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A CIDADANIA DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA:
DA SITUAÇÃO IRREGULAR À PROTEÇÃO INTEGRAL.
Maria Guiomar da Cunha Frota
A Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA),
aprovados pelo Congresso Nacional em junho de 1990, são os primeiros documentos
jurídicos legais brasileiros onde crianças e adolescentes são considerados sujeitos de
direitos. A Constituição Federal, no artigo 227, determina que:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao
adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito , à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão.(BRASIL, Constituição Federal, 1988)
No Estatuto
crianças e adolescentes são definidos simultaneamente como
“pessoas em condição peculiar de desenvolvimento”- justificando desse modo a
necessidade da proteção integral e prioritária de seus direitos por parte da família, da
sociedade e do Estado - e como “sujeitos de direitos”- significando que não podem
mais ser tratados como objetos passivos de controle por parte da família, do Estado e da
sociedade .
O objetivo deste texto é analisar o significado deste Estatuto que define, no
plano legal, uma nova visão da criança e do adolescente, no Brasil. Na primeira parte é
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apresentada a doutrina da situação irregular na qual todas as leis anteriores ao Estatuto
se basearam. Na segunda parte, apresentam-se as principais inovações trazidas pelo
Estatuto: a doutrina da proteção integral e os direitos previstos, a política de
atendimento e as funções das principais instituições encarregadas desta política. E
finalmente, na terceira parte, realizou-se um balanço do processo de implementação do
ECA em seus dos dez anos de vigência.
1- A DOUTRINA DA SITUAÇÃO IRREGULAR E AS PRIMEIRAS LEGISLAÇÕES
As primeiras legislações e instituições específicas destinadas à infância e à
adolescência surgiram, em diversos países europeus e americanos, em fins do século
XIX e nas primeiras décadas do século XX. As novas leis e instituições foram baseadas
na doutrina da situação irregular que tinha como eixo a idéia de controle social dos
“menores” infratores e daqueles considerados abandonados moral ou materialmente por
seus familiares. Em nome da proteção da criança e da sociedade, as novas leis davam
aos juizes especialmente o poder de intervir na vida das famílias pobres, consideradas
desagregadas e de determinar o destino de suas crianças e jovens.
Os tribunais de menores foram criados primeiramente em Illinois, nos E.U.A.,
em 1899 e sucessivamente na Inglaterra (1905), Alemanha (1908), Hungria e Portugal
(1911), França(1912) , Japão ( 1922) , Espanha (1924) e no México (1927).
Essas instituições foram criadas sob a influência das instituições pioneiras norte
americanas e do Primeiro Congresso Internacional de Tribunais de Menores, realizado
em Paris em 1911, quando foi afirmada a idéia da intervenção estatal ilimitada para
supostamente proteger crianças e jovens abandonados e delinqüentes. As sugestões
apontadas pelo Congresso e incorporadas nas legislações de diversos países consistiam
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basicamente em ampliar as funções do juiz e em atribuir um caráter familiar à justiça de
menores, anulando a figura da defesa e dando às sentenças um caráter ilimitado, o que
estenderia na prática o tempo em que os “menores abandonados- delinqüentes” estariam
sob o controle do sistema judicial. Neste congresso a maioria dos representantes
provinha dos países europeus e dos Estados Unidos; da América Latina estiveram
presentes: Cuba , El Salvador e Uruguai .
Na América Latina os tribunais de menores foram instituídos simultaneamente
aos europeus: na Argentina em 1921, no Brasil em 1923 e no Chile em 1928. Mas em
muitos países latino-americanos esses tribunais não foram efetivamente implantados,
permanecendo na prática o encarceramento junto com os adultos:
“a Argentina constitui-se num exemplo extremo neste sentido pois setenta anos depois de
promulgada a lei, os tribunais não tinham sido instaurados ao nível nacional. Em outros países
da região seu número reduzido os tornava meramente simbólicos.” (COSTA;
MENDEZ,1994,P.37)
A legislação específica para crianças e adolescentes foi implantada, primeiro na
Argentina em 1919 e por último na Venezuela , em 1939.
1.1-O primeiro código brasileiro: o Código de Menores Mello Mattos de 1927
No Brasil, o primeiro código de menores, Código de Menores Mello Mattos, foi
instituído em 1927 e era destinado aos menores de 18 anos de idade, em situação
irregular ou seja aos delinqüentes e aos abandonados moral ou materialmente. Esta
última categoria incluía desde os que se encontrassem eventualmente sem habitação
certa , nem meios de subsistência devido a indigência, enfermidade, ausência ou prisão
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dos pais e guardiães, até os que tinham pai, mãe ou guardião que se entregassem à
pratica de atos contrários à moral e aos bons costumes.
Definia-se como delinqüentes, os menores de 14 a 18 anos de idade que haviam
cometido algum ato infracional e esses eram “submetidos a um processo especial, com
responsabilidade penal atenuada e encaminhamento para prisões-escola (reformatórios)
ou,
na
ausência
destas,
para
um
estabelecimento
anexo
à
penitenciária
adulta.”(JASMIN,1986, p.88)
O Código de Menores de 1927 delegava aos estados a execução do atendimento
que se caracterizou, no período de 1930 a 1945, pela intervenção ativa desses, no
controle da população carente. Em 1942, foi criado o Serviço de Assistência ao Menor
(SAM):
“orgão do Ministério da Justiça, caracterizado por uma orientação correcional repressiva, que
funcionava como o equivalente do sistema penitenciário para a população menor de idade. O
sistema de atendimento era constituído por internatos (reformatórios e casas de correção) para
adolescentes autores de infração penal e por patronatos agrícolas e escolas de aprendizagem de
ofícios urbanos, para menores carentes e abandonados.”(COSTA,1994,P.124)
Seguindo a tendência de manipular a idade da imputabilidade para ampliar a
população alvo de controle, o Código Penal de 1940 estendeu o limite de 14 para 18
anos de idade e esta alteração foi incorporada na legislação específica através do
Decreto 3.799 de 05/11/1941. O novo decreto
substituiu a categoria delinqüente pela
de infrator. As medidas aplicáveis aos jovens ‘infratores’, entre 14 e 18 anos, foram
reorganizadas em função da determinação de sua periculosidade avaliada pelo juiz.
