Leitura desenvolvimentista das significações de saúde e doença As doenças são males que entram no nosso corpo… o sol, as humidades, as correntes de ar, as coisas que comemos, podem fazer-nos mal… o que me custa quando estou doente é não poder trabalhar… Quando estamos doentes temos de fazer o que os senhores doutores nos dizem… eles é que sabem o mal que está no nosso corpo… os remédios tiram-nos esse mal… As doenças são perturbações que envolvem todo o nosso ser… por que razão ficamos doentes? È difícil saber, porque as variáveis em jogo são tantas e influenciam-se mutuamente… para além disso, repare: algumas pessoas podem achar que estão doentes quando sentem certos sintomas… mas se eu sentir exactamente os mesmos sintomas posso interpretar isso não como uma doença mas sim como a expressão de uma determinada experiência pessoal, quer dizer, a incorporação de uma certa vivência… muitas vezes tento resolver o problema de saúde sozinho, evitando certos excessos de alimentação ou emocionais, embora, por vezes, consulte o médico para discutir com a ele a melhor forma de resolvermos o problema… o que me custa quando estou mais doente é a perda da minha autonomia … Grau de diferenciação, integração e complexidade das significações Uma análise desenvolvimentista das significações introduz critérios de carácter epistemológico com o fim de estudar, comparativamente, o grau de diferenciação, integração ou complexidade das diferentes concepções; A aprendizagem e o desenvolvimento envolvem refinamentos e transformações das representações mentais, evoluindo no sentido de uma diferenciação e integração progressivas; O conhecimento evolui no sentido de uma maior complexidade e é ordenado em sequências de desenvolvimento de sócio-cognitivo natural ou adaptativo; Ao longo do processo continuo de crescimento é possível conceber níveis ou períodos de relativa estabilidade de funcionamento psicológico que se sucedem ordenadamente; Assim, a organização e representação do conhecimento sobre o estado de saúde, transforma-se em função de desenvolvimento e reflecte as características de determinado nível; As estruturas cognitivas características de determinado nível em que a pessoa se encontra impõem limites ao conhecimento que a pessoa pode adquirir da realidade. As significações “disponíveis” na sociedade apresentam diferentes níveis de diferenciação, integração e complexidade? Podemos considerar que uma concepção é mais “matura”, mais “desenvolvida” do que as outras? Será que há concepções que se apresentam mais diferenciadas do que outras, em termos por exemplo da descrição de causas e de sintomas de doença? …. Estudos desenvolvimentistas com crianças e adolescentes Estudos efectuados com crianças parecem demonstrar que as suas concepções sobre o processo de doença evoluem no sentido de uma cada vez maior diferenciação e complexidade, e de uma forma sistemática e previsível consistente com a teoria piagestiana do desenvolvimento cognitivo; Se os estudos tendem a demonstrar que as concepções das crianças sobre processos de saúde e doença estão ordenadas numa sequência hierarquizada de níveis de desenvolvimento, pode perguntar-se o que acontece com os adultos?; A representação das alterações corporais percebidas, bem como a consciência das reacções emocionais são explicadas na base de características pessoais, mas o nível de desenvolvimento psicológico a que essa representação e essa consciência emocional se refere é ignorado ou não considerado; Contrariando a tendência nãodesenvolvimentista do estudo das significações em Psicologia da Saúde, Joyce-Moniz e Reis (1991) defendem que as concepções dos adultos sobre processos de saúde e doença se podem ordenar e classificar de acordo com uma hierarquia desenvolvimentista. Emoções e níveis de desenvolvimento Lane e Schwartz (1987) defendem que a qualidade da representação do estado emocional está dependente do nível de desenvolvimento cognitivo da pessoa; “... aquilo que é experienciado como uma emoção é a consequência de um processamento cognitivo que se segue à activação emocional, e o próprio processo cognitivo diz respeito a uma sequência de transformações estruturais, que ocorrem durante o desenvolvimento, e que determinam a estrutura da experiência emocional” (Lane e Schwartz, 1997, p.134) Dependendo do seu nível de desenvolvimento cognitivo, as pessoas experienciam as emoções de forma qualitativamente diferente; Neste sentido Lane e Schwort (1987) desenvolveram uma sequência de 5 níveis de níveis de representação da consciência emocional, de acordo com as estruturas de desenvolvimento cognitivo; Estes níveis têm uma correspondência com os estádios de desenvolvimento definidos por Piaget; Cada nível de representação corresponde a uma qualidade subjectiva da experiência emocional qualitativamente diferentes das outras, no sentido de uma cada vez maior diferenciação e integração; Os dois primeiros níveis correspondem ao estádio sensório-motor, o terceiro, ao préoperatório, o quarto, ao operatório concreto e, o quinto ao operatório formal; Os níveis organizam-se de forma hierárquica desde o menos sofisticado e menos desenvolvido (sensório-motor) até ao mais desenvolvido e mais complexo (formal); Estruturação desenvolvimentista das significações Joyce-Moniz e Reis (1991) conceberam um modelo teórico de 5 níveis de significações sobre processos de doença; As concepções individuais sobre processos de doença mudam ao longo do processo de desenvolvimento e podem ser sequenciadas de forma ordenada, inclusiva e predizível, de acordo com os ritmos orgânicos e limites cognitivos impostos por esse crescimento; O modelo elaborado centra-se em três tipos de significações: – Veracidade ou realidade da doença e/ou sintomas; – Experiência subjectiva da doença, incluindo as concepções sobre sintomas da doença e a percepção das reacções emocionais; – Coordenação das significações sobre o tratamento do paciente com as do especialista; Nível 1 – Orientação pré-social: anormalidade e anomia; Nível 2 – Orientação instrumental: dualidade e heteronomia; Nível 3 – Orientação pró-social: multiplicidade e socionomia, conformismo; Nível 4 – Orientação pró-social: multiplicidade e socionomia, conformismo institucional; Nível 5 – Orientação pós-convencional: relativismo e autonomia. Vantagem de uma leitura desenvolvimentista das significações Quando nos referimos as significações do paciente, elas são explicadas de acordo com as idiossincrasias do seu sistema de processamento de informação ou de acordo com a assimilação que ele faz dos valores sócio-culturais da sociedade ou grupo étnico em que está inserido; Assim, o médico ou outro técnico de saúde impõe as suas racionalizações ao paciente, de acordo com o nível de desenvolvimento a que habitualmente funciona; Se estás forem estranhas às possibilidades desenvolvimentistas do paciente, este não as compreenderá, gerando-se um fosso epistemológico entre os dois interlocutores; As metodologias desenvolvimentistas podem ser um meio útil e eficaz para modificar as significações e comportamentos das pessoas sobre processos de saúde e doença, em comparação com metodologias que também incidem na modificação das significações individuais, mas que não se harmonizam com os diferentes níveis de desenvolvimento de significações.