O JEITINHO BRASILEIRO A arte de ser mais igual que os outros O que é o “jeitinho” Prática social conhecida e legitimada por todos os segmentos sociais. Modo brasileiro perante um “não pode”, sem contestar ou recusar a lei. Elemento revelador da nossa dificuldade de lidar com o princípio básico da sociedade burguesa: a igualdade de todos perante as normas Postura “englobante” Sinônimos Quebra-galho Malandragem Jogo de cintura Ginga “Desenrolar” Características: Universalidade (acessível a todos, diferente do “você sabe...”) Depende da “boa vontade” É uma forma “especial” de resolver uma situação difícil; solução “criativa” (+) (+)/(-) (-) _______________________________ favor jeitinho corrupção Não há separação nítida entre as 3 categorias Devem ser pensadas como um continuum de fronteiras subjetivas Favor implica reciprocidade direta: quem recebe fica individado. Reciprocidade do jeitinho é de outra natureza: mais difuso, menos situada na relação estabelecida Diferença entre o jeito e a corrupção está, grosso modo, no montante de dinheiro envolvido. Domínios do jeitinho Domínio privilegiado é o da burocracia Paradoxo: a solução parte de pressupostos opostos ao da burocracia, como o apelo sentimental (estabelecimento de pessoalidade em ambiente racional,impessoal) Sua estratégia depende de fatores opostos aos da burocracia, como simpatia, forma de falar etc. Ao contrário do “você sabe...”, o jeitinho depende somente de características individuais, e não sociais (como dinheiro, status etc). Depende do “papo”. Técnica: envolver emocionalmente o interlocutor. É a interseção entre dois mundos: o honesto e o desonesto. Jeitinho X “Você sabe...” Ambos lidam com o conflito entre as categorias indivíduo e pessoa. Os dois operam transformação de indivíduo em pessoa. São estratégias de ação social válidas entre nós. O jeitinho é a afirmação da cordialidade brasileira. O “Você sabe...” é o seu avesso, apela para a antipatia. O jeitinho não hierarquiza, e sim horizontaliza. “você sabe” é ritual de autoridade, de separação/ jeitinho é ritual de aglutinação. “somos todos irmãos”, “somos todos filhos de Deus”, “hoje sou eu, amanhã pode ser ele”... Vocabulário: “meu irmão”, “companheiro” etc. Jeitinho é usado na definição de nossa identidade nacional. Nos dois casos, fica claro que o Brasil se organiza socialmente em torno de dois eixos ideológicos que se alternam e se sobrepõem. Origens: Em 1961, o livro Brasil para Principiantes, de Peter Kelleman, teria sido o primeiro a mencionar o tal jeito, que desde então vem sendo estudado por especialistas de diversas áreas. Mas o fenômeno parece ter origem na colonização portuguesa, marcada pelo espírito da aventura provisória e oportunista, que não via problema em dobrar as leis quando conveniente. Dalmo Dallari conta um caso emblemático, ocorrido no século XVIII: em uma sessão da Câmara Municipal de São Paulo, surge uma dúvida e decide-se verificar o que diziam as ordenações do Reino. Mas nenhum exemplar do documento é encontrado na Câmara, o que mostra que o cumprimento das leis era feito sem nenhum rigor, baseado apenas na memória. Outro exemplo histórico remonta à campanha dos Apeninos, durante a Segunda Guerra Mundial. Por causa da neve, soldados tiveram os pés congelados, aumentando as baixas no exército aliado. Ao contrário do que se suspeitava, o maior número de vítimas vinha do exército estadunidense, não do brasileiro, menos acostumado ao frio. É que os pracinhas haviam decidido por conta própria enrolar os pés em jornais. Os norte-americanos, por sua vez, esperavam orientação do serviço médico.