Caso esta fosse negativa, o juiz deixaria o menor com os responsáveis ou mandaria
interna-lo em estabelecimento profissional ou de reeducação. Caso fosse positiva , o
menor seria diretamente internado em ‘estabelecimento adequado’ que podia ser até
‘uma seção especial de estabelecimentos de adultos’. Quando declarada a suspensão da
periculosidade, o adolescente ficava sujeito à vigilância por tempo determinado pelo
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juiz. Estes aspectos do decreto de 1941 reforçam a idéia de suspensão da legalidade e
dos direitos civis, para os menores de idade suspeitos de pratica de ato infracional,
pois os menores estavam sujeitos à vigilância mesmo sem terem cometido delito e
mesmo quando já não eram considerados perigosos .
O primeiro documento legal de âmbito internacional, concebendo a criança
como sujeito de direitos foi a Declaração Universal dos Direitos da Criança aprovada
em 1959, pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Nesta declaração foram afirmados
o direito :
“à igualdade, a um nome e a nacionalidade, à alimentação, moradia e assistência médica
adequadas para a criança e a mãe, ao amor e a compreensão por parte dos pais e da sociedade,
à educação gratuita e ao lazer, a ser socorrido em primeiro lugar, a ser protegido contra o
abandono e a exploração no trabalho e a crescer dentro de um espírito de solidariedade,
compreensão, amizade e justiça entre os povos.”(ASSEMBLÉIA GERAL DAS NAÇÕES
UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos da Criança,1959)
No Brasil, diferentes projetos de alteração do Código de Menores foram
elaborados nas décadas de 60 e 70. Esses projetos podem ser agrupados em duas
correntes uma favorável à inclusão dos dez princípios da Declaração dos Direitos da
Criança de 1959 na legislação específica brasileira e outra contrária à esta inclusão. No
Código de 1979 prevaleceu a posição contrária a inclusão.
1.2- O Código de Menores de 1979
A partir da implantação do regime autoritário, em 1964, a política de
atendimento à infância e adolescência passou a ser regulamentada por dois documentos
legais: a Política do Bem Estar do Menor (PNBEM, lei 4513/64) e posteriormente o
Código de Menores (Lei 6697/79). A PNBEM era definida por um órgão central, a
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Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) e executada nos estados pelas
fundações estaduais do bem estar do menor (FEBEM).
O Código de Menores de 1979 baseava-se na mesma doutrina da situação
irregular na qual se baseou o código anterior (Mello Mattos):
“ este código dispõe sobre assistência , proteção e vigilância a menores : I - até 18 anos de
idade , que se encontrem em situação irregular ; II - entre 18 e 21 anos , nos casos expressos em
lei; as medidas de caráter preventivo aplicam-se a todo menor de 18 anos, independente de sua
situação (art.I).”(BRASIL, Código de menores,1979)
No Código não há distinção entre crianças e adolescentes, os mesmos não são
definidos como sujeitos de direitos e não há nenhuma menção a deveres do Estado e da
Sociedade ou de penalidades previstas para pessoas que cometem atos de violência
contra crianças e adolescentes. Há apenas alguns atos considerados como infrações
contra a “assistência, proteção e vigilância a menores” referentes à divulgação de
dados e da imagem, à freqüência em determinados ambientes e ao descumprimento dos
deveres inerentes ao pátrio poder por parte dos pais ou responsável .
O sistema de atendimento, norteado pelo Código de Menores e pela PNBEM, foi
caracterizado por Antônio Carlos Gomes da Costa, como sendo responsável pela
degradação pessoal e social de crianças e adolescentes, objetos do:
“círculo perverso da institucionalização compulsória: apreensão - o menino é
apreendido nas ruas pelo policiamento ostensivo ou ronda do comissariado de
menores; triagem e investigação : realizada em diversas fases que podem envolver a
Delegacia de Menores, o Juizado de Menores e o Centro de Triagem da FEBEM
(Fundação Estadual do Bem Estar do Menor) ; rotulação - como resultado do estudo
social do caso, o menino é enquadrado em categorias sociais ( abandonado , carente,
desassistido ) ou nas categoria legais previstas no Código de Menores; deportação- por
decisão judicial , o menino é arrancado do seu continente afetivo ( família ou bando de
rua ) e das vinculações sociais e culturais com sua comunidade de origem ;
confinamento- ao fim deste ciclo , ocorre o seu confinamento em internato que,
paradoxalmente , passa a ter a missão de ressocializa-lo .” (COSTA, 1994, p.130)
Conclui-se portanto que todos os documentos legais relativos a infância e
adolescência no Brasil, de 1927 a 1979, foram norteados pela doutrina da situação
irregular, que procurava legitimar uma intervenção estatal absoluta sob crianças e
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adolescentes pobres, rotulados menores, sujeitos ao abandono e
considerados
potencialmente delinqüentes.
O Código de Menores de 1979 e a PNBEM, foram revogados a partir da entrada
em vigor da nova Constituição Federal, em 1988 e do Estatuto da Criança e do
Adolescente, em outubro do 1990.
Inaugura-se desse modo, ao menos formalmente, o estado de direito para a infância e
adolescência no Brasil, com a indicação clara da relação direitos e deveres.
As diferenças básicas entre as doutrinas que norteiam o Código de Menores e
novo Estatuto podem ser observadas no QUADRO 1:
QUADRO 1 - O CÓDIGO DE MENORES DE 1979 E
O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
1-ESTATUTOS LEGAIS CÓDIGO DE MENORES
2-DOUTRINA
JURÍDICA
3-DESTINATÁRIOS
Doutrina da situação irregular
ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE
Doutrina da Proteção integral
Menores entre zero e dezoito anos Todas as crianças e adolescentes (livro
que se encontram em situação I); crianças e adolescentes com direitos
irregular (medidas de proteção)
violados (livro II, título II-medidas de
proteção) e adolescentes suspeitos de
ato infracional(livro II, título III,
medidas sócio-educativas e de
proteção)
4-CONCEPÇÃO
Instrumento de controle social dos Instrumento de desenvolvimento social
POLÍTICA
SOCIAL menores carentes, abandonados e para as crianças e adolescentes e de
IMPLICITA
infratores.
proteção integral às crianças e
adolescentes em situação de risco .
