UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM ESTUDO DE LINGUAGENS ALEXANDRA PATROCÍNIO NOGUEIRA LIÇÕES DE LITERATURA NO PROGRAMA GESTAR II Salvador- Ba 2015 ALEXANDRA PATROCÍNIO NOGUEIRA LIÇÕES DE LITERATURA NO PROGRAMA GESTAR II Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação Mestrado em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial para obtenção do título em Mestre em Estudo de Linguagens. Orientadora: Prof.ª Drª Márcia Rios da Silva Salvador- Ba 2015 FICHA CATALOGRÁFICA Elaboração: Sistema de Biblioteca da UNEB Bibliotecária: Maria das Mercês Valverde – CRB 5/1109 Nogueira, Alexandra Patrocínio Lições de literatura no Programa GESTAR / Alexandra Patrocínio Nogueira. - Salvador, 2015. 140 f. Orientadora: Marcia Rios da Silva Dissertação (Mestrado) - Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Ciências Humanas Campus I. Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudo de Linguagens Contém referências e anexos 1. Literatura - Estudo e ensino. 2. Professores de literatura - Formação. 3. Professores de Ensino fundamental - Formação. I. Silva, Marcia Rios da. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. CDD: 807 TERMO DE APROVAÇÃO ALEXANDRA PATROCÍNIO NOGUEIRA LIÇÕES DE LITERATURA NO PROGRAMA GESTAR II Dissertação de mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Estudo de Linguagens, pela seguinte banca examinadora: ___________________________________________________ Profª. Dra. Márcia Rios da Silva (Orientadora) Doutorado em Letras e Linguística pela Universidade Federal da Bahia ____________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Helena da Rocha Besnosik Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo ____________________________________________________ Prof.ª Dra. Verbena Maria Rocha Cordeiro Doutorado em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, PUC Salvador, 27 de março de 2015 A Deus, autor e consumador da minha fé. A Luidivan, pelo apoio nas horas difíceis. Gabriela, minha filha, por suportar pacientemente às ausências. PALAVRAS DE AGRADECIMENTOS Aqueles que semeiam chorando, levando na mão a semente para semear, voltarão cantando, cheios de alegria, trazendo nos braços os feixes da colheita. Salmo 126:6 Hoje eu quero agradecer a você, que esteve ao meu lado nas horas em que chorei, nas horas em que lamentei, nas horas em que pensei em desistir, mas também nas horas em que sorri ao ver os frutos do árduo trabalho de escrever se concluir, ainda que provisoriamente, pois todo saber é provisório. “Escrever é um caso de devir, sempre inacabado, sempre em via de fazer-se” [...] afirma Gilles Deleuze. Agradeço a Deus pela presença constante e silenciosa. Agradeço à professora Márcia Rios da Silva, pela sua orientação segura e paciente, frente aos desafios de uma orientanda que sentiu na pele as consequências de uma formação precária no curso de Letras. À minha irmã Jusiene, por cuidar de mim, e dos meus nos momentos de solidão que a escrita exigiu. Ao meu irmão Carlos e Lavínia Patrocínio. Aos amigos e família por compreenderem o distanciamento. A Daniele e Max, pelos socorros prestados nos momentos de completa escuridão. Aos colegas mestrandos do PPGEL, em especial, os que hoje posso chamar de amigos: Bruna, Diego, Eumara, Jober, Leila, Ricardo e Roberto, pelas contribuições nas discussões teóricas e pelas alegrias nos momentos de descontração. Aos membros da Banca Examinadora, Prof.ª Dra. Maria Helena da Rocha Besnosik e Prof.ª Dra. Verbena Maria Rocha Cordeiro pela leitura atenciosa do texto na qualificação e pelas preciosas sugestões que busquei acatá-las. Aos professores do PPGEL, que desde os primeiros contatos em sala de aula propuseram situações de confronto frente ao nosso objeto, chegávamos com algumas certezas e saíamos das aulas com a sensação de que nada sabíamos. Aos funcionários do PPGEL, Camila, Geyza e Danilo, pelas informações prestadas sempre com serenidade, segurança e civilidade. À professora Maria Antônia, regente da disciplina do Tirocínio Docente, pelo carinho e generosidade em compartilhar sua experiência como professora da disciplina Literatura em um curso de Pedagogia. À minha colega de trabalho e amiga Alaíde Barreto pelas constantes elucidações sobre o programa Gestar II. À Cleidenalva, coordenadora do Gestar II em nossa escola, por dirimir minhas dúvidas sempre com presteza e muita competência. Aos professores da Escola Estadual Dona Jenny Gomes, muito obrigada! A literatura pode muito. Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos dos outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajuda a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, revelação do mundo, ela pode também, em seu percurso, nos transformar a cada um de nós a partir de dentro (TODOROV, 2012, p. 76). RESUMO O presente trabalho tem por objetivo desenvolver um estudo do Programa Gestar II da área de Língua Portuguesa, com o intuito de entender o lugar da literatura em um programa de formação continuada de professores. O estudo parte da análise dos materiais didáticos impressos, trabalhados durante o curso da formação, particularmente os Cadernos de Teoria e Prática. Neles busca-se entender as concepções de literatura, como forma de arte e conhecimento, veiculadas nas definições e conceituações, bem como nas atividades de leitura propostas. Para tanto, contempla-se o processo de escolarização da literatura. A pesquisa constata a necessidade de se repensar as formas de apropriação da literatura pela escola, num contexto marcado por transformações sociais e culturais. Palavras-chave: Literatura; Ensino; Formação docente; Programa Gestar II. ABSTRACT This study aims to develop a study program Gestar II of the Portuguese language area, in order to understand the place of literature in a continuing education program for teachers. The study of the analysis of printed educational materials, worked during the course of training, particularly the Theory and Practice Books. In them we seek to understand the concepts of literature as a form of art and knowledge, conveyed in the definitions and concepts, as well as the reading proposed activities. Therefore, it is contemplated the literature of schooling. The research finds the need to rethink the forms of literature appropriation by the school, in a context of social and cultural changes. Keywords: Literature; education; Teacher training; Gestar II Program. 11 INICIANDO UMA CONVERSA Este estudo decorre de uma trajetória trilhada no devir das experiências docentes como professora de Língua Portuguesa e Língua Inglesa, das séries finais do Ensino Fundamental II da Rede Estadual de Educação da Bahia, e vice-diretora de uma escola estadual em Salvador-Bahia. A trajetória conferiu-me certos saberes e sabores somente passíveis de serem experimentados nesse lugar e, a partir dessas experiências formativas, interessei-me pelo Programa Gestão da Aprendizagem Escolar II (GESTAR II). Nesse contexto, a partir de 2009, ano que experienciava pela primeira vez a gestão de uma escola estadual, em concomitância com o exercício da docência, comecei a me interessar pelas políticas públicas, em especial, as de formação continuada de professores. Quando em exercício da gestão, enfrentei dificuldades para dirimir algumas dúvidas de colegas que buscavam orientação para fazer os cursos ofertados de formação continuada pelo governo federal. Assim, foi através dessas experiências que construí, pela primeira vez, ideias sobre a formação continuada do professor, tendo como referência o Programa Gestar II, um “programa de formação continuada semipresencial orientado para a formação de professores de Matemática e de Língua Portuguesa, objetivando a melhoria do processo de ensino aprendizagem" (BRASIL, 2010, p. 14). Quando na vice-direção, participei do referido Programa na condição de cursista. Portanto, além de fazer parte das atividades do curso, costumava acompanhar as reuniões de atividades de coordenação, nas quais os professores da área de Língua Portuguesa se reuniam para discutir e planejar as aulas e atividades propostas pelo Programa, tendo em vista sua efetivação em sala de aula. No entanto, em um dado momento, essa travessia profissional, na vicedireção, implicou na minha “saída” do curso de formação do Gestar II como cursista, devido às demandas inerentes à função gestora e à necessidade de redistribuição interna da minha carga horária em outros turnos. Por outro lado, tal fato permitiu-me a entrada nas salas de aula de colegas que compartilhavam os desafios, entraves e vitórias obtidas em cada aula ministrada. 12 Nesse processo de acompanhamento dos docentes, deparei-me, mais uma vez, com muitas situações difíceis que emergiam das condições materiais e subjetivas, especificamente no que se refere às concepções de prática de ensino e que delineavam as realidades contraditórias vivenciadas pela maioria dos professores. Problemas como o excesso de carga horária de trabalho, a precarização das condições estruturais de ensino, salas de aulas superlotadas de discentes com diferentes necessidades e demandas, violência, drogas e ausência do acompanhamento familiar representavam alguns dos problemas que os professores compartilhavam entre si e que eram, igualmente, compreendidos por eles como um conjunto de entraves “extraclasse”, isto é, vistos como problemas externos que impediam o melhor desenvolvimento do GESTAR II na sala de aula. É importante ressaltar que, na função de vice-diretora, passei por uma situação conflituosa, pois, de um lado, representava o controle do Estado, através da Secretaria de Educação da Bahia para transformar a realidade escolar, via implementação do Programa de formação continuada Gestar II, na escola que representava. De outro, esbarrava-me nas condições materiais e subjetivas do trabalho docente, criadas e gerenciadas pelo próprio Governo, através da estrutura social e educacional que oferecia ao sistema público de ensino. Com esse trabalho, junto às professoras, colegas de profissão, comecei a perceber que muitos docentes não compreendiam a sala de aula como um lócus privilegiado de investigação e de produção intelectual, cultural e política, vinculada às questões sociais mais amplas. Foi a partir dos desabafos dessas professoras, muitas vezes acompanhados de lágrimas, que surgiu o interesse inicial por este estudo, provocado por inquietações pessoais que emergiram a partir dos relatos dessas experiências. Em se tratando dos relatos das professoras, destaca-se que as queixas, na maioria das vezes, giravam em tornos de problemas estruturais e sociais, mas, também, de plano subjetivo, isto é, da capacidade psicológica/emocional que cada uma tinha de resistir às condições adversas, como a violência e hostilidade de muitos alunos em sala de aula. Tais situações contribuíam para que a compreensão da realidade fosse superficial, por vezes enviesada, impedindo que as professoras tomassem “consciência” da importância de suas ações para manutenção e/ou transformação da realidade frente às propostas prontas, estigmatizadas, com práticas de ensino tecnicista e discursos direcionados. 13 Nessa perspectiva, e surpreendentemente, poucas foram as queixas em torno da metodologia e dos conteúdos de língua, principalmente do conteúdo de literatura, foco desta pesquisa, abordados nos Cadernos de Teoria e Prática de Língua Portuguesa do Programa Gestar II. Pelo contrário, evidenciou-se uma aceitação ampla do Programa por parte dos professores. Nos encontros pedagógicos ocorridos frequentemente entre as escolas de Salvador, realizados pela Diretoria Regional de Educação (DIREC 1A e 1B), as conversas de corredores e as experiências compartilhadas revelavam a satisfação dos professores de Língua Portuguesa, os quais viam no Programa uma excelente ferramenta de construção do saber. Notavase, também, que nos encontros realizados no Instituto Anísio Teixeira (IAT) costumavam ocorrer relatos de experiências semelhantes. Assim, de modo geral, constata-se que os professores de Língua Portuguesa gostam do material didático do Programa e não veem problemas de ordem estrutural, teórica ou metodológica. Tais impressões, dentre outros aspectos, podem indicar a necessidade de repensarmos a formação inicial e continuada do professor nos cursos de licenciatura. Dito em outras palavras, os professores, ao terminarem a graduação, parecem sentir-se despreparados para adentrar as salas de aula. Por isso, um material que ofereça modelos de aulas prontas, explicações, respostas dos exercícios e todo aparato teórico-metodológico correspondente ao conteúdo proposto dá ao professor uma sensação de segurança na efetivação da proposta pedagógica em sala de aula. Os professores parecem gostar do material didático porque lhes oferecem um conteúdo seguro, tendo em vista a formação precária da graduação em Letras. Cabe enfatizar que a última reformulação do projeto pedagógico dos cursos de Letras no país ocorreu em 2002, conforme diretrizes curriculares estabelecidas pela Resolução do CNE/CES/2002. Contudo, parece que essa reformulação ainda não recebeu a devida atenção, como objeto de estudo, por boa parte de pesquisadores e docentes da área, ao se constatar que os cursos de gradução não vêm considerando os questionamentos que emergem acerca dos currículos escolares. Conforme Masetto (2003), as chamadas metodologias ativas adquirem força maior exigindo do docente do ensino superior outras atitudes, outras posturas e outras competências. Contudo, afirma o autor que, via de regra, o docente não está capacitado para trabalhar com um currículo tão diferente do tradicional, no qual está bem definido que ele é o responsável pelo conteúdo da disciplina ministrada e nada 14 mais. Frente a essa realidade descrita, os novos professores reproduzem os modelos dos mestres, mesmo de posse de concepções teóricas contemporâneas sobre o ensino das disciplinas. Em decorrência disso, a formação continuada no Brasil se expandiu, contudo, percebe-se a precariedade da formação inicial em nível de graduação, sobretudo com políticas de formação docente aligeiradas. Assim sendo, nas últimas décadas, a formação continuada de professores tem recebido especial atenção por parte de pesquisadores e estudiosos da área, como: Falsarella (2004), Carvalho et al (1999), Balzan (1996), Victorio Filho (2002), Nóvoa (1992,1995), Mizukami (1996), Huberman (1992), Candau (1996) e Gatti (2008), os quais chamam à atenção para as novas demandas da sociedade que, consequentemente, exigem da escola novas práticas pedagógicas que preparem os alunos para viver em sociedade. Desse modo, Vera Maria Candau (1996) aponta alguns caminhos na busca de uma nova concepção de formação, os quais vêm conquistando um terreno consensual entre pesquisadores e profissionais da educação, a saber: 1) o lócus da formação a ser privilegiado deve ser a própria escola; 2) todo processo de formação continuada tem que ter como referência fundamental o saber docente, o reconhecimento e a valorização do saber docente; 3) para um adequado desenvolvimento da formação continuada, é necessário ter presentes as diferentes etapas do desenvolvimento profissional do magistério, haja vista que as necessidades e os problemas dos professores, em fase inicial, daqueles que possuem mais tempo de experiência docente e dos que estão no final de carreira são diferentes. Assim sendo, não se pode oferecer situações de formação padronizadas e homogêneas para todos. Ademais, estudos revelam que é a partir dos saberes adquiridos na prática cotidiana que os professores julgam, estruturam e reestruturam seus conhecimentos. Com isso, pode-se inferir que é a partir do cotidiano escolar, do pisar no chão da escola1 que o professor dá continuidade à formação iniciada na universidade. Como ressalta Candau (1996, p. 144), a escola deve ser considerada como um lócus de formação continuada na busca de superar o modelo clássico de formação, como forma de construir uma nova perspectiva na área de formação continuada de professores. 1 Compreendido como sala de aula, lugar de trabalho, da prática do professor na escola; Lócus de investigação/formação do professor. 15 Portanto, ora partindo das inquietações que emergiram da minha prática escolar, ora partindo de questionamentos sobre a formação do professor, o presente trabalho propõe uma análise sobre a presença da literatura no Programa Gestão da Aprendizagem Escolar – Gestar II. O Programa foi criado em 2004 pelo Ministério da Educação (MEC), em uma ação conjunta com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e Secretarias Estaduais e Municipais de Educação. Faz parte da política nacional de formação continuada para professores, visando promover a melhoria do processo de ensino e aprendizagem, através da atualização dos saberes profissionais dos professores da área de Língua Portuguesa e Matemática. A fundamentação legal do GESTAR II visa atender às disposições legais da Constituição Federal, especificamente do artigo 214, que estabelece o Plano Nacional de Educação com a finalidade de elevar o nível da qualidade do ensino no país, e a Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001, a qual estabelece a necessidade de atingir, no menor prazo, as metas previstas para a educação básica no Plano Nacional de Educação (PNE). A formação continuada em exercício do Gestar II é regulamentada pela Resolução /CD/FNDE nº 35, de 13 de julho de 2009. 2 Pela necessidade de se pensar questões que uma formação continuada suscita, analisa-se a presença da literatura na proposta pedagógica e nas concepções teóricas e metodológicas dos Cadernos de Teoria e Prática do Programa Gestar II, bem como se questiona a política institucionalizada de formação docente de Língua Portuguesa, no âmbito do próprio programa Gestar II. A análise perpassa por algumas questões: critério de seleção de autores, gêneros e obras literárias; forma de explorar as atividades de compreensão e interpretação; forma como os textos são explorados; forma como os conteúdos foram apresentados; forma como Gestar II conduz esta formação continuada. Nesse sentido, é pertinente demarcar a questão que orienta esta pesquisa: Como a literatura é compreendida nos Cadernos de Teoria e Prática do Programa Gestar II de Língua Portuguesa? 2 I - DO PROGRAMA E SEUS PARTICIPANTES: Art. 2° O GESTAR II tem por objetivo propiciar acesso aos conhecimentos linguísticos e matemáticos a todos os alunos dos anos ou séries finais do Ensino Fundamental, por meio da capacitação de professores em exercício nesses anos/séries nos sistemas federais, estaduais e municipais de educação. Art. 3° O programa GESTAR II, como parte da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica e do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), visa reorientar a prática docente com base em conhecimentos adquiridos pelos professores-cursistas em cursos com carga horária de 300 horas, nos quais se combinam estudo individual e atividades presenciais coordenadas por professores-formadores (tutores). (BRASIL, Resolução/CD/FNDE nº 35, de 13 de julho de 2009). 16 Do levantamento realizado no Banco de Teses e Dissertações da CAPES, foram encontradas oito dissertações de mestrado acadêmico e duas teses de doutorado sobre o Programa Gestar II de Língua Portuguesa. Esse conjunto de trabalhos acadêmicos apresenta como questão investigativa aspectos da língua e da formação docente,3 o que instiga uma reflexão sobre o modo pelo qual à literatura é concedido um espaço. Em síntese, o interesse em investigar a literatura, neste Programa, se deu a partir da congruência de questões como a minha experiência docente e a receptividade positiva do Gestar II entre boa parte dos professores de Língua Portuguesa. Minha incursão no Programa de Pós-Graduação em Estudo de Linguagens foi fundamental para ampliar minha compreensão acerca de questões como a relação entre literatura e ensino, o meu processo de formação e exercício da docência, e olhar mais criticamente para as políticas de formação continuada e o papel da literatura na escola. Dito isso, esta dissertação está estruturada em três seções de modo a contribuir para uma compreensão global das discussões do objeto em questão. Na primeira Seção, intitulada “Crenças e forças de uma gestação”, aborda-se o Programa Gestão da Aprendizagem Escola II - GESTAR II como proposta de política educacional de formação docente, elaborada com o intuito de fazer uma intervenção na escola que altere o quadro de insucessos do processo ensino-aprendizagem, particularmente no âmbito da leitura e escrita, apresentados por diferentes 3 Das dissertações: Vanda Rocha (2011) - Universidade Federal do Ceará. Título: “Gestar II Língua Portuguesa: Concepções de professores das escolas municipais de Fortaleza” – Mestrado Acadêmico em Educação; Thais Veiga (2011) – Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Título: “O ensino de Gêneros Textuais no programa Gestão da Aprendizagem Escolar II” – Mestrado Acadêmico em Estudos de Linguagens; Miguel Alves (2011) – Universidade Federal de Mato Grosso. Título: “Dizeres de professoras em relato da prática pedagógica: O Gestar II em foco” – Mestrado Acadêmico em Estudos de Linguagem; Ariane Melo (2011) - Universidade Federal de Mato Grosso. Título: “A internet nossa de cada dia: Efeitos identitários na mobilização subjetiva para a aprendizagem de Língua Inglesa” - Mestrado Acadêmico em Estudos de Linguagens; Glaucia Costa (2011) – Fundação Universidade Federal de Sergipe. Título: “A formação continuada de professores de Português – uma abordagem discursiva do Gestar II” – Mestrado Acadêmico em Letras; Lívia Silva (2012) – Universidade Federal de Goiás. Título: “A disciplinarização docente” – Mestrado Acadêmico em Letras e Linguística; Rute Silva (2011) – Universidade Federal de Mato Grosso. Título: “Gestar II: Desafio das práticas de escrita em material de formação continuada do professor de Língua Portuguesa” – Mestrado Acadêmico em Estudos de Linguagem; Ivana Sacramento (2011) – Universidade do Estado da Bahia. Título: “Percursos de letramento de professoras: movimentos entre o lar, a formação e o ensino”- Mestrado Acadêmico em Crítica Cultural. Das teses de doutorado: Márcia Esbrana (2012) – Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Título: “A constituição do sujeito professor e sua aprendizagem em situação de formação continuada” – Doutorado em Educação; Joelma Bressanin (2012) – Universidade Estadual de Campinas. Título: “Políticas de formação continuada de professores em Mato Grosso do Sul: uma análise discursiva do programa Gestar” – Doutorado em Linguística. 17 instrumentos de avaliação, nacionais e internacionais. Nessa análise, consideram-se indicadores como a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar/ANRESC, conhecida como Prova Brasil, o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), bem como resultados da pesquisa realizada “Retratos da Leitura no Brasil”, desenvolvida pelo Instituto Pró-Livro/Câmara do Livro no Brasil. Subsidiam essas análises e discussões os documentos oficiais do Programa Gestar II e os Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como as contribuições teórico-críticas de Bernard Charlot (2000), Maria de Lourdes Dionísio (2014), Marisa Lajolo (2012) Márcia Abreu (2001; 2003) e Magda Soares (2010). Considerando que um programa de formação continuada intenta uma atualização profissional, visando aprofundar questões relacionadas ao exercício da docência, para que o professor contribua com o processo de ensino-aprendizagem, ainda nesta seção o programa Gestar II, em seu formato semipresencial, é analisado, buscando apoio nos estudos de Preti (2000), Neder (2000) e Magnavita (2003), os quais fazem uma crítica sobre educação à distância que costuma oferecer modelos pedagógicos aplicáveis a tudo e a todos. Em seguida, a discussão trata da formação docente no Brasil na perspectiva de Bernardete Gatti (2008), pesquisadora que questiona os princípios de uma formação continuada que se restringe a uma correção de percurso formativo. Na segunda Seção – “Nos guias e manuais, a concepção do programa” – tem-se uma apreciação da gênese do Programa Gestar II de Língua Portuguesa, tomando como ponto de partida o Guia Geral, uma carta de intenção orientando o funcionamento do curso, sua organização e etapas. Em seguida, busca-se depreender uma concepção de ensino de literatura nos “textos de apresentação” do Guia Geral e dos Cadernos de Teoria e Prática e da ementa da disciplina Língua Portuguesa. Nessa discussão, considera-se a configuração dos manuais didáticos atuais, elaborados com o fim de atender, num contexto de expansão do ensino público, ao trabalho docente. São considerados ainda a organização e os objetivos dos Cadernos de Teoria e Prática, de modo a depreender o lugar dado à literatura, minimizado, pela ênfase dada do Gestar no ensino da língua. Contempla-se também a entrada das teorias linguísticas nos currículos escolares, desde os anos 1980, que, respaldadas na crença da cientificidade, ganham espaço no estudo das línguas, enquanto o ensino de literatura vai perdendo força, por ser tida como um saber que não produz os discursos da verdade, como adverte Foucault. São também acolhidas as reflexões de Regina Zilberman (2009), em suas críticas à sua pedagogização, de 18 Inara Ribeiro Gomes (2010), por discutir fatores externos e internos que deslocam o prestígio da literatura, como um saber a ser ensinado, e Regina Janiaki Copes (2007), que problematiza programas de políticas públicas de incentivo à leitura. Na terceira e última Seção – “Nas páginas dos Cadernos, um gênero chamado literatura” – busca-se compreender a concepção de literatura no Programa Gestar II, analisando os Cadernos de Teoria e Prática, considerando a literatura um conteúdo que se destaca nos manuais como uma escrita marcada pela especificidade do literário, particularmente expressa essa singularidade nas elaborações conceituais e definições apresentadas sobre o “que é literatura”. Consideram-se ainda as atividades propostas para trabalhar os textos literários. Para a discussão torna-se imprescindível entender os processos de escolarização da literatura no Programa Gestar II. Para tanto, têm-se as contribuições de pesquisadores como Basil Bernstein (1996), Marcuschi (1996), Magda Soares (2011), (2012), Silvana Oliveira (2009), entre outros. A despeito da singularidade do literário, da sua especificidade, como ressaltado nos Cadernos de Teoria e Prática, a literatura aí se apresenta aprisionada por um aparato teórico-conceitual escolarizado, o que culmina numa simplificação dos conteúdos e de um saber ensinado, flagrante nas tentativas de caracterização da linguagem literária e dos gêneros. Por acreditarmos no valor da literatura na formação dos sujeitos, consideramos as reflexões de Roland Barthes (2007) e Tzvetan Todorov (2012) para que se repense o ensino de literatura, particularmente em um Programa de formação, que deveria ser um espaço de reflexão sobre os saberes escolarizados e as práticas docentes, de modo a se construir novos conhecimentos. Dito isso, com esta investigação pretende-se contribuir para o conhecimento das realidades que estão postas pelo Programa Gestar II frente ao ensino de literatura na escola e avaliar até que ponto um Programa de formação continuada favorece a manutenção de práticas sedimentadas de ensino. Sem um olhar crítico, de desconfiança para os ditos, perde-se a oportunidade de pensar em práticas inovadoras de ensino. Aí sim podemos assegurar a força libertadora da literatura, preservando assim a sua função social. 19 1 CRENÇAS E FORÇAS DE UMA GESTAÇÃO Criado em 2004 pelo Ministério da Educação (MEC), em uma ação conjunta com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, o Programa Gestar II faz parte da política nacional de formação continuada para professores, visando promover a melhoria do processo de ensino e aprendizagem, através da atualização dos saberes profissionais dos professores dos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática.4 A proposta inicial do Ministério da Educação originou-se em 2001 com a criação do GESTAR I, o qual visa à formação continuada dos professores do 2º. ao 5º. ano do Ensino Fundamental da rede pública escolar. O MEC define o programa como uma proposta capaz de desenvolver a competência e a autonomia dos professores em suas práticas pedagógicas, visando à construção de conteúdos e, sobretudo, ao desenvolvimento da linguagem escrita e da linguagem matemática. Os Programas Gestar I e II foram criados inicialmente para atender às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, as quais apresentam, historicamente, altas taxas de analfabetismo e baixa escolaridade em função da má distribuição de renda por regiões, decorrentes do descaso político, responsável por estigmatizar tais regiões como os espaços pobres do país, vitimados pelo flagelo da seca e da pobreza. Em 2008, a Secretaria de Educação Básica estendeu a abrangência do programa para as demais regiões, tendo em vista as pressões internacionais frente aos resultados negativos dos estudantes brasileiros, forçando o governo a investir em políticas de formação continuada, pelo entendimento de que a má formação docente é uma das causas do fracasso escolar dos alunos. 4 A fundamentação legal do GESTAR II visa atender às disposições legais da Constituição Federal, especificamente do artigo 214, que estabelece o Plano Nacional de Educação com a finalidade de elevar o nível da qualidade do ensino no país, e a Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001, a qual estabelece a necessidade de atingir, no menor prazo, as metas previstas para a educação básica no Plano Nacional de Educação (PNE). Além disso, tem como desafio alcançar, em 2022, um nível de desenvolvimento da educação básica equivalente à média dos países integrantes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Nesse cenário, emerge para atender às disposições da Política Nacional de Formação de Profissionais da Educação, instituída pelo Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, que estabelece orientações para a formação de professores no âmbito do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). 20 Em meio a uma série de insucessos da escola, apresentados por diferentes instrumentos de avaliação, nacionais e internacionais, destacam-se os baixos índices dos alunos brasileiros em proficiência da leitura e da escrita. Expostos esses índices, emerge a necessidade de políticas educacionais voltadas para a formação continuada do professor, a exemplo do programa Gestar II. Assim, o Programa Gestão da Aprendizagem Escolar II – Gestar II - soma-se a tantos outros propostos com o intuito de superar um quadro negativo, diagnosticado como fracasso, do ensino público do país. Tem sido frequente nessas políticas a responsabilização dos professores e dos alunos por tal “fracasso”, o que oblitera questões de ordem estrutural do sistema educacional, envolvem a má administração dos recursos públicos. Assim, a criação de políticas educacionais no Brasil, a exemplo dos programas de avaliações da educação e de políticas de formação continuada de professores, entre outras, visa reparar os índices do “fracasso” escolar, que historicamente acompanha o ensino, desde sua expansão, a partir dos anos 1970, para os segmentos sociais e culturais diversos. Tal expansão, acentuada pelas políticas inclusivas desde o início do século XXI, não tem sido acompanhada de qualidade. Ao contrário, está marcada pela precarização da infraestrutura e das condições do trabalho docente, a qual se perpetua até os dias atuais, um histórico que expõe os altos índices de evasão escolar ou baixo desempenho dos alunos nas avaliações formais promovidas pelas escolas. 