ) 10 a 20 salários mínimos ( ) acima de 20 salários mínimos ( ) 3.5. Renda familiar: 3.5.1 Até 01 salário mínimo ( ) 01 a 03 salários mínimos ( ) 04 a 10 salários mínimos ( ) 160 10 a 20 salários mínimos ( ) acima de 20 salários mínimos ( ) IV - DADOS EDUCACIONAIS 4.1 Que ano do curso você está matriculado e frequentando? _______________. 4.2 Carrega dependência? Sim ( ) Não ( ). Se sim, quantas? _________. 4.3 Que motivos geraram a dependência? a) ( b) ( c) ( d) ( ) Dificuldade com conteúdos básicos do curso ) Pouco acesso a material didático (xerox, livros etc.) ) Relação professor/aluno (discriminação, perseguições etc.) ) outros motivos. Cite: ___________________________________________________ 4.4 Reside na mesma cidade em que estuda: Sim ( ) Não ( ) 4.5 Distância entre sua residência e a Universidade: menos de 5 km ( ) mais de 5Km e menos que 10 Km ( ) mais de 10Km menos que 15Km ( ) mais que 15Km menos que 20Km ( ). Se mais de 20km, cite o total: ________________________ 4.6 Cursou o ensino fundamental em: escola pública ( ) particular ( ). Se particular, com bolsa ( ), sem bolsa ( ) 4.7 Cursou o ensino médio em: escola pública ( ) particular ( ). Se particular, com bolsa ( ), sem bolsa ( ) 4.8 Recebe (eu) algum tipo de bolsa da Universidade? Sim ( ) Não ( ) 4.9 Se sim qual: a) ( ) PAE (Programa de Assistência Estudantil – moradia, permanência ou alimentação) b) ( ) PIM (Programa Institucional de Monitoria) c) ( ) PIBEX (Programa Institucional de Bolsa de Extensão) d) ( ) PIBIC (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica) e) ( ) PIBIC/AAF/CNPq (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica para Ações Afirmativas) f) ( ) PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência) 4.10 Ainda recebe? Sim ( ) Não ( ). Se não, por quanto tempo recebeu. ___________ 4.11 Maiores dificuldades para permanecer na universidade: a) ( ) Dificuldades de aprendizagem originadas do ensino fundamental e médio (leitura, escrita, interpretação, etc) b) ( ) Dificuldades econômicas, com necessidade de trabalho. c) ( ) Ausência de programas de apoio aos cotistas (bolsas, material didático, cursos de nivelamento) d) Outro motivo, cite: ________________________________________________ 161 4.12 Tem conhecimento de algum projeto/programa para alunos negros cotistas na UEMS? Sim ( ) Não ( ) 4.13 Você participou ou participa de algum projeto ou programa? Sim ( ) Não ( ) 4.14 Se sim, qual? _________________________________ 4.15 Em que ano do curso? _____________________ 4.16 Sugere a implementação de algum tipo de projeto específico para os acadêmicos negros cotistas, que ajude na permanência? Sim ( ) Não ( ). 4.17 Se sim, que tipo de projeto?____________________________________ 4.18 O que levou você a concorrer pelo sistema de cotas para negros? a) ( ) a concorrência é menor; b) ( ) o exercício de um direito constitucional c) ( ) sentimento de identidade e pertencimento racial d) ( ) outro fator. Cite: ________________________________________________ 4.19 O Sistema de cotas facilitou seu ingresso na Universidade? Sim ( ) Não ( ) Explique: __________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4.20 Você acredita que os negros cotistas ao se formarem terão as mesmas condições e chances que os não cotistas no mercado de trabalho? ( ) Sim ( ) Não Justifique sua resposta. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5 OBSERVAÇÕES GERAIS: 5.1 Você tem alguma observação a fazer em relação ao sistema de cotas, projetos ou iniciativa para alunos negros cotistas realizados na UEMS? ___________________________________ ___________________________________________________________________________ 5.2 Você aceitaria e estaria disponível para uma entrevista, se necessário, para aprofundarmos essas questões? Sim ( ) Não ( ) Nome (Opcional):____________________________________________________________ Telefone para contato (Opcional): __________________ 162 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE PARANAÍBA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO APÊNDICE F – QUESTIONÁRIO AOS COORDENADORES Título da pesquisa: A DIVERSIDADE ETNICO-RACIAL NOS CURSOS DE DIREITO DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL: a presença de negros cotistas faz diferença? Questionário dirigido aos coordenadores do curso de Direito (Dourados, Naviraí e Paranaíba) sobre os acadêmicos negros cotistas que ingressaram no ano letivo de 2008, ou seja, aprovados no vestibular de dezembro de 2007. Data ____/____/_______. Unidade Universitária do curso em que coordena ___________________________________ Tempo de coordenação: _______________________________________________________ Era coordenador (a) no ano de 2008? ( )Sim ( ) Não I. NO QUE DIZ RESPEITO ÀS COTAS PARA NEGROS 1.1 Você acompanhou o processo de implementação das cotas na UEMS? Sim ( ) não ( ) Se sim, de que forma? Se não, por quê? __________________________________________ ___________________________________________________________________________ 1.2 As cotas provocaram alguma mudança na UEMS e em especial no curso de Direito? Sim ( ) não ( ) 1.3 Que tipo de repercussão as cotas provocaram junto aos alunos? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 1.4 Houve alguma mudança no Projeto Pedagógico do curso de Direito com a implantação das cotas? Sim ( ) Não ( ). Se sim, quais foram as mudanças? _______________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 1.5 Como você se posiciona em relação ao sistema de cotas para negros? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 163 II – NO QUE DIZ RESPEITO A PROGRAMAS E BOLSAS 2.1 O oferecimento de bolsas ajudam na manutenção dos alunos cotistas? Sim ( ) não ( ). 2.2 O que a UEMS oferece em matéria de bolsa e programa esta sendo suficiente para atender os alunos cotistas que precisam? Sim ( ) não ( ) Se não, o que sugere?__________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ III – COM RELAÇÃO AO DESEMPENHO ACADÊMICO 3.1 Tem conhecimento das dificuldades enfrentadas pelos negros cotistas durante o curso? Sim ( ) Não ( ). 3.2 Se sua resposta anterior foi SIM, assinale abaixo as dificuldades que você como coordenador (a) acredita que ocorre: a) ( ) Dificuldade com conteúdos básicos do curso b) ( ) Pouco acesso a material didático (xerox, livros etc.) c) ( ) Relação professor/aluno (discriminação, perseguições etc.) d) ( ) outros motivos. Cite: ___________________________________________________ 3.3 Como coordenador(a) de curso cite as ações desenvolvidas para auxiliar no enfrentamento das dificuldades dos alunos negros cotistas, assim como para os demais no curso de Direito. ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4 OBSERVAÇÕES GERAIS: 4.1- Você tem alguma observação a fazer em relação ao sistema de cotas, projetos ou iniciativa para alunos negros cotistas realizadas na UEMS? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 4.2 - Você aceitaria e estaria disponível para uma entrevista, se necessário, para aprofundarmos essas questões? Sim ( ) Não ( ) Nome (Opcional):____________________________________________________________ Telefone para contato (Opcional) : __________________