Fontes : Sinopse elaborada pela Pastoral do Menor da Arquidiocese de Belo Horizonte, Código de
Menores e Estatuto da Criança e do Adolescente.
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2-A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL E O ESTATUTO DA CRIANÇA E
DO ADOLESCENTE:
O Estatuto da Criança e do Adolescente compõe-se de dois livros. O livro um
trata dos direitos sociais como saúde e educação e é dirigido a todas as crianças e
adolescentes, sem exclusão de qualquer natureza. O livro dois dirige-se às crianças e
adolescentes em situação de risco pessoal e social, “em razão de sua conduta ou da ação
ou omissão dos pais, da sociedade e do Estado” (QUADRO 2). Uma parte dos artigos
refere-se às medidas de proteção e a outra parte às medidas sócio-educativas destinadas
principalmente ao adolescente suspeito de ato infracional.
QUADRO 2- A ORGANIZAÇÃO DO ESTATUTO
CONTEÚDO
LIVRO 1
DESTINATÁRIOS
Direitos sociais: educação, saúde, Todas as crianças e adolescentes
convivência
familiar
e
comunitária, lazer
LIVRO 2
Política de atendimento: medidas Crianças
de
proteção,
medidas
adolescentes
sócio- situação de risco
educativas e medidas pertinentes
aos pais e responsáveis
e
em
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No Estatuto, crianças e adolescentes são definidos como ‘pessoas em condição
peculiar de desenvolvimento’, ou seja que estão em idade
de formação por isso
necessitam da proteção integral e prioritária de seus direitos por parte da família, da
sociedade e do Estado. Crianças e adolescentes são definidos também como ‘sujeitos de
direitos’- significando que não podem mais ser tratados como objetos passivos de
controle por parte da família, do Estado e da sociedade .
O Estatuto está embasado na doutrina jurídica da proteção integral, afirmada
pela Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança, adotada pela
Assembléia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989 e transformada em lei no Brasil
, pelo decreto 99.710/90 .
A doutrina da proteção integral, cuja essência consiste em afirmar o direito,
das crianças e adolescentes, a ter direitos, se faz presente ainda em três outros
documentos legais , além da Convenção: Regras Mínimas das Nações Unidas para a
Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing); Regras Mínimas das Nações
Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade e Diretrizes das Nações
Unidas Para A Prevenção da Delinqüência Juvenil (Diretrizes de Riad).
Os princípios básicos de direito
presentes nestes documentos legais foram
incorporados ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Os artigos 37 e 40 da
Convenção, referem-se à administração da justiça aos jovens suspeitos de praticar atos
infracionais e aos
privados de liberdade e determinam medidas que assegurem a
afirmação plena dos direitos civis para esses jovens, especialmente o direito à defesa.
As Regras de Beijing, As Regras Mínimas das Nações Unidas Para Proteção dos Jovens
Privados de Liberdade e as Diretrizes de Riad , também versam sobre a administração
da justiça.
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No livro II do Estatuto da Criança e do Adolescente, entitulado ‘Parte Especial’,
observa-se, na análise dos artigos, uma preocupação nítida, por parte dos legisladores,
em romper com a doutrina da situação irregular e em estabelecer uma política de
atendimento, para crianças e adolescentes em circunstâncias especialmente difíceis,
calcada na afirmação de direitos e não na suspensão dos mesmos. Esse enfoque pode
ser constatado especialmente no artigo 111 que trata das garantias processuais mediante
prática de ato infracional:
“são asseguradas ao adolescente , entre outras , as seguintes garantias : I- pleno e formal
conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; IIigualdade na relação processual , podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir
todas as provas necessárias a sua defesa ; III- defesa técnica por advogado ; IV- assistência
judiciária gratuita e integral aos necessitados na forma da lei; V- direito de ser ouvido
pessoalmente pela autoridade competente ; VI- direito de solicitar a presença de seus pais ou
responsável em qualquer fase do procedimento.”
2.1- As diretrizes e as linhas de ação da política de atendimento:
As linhas de ação e as diretrizes da política de atendimento são definidas nos
primeiros artigos do título I (do livro II)do ECA o que consiste numa inovação em
relação à legislação anterior, onde as diretrizes eram definidas pela PNBEM e as linhas
de ação (Título II - da aplicação da lei, do Código de Menores ) pelo contexto sóciocultural e estudo de caso do “menor em situação irregular”.
As novas diretrizes, prevêem :
• a municipalização do atendimento ;
• a criação de conselhos municipais, estaduais e nacional de defesa dos direitos com :
participação popular paritária , poder deliberativo e controlador de ações em todos os
níveis e fundos próprios
• e a integração dos órgãos destinados ao atendimento do adolescente autor de infração
penal .
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As linhas de ação da política de atendimento firmadas são: políticas sociais básicas;
políticas e programas de assistência social em caráter supletivo; serviços especiais de
atendimento médico e psicossocial às vítimas de qualquer forma de violência; serviços
de identificação e proteção jurídico-social, por entidades de defesa dos direitos.
2.2-O sistema de atendimento: medidas previstas, instituições e principais atribuições
As medidas previstas no Estatuto são aplicadas quando os direitos da criança e
do adolescente forem ameaçados ou violados por ação ou omissão da sociedade, do
Estado, dos pais ou em razão da conduta das próprias crianças e adolescentes(art.98).
Por exemplo quando uma criança não tem uma vaga garantida na escola pública, quando
seus pais deixam de matriculá-la na escola, quando a sociedade não denuncia a presença
de crianças fora da escola ou quando as próprias crianças e adolescentes deixam de
freqüentar as aulas, em todas estas situações o direito à educação está sendo ameaçado
ou descumprido.