1.1 Na lousa, os dados do “fracasso” No Brasil, ganham visibilidade muito grande na mídia os resultados do baixo desempenho dos estudantes no processo ensino-aprendizagem, quase sempre identificado como um fracasso do indivíduo, nesse caso o aluno, e atribuído à falta de compromisso e responsabilidade dos professores. Esse quadro chama a atenção de órgãos internacionais, a exemplo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), da Organização das Nações Unidas (ONU) e Banco Mundial, os quais, por sua vez, pressionam as autoridades políticas brasileiras para proporem estratégias de correção de tais índices, sob pena de 21 receberem sanções no cenário internacional. Os referidos órgãos, inseridos no contexto capitalista, não só financiam as políticas públicas educacionais, como participam da sua elaboração e implementação, definindo princípios e ações para o campo educacional. Para entender esse suposto fracasso, tão explorado pela mídia e endossado pela sociedade de um modo geral, é interessante analisar as forças ou princípios que levam à criação de instrumentos de avaliação que “medem” as capacidades dos alunos. De antemão, não se pode perder de vista a crítica de Bernard Charlot (2000) acerca do “fracasso escolar”. Para esse educador, trata-se de uma construção ideológica e genérica, utilizada para denominar o fracasso do aluno, do professor e da escola pública, “um modo cômodo para designar um conjunto de fenômenos que têm, ao que parece, algum parentesco [...]” (CHARLOT, 2000, p. 16). Para o autor, não há fracasso escolar: “o que existe, são alunos fracassados, situações de fracasso e histórias escolares que terminam mal” (CHARLOT, 2000, p. 16). Por esse entendimento, o fenômeno do fracasso é desnaturalizado. Frente à necessidade do acompanhamento e monitoramento da educação brasileira, o Ministério da Educação criou em 1990 o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos, o que é um modo de minimizar os índices do chamado fracasso escolar. O MEC justifica a criação das avaliações de aprendizagem como instrumentos que podem definir ações voltadas ao aprimoramento da qualidade da educação no país e à redução das desigualdades existentes, promovendo, por exemplo, a correção de distorções e debilidades identificadas e direcionando seus recursos técnicos e financeiros para áreas identificadas como prioritárias. O SAEB compreende três avaliações em larga escala: a) Avaliação Nacional da Educação Básica/ANEB, aplicada de maneira amostral entre alunos das escolas públicas e particulares das zonas urbanas e rurais, do 5º ano e 9º ano do Ensino Fundamental, e no 3º ano do Ensino Médio. Esta avaliação tem o foco nas gestões dos sistemas educacionais; b) Avaliação Nacional do Rendimento Escolar/ANRESC, conhecida como Prova Brasil, uma avaliação censitária, extensa e detalhada com foco em cada unidade escolar, aplicada bianualmente pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) entre alunos do 5º e 9º ano do 22 ensino fundamental das escolas públicas das redes municipais, estaduais e federal. 5 c) Avaliação Nacional da Alfabetização/ANA, também censitária, é aplicada anualmente entre os alunos do 3º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas, visando avaliar níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa, alfabetização Matemática e condições de oferta do Ciclo de Alfabetização das redes públicas.6 Considerando os resultados da penúltima avaliação da Prova Brasil, em 2011, dos alunos do 5º e 9º ano, a média nacional das proficiências de Língua Portuguesa dos alunos do 5º ano do Ensino Fundamental foi de 190,58. A média de pontos por regiões foi a seguinte: a) Distrito Federal: 209,66; b) Sudeste: 201,56; c) Sul: 199,39; d) Centro-oeste: 197,79; e) Norte: 176,66; f) Nordeste: 174,55, onde se destaca a Bahia com 174,25 pontos. Entre os alunos do 9º ano, média nacional, 243,00. Os resultados por regiões registraram a seguinte proficiência: a) Distrito Federal: 254,63; b) Sudeste: 251,13; c) Sul: 249,26; d) Centro-oeste: 245,66; e) Norte: 233,07; f) Nordeste: 229,43, em destaque também a Bahia com 229, 4 pontos.7 Nos testes aplicados os estudantes respondem a questões de Língua Portuguesa, com foco em leitura, e Matemática. No tocante à escala de proficiência de Língua Portuguesa do 5º e 9º ano, a literatura se faz presente nos conteúdos ou atividades sobre gêneros textuais. Contudo, os níveis de aprendizagem requeridos são medidos pela capacidade que têm os alunos de localizarem informações no texto e realizarem atividades linguísticas, a exemplo da competência leitora aferida no 5º e 9º ano (Nível 2:150 -175): ” a) localizar informação explícita; b) identificar o tema de um texto; c) inferir informação em texto verbal (características do personagem) e não- verbal (tirinha); d) interpretar pequenas matérias de jornal, 5 Conforme o INEP (2011), a Prova Brasil visa atender à demanda dos gestores públicos, educadores, pesquisadores e da sociedade em geral por informações sobre o ensino oferecido em cada município e escola. O objetivo específico desta avaliação é auxiliar os governantes nas decisões e no direcionamento de recursos técnicos e financeiros, como orientar a comunidade escolar no estabelecimento de metas e na implantação de ações pedagógicas e administrativas, visando à melhoria da qualidade do ensino. 6 A Avaliação da Alfabetização Infantil, conhecida como Provinha Brasil, uma avaliação diagnóstica, visa investigar o desenvolvimento das habilidades relativas à alfabetização e ao letramento em Língua Portuguesa e Matemática. Aplicada duas vezes ao ano (no início e no final), a avaliação é dirigida aos alunos que passaram por, pelo menos, um ano escolar dedicado ao processo de alfabetização. A Provinha Brasil é elaborada pelo INEP e distribuída para todas as secretarias de educação municipais, estaduais e do Distrito Federal. Sua adesão é opcional, e a aplicação fica a critério de cada secretaria de educação das unidades federadas (INEP, 2011). 7 Os resultados da última edição da Prova Brasil, em 2013, foram divulgados em novembro de 2014 através de boletins online, por escola. Até o momento, não foi divulgada a sinopse do INEP com as tabelas de média das proficiências por área do conhecimento, dependência administrativa, regiões e estados. Assim, só é possível cada escola conhecer seu próprio resultado. 23 trechos de enciclopédia, poemas longos e prosa poética; e) identificar o conflito gerador e finalidade do texto”. Os estudantes que não conseguem realizar tais atividades no texto não alcançam a média desejável nesta avaliação (INEP, 2011). Os resultados da Prova Brasil 2011 são retratos de uma realidade que persiste no País, a desigualdade social que, durante décadas, segregou algumas regiões brasileiras. Ao observar os números dessa avaliação, nota-se a permanência de um ranking entre os estados, uma vez que as maiores pontuações estão mantidas nas regiões sul e sudeste, além do Distrito Federal. Assim, esses resultados acabam por reforçar um discurso, que é preconceituoso, da superioridade destas regiões em relação às regiões com baixos índices de competência leitora. Critérios semelhantes aos da avaliação da proficiência de Língua Portuguesa dos alunos encontram-se no Programa Internacional de Avaliação de Alunos/PISA, desenvolvido e coordenado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apontado como um importante instrumento de avaliação internacional da educação dos países participantes. Embora o Brasil não faça parte da OCDE, tem participado como convidado desde sua primeira aplicação em 1998. A avaliação do PISA é aplicada a cada três anos a alunos de 15 anos de idade nas áreas de linguagem, matemática e ciências. Gestores escolares e professores também participam e são avaliados através de questionário. No Brasil, o PISA é coordenado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), criado com o objetivo de produzir indicadores que contribuam para a discussão da qualidade da educação nos países participantes, de modo a subsidiar políticas de melhoria do ensino básico. A avaliação aborda múltiplos aspectos dos resultados educacionais, buscando verificar o letramento em leitura, matemática e ciências, considerando os conteúdos ou estruturas que os alunos precisam adquirir em cada área e observando a competência para aplicar tais conhecimentos em seus devidos contextos. A avaliação do letramento em leitura é realizada através de três características principais: Situação (contexto), Texto e Aspectos. A matriz de avaliação de leitura para a edição 2012 do PISA distingue quatro tipos de situação de leitura, considerando principalmente o propósito com que o texto foi elaborado: a) pessoal – um tipo de leitura que atende aos interesses dos indivíduos. Os conteúdos incluem cartas pessoais, textos de ficção, biografias e informativos lidos por curiosidade, como parte de atividades recreativas. No meio digital inclui a troca de e- 24 mails, mensagens instantâneas e blogs pessoais: b) público – este tipo de leitura permite a participação em atividades amplas na sociedade. Inclui documentos oficiais, assim como informações sobre eventos públicos, notícias de interesse da coletividade, e sítios de notícias públicas; c) educação – textos desenhados especificamente para uso no ambiente escolar com o propósito instrucional. As atividades destes textos geralmente são voltadas para a aquisição de informação como parte de um processo de aprendizagem mais amplo; d) ocupacional – textos associados ao local de trabalho, voltados ao “ler para fazer”. De acordo com o PISA, a finalidade da leitura prevalece sobre o uso que é feito do texto. Por exemplo, um texto literário normalmente é caracterizado como pessoal, embora seja amplamente utilizado no ambiente escolar (INEP, 2013). Para efeitos de avaliação, o PISA distingue itens que devem ser enfocados com mais ênfase, os quais foram agrupados em três principais aspectos que compõem as sub escalas de Leitura, e um quarto aspecto (complexo) combina e depende desses três. 1) Localizar e recuperar informação; 2) Integrar e interpretar; 3) Refletir e analisar; 4) Complexo - algumas atividades de texto digital foram classificadas como complexas devido à maior liberdade que esse meio permite e cujas atividades não são facilmente definidas (INEP, 2013). A matriz de referência do PISA 2012 faz uso do texto literário para a aquisição de informações, com fins de letramento linguístico, minimizando a importância da dimensão estética e fruidora que a leitura de obras literárias propicia. Essa compreensão de leitura compromete o lugar da literatura nesta avaliação, pois falar de competência da leitura evoca pensar os usos que se faz da literatura. Em 2012, a avaliação do PISA contou com a participação de 18.589 alunos, apresentando um resultado negativo de 410 pontos. 8 Na Bahia, os resultados de 2012 somaram 388,0 contra 396,8 em 2009, demonstrando que o rendimento dos estudantes baianos caiu. No cenário internacional, o Brasil ocupa 58ª posição do ranking de leitura, entre 65 países que fizeram a prova, abaixo de países como Chile, Uruguai, Romênia e Tailândia. Cabe ressaltar que quase metade (49,2%) dos alunos brasileiros não alcançou o nível 2 de desempenho, na avaliação que tem o nível 6 como teto. Isso significa, conforme os critérios estabelecidos pela OCDE, que esses alunos não são capazes de deduzir informações do texto, de estabelecer 8 O resultado anterior, em 2009, contou com a participação de 20.127 alunos, e um total de 412 pontos, observou-se que o número de participantes diminuiu e os resultados também. 25 relações entre diferentes partes do texto, dentre outros procedimentos básicos de leitura. Para uma melhor definição desses procedimentos de leitura, têm-se as proposições do PISA sobre a concepção de leitura do programa: O letramento em leitura inclui um largo conjunto de competências, que vão da decodificação básica ao conhecimento de palavras, estruturas e características linguísticas e textuais ao conhecimento sobre o mundo. Inclui também competências metacognitivas, como clareza e habilidade para utilizar uma variedade de estratégias apropriadas para a compreensão de textos. A leitura é vista como um processo “ativo”, que implica não apenas a capacidade para compreender um texto, mas a capacidade de refletir sobre ele e de envolver-se com ele, a partir de ideias e experiências próprias (BRASIL, 2012, p. 38). No Brasil, os resultados do PISA exerceram forte influência nas políticas educacionais brasileiras, principalmente na educação básica, culminando em propostas como Gestar II (2004), Programa de Formação de Gestores Escolares da Educação Básica (2005), Ensino Médio Inovador (2009), Programa Mais Educação (2010), Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (2012), Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio (2013), entre outros. Além da implantação desses programas, tais resultados motivaram a criação de algumas organizações sem fins lucrativos que objetivam mapear a realidade da leitura no país, além de proporem ações que visam sanar as distorções apontadas nas avaliações nacionais e internacionais9 Esses instrumentos de avaliação são muitas vezes questionados nos princípios, valores ou metodologias que os orientam. Tais modelos, elaborados com fins de controle da qualidade educacional, são regulados por movimentos de homogeneização e padronização, é o que afirma Maria de Lourdes Dionísio (2014), ao analisar o “lugar” da literatura em três avaliações internacionais no âmbito da leitura10, a partir do seu contexto, Portugal. A despeito de ser um estudo de outra 9 O INAF/Indicador de Alfabetismo Funcional, por exemplo, uma iniciativa do Instituto Paulo Montenegro, avalia os níveis de alfabetismo funcional da população adulta brasileira. Esse Instituto é uma organização sem fins lucrativos, criada em 2000, pelo Grupo IBOPE como parte do programa de responsabilidade social da empresa, com o objetivo de desenvolver ações que contribuam para a melhoria da qualidade do sistema de ensino no país. Nesta pesquisa, são consideradas as habilidades e práticas de leitura, escrita e de cálculo dos brasileiros entre 15 e 64 anos de idade. 10 São elas: PIAAC – Programa para a Avaliação Internacional das Competências dos Adultos; PISA Programa para Avaliação Internacional de Estudantes, já discutido acima, e o PIRLS – Estudo Internacional sobre o Progresso em Alfabetização e Leitura, o qual avalia exclusivamente a 26 realidade, as reflexões da autora são relevantes para se pensar a nossa realidade, uma vez que os desafios da leitura literária transpõem as “barreiras” de cultura e nação, se é que possível falar desses constructos tão frágeis em tempos de globalização e internet. Ao comentar os objetivos do PISA referentes à leitura, Dionísio considera que essas avaliações costumam medir capacidades e competências necessárias à participação da vida em sociedade. Os objetos de leitura valorizados em tais avaliações, afirma a autora, tendem a ser da esfera do cotidiano e no âmbito de usos funcionais dos textos. Assim, não garantem um lugar à literatura, já que se espera desta o cumprimento de sua função de mediadora na formação dos leitores. Tais avaliações representam “um quadro cujo privilégio vai para a eficácia, metas, produtos, e em que, portanto, a literatura, lugar do indeterminado e difuso, sem lugares de chegada nem respostas convergentes, poderá não ter lugar” (DIONÍSIO, 2014, p. 101). Para a autora, o foco funcional tem negligenciado a singularidade da literatura: “pouca atenção tem sido prestada às especificidades da compreensão de textos literários e aos processos cognitivos, motivacionais e emocionais dos processos que lhes estão subjacentes” (p.100). Contudo, contrariamente aos objetivos de leitura na perspectiva funcional, Dionísio observa que na tabela da OCDE de 1999 – que trata da relação entre esferas de leitura, posição dos sujeitos na atividade, finalidade e textos – só 16% das tarefas dizem respeito às práticas de leitura da esfera laboral/ocupacional, enquanto as práticas de leitura referentes às práticas sociais da esfera privada, da esfera pública e educacional e de formação ocupam 28% cada uma, o que é positivo. Esse estudo constata ainda que nos testes aplicados (PIAAC, PISA, PIRLS) há forte presença da literatura nas avaliações do desempenho das crianças, enquanto tal presença ocorre em menor intensidade nas avaliações do desempenho dos adolescentes e adultos. [...] parece ser possível dizer que a leitura literária que ressalta das avaliações está próxima das conclusões de estudos de outros discursos: a de ser uma atividade sobretudo infanto-juvenil. E também escolar, na medida em que aparece como parte competência de leitura de crianças do 4º ano de escolaridade. No Brasil, o PIAAC e o PIRLS não são aplicados. 27 complementar de um processo educativo formal (DIONÍSIO, 2014, p. 176). De suas análises, conclui o seguinte: Geradas em contextos de novos mercados e economias, onde ressaltam conceitos e fenômenos como competitividade, flexibilização, responsabilização, qualidade e quantidade, as avaliações de literacia11 parecem à primeira vista não ser lugar para acolher a literatura e a experiência da sua leitura, como no início dissemos. Mas como se verificou, a literatura acaba por “andar por lá”. Das várias funções que se lhe têm atribuído, a de desenvolvimento de competências cognitivas é a que esses discursos reproduzem, em coerência, aliás, com os objetivos dessas avaliações que visam informar os sistemas educativos sobre os melhores caminhos para serem parte de economias mais eficazes e competitivas. Embora contribua para alargar, em alguns contextos, o entendimento de literacia, muitas vezes confinado a competências básicas, indispensáveis para “funcionar” em sociedade, talvez não seja ainda possível dizer que a leitura literária é já aqui “uma competência socialmente relevante” (DIONÍSIO, 2014, p. 116). Nesse contexto de novos mercados e economias, é realizada a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, tendo sua 1ª. edição divulgada em 2001, promovida pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), Câmara Brasileira do Livro (CBL), Associação Brasileira de Editores de Livros (ABRELIVROS) e Associação Brasileira de Celulose e Papel (BRACELPA). A partir da 2ª. edição, em 2008, a pesquisa passou a ser de responsabilidade do Instituto Pró-Livro/IPL, criado em 2006 como uma associação de caráter privado e sem fins lucrativos, mantida com recursos constituídos, principalmente, por contribuições de entidades do mercado editorial (SNEL, CBL, ABRELIVROS).12 A 3ª. edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada entre 11 de junho e 3 de julho de 2011, ouviu 5.012 pessoas, em 315 municípios, com uma 11 No Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, uma edição portuguesa online,o verbete “literacia”, do inglês literacy, substantivo feminino, tem as seguintes definições: “1. capacidade de ler e de escrever; 2. Capacidade para perceber e interpretar o que é lido. Sinônimo geral: Letramento”.(2013). Disponível em: http://www.priberam.pt/DLPO/literacia. De emprego comum no português de Portugal, também significa alfabetização ou alfabetismo. 12 Sua criação foi uma resposta do mercado editorial a compromisso assumido entre representantes do governo e entidades do livro frente à desoneração fiscal, tendo como objetivo principal o fomento à leitura e à difusão do livro. Por isso, o IPL desenvolve projetos próprios ou apoia programas e projetos desenvolvidos por outras organizações sem fins lucrativos ou órgãos públicos por meio de financiamento, assessoria ou doações. 28 população brasileira residente com 5 anos ou mais, independente de serem alfabetizadas ou não. Feita a cada três anos, essa pesquisa conta com a parceria do IBOPE Inteligência13 para fazer um levantamento nacional do número de brasileiros considerados leitores, nesse caso, entrevistados que haviam lido ao menos um livro, inteiro ou em partes, nos três meses que antecederam a pesquisa. Além de serem utilizados como diretriz de formulação de políticas públicas para correção dos índices de uma crise da leitura, esses resultados ganham credibilidade da mídia e parte da sociedade civil, que a veem como o maior e mais completo estudo sobre o comportamento leitor do brasileiro de todas as regiões do País. Conforme dados apontados pela 3ª.edição, o índice de leitores oscilou negativamente da 2ª edição, de 2007, para esta, passando de 55% para 50%. Essa oscilação ocorreu em praticamente todas as regiões, com exceção do Nordeste, onde permaneceu estável. Quando abordados apenas os estudantes (64% da população), o número de exemplares de livros lidos chega a 3,41 nos últimos três meses. Desse índice, 2,21 livros são indicados pela escola, sendo divididos em 1,72 livros didáticos e 0,49 de literatura. Os estudantes revelam que leem 1,20 livros por iniciativa própria, divididos entre literatura (0,47), Bíblia (0,15), livros religiosos (0,11) e outros gêneros (0,47). Estatisticamente, tem-se o seguinte percentual: livros indicados pela escola representam 47%. Desse total, 30% são didáticos e 17%, de literatura. Desse modo, a 3ª.edição da pesquisa constata que os brasileiros leem em média quatro livros por ano, entre literatura – contos, romances –, livros religiosos e didáticos. Desse total, os brasileiros leem 2,1 livros inteiros por ano e dois em partes. Ainda de acordo com essa edição, o Brasil é composto por 50% de leitores, cerca de 88,2 milhões de pessoas. Frente aos resultados da 3ª. edição, Marisa Lajolo (2012) levanta alguns questionamentos acerca da metodologia aplicada a tal pesquisa. Inicialmente, problematiza a representatividade da amostragem, um total de 5.012 brasileiros entrevistados, a despeito de se ter quase duas centenas de milhões de brasileiros no País, além de ser um número muito próximo da tiragem de 1ª. edição de um livro. A autora ressalta o fato de que este número é bastante próximo de tiragens de romances de José de Alencar e Machado de Assis no século XIX. 13 O IBOPE Inteligência é unidade de negócios do IBOPE ,a maior empresa privada de pesquisa da América Latina e a 13ª maior do mundo, que há mais de sete décadas observa, descreve, mede e monitora a América Latina. 29 Lajolo aventa algumas hipóteses possíveis para explicar o declínio no número de leitores em relação à pesquisa de 2007. Primeiro, deve-se considerar a transferência de valores implícitos nas perguntas para as respostas fornecidas. Ainda que a pesquisa de 2011 tenha alterado a ordem das questões, a negociação de imagens entre entrevistador e entrevistado pode afetar a credibilidade das respostas fornecidas. Sem falar que a alteração de sequências das questões tornou a avaliação de 2001 mais sensível, portanto, capaz de levantar dados mais rigorosos do que o levantamento de 2007, ou talvez pela rígida definição do objeto livro que se adotou na pesquisa atual. Lajolo ressalta ainda que é preciso considerar a complexidade do universo da linguagem, pois é sempre arriscado entender literalmente o que se ouve, uma vez que a linguagem oral, tanto quanto a linguagem escrita, tem suas entrelinhas.14 Também Márcia Abreu (2001) levanta algumas questões acerca dos resultados da 1ª. edição da pesquisa “Retrato da Leitura no Brasil” 15, feita em 2001. Guardadas as devidas proporções entre a pesquisa de 2001 e a 3ª. edição, em 2011, as considerações da autora ainda são pertinentes. Decorrida uma década, embora se tenham observado alguns avanços na proficiência da leitura no país, muito ainda há para se conquistar. Portanto, suas críticas ajudam a compreender os problemas que tais resultados não trazem. A autora chama a atenção para o fato de a pesquisa ser encomendada por empresários do setor livreiro, os quais visam os compradores de livros. Portanto, a pesquisa leva em conta, entre outras questões, o número de compradores de livros e não o de leitores, deixando de pontuar, assim, aqueles leitores que leem através de empréstimos em bibliotecas ou em acervos de escolas. Na 3ª. edição, os resultados mostram que a principal forma de acesso ao livro é através da compra (48%), o que pode revelar uma sensível melhora na condição social do brasileiro. Para Márcia Abreu (2001), a 1ª. edição da pesquisa acabou por revelar algumas questões, à medida que se constata que os leitores brasileiros demonstram apreciar os livros, creditando neles valor para fazer a vida melhorar. Se assim o é, afirma a autora, não é necessário fazer campanhas de incentivo à leitura para divulgar a ideia de que ler é um prazer e faz bem às pessoas. Elas já acreditam 14 A autora propõe o entrecruzamento de dados da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil” com outras sobre o universo da leitura como forma de superaras possíveis falhas da metodologia adotada. 15 Na 1ª. edição, o nome da pesquisa era “Retrato da leitura no Brasil” e não Retratos da leitura no Brasil, no plural. 30 nisso. Em sua opinião, o que se faz necessário é criar condições sociais para que o desejo de ler se torne realidade. E isso só é possível enfrentando as desigualdades sociais do Brasil. Ainda, é preciso possibilitar a toda população o acesso a escolas de qualidade e distribuir melhor a renda, não só para que mais gente possa comprar livros, mas para que mais gente permaneça na escola por mais tempo. As ponderações da autora exigem que se pense o diagnóstico que se tornou lugar comum: a de que se vive uma crise de leitura. Para Abreu (2003, p. 40), “aqueles que apregoam a crise da leitura não pensam na leitura em geral, e sim na leitura de certo tipo de livros – aqueles que formam a tradição erudita nacional e internacional”. Ignoram, assim, outras formas de leitura, novos suportes, produzidos pela cultura digital, por exemplo. É preciso considerar os diferentes modos de ler, principalmente, na faixa etária dos jovens entre 11 anos e 17 anos, período apontado pela pesquisa como aquele em que se verifica menos tempo dedicado à leitura de livros, até mesmo como obrigação escolar. Ressalte-se que essa faixa etária representa uma geração nascida na era da cultura digital, e, portanto, usam outros suportes de leitura que não o livro impresso, a exemplo das mídias, o que não significa dizer que os jovens leiam menos. Os dados do “fracasso” sobre a proficiência em leitura, expostos por essas avaliações, têm sido veiculados pela mídia como um veredito final, a última palavra em termos de resultados referentes às práticas de leitura no Brasil. Contudo, para muitos estudiosos, escapam a essas investigações um rigor nas análises e uma perspectiva de abordagem que considere os contextos socioculturais. Afirma Magda Soares (2010, p. 9): “a ausência ou quase ausência da perspectiva antropológica, em estudos, pesquisas e ações de letramento em nosso país, cria uma lacuna que me parece séria”. Continua: Lacuna de estudos, pesquisas e ações não propriamente sobre diferentes culturas, o que só se aplica, em nosso país, às remanescentes populações indígenas, mas sobre as muitas subculturas que estas, nós as temos, em um país tão grande como o nosso, com tantas e tão marcadas diferenças culturais e linguísticas, entendendo aqui por subculturas as culturas de grupos de diferentes condições sociais e econômicas, com diferentes níveis de acesso aos bens culturais, com diferentes graus de acesso a material escrito, portanto, grupos que atribuem diferentes valores às práticas de leitura e escrita, que vivenciam práticas sociais de leitura e escrita peculiares (SOARES, 2010, p. 9). 31 Assim, corre-se o risco, frente à enxurrada de resultados negativos vinda de todos os lados, de se sedimentarem certas crenças históricas em relação à leitura e ao leitor. Desse modo, não é difícil encontrar professores, que por desconhecerem os usos da leitura e da escrita em diferentes camadas populares, acabam reproduzindo os valores expressos por essas pesquisas – ao reforçarem a ideia de que os brasileiros têm lido menos nas últimas décadas – ao invés de questionarem os métodos de análises empregados e os interesses pessoais ou mercadológicos que contribuem para a realização dessas avaliações. Para Magda Soares (2010), muitos professores, sobretudo os da escola pública, se queixam da pouca familiaridade das crianças das camadas populares com a leitura e a escrita, e atribui isso à falta de livros e material escrito, em geral, em seu contexto familiar, social e cultural. A autora amplia o entendimento dessa questão: Na verdade, o que nos falta é conhecer os usos da leitura e da escrita nessas camadas, suas diferenças em relação aos usos escolares, que são aqueles valorizados pelas camadas hegemônicas. Ou seja: o que nos falta são estudos e pesquisas na perspectiva antropológica dos eventos de letramento em camadas populares, estudos e pesquisas que venham esclarecer as diferenças nas relações com a cultura escrita entre as diferentes subculturas a que pertencem os alunos presentes nas salas de aula (SOARES, 2010, p. 9). Infelizmente, no Brasil, o olhar para as práticas de leitura ainda tem girado em torno da avaliação, uma vez que, o que se observa, é a necessidade constante de se obter bons resultados. Nessa direção, têm-se as proposições de Magda Soares (2010, p. 10): Eu diria que temos avaliado muito, e pesquisado pouco ou nada, sobre as causas e as circunstâncias que podem explicar os baixos resultados ou o fracasso das nossas crianças em leitura, os baixos níveis de letramento da população jovem adulta. Uma primeira implicação para os estudos e as pesquisas na área de alfabetização e letramento é, pois, a necessidade de pesquisas sobre as causas e os determinantes desses baixos níveis de alfabetização e de letramento de alunos, de crianças, e da população em geral. Diante desse contexto de baixo desempenho dos estudantes brasileiros nas áreas de linguagem e matemática, constatado pelos indicadores das avaliações 32 internas e externas que introjetam na sociedade o discurso/estratégia de responsabilização docente pelo “fracasso” escolar, Magda Soares chama à responsabilidade os pesquisadores e os formuladores de políticas públicas. Para essa educadora, os pesquisadores não estão conseguindo fazer chegar os resultados das pesquisas às mãos dos formuladores de políticas, os quais têm urgência de soluções: [...] mas é preciso reconhecer que a urgência de soluções exige intervenção imediata, enquanto a pesquisa é lenta. Não se pode ter urgência na pesquisa. A implicação desse descompasso é que talvez caiba a nós, pesquisadores, usar ou descobrir estratégias que façam a ponte entre nossas pesquisas e os formuladores de políticas (SOARES, 2010, p. 12). Para a autora, muitos pesquisadores ainda ignoram temas cuja investigação é necessária para fundamentar políticas ou explicar o fracasso delas. Diante dos maus resultados dos alunos em avaliações de alfabetização e letramento, avaliações realizadas por iniciativa de políticas educacionais, estamos sempre discutindo hipóteses de explicação, mas não a temos submetido à comprovação, por meio de pesquisas. Há pouca ou quase nada de pesquisas que busquem identificar as causas dos resultados negativos das avaliações que vêm sendo feitas no país. Talvez por isso as políticas têm sido medidas emergenciais que não atacam as causas, porque não as temos esclarecido – fixam-se patamares a serem alcançados dentro de um prazo prefixado, obrigam-se as escolas a reformular seus projetos de ensino... e continuamos chegando a maus resultados de alfabetização e letramento (SOARES, 2010, p. 12)16. Considerando as reflexões da autora, o que vem sendo feito para corrigir os índices da proficiência em leitura tem tido pouco impacto, os programas de formação continuada de professores no Brasil. Todavia, se desacompanhados de mudanças estruturais, não reverterão o retrato da leitura no país. Apenas terão um caráter compensatório. 16 Este estudo foi apresentado no I e II Colóquio Internacional sobre Letramento e Cultura Escrita, realizados na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, em 2007 e 2008. 