Quinta-feira, 11 de Dezembro de 2008
EFEITO “MARIA VAI COM AS OUTRAS”
No best seller “A Random Walk Down Wall Street”, o autor Burton Malkiel, defende a
tese de que macacos lançadores de dardos são tão eficientes para gerir recursos quanto
os badalados analistas de Wall Street. Esta tese corroborada por inúmeros estudos
acadêmicos, basicamente diz que dificilmente seu gestor conseguirá lhe oferecer
resultados acima da média no longo prazo.
Pior, se ele estiver no topo do ranking nos últimos dois anos, é provável que ele fique
entre os piores nos próximos dois, confirmando o fenômeno estatístico de regressão a
média. (Lembra o que acontece quando você joga cara-coroa muitas vezes? Isso é
regressão a média!).
Para os teóricos das finanças, a verificação do random walk é fundamental, pois pode
ser interpretado como a confirmação da eficiência dos mercados, que é uma premissa
básica dos modelos consagrados de precificação dos ativos como o CAPM. Ou seja, se
os mercados são eficientes você somente pode obter retorno maior que a média
(representada por índices como o Ibovespa, por exemplo) se assumir mais riscos.
Os preços incorporam todas as informações sobre o retorno esperado, e, assim qualquer
carteira elaborada por gestores profissionais com mesmo nível de risco apresentará
resultados equivalentes. Se considerarmos o custo da contratação dos gestores chega-se
a conclusão que estas carteiras terão resultados ainda piores que a dos macacos.
Não preciso dizer o quanto isso irrita os profissionais do mercado, e alguns estudos,
realmente apresentam dados que suportam a tese de que estratégias com índices
preço/valor patrimonial e preço/lucro, proporcionam resultados superiores, mesmo
quando ajusta-se para o risco. Do outro lado pode-se sempre criticar o índice de
referência que se utiliza, portanto essa é uma discussão que ainda precisa ser concluída.
A crítica mais importante, entretanto, foi desenvolvida pelos pioneiros da behavioral
finance, que não questiona as estatísticas apresentadas acima, mas sim a premissa da
racionalidade implícita nos modelos. Ou seja, os mercados são eficientes não somente
por que os preços refletem todas as informações disponíveis, mas também porque as
pessoas, por serem racionais, somente pagarão este preço considerado justo.
Um teste para exemplificar: você prefere receber R$ 500, ou participar de um jogo com
50% de chance de ganhar nada e 50% de ganhar R$ 1.000? Apesar de serem alternativas
equivalentes do ponto de vista estatístico, verifica-se que a maior parte das pessoas
prefere ficar com os R$ 500, o que evidente vai contra a hipótese de que as pessoas
sempre raciocinam de forma racional nas escolhas financeiras.
As estatísticas ainda assim, são argumentos fortes que precisam ser observados. O que
explicaria o fato de que a maior parte dos fundos não consegue superar os índices de
mercado? Não resta dúvida de que os profissionais nessa área são altamente
qualificados e muito bem remunerados, portanto, por que eles não conseguem
apresentar resultados que justifiquem seu contracheque?
O próprio Malkiel apresenta uma explicação alternativa que me parece mais razoável.
Segundo ele, os analistas têm incentivos econômicos para replicar os índices de
mercado, que garantem resultados próximos a média. Ficar contra o mercado é sempre
uma posição arriscada, mesmo quando se está certo na avaliação.
Caso as distorções se prolonguem por muito tempo é provável que o gestor seja
demitido antes de poder comprovar suas teses. Assim é justamente por não ser eficiente,
que os mercados muita vezes supervaloriza ativos, gerando o efeito que chamo de
Maria-Vai-Com-As-Outras (MVCAO). Como poucos conseguem montar posições
contrárias, mantém-se o fenômeno de regressão a média da maior parte dos gestores.
A euforia que observamos na bolsa brasileira ilustra bem este fenômeno do MVCAO.
Em todo país, gerentes vendiam os chamados fundos da privatização da Petrobras e da
Vale, apenas mostrando o desempenho espetacular dos últimos 12 meses.
Evidentemente a maior parte das pessoas que compraram esses fundos não sabia o que
estava fazendo, pois se soubesse compraria ações diretamente, evitando a taxa de
administração.
A enxurrada de dinheiro direcionada para estes papéis inflou os preços levando junto o
Ibovespa que tem grande concentração destas ações na sua carteira teórica. Os gestores,
por sua vez, provavelmente sabiam que estas ações já estavam caras, porém ir contra
essa corrente não era apenas arriscado, mas podia comprometer a performance que
responde por grande parte da remuneração no final do ano.
O tema de capa da revista Exame desta semana mostra bem o que acontece quando este
o processo se esgota. Revoltados com a perda patrimonial causada pelo estouro da
bolha, os investidores se voltam contra o sistema que organizou a farra. É como se as
pessoas, ressacadas após uma festa de arromba, se voltassem contra o dono da festa que
lhes forneceu a bebida. Durante o período de euforia, entretanto, os investidores não
somente incentivam o comportamento excessivamente otimista como ridicularizam os
analistas que ousam contestar as premissas exóticas do mercado.
O economista Nouriel Roubini foi um dos que resistiu este processo de ridicularização e
que agora colhe os louros de manter sua convicção. Sua capacidade de resistir,
entretanto está diretamente relacionada com os incentivos econômicos que tinha para
manter sua posição.
Como professor e blogueiro, sua autonomia financeira não é ameaçada por investidores
insatisfeitos por que suas previsões não se confirmam no curtíssimo prazo. Neste caso a
consistência de sua análise é que importa para as pessoas que lhe pagam.
Assim entendemos que para evitar no futuro que estes excessos se repitam, é
fundamental que os reguladores atuem no sentido de restringir os modelos em que
analistas se sintam constrangidos em parecer com aquele chato que quer tirar o barril de
chopp da festa quando as pessoas estão começando a se animar demais.
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