A política atendimento inclui três tipos medidas (QUADRO 3):
• as medidas específicas de proteção- destinadas a crianças e adolescentes em situação
de risco e a crianças que cometeram algum tipo de infração, pois a elas não podem
ser atribuídas medidas sócio- educativas;
• as medidas sócio-educativas - destinadas ao adolescente suspeito de praticar ato
infracional e
• as medidas pertinentes aos pais e responsáveis - destinadas aos pais ou responsáveis
que não estão cumprindo seus deveres em relação aos direitos de suas crianças e
adolescentes.
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QUADRO 3- MEDIDAS PREVISTAS NO ECA
MEDIDAS ESPECÍFICAS
PROTEÇÃO ( art 101):
DE MEDIDAS
SÓCIO- MEDIDAS
PERTINENTES
EDUCATIVAS (art 112):
AOS PAIS E RESPONSÁVEIS
(art129):
I- encaminhamento a programa
I- encaminhamento aos pais ou I- advertência .
responsáveis, mediante termo de II- obrigação de reparar o oficial
ou
comunitário
de
responsabilidade .
dano.
promoção à família
IIorientação,
apoio
e III- prestação de serviços à II- inclusão em programas de
acompanhamento temporários.
comunidade
orientação
e
tratamento
a
IIImatrícula
e
freqüência IV- liberdade assistida .
alcoólatras e toxicômanos.
obrigatórias em estabelecimento V- inserção em regime de III- encaminhamento a tratamento
semi-liberdade .
psicológico ou psiquiátrico.
oficial de ensino fundamental .
internação
em IV- encaminhamento a cursos ou
IVinclusão
em
programa VIcomunitário ou oficial de auxílio à estabelecimento educacional . programas de orientação
família, à criança e ao adolescente.
VII- qualquer uma
das V- obrigação de matricular o filho
V- requisição de tratamento médico medidas de proteção .
e acompanhar
sua freqüência
ou psicológico .
escolar
VI- inclusão em programa oficial de
VI- obrigação de encaminhar a
tratamento de alcoólatras ou
criança
ou adolescente para
toxicômanos .
tratamento especializado
VII- advertência
VII- abrigo em entidade.
VIII, IX e X- perda da guarda,
VIIIcolocação
em
família
destituição da tutela, suspensão ou
substituta .
destituição do pátrio-poder
Na aplicação destas medidas deve-se preferir
aquelas que visem o
fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, conforme indicado no artigo 99
do Estatuto.
As entidades de atendimento governamentais e não governamentais é que são
responsáveis pela execução de programas de proteção e sócio-educativos, onde serão
cumpridas as medidas estabelecidas pelos órgãos competentes. Essas entidades devem
ser registradas e fiscalizadas pelos Conselhos Municipais de Direitos e pelo Conselho
Tutelar.
O Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente é o
órgão responsável pela adaptação das regras gerais previstas no Estatuto à realidade de
cada município. Para garantir os direitos previstos no Estatuto, o Conselho Municipal
formula uma política de atendimento adequada ao município e
fiscaliza as entidades
encarregadas de executar esta política. Os conselhos são compostos por representantes
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governamentais, normalmente indicados pela prefeitura e por representantes não
governamentais, normalmente escolhidos pelas entidades de atendimento ou eleitos pela
sociedade civil organizada. As principais atribuições do conselho são as seguintes:
•
elaborar um diagnóstico sobre a situação das crianças e adolescentes nos municípios
e sobre os serviços disponíveis para atendê-las: hospitais, escolas, creches, abrigos,
dentre outros;
•
formular a política de atendimento à criança e ao adolescente, definindo: principais
carências e necessidades, formas de atender estas necessidades, recursos necessários
e instituições encarregadas do atendimento;
•
controlar e acompanhar a implantação desta política no município;
•
criar e gerir fundos onde se arrecadam recursos necessários a execução das políticas
de atendimento;
•
registrar e fiscalizar entidades de atendimento;
•
criar e implantar o Conselho Tutelar.
O Conselho Tutelar é o órgão responsável pelo atendimento aos casos de violação
dos direitos da criança e do adolescente no município. Este conselho deve ser composto
por pessoas, escolhidas pela sociedade civil, que conheçam bem a lei e que tenham
alguma experiência no atendimento à criança , ao adolescente e aos seus familiares. As
atribuições do Conselho Tutelar são as seguintes(QUADRO 4):
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QUADRO 4- ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO TUTELAR
ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO TUTELAR
1)atender crianças e adolescentes que tenham tido seus direitos ameaçados ou
violados, aplicando as medidas de proteção previstas no artigo 101 (parágrafos I
ao VII);
2)atender crianças que tenham praticado ato infracional , aplicando medidas de
proteção( previstas no artigo 101, I ao VII)
3)receber das escolas a comunicação dos seguintes casos: maus tratos, reiteração
de faltas injustificadas, de evasão escolar e elevados níveis de repetência (art. 56)
3)requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social,
previdência social, trabalho e segurança.
4)requisitar certidões de nascimento, de óbito quando necessário
EM RELAÇÃO AOS PAIS 1)atender aos pais e responsáveis podendo aplicar as medidas previstas no artigo
E RESPONSÁVEIS
129( parágrafos I ao VII)
EM
RELAÇÃO
CRIANÇA
E
ADOLESCENTE
À
AO
EM
AS
DE
1)receber do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolecscente
comunicação sobre registro de entidades, bem como inscrições e alterações;
2) fiscalizar entidades de atendimento governamentais e não governamentais;
3)iniciar procedimento de apuração de irregularidades em entidades
EM
RELAÇÃO
AO 1)encaminhar relatório de fatos que se referem a infração administrativa ou penal
MINISTÉRIO PÚBLICO
contra os direitos da criança e do adolescente.
2)representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos
previstos no artigo 220 da Constituição Federal.
3)representar ao Ministério Público ,para efeito das ações de perda e suspensão do
pátrio poder
EM
RELAÇÃO
A 1)encaminhar aa autoridade judiciária os casos de sua competência ( ver parágrafo
AUTORIDADE
relativo a justiça da infância e juventude)
JUDICIÁRIA
2)providenciar as seguintes medidas, estabelecidas pela autoridade judiciária para
o adolescente autor de ato infracional: medidas de proteção previstas no art 101,
parágrafo I ao VI.