33 1.2 A formação continuada: preenchendo lacunas O Programa Gestão da Aprendizagem Escolar II se insere na política pública de formação continuada em serviço de professores, conforme o que está expresso no Guia Geral do Programa e na Resolução/CD/FNDE nº 35, de 13 de julho de 2009. É um programa de formação continuada semipresencial orientado para a formação de professores de Matemática e de Língua Portuguesa, objetivando a melhoria do processo de ensino aprendizagem. O foco do programa é a atualização dos saberes profissionais por meio de subsídios e do acompanhamento da ação do professor no próprio local de trabalho (BRASIL, 2010, p. 14). A formação continuada em exercício do Gestar II é regulamentada pela Resolução /CD/FNDE nº 35, de 13 de julho de 2009, conforme podemos observar abaixo: I - DO PROGRAMA E SEUS PARTICIPANTES: Art. 2° O GESTAR II tem por objetivo propiciar acesso conhecimentos linguísticos e matemáticos a todos os alunos anos ou séries finais do Ensino Fundamental, por meio capacitação de professores em exercício nesses anos/séries sistemas federais, estaduais e municipais de educação. aos dos da nos Art. 3° O programa GESTAR II, como parte da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica e do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), visa reorientar a prática docente com base em conhecimentos adquiridos pelos professores-cursistas em cursos com carga horária de 300 horas, nos quais se combinam estudo individual e atividades presenciais coordenadas por professores-formadores (tutores). (BRASIL, Resolução/CD/FNDE nº 35, de 13 de julho de 2009). A formação semipresencial do Gestar II é fundamentada pela teoria e pelos pressupostos da educação à distância, que oferece estratégias de estudos individuais. De acordo com Preti (2000), a concepção de formação semipresencial ganhou força aqui no Brasil com a criação da LDB 9.394/96, que a inseriu ao sistema educacional brasileiro, e também através de várias portarias e decretos que foram publicados, buscando oferecer maior esclarecimento acerca dessa modalidade. De acordo com o autor, a concepção de ensino em EAD na Portaria 34 2.494/98 é vista como produto industrial, no sentido da utilização de técnicas e centrada na autoaprendizagem. Segundo Neder (2000), através dessas definições percebe-se que a EAD é compreendida como um meio, uma forma de se possibilitar o ensino. Desse modo, tais definições apontam para o aspecto instrumental, denunciam uma visão de educação não como processo, ou prática social, mas como um sistema – coisa – descolado da realidade socioeconômica e cultural. Essa modalidade de ensino contraria a própria concepção do Gestar II como prática social, evidenciando, assim, um descompasso entre a formação pretendida e a realizada. De acordo com Magnavita (2003), a crítica relativa à EAD surge quando muitas vezes se pensa modelos pedagógicos que sejam aplicáveis a tudo e a todos. Neste sentido, pode se inferir que há um grande desafio para os programas de formação de professores de Língua Portuguesa: como propor um ensino de língua e literatura que fuja desses modelos de homogeneização do ensino? Contudo, sabese que o ensino a distância costuma arrebatar um discurso acalorado quanto à sua eficácia, considerado como uma importante ferramenta para a formação continuada do professor, principalmente para aqueles distantes dos grandes centros de produções do saber. Porém, questiona-se: como garantir a igualdade de direitos à formação continuada a todos os professores da rede pública de ensino, por exemplo, sem, com isso, homogeneizar os sujeitos e tutelar o ensino? Talvez esta seja ainda uma pergunta sem respostas. O Programa Gestar II atesta o crescimento elevado de implementação de políticas públicas para a formação continuada dos professores, sobretudo de Língua Portuguesa da educação básica ao tempo em que comunga de uma crença contemporânea: a de que a atualização da informação e do conhecimento é requisito indispensável à vida profissional dos sujeitos, devido, principalmente à velocidade das transformações tecnológicas, que alteram consequentemente o conhecimento. Embora os termos “informação” e “conhecimento” pareçam sinônimos, entende-se por informação todo conteúdo disponibilizado, seja ele virtual ou não. Porém, essa disponibilidade só se torna conhecimento quando o indivíduo atribui sentidos às informações recebidas. Frente às mudanças no mundo do trabalho, decorrentes das transformações tecnológicas e do conhecimento, Bernardete Gatti (2008) avalia que nos últimos 35 anos do século XX a necessidade da formação continuada se tornou ainda mais urgente, como modo de se atualizar as informações e o conhecimento: [...] tornou-se forte, nos mais variados setores profissionais e nos setores universitários, especialmente em países desenvolvidos, a questão da imperiosidade de formação continuada como um requisito para o trabalho, a ideia da atualização constante, em função das mudanças nos conhecimentos e nas tecnologias e das mudanças no mundo do trabalho. Ou seja, a educação continuada foi colocada como aprofundamento e avanço nas formações dos profissionais. Incorporou-se essa necessidade também aos setores profissionais da educação, o que exigiu o desenvolvimento de políticas nacionais ou regionais em resposta a problemas característicos de nosso sistema educacional (GATTI, 2008, p. 3). Neste sentido, importa destacar a relevância da formação continuada do professor, tendo em vista as muitas exigências e mudanças rápidas de informações que, consequentemente, acarretaram em novas exigências ao trabalho docente, exigindo do professor uma formação contínua. Nessa nova configuração, o professor precisa estar sempre atualizado e informado em relação aos acontecimentos mundiais e em relação aos conteúdos curriculares de sua disciplina. Para isso, é necessário que ele compreenda as múltiplas realidades do trabalho docente, buscando uma formação contínua que lhe capacite a exercer uma prática pedagógica contextualizada, e atenta às especificidades dos sujeitos envolvidos no processo de aprendizagem. Para Bernardete Gatti (2011), tal configuração, exige do professor uma postura profissional que vai além de competências cognitivas, que exige uma adoção de valores e atitudes favoráveis capaz de criar e ensaiar alternativas para transpor os desafios cotidianos que se impõem à prática educativa. Para se compreender a formação continuada, é necessário um entendimento da docência. Assim a consideram Tardif e Lessard (2005), em sua investigação sobre o trabalho docente no cotidiano escolar: [...] uma forma particular de trabalho sobre o humano, ou seja, uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu „objeto‟ de trabalho, que é justamente um outro ser humano, no modo fundamental da interação humana. [...] as condições, as tensões e os dilemas que fazem parte desse trabalho feito sobre e com outrem, bem como a vivência das pessoas que o realizam diariamente (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 8). 36 Assim, é salutar que o professor compreenda o trabalho docente, suas implicações e saberes necessários à sua execução, o que certamente implicaria numa boa formação inicial e numa boa formação continuada. A formação continuada no Brasil vem sendo compreendida sob vários aspectos, de acordo com Bernardete Gatti (2008). Ora como um curso estruturado e formalizado, presencial ou a distância, oferecido após a graduação ou ingresso no magistério, ora vista de modo amplo e genérico, como qualquer tipo de atividade que venha contribuir para o desempenho profissional, a exemplo dos trabalhos coletivos na escola, reuniões pedagógicas, trocas cotidianas com os pares, participação na gestão escolar, congressos, seminários, ou ainda cursos diversos oferecidos pelas Secretarias de Educação ou outras instituições. Neste caso, propõe-se pensá-la como um processo permanente de aperfeiçoamento dos saberes docentes, ou seja, uma formação contínua que acontece logo após a formação inicial. Nesse contexto, vale destacar a criação do Gestar II que, apesar de ter sido elaborado com o intuito de promover uma formação logo após a formação inicial, tem preenchido as lacunas da formação inicial. A exemplo disso, têm-se os testemunhos de muitos professores que relatam desconhecerem muitos conteúdos do componente curricular Língua Portuguesa, a exemplo de “gêneros textuais”, quando fizeram sua formação inicial. Todavia, é importante considerar que a formação continuada não dispensa uma boa formação inicial. Por isso, é de suma importância a criação e implementação de políticas públicas que garantam a qualidade da formação inicial. E, também, precisa estar claro que uma boa formação inicial não descarta a formação continuada. A ênfase na clareza dos limites de cada formação é necessária porque, no Brasil, a formação continuada possui peculiaridades que a distinguem da de outros países. Aqui, assumiu um caráter compensatório que visa preencher lacunas deixadas pela formação inicial. Neste sentido, Gatti (2008) destaca que no País a formação continuada ganhou contornos diferentes daqueles propostos pelos chamados países desenvolvidos, os quais a compreendem como aprofundamento e avanço na formação dos profissionais, tendo em vista a necessidade de atualização constante, em função das mudanças nos conhecimentos e nas tecnologias e, principalmente, das transformações no mundo do trabalho. 37 Assim, no Brasil, para a autora essa proposta ampliou-se e passou a abranger muitas iniciativas que, na verdade, são de suprimento de uma formação precária pré-serviço e nem sempre são de aprofundamento ou ampliação de conhecimentos. Isto é, as iniciativas públicas de formação continuada no setor educacional brasileiro adquiriram forma de programas compensatórios, realizados com a finalidade de suprir aspectos da má-formação docente, alterando o propósito inicial dessa educação, posto nas discussões internacionais. Isso se explica por uma particularidade brasileira: a precariedade em que se encontram os cursos de formação de professores em nível de graduação, em todas as áreas, e, obviamente, no nosso caso, a formação em Letras. As diretrizes curriculares para os cursos da área de letras prevê que a formação docente, em sua proposta ampla, deve formar profissionais culturalmente competentes, capazes de refletir criticamente sobre temas e questões variadas relativos aos estudos literários e linguísticos. Dito em outras palavras, o profissional formado em Letras, em tese, é um intelectual com sólida formação em língua e literatura. Contudo, os cursos dessa área parecem não estar preparando os futuros professores para enfrentarem a realidade das salas de aula do ensino básico, marcada, na contemporaneidade, pela diversidade cultural, pelos avanços tecnológicos e pela presença de novos objetos artísticos e culturais.17 Marcos Bagno (2012) ressalta o anacronismo dos cursos de Letras no País, com suas matrizes curriculares muito parecidas com as dos primórdios de sua criação, no século XIX, orientada pelas belas-letras.18 Para esse pesquisador, muitos conteúdos estão defasados, ao tempo em que se constata um nível de letramento muito baixo dos estudantes da graduação em Letras, boa parte deles trazendo lacunas da Educação Básica, a exemplo de um restrito repertório de leitura de obras literárias, ausência de domínio da norma culta e fragilidades na escrita. Para Bagno (2012), é urgente que os cursos de Letras promovam o letramento dos 17 A última reformulação do projeto pedagógico dos cursos de Letras no país ocorreu em 2002, conforme diretrizes curriculares estabelecidas pela Resolução do CNE/CES/2002. Contudo, tal reformulação manteve, em sua base, a concepção das matrizes iniciais. 18 Em sua conferência de abertura, intitulada “Curso de Letras? Pra quê?”, no VII Encontro Brasiliense de Estudantes de Letras/EBREL, realizada na UNB, em 2012,Bagno chama a atenção para o nome do curso, o qual remonta a uma concepção de educação que vigorava no século XIX. Para esse pesquisador, na contemporaneidade não se justifica a permanência do nome Letras, tendo em vista as constantes revoluções tanto na ciência quanto na sociedade. Assim, ao ingressar no curso de Letras, o estudante encontra uma estrutura acadêmica obsoleta, anacrônica, construída há pelo menos duzentos anos. 38 graduandos. E, para atender às demandas contemporâneas da educação, devem dispor de um projeto político e pedagógico que fundamente a prática da sala de aula. Segundo o autor, a especificidade da licenciatura em Letras é, sobretudo, formar professores de língua portuguesa, literatura e línguas estrangeiras e não grandes escritores e críticos literários, gramáticos e linguistas, filólogos e pesquisadores, ainda que seja possível. Nesse sentido, cabe destacar o papel das universidades, que precisam rever seus programas de ensino, considerando as novas demandas sociais e os contextos socioculturais dos seus graduandos. Tendo em vista o diagnóstico dos cursos de Letras feito por Bagno (2012), pode-se endossar a constatação de que os programas de formação continuada vêm a ser uma correção de percurso e expõem o fosso entre a universidade e a Educação Básica. O fato de a formação continuada adquirir características de programas compensatórios não a transforma necessariamente em um programa refutável. Pelo contrário, é sabido por muitos, principalmente nas últimas décadas, que o Brasil tem criado mecanismos para enfrentar anos de desigualdades sociais e econômicas, rompendo com a noção de mérito tal como o liberalismo clássico o concebeu. Isso não significa dizer que não haja políticas concomitantes para atacar a raiz do problema, a formação inicial. Em relação a isso, o que não se pode conceber é a ausência de uma efetiva política pública de educação básica que garanta a igualdade de oportunidades a todos. Porém, como historicamente esse direito foi negado, principalmente às camadas populares da sociedade, é justo que se implementem políticas de correção até que todos estejam em “pé de igualdade”. Assim, no contexto brasileiro, a formação continuada, nos moldes em que se apresenta, torna-se igualmente importante na formação dos professores. Vale ressaltar que a preocupação com a formação continuada de professores é uma exigência mundial. Para Gatti (2008), isso se explica pela congruência de dois fatores: primeiro, pelas pressões do mundo do trabalho, como já dito anteriormente, que vem se informatizando, e, segundo, pela constatação feita por sistemas de governo, da precariedade do desempenho escolar de grande parte da população. Gatti (2008) destaca alguns documentos internacionais do Banco Mundial que enfatizam a necessidade de mudança, através da reformulação do currículo e da formação continuada do professor. São eles: Programa de Promoção das Reformas Educativas na América Latina (PREAL, 2004), Declaração mundial sobre a 39 educação superior no século XXI (UNESCO, 1998), Declaração de princípios da Cúpula das Américas (2001) e os documentos do Fórum Mundial de Educação (Dacar, 2000). Segundo Gatti (2008, p. 6), em todos eles, “menos ou mais claramente, está presente a ideia de preparar os professores para formar as novas gerações para a “nova” economia mundial e de que a escola e os professores não estão preparados para isso.” Daí a ênfase no trabalho por competências, a serem desenvolvidas com os professores e os alunos. Ressalta a autora: “As ações políticas em educação continuada (em educação em geral) instauraram-se nos últimos anos com essa perspectiva” (p.6). Com relação ao trabalho por competências, já se encontram algumas resistências e questionamentos. Gatti (2008) tece uma crítica ao trabalho estruturado por competências, pois, segundo essa educadora, em última instância, pode-se inferir que ser competente é condição para ser competitivo, social e economicamente. Nos últimos anos, uma visão de educação pautada na ideia de preparar professores que venham a formar novas gerações para a nova economia mundial tem norteado as ações políticas em educação. Neste contexto, Gatti (2008) traz sérias críticas e provocações à formação de professores e alunos baseada na concepção de competência. A equação proposta quando se coloca a questão como foi anteriormente delineada é simples: melhorando a economia, melhoram as condições de vida e pode-se ser mais feliz. A educação ajuda a melhorar a economia, pela qualificação das pessoas para a sociedade do conhecimento e do consumo. Cabe perguntar: essa equação é mesmo verdadeira? É suficiente para uma civilização mais compreensiva, cooperativa, democrática? Por que não se discute a educação como fator de aprimoramento dos humanos para um mundo mais ético? Claro que não estamos descartando a necessidade de uma formação educacional sólida para todos em prol de vagos culturalismos ou modismos emergentes, mas estamos perguntando se, na ordem dos valores, apenas os materiais e econômicos devem prevalecer nas perspectivas educacionais? Onde ficam as preocupações com a formação humana para uma vida realmente melhor para os humanos enquanto seres relacionais e não apenas como homo faber, como homem produtivo? (GATTI, 2008, p. 7). Assim, as competências são postas como metas a serem seguidas, como se fossem ingredientes rotulados para cada função. 40 Colocam-se como metas, como elementos para acrescentar na formação básica ou continuada de professores e alunos, competências e habilidades enunciadas como se fossem ingredientes rotulados, “habilidade tal...”, “competência tal...”, que estão disponíveis, empacotadas e colocadas em uma prateleira para pronto uso. É como se estivesse numa cozinha e dissesse: “põe mais sal no molho, põe mais manteiga no purê...”. A crítica aqui é conceitual, é das práticas históricas e das concepções de ser humano, como também vem do aporte de investigações científicas que nos fazem ter dúvidas quanto à equação “competência XY induzida = sucesso profissional”. Para não dizer da dificuldade em “isolar” uma competência e das dificuldades em definir o constructo “competência”, dificuldade bem mostrada na bibliografia especializada (GATTI, 2008, p.7, grifos do autor). Para Gatti (2008), o discurso da competência e habilidade veio para contornar a dificuldade que se tem até hoje, em certos círculos, de falar em domínio de técnicas para o trabalho docente e formação em tecnologias, que ficou descartada sob o rótulo de tecnicismo, o qual adquiriu ideologicamente sentido pejorativo. Ademais, considera Gatti (2008), é de suma importância destacar o documento brasileiro que regula a educação no país, a LDB 9394/96, a qual trata da necessidade de processos de educação continuada. Nos artigos 67 e 80, encontram-se os deveres e obrigações de cada esfera do poder público quanto à formação continuada. A LDB 9394/96 prevê que os sistemas de ensino deverão promover a valorização dos profissionais da educação, inclusive propondo o licenciamento periódico remunerado para esse fim, devendo o Poder Público incentivar o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada. Gatti (2008, p. 68) ressalta os altos investimentos que têm sido feitos com os programas de formação continuada no Brasil, levantando uma questão: [...] não seria melhor investir mais orçamento público para a ampliação de vagas em instituições públicas para formar licenciados e investir na qualificação desses cursos, em termos de projeto, de docentes, de infra-estrutura, deixando para a educação continuada realmente os aperfeiçoamentos ou especializações? Portanto, a despeito de tantas ações políticas, como a criação de leis, reformulação dos cursos de Letras, questões sociais e econômicas e da imperiosidade da formação continuada, é preciso considerar que a questão dos 41 baixos índices de competência leitora apontados nas avaliações não pode ser revertida apenas por tais providências, pois a questão é complexa. Envolve a escola, enquanto instituição, no enfrentamento dos desafios que lhe são impostos e o que dela se espera. Poucos resultados serão obtidos com a formação continuada se não se der atenção às questões emergentes que a escola precisar enfrentar. Nesse sentido, Viviane Mosé (2013), dando continuidade a uma concepção de educação Freiriana, traz uma reflexão sobre os desafios contemporâneos postos à escola. Em primeiro lugar, é preciso considerar o contexto atual em que a escola está inserida, que é de mudanças, provocadas pelo avanço tecnológico, um contexto em que presenciamos uma desintegração dos valores e saberes fixos e rígidos, tornando-os mutáveis, provisórios. Para Mosé, contraditoriamente, a tecnologia, que surgiu para nos alienar, traz uma nova revolução: “ao fazer nascer a sociedade em rede, a revolução tecnológica permitiu a democratização do acesso à informação e ao conhecimento, em outras palavras, ao poder” (MOSÉ, 2013, p. 23). Por isso, a autora ressalta a necessidade da escola abandonar modelos de ensino em massa, que ignoram os sujeitos, para priorizar a educação individualizada, que favorece ao aluno construir seus conhecimentos nesse contexto de mudanças. E por isso a escola deve abandonar o ensino fragmentado, que leva o aluno a acreditar que se estuda para alguém e por alguém, não para si. Em vez de ensinar, é preciso promover a aprendizagem. Para Mosé, o ensino fragmentado é uma forma de controle social, uma vez que o pensamento fragmentado compromete a capacidade das crianças e jovens de relacionar a experiência particular ao todo da vida, submetendo-os a “processos e engrenagens que os tornam tão pequenos e insignificantes que não se sentem potentes para tranformar aquilo que os oprime” (MOSÉ, 2013, p. 52). Viviane Mosé afirma que a escola contemporânea precisa entender que todo conhecimento está sujeito a mudanças, que todo saber é provisório. Portanto, não cabe atribuir-lhe função de ensino. É preciso compreender que “a escola atual é a escola das incertezas, nasce especialmente da instabilidade do trabalho e da desvalorização da formação profissional, dadas as inovações tecnológicas que criam sempre novas demandas” (MOSÉ, 2013, p. 54). Conclui a educadora: 42 O que precisamos de fato encarar é que ou a escola passa a ser um espaço vivo de produção dos saberes, de valorização da curiosidade, da pesquisa, da arte e da cultura, da criatividade, da reflexão – um espaço de convivência ética e democrática no qual se exercita a cidadania, um espaço vinculado à comunidade a que pertence, bem como à cidade, ao país, ao mundo – ou se tornará obsoleta e estará fadada ao desaparecimento (MOSÉ, 2013, p. 56). Ainda com Viviane Mosé, para a escola ser esse espaço de convivência é preciso garantir também que ela seja um lugar da ação e não da passividade, onde os conteúdos se relacionem com a vida dos alunos, que façam sentido, além de valorizar os conhecimentos prévios que eles já possuem. Mas, acima de tudo, “a escola deve estimular o gosto por aprender, o que significa entender que a fome de saber, a vontade de conhecer é mais eficiente para o processo de aprendizagem do que a manutenção dos deveres cumpridos” (MOSÉ, 2013, p. 57). Considerando as questões levantadas por Viviane Mosé, um programa de formação continuada só terá impacto se gestado por crenças e valores que coloquem professores e alunos em uma situação permanente de aprendizagem, aqui entendida como um processo que promove a reinvenção da escola na produção do conhecimentos, num movimento de liberdade e criação. 43 2 NOS GUIAS E MANUAIS, A CONCEPÇÃO DO PROGRAMA O Programa Gestar II compreende a formação de Professores Formadores/Tutores e a formação de Professores Cursistas para cada uma das áreas – Língua Portuguesa ou Matemática. Cada curso desenvolve-se na modalidade semipresencial, através de atividades individuais e presenciais, com o uso de materiais didáticos e um serviço de apoio aos participantes. Para frequentar o curso de Formador/Tutor, o profissional deverá ser indicado pela Secretaria de Educação, ou órgão competente, atendendo aos seguintes critérios: ser professor concursado da rede pública de ensino e licenciado em Letras ou Matemática. O curso tem carga horária total de 300 horas, assim distribuídas: a) formação inicial de 40 horas; b) 2 seminários de acompanhamento com 24 horas cada; c) 1 seminário de avaliação com 16 horas; d) Atividades à distância para cada área temática com 196 horas.19 As funções atribuídas ao Formador/Tutor são diversas. Contudo, cabe destacar algumas: a) planejar os encontros presenciais, os planos de aulas e o processo de avaliação diagnóstica; b) participar da apresentação e divulgação do Gestar II; c) realizar o acompanhamento da prática pedagógica do professor; c) executar as sessões presenciais. O curso de formação para o professor cursista destina-se aos professores efetivos da rede pública, em exercício da docência, nos componentes curriculares de Língua Portuguesa ou Matemática, nos anos finais do Ensino Fundamental. Este curso constitui-se de carga horária total de 300 horas, distribuídas da seguinte forma: a) “Estudos individuais” com 120 horas; b) “Estudos coletivos” – oficinas com 80 horas; c) “Lição de casa ou socializando o conhecimento”, com 60 horas; d) “Elaboração do projeto”, com 40 horas. Nota-se que a maior parte da carga horária 19 A carga horária nos permite inferir que a maior parte das atividades é à distância. O Guia Geral explica que isso ocorre pela própria natureza do programa que é semipresencial, o que significa dizer que, na maior parte do tempo, os estudos dependerão do próprio professor/formador estudando em casa o material impresso do curso. A frequência mínima exigida para fins de certificação e remuneração, sob a forma de bolsa, é de 75% do total da carga horária presencial de formação com a Instituição de Ensino Superior, sendo que, para as 40 horas iniciais, exigem-se 100% de frequência. De acordo com o primeiro parágrafo da Resolução CD/FNDE nº 24, de 16 de agosto de 2010, receberão bolsa de estudo os professores formadores/tutores que sejam considerados participantes regulares do programa Gestar II. 44 recai sobre atividades destinadas a estudos individuais e à “lição de casa ou socializando o seu conhecimento”, o que é justificado pelo formato semipresencial, dependendo, na maior parte do tempo, da ação do professor, conforme o Guia Geral do programa: “[...] depende de você ler, escrever, resolver problemas, elaborar questões e colocar em prática os seus conhecimentos” (BRASIL, 2010, p. 52). 20 O Programa oferece aos professores cursistas um material didático impresso e de apoio, plantão pedagógico, acompanhamento pedagógico, oficinas coletivas e um sistema de avaliação próprio.21 O curso está estruturado em dois módulos, a ser realizado com os livros didáticos elaborados pelo MEC. O Módulo I compreende 3 Cadernos de Teoria e Prática (TP1, TP2,TP3). O Módulo II é composto por mais 3 Cadernos de Teoria e Prática (TP4,TP5,TP6). O conjunto do material impresso do Programa Gestão da Aprendizagem Escolar II compreende as seguintes publicações 22: a) 01 Guia Geral - um caderno que preconiza as especificidades do Programa, como sua proposta pedagógica, implementação e definição dos papéis dos sujeitos participantes; b) 01 Caderno do Formador – com propostas das oficinas de estudo coletivo e orientações metodológicas para a sua execução, distribuído apenas para os formadores/tutores; c) 06 Cadernos de Teoria e Prática (TP) – com propostas do currículo de Língua Portuguesa e os pressupostos do ensino-aprendizagem que as fundamentam; d) 06 cadernos de Atividades de Apoio à Aprendizagem (AAA, versão para o professor); e) 06 cadernos de Atividades de Apoio à Aprendizagem (AAA, versão para o aluno). 23 20 A frequência mínima exigida para fins de certificação é 75% do total da carga horária presencial de formação com o formador/tutor. 21 .Quanto aos idealizadores do Programa na área de Língua Portuguesa, a proposta do GESTAR II foi construída, via MEC, por especialistas e consultores da educação, contratados, mediante processos licitatórios, pelo Governo Federal, para o desenvolvimento de projetos educacionais voltados para a melhoria da aprendizagem escolar. A proposta do Programa Gestão da Aprendizagem Escolar II foi coordenada por Silviane Bonaccorsi Barbato, doutora em Psicologia e professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília (UNB). Com sua equipe de autoras, selecionou e produziu o material teórico e metodológico do Gestar II de Língua Portuguesa.São elas: Cátia Regina Braga Martins, Mestre em Educação pela Universidade de Brasília; Leila Teresinha Simões Rensi, Mestre em Teoria Literária da UNICAMP; Ma. Antonieta Antunes Cunha, Doutora em Letras/Língua Portuguesa, da UFMG; Ma. Luiza Monteiro Sales Coroa, Doutora em Linguística pela UNICAMP, professora da Universidade de Brasília/UnB; Elciene de Oliveira Diniz, especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Salgado de Oliveira/UNIVERSO; Lúcia Helena Cavasin Zobotto Pulino, doutora em Filosofia pela UNICAMP e professora. 22 Assinam a elaboração das publicações: Cátia Regina Braga Martins, os Cadernos de Atividades de Apoio à Aprendizagem no. 4, 5 e 6; Leila Teresinha Simões Rensi, o Caderno de Teoria e Prática no. 5 (TP05) e os de Atividades de Apoio à Aprendizagem no.1 e 2; Maria Antonieta A. Cunha, os Cadernos de Teoria e Prátican. 1, 2, 4, 6. 23 Os cadernos AAA contêm sugestões de atividades para serem aplicadas em sala de aula, a critério do professor, não constituindo em atividade obrigatória do curso. 45 As principais atribuições do professor cursista consistem em: a) frequência obrigatória às atividades presenciais do programa, seminários e Oficinas coletivas; b) leitura dos Cadernos de Teoria e Prática para discussão nas Oficinas coletivas com o formador; c) realização de atividades pedagógicas recomendadas no programa; d) realização e entrega, de acordo com o previsto no Caderno de Teoria e Prática, das atividades denominadas: “Lição de casa ou Socializando o seu Conhecimento”; e) elaboração do Projeto para se conseguir a certificação; f) compromisso de realizar o planejamento de ensino com base nas diretrizes do programa.24 Em relação ao aspecto gráfico do material didático do Gestar II, é importante destacar que sua qualidade é insatisfatória, contrastando até com o que preconizam o Programa Nacional do Livro Didático25 (PNLD) e o “Edital de Convocação” que precede o Guia do PNLD. Este contém as especificações técnicas para a inclusão das coleções no Programa. Nesses dois documentos, encontram-se os critérios norteadores para a avaliação do livro didático, os quais abarcam o projeto gráficoeditorial. O Guia do PNLD/2014 de Língua Portuguesa chama a atenção para a adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didáticopedagógicos da coleção: “a proposta didático-pedagógica de uma coleção deve traduzir-se em um projeto gráfico-editorial compatível com suas opções teóricometodológicas, considerando-se, dentre outros aspectos, a faixa etária e o nível de escolaridade a que se destina” (BRASIL, 2013, p. 12). Nos manuais do Gestar II, alguns critérios técnicos do PNLD/2014 são atendidos, como: legibilidade, bibliografia, sumário, manual do professor, sugestões de leituras, organização clara. Contudo, em seu aspecto gráfico e visual, as capas dos livros do Gestar II são pouco atraentes aos jovens e adolescentes. Não há ilustrações nem cores atraentes. Por certo, em função dos custos, o material impresso tem papel de baixa qualidade, capas sem criatividade e uma quantidade 24 É importante salientar que a certificação do professor cursista dependerá de quatro fatores: a) frequência; b) conceitos emitidos pelo formador referentes à Lição de Casa ou a Transposição Didática, desempenho nas oficinas e avaliações; c) auto avaliação pelo professor cursista; d) apresentação do projeto a ser implementado na escola em que trabalha. 25 Criado pelo Ministério da Educação em 1985, o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem como principal objetivo subsidiar o trabalho pedagógico dos professores por meio da distribuição de coleções de livros didáticos aos alunos da educação básica. Após a avaliação das obras, o Ministério da Educação (MEC) publica o Guia de Livros Didáticos com resenhas das coleções consideradas aprovadas. 46 considerável de textos sem imagens. As poucas imagens não têm qualidade gráfica, o que compromete a sua apreciação ou leitura. 