VI Encontro Nacional da Anppas
18 a 21 de setembro de 2012
Belém – PA – Brasil
Do direito constitucional ao direito de fato: um estudo de
como ocorre o processo de aquisição de terras pelas
comunidades quilombolas
Ana Luiza Clementino da Silva(UFRRJ)
Mestranda do Programa de Pós Graduação de Ciências Sociais pela UFRRJ e analista de
sustentabilidade do Fundo Vale para o Desenvolvimento Sustentável
[email protected]
A inserção do negro no Brasil não foi algo pacífico, mas violento. Sua inserção foi fruto da necessidade
de mão de obra para iniciar a colonização portuguesa no Brasil. A necessidade de atender aos interesses
mercantis da época, na qual a colônia devia ser instrumento de exploração econômica acabou por
estimular o tráfico negreiro. O chamado Pacto Colonial estabeleceu que as colônias não poderiam
produzir mercadorias, ficando somente restritas a fornecer matérias-primas enquanto a metrópole a
fornecia com manufaturas e escravos. Os escravos negros oriundos da África assim constituíram grande
parte da mão-de-obra no Brasil.
A instituição da escravidão durante a colonização portuguesa implicou em uma dominação violenta,
física e simbólica, que atingiu os índios e depois, principalmente, a mão-de-obra africana que, durante
quase quatro séculos, foi objeto do tráfico (VELHO, 2000). Embora a historiografia brasileira não
demonstre o movimento negro nunca foi apático. Movimentos de luta e reação foram comuns ainda no
período colonial, sejam elas guerrilhas, suicídios e fugas – o que acabou levando a formação dos
quilombos.
Dessa forma, o termo quilombos sempre foi apresentado à sociedade com a idéia de “(...) escravos
fugidos que resistiam às tentativas de captura ou morte.” (SANTOS, 2009: pg.5). Dessa forma, “(...) os
quilombos eram exclusivamente caracterizados como expressão da negação do sistema escravista.”
(ibidem, pg. 6). No entanto, a significação do termo “quilombola” não deve ser visto somente como
símbolo de negação ao sistema escravista que existiu na época colonial, ou seja, como fato estabelecido
no passado.
Segundo o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), “as comunidades quilombolas
são grupos étnicos – predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se
auto-definem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições
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e práticas culturais próprias. Estima-se que, atualmente no Brasil haja 3.524 comunidades quilombolas.
No entanto, dependendo da fonte, esse número pode aumentar. Embora a sociedade remeta à idéia de
negros fugitivos e resistentes a escravidão, essas comunidades não representam grupos isolados, mas
sim grupos que estabelecem relações com a sociedade ao seu redor.
Dessa forma, este trabalho tem por finalidade mostrar como se dá o processo de aquisição de terras
pelas comunidades quilombolas. Para isso, este trabalho buscará mostrar através do estudo do processo
de aquisição de terras por essas comunidades, que de fato os quilombolas ainda não conquistaram o
poder de possuírem o direito a terra. Embora previsto na constituição de 1988, esses comunidades são
submetidas a processos longos, demorados e burocráticos até poder adquirir o título de fato da
terra.Isso se não houver interesses divergentes envolvidos pela posse do mesmo território, como é o
caso envolvendo empresas.
Segundo a Constituição de 1988, essas comunidades tem o direito ao território e a sua identidade ao
estabelecer que: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas
terras é reconhecida à propriedade definitiva, devendo o estado emitir-lhe os títulos respectivos”(Art.68
do Ato das Disposições Transitórias) Dessa forma, a constituição dá aos quilombolas o direito desde
1988 ao reconhecimento à propriedade definitiva das terras que ocupam.Mas na prática não é isso que
se observa no processo burocrático e lento aos quais essas comunidades são submetidas para obter a
posse de fato da terra.
Atualmente, para se ter a posse da terra, as comunidades quilombolas devem não somente se autoidentificar como quilombolas, mas também há todo um processo burocrático até obter de fato o direito
à terra. O processo de titulação obedece a um “rito de passagem” específico, no qual abrange sete
estágios: identificação, certificação, delimitação, demarcação, desintrução, titulação e registro das
terras quilombolas. Os sete estágios, por sua vez, podem ser agrupados em três etapas, são elas:
Identificação; Reconhecimento/Certificação; Delimitação/ demarcação.
Desse modo, o estudo do processo de aquisição de terras pelas comunidades quilombolas é importante
uma vez que a posse da terra representa para essas comunidades uma maneira de seus membros
compartilharem de uma mesma ideologia, tradições, festas e outros elementos integrantes da cultura
material e imaterial da comunidade. Logo, a posse de territórios próprios delimitados não é somente
uma questão de posse de um pedaço de terra e sim, um meio de garantia à continuação da reprodução
das coletividades tradicionais.
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Portanto, a terra representa o elo que os quilombolas estabelecem com o seu passado; sua cultura; sua
identidade, na qual a sua tradicionalidade e o reconhecimento como comunidade quilombola
dependem da titulação e da posterior posse de fato dos seus territórios.
Com efeito, o território fixa uma população e, sobretudo, permite a perpetuação da identidade das
comunidades. Desse modo, a posse da terra faz-se essencial para o reconhecimento e criação da
identidade das comunidades quilombolas no Brasil. Assim, este estudo buscará debater como as
comunidades quilombolas possuem o direito constitucional a terra, porém não o direito de fato para a
sua demarcação e, por conseguinte, a posse definitiva.
Referências Bibliográficas
CONSTITUIÇÃO
DA
REPÚBLICA
FEDERATIVA
DO
BRASIL
DE
1988,
disponível
em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), disponível em:
http://www.incra.gov.br/portal/
SANTOS, J. B.. A História da Comunidade Quilombola de Olaria, em Irará- Bahia e a Luta pela Terra na
Contemporaneidade. IDeAS, v. 3, 2009.
VELHO, Gilberto. O desafio da violência. Estudos Avançados. São Paulo, v.14, n. 39, 2000. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ea/v14n39/v14a39a06.pdf
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