3)representar à justiça: para efeito de procedimento sobre imposição de
penalidades administrativas por infração as normas de proteção da criança,em caso
de descumprimento injustificado de suas deliberações.
EM RELAÇÃO AO PODER 1)assessorar o poder executivo local na elaboração de propostas orçamentárias
EXECUTIVO
para planos e programas de atendimento aos direitos da criança e do adolescente.
Fontes: FUNJOB (Quadro - funções do Conselho Tutelar), mimeo. Estatuto da Criança e do
adolescente,1990
RELAÇÃO
ENTIDADES
ATENDIMENTO
O Juizado da Infância e da Juventude é encarregado principalmente das medidas
referentes ao adolescente infrator e da aplicação de penalidades administrativas nos
casos de infrações, cometidas por pessoas ou entidades de atendimento, contra norma de
proteção à criança e ao adolescente . As principais funções do juizado são:
• fiscalizar o cumprimento das leis relativas aos direitos da criança e do adolescente;
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• receber as denúncias de casos de descumprimento das leis relativas aos direitos da
criança e do adolescente, definindo as medidas para cada situação;
• receber denuncias sobre adolescentes que infringiram as leis, determinando o tipo de
medida (sócio- educativa ou de proteção ) que deve ser atribuída em cada situação;
•
conceder a remissão que é suspensão ou extinção do processo antes de iniciado o
procedimento judicial ;
•
conhecer as ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento,
aplicando penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de
proteção a criança e ao adolescente;
•
receber os casos encaminhados pelo Conselho Tutelar , aplicando as medidas
cabíveis;
•
disciplinar e autorizar a entrada de crianças e adolescentes em diversos
estabelecimentos e a participação em espetáculos públicos e seus ensaios.
Quando se tratar de crianças ou adolescentes com direitos violados(art,98):
•
receber pedidos de guarda e tutela, ações de destituição do pátrio poder e ações de
alimentos e definir o que deve ser feito;
•
conceder a emancipação para o adolescente;
•
designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou de outros
procedimentos judiciais ou extrajudiciais, em que haja interesses de criança ou
adolescente;
•
determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento
e óbito.
O Ministério Público atua em nome da sociedade com órgão defensor e promotor
dos direitos da criança e do adolescente. Atua em todos os processos judiciais onde
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houverem interesses das crianças e adolescentes envolvidos. Também tem como função
importante propor ações civis públicas em defesa dos interesses coletivos de crianças e
adolescentes. O promotor público é o representante da sociedade e deve acompanhar e
se posicionar diante de todos casos que envolvam direitos da criança e do adolescente.
As atribuições do Ministério Público, previstas no Estatuto (artigo 201) são as
seguintes:
•
conhecer a remissão;
•
promover e acompanhar os procedimentos relativos às infrações atribuídas a
adolescentes;
•
promover e acompanhar as ações de alimentos(pensões e os procedimentos de
suspensão e destituição do pátrio-poder;
•
instaurar sindicâncias , para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção
à infância e à juventude;
•
zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais , promovendo as medidas
judiciais e extrajudiciais cabíveis;
•
inspecionar as entidades públicas e particulares de atendimento;
•
requisitar força policial , bem como a colaboração de outros profissionais.
Em relação às funções das instituições, observa-se que os Conselhos Tutelares ficam
responsáveis principalmente pela aplicação das medidas específicas de proteção, com
exceção da colocação em família substituta, a cargo do juizado. O Ministério Público
tem suas atribuições ampliadas, podendo inclusive conceder a remissão, instaurar
sindicâncias e requisitar força policial e serviços de outros profissionais e, finalmente, o
Juizado fica encarregado principalmente das medidas referentes ao adolescente infrator
e da aplicação de penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de
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proteção à criança e ao adolescente. No caso do Juizado, não houve uma retração das
funções, mas uma adequação e uma divisão de responsabilidades e de poder com os
Conselhos Tutelares no âmbito das medidas de proteção, e com o Ministério Público,
no âmbito das medidas sócio-educativas .
Do ponto de vista organizacional, nota-se que o Estatuto tem como finalidade
central articular instâncias governamentais e não governamentais com funções de
natureza distinta e complementar “nas áreas das políticas sociais básicas, dos serviços
de prevenção e de assistência social , de proteção jurídico social e de defesa dos
direitos”(MORA,s.d,p.241) Toda a ‘arquitetura’ do documento legal concorre para o
estabelecimento de uma lógica de cooperação entre os órgãos, o que não impede que, na
prática, se estabeleça uma lógica de concorrência de recursos, de espaço, de poder e de
prestígio .
Mediante a análise do Estatuto, pode-se concluir que a principal inovação em
relação às legislações anteriores é a ênfase nas garantias, sendo crianças e adolescentes
concebidos como sujeitos de direito.
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS: DEZ ANOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO
ADOLESCENTE
Passados dez anos da promulgação do ECA ainda não foi realizada uma
pesquisa, ampla e sistemática, avaliando a situação dos direitos da criança e do
adolescente no Brasil. Mas existem alguns dados que podem fornecer indícios, tanto
conquistas como dos retrocessos, ocorridos. No quadro a seguir são reproduzidos
alguns destes dados, extraídos de diversas fontes(QUADRO 5):
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QUADRO 5- DIRETOS CONQUISTADOS E DIREITOS VIOLADOS
AVANÇOS- DIREITOS CONQUISTADOS
RETROCESSOS –DIREITOS AMEAÇADOS OU VIOLADOS
A taxa de mortalidade infantil reduziu de 47,8
mortes para cada mil crianças, em 1990, para 36,1
por mil em 1998.
A proporção de crianças de 7 a 14 anos de idade
que não estavam na escola situava-se em 16,2%
em 1989. De 1995 para 1999 este indicador
baixou de 9,8% para 4,3%.
Em 1996, cerca de 1 milhão de crianças não foram
registradas no primeiro ano de vida.
Em 30,5% das famílias brasileiras com crianças de 0 a
6 anos a renda per capita é igual ou inferior a meio
salário mínimo.
A Organização Internacional do Trabalho estima que
16% da população infantil brasileira, cerca de cinco
milhões de crianças entre 5 e 14 anos de idade ,
estejam trabalhando.