2.1 Entendendo o passo a passo da formação O Guia Geral do Programa Gestar II foi criado em 2008 e passou por uma reformulação em 2010. É um material de apoio elaborado exclusivamente para ajudar o professor cursista e o formador a fazerem um uso proveitoso dos Cadernos de Teoria e Prática. Considerado o fio condutor do programa, esse Guia traz dois textos de apresentação. No primeiro texto, encontram-se os objetivos do Guia Geral, definidos como uma proposta de trabalho participativa e interativa, visando orientar os professores cursistas nos seguintes aspectos: a) na compreensão do programa Gestar II para as séries finais do ensino Fundamental do 6º ao 9º ano; b) na construção coletiva da Proposta Pedagógica do Gestar II; c) na implementação do Gestar II; d) na definição dos papéis dos atores do Gestar II. Com um grau de formalidade maior, nesse primeiro texto são anunciados os objetivos e conteúdos, dirigindo-se ao professor como “Caro Educador”. 26 O segundo texto, intitulado “Iniciando os estudos do Guia Geral”, em tom de conversa, refere-se ao professor como “Caro colega”, convidando-o a estudar o material como forma de compreender a proposta de trabalho do Gestar II. Caro Colega, No estudo e discussão do Guia Geral, em cada início de Unidade, você será convidado a refletir sobre questões que serão abordadas por meio de atividades ora individuais, ora coletivas. Essas atividades serão coordenadas pelo formador/tutor municipal ou estadual, que deverá administrar o tempo, organizar os grupos de trabalho, promover debates, sintetizar ideias e registrá-las. A própria leitura e o estudo do Guia serão conduzidos de forma interativa e já são, eles mesmos, estruturados como um trabalho de construção coletiva deste documento do programa. 26 Cf. Anexo 1. 47 Pois bem: vamos estudar o Guia e compreender o Gestar II! (BRASIL, 2010, p.5)27 Conforme o Guia Geral, o Programa apóia-se em uma concepção sócioconstrutivista na construção do conhecimento e tem o professor como o mediador. Nesta visão, tanto professores quanto alunos constroem o conhecimento em sala de aula conjuntamente. Dessa forma, o papel do professor é o de mediador entre alunos e o conhecimento social e historicamente construído. Ainda de acordo com o Guia, o Gestar II compreende a sala de aula como um espaço educativo, no qual se dão oportunidade de criar novas estratégias de ensino, cabendo ao professor a correta adequação delas em sua sala de aula. Assim, a sala de aula é o lócus privilegiado do Gestar II, seja do ponto de vista do conteúdo pedagógico ou das relações. O currículo do Gestar II compreende sua proposta pedagógica a partir da concepção de competência de Perrenoud, particularmente expressa em Dez novas competências para ensinar (2000). De acordo com Perrenoud (2000), pode-se definir competência como a capacidade que os indivíduos têm de atuar em uma situação complexa, mobilizando conhecimentos, habilidades intelectuais e físicas, atitudes e disposições pessoais. No caso dos professores, essa mobilização se dá no ato de identificar os elementos presentes na ação docente, dando-lhes sentido e um tratamento apropriado na perspectiva de garantir uma educação de qualidade. As competências referem-se a ações e operações que utilizamos para estabelecer relações entre os objetos, situações e fenômenos que desejamos conhecer.Embora as competências refiram-se a esquemas mentais mais globais, elas devem ser contextualizadas em cada área profissional e especificamente na prática pedagógica (BRASIL, 2010, p. 24). Apesar das críticas dispensadas ao ensino por competências, que visam, sobretudo, a educação para o trabalho, o Programa Gestar II segue a premissa da Lei de Diretrizes e Base/9393/96, documento elaborado, em tese, com a participação da sociedade. Em seu artigo 1º, a LDB/9393/96 estabelece que os objetivos da educação devem abranger os processos formativos que se 27 O Guia Geral se divide em cinco Unidades. São elas: a) Unidade 1: trata do Gestar II como programa de formação continuada em serviço; b) Unidade 2: a proposta pedagógica do Gestar II; c) Unidade 3: a implementação do Gestar II; d) Unidade 4: o Gestar II, as expectativas de mudança e a especificidade do programa em cada escola; e) Unidade 5: procedimentos para a utilização dos cadernos de atividades de apoio à aprendizagem do aluno. 48 desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Em seu parágrafo 2º, encontra-se a seguinte definição para o ensino: “a educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social” (BRASIL, 1996). O desafio que se impõe a esta questão não está em termos uma educação voltada para o trabalho, mas unicamente para ele. O problema reside no cumprimento parcial da lei, a qual propõe que a educação escolar deve se vincular ao mundo do trabalho e à prática social. Contudo, muitos programas de formação vigentes, tanto de professores quanto de alunos, têm focado na preparação para o trabalho, esquecendo-se dos desafios que se impõem à carreira docente e às novas gerações quanto às suas relações sociais. Cabe ressaltar que, neste sentido, o currículo do Gestar II de Língua Portuguesa propõe desenvolver nos alunos habilidades que favoreçam sua inserção não só no mundo do trabalho, como na sociedade. Conforme se pode observar, [...] um trabalho que propicie aos alunos o desenvolvimento de habilidades de compreensão, interpretação e produção dos mais diferentes textos. Este processo de escolarização visa à inserção dos alunos na sociedade, como cidadãos conscientes, capazes não só de analisar as várias situações de convivência social como também de se expressar criticamente em relação a elas (BRASIL, 2010, p. 34). Quanto aos objetivos na perspectiva do professor, o Gestar II propõe: O programa busca a valorização profissional e pessoal do professor, destacando as suas características e histórias particulares, a sua visão de sociedade, de relações e de compromissos com ela. A complexidade cada vez maior de nossa sociedade exige que o trabalho do profissional da educação se embase em uma visão ampla e crítica dos fenômenos da vida moderna. É essencial que o professor, além de usuário qualificado da Língua, tenha também a função de mediar a criação de situações mais diversas de interação de seus alunos e de estimular os processos de elaboração e reflexão sobre os diversos usos da linguagem nas diferentes situações sócio comunicativas (BRASIL, 2010, p. 34). Contudo, não se pode negar que há um descompasso entre a formação pretendida e a realizada. Ainda que os objetivos do Gestar II sejam o de contemplar 49 uma formação humana global, tais objetivos parecem se dissolver na composição estrutural do programa. Ainda com relação aos objetivos na perspectiva do professor, o Programa concebe sua formação por competências, reforçando mais uma vez a formação para o trabalho, neste caso, aceitável, já que se trata da formação do professor, embora não se queira dizer com isto que a formação humana não esteja imbricada. Assim, o currículo do Gestar II propõe algumas competências desejáveis aos professores durante a realização da formação, ao se constatar que o Programa deseja que o professor alcance determinadas competências ao final do curso, como: a) usuário da língua; b) profissional da educação; c) professor de Língua Portuguesa. Das competências mencionadas acima, nota-se no material do curso que as atividades propostas dão ênfase à formação de competências “como usuário da língua”, o que indica a correção de percurso formativo do professor. Por isso, a proposta pedagógica do Programa sugere o desenvolvimento do letramento do professor. Ademais, a partir das competências citadas, pode-se inferir que a preocupação com a formação do professor leitor é minimizada, pois, para as autoras, esta é uma competência esperada para ele, apenas como usuário da língua e não como educador e profissional de educação. Embora seja difícil compreender um objetivo tão subjetivo quanto este, indaga-se: seria possível delimitar as linhas tênues que separam a ação do professor em sala de aula, como usuário da língua, profissional da educação e professor de Língua Portuguesa, tendo em vista a formação integral do homem? O Programa Gestar II supõe que sim. A proposta pedagógica do Gestar II visa ao “[...] desenvolvimento do letramento do professor (e consequentemente do aluno), a partir da discussão e da análise das situações sócio-comunicativas, tendo o texto como eixo central da resolução de problemas” (BRASIL, 2010, p. 36). Em síntese, as autoras definem a concepção do Programa baseando-o na relação desenvolvimento-aprendizagem em Língua Portuguesa: Concepção da relação desenvolvimento-aprendizagem em Língua Portuguesa. A concepção central no Gestar II da linguagem como interação já esclarece a importância do trabalho com Língua Portuguesa, na medida em que a aprendizagem é sempre um processo de interação, seja com os professores, seja com os colegas 50 (ideia básica do desenvolvimento proximal), seja com documentos ou outras manifestações humanas (BRASIL, 2010, p. 36-37). Apresentar o passo a passo da formação do Gestar II possibilita entender a forma como esse Programa compreende o ensino da língua materna, ao tempo em que buscar pistas para se interrogar sobre o lugar que reserva à literatura. Assim, se faz necessário conhecer a ementa do programa de Língua Portuguesa, encontrada no Guia Geral, a fim de que se tenha uma visão panorâmica da proposta pedagógica quanto aos conteúdos e temas abordados em cada Caderno de Teoria e Prática: a) variantes linguísticas: dialetos e registros; b) o texto como centro das experiências no ensino da língua; c) a intertextualidade; d) gramática: seus vários sentidos; e) a arte: formas e função; f) gêneros textuais: do intuitivo ao sistematizado; g) tipos textuais; h) leitura, escrita e cultura; i) estilo, coerência e coesão; j) leitura e processos da escrita. A literatura está no tópico “arte: formas e função”. A partir da seleção dos conteúdos apresentados nos Cadernos, constata-se que a ementa de Língua Portuguesa do Gestar II está de acordo os critérios estabelecidos pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) quanto ao ensino da língua materna nos anos finais do ensino fundamental, o qual pode se verificar no tópico intitulado “Objetivos de Ensino” desse documento: “compreende o ensino da língua voltado para o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem, levando em conta a situação de produção social e material do texto” (BRASIL, 1998. p. 49). Ou seja, o aluno deve ser capaz de compreender a existência de diferentes procedimentos e posturas a serem tomados frente a diferentes leituras. Outro aspecto a ser considerado no Guia Geral diz respeito à linguagem de fácil compreensão, buscando a clareza, de modo que haja um entendimento dos materiais, uma leitura direcionada para a execução das ordens propostas, isto é, para o correto manuseio, na escola, dos materiais do programa. Fica exposto o objetivo dessa formação, que é de instrumentalizar o professor, apresentando novos conceitos da área ou esclarecendo-os, orientando o fazer da sala de aula, e como fazer, para que o seu trabalho se efetive com um uso seguro dos materiais didáticos. Fica descartada, assim, uma concepção de formação que leve a uma ampliação dos conhecimentos. Esta é uma questão recorrente em materiais pedagógicos de 51 formação de professores que reforçam a ideia do letramento do professor, conforme já definido nos objetivos do próprio Gestar II. Além do Guia Geral, tem-se o Caderno do Formador, de uso exclusivo do professor formador/tutor. Nesse caderno, são propostas 12 oficinas que deverão ser desenvolvidas ao longo do estudo com os cursistas. Tais oficinas têm uma duração de 4 horas e devem ser planejadas e executadas a cada duas unidades, sempre após as unidades pares dos Cadernos de Teoria e Prática, podendo ser conduzidas a cada quinzena ou de acordo com a dinâmica combinada com o grupo. O objetivo dessas oficinas é proporcionar aos professores cursistas um momento de reflexão sobre a sua prática de sala de aula. “Elas possuem uma sequência de atividades e instruções a serem desenvolvidas, tanto individualmente quanto em pequenos grupos” (BRASIL, 2010, p. 46), como se pode averiguar na padronização sugerida: a) título da oficina; b) objetivo; c) parte I – retomada do processo de estudo e questionamentos sobre as Unidades; d) parte II – trabalho sobre a Lição de Casa; e) parte III - desenvolvimento de uma atividade; f) parte IV – avaliação da oficina e retomada dos objetivos de aprendizagem; g) parte V – introdução das novas Unidades com perguntas instigadoras. Feita uma apresentação dos manuais do Gestar II, convém trazer algumas reflexões de Magda Soares (2001) sobre os manuais. Em seu texto “Que professores de português queremos formar?“, a autora afirma que, no Brasil, o Português, como disciplina, é incorporado nos currículos escolares nas últimas décadas do século XIX, e o processo de formação do professor para tal disciplina só teve início nos anos 1930. Até 1940, essa disciplina mantém a tradição dos estudos da gramática, da retórica e da poética, ensinada por professores que integravam uma elite social e para ela ensinava. As análises de textos literários se faziam presentes nos estudos de Retórica e Poética.28 28 Para a autora, “à medida que a oratória foi perdendo o lugar de destaque que tinha até meados do século XIX tanto no contexto eclesiástico quanto no contexto social, a retórica e a poética foram assumindo o caráter de estudos estilísticos, tal como hoje os conhecemos, e foram-se afastando dos preceitos sobre o falar bem, que já não era uma exigência social, para substituí-los por preceitos sobre o escrever bem já então exigência social”. Isso explica que na disciplina denominada Português persistissem, “embutida nelas, as disciplinas anteriores, até mesmo com individualidade e autonomia, o que se comprova pela convivência na escola, nas quatro primeiras décadas deste século, de dois diferentes e independentes manuais didáticos: as gramáticas e as coletâneas de textos. Evidenciam essa convivência com independência a publicação concomitante de gramática e seletas, ambos os gêneros com forte presença na escola, nas primeiras décadas do século XX” (SOARES, 2001a, p. 1). 52 Só a partir da década de 1950 é que algumas mudanças nas condições de ensino e aprendizagem do Português começaram a ganhar força, ocasionado por fatores internos e externos. Dos fatores externos, a autora cita as tranformações das condições sociais e culturais, decorrentes das constantes mobilizações populares, que revindicavam o direito à educação, resultando na expansão do acesso à escola, que, por sua vez, exigiu uma reformulação das suas funções e objetivos para receber o novo alunado que se juntou aos filhos dos burgueses que lá estavam. Como consequência da democratização da escola, a autora afirma que, na década de 1960, o aumento do número de alunos quase triplicou, exigindo, assim, um recrutamento mais amplo e, portanto, menos seletivo de professores, embora estes fossem formados nas Faculdades de Filosofia, os quais possuíam conhecimentos não só em conteúdos de língua e de literatura, como em pedagogia e didática. No entanto, dos fatores internos, pode se dizer que quase não houve alterações. A gramática continuou a ser estudada como instrumento de expressão para fins retóricos e poéticos. Contudo, Magda Soares (2001) chama a atenção para a concepção de professor, a qual se altera, principalmente a partir da década de 1950, o que pode ser evidenciado nos manuais didáticos. Tais manuais substituem os conteúdos de gramática e as antologias por um único livro, que apresenta conhecimentos gramaticais e textos para leitura, e, sobretudo, traz exercícios de vocabulário, de interpretação, de redação e gramática. Para a autora, essa nova configuração altera o papel do professor e o que se esperava dele. Por exemplo, nas primeiras décadas do século XX, os professores de Português eram estudiosos autodidatas da língua e da literatura, possuíam uma boa formação humanística e eram profissionais formados em diversas áreas do conhecimento, como médicos, advogados, engenheiros, profissionais liberais e funcionários públicos, considerados atualmente como professores “leigos”. 29 De acordo com Soares (2001), a competência atribuída a esses professores era tamanha, que os manuais não possuíam caráter didático, apenas expunham a gramática normativa, sem comentários pedagógicos e sem propostas de exercícios 29 Magda Soares destaca nomes como os de João Ribeiro, Júlio Ribeiro, Franklin Dória, Carlos de Laet, Fausto Barreto, Antenor Nascentes, Francisco da Silveira Bueno, Eduardo Carlos Pereira, conhecidos por suas publicações de gramáticas, antologias, estudos filológicos e estudos literários. 53 e atividades para serem desenvolvidas pelos alunos. Nessa configuração, o professor da disciplina Português era aquele que dominava a gramática e a literatura da língua, a Retórica e a Poética. Portanto, não necessitava de informação adicional alguma nos manuais. Bastava-lhe a exposição gramatical ou os excertos de textos literários, cabendo-lhe somente comentar, discutir, analisar e propor questões e exercícios para os alunos. Na configuração atual dos manuais, o autor do livro didático assume essa responsabilidade e tarefa, que os próprios professores passam a esperar dele, o que surpreende, pois os docentes de hoje são profissionais formados em cursos específicos. Algumas razões talvez expliquem esse aparente paradoxo. Uma delas, apontada por Magda Soares (2001), tem a ver com o recrutamento amplo de professores de Português, decorrentes da multiplicação do número de alunos, resultando no rebaixamento salarial e na intensificação do processo de depreciação da função docente. Consequentemente, têm-se as precárias condições de trabalho, obrigando os professores a buscarem estratégias de facilitação da atividade docente, vindo a transferir para o livro didático a tarefa de preparar aulas e exercícios. Somando-se a isso, a autora destaca o fato de que o rebaixamento salarial e a perda de prestígio social da função docente, bem como a democratização do ensino superior, mudou, significativamente, a clientela dos cursos de Licenciatura em Letras, os quais começaram a atrair para o magistério estudantes oriundos de contextos pouco letrados, com precárias práticas de leitura e de escrita. Outra razão apontada por Magda Soares (2001) diz respeito à formação dos formadores de professores, nas Faculdades de Filosofia, que desconheciam as condições de letramento desses novos alunos, futuros professores, além de desconhecerem também a nova realidade da escola e dos alunos à espera desses futuros professores. Isso pode ser explicado pelo contexto social e educacional em que esses professores foram formados. Por isso, não se propunham propriamente ao objetivo de formar professores, mas estudiosos da língua e da literatura. Em relação ao público ao qual se destina o Programa Gestar II, trata-se de professores em serviço da docência, os quais possivelmente passaram por uma formação inicial sem que houvesse uma atenção devida à sua inserção no cotidiano escolar, ainda que tenham feito uma licenciatura na área. Há uma geração de professores que fizeram seus cursos de licenciatura em Letras e cursaram as 54 disciplinas, que são de fundamentação, da área de educação nos cursos de pedagogia. Muitos destes professores desconhecem, pela formação, especificidades do ensino de Língua Portuguesa. Geralmente nas disciplinas preparatórias de estágio, e o seu acompanhamento, é que se conta com a presença de docentes da área de Letras, alocados nos departamentos de educação. Com a reforma curricular dos cursos de Letras, (Resolução do CNE/CES/2002) quando se deu ênfase às disciplinas da área de pedagogia, em detrimento de conteúdos daquela área, alguns componentes curriculares são ministrados por docentes formados em Letras, mas sem formação em educação. Ficam evidentes duas questões decorrentes da formação inicial, que leva à proposta de um programa de formação como o Gestar II: as lacunas do percurso na construção do conhecimento e o distanciamento criado entre a formação e a realidade da sala de aula a ser enfrentada pelos professores. 2.2 Fazendo as lições de casa Como o livro didático se tornou o maior suporte do trabalho pedagógico nas escolas da rede pública, pelas razões já destacadas, o Programa Gestar II reforça essa lógica, com um diferencial. A conhecida “versão do professor” é o livroreferência da formação. Ele será o objeto de estudo, a ser lido, comentado, discutido, de modo que o professor saiba usá-lo na sala de aula. Por isso, esse manual, particularmente os Cadernos de Teoria e Prática, difere de outros manuais didáticos, posto que está a serviço da formação continuada. Os seis Cadernos de Teoria e Prática que formatam os dois módulos do Programa Gestar confirmam essa peculiaridade. Os conteúdos de Língua Portuguesa vêm acompanhados de textos que explicam alguns aspectos pertinentes a esses conteúdos. Tais textos, elaborados pelas autoras dos manuais, trazem explicações de conceitos, sugestões e orientações de tarefas ou comentários sobre algum tema abordado em determinado texto inserido no manual. Simula-se, em tom de conversa, a presença das organizadoras do livro didático, como se estivessem em um contexto de sala de aula.30 30 Cf. Anexo 2. 55 Os Cadernos de Teoria e Prática, identificados como TP1, TP2, TP3, TP4, TP5, TP6 (doravante referidos como Caderno1, Caderno 2, e assim por diante), apresentam, cada um, quatro Unidades com três seções cada, totalizando 12 seções por TP. Os cadernos foram elaborados com o objetivo de apresentar as propostas do currículo de Língua Portuguesa e os pressupostos do ensinoaprendizagem. Cada um deles está assim seccionado: Parte I – apresentação das unidades; Parte II: “Lição de Casa ou Socializando”; Parte III – Oficinas ou Sessão Coletiva. O Sumário visibiliza sua organização: a) parte 1: apresentação das unidades; b) unidades; c) leituras sugeridas; d) bibliografia; e) ampliando nossas referências; f) correção das atividades31; g) parte II: lição de casa 1 e 2; h) parte III: oficina 1 e 2. Em sua organização interna, por tópicos, apresentam uma mesma estrutura: 1) título da unidade e nome do autor; 2) Iniciando a nossa conversa: tópico reservado para a introdução à Unidade; 3) Definindo nosso ponto de chegada: espaço reservado para apresentar os objetivos de aprendizagem; 4. Seções: são subdivisões da unidade. As seções possuem uma organização padronizada. De acordo com o Manual do Gestar II, “as seções possuem o título, os objetivos de aprendizagem e o desenvolvimento do conteúdo. Para desenvolver o conteúdo, são utilizados vários recursos de aprendizagem marcados por ícones específicos” (BRASIL, 2010, p. 45): a) “Atividades”: cada seção conta com, no mínimo, duas e no máximo seis atividades de estudo, totalizando de seis a dezoito atividades por unidade; b) “Indo à sala de aula”: são as atividades que se referem à aplicação do conteúdo estudado; c) “Avançando na Prática”: momento em que o professor é convidado a aplicar, em sala de aula, o que estudou nos TPs; d) “Importante”: Box explicativo de conceitos e sínteses do tópico em estudo; e) “Recordando”: box com notas sobre conteúdos tratados anteriormente; f) “Resumindo”: box reservado para sintetizar o conteúdo da seção. Ao final de cada unidade, temos os itens que se seguem: a) Bibliografia; b) Leituras Sugeridas; c) Ampliando nossas referências 32. 31 O tópico “correção das atividades” traz a “chave de correção” para o professor conferir suas respostas sobre questões elaboradas sobre os textos, das seções das unidades. Desse item constam, também, as respostas às questões sobre o “Ampliando nossas Referências”. Embora o manual justifique que a chave de respostas é para o uso do professor, como cursista, corre-se o risco dessas respostas se tornarem gabaritos, tendo em vista o excesso de carga horária e as inúmeras atribuições da função docente. 32 O “Ampliando nossas Referências” é uma seção em que são apresentados textos das autoras dos Cadernos, nos quais há reflexões, com apoio de contribuições teóricas, sobre conteúdos a serem trabalhados. Devem ser estudados na semana em que não haverá o encontro presencial/quinzenal. 56 Todos os cadernos do Gestar II têm início com dois textos de apresentação, logo após o sumário. Contudo, convém destacar que sempre o primeiro texto é padronizado por módulo. Portanto, este será mencionado apenas quando necessário. Esses textos pressupõem uma interlocução entre as autoras dos manuais e professores, como modo de minimizar os efeitos negativos possíveis com a ausência das organizadoras nessa formação à distância. Por isso, há um cuidado em apresentar o caderno evocando a presença dos cursistas: Como já lhe adiantamos, neste primeiro caderno vamos tratar de questões mais gerais, que, fundamentando todo o trabalho com a Língua Portuguesa, vão obrigatoriamente ser retomadas em determinados pontos dos demais TPs, tal a importância delas para a sua prática. Com isso, imaginamos facilitar o caminho a ser percorrido neste ano de estudos (BRASIL, 2008. Não paginado). No primeiro texto, intitulado “Apresentação”, as autoras explicam a importância de se construir ou rediscutir com os cursistas pontos considerados relevantes no processo de ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa, aqueles que constituem, segundo elas, a base para o desenvolvimento da competência comunicativa do aluno. Assim, propõem não só discutir conceitos, como estabelecem o modo pelo qual tais conteúdos podem e devem ser trabalhados em sala de aula. Nessa apresentação, encontra-se também uma breve descrição sobre temas e conteúdos a serem abordados em cada caderno do Módulo 1. O segundo texto de apresentação de cada caderno é intitulado pelo nome do Programa, número do Caderno de Teoria e Prática e nome da disciplina, endereçado ao professor (a). Trata dos objetivos específicos do caderno, enfatizando a proposta de trabalho e justificando os critérios de seleção dos textos e conteúdos selecionados pelas autoras. Nesse contexto, propõe-se apresentar os conteúdos elencados no material para cada caderno, iniciando sempre pelo segundo texto de apresentação. No Caderno 1 (Unidades 1, 2, 3, 4), as autoras expõem no texto de apresentação33os conteúdos e temas a serem abordados em cada unidade. Tal leitura configura-se como uma atividade obrigatória e faz parte da carga horária do cursista, podendo ser realizada individualmente ou em grupo. O objetivo do texto de referência é provocar no professor uma reflexão sobre a sua prática docente. 33 Cf. Anexo 3. 57 Ressaltam que, na seleção dos textos, foram contemplados temas transversais, em particular, família e escola, assim justificados: Você já sabe também que, para tornar nossa proposta ainda mais ligada à sua atuação em sala de aula, decidimos, na seleção de textos a serem trabalhados, privilegiar os temas transversais. Nas quatro primeiras unidades que constituem o TP1, nossos textos estão ligados aos temas da família e da escola, vistas de variados ângulos e em diversas formas: ao final delas, poderemos ter ampliada e aprofundada nossa visão sobre as questões que envolvem essas instituições que, mesmo com todas as transformações da sociedade, se apresentam como da maior importância, ainda hoje (BRASIL, 2008. Não paginado). A literatura se faz presente, como texto, nas análises de variantes linguísticas: “vamos trabalhar a oralidade e a escrita, a norma culta e o texto literário, procurando esclarecer a importância da compreensão mais ampla desses acontecimentos linguísticos” (BRASIL, 2008. Não paginado). Intitulado “Linguagem e Cultura“, esse caderno tem como eixo central o texto e as variantes da língua, consideradas uma decorrência da relação entre linguagem e cultura, e intertextualidade. No Caderno 2 (Unidades 5, 6, 7, 8), o texto de apresentação34 da Unidade demonstra uma preocupação com a sistematização dos conteúdos, propondo uma atividade de metacognição, uma vez que provoca o professor a refletir sobre o conteúdo já discutido e relacioná-lo com os novos conhecimentos. Nesse caderno há uma proposta de se trabalhar a “análise literária” e a “análise linguística”, do mesmo modo que se trabalhou com o texto no TP1, associando-o sempre à vida cotidiana do aluno e do professor. Por isso, a autora explica, no texto de apresentação ao professor, a importância de se trabalhar com a análise linguística e com a gramática, assuntos que “costumam ser mal vistos por alunos e muitos professores”, ressalta. Na apresentação desse Caderno, destaca-se “a necessidade de o texto, em qualquer de suas formas, originar as atividades de língua portuguesa”. Os “textos vão ajudar-nos a fazer uma reflexão mais sistemática sobre a língua” (BRASIL, 2008.Não paginado). 34 Cf. Anexo 4. 58 Esse trabalho que desenvolvemos obrigatoriamente pelo simples uso da língua pode tornar-se mais consciente e mais aprofundado, ao longo de nossa vida. O processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa avança nessa direção, por meio da chamada análise linguística. Vamos trabalhar a análise linguística do mesmo modo que estudamos os textos: procurando ajudá-lo a “ver” melhor o assunto abordado. Só podemos refletir sobre o que observamos, e observamos melhor o que faz parte de nossa vida, do nosso cotidiano (BRASIL, 2008. Não paginado). Nesse sentido, a autora propõe repensar essa percepção, acreditando na possibilidade de se trabalhar a análise linguística e a gramática de forma agradável e frutífera. Nesse contexto, observa-se na apresentação das unidades o cuidado em acolher os professores, explicando-lhes os passos seguintes que serão tomados para realizar análise linguística e da gramática. No capítulo 5, do Caderno 2, propõese uma reflexão sobre gramática e seus diversos sentidos, de forma a compreender as várias acepções que a palavra gramática tem nos estudos linguísticos, e como a confusão entre tais acepções pode gerar dificuldades no ensino-aprendizagem da língua. Além dessa proposta, no capítulo 6, o tópico “A frase e sua organização” traz um estudo sobre as várias formas linguísticas de estruturar o texto, das mais simples às mais complexas, e como ajudar os alunos a compreenderem e usarem essas estruturas. O texto de apresentação das Unidades se encerra anunciando os capítulos 7 e 8: “vamos tratar da arte, suas características, em especial, da literatura.Vamos começar a primeira unidade! ” (BRASIL, 2008. Não paginado). A despeito de se ressaltar supostas características da arte e pretender tratar, “em especial”, da literatura, não há argumentos, palavras de convencimento da razão de sua presença em tais Unidades, como ocorre quando o assunto diz respeito ao estudo da língua. Desse modo, é sublinhada a importância das análises linguísticas, cujo objeto são os textos escritos, enquanto, em relação à literatura, não são dispensadas ao menos “algumas palavrinhas”. A centralidade do texto escrito, posta na concepção do Programa Gestar II para o ensino da língua materna, termina por fazer prevalecer um uso pragmático ou funcional da literatura – visto que prevalece a ideia de que o texto é o centro, a unidade geradora das atividades – a despeito de apresentá-la destacando sua singularidade. 59 O Caderno 3 (Unidades 9, 10, 11, 12), intitulado “Gêneros e Tipos Textuais”, abre-se com uma reflexão sobre os conteúdos abordados nos cadernos anteriores. Em seguida, propõe discutir questões ligadas à nova conceituação de “Gêneros dos textos” e “tipos de discursos”, compreendidos neste caderno como classificações que não se sustentam sozinhas, embora o enfoque seja taxonômico, mas como procedimentos de análise que juntos esclarecem os mecanismos textuais. No texto de apresentação, as autoras explicam como serão trabalhados os textos e antecipam, em linhas gerais, as diferenças entre gênero textual e tipos textuais, para que o professor comece a se familiarizar com esses conceitos, de certo modo novo na escola.Com relação a isso, comentam: “[...] os enfoques apresentados nas unidades deste caderno podem trazer algum estranhamento, já que envolvem conceitos não muito familiares à nossa prática docente“ (BRASIL, 2008. Não paginado). Nesse caderno, os textos selecionados têm como tema transversal o trabalho, jusitificado do seguinte modo: O tema transversal que permeará as unidades deste caderno é o trabalho. Essa foi uma escolha proposital: queremos que você, juntamente com seus alunos, reflitam sobre diversas ideias de trabalho que coexistem na nossa cultura e compreendam porque falar (ou escrever) é uma forma de trabalho (BRASIL, 2008. Não paginado) Os textos são enfocados na sua dimensão social e cultural, o que leva a classificá-los quanto ao gênero. Já a abordagem na dimensão informacional leva à classificação de tipos textuais, como as conhecidas tipologias “narração“ e “dissertação“, por exemplo. Por isso, na Unidade 11 as autoras propõem conceituar e classificar “tipos textuais“, em oposição a uma classificação de gêneros. E depois, na Unidade 12, sugerem um trabalho com o intuito de averiguar como as duas classificações se correlacionam. Ainda no Caderno 3, os conteúdos abordados são os seguintes: diferenças e semelhanças na organização dos textos utilizados em diversos contextos; gêneros textuais e a competência sócio-comunicativa; classificação de gêneros textuais; características de gênero literário e gênero não-literário; o gênero poético e suas formas de realização. Tipos textuais no processo de ensino-aprendizagem: descritivo, narrativo, injuntivo (ou instrucional), expositivo e argumentativo; ainda 60 com a inter-relação entre gêneros e tipos textuais e a relação entre sequências tipológicas em gêneros textuais. Tais conteúdos revelam a crença de que os aportes das teorias linguísticas asseguram habilidades e competências de leitura e escrita. O Módulo 2 tem início com o Caderno 4 (Unidades 13,14,15,16), cujo foco é “Leitura e Processo de Escrita I”. No texto de apresentação, as autoras explicam os objetivos desse caderno, que é o de sistematizar o trabalho em torno da leitura e da produção de textos. Assim, trabalha processos de leitura e escrita, iniciando com um texto sobre leitura, escrita e cultura e seguindo, nas Unidades 14 e 15, com a discussão sobre processos de leitura. No Caderno 5 (Unidades 17,18,19,20) intitulado “Estilo, Coerência e Coesão”, o texto de apresentação começa convocando os professores a uma reflexão sobre leitura e escrita, as quais devem ser compreendidas como resultado de um processo significativo que envolve relações lógicas, opções estilísticas e várias estratégias de construção de sentido. Em seguida, são anunciados temas a serem tratados nesse caderno: estilística, coesão, coerência e as relações lógicas nos textos, além de conteúdos que tratam da noção de estilo e o objetivo da estilística, componentes semânticos e morfológicos, combinação das palavras na frase, elementos linguísticos, mecanismos de coesão referencial e sequencial, temporalidade e identidade na construção dos sentidos e relações lógicas de construção de significados implícitos na leitura. O Caderno 6 (Unidades 21,22,23,24) propõe desenvolver uma discussão sobre a argumentatividade na linguagem e dar continuidade à reflexão sobre as práticas de escrita e leitura. Intitulado “Leitura e Processos da Escrita II”, é apresentado como um caderno que desdobrará os estudos com gêneros e argumentação, além promover uma reflexão sobre “literatura para adolescentes”. 35 Pelo exposto, constata-se que nesse caderno ganham destaque as análises linguísticas, leitura e produção de textos. Para finalizar o caderno, as autoras se propõem a discutir crenças e práticas pedagógicas na produção textual, chamando a atenção para a necessidade de se pensar a escrita como atividade de “produção” de textos. É um processo de transformação do conhecimento, que requer motivação, pesquisa, leituras, uma metodologia 35 que evita a desgastada Esse tópico será tratado no Capítulo 3. atividade “fazer uma redação”, 61 descontextualizada, quase sempre tomando os alunos de surpresa com o tema proposto. Ressaltam a importância de se construir um texto – com suas fases de planejamento, escrita, revisão e edição, ressaltando que na escola a escrita se desenvolve por meio de atividades sistemáticas. Em síntese, o objetivo primeiro do Módulo 1 é ampliar o estudo e atividades de leitura e produção de textos, ambas, tidas como essenciais ao ensino e à aprendizagem da língua portuguesa na escola. Assim, o Módulo 2 aborda o tema do letramento, que compreende escrita e leitura como práticas sociais, e é base para todo ensino a partir de textos, conforme se pode notar no texto de apresentação: “apesar de ter entrado recentemente nos estudos sobre a linguagem, não será novo para você: o letramento, que considera tanto a escrita como a leitura como práticas sociais e é a base para todo ensino a partir de textos” (BRASIL, 2008. Não paginado). Feitas essas considerações sobre os Cadernos de Teoria e Prática, cabe apresentar os Cadernos de Atividades de Apoio à Aprendizagem, de uso dos alunos, chamados de Atividade de Apoio à Aprendizagem (doravante AAA). Para cada Caderno de Teoria e Prática, há um caderno de atividade (AAA) equivalente. O que os diferencia é que os TPs trazem uma fundamentação teórica, sugestões de aulas, chaves de respostas, sugestões de leitura, entre outras atividades, ou seja, os TPs assemelham-se ao livro didático do professor, além de ser o seu material de uso como cursista.36 O que significa dizer que os professores se tornam alunos nos encontros presenciais com os professores formadores e fazem atividades semelhantes às de seus alunos na escola, ao prepararem as aulas. Reforça-se, assim, a proposta metodológica do Gestar II como um programa de formação de professor, ainda que abranja a formação do aluno. A criação do AAA “visa oferecer um banco de planos de aula que possa enriquecer as atividades em sala de aula e proporcionar, por meio da discussão, a ampliação do entendimento dos temas conceituais explanados pelo professor” (BRASIL, 2008, p. 68). Assim, os objetivos desse material de apoio se constituem na oferta de várias situações didáticas a fim de: a) subsidiar as aulas com atividades individualizadas aos alunos que se diferem quanto ao ritmo e forma de 36 Os AAAs produzidos para o professor trazem um problema do qual muitos professores se queixam: o tamanho das letras, reduzido, nas atividades propostas para os alunos, dificultando a leitura e a concentração do professor quando do planejamento de suas aulas. 62 aprendizagem; b) promover atividades para ensinar conteúdos que o aluno não aprendeu anteriormente e sanar deficiências detectadas nas Avaliações Diagnósticas. A versão para o aluno apresenta aulas com várias atividades diversificadas a serem ministradas pelos professores em sala de aula. Contudo, esse material é entregue a cada Secretaria de Educação em formato de CD ROM para a reprodução local. 37 Fica facultado, a cada Secretaria de Educação, a reprodução impressa integral ou parcial.38 Chama a atenção na proposta curricular do Programa Gestar II a eleição dos temas transversais: família, escola e trabalho. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), a proposta de incorporar tais temas está assentada na ideia de que os educadores devem tratar com seus alunos de questões contemporâneas, vivenciadas pela sociedade. Alguns deles ficam estabelecidos nos PCN‟s: ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e orientação sexual, trabalho. É uma abertura, nos currículos, frente a “situações escolares não programáveis, emergentes, às quais devem responder, e, para tanto, necessitam ter clareza e articular sua ação pontual ao que é sistematicamente desenvolvido com os alunos” (BRASIL, 1997). No texto de apresentação emitido pela Secretaria de Educação Fundamental, ressalta-se que “os Temas Transversais correspondem a questões importantes, urgentes e presentes sob várias formas, na vida cotidiana”. Estão assentados no princípio de que a “educação para a cidadania requer, portanto, que questões sociais sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos”. (BRASIL, 1997, p. 25). Com a proposição de se trabalhar com temas transversais, parte-se da constatação de que a escola deve aproximar-se da realidade abordando “questões 37 Em relação ao material fornecido no CD ROM, a Secretaria Estadual de Educação da Bahia – SEC/BA produziu os módulos de Atividades de Apoio à Aprendizagem do Aluno parcialmente, através de uma equipe de especialistas que não foram identificados nos cadernos. Foi feita uma seleção de textos e atividades julgados apropriados a cada série, cujos critérios não estão explicitados oficialmente nos cadernos. Contudo observa-se que todos os conteúdos e temas do AAA nacional foram mantidos em menor representatividade. Há uma crítica à ordenação dos cadernos por séries, elaborados pela SEC-BA, organização que contraria a recomendação das autoras do Programa quanto à utilização das atividades: “o professor deve ter autonomia para utilizar as aulas nas sequências didáticas que melhor atendam às necessidades a serem ministradas” (BRASIL, 2010, p. 68). Com essa organização seriada, a ser distribuída entre os alunos, corre-se o risco de limitar as ações do professor, invalidando a proposta do Programa que é da livre escolha dos textos e atividades sem a preocupação com séries específicas, mas com as necessidades de cada turma. 38 A SEC/BA criou a “Avaliação Complementar” do Gestar II, que começou a ser aplicada no terceiro bimestre de 2013, visando aferir o processo de aprendizagem dos alunos na área de Língua Portuguesa, após a adesão ao Programa Gestar II pela escola. Porém, até o presente momento, não há dados estatísticos desta avaliação. 63 sociais na perspectiva da cidadania” (BRASIL, 1997, p. 38). Por certo que temas não sugeridos pelos PCN‟s, como família e escola, por exemplo, podem ser contemplados, para que sejam trabalhados em sala de aula, discutidos e problematizados à luz da contemporaneidade. No Programa Gestar II, no entanto, tais temas são justificados, sobretudo para a seleção de textos a serem trabalhados nos Cadernos de Teoria e Prática, no caso dos temas “família” e “escola”, ou para, em relação ao tema “trabalho”, comentar as diferentes formas de labor, dentre elas, “falar ou escrever”. Nos seis Cadernos que compõem o material do Gestar II, não se verifica uma abordagem ampliada desses temas, na perspectiva sugerida pelos PCN‟s. 2.3 Anotações nas margens dos Cadernos Apresentado esse material do Programa Gestar II, e após apreciação dos conteúdos, constata-se a ênfase no ensino da língua, como sistema, no ensino da gramática normativa e nos gêneros textuais, e fica explicitado também o foco na leitura e na produção textual, enquanto ficam subsumidos os conteúdos de literatura. Em relação ao ensino da língua, nota-se que o Programa II traz questões ou abordagens atuais, a exemplo do texto como centro das experiências no ensino de línguas, dos gêneros textuais, dos pactos de leitura, intertextualidade, entre outros. Contudo, em relação à literatura, persistem antigas abordagens dos textos literários – gênero literário, linguagem literária, categorias ou aspectos estruturais da narrativa. Muitas vezes, são explorados como pretexto para se trabalhar a língua, a despeito de tantas críticas feitas. Ficam evidentes as influências dos estudos linguísticos no ensino da língua, bem como ganha destaque a força das reflexões contemporâneas sobre leitura e produção textual, tidas como atividades que dão protagonismo aos estudantes. Pode-se também considerar que leitura e produção textual, como conteúdos ou atividades propostas na disciplina Língua Portuguesa, têm esse peso por pressões advindas dos baixos índices nos resultados de proficiência de leitura e escrita, apresentados por instrumentos de avaliação como Prova Brasil e PISA. 64 O histórico do ensino do Português no Brasil, apresentado por Magda Soares (2001), explica a permanência do ensino da língua através do estudo da gramática normativa. A persistência, até os anos 1940, de um ensino da língua, entendido como estudos de gramática, retórica e poética, deve-se ao fato “de que o conhecimento que se tinha da língua era aquele transferido do conhecimento da gramática do latim, da retórica e da poética aprendidas de e em autores latinos e gregos” (SOARES, 2001, p. 1). Estudava-se na disciplina Português, até essa década, “a gramática da língua portuguesa, e analisavam-se textos de autores consagrados, ou seja, persistiu, na verdade, a disciplina gramática, para a aprendizagem sobre o sistema da língua, e persistiram a retórica e a poética, estas adquirindo, é verdade, novas roupagens ao longo do tempo” (SOARES, 2001, p. 1). Ainda com Soares, as modificações nas condições de ensino e de aprendizagem da disciplina Português, a partir dos anos 1950 – contexto marcado por um alunado radicalmente diferente e professores formados em instituições específicas – não mudam o ensino dessa disciplina. A língua “continuou a ser concebida como um sistema cuja gramática deveria ser estudada, e como um instrumento de expressão para fins retóricos e poéticos”. Ressalta a autora uma mudança nesse período: [...] gramática e texto, estudo sobre a língua e estudo da língua, começam a deixar de ser duas áreas independentes, e passam a articular-se: ora é na gramática que se vão buscar elementos para a compreensão e a interpretação do texto, ora é no texto que se vão buscar estruturas lingüísticas para a aprendizagem da gramática. Assim, ou se estuda a gramática a partir do texto, ou se estuda o texto com os instrumentos que a gramática oferece (SOARES, 2001, p. 2). Enfim, o ensino dessa disciplina “continuou a orientar-se por uma concepção da língua como sistema, continuou a ser ensino sobre a língua, quer como ensino de gramática normativa, quer como leitura de textos para conhecimento e apropriação da língua padrão” (SOARES, 2001, p. 2). Magda levanta a hipótese de que o distanciamento entre os fatores externos – mudança de perfil de alunos, com a democratização do ensino e do perfil de docentes, e a criação de cursos específicos na área – e internos – que dizem respeito ao ensino da língua – pode explicar o fracasso do ensino e da aprendizagem. 65 Mantém-se assim cristalizado o ensino da gramática normativa, com a transmissão de conteúdos e regras no aprendizado da língua. Tal como se apresenta na escola, é visto como um modo seguro de avaliar e controlar o estudante, respondendo, desse modo, a uma representação da língua portuguesa elaborada pelo imaginário letrado e até mesmo popular de que há um português correto, um falar e escrever bem a língua materna. Segundo Magda Soares (2001), a partir de 1980 teorias como a Linguística, depois a Sociolinguística e, mais recente, a Linguística Aplicada, a Psicolinguística, a Linguística Textual, a Pragmática e a Análise do Discurso, começam a ser incorporados nos cursos de Letras. Essas “ciências” chegam à escola nos anos 1990, aplicadas ao ensino da língua portuguesa. O teor de cientificidade que é reivindicado para essas teorias contribui para que se dissemine uma abordagem científica nos estudos da língua, ao se constatar nos livros didáticos uma série de conceitos ou reflexões teóricas oriundas do campo da linguística. Tais reflexões não modificam na base as práticas de ensino da língua materna. Magda Soares (2001) ressalta a emergência de novas áreas de estudo, em concomitância com as teorias linguísticas, as quais sinalizam para que o ensino da língua se faça também por uma perspectiva histórica, sociológica e antropológica. São elas: “a História da Leitura e da Escrita, a Sociologia da Leitura e da Escrita, a Antropologia da Leitura e da Escrita, especializações da História, da Sociologia e da Antropologia”. Tais estudos favorecem que se possa “investigar e analisar, a primeira, as práticas históricas de leitura e escrita, a segunda, as práticas sociais de leitura e escrita, a terceira, os usos e funções da leitura e da escrita em diferentes grupos culturais” (SOARES, 2001, p. 2). Tais áreas vão ter, sem dúvida, um rebatimento na escola, orientando novas práticas do ensino da língua, o que explica, de certo modo, uma renovação de conteúdos e metodologias, com a introdução, nos currículos, de 2 grandes tópicos: “Leitura” e “Produção textual”, ao lado da “Gramática”, enquanto a literatura vai se retraindo, principalmente por não se constituir ciência, mas uma arte, um saber que desloca ou questiona o que é da ordem do instituído, como a própria escola, o ensino de língua e de literatura. Nos livros didáticos, não só nos Cadernos do Gestar II, a singularidade da literatura se dilui nos estudos da língua e os gêneros literários merecem referências apenas como uma prática discursiva entre outras, ainda que haja um tópico dos 66 conteúdos que se propõe a tratar da especificidade da literatura. Esse lugar que lhe é reservado, pois muitas vezes não se sabe como trabalhá-la na escola, termina por reforçar uma antiga polaridade: ciência versus arte. Ao expor essa questão, convém esclarecer que não se trata de medição de forças entre a língua ou Linguística e a literatura, reivindicando superioridade de uma em detrimento da outra, mas de considerar as especificidades, tanto da língua quanto da literatura. Com a entrada das teorias linguísticas na escola, percebe-se sempre um embate acalorado no que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa, de um lado, entre aqueles que militam pela Linguística, e de outro, e os que militam pelo ensino de literatura. Com a consolidação do campo da Linguística, constata-se que os estudos linguísticos sempre ocuparam lugar de destaque nos currículos de Língua Portuguesa, respaldado em uma crença na cientificidade dessa área de conhecimento, enquanto a literatura é vista como um saber que não produz os discursos de verdade da razão. Segundo Foucault (2002), esse desejo de verdade que sempre perseguiu o homem, através da oposição do verdadeiro e do falso, a vontade de produzir discurso verdadeiro que acompanha o homem desde a antiguidade, e que, ainda hoje, observa-se com certa frequência, é o que ainda permeia os contornos da memória, levando-nos quase que instintivamente à prática de medição e classificação em relação ao grau de importância das disciplinas e conteúdos. Assim, essa vontade de verdade exclui outros discursos. E esse olhar desconfiado que se lança à literatura a coloca, no entendimento de Foucault (2002), no lugar ocupado pela loucura, como aquela que não produz os discursos semelhantes aos nossos, que está acima dos abusos da língua, como um possível lugar fora do poder. A literatura é um saber que não reproduz os discursos convencionais. Ao contrário, questiona os ditos, as verdades estabelecidas. Como texto ficcional, a literatura, por produzir o verossímil e não o “verdadeiro”, é excluída pelo discurso dominante da razão, que a estigmatiza como a não ciência. Por ser livre para dizer o que quer, como quer e nas circunstâncias que quer, lançando mão da fantasia e da imaginação, anula-se o seu discurso com o interdito – não no sentido de impedimento de produzir discursos, mas, associando-a ao conceito de verdade, de real, de desejo de vontade de verdade, como se seu discurso só tivesse autoridade se vinculado ao discurso de verdade da razão (FOUCAULT, 2002). 67 Ao indagar “o que pode uma literatura? ”, Todorov comenta sobre a especificidade da literatura, a qual não pode ser comparada à ciência, uma vez que esta não precisa da aprovação dos seres humanos para ser legitimada, ao contrário da ciência, que precisa ser submetida à comprovação. Afirma o autor (2012): A verdade dos poetas ou de outros intérpretes do mundo não pode pretender ter o mesmo prestígio que a verdade da ciência, uma vez que, para ser confirmada, precisa de aprovação de numerosos seres humanos, presentes e futuros; de fato, o consenso público é o único meio de legitimar a passagem entre, digamos, “gosto dessa obra” e “essa obra diz a verdade”. Ao contrário, o discurso do cientista – que aspira alcançar uma verdade de correspondência e se apresenta como uma afirmação – pode ser submetido de imediato a uma verificação, pois será refutado ou (provisoriamente) confirmado. Não precisamos esperar por séculos e interrogar leitores de todos os países para saber se o autor diz ou não a verdade. Os argumentos relacionados logo suscitam contra-argumentos: inicia-se um debate racional em lugar de se ceder à admiração e ao devaneio. O leitor do texto científico se arrisca menos a confundir sedução e exatidão (2012, p. 78-79; grifos do autor). Regina Zilberman (2009) tece uma crítica ao pragmatismo das atividades pedagógicas nos textos literários e à crença recorrente de que a literatura, na condição de texto artístico, não ensina nada (e nem se pretende a isso), portanto, é considerada improdutiva pela sociedade capitalista, que não tolera uma atividade não rentável e sem aplicação. Antes, valoriza o “falar bem” e “escrever bem”, competências geralmente exigidas nas relações sociais e profissionais. Por não atender a uma visão utilitarista que permeia a lógica do capital, a literatura torna-se um excesso, e muitas vezes a escola não sabe como acolhê-la. Em seu artigo “(In)certos discursos sobre a leitura literária”, Inara Ribeiro Gomes (2009) reforça as proposições de Magda Soares (2001) ao destacar alguns aspectos que podem contribuir para entender a perda de espaço da literatura nos livros didáticos, consequentemente na escola, da qual se espera a contribuição na formação do leitor.39 Para a autora, o ensino de literatura, “[...] que já ocupou um lugar inquestionavelmente relevante na educação linguística e leitora, hoje dificilmente é defensável sem que se coloque a necessidade de seu deslocamento em prol de outras práticas e gêneros do discurso” (GOMES,2009, p. 1). Acrescenta: 39 Anais do 17º Congresso de Leitura do Brasil – COLE, em 2009. Disponível em http://alb.com.br/arquivo-morto/edicoes_anteriores/anais17/txtcompletos/sem04/COLE_3874.pdf. 68 “esse deslocamento tem causas sociais e culturais e, portanto, exteriores ao contexto escolar, e causas internas, pertinentes ao sistema de ensino, à trajetória histórica da escola e à formação de professores de língua” (GOMES, 2009, p. 1). Para a autora, se na educação linguística o domínio da norma tida como padrão se torna consenso para a inserção social do aluno, em relação à literatura o seu papel é incerto, o que se pode observar nos documentos oficiais, como os PCN‟s. Alguns fatores contribuíram para essa perda de espaço, ressalta Gomes, alguns deles, já destacados por Magda Soares (2001), quando traz um panorama da formação do professor de Língua Portuguesa. Primeiro, desde meados do século XX, constata-se uma diversificação e redefinição dos usos da palavra escrita, em decorrência de novas tecnologias e em que os “meios de comunicação audiovisual assumiram o papel de mediadores privilegiados dos bens culturais”. Há, assim, nesse contexto de sociedades pós-industriais, uma redução do valor e importância da leitura e da produção literária como práticas sociais. As novas formas culturais e artísticas desenvolvidas nesse contexto provocaram uma mutação na formação do imaginário coletivo, presidindo gostos e necessidades de fantasia e modificando o sentido social da literatura, tal como ela havia se constituído e consolidado desde o século XVIII até meados do século XX. (GOMES, 2009, p. 1). A crise dos estudos literários é destacada por Inara Gomes (2010) como um segundo fator, a qual é deflagrada com a emergência dos estudos culturais, ou os chamados estudos de cultura, que vão, a partir dos anos 1980, levantar, no âmbito dos estudos acadêmicos, uma série de questões que põem em xeque a “especificidade do literário”. Ao buscarem entender a dimensão estética da literatura considerando os contextos socioculturais de produção, os estudos culturais vão contribuir para enfraquecer um consenso acerca do literário e de um conjunto de obras e escritores que representariam o cânone literário, ressalta a pesquisadora. Tais fatores terão rebatimento na escola. Nesta, se fazem presentes “novos discursos que desacreditam o prestígio tradicional das humanidades como disciplinas formadoras das elites sociais e dentro das quais a literatura sempre ocupou lugar de destaque” (GOMES, 2010, p. 2), ao tempo em que permanece na escola, afirma Gomes, o problema da escolarização da literatura, ou seja, dos usos que são feitos dos textos literários. 69 Importa destacar que o foco na leitura que vem sendo dado atualmente nos currículos escolares, como constatado na disciplina Língua Portuguesa, não alterou significativamente a escolarização da literatura, no sentido de se propor abordagens literárias que demandem um leitor participativo e criativo, ao se verificar a permanência de um modo convencional de trabalhar a literatura na escola: apresenta-se o texto literário, ou um excerto dele, lança-se uma série de perguntas, e, às vezes, é proposta uma atividade de produção textual. As contribuições da História da Leitura e da Escrita, da Sociologia da Leitura e da Escrita e da Antropologia da Leitura e da Escrita parecem que ainda não ganharam força na escola para transformações substanciais em sala de aula – na qual venha se efetivar a leitura como prática social –, nem nos cursos de graduação em Letras, impactando a formação inicial. Tampouco os resultados incipientes de proficiência em leitura, apresentados por instrumentos de avaliação como o Prova Brasil e o PISA, parecem ter sido analisados de modo a provocar aquelas transformações no cotidiano escolar. Não se trata de considerar tais instrumentos referência para o estudo da questão, tendo em vista as metodologias aplicadas nessas investigações com critérios passíveis de questionamentos. Contudo, esses resultados podem fornecer pistas para se refletir sobre a validade de se prosseguir com um trabalho com a literatura que não tem feito diferença na formação. Frente a esse cenário escolar, chama atenção o número expressivo de Programas de incentivo à leitura, cercados de campanhas de divulgação na mídia, destinados aos estudantes da rede pública, que poderiam impactar as práticas de leitura em sala de aula. Contudo, como demonstram algumas pesquisas, muitos desses programas deixam à margem, quando de sua concepção, a comunidade escolar, particularmente gestores, professores e bibliotecários, convocados apenas na fase de implementação do programa na escola. Ou, o que também é apontado nas pesquisas, uma determinada comunidade desconhece o programa. Nos anos 1990, assiste-se à expansão de programas de incentivo à leitura de obras literárias, patrocinados pelo Governo Federal, com a ampliação de acervo de livros de literatura infanto-juvenil das escolas públicas. Em sua pesquisa sobre o Programa Literatura em Minha Casa, lançado em 2001, Regina Janiaki Copes (2007) faz um levantamento de outros programas, criados pelo governo federal e 70 órgãos não-governamentais, como políticas públicas de incentivo à leitura. 40 Já nos anos 1970 o Instituto Nacional do Livro lança projetos de financiamento de obras literárias. Na década de 1980, a Fundação Nacional do Livro, em parceria com a iniciativa privada, patrocinou projetos de incentivo à leitura. O Programa “Literatura em Minha Casa” foi implementado pelo MEC em 2001, com recursos do Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação, e está vinculado ao Programa Nacional Biblioteca da Escola. De acordo com o portal do FNDE, “o acervo foi composto por seis coleções diferentes, cada uma com cinco títulos: poesia de autor brasileiro, conto, novela, clássico da literatura universal e peça teatral”. As escolas também receberam quatro acervos para sua biblioteca. Em 2002, dando continuidade ao Programa, “o acervo foi composto de oito coleções de diferentes editoras, cada uma com cinco títulos: poesia de autor brasileiro, conto, novela, clássico da literatura universal e peça teatral. Os alunos da 4ª série foram contemplados com uma coleção e as escolas receberam um acervo para suas bibliotecas”. Marcado pelo alto investimento, o Programa Literatura em Minha Casa, implantado com o objetivo de integrar nas práticas de leitura a escola e a família, promoveu a distribuição gratuita de obras literárias aos alunos da 4ª a 8ª séries do Ensino Fundamental das escolas públicas. A ideia era que o aluno levasse o livro para casa, propiciando leituras compartilhadas entre familiares e amigos. A autora constata a pouca visibilidade desse programa, desconhecido de muitos agentes da escola – gestores, professores, bibliotecários –, o que a leva a questionar o modo pelo qual são implantadas e implementadas as políticas públicas educacionais e de leitura no país.41 Em relação ao Programa Literatura em Minha Casa, a pesquisadora apresenta algumas considerações: 40 Nesse levantamento, Regina Copes destaca a criação do PROLER e o PRÓ-LEITURA, ambos na década de 1990, o primeiro, com o intuito de dinamizar uma rede de programas para consolidar práticas leitoras, e o segundo, com o objetivo de oferecer formação continuada, teórica e prática, sobre leitura. Em 1997, o MEC, em parceria com a Secretaria de Ensino Fundamental (SEF), criou o Plano Nacional de Biblioteca Escolar (PNBE) com a intenção de prover recursos diversificados para a promoção da leitura no Ensino Fundamental. 41 A autora constata que o fracasso do Programa Literatura em Minha Casa deveu-se aos equívocos de sua implementação: “a) a maioria dos gestores escolares desconhecia os programas, os projetos e as campanhas de incentivo à leitura emanados do Governo Federal; b) os livros não chegaram nas escolas da forma como estava proposto nos documentos oficiais; c) os alunos não receberam os kits conforme o prescrito no projeto; d) em algumas escolas, tanto nas estaduais quanto nas municipais, há resíduo de volumes nas estantes das bibliotecas e nas salas de leitura e; e) as escolas receberam uma quantidade de kits muito aquém da demanda de matrículas.” (p. 6). Pelo alto investimento no 71 a) ele pode ser definido como uma política pública, no campo do livro e da leitura, que se caracterizou pela mera distribuição de livros com poucos critérios sobre a qualidade da aplicação, dentro e fora das escolas; b) não apresenta definição de estratégias de acompanhamento e avaliação do projeto; c) o Estado, como agente de controle e como consumidor, definiu e determinou os livros que os alunos iriam ler e; d) pelo conteúdo propagandista, pelas estratégias de implantação, pelos recursos de grande monta investidos, se enquadra como política de governo e não como política pública de Estado (COPES, 2007, p. 115-116). Ressalte-se a criação do Plano Nacional do Livro e Leitura/PNLL em 2006, selando as diretrizes para uma política pública voltada à leitura e ao livro no Brasil, à biblioteca e à formação de mediadores. Tais instâncias são convocadas pelo seu papel “no desenvolvimento social e da cidadania e nas transformações necessárias da sociedade para a construção de um projeto de nação com uma organização social mais justa”.42 Quatro eixos orientam a organização do Plano: 1) democratização do acesso; 2) fomento à leitura e à formação de mediadores; 3) valorização institucional da leitura e incremento de seu valor simbólico; 4) desenvolvimento da economia do livro.43 É possível que o insucesso dessas iniciativas de incentivo à leitura se deva ao fato de não haver um envolvimento da comunidade escolar, nem interesse do governo federal, quando da implantação de políticas públicas de leitura, em analisar questões sociais que afetam o sistema educacional. Tais iniciativas não têm impacto Programa e pelas denúncias de não cumprimento de sua finalidade, a autora informa que o Tribunal de Contas da União solicitou, em 2002, do então presidente Fernando Henrique Cardoso, um estudo para se avaliar os rumos do projeto, mas não foi atendido (COPES, 2007, p. 116). 