Fontes: UNICEF. Situação da infância no Brasil. 2001. CONANDA. Programa de reinserção social do
adolescente em conflito com a lei. IBGE/PNAD, 1999.Destaques. IPAD. Site dados/notícias
(www.instadolescente.com.br.).
Nas áreas de saúde e de educação, conforme dados do quadro
anterior,
ocorreram alguns avanços, mas é preciso considerar as seguintes ressalvas:1) embora a
taxa de mortalidade tenha reduzido, esta é alta se comparada a de países mais pobres
que o Brasil- na Venezuela a taxa é de 21 por mil, no Panamá é de 18 por mil e em Cuba
7 por mil (UNICEF,2001); 2) a proporção de crianças no ensino fundamental aumentou,
mas sabe-se que as taxas de evasão ainda são muito altas. Alguns programas, como o
bolsa escola, tem sido introduzidos por iniciativa de governos municipais e do governo
federal, no sentido de reduzir esta taxa de evasão, mas esses ainda são localizados e
seletivos sendo incapazes de resolver o problema no país A saúde e a educação são áreas
básicas para o desenvolvimento infanto-juvenil assim é necessário que os governos
introduzam políticas mais universalistas, com ampla cobertura, capazes de atingir toda
população infanto-juvenil.
O processo de implementação da nova política de atendimento - criação das
instituições necessárias ao cumprimento das medidas previstas, atuação dos agentes de
entidades de atendimento, dentre outros aspectos- também não passou ainda por uma
avaliação sistemática ou seja, não há um balanço nacional sobre a implementação da
19
política de atendimento. Mas existem
dados e pesquisas,
circunscritas a regiões e
temas específicos que podem fornecer uma visão do referido processo de
implementação.
A implantação dos conselhos municipais de direitos e dos conselhos tutelares
ocorreu respectivamente em 58% e em 46 % dos municípios brasileiros, conforme o
quadro a seguir(QUADRO 6):
QUADRO 6-CONSELHOS MUNICIPAIS E CONSELHOS TUTELARES POR ESTADO
ESTADOS
1. ACRE – AC
2. ALAGOAS – AL
3. AMAZONAS – AM
4. AMAPÁ – AP
5. BAHIA – BA
6. CEARÁ – CE
7. DISTRITO FEDERAL – DF
8. ESPÍRITO SANTO – ES
9. GOIÁS – GO
10. MARANHÃO – MA
11. MINAS GERAIS – MG
12. MATO GROSSO DO SUL – MS
13. MATO GROSSO – MT
14. PARÁ – PA
15. PARAÍBA – PB
16. PERNAMBUCO – PE
17. PIAUÍ – PI
18. PARANÁ – PR
19. RIO DE JANEIRO – RJ
20. RIO GRANDE DO NORTE –RN
21. RONDÔNIA – RO
22. RORAIMA – RR
23. RIO GRANDE DO SUL – RS
24. SANTA CATARINA – SC
25. SERGIPE – SE
26. SÃO PAULO – SP
27. TOCANTINS – TO
TOTAL
Nº DE MUNICÍPIOS*
22
101
62
16
415
184
01
77
242
217
853
77
126
143
223
185
221
399
91
166
52
15
467
293
75
645
139
5507(100%)
CMDCA
16
59
22
08
187
176
01
67
161
15
343
73
88
72
33
73
12
387
82
69
39
07
345
216
58
529
44
3182(58%)
CT
10
43
08
08
67
111
08
67
125
15
222
66
101
57
26
27
12
391
62
23
26
04
302
219
47
444
28
2.519(46%)
*Fonte: IBGE / julho 1999
CMDCA = Conselhos Municipais pelos Direitos da Criança e do Adolescente
CT = Conselhos Tutelares
Cerca da metade dos municípios brasileiros não possui conselhos, instituições
fundamentais para assegurar o cumprimento dos direitos constitucionais
previstos,
20
como se indicou anteriormente neste capítulo. Quanto aos aspectos qualitativos,
relativos à atuação e composição dos conselhos, identificou-se três pesquisas realizadas
no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Norte e em Minas Gerais (ISER, 1996;
OLIVEIRA, 1998; FROTA,2000) que chegaram as seguintes conclusões( QUADRO 7):
QUADRO 7- COMPOSIÇÃO E ATUAÇÃO CONSELHOS
QUANTIDADE
E
TIPO
DE
CONSELHOS
PESQUISADOS/
LOCAL
PRINCIPAIS CONSTATAÇÕES E CONCLUSÕES
10 Conselhos
Tutelares da
cidade do Rio
de Janeiro
I)Formação, conhecimento e atribuições dos conselhos tutelares:
a)Perfil do conselheiro: Existe um embate em relação ao perfil do conselheiro tutelar, se o
critério preponderante deve ser a representatividade do conselheiro, junto à uma
determinada base, ou sua formação e capacidade para intervir. A pesquisa indica que o
primeiro critério prevaleceu entre os CT, durante a primeira gestão, mas na segunda
gestão firmou-se a necessidade de incluir algumas critérios de comprovação se não a
competência técnica, pelo menos da experiência comprovada de trabalho em instituições
de atendimento por pelo menos 2 anos.
b)O estatuto jurídico do conselheiro: o cargo é considerado serviço público mas o
conselheiro não é funcionário público. Esta contradição gera problemas tanto relativos ao
poder do conselheiro no sentido de garantir que suas decisões sejam efetivamente
acatadas, quanto para sua situação profissional: os conselheiros tutelares são remunerados
mas não possuem vínculos empregatícios pois não são funcionários públicos.
II)Estrutura, organização e funcionamento dos conselhos:
a)organização e rotina: não há regularidade na realização das reuniões plenárias; há
reconhecimento apenas formal, por parte dos conselheiros, da necessidade atuação
coletiva, na prática prevalece a ação individualizada,
b)conflitos internos: em alguns conselhos falta unidade interna e há conflitos gerados pela
disputa pela hegemonia e pela centralização do poder, c)infra-estrutura precária: falta de
sede adequada para o atendimento e falta de infra-estrutura, especialmente de viaturas
para atendimentos externos: visitas, fiscalização,
d)tensão e desgaste da relação do CT com a maquina burocrática pública, especialmente
com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social , devido ao não atendimento das
necessidades básicas dos conselhos.
e)fluxo do atendimento: o fluxo de demanda ultrapassa a capacidade de atendimento dos
CTs. Os CTs não conseguem acompanhar todos os casos atendimentos e encaminhados
pois tem de atender a novos casos diariamente. Os conselhos tem dificuldade de aplicar as
medidas que estabelecem pois a rede de atendimento é precária e insuficiente.
302 Conselhos
Municipais de
(direitos
da
criança
e
adolescente,
saúde,
assistência
social
e
Nesta pesquisa os conselhos foram classificados, em termos de: a)aspectos jurídicos
formais - forma de criação do conselho e de escolha dos representantes da sociedade civil,
existência de nomeação e posse dos conselheiros, a forma de escolha do presidente, a
existência de regimento interno, mecanismos de organização interna, disponibilidade de
recursos para o funcionamento, existência de fundo municipal e disponibilidade de
recursos do fundo entre insuficiente, b) dinâmica de funcionamento- número de reuniões,
periodicidade, forma de convocação das reuniões, de definição da pauta e de tomada de
decisões, o momento de acesso dos conselheiros à pauta e aos documentos objeto de
21
educação) do discussão nas reuniões do conselho e c) eficácia- assuntos discutidos, existência de plano
Estado do Rio municipal participação do conselheiro na elaboração e aprovação do plano, forma de
Grande
do participação, momento que o plano foi discutido em relação a aprovação do orçamento
Norte
municipal na câmara, a realização da confer6encia municipal, o número de conferências
realizadas e a participação do conselho na sua realização, a fiscalização dos recursos do
fundo municipal e a forma como é feita esta fiscalização, a melhoria dos serviços
prestados a população e o tipo de melhoria. A classificação incluiu as seguintes
categorias: inexistente, inexpressivo, insuficiente, satisfatório e excelente. As categorias
de classificação predominantes foram:
a)nos aspectos jurídicos formais: insuficiente(48%) e satisfatório(30%).
b)na
dinâmica
de
funcionamento/institucionalização:
insuficiente(35%)
e
satisfatório(32%).
c)na eficácia : insuficiente(29%) e inexpressivo (20%).
O Índice geral predominante ( somatório dos anteriores) foi insuficiente, para 46% dos
conselhos pesquisados.
A pesquisa constatou ainda que: em cerca de metade dos conselhos não há qualquer
divulgação de ações; a articulação entre conselhos e entre conselheiros da sociedade civil
é incipiente e que as principais dificuldades enfrentadas pelos conselheiros são a falta de
capacitação técnica, política e teórica, para intervir no processo de formulação e
implementação de políticas públicas e a falta de acesso às informações e documentos
necessários à sua atuação.
114 Conselhos No que se refere à composição, constatou-se que a grande maioria dos conselhos:
Municipais de a)são paritários- 91 possuem o mesmo número de representantes não governamentais e
Direitos
da governamentais,
Criança e do b)são democráticos quanto à forma de escolha dos membros - a forma mais usual de
Adolescente
escolha dos representantes governamentais é a indicação pelo Prefeito (83,3% dos
do Estado de conselhos) e dos não governamentais é a indicação ou eleição pelas entidades de
Minas Gerais atendimento à criança e ao adolescente existentes no município (97,1%)c)são representativos quanto à origem dos membros- os representantes de instituições não
governamentais provem em sua maioria de instituições diretamente ligadas ao
atendimento à criança e ao adolescente(35,8%); de associações profissionais ou
comunitárias(19,9%) e de organizações religiosas(18,6%).
Mas em relação à atuação percebe-se que os conselhos não tem exercido as funções
essenciais para as quais foram criados:
a)da elaboração de diagnósticos sobre a situação da infância e da adolescência no
município, encarregaram-se 42 conselhos(40%) ou seja, menos da metade dos conselhos
analisados, o que compromete a possibilidade de formular políticas sociais e de
atendimento mais condizentes com a realidade e as necessidades da população infantojuvenil.
b)o número de conselhos que elaboram diretrizes para as políticas de atendimento
relativas as medidas de proteção e relativas as medidas sócio – educativas é bem reduzido,
assim como o número de conselhos que formularam programas para o atendimento das
políticas sociais básicas nas áreas de educação, saúde e cultura.
c)em relação as atividades realizadas junto as entidades de atendimento constatou-se que
por um lado, o controle e o conhecimento sobre a rede são significativos, 50 conselhos
registram e cadastraram entidades de atendimento e 44 realizam atividades de
fiscalização, por outro lado, as atividades que podem significar acompanhamento e apoio
continuado são mais escassas: dos 111 conselhos apenas 36 realizam reuniões periódicas
com as entidades e 20 atividades de coordenação do trabalho das entidades.
d)conselhos com mais tempo de existência não são mais atuantes que conselhos com
pouco tempo de existência, a única atividade que aumenta sua freqüência em conselhos
com mais tempo de existência é o cadastro de entidades.
22
Em relação à aplicação das medidas previstas no ECA, dados disponibilizados
pelo Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente
(CONANDA) indicam que, no primeiro trimestre de 2000, 22.845 adolescentes estavam
cumprindo medida sócio- educativa (QUADRO 8):
QUADRO 8- ADOLESCENTES CUMPRINDO MEDIDA SÓCIO- EDUCATIVA
TIPO DE MEDIDA SÓCIO- EDUCATIVA
Liberdade assistida
Internação
Prestação de serviço à comunidade
Semi- liberdade
Total
Fonte: CONANDA ( 1º trimestre de 2000)
NÚMERO DE ADOLESCENTES
12.540 (54,9%)
7.498 (32,8%)
1.756 (7,7%)
1.051 (4,6%)
22.845 (100%)
Constata-se que a medida mais utilizada é a liberdade assistida (54,9%) seguida
da internação (32,8%). Quando consideradas as diferentes regiões do país esta tendência
também se manteve ou seja, a medida que aparece em primeiro lugar em todas as
regiões foi a liberdade assistida. Em segundo lugar, aparece a prestação de serviço à
comunidade, nas regiões norte e sul e a internação, nas regiões centro- oeste, sudeste e
nordeste. Assim constata-se que, embora a medida de liberdade assistida tenha superado
a internação, esta última ainda aparece como a segunda medida mais utilizada, em três
das cinco regiões do país. Este é um dado importante pois o Estatuto prevê que a
medida de internação deve ser adotada apenas como ultimo recurso. Estudos relativos à
política de atendimento têm mostrado que a medida liberdade assistida, se corretamente
aplicada, possibilita uma integração maior do adolescente à sociedade, facilita seu
processo de reinserção social e pode consequentemente reduzir a possibilidade de
reincidência.