42 O Plano Nacional do Livro e Leitura/PNLL foi instituído por meio da Portaria Interministerial Nº 1.442, de 10 de agosto de 2006, pelos ministros da Cultura e da Educação. E, em 1º de setembro de 2011, foi instituído por meio do decreto Nº 7.559, firmado pela presidente Dilma Roussef. Conforme o texto institucional divulgado no site do Ministério da Cultura, o PNLL resulta de mais de “150 reuniões públicas em todo o País nos anos de 2005 e 2006, ocasião em que sugestões para o Plano eram colhidas”. Delas participaram “representantes de toda a cadeia produtiva do livro – editores, livreiros, distribuidores, gráficas, fabricantes de papel, escritores, administradores, gestores públicos e outros profissionais do livro –, bem como educadores, bibliotecários, universidades, especialistas em livro e leitura, organizações da sociedade, empresas públicas e privadas, governos estaduais, prefeituras e interessados em geral”. O texto final do Plano foi aprovado em 2006, “em reunião da Câmara Setorial do Livro e Leitura (CSLL), com a participação de representantes do Estado e da sociedade”. Disponível em http://www.cultura.gov.br/pnll. Acesso em 04 de janeiro de 2015. 43 Para o Ministério da Cultura, esse Plano guarda uma dimensão de política de Estado, “de natureza abrangente, que possa nortear, de forma orgânica, políticas, programas, projetos e ações continuadas desenvolvidos no âmbito de ministérios – em particular os da Cultura e da Educação –, governos estaduais e municipais, empresas públicas e privadas, organizações da sociedade e, em especial, todos os setores interessados no tema”. 72 na escola, o que acaba por manter limitada a presença da literatura nos currículos escolares, o que se repete em um programa de formação continuada como o Programa Gestar II, que deveria promover a oportunidade dos docentes ampliarem seu repertório de leitura, seus conhecimentos na área, e não recebê-los encadernados, como chegam pelos manuais. 73 3 NAS PÁGINAS DOS CADERNOS, UM GÊNERO CHAMADO LITERATURA A inclusão da literatura no Programa Gestar II atende às exigências dos Parâmetros Curriculares Nacionais quanto aos conteúdos a serem contemplados nas disciplinas de Língua Portuguesa. E a literatura, conforme a Lei de Diretrizes Curriculares 9394/96, deve ser compreendida como unidade básica no campo da linguagem. Nos Cadernos de Teoria e Prática a literatura compreende três grandes áreas – “Gramáticas”, “Literatura” e “Produção textual” – compartimentada, entretanto, a despeito da interdisciplinaridade sugerida pelos PCNs, que preveem que tais esferas não devam ser trabalhadas isoladamente. Pelo exposto, o lugar que a literatura ocupa hoje nos manuais didáticos decorre das transformações e mudanças no currículo. Segundo Melo e Klinke (2009), desde os anos 1970 a disciplina Língua Portuguesa é segmentada em língua e literatura – esta última, com especial atenção para a literatura brasileira – o que repercutiu na organização curricular: separação entre gramática, estudos literários e redação, orientando também na produção de livros didáticos e programas educacionais. No elenco dos conteúdos da disciplina Língua Portuguesa, os Cadernos do Gestar II priorizam o ensino da língua e a produção textual, inclusive trazendo conceitos atualizados, elaborados na área dos estudos linguísticos, como noções de gêneros textuais, gêneros discursivos, letramento e intertextualidade. Em relação aos conteúdos de literatura são poucas as abordagens que indicam uma renovação de perspectiva. Ressalte, nesse caso, a de tomar o texto literário como gênero textual, o que, de certo modo, retira da literatura uma aura de inacessibilidade, ainda cultuada, embora esse deslocamento do literário seja alvo de crítica por justamente manter em segundo plano um trabalho com as obras literárias. Para compreender o trabalho com a literatura nos Cadernos de Teoria e Prática, deve-se considerar, de início, o processo de escolarização. Neles os textos são apresentados como “texto em forma de aula”. Portanto, nos cadernos, exploramos o texto como ferramenta de transformação, de problematização e de elaboração de conceitos. Assim, o texto contido no material não é um artigo científico e nem um texto literário, mas é um texto em forma de aula; um texto que 74 leva o leitor a construir conhecimento; é um texto que ensina. (BRASIL, 2010, p. 15-16; grifo nosso). Trata-se, portanto, de textos que passaram por um processo de didatização, ou seja, um conhecimento que foi escolarizado, organizado em torno dos gêneros textuais, correspondendo assim às diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais, que propõem que o texto seja visto “como uma unidade básica do trabalho com o ensino de Língua Portuguesa” e entendem que “os gêneros não se desvinculam dos textos” (BRASIL, 2008, p. 55). No Programa Gestar II, a centralidade no texto está assim posta na apresentação do Caderno 3: [...], as unidades deste caderno apontam para duas direções: o texto como atuação social e o texto como organização de informações. Essas duas dimensões textuais estão intimamente interrelacionadas, mas vamos olhá-las separadamente, apenas para fins didáticos. (BRASIL, 2008, p. 11). Pelo processo de escolarização passaram também os textos que trazem reflexões ou aportes teóricos, inseridos nos Caderno de Teoria e Prática para subsidiar o trabalho do professor cursista na formação continuada. Cada Caderno traz em suas Unidades ímpares a seção “Ampliando nossas referências”, na qual se encontra um texto de “referência” – “artigo científico” ou seu fragmento – chamado de “texto teórico” pelas autoras. Como sempre vai ocorrer nas unidades ímpares, apresentamos-lhe um texto teórico, chamado de referência, que representa um outro olhar sobre o assunto da unidade e vai ser analisado sobretudo na relação com a sua sala de aula. Nesse texto, tanto quanto nos nossos, desejamos que você faça uma leitura crítica: não temos de aceitar as posições expostas, desde que tenhamos argumentos para defender outros modos de encarar a questão em foco (BRASIL, 2008, p. 44). Com o intuito de que os textos da seção “Ampliando nossas referências” contribuam para uma reflexão do professor acerca do assunto principal de determinada Unidade, tais textos são, em boa parte, excertos de publicações – artigos, livros ou capítulos de livros – que tratam de tópicos como variação linguística, leitura e produção textual, gêneros textuais, descrição e dissertação, 75 estilística, coesão textual, argumentação, ensino da arte. Como se vê, não há um texto específico dos estudos literários. O conteúdo “literatura” está no texto sobre arte, “Didática do ensino da arte: a língua do mundo: poetizar, fruir e conhecer arte”, inserido naquela seção do Caderno 2 (Unidade 7). Com presença majoritária nos Cadernos, os textos que versam sobre estudos lingüísticos acompanham o privilégio dos estudos da língua nos Cadernos. Esse critério se repete nas bibliografias sugeridas ao professor cursista, em uma seção específica ao final das Unidades, como também na bibliografia em que se apoiaram as autoras para a elaboração dos Cadernos. Situada essa direção do Gestar II, faz-se necessário refletir sobre a escolarização da literatura, para analisar as formas pelas quais os textos literários dos Cadernos do Gestar II passam por esse processo. Segundo Bernstein (1996, p.129), o que ocorre na escola é o chamado discurso instrucional: um processo de recontextualização do discurso pedagógico que se dá através de um processo de descontextualização de qualquer discurso científico da sua fonte original para originar um discurso simplificado, condensado para se configurar em materiais didáticos. Para o autor, posteriormente esse discurso científico é refocalizado para as diversas áreas do conhecimento, a fim de que receba o formato de um discurso instrucional, que, por sua vez, se submete ao discurso regulativo. Para Bernstein (1996), um discurso científico, quando é “pedagogizado”, ganha nova classificação como “o quê” e “como”, ou seja, um novo enquadramento, um modo de transmissão dessas categorias, conteúdos e relações. Daí uma questão pontuada por Aracy Evangelista (1999, p.5) com relação ao que é colocado por Bernstein: Se isso acontece com o discurso científico, como se dá a relação entre o discurso pedagógico e o discurso literário, enquanto objeto de estudo escolar? Como dialogariam esses discursos, se é próprio da natureza do discurso pedagógico a simplificação e a condensação, além da classificação e do enquadramento, de caráter instrucional e regulativo e se é da própria natureza do discurso literário o contato direto com a obra em sua essência, nos processos de recepção e de produção da leitura? As questões colocadas por Aracy Evangelista contribuem para entender porque, muitas vezes, na escola prevalece um ensino sobre literatura, ou seja, um 76 falar sobre as obras literárias. Quando há oportunidade do contato com elas, vem mediado por orientações de como lê-las, através de manuais, como ocorre com no Programa Gestar II. 3. 1 O saber literário nas atividades de leitura À primeira vista, o quantitativo de textos literários inseridos nos Cadernos do Programa Gestar II poderia nos levar a inferir que a literatura tem lugar de prestígio nessa formação. Contudo, a despeito do número elevado desses textos, em todas as Unidades, nos 06 Cadernos de Teoria e Prática, com quatro Unidades cada, a literatura está subsumida, em relação à gramática, leitura e produção textual. 44 Os Sumários dos Cadernos demonstram uma presença rarefeita, bem como o uso pragmático dos textos literários nas atividades de compreensão e interpretação, com roteiros repetitivos e previsíveis. Os textos de apresentação dos conteúdos confirmam tal constatação, a exemplo do texto do Caderno1: “[...], vamos não só discutir conceitos como variação linguística, texto, intertextualidade, gramática, arte e literatura, gêneros textuais, mas vamos mostrar como esses conteúdos podem e devem entrar nas suas aulas para alunos dos 3º e 4º ciclos” (BRASIL, 2008. Não paginado).45 Tais conteúdos ou conceitos são justificados como relevantes para promover um bom desempenho dos alunos, que vem apresentando baixa competência no uso da linguagem (BRASIL, 2008. Não Paginado). Os Sumários dos 06 Cadernos de Teoria e Prática já sinalizam o modo pelo qual a literatura entra em sala de aula.46 Como tópico ou conceito, aparece apenas em duas Seções das Unidades 2 (caderno 1), cujo assunto é “Variantes linguísticas: desfazendo equívocos”, e Unidade 10 (caderno 3), que tem como assunto “Trabalhando com os gêneros textuais” 44 47 Dentre os fragmentos de textos literários encontrados nos cadernos, predominam fragmentos de poemas e contos e pelo menos um texto representativo de gêneros como crônicas, romances, novelas, cordel, letras de músicas, além de textos de propaganda, de divulgação científica e artigo jornalístico (Cf. Anexo 5). 45 Cabe lembrar que em cada caderno há dois textos de apresentação. No primeiro, padronizado, têm-se os conteúdos que serão estudados em todos os Cadernos. No segundo, uma apresentação específica dos conteúdos de cada Caderno, um sumário comentado. 46 Cf. Anexo 6. 47 A Unidade 1 tem como tópico central “Variantes linguísticas: dialetos e registros”. A Unidade 10 tem como tópico central “Gêneros textuais: do intuitivo ao sistematizado”. 77 Unidade 2: Variantes linguísticas: desfazendo equívocos Seção 1: A norma culta Seção 2: O texto literário Seção 3: Modalidades da língua Unidade 10: Trabalhando com gêneros textuais Seção 1: Gênero literário e não-literário Seção 2: O gênero poético Seção 3: Uma subclassificação do gênero poético: o cordel (BRASIL, 2008. Não paginado). Na Unidade 2, os pontos das seções são tidos como polêmicos pelas autoras, dada a dificuldade de caracterização, da falta de consenso. Com esses conteúdos, pretende-se que o professor “seja capaz” de “1 – caracterizar a norma culta; 2 – caracterizar a linguagem literária; 3 – caracterizar a língua oral e a língua escrita” (p. 57). Em relação ao “texto literário”, assim está posta a finalidade: “vamos mostrar a grande característica do texto literário: a total possibilidade de liberdade de construção” (p. 57). Para “caracterizar” a linguagem literária, a Unidade traz o poema “Caso do vestido”, de Carlos Drummond de Andrade, que já se fez presente na Unidade 1 desse Caderno, com a crônica “Retrato de velho”, para ilustrar as interrelações entre língua e cultura (seção abordada nessa Unidade). Ressalte-se a tônica na explanação dos conteúdos de literatura e de língua, tidas como objeto de estudo: uma apresentação de supostas características, identificação de traços comuns, tidos como inerentes, classificação – ao tempo em que estabelece hierarquias – o que demonstra que a taxonomia, tão criticada, ainda é o eixo do processo ensino-aprendizagem. No segundo texto de apresentação do Caderno 2, a literatura é anunciada brevemente como conteúdo: “nas unidades 7 e 8 vamos tratar da arte, suas características, em especial, da literatura” (BRASIL, 2008. Não paginado). Na Unidade 7, a literatura é apresentada como arte, em meio a outras produções artísticas, linguagens verbais e não-verbais, como a pintura, a escultura, a dança, o teatro, a música, o cinema e os quadrinhos, ganhando destaque na Unidade 8, como se pode ver no Sumário do Caderno 2: Unidade 7 – A arte: formas e função Seção 1: Arte e cotidiano Seção 2: A arte: classificação e características 78 Seção 3: As funções da arte Unidade 8 – Linguagem figurada Seção 1: A expressividade da linguagem cotidiana Seção 2: Figuras e linguagem literária Seção 3: Elementos sonoros e sintáticos da expressividade Na Unidade 7, pretende-se discutir o “papel e as características da linguagem da arte, para chegar a um elemento constante na obra literária: a linguagem figurada”.48 É ressaltada a necessidade de se sistematizar os tópicos centrais das Unidades 7 e 8, tendo em vista que, segundo a autora, se as pessoas não se sentem à vontade para falar sobre arte é por duas razões: “ou porque a consideramos assunto para especialista ou por que não é tema importante, temos nossas preferências, gosto não se discute. Continua: “Cremos que não é assim tão simples”. “Talvez você não se sinta um bom ou frequente fruidor de arte, aquela pessoa que procura entrar em contato com obras artísticas e se deleita com sua percepção”. Talvez tenha dúvidas quanto ao que considerar arte, nos dias atuais”. “Às vezes, não temos clareza quanto ao poder da arte, num mundo marcado pela concorrência e pela luta no mercado de trabalho, cada vez mais ávido de informações. Nesse quadro cultural, que papel cabe à arte e, mais especialmente, à literatura, a arte da palavra? (BRASIL, 2008, p. 75). No Caderno 3, ressalte-se que no texto de apresentação não há qualquer comentário acerca do conteúdo “literatura”, apesar de se constatar que, na Unidade 10 desse Caderno, intitulada “Trabalhando com os gêneros textuais”, as três seções tratam do gênero literário: 1) “Gênero literário e não-literário; 2) O gênero poético; 3 Uma subclassificação do gênero poético: o cordel”. As autoras classificam o gênero literário como aquele que “tem como principal finalidade explorar o aspecto lúdico, estético, da linguagem. Poemas, contos, romances, novelas são exemplos de gêneros literários” (p. 68). Nessa classificação, mantêm-se velhas hierarquias, estabelecidas pela cultura dominante, ao se trazer o cordel como uma subclassificação do gênero poético. No Caderno 6, a literatura será trabalhada na Unidade 24. Nesta, afirma a autora, “vamos retomar e sistematizar atividades e discussões que estiveram presentes durante todo o curso, ainda que não tenhamos explicitado o assunto: a 48 Anexo 7. 79 literatura para adolescentes [...]” (BRASIL, 2008. Não paginado). No tópico “Iniciando a nossa conversa”, dessa Unidade, destaca-se a presença da literatura em todas as unidades. O texto literário acompanhou você desde a primeira unidade. Se folhear qualquer volume, verá também que em torno dele foram sugeridas atividades bastante variadas e que sublinhávamos, a cada momento: “Leia o livro de onde extraímos este trecho e leve-o para a sua turma” (BRASIL, 2008, p. 165; grifos da autora). Contudo, nos Cadernos, prevalecem os estudos da língua, com aportes do campo da linguística, leitura e produção textual. 49 Na Unidade 24, dedicada à literatura para adolescentes, é importante destacar o cuidado em conduzir uma reflexão acerca da importância do professor na formação leitora. Portanto, são propostos três temas para a Unidade: a) adolescentes, leituras e professores; b) a qualidade literária é primordial na literatura para adolescentes?; c) existem boas formas de explorar a literatura na escola? Concluem as autoras: Com as reflexões e atividades propostas ao longo da unidade, esperamos que você seja capaz de: a) avaliar o envolvimento do professor com o que os adolescentes leem; b) conhecer as principais tendências na produção de uma literatura para adolescentes e critérios de seleção de obras; c) desenvolver atividades capazes de despertar o aluno para o prazer e o valor da literatura (BRASIL, 2008, p. 166). O intuito está em promover uma discussão e orientação quanto ao papel do professor cursista no trabalho com a literatura. Para a autora, a escola precisa criar esse espaço de presença da literatura, para que, pelo menos em algum momento da vida, as pessoas se lembrem da experiência gratificante de ouvir ou ler literatura (p. 165). “Queremos enfatizar a importância de acender, na cabeça e no coração dos alunos, pelo menos uma pequena chama de interesse pela literatura” (BRASIL, 2008, p. 165). 49 Conforme levantamento de gêneros textuais encontrados nos Cadernos (Anexo 8), 27,5% dos textos são considerados literários, enquanto 72,5% são textos não literários. Há uma quantidade significativa de textos funcionais (47,59%), aqueles cuja finalidade maior é a informação. Há um percentual razoável, 33,3%, de textos literários no Caderno 3, que trata dos gêneros e tipos textuais; seguido dos Cadernos 2 e 5, com18,3% cada. Boa parte dele é trabalhada no estudo de gramática. 80 No Caderno 6, reitera-se a concepção de literatura como arte, ao se ressaltar a relevância da função da literatura na formação dos homens, desenvolvendo a sua sensibilidade. Ao colocá-lo no centro da fantasia, ao criar as muitas possibilidades de interpretação, a arte põe no fruidor a responsabilidade de descobrir significados, de jogar o jogo, de montar o quebra-cabeça. Então, são convidados a atuar a sensibilidade e o espírito crítico do leitor, qualidades fundamentais para o sujeito transformado em cidadão. A arte é talvez o reduto especial em que – pela emoção primeiramente – reagimos a uma ordem de coisas que nos parece atrapalhada, reconhecemos vozes que têm semelhança com a nossa e que nos fazem sentirmo-nos irmãos, ligados talvez por um fio de esperança (BRASIL, 2008, p. 177). Portanto, como expresso ainda no Caderno 6, “a arte é um convite à (re) interpretação do mundo”. A literatura é, portanto, uma possibilidade especial do desenvolvimento da interpretação, que vai além do conhecimento de dados, da simples informação. Como toda arte, ela informa, mas pode fazer muito mais, e, em geral, faz: procurando na expressão do outro a palavra que desvende o mundo, o leitor procura desvendar a si mesmo e, procurando entender-se, caminha na compreensão do outro. Mais do que qualquer forma de conhecimento, a arte (e em especial a literatura) desvenda verdades sobre a condição humana. Segundo um de nossos maiores poetas, José Paulo Paes, a arte, a ficção, amplia a nossa humanidade. O contato com as artes e sobretudo com a literatura deve ser um objetivo claro de qualquer projeto educacional, ao lado do contato com outras formas de conhecimento, inclusive o científico (BRASIL, 2008, p. 178). Os Cadernos do Gestar II destacam a singularidade da literatura, pela linguagem, como arte da palavra, “caracterizada” pela expressividade dos jogos sonoros e rítmicos e por figuras. Em relação à linguagem figurada, mantém-se a tradição da retórica orientando a identificação e interpretação de variados tropos nos textos literários: metáfora, personificação, hipérbole, antítese, comparação, metonímia etc. O poema “Serão de junho”, de Augusto Meyer, é trabalhado na Unidade 8 do Caderno 2 com tal fim: Ouve: – alguém bateu na porta... Janelas brilham no escuro. Cada casa é uma estrelinha. Cada estrela é uma família. E o minuano, pobre diabo, 81 que não quer ficar no escuro, bate, bate, empurra a porta, praguejando como um doido: – Pelo amor de Deus, eu quero a esmola rubra do fogo! Mas ninguém abre ao minuano. Que noite fria lá fora... Cada casa é uma estrelinha. Há mais estrelas na terra do que no céu, Deus do céu! Lá fora que noite fria ... E o minuano, pobre diabo, andando sempre, andarengo, para enganar a miséria, geme e dança pela rua enquanto assovia - chora, e enquanto chora – assovia (BRASIL, 2008, p. 118). Segue-se o exercício de compreensão e interpretação proposto para o poema: A) Podemos perceber três vozes diferentes nesse poema. Indique quais são elas. Justifique. B) Por causa dessas vozes, de onde "vemos" a cena? Justifique. C)Que características o minuano apresenta, no poema? D)Como é sugerida a força do vento? E)Transcreva abaixo a comparação que aparece no poema e justifique o paralelo entre os elementos comparados. F) Identifique no poema: a) uma sequência de metáforas: b) um pensamento exagerado: c) uma sequência de ações ou atitudes opostas: (BRASIL, 2008, p. 118-119). Após as perguntas de localização e inferência, solicita-se que sejam identificadas algumas figuras de linguagem, considerando a classificação pelos estudos retóricos: metáfora, personificação, hipérbole (“pensamento exagerado”), antítese e ironia, ainda que muitas vezes tais classificações se mostrem confusas, imprecisas. No E-dicionário de termos literários, Carlos Ceia (2010) situa as figuras de linguagem nos estudos retóricos, questionando sua validade: Tradicionalmente, há um repertório infindo de figuras de linguagem, com nomenclaturas diversas, heterogêneas e, até, contraditórias. A própria ambiguidade da classificação das figuras revela a natureza conotativa de todo discurso: a denotação seria, então, uma utopia, na 82 medida em que o poeta, por exemplo, almeja que a palavra seja a coisa, o ícone seja o real, o signo seja o ser. Para além da polissemia de todo enunciado, as figuras também se misturam, configurando um concerto significativo (CEIA, 2010. Não paginado). O autor chama atenção para o trabalho inócuo no ensino de figuras de linguagem: O estudo das figuras de linguagem - ou figuras de retórica ou, ainda, figuras de estilo – não deve resultar numa inócua taxonomia, fastigiosa para o aluno do segundo grau e mais enfadonha ainda e infindável para o estudante universitário. Com efeito, as figuras estruturam a própria linguagem, potencializam o discurso, carregam com expressividade a fala, realçam o que Roman Jakobson denomina “função poética da linguagem”, sendo que toda linguagem é poièsis, vale dizer, criação (grifos do autor). Enquanto a tradição retórica, assentada na taxonomia, encontra um vasto elenco de figuras que expressariam diferentes formas de pensamento, Roman Jakobson inova o entendimento dos processos de construção do pensamento, como ressalta ainda Ceia: Com sua longa, gloriosa e inglória história, a retórica renova-se no século XX: Roman Jakobson articula duas fundamentais figuras de retórica - a metáfora e a metonímia - e duas importantes categorias da linguagem - a seleção e a combinação -, e formula esta hipótese fulcral: “la fonction poétique projete le príncipe d’équivalence de l’axe de la sélection (ou: paradigmatique) surl’axe de la combinaison (ou: syntagmatique)”, correlacionando os pólos metafórico e metonímico que configuram a estrutura lingüística; [...]. 50 Por essa perspectiva de Roman Jakobson, vê-se que o intuito de identificar, caracterizar e classificar as figuras termina por criar embaraços à própria atividade de compreensão e interpretação. Chama atenção nos Cadernos o fato de ser sempre ressaltada a dificuldade de se trabalhar com classificações, uma vez que os objetos e os conhecimentos não são fixos e imutáveis. Contudo, apesar de um discurso que aponta para a abertura do literário, na prática a condução ao estudo da língua e da literatura está apoiada em classificações, conceituações e definições questionáveis. 50 “A função poética projeta o princípio de equivalência do eixo de seleção (ou paradigmático) sobre o eixo da combinação (ou sintagmático)” (JAKOBSON, 1992). 83 Em uma Unidade do Caderno 3, tem-se um fragmento do poema “José”, de Carlos Drummond de Andrade, explorado “para caracterizar a linguagem poética” (BRASIL, 2008, p. 57): “E agora, José?/A festa acabou,/a luz apagou,/o povo sumiu,/a noite esfriou,/e agora, José?/e agora, você?/você que é sem nome,/que zomba dos outros,/você que faz versos,/que ama, protesta?/E agora, José?” (p. 57). Abaixo do poema, há uma nota intitulada “Recordando”, com definições de “aspectos formais do poema”: estrofe, ritmo poético, rima e métrica, com vistas à atividade elaborada para a análise do poema. Atividade 1 Como obra representativa do modernismo, as rimas desse poema não são rimas tradicionais ou clássicas. Procure em livros de seu conhecimento estrofes que apresentem rimas tradicionais. a) Transcreva um poema ou, ao menos, uma estrofe, sublinhando a última sílaba tônica (forte) de cada verso. b) Compare com o trecho transcrito de José. Por que consideramos que as rimas desse poema não são clássicas? c) Por que, mesmo não tendo o padrão clássico de rimas poéticas, o trecho de José pode ser considerado poético? d) As repetições usadas no poema são comumente usadas em textos escritos? Por que você acha que são usadas nesse poema? (BRASIL, 2008, p. 58). Propõe-se aí uma apreciação do efeito conseguido com a sílaba tônica, com as repetições, no intuito de mostrar que o texto poético não se constrói apenas com rima e métrica, mas com o jogo de sílabas tônicas, fonemas vocálicos e consonantais e a pontuação, importantes na obtenção do ritmo poético. Assim, importa o estudo do texto na sua imanência: conhecer sua estrutura como texto poético. A atividade colabora sem dúvida com o que se pode chamar de educação estética, ainda que apresente perguntas cujas respostas estão localizadas no texto, que asseguram o controle das atividades, podendo atestar o “êxito” da aprendizagem. Ressalte-se que as seções “Avançando na prática”, presentes nos Cadernos do Gestar, trazem sugestões de outras atividades – diferentes das repetitivas atividades de “leitura, compreensão e interpretação” – o que amplia as possibilidades de contato dos alunos com as obras literárias. 84 Apesar de destacar a dificuldade de conceituar a literatura, os Cadernos do Gestar II ressaltam a sua singularidade ainda pela distinção entre “literário” e “nãoliterário”, mesmo que sinalize a imprecisão dessa distinção: Tanto os textos considerados literários, quanto os não literários, são assim classificados por um conjunto de fatores que não podem ser considerados isoladamente. Dependendo da função maior que um texto exerce na interação, sua classificação pode variar. Nem o tema, nem a maneira de organizar e explorar o vocabulário podem, por si só, justificar uma classificação. Os textos considerados literários põem, em geral, em relevo o plano da expressão, da sonoridade, do jogo de imagens, mas a definição do que seja texto literário, ou poético, pode variar, segundo as escolas literárias. Em geral, os textos não literários (funcionais ou utilitários) têm como finalidade maior a informação e, por isso, aspectos estéticos da linguagem – ou a exploração do plano sonoro ou da linguagem figurada – são considerados em segundo plano (BRASIL, 2008, p. 67). Prevalece, como já ressaltado, uma visão de literatura consagrada por uma tradição literária, que visa à especificidade do literário, postulada pelas abordagens formalistas e estruturalistas, que privilegiam o estudo imanente dos textos, analisando linguagem, estrutura narrativa, categorias como tempo, espaço, foco narrativo, personagens. Tais abordagens terminaram por modular conceitos e definições do literário, de modo essencializado. Para Terry Eagleton (2003), “a definição de literatura fica dependendo da maneira pela qual alguém resolve ler, e não da natureza daquilo que é lido” (p.11). Para o autor, a existência de certos tipos de escritos, como poemas, peças de teatro, romances, entre outros, que obviamente não são pragmáticos, mas isso não garante que serão realmente lidos dessa maneira. Ressalta: “o que importa pode não ser a origem do texto, mas o modo pelo qual as pessoas o consideram. Se decidirem que se trata de literatura, então o texto será literatura, a despeito do que o autor tenha pensado” (p.12). Assim, “não existe uma essência da literatura, qualquer fragmento de escrita pode ser lido como literatura não-pragmaticamente, se é isso que significa ler um texto como literatura, assim como qualquer escrito pode ser lido poeticamente” (p.12). Contrariando essas definições, Eagleton (2003, p. 14) argumenta: “literatura” talvez signifique o oposto: qualquer tipo de escrita que, por alguma razão, seja altamente valorizada. 85 Ao tratar da literatura na educação básica, Ana Cristina Viegas (2012) constata que prevalece no ensino médio um trabalho focado na historiografia literária, enquanto no ensino fundamental o texto literário passa por um processo de escolarização, sobretudo com a fragmentação de textos literários, processo já apontado por Magda Soares. Segundo Viegas (2012, p. 2), “após uma breve análise dos livros já nos deixa perceber que são constituídos de retalhos e recortados de diferentes orientações teóricas”, além de prevalecer uma metodologia de leitura orientada pelos exercícios de compreensão e interpretação. Contudo, o ensino de “literatura depende muito do modo como a leitura do texto literário é vista pelos professores” (VIEGAS, 2012, p. 2). Ao que parece, pelo analisado no Programa Gestar II, a literatura ganha importância nas aulas de Língua Portuguesa à medida que contribui para o desenvolvimento da competência textual, no qual se inclui um domínio da gramática normativa. Essa configuração de ensino encontrado nos livros didáticos muitas vezes restringe o contato direto com as obras literárias, pois a escola concebe o ensino de literatura numa visão utilitarista de leitura de literatura, como ressalta Regina Zilberman. Constata-se assim que “[...] o conceito de leitura e de literatura que a escola adota é de natureza pragmática, aquele que só se justifica quando explicita uma finalidade – a de ser aplicado, investido, num efeito qualquer” (ZILBERMAN, 1988, p. 111). Nesse sentido, a escola continua a reproduzir uma concepção redutora de ensino de literatura, apoiada no ler para fazer. Ao analisar a questão da escolarização da literatura, Magda Soares a entende como uma “apropriação, pela escola, para atender a seus fins específicos, de uma literatura destinada à criança, ou que interessa a criança” (SOARES, 2011, p. 20). Para essa pesquisadora, historicamente a escolarização é um termo rotulado como pejorativo, depreciativo, quando associado ao conhecimento, saberes e produções culturais. Ou seja, há uma conotação pejorativa em “escolarização do conhecimento” e nas expressões “conhecimento escolarizado” e “arte escolarizada”, “literatura escolarizada”. Todavia, para a autora tal conotação não é justa, pelo menos em tese, pois não há conotação pejorativa na expressão “escolarização da criança” ou “criança escolarizada”. É próprio da escola o processo de escolarização de conhecimentos, saberes e artes, pois o surgimento da escola está indissociavelmente ligado à constituição dos saberes escolares. Assim, não há como ter escola sem a escolarização dos 86 saberes,“que se corporificam e se formalizam em currículos, matérias e disciplinas, programas, metodologias, tudo isso exigido pela invenção, responsável pela criação da escola, de um espaço de ensino e de um tempo de aprendizagem” (SOARES, 2011, p. 20). Portanto, o foco principal dessa discussão deve ser o processo de didatização: [...] o que se pode criticar, o que se deve negar não é a escolarização da literatura, mas a inadequada, a errônea, a imprópria escolarização da literatura, que se traduz em sua deturpação, falsificação, distorção, como resultado de uma pedagogização ou uma didatização mal compreendida que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-o o, desvirtua-o, falseia-o. (SOARES, 2011, p. 22). Segundo a autora, a literatura pode ser escolarizada em três instâncias básicas: a biblioteca escolar; a leitura e estudo de livros de literatura, em geral determinada e orientada por professores de Português; a leitura e o estudo de textos, em geral componente básico de aula de Português. 