Um outro dado significativo é que o número de adolescentes cumprindo medida
sócio- educativa (22.845) é bastante reduzido se comparado ao total da população de 0 a
23
18 anos (68.464.429)- corresponde a 0,03% do total. Este número também é reduzido se
comparado ao número de adultos infratores(QUADRO 9):
QUADRO 9:COMPARAÇÃO ENTRE POPULAÇÃO CARCERÁRIA ADULTA E POPULAÇÃO
DE ADOLESCENTES CUMPRINDO
MEDIDA SÓCIO- EDUCATIVA
População carcerária adulta
População de adolescentes em medida sócio-educativa
Total de infratores( adultos + adolescentes)
Fonte: CONANDA ( 1º trimestre de 2000)
200.662(89,78%)
22.845 (10,22%)
223.507 (100%)
Estes dados mostram que o problema do adolescente infrator tem sido muitas
vezes super- dimensionado pelos meios de comunicação e pela sociedade. E isto tem
reflexos importantes no campo das políticas de atendimento, ou seja, é preciso saber
dimensionar os problemas para intervir do modo adequado. Neste sentido, é importante
ressaltar que o número de adolescentes e crianças vítimas de infração (25.248) é muito
maior que o número de adolescentes que cometem infrações (16.349), conforme dados
de 1999 disponibilizados pelo CONANDA.
Cabe ressaltar que os dados do CONANDA não indicam como as medidas são
aplicadas, em quais instituições ou entidades, se as entidades são adequadas e se existe
pessoal qualificado ou seja não há uma avaliação qualitativa para saber se realmente
está se realizando um processo sócio-educativo e não apenas punitivo. Este tipo de
avaliação é fundamental, pois sabe-se que várias instituições, especialmente as
encarregadas da medida de internação, continuam a atuar apenas como estabelecimentos
prisionais, restritos ao exercício de funções punitivas. Isso pode ser constatado pelas
rebeliões recentes, ocorridas na FEBEM de São Paulo e pela inclusão desta instituição
em relatório da anistia internacional, pelos casos de tortura e maus tratos, conforme
24
declaração do UNICEF à Folha da São Paulo, em 09/06/2000. O caráter inadequado e
precário do sistema de atendimento destinado ao jovem privado de liberdade é constado
por dois importantes especialistas que atuam nesta área há vários anos:
“Em que pese a Carta Política, a Convenção e o Estatuto- adolescentes infratores, em
muitos casos, continuam sendo tratados com mais rigor do que, em iguais circunstâncias os
jovens adultos penalmente imputáveis, não se lhes reconhecendo, por exemplo, o direito à
prescrição. Hipóteses em que adultos não seriam internados, como nos delitos de bagatela ou de
menor potencial ofensivo, adolescentes resultam muitas vezes privados de liberdade (Antônio
Fernando do Amaral e Silva, Tribunal de Justiça de Santa Catarina).” (BRASIL Ministério da
Justiça, DCA, 1998)
“A fragilidade das propostas, a inconsistência técnica das equipes, a qualidade do
pessoal recrutado, tudo conspira para que o modelo correcional-repressivo, amenizado aqui e
ali por práticas assistencialistas e revestido de uma camada finíssima de discurso educativo
seja a realidade predominante em nosso sistema de atendimento ao adolescente privado de
liberdade (Antônio Carlos Gomes da Costa, Modus Faciendi).” (BRASIL Ministério da Justiça,
DCA, 1998)
A falta de prioridade na destinação de recursos federais é apontada pelo UNICEF
como um dos principais fatores que prejudicam a aplicação adequada das medidas
previstas no ECA:
“o presidente do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Infância e da Adolescência),
Claudio Augusto Vieira, afirma que o orçamento do Fundo Nacional da Infância, destinado a
construção de unidades para adolescentes infratores, foi reduzido de 18 milhões no ano passado
para 3,4 milhões neste ano. A situação é ainda pior segundo Silva porque, o orçamento não é
executado. Em 1999 só R$1,00 de cada R$5,00 previsto no orçamento foi efetivamente
liberado.”(FSP, 09/06/2000)
Apesar de todas as limitações constatadas, há uma avanço importante que precisa
ser ressaltado: a partir do Estatuto, as questões relativas às crianças e aos adolescentes,
em situação de risco, vêm deixando de ser tratadas apenas como um problema de
controle social, restrito ao campo jurídico e policial e passam a ser vinculadas às
questões sociais mais amplas, pertencentes ao campo dos direitos de cidadania. Isto não
se restringe ao plano dos debates, cresceram o número de organizações não-
25
governamentais que vêm realizando práticas inovadoras que contribuem para assegurar
os direitos da criança e do adolescente.
Em que pese a ação da sociedade civil organizada, cabe principalmente aos
governos federal, estadual e municipal reverter o quadro exposto, implementando as
políticas necessárias ao cumprimento dos direitos constitucionais, nos diferentes níveis.
A efetivação desses direitos, por sua vez, pode atuar de modo a
ampliar as
possibilidades de desenvolvimento das crianças e dos jovens e desse modo reduzir as
pressões que podem conduzi-los às situações de risco. Finalmente, resta indicar que para
os casos de omissão ou de violações de direitos, por parte das instituições encarregadas
da implementação das referidas políticas que asseguram os direitos constitucionais, a
Constituição e o Estatuto estabelecem uma série de institutos jurídicos aos quais todo
cidadão deve e pode recorrer.
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da situação irregular à proteção integral.