51 Em relação às duas últimas instâncias, Soares traz os resultados da sua pesquisa realizada em coleções de livros didáticos do Ensino Fundamental. 52 Nelas, constata formas inadequadas de escolarização da literatura 53: a) fragmentação inadequada de textos literários; b) recorrência dos mesmos autores e obras; c) uso dos textos literários para análise do aspecto formal do texto; d) ausência de critérios apropriados para a seleção de autores não “canônicos”; e) falta de referências bibliográficas e biográficas; f) títulos que não representam bem o trecho de texto selecionado; g) distorção que sofre o texto ao ser transportado para a página do livro didático (p. 25-43). Algumas dessas formas de escolarização ainda se fazem presentes nos livros didáticos, incluindo-se os Cadernos de Teoria e Prática do Programa Gestar II. Em 51 Segundo Magda Soares (2011) as formas de leitura depreendidas das duas últimas instâncias dizem respeito a leitura de livros de literatura orientada e determinada por professores de Português, ou pelo livro didático. Neste caso, a leitura sempre vai se constituir como tarefa ou dever escolar, sejam quais forem as estratégias para mascarar esse objetivo, mesmo que os professores peçam aos alunos escolherem as obras que desejam ler ou que leiam as obras indicadas por eles, jamais a leitura de livros no contexto escolar será uma leitura caracterizada como uma leitura “ler para ler”, compreendida como leitura essencialmente por lazer, por prazer que se faz fora da escola, e se quer fazer quando se quer fazer. Sem falar que na escola a leitura é sempre avaliada, mesmo que não se admita isso, mascarando também as formas de avaliação. 52 No texto da autora não há indicação do ano em que a pesquisa foi realizada. Ressalte-se que a 1ª. edição da publicação desse estudo é de 1999. 53 Magda Soares emprega o termo “escolarização” no mesmo sentido de “didatização e pedagogização”. 87 relação ao Gestar, há que indagar sobre o sentido de uma formação continuada que não contempla uma reflexão com os professores cursistas acerca da escolarização da literatura. Ao contrário, o professor participa de uma formação cujo objetivo maior é aplicar com êxito um conjunto de saberes escolarizados sob a forma de manual didático. Das formas de escolarização elencadas por Magda Soares, constata-se nos Cadernos de Teoria e Prática, como ponto positivo, um conjunto de textos selecionados, de autoria diversificada, assim justificado: Considerando que o professor do 6º ao 9º ano é um profissional formado no curso superior e que leciona nas diversas regiões do país, a nossa proposta é que o trabalho com os textos clássicos e consagrados se mescle com os dos autores regionais e as formas da cultura popular, ao mesmo tempo em que se fazem pontes com os assuntos mais relevantes no plano 54 internacional (BRASIL, 2010, p. 36). Contudo, alguns autores são recorrentes em livros didáticos, sobretudo Carlos Drummond de Andrade, Monteiro Lobato e Manuel Bandeira. 55Alguns deles, inclusive, são apresentados nos Cadernos de modo superlativo, como “o maior”, “o mais prestigiado” etc. Certamente a permanência dos mesmos autores nos manuais escolares pode contribuir para uma compreensão de que o que se convencionou chamar literatura é representado por um número restrito de escritores. Ainda com relação à seleção de autores, Magda Soares (2011) afirma ser comum às coleções didáticas, quando não repetem textos já canônicos, lançarem mão de autores com baixa representatividade e obras de pouca qualidade. 54 Esse é o levantamento de autores encontrados nos Cadernos: Escritores nacionais: Adriana Falcão, Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira, Murilo Rubião, Machado de Assis, José de Alencar, Monteiro Lobato, Lygia Bojunga Nunes, Millôr Fernandes, Sérgio Porto, Fernando Sabino, Fernando Pessoa, Mario Quintana, Rubem Braga, Vinicius de Moraes, Patativa do Assaré, Marcelino Freire, Ferreira Gullar, Ruth Rocha, Lygia Fagundes Telles, José Paulo Paes, Antônio de Alcântara Machado, Affonso Romano de Sant´Anna, Maria Clara Machado, Ziraldo, Augusto Meyer, Ângela Lago, Tatiana Belinky, José Nêumane Pinto, Raul Drewnick, Carlos Heitor Cony, Veríssimo de Melo, Guilherme Mansur, Silvana Zandomeni, Marcelo Coelho, José Costa Leite, João Martins de Athayde, José Roberto Torero, Roseana Murray, Sylvia Orthof, Leo Cunha, Lopes Neto, Mário Palmério, Sérgio Camparelli, Munduruku. Escritores internacionais: Jon Scieszka, Hans Christian Andersen, Jamie Lee Curtis, Pablo Neruda, Esopo, La Fontaine, AntonioSkármeta, Michael Ende, Pedro Costa. Compositores da música popular brasileira: Catulo da Paixão Cearense, Chico Buarque, Zé Ramalho, Luis Gonzaga, Gabriel o Pensador, Tribalistas, Rita Lee e Roberto de Carvalho, Lulu Santos, Samuel Rosa e Arnaldo Antunes. 55 Carlos Drummond de Andrade (9 textos); Monteiro Lobato (5); Manoel Bandeira (4); Lygia Bojunga Nunes (3); Millôr Fernandes (3); Ziraldo, Maria Clara Machado e Luis Fernando Veríssimo, 2 textos cada. Dentre os compositores, há três letras de música de Chico Buarque. 88 Em artigo em que discute a permanência de uma tradição literária na escola, Márcia Rios da Silva (2014) ressalta a dificuldade da escola em aceitar novos autores, particularmente aqueles que, em sua escrita, trazem questionamentos ou contextos sociais que a escola prefere ignorar. A autora destaca dois episódios ocorridos em uma escola de Minas Gerais e em outra da Bahia, decorrentes da inclusão de um trecho de Capão pecado (2005), de Ferréz (2005), em um livro didático. Pais e professores consideraram pornográfico o conteúdo do fragmento inserido, vindo a exigir da direção escolar a retirada desse material, fato que culminou em processo judicial. Para a autora, esse caso revela o quanto ainda é difícil para a escola romper com o cânone sedimentado, sustentado por um conjunto de valores, desde a sua formação até a sua manutenção. Nesse processo de seleção de autores, cercado por questões que escapam ao que é estritamente estético ou pedagógico, não se deve perder de vista que os textos tidos como literários se qualificam muito mais pelas diferenças que apresentam, quando comparado aos não-literários, do que por suas peculiaridades. Assim, falar de textos literários requer reconhecer infinitas possibilidades e nuances que assumem na obra de um autor, nos autores de uma mesma geração ou de épocas distintas. A seleção de textos literários em manuais didáticos de língua portuguesa e literatura não obedece a critérios rígidos de valor quanto às suas características, porém, é inegável o peso da avaliação dos críticos literários sobre tais obras nas escolhas dos autores de coleções didáticas. Conforme Silvana Oliveira (2009), de um modo geral os manuais de literatura, sejam eles elaborados com critérios estéticos ou históricos, estabelecem um trabalho por comparação. Ao “propor uma sequência de obras no tempo ou dentro de um período estético, o crítico está colocando essas obras em situação comparativa e, necessariamente, o lugar que elas ocupam na crítica é determinado por comparação” (OLIVEIRA, 2009, p. 167). Assim, tais manuais têm por objetivo apresentar ao estudioso um panorama seguro da sequência de produção dos principais autores de uma nacionalidade e do valor que esses autores alcançam e sustentam no conjunto da produção literária de um determinado país e época. Esses manuais, “ao mesmo tempo em que fazem um inventário de época, também apresentam, subliminarmente, o julgamento dessas obras” (OLIVEIRA, 2009, p. 167), o que contribui para orientar os chamados gostos dos leitores. 89 A seleção de cada texto ou obra não se constitui em uma ação aleatória, destituída de juízo de valor. O fato de determinada obra constar num material de literatura já se constitui em um juízo de valor em detrimento de outras. Os critérios de escolha são variáveis e dependem do aspecto analítico priorizado: [...] por exemplo, para um estudioso formalista, os elementos a serem considerados para que se diga se a obra tem ou não valor são elementos de composição textual e a estrutura formal do texto. Já para um estudioso marxista, os elementos a serem considerados são àqueles que determinam a inserção e a influência social que essa obra teve e mantém no meio em que circula (OLIVEIRA, 2009, p. 168). Qualquer que seja o critério que norteie a análise do valor de uma obra literária, ressalta Silvana Oliveira (2009), a comparação será sempre uma estratégia e uma metodologia presente no processo de avaliação pelo qual passam tais obras em toda circunstância de análise e estudo. Ainda, as obras selecionadas serão sempre consideradas dentro de uma realidade de produção que envolve outras obras existentes. Mesmo a abordagem mais radicalmente formal e textualista deverá considerar a existência de outras anteriores que utilizaram os mesmos mecanismos de realização do texto em análise. Assim, nenhum texto existe isoladamente. Serão sempre múltiplos e diversos, é será sempre preciso considerar a rede de relações que os textos estabelecem entre si com aqueles que o precederam, tanto de continuidades, como de tradição e rupturas. Na seleção de gêneros literários, observa-se nos Cadernos de Teoria e Prática, com destaque, o lírico (poemas) e o narrativo (crônicas, contos, romances), num processo de simplificação, visto que boa parte é de fragmentos de narrativas, por vezes até de poemas. Tal recurso se impõe pelas circunstâncias das aulas: é preciso que as atividades de desenvolvimento de habilidades de leitura tenham por objeto textos curtos, para que possam ser analisados e estudados no tempo limitado, imposto pelos currículos e horários escolares (SOARES, 2001b, p. 29-30). Por isso, torna-se relevante efetuar um fragmento que se constitua em unidade coesa. Desse modo, deve-se considerar a noção de textualidade: um fragmento deve apresentar aspectos que fazem com que uma sequência de frases se constitua em texto. Segundo Soares (2001b), a fragmentação ocorre com frequência nos 90 livros didáticos, sobretudo pela alta recorrência de textos narrativos, a estrutura narrativa se organiza em ciclos sequenciais: exposição da situação inicial (tempo e lugar, personagens, etc.), uma complicação que evolui para um clímax, seguida da resolução da complicação. Nos Cadernos do Gestar, observa-se um cuidado em se recortar um texto literário preservando uma coesão nessa mínima unidade. Contudo, se entendemos os gêneros literários como formas narrativas ou poéticas que expressam uma percepção do real, recriado por parte de um determinado escritor, fica comprometida nossa incursão, como leitor, nesse universo ficcional. Dito isso, destaquem-se no Caderno 3 dois fragmentos dos contos “Marina, a intangível”, de Murilo Rubião, e “A parasita azul”, de Machado de Assis. Segue o recorte do conto de Rubião, do livro A casa do girassol vermelho. Atividade 2 Marina, a intangível [...] Abri a janela, que dava para o jardim, a fim de sentir melhor o perfume das rosas. Talvez elas me ajudassem. Porém, ao descerrar as venezianas, deparei com a fisionomia de um desconhecido. Rapidamente afastei os olhos noutra direção. Aquela cara me incomodava. Toda ela era ocupada por um nariz grosso e curvo. Tornei a observar o intruso e vi que me olhava com insistência. Sem alterar o semblante, ou mover os músculos da face, disse-me: – Recebi o seu recado, José Ambrósio. Aqui estou. Imobilizei-me ao contemplar-lhe o rosto sem movimento, a cabeça desproporcionada, tomando boa parte do espaço da janela. Recuperando-me do espanto que a sua presença me trouxera, retruquei com vigor: – Não o conheço, nem disponho de tempo para atendê-lo. Em seguida, fiz-lhe um sinal para se afastar. A sua figura desajeitada e estranha atormenta-me, impedia que tentasse elaborar um novo texto. Penso que interpretou o meu gesto como um convite para entrar, pois deu umas passadas miúdas e penetrou na sala pela porta principal. 91 Deteve-se a alguns passos da minha escrivaninha e continuou a encarar-me. [...] (BRASIL, 2008, p. 101). Embora o recorte se apresente como uma unidade coesa, o leitor perde a oportunidade de conhecer a história narrada, do que trata, quem é Marina, por que “a intangível”, o que pode ser frustrante, até porque não se terá lido o conto, ao menos se depender de sua divulgação no livro didático. Com esse fragmento intenta-se “examinar, com mais detalhes, sequências que relatam ações” (BRASIL, 2008, p. 101), ainda que sacrifique a narrativa de Murilo Rubião. Assim, o conto foi seccionado para ilustrar o que era de interesse na Unidade do Caderno 3 – o estudo de tipos textuais e suas relações com gêneros – com o objetivo de conhecer sequências tipológicas, a saber, descrição e narração, como se pode observar nas questões elaboradas para o fragmento na Atividade 2. 56 1.Para que espécie de trabalho o narrador buscava ajuda do perfume das rosas quando foi interrompido? 2.Como se deu essa interrupção? 3.Imagine alguma ação do desconhecido que possa dar continuidade à situação de surpresa. Escreva um parágrafo final para o texto, que narre essa ação. 4.Releia o texto, agora completado pelo seu final, e avalie a função das sequências que descrevem o desconhecido. Por que ele foi assim descrito? (BRASIL, 2008, p. 102). Nas questões 3 e 4, há uma tentativa de evitar possíveis efeitos negativos da fragmentação, ao propor uma questão que provoca a imaginação dos leitores para completar a história. Contudo, o recorte, como unidade textual, não conduz ao conto, sequer ao título para o qual não guarda correspondência. O fragmento do conto “A parasita azul”, de Machado de Assis, será analisado nesse Caderno com a finalidade de se relacionar sequências tipológicas à classificação de gêneros textuais. A parasita azul 56 A Atividade 1 desse Caderno analisa “sequências tipológicas” no fragmento do conto “O drama da geada”, de Monteiro Lobato. 92 [...] Fatigado de assediar inutilmente o coração da moça, e por outro lado, convencido de que era necessário mostrar uma dessas paixões invencíveis a ver se a convencia e lhe quebrava a resolução, planteou Camilo um grande golpe. Um dia de manhã desapareceu da fazenda. A princípio ninguém se abalou com a ausência do moço, porque ele costumava dar longos passeios, quando porventura acordava cedo. A cousa porém começou a assustar à proporção que o tempo ia passando. Saíram emissários para todas as partes, e voltaram sem dar novas do rapaz. O pai estava aterrado; a notícia do acontecimento correu por toda aparte em dez léguas ao redor. No fim de cinco dias de infrutíferas pesquisas soube-se que um moço, com todos os sinais de Camilo, fora visto a meia légua da cidade, a cavalo. Ia só e triste. Um tropeiro asseverou depois ter visto um moço junto de uma ribanceira, parecendo sondar com o olhar que probabilidade de morte lhe traria uma queda. [...] Será necessário dizer a dor que sofreu a formosa Isabel quando lhe foram dar notícia do desaparecimento de Camilo? A primeira impressão foi aparentemente nenhuma; o rosto não revelou a tempestade que imediatamente rebentara no coração. Dez minutos depois a tempestade subiu aos olhos e transbordou num verdadeiro mar de lágrimas. [...] (BRASIL, 2008, p. 146-147). Apesar de o excerto constituir-se em unidade coesa, não é possível estabelecer relação com o título do conto, até por ser altamente metafórico. Na proposta da Atividade, com o recorte de “A parasita azul”, requer-se uma análise de aspectos similares aos solicitados no exercício elaborado para o fragmento do conto de Murilo Rubião. Atividade 2 Considerando os aspectos característicos dos tipos descritivo, narrativo e injuntivo, e considerando ainda que os trechos acima são representativos da linguagem desses autores e dessas escolas literárias, identifique a preferência de cada autor – e escola literária – em termos de sequências tipológicas.57 57 A autora está se referindo a Machado de Assis e a José de Alencar. Do romance Iracema foi extraído um pequeno trecho para se trabalhar também a tipologia textual, no confronto com o de Machado de Assis. 93 1. Que sequências tipológicas você identificou no texto de José de Alencar? Qual a predominante? 2. Que seqüências tipológicas você identificou no texto de Machado de Assis? Qual a predominante? 3. A partir desses dois extratos de textos, qual das escolas literárias você diria que tem preferência pelo tipo descritivo? Justifique, destacando algumas características da descrição nesse texto. 4. A partir desses dois extratos de textos, qual das escolas literárias você diria que emprega menos o tipo descritivo? Justifique, destacando algumas características da descrição nesse texto (BRASIL, 2008, p. 147-148). As questões não exploram o conto em sua dimensão estética, sequer o título, evidenciando, mais uma vez, o uso pragmático do texto literário, a saber, identificar sequências tipológicas. Além disso, mantém enquadramentos já altamente questionáveis, como, o de classificar as obras dos escritores pelo crivo das escolas literárias. Possivelmente, uma passagem do conto que poderia dar ao leitor a oportunidade de conhecer a “parasita azul” não ilustra a contento o objetivo definido no estudo dos gêneros textuais. Segue a passagem: 58 [...] Não há muitos mistérios para um autor que sabe investigar todos os recantos do coração. Enquanto o povo de Santa Luzia faz mil conjeturas a respeito da causa verdadeira da isenção que até agora tem mostrado a formosa Isabel, estou habilitado para dizer ao leitor impaciente que ela ama. – E a quem ama? pergunta vivamente o leitor. Ama... uma parasita. Uma parasita? É verdade, uma parasita. Deve ser então uma flor muito linda, - um milagre de frescura e de aroma. Não, senhor, é uma parasita muito feia, um cadáver de flor, seco, mirrado, uma flor que devia ter sido lindíssima há muito tempo, no pé, mas que hoje na cestinha em que ela a traz, nenhum sentimento inspira, a não ser de curiosidade. Sim, porque é realmente curioso que uma moça de vinte anos, em toda a força das paixões, pareça indiferente aos homens que a cercam, e concentre todos os seus afetos nos restos descorados e secos de uma flor. Ah! mas aquela flor foi colhida em circunstâncias especiais. Dera-se o caso alguns anos antes. Um moço da localidade gostava então muito de Isabel, porque era uma criança engraçada, e costumava chamá-la sua mulher, gracejo inocente que o tempo não sancionou (ASSIS, 1873. Não paginado). 58 Seleção nossa. 94 Deve-se considerar que a possibilidade de se recortar um fragmento com o início da história (a exposição), e também sem o seu final, não representa necessariamente um problema. Depende do encaminhamento dado pelo professor ou pelo livro didático. Nesse caso, podem-se explorar essas lacunas com uma atividade que mobilize os alunos em um trabalho de recriação ou leitura do texto original, que recuperem o não dito, que levem os alunos a fazerem inferências. Certamente, para que isso ocorra, devem-se promover estratégias para compensar a fragmentação, estimulando a imaginação dos alunos. Nesse sentido, os Cadernos do Gestar II trazem, por vezes, essa preocupação, em algumas atividades, ao promover estratégias que visam à compensação da fragmentação. Além do mais, é importante destacar que nos Cadernos há considerações sobre a importância da leitura do texto completo. Tais ressalvas, no entanto, nem sempre resultam em recortes bem sucedidos de textos, particularmente quando na atividade proposta para o fragmento se deixa de lado uma discussão sobre questões ideológicas flagrantes em determinada narrativa, como a que se encontra no conto “Negrinha”, de Monteiro Lobato, publicado no ano de 1918. No Caderno 2, há um fragmento dessa narrativa com o título “Dona Inácia”, nome da personagem do conto. Dona Inácia Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos viveraos pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças. Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma – “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo. Ótima, a dona Inácia. Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava nervosa: – Quem é a peste que está chorando aí? Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero. – Cale a boca, diabo! (BRASIL, 2008, p. 121-122). 95 Com esse excerto, explorado como gênero narrativo, pretende-se que o aluno identifique a linguagem figurada em prosa. Comentam as autoras: “temos aqui um narrador observador, que não é personagem da história. Ele narra os acontecimentos “de fora”. No entanto, ele não é neutro. Ao contrário, toma partido abertamente” (2008, p. 122). Segue a atividade para a análise desse texto: Atividade 8 A) Em vários momentos o narrador, ao falar de dona Inácia, diz o contrário do que ele pensa. Indique expressões e passagens em que isso ocorre. B) Que recursos usa o narrador para revelar sua simpatia por Negrinha, além da própria descrição pejorativa da patroa? C) Que termos se opõem na sequência abaixo e o que significam? Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste menina, gritava logo nervosa: – Quem é a peste que está chorando aí? D) A menina é chamada de “peste” e de “diabo”. a) Que figura é usada, nesses casos? b) Que semelhança existe entre os elementos comparados implicitamente nesses casos? c) Que diferença você vê nos dois xingamentos? Um termo usado pelo narrador mostra que ele de certa maneira atenua a culpa de uma das mulheres. Qual é? E) O apelido Negrinha constitui uma metáfora ou uma metonímia? Justifique. (BRASIL, 2008, p. 122-123). Os enunciados “A, B e C” exploram a análise da “ironia”, como figura de linguagem, recurso empregado pelo narrador para criticar o comportamento da Dona Inácia, “proprietária” de escrava, o que marca seu posicionamento, como destacado nos comentários das autoras. No enunciado “D” as questões solicitam uma apreciação do emprego de metáforas, nas quais fica expresso o sentimento de desprezo e até aversão, por parte da patroa, em relação à garota. O enunciado “E”, por sua vez, tem por intuito levar o leitor a deduzir que a palavra “negrinha” é empregada como um recurso metonímico. O intuito das questões é levar à identificação e ao reconhecimento de figuras de linguagem, ressaltando-as como recursos da linguagem literária, embora as autoras alertem que essa não é uma característica específica do texto literário, mas também da linguagem cotidiana. O pequeno trecho desse conto deixa flagrante uma série de palavras, para referir-se à “Negrinha”, com uma carga altamente pejorativa, 96 apesar dos enunciados conduzirem à conclusão de que o emprego da “ironia” expressa o desprezo do narrador pela patroa e marca seu afeto pela criança. Contudo, para aqueles que conhecem o conto, o final dado à história – a garota morre – pode levar a uma desconfiança em relação à ironia do narrador. Ele conta a história de uma garota, que sequer tem nome, vítima dos atos de crueldade exercidos por um opressor, na figura de Dona Inácia. O nome “Negrinha”, designação metonímica por referência à cor da pele, expõe uma forma de violência ao negar um nome próprio. Nos Cadernos do Gestar, há um box reservado a uma pequena nota biográfica dos escritores cujos textos estão inseridos nessa coleção. Na nota referente a Machado de Assis, no Caderno 3, destaca-se que o “mulato de origem humilde” “teve o respeito do público e consideração social num Brasil ainda monarquista e escravocrata” (BRASIL, 2008, p. 147). Em um contexto marcado por políticas de reparação dos danos causados pela escravidão, do qual emanam duras críticas a estereótipos ou designações que perpetuam uma inferiorização dos negros, há que se questionar que um material educativo veicule esse tipo de expressão, “mulato”, com uma carga altamente pejorativa. 59 Não se trata aqui de impor pontos de vista na concepção dos Cadernos, mas por entender que, em uma formação continuada de professores, a problematização dos ditos não pode ser ignorada, nem tampouco ser suficiente uma metodologia apoiada em estudo de fragmento de textos para se conduzir a formação do Gestar, ainda que sejam sugeridas leituras ampliadas. Faltou à atividade com o fragmento do conto de Lobato, como em muitas outras dos Cadernos, avançar na reflexão de temas contemporâneos, propondo, nesse caso, aos professores cursistas uma discussão sobre questões etnicorraciais, até para acompanhar a polêmica que recai sobre esse escritor, a despeito de sua consagração com obras destinadas ao público juvenil, acusado de racista e preconceituoso em suas obras. Tal acusação culminou com o veto ao seu livro Caçadas de Pedrinho, considerado inapropriado para adoção em escolas públicas e particulares pelo 59 O verbete mulato no dicionário de português Michaelis online significa sm (de mulo) 1 Mestiço das raças branca e negra. 2 Aquele que é escuro ou trigueiro. 3 O mesmo que mu ou mulo. 4 Cor de pelo do gado, laranja no dorso e preto no resto. Disponível em: http: // michaellis.uol.com.br/moderno/português/index.phd?lingua=portugues-portugues&palavra=mulato. Acesso em 27 de janeiro de 2015. 97 Conselho Nacional de Educação, através do PARECER CNE/CEB Nº: 15/2010, uma vez que o contexto atual do Estado brasileiro assume a política pública antirracista como política de Estado, baseada na Constituição Federal de 1988, que prevê, no seu artigo 5º, inciso XLII, que a prática do racismo é crime inafiançável e imprescritível (BRASIL, 1988, p. 4). Se analisado o conto “Negrinha” na íntegra, a atividade proposta poderia levantar questões que levassem a discutir o tratamento desigual dispensado à menina negra, se confrontado com o que é dado às meninas louras, sobrinhas de Dona Inácia. Também poder-se-ia levantar uma discussão sobre os princípios da Declaração Universal dos Direitos da Criança e do Adolescente (1959), do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e da Lei Federal nº 10.639/2003, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Médio. Essa lei altera a LDB e tem o objetivo de promover uma educação que reconhece e valoriza a diversidade, comprometida com as origens do povo brasileiro. Segundo Ana Cristina Viegas (2012), “a valorização da identidade, da história e da cultura afro-brasileira constitui um item fundamental na formação de cidadãos atuantes e conscientes numa sociedade multicultural” (p. 3). Para a autora, a prática efetiva do que propõe a lei 10639/03 requer a elaboração de material didáticopedagógico que contemple a diversidade etnicorracial na escola, a reestruturação curricular, e, somados a isso, um desafio maior à formação de professores com vistas à sensibilização e construção de estratégias para melhor equacionar questões ligadas ao combate às discriminações raciais e de gênero (VIEGAS, 2012, p. 3). Não se está afirmando, com isso, que nos Cadernos do Gestar questões raciais estejam negligenciadas. No Caderno 1, na Unidade que trata de diferentes “registros do português” (formal, informal), há uma atividade proposta a partir de uma ilustração, uma família negra, extraída do livro Tanto, tanto!, da autora inglesa Trish Cooke. 98 Fonte: Retirado do primeiro Caderno 1. (BRASIL, 2008, p. 35). Das quatro questões apresentadas na Atividade, três delas dizem respeito ao tema “família”. A última questão conduz à reflexão sobre o lugar do negro na literatura: “Você costuma ver famílias negras apresentadas como personagens principais de uma história feliz e de pessoas aparentemente bem-sucedidas? Teria algum comentário a fazer sobre isso?” (BRASIL, 2008, p. 35). Sem dúvida, pode ser a oportunidade para uma discussão alargada, extrapolando os limites da Atividade de leitura do texto. Ainda no tocante ao processo de escolarização, quase sempre os gêneros literários são explorados nos Cadernos como gêneros textuais, através de atividades de interpretação e compreensão, nas quais se incluem análise de aspectos formais do texto. Quando são analisados como gêneros literários, os critérios adotados guardam relação com a antiga divisão tripartite dos gêneros, aristotélica: lírico, épico e dramático. No Caderno 2, o poema “O eterno amante”, de Luís de Camões, ilustra o assunto da seção 2, a saber, “O período e a oração”. Um mover d‟olhos, brando e piedoso, sem ver de quê; um riso brando e honesto, quase forçado; um doce e humilde gesto, de qualquer alegria duvidoso; um despejo quieto e vergonhoso; um repouso gravíssimo e modesto; 99 uma pura bondade, manifesto indício da alma, limpo e gracioso; um encolhido ousar; uma brandura; um medo sem ter culpa; um ar sereno; um longo e obediente sofrimento: esta foi a celeste formosura da minha Circe, e o mágico veneno que pôde transformar meu pensamento. (BRASIL, 2008, p. 53) Com esse soneto, busca-se analisar particularidades gramaticais: estabelecer a diferença entre frase, período e oração: “em textos que pretendem captar momentos, lembranças, emoções, é comum que a frase nominal seja dominante e até exclusiva” (BRASIL, 2008, p.52), ressalta a autora. Os enunciados poderiam ser elaborados de modo a que se chegasse a essa constatação. Contudo, prevalece o intuito de sistematizar os estudos da língua. Atividade 3 A – Nesse soneto de Camões, que verbos seriam usados, se o poeta não optasse pela frase nominal? B – Tais verbos fazem falta, nesse soneto? Justifique (BRASIL, 2008, p. 54). Ainda na seção com essa atividade, a autora estabelece uma relação intertextual, evocando o quadro de Mona Lisa, ou La Gioconda, de Leonardo da Vinci, para fazer aproximações com a “mulher amada e cheia de mistérios”, de Camões, ambas tendo em comum o mistério.60 No box intitulado “Vocabulário” encontram-se o significado de palavras como “soneto”, “gesto”, “despejo” e “Circe”. Antes de apresentar as questões para análise do poema, a autora antecipa seus comentários, de certo modo direcionando a atividade de interpretação: Belo poema, você achou? Vemos aí que as três primeiras estrofes constituem uma longa frase nominal, em que o poeta sugere a ambiguidade de determinada mulher: tanto no físico como no espírito, ela parece encerrar uma contradição, uma dificuldade de ser definida. No último terceto, quando o poeta revela sua relação com o 60 Embora a intertextualidade seja recorrente nos estudos literários, a abordagem proposta nos cadernos explora o texto literário apenas como um exemplo de intertextualidade, quando deveria ser ao contrário, a leitura continuada dos textos literários é que deveria conduzir à descoberta da intertextualidade, conforme adverte Todorov (2012, p. 28). 100 modelo, continua a sensação do inatingível: a amada é celeste, mas é também veneno. Entre parênteses: foi em parte esse mistério que deu a fama à Mona Lisa e a transformou no símbolo da pintura, em todos os tempos (BRASIL, 2008, p. 53). Tal citação revela um modelo de atividade recorrente em muitos manuais escolares. Os autores “traduzem” a linguagem do poema, fazendo uma mediação, pois julgam que os leitores precisam dela. Assim sendo, legitimam para si o status de autoridade que lhe é conferido como autor de livro didático. A atividade de análise desse soneto restringe-se a duas perguntas: “A - Nesse soneto de Camões, que verbos seriam usados, se o poeta não optasse pela frase nominal? B – Tais verbos fazem falta, nesse soneto? Justifique.” Logo após esses enunciados, tem-se o seguinte comentário: Embora a frase nominal seja muito utilizada nos mais diferentes tipos de textos, podemos dizer que a situação mais comum é a frase organizar-se em torno de um verbo, ou de um conjunto de formas verbais que equivalem a um só verbo – as chamadas locuções verbais. Sua mãe acaba acostumando. (acostuma). Ela vai ter mais sossego sozinha. (terá). Pode ocorrer, por outro lado, que o verbo não apareça, mas seja facilmente subentendido (BRASIL, 2008, p. 54). No enunciado “A”, a pergunta contradiz o princípio de que a função estética é uma grande força da linguagem literária. Tendo em vista o comentário posto após as questões, infere-se que a atividade prioriza uma apreensão lógica do sentido do texto, quando poderia explorar a ideia de que a frase nominal é uma construção sintática importante para se conseguir determinados efeitos ou resultados, como o ritmo em um poema, ou se alcançar a linguagem poética. Ainda como exemplo de texto de determinado gênero literário tomado como gênero textual tem-se a crônica “Retrato de velho”, de Carlos Drummond de Andrade, analisada no Caderno 1 com o objetivo de relacionar língua e cultura, ao tempo em que também se apresenta uma conceituação desse gênero, identificando características e tipos. Constata-se nos Cadernos do Gestar II a convivência de 101 perspectivas teóricas mais recentes (como a dos gêneros textuais) com antigas abordagens do texto, a do gênero literário. A crônica é trabalhada no Caderno 1, na Unidade intitulada como “variações linguísticas: dialetos e registros”. Nesse texto, está expresso um conflito cultural entre gerações: “os valores daquele homem de 85 forçosamente são diferentes dos seus filhos, noras e genros, e, sobretudo de seus netos e até bisnetos” (BRASIL, 2008, p. 17) para explicar a cultura como uma construção histórica que varia no espaço e tempo. Na crônica, a diferença cultural tem forte componente temporal. As autoras tecem considerações sobre esse gênero: Embora cada vez mais se tome o conto pela crônica, sobretudo quando esta é narrativa, podemos dizer com firmeza que temos aqui uma crônica: uma composição curta, voltada para os acontecimentos do cotidiano, que pode contar uma história, tecer comentários sociais ou políticos, ou ainda apresentar um conteúdo lírico, poético, apresentando a emoção do autor diante de certo acontecimento. Muitas vezes, a crônica tem um tom de humor. Todas essas características têm a ver com o fato de a crônica aparecer inicialmente em jornais e revistas. (BRASIL, 2008, p. 15; grifo nosso). A crônica que você leu é uma narrativa. Você vai estudar mais tarde o gênero chamado narrativa ficcional. Por ora, basta lembrar que a narrativa se caracteriza por conta uma história, por meio de um narrador, sobre personagens (humanos, animais, imaginários) que vivem os acontecimentos desenrolados num espaço e num tempo. O narrador, que conta a história, pode ser personagem dela, ou pode ser apenas observador dos fatos. Como narrador-personagem, ele conta a história em primeira pessoa (eu, nós); como narradorobservador, a narrativa é feita em terceira pessoa (ele, ela, eles) (BRASIL, 2008, p. 15, grifos do autor). A despeito das dificuldades de se estabelecer rígidas fronteiras dos gêneros literários, questão ressaltada nos comentários, no texto de apresentação da crônica de Drummond a autora é categórica em “dizer com firmeza” que se trata de uma crônica. Tendo em vista algumas características e generalizações, já sedimentadas, acerca da estrutura narrativa do conto, haverá leitores que, se for de seu conhecimento tais características, afirmarão, com segurança, que “Retrato de velho” é um conto.61 61 As dificuldades de se estabelecer distinção entre os gêneros literários, razão pela qual se opta por entendê-los como formas híbridas, ressalte-se uma distinção entre conto e crônica: esta parte de um acontecimento para se desenvolver uma reflexão que tal acontecimento provocou. Portanto, não 102 A – Que tipo de narrador aparece nessa crônica e em que pessoa a narrativa se constrói? B– A personagem principal, aqui, tem seu “retrato” minuciosamente feito pelo narrador. Mas ele usa de dois procedimentos diferentes: a) ele mesmo, narrador, ou outra personagem, apresenta as características do pai/sogro/avô; b) as atitudes e falas do velho falam por si, completam o retrato feito pelos outros. Indique abaixo passagens que exemplifiquem os dois procedimentos. c)Embora os fatos apresentados sejam todos passados, os verbos aparecem no presente. Que sentido isso traz para você? d)Que sentimentos das pessoas para com esse velho ficam evidenciados no texto? e)No texto, há várias passagens de humor. Indique pelo menos duas situações em que ele se faz presente. f)Que intenções você acredita que teve o autor, ao escrever essa crônica? (BRASIL, 2008, p. 16, grifos nossos). Embora tal atividade convoque o aluno a participar e interagir com o texto, instigando-o a emitir opinião, parece que esse tipo de esquema, “leitura” seguida de “compreensão e interpretação do texto”, não vem funcionando, por ser trabalho mecânico, repetitivo, além de trazer uma questão acerca da intencionalidade do autor, já bastante criticada. Os enunciados – “que tipo de narrador...”, “em que pessoa a narrativa se constrói?” e “a personagem principal...” – priorizam uma identificação e caracterização da estrutura da narrativa, o emprego de categorias narrativas. A questão “F” - “que intenções você acredita que teve o autor, ao descrever essa crônica?”, endossa a tese da intencionalidade do autor, já questionada nos estudos literários, tida como falácia, mas que permanece nas atividades de leitura, compreensão e interpretação dos textos literários, na crença de que a última palavra é a do autor. Para Antoine Compagnon (2010, p. 49), a crença na intencionalidade do autor acontece por que “a intenção do autor é critério pedagógico ou acadêmico tradicional para estabelecer-se sentido literário. Seu resgate é, ou foi por muito tempo, o fim principal, ou mesmo exclusivo, da explicação dos textos”. O sentido do texto está centrado em uma suposta intenção do autor, traduzido em “o que o autor quis dizer”, sem levar em consideração o lugar do leitor. Tal explicação “torna, pois, a crítica literária inútil [...]. Além disso, a própria teoria torna-se supérflua: se o sentido é intencional, objetivo, histórico, não há mais necessidade nem da crítica, teríamos narrador nem personagens em uma crônica. O conto, por sua vez, prima por ficcionalizar um acontecimento desenvolvendo uma trama, com personagens, conduzida por um narrador. 103 nem tampouco da crítica da crítica para separar os críticos.” (COMPAGNON, p. 49).62 Quanto à caracterização dos gêneros literários, e como se vê em relação à crônica, tem-se destacada a mobilidade dos gêneros e a dificuldade de caracterizálos. Contudo, as atividades propostas mantêm esse intento, até por uma compreensão de que a didatização dos conhecimentos passa por uma simplificação, o que muitas vezes ocorre ao se recorrer a uma taxonomia. O poema de Drummond, “Caso do vestido”, é trabalhado agora como um gênero literário: “convidamos você a ler agora um poema, gênero que nós não estudamos ainda. Você já devia estar sentindo falta dele, não é?” (BRASIL, 2008, p. 67). As atividades propostas analisam o seu aspecto formal. As autoras comentam: O simples fato de ver o texto na página já criou uma expectativa em você, não é? Essas linhas interrompidas, separadas duas a duas, confirmaram a informação de que iríamos ler um poema, embora às vezes o poema não se apresente dessa forma. Este aqui é um poema feito em dísticos, que são estrofes de apenas dois versos. Vamos à interpretação? (BRASIL, 2008, p. 70). Atividade 6 A) A primeira pergunta você já sabe qual é: gostou do poema? Achou triste demais? Achou a mulher Amélia demais? Tente decifrar seus sentimentos com relação ao poema e aponte-os abaixo. Atividade 7 Essa forma dialogada deve lembrar a você outro gênero literário. Qual? Atividade 8 A – Há muitas misturas de formas de tratamento (sobretudo os pronomes que usamos para tratar, chamar o interlocutor: tu, você, o 62 Para Compagnon (2010), esse tipo de exegese remonta ao século XIX, constituindo o lugar por excelência do conflito entre os antigos (a história literária) e os modernos (a nova crítica) nos anos 1960. Tal visão sempre foi o cerne das noções literárias tradicionais. Por isso, Compagnon remete ao ensaio de Roland Barthes, “A morte do autor”, que inaugura outro ponto de partida, uma nova crítica para a explicação do texto/obra, ao problematizar e desestabilizar esse lugar canônico do autor, dando início a uma nova forma de explicar a obra literária, a partir do leitor, de modo a retirar o foco do autor como princípio produtor e explicativo da literatura/do texto literário. 104 senhor, vós, etc.). Aponte as que lhe pareceram mais importantes e tente justificá-las. B – Pelo que se pode deduzir da fala da mãe, a família era abastada. Onde possivelmente moravam? C – Eram pessoas cultas? Justifique sua resposta com elementos do texto. D – O vocabulário também parece ser de vários níveis. Indique palavras que mostram isso. São destacadas nos comentários as características do poema, a hibridização dos gêneros, com a presença de diálogos, uma marca do gênero dramático. Na atividade acima, as perguntas parecem ter um intuito de assegurar, ou medir, a capacidade do professor cursista de fazer interpretações precisas sobre o sentido que guarda o texto. Embora a questão comece perguntando ao leitor sobre a sua recepção pessoal do texto, com perguntas subjetivas que aludem ao gosto e ao sentimento dele frente à leitura da obra, os questionamentos subsequentes parecem induzir o leitor a um tipo de sentido que se deseja que ele alcance, podendo ser comprovada nas seguintes perguntas: “Achou triste demais”? “Achou a mulher Amélia demais”? Nota-se com isso, que tais perguntas pressupõem certo direcionamento à discussão sobre o texto. Das atividades propostas para os textos literários, constata-se a persistência de se trabalhar com roteiros padronizados, um esquema repetitivo que faz pouco sentido para os alunos. Com frequência, os livros didáticos apresentam atividades de compreensão e interpretação de textos. Segundo Magda Soares (2011, p. 43), os exercícios que se costumam propor uma atividade, logo após uma leitura, não conduzem à análise da dimensão estética do texto: “a percepção de sua literariedade, dos recursos da expressão, do uso estético da linguagem”. Ao contrário, “centram-se nos conteúdos, e não na recriação que deles faz a literatura; voltam-se para as informações que os textos veiculam, não para o modo literário como as veiculam”. No processo de escolarização da literatura, é necessário que se fundamente em respostas adequadas às perguntas: “Por que e para que estudar um texto literário? Os objetivos de leitura e estudo de um texto literário são específicos a este tipo de texto?” (SOARES, 2011, p. 44). Para a autora, tais atividades são adequadas quando privilegiam conhecimentos, habilidades e atitudes necessários à formação do leitor. Portanto, 105 devem ser perguntas que levem os alunos a fazerem inferência, analisarem o gênero do texto, explorarem os recursos de expressão e recriação da realidade, figuras do autor e do narrador, personagem, pontos de vista, que aludem à interpretação de analogias, comparações, metáforas, o que torna rica a análise das figuras de linguagem. E ainda, perguntas que estimulam a identificação de recursos estilísticos e poéticos. Em síntese, para Magda Soares (2011), uma escolarização adequada requer uma prática de ensino específica em que se relacionam a literatura, enquanto atividade comunicativa e estética, a didática, como prática interacional. Segundo a autora, a escolarização adequada da literatura deve ser aquela que conduz eficazmente às práticas de leituras literárias que ocorrem no contexto social e às atitudes e valores próprios do ideal do leitor que se quer formar. Uma leitura que subverte, desafia, que não pode ser domesticada. Na década de 1990, Luiz Antônio Marcuschi (1996) também realiza uma pesquisa em manuais de ensino da 1ª. a 7ª. série em uso, à época, nas diversas escolas, particulares e públicas, no estado de Pernambuco. Na pesquisa, em um total de 1.463 perguntas desses manuais, tem-se que cerca de 60% trazem perguntas que requerem apenas cópia ou citação de alguma parte do texto. Outras perguntas eram perguntas de caráter pessoal, sem relação com o texto, e apenas 5% delas exigiam que se relacionassem duas ou mais informações textuais para responder, sem falar que poucas perguntas se preocupavam com alguma reflexão crítica.63 Em sua análise Marcuschi (1996) constata que mais da metade dos exercícios de compreensão pode ser dividida em quatro categorias: perguntas respondíveis sem a leitura do texto, não-respondíveis, mesmo lendo o texto, perguntas para as quais qualquer resposta serve e perguntas que só exigem exercício de caligrafia. Para o autor, algumas perguntas poderiam ser um bom início para debates sobre o discurso do texto. Porém, isso fica mascarado na expressão “você acha” e na solicitação de uma justificativa para o possível sim ou não que o aluno dará, ressalta o linguista. Logo, “mais uma vez, malbarata-se a possibilidade de aprofundar uma boa ideia, a escola parece ter um verdadeiro horror das questões 63 Sobre isso, o autor assevera: “Em geral os exercícios são elaborados com perguntas padronizadas e repetitivas, de exercício para exercício, feitas na mesma sequência do texto. Quase sempre se restringem às conhecidas indagações objetivas: O quê? Quem? Quando? Onde? Qual? Como? Para quê? ou então contém ordens do tipo: copie, ligue, retire, complete, cite, transcreva, escreva, identifique, reescreva, assinale... partes do texto. Às vezes, são questões meramente formais. Raramente apresentam algum desafio ou estimulam a reflexão crítica sobre o texto” (1996, p. 64). 106 ideológicas, julga-as intocáveis ou as ignora” (MARCUSCHI, 1996, p. 69). O grande problema, na opinião do autor, é que esses tipos de exercícios não tratam da noção de inferência, isto é, aquela atividade cognitiva realizada quando reunimos algumas informações conhecidas para chegarmos a outras informações novas. Desse modo, pode-se admitir que a compreensão textual se dá, em boa medida, como um processo inferencial, isto é, uma atividade de construção de sentido, na qual compreender é mais do que extrair informações do texto. Nos Cadernos de Teoria e Prática do Gestar II, constata-se que em alguns exercícios de leitura de textos literários predominam perguntas que pouco exploram a inferência, como um modo de se reconstruir pistas textuais até atingir um nível maior de criticidade no ato de ler. No que tange às questões das atividades de compreensão e interpretação desses Cadernos, chama atenção a seção “Correção das atividades” a qual traz todas as respostas para o professor cursista, incluindo-se aí as de cunho pessoal. Essa seção apresenta possíveis respostas ao professor cursista; assim, o que o ele deve achar já está pré-estabelecido. Como exemplares dessa situação, têm-se a seguintes perguntas e respostas: a) Atividade 4: Pergunta –“Faz parte da visão que muitos têm da mulher atribuir a ela um comportamento abnegado e conciliador. Você acha que essa ideia é adequada? ” Resposta: “Opinião pessoal, a partir de suas experiências. Mas parece continuar existindo, em muitos ambientes, apesar de ser ideológica” (p. 54); b) Atividade 6: Pergunta “Você gostou ou não da história? Justifique sua opinião” (p. 29). Resposta pessoal. “De todo modo, procure entender por que gostou ou não gostou: sua opinião foi formada pelo assunto, pela estrutura repetitiva? ” (BRASIL, 2010, p. 54). Dessa forma, as sugestões de respostas para questões pessoais, que consequentemente exigiriam também respostas pessoais e singulares, tendem a direcionar as reflexões dos docentes e apontam para uma homogeneização de valores e crenças. Nesse sentido, destacam-se algumas considerações de Marcuschi (2001) sobre a importância de o professor saber o que deverá fazer com as orientações recebidas em documentos oficiais e materiais didáticos. Tudo dependerá, no entanto, de como serão tais orientações tratadas pelos usuários em suas salas de aula; seria nefasto se as indicações ali feitas fossem tomadas como normas ou pílulas de uso e efeito indiscutíveis. Pior ainda, se com isso se pretendesse identificar conteúdos unificados para todo o território nacional, 107 ignorando a heterogeneidade linguística e a variação social. (MARCUSCHI, 2001, p. 10). As questões colocadas acima precisam ser discutidas com mais atenção, a primeira com relação ao gabarito de respostas, e a segunda, com relação às sugestões de respostas para perguntas pessoais. A questão está na ação do professor e não na proposta do material. É preciso considerar que toda e qualquer proposta pedagógica, seja ela criada coletivamente ou não, dependerá da recepção do professor, aquele a quem cabe efetivá-la ou transgredi-la. Pois, ainda que o programa proponha controlar, induzir, ou apenas sugestionar conteúdos e formas de aplicá-los em sala de aula, deve-se considerar a particularidade de cada professor e região. Embora não haja fórmulas que garantam o êxito da leitura, é importante que se evitem atividades cujo objetivo se limite a localizar informações no texto ou exercícios de gramática. Não se dispõe de fórmulas para garantir que a leitura seja compreensível e prazerosa. Sabe-se, entretanto, que há várias maneiras de dificultar a compreensão e o prazer na leitura: se orientarmos a criança para a concentração em detalhes visuais, se fornecemos fragmentos de textos incompreensíveis ou amontoados de frases sem real significado de comunicação, se exigimos que ela responda a questões após a leitura, se lhe pedimos para oralizar palavras em detrimento do sentido. Ou seja, o ponto comum de todas essas atitudes de ensino que dificultam a aprendizagem de leitura é a limitação da quantidade de informações não visuais a que a criança pode recorrer enquanto lê (BARBOSA, 1994, p. 138). Essa questão aponta para a necessidade do próprio professor constituir um lugar autoral no modo de apropriação e utilização do material didático e pedagógico, em sala de aula. Isso implica na produção de práticas, ainda que inspiradas no material, que coloquem o professor como coautor nos processos decisórios de criação do material e que considerem os alunos como autores do seu próprio processo de aprendizagem. O que significa reconhecer, acima de tudo, a pluralidade de saberes existentes nas salas de aulas, que muitas vezes levam os professores a seguirem percursos diferentes para alcançarem objetivos comuns. A escola tem sido uma instituição legal de reprodução de um ensino tradicional de literatura, que acaba distanciando os alunos da leitura literária. Na 108 maioria das vezes, o texto literário, no contexto da sala de aula, não tem os seus sentidos construídos na interação autor/leitor, uma vez que seus significados vêm prontos, de acordo com a concepção de um crítico literário ou de uma postura teórico-crítica, de um livro didático, nesse caso, os Cadernos de Teoria e Prática, ou pela imposição da perspectiva do professor. A esse respeito, Martins (2006, p. 85) afirma ser “preciso que a escola amplie mais suas atividades, visando à leitura da literatura como atividade de construção e reconstrução de sentidos”. Além disso, nenhum procedimento de interpretação ou leitura de obras literárias deve desprezar sua singularidade enquanto saber. Contudo, muitas vezes, na escola a leitura do texto literário não passa de uma prática burocratizada, com atividades quase sempre sistematizadas, tornando o trabalho com o texto literário enfadonho e uma obrigação que nada tem a ver com o universo do jovem leitor. Estranhamente, na escola, o estudante não entra em contato com a leitura de literatura, mas com alguma forma de crítica ou de teoria literária. Segundo Todorov (2012), isso representa uma inversão de papéis entre a escola e a universidade, pois o ensino superior se destina à formação dos especialistas em literatura. Portanto, é legítimo ensinar também as abordagens, os conceitos e as técnicas. Mas, à escola, cabe a própria literatura, pois o público a que ela se destina não será de especialistas, mas de leitores que fazem do ato de ler um modo de dar sentido à vida. Para Todorov (2012, p. 76), a literatura pode nos ajudar a viver: Ela pode nos estender a mão quando estamos profundamente deprimidos, nos tornar ainda mais próximos de outros seres humanos que nos cercam, nos fazer compreender melhor o mundo e nos ajudar a viver. Não que ela seja, antes de tudo, uma técnica de cuidados para com a alma; porém, a revelação do mundo. Assim, a escola precisa realizar uma forma de escolarização da literatura, abrindo mão do artificialismo e simplificações reducionistas exacerbadas, decorrentes do processo de pedagogização nas atividades e exercícios escolares, principalmente nos anos finais do ensino fundamental, com atividades que vislumbrem o contato direto com as obras literárias. Lamentavelmente, o modo pelo qual a literatura vem sendo trabalhada na escola, minimiza e às vezes até anula, a potência do saber literário, no sentido pensado por Roland Barthes (2007). Essa 109 potência se expressa através de três forças, mathesis, mimesis e semiosis. A primeira corresponde à força dos saberes; a segunda, à da representação e a terceira, ao jogo com os signos, ao deslocá-lo incessantemente. Isso por que, para Barthes, é na literatura que se pode questionar o poder tirânico da língua. No tocante à mathesis, a literatura é enciclopédica, pois mobiliza muitos saberes, matemáticos, históricos, geográficos, sociais, antropológicos ou lingüísticos. Contudo, “faz girar os saberes, não fixa, não fetichiza nenhum deles, ela lhes dá um lugar indireto” (BARTHES, 2007, p. 18). E esse saber nunca é inteiro nem derradeiro: “a literatura não diz que sabe alguma coisa, mas que sabe algo das coisas” (BARTHES, 2007, p. 18). A segunda força da literatura, a mimesis, é a da representação do real demonstrável ou impossível, pois a literatura “sempre tem o real por objeto do desejo”, revelando assim sua função utópica (BARTHES, 2007, p. 22-23). Portanto, a literatura é absolutamente realista: ela é a realidade, isto é, o próprio fulgor do real. Em relação à semiosis, tal força “consiste em jogar com os signos em vez de destruí-los, ou seja, instituir no próprio seio da linguagem servil uma verdadeira heteronímia das coisas” (BARTHES, 2007, p. 27-28); demonstra a capacidade da literatura de escapar dos discursos do poder, de trapacear a língua através da própria língua. Por isso, para Barthes (2007), se por alguma razão inexplicável todas as disciplinas fossem extintas do ensino, com exceção de uma só, esta deveria ser a literatura. Considerando o pensamento de Roland Barthes, constata-se que o trabalho com a literatura nos Cadernos de Teoria e Prática não prioriza a potência do saber literário. Ao trazer os textos literários, já fragmentados, para submetê-los a um trabalho direcionado, controlado, muitas vezes com esquema de pergunta/resposta, uma atividade mecânica, repetitiva, perde-se de vista o lúdico, o jogo com as palavras, que dê espaço à criatividade. Portanto, faz-se necessário repensar os currículos de Língua Portuguesa, para que promovam a imersão do aluno no universo da literatura, incentivando-o a ter contato com formas, textos e estéticas diferenciadas, articulados com a vida, com a história e o contexto sociocultural. Ademais, deve-se pensar o ensino de literatura do modo proposto por Todorov (2012), como uma prática liberta das críticas formalistas, levando em consideração o fato de que o texto literário tem muito a dizer sobre os homens, principalmente porque se permite incursionar para além do censurável, revelando, 110 assim, o indivíduo, o particular. Ensinar literatura não significa apenas “ler poemas, romances, letras de músicas na sala de aula, pois tais atividades por si só não conduzem à reflexão sobre a condição humana, sobre o indivíduo, sobre a sociedade, mas sobre as noções críticas tradicionais ou modernas” (TODOROV, 2012, p. 93). A literatura é uma via para se entender os homens: “Que melhor introdução à compreensão das paixões e dos comportamentos humanos do que uma imersão na obra dos grandes escritores que se dedicam a essa tarefa há milênios? ” (TODOROV, 2012, p. 93). Por isso, ele propõe um ensino que tenha como eixo norteador a leitura dos textos literários, tendo em vista a multiplicidade de sentidos que a literatura oferece e a diversidade de leitores. Nesse sentido, o autor chama à atenção para o cuidado de se trabalhar literatura na escola, a qual não deve possuir os mesmos objetivos de ensino da esfera acadêmica, não se pode trabalhar a literatura como uma aplicação da língua e do discurso. Nesse ensino, o objeto deveria ser a condição humana, e essa mudança, ressalta o autor, implicaria em consequências imediatas no âmbito profissional. Assim, deve-se compreender a literatura muito além de uma ferramenta de transformação, problematização e elaboração de conceitos, mas para buscar sentidos para a vida: [...] a literatura para o leitor não profissional não é uma muleta para melhor dominar um método de ensino, nem tampouco para retirar informações sobre as sociedades a partir das quais foram criadas, mas para nelas encontrar um sentido que lhe permita compreender melhor o homem e o mundo, para nelas descobrir uma beleza que enriqueça sua existência; ao fazê-lo, ele compreende melhor a si mesmo. O conhecimento da literatura não é um fim em si, mas uma das vias régias que conduzem à realização pessoal de cada um (TODOROV, 2012, p. 32-33). Para Todorov (2012, p. 28-29), “o professor de literatura não pode se resumir a ensinar, como lhe pedem as instruções oficiais, os gêneros e os registros, as modalidades de significação e os efeitos da argumentação, a metáfora e a metonímia, a focalização interna e externa etc. Ele estuda também as obras”. Passadas duas décadas das pesquisas realizadas por Marcuschi e Magda Soares, faz-se necessário frisar que muitas mudanças ocorreram no ensino, 111 decorrentes das exigências do Programa Nacional do Livro Didático, criado em 2004 para subsidiar o trabalho pedagógico dos professores e acompanhar o trabalho das editoras na elaboração de livros didáticos. Ademais, têm-se as orientações dos PCNs, que na época das referidas pesquisas, tinham sido publicados. Além do mais, os documentos oficiais não são suficientes para uma mudança substancial das práticas. Há que repensar a formação inicial. Em vista disso, professor cursista, na condição de leitor, poderia ser convidado a elaborar questões nas oficinas coletivas do Curso. Considerando que se trata de uma formação continuada, os professores podem contribuir para que os alunos desenvolvam uma compreensão ampliada dos textos, evitando, com isso, que o seu papel de estudante e leitor seja subestimado, sufocado pela leitura imposta pelos roteiros de interpretação. 3. 2 Além das páginas do Gestar... Os recorrentes questionamentos sobre o ensino de literatura expõem uma concepção do literário que resiste às transformações sociais, as quais trouxeram mudanças nas práticas culturais. A obrigatoriedade de ter a literatura na escola, como posto pelos PCN‟s, não resultou efetivamente em novas práticas de ensino. Assim, no dizer de Maria de Lourdes Dionísio, sabe-se que a literatura “anda por lá”, mesmo sem que se saiba como fazer com que ela permaneça na escola como um saber que guarda o fulgor do real. Ao falar da função social da literatura, principalmente nas periferias urbanas, Heloísa Buarque de Holanda (2012) a entende como um recurso educativo, econômico e de inclusão cultural e social, não apenas um meio de comunicação e expressão. Suas reflexões contribuem para se pensar o lugar da literatura na escola e o quanto se poderia aprender com o que está sendo produzido à margem de práticas escolares já há muito tempo instituídas, mas carentes de inovação. Exemplar de uma função social renovada tem sido a sua presença em saraus literários, promovidos por escritores e poetas nas periferias dos grandes centros urbanos. 112 No campo da criação literária e, principalmente, no da formação de leitores, os saraus são, sem dúvida, fenômeno inédito e à parte. Os saraus já representam uma rede significativa de escritores/leitores na periferia paulista e, no caso do Rio de Janeiro, um movimento incipiente, mas já claramente promissor. A literatura chega às favelas e afins via hip hop, o que já define seu perfil diferenciado. Muito próxima (talvez descendente) do rap, ou poesia falada, a literatura marginal, divergente ou periférica (autodenominações mais recorrentes entre seus autores) não distingue entre arte e ativismo, entre criação de texto e criação de leitores (HOLANDA, 2012, p. 4). Todavia, é preciso considerar que a escola continua resistente ao acolhimento de movimentos advindos da periferia, a despeito do contexto social de seus alunos. Continua avessa a certas transformações, ao manter práticas ultrapassadas e muitas vezes elitistas de ensino e relegar à literatura um lugar menor no currículo escolar, talvez por considerá-la como a não ciência. Nesse sentido, a escola, lugar por excelência do ensino da leitura, parece não cumprir com seu papel social frente às novas demandas sociais, que exigem acima de tudo, uma adoção de novas posturas frente ao livro e à leitura, o texto e o leitor, que evoca, consequentemente, a literatura. Considerando esse novo cenário, Heloísa Buarque de Holanda (2012) propõe pensar o livro e a leitura no novo quadro de culturalização, ou seja, do direito ao conhecimento e ao livre acesso à cultura. Para a autora, apesar da permanência de certa auratização do livro e do seu antigo sabor de fetiche, é importante entender que outras experiências e interpretação do valor-livro estão emergindo. Ou seja, a experiência da leitura e o livro ganharam novas e múltiplas configurações. Assim, o livro, a escrita e a leitura sinalizam um caminho de mudanças estruturais. Desse modo, a autora propõe uma reflexão a respeito da influência da internet e das mídias digitais neste processo de expansão da palavra escrita e da oralidade: Portanto, ao contrário do que possa parecer, a internet e as mídias digitais, por si só, não são responsáveis pelo turbilhão de mudanças que se anunciam nas áreas do livro e da leitura. Tudo indica que, na realidade, essa transformação responde a uma longa e lenta demanda de interpelações de fronteiras e procedimentos. Tenho que me policiar porque não cabe aqui ceder à iminente tentação de discorrer sobre as novas características dos usos da palavra na literatura dessa geração familiarizada com a vida www e sobre o atual processo de explosão da palavra, em todas as suas formas, dicções, gramáticas, sintaxes bem como sua interação com linguagens e interlocutores. Temos ainda a emergência de uma nova 113 oralidade, com características próprias que começam a ser tema dos estudos da palavra falada (HOLANDA, 2012, p. 3). Convém, portanto, entender esses múltiplos caminhos a partir do conceito de transmídia, diferente de multimídia, ressalta a autora. No conceito de multimídia, a criação de uma obra ou produto, por exemplo, utiliza várias mídias. Já no conceito de transmídia, a criação de uma obra lança mão simultaneamente de vários suportes e metodologias de criação, a exemplo “do design, do vídeo, da animação, da literatura para criar novos formatos de expressão que não se identificam especificamente com nenhuma das mídias que constituem seu DNA” (HOLANDA, 2012,p. 3). Os jovens poetas hospedados na web já começam a anunciar novas práticas da palavra-movimento, palavra-som, palavra-imagem, da palavra-game. Esta produção, tanto pelo comportamento criativo como pela natureza da invenção, muitas vezes se afasta do que entendemos por literatura, seus valores, seus paradigmas, seus cânones ou das formas tradicionais do consumo hermenêutico do texto literário. [...] A essas novas práticas, podemos chamar de (ou pensar como) palavra expandida. Neste sentido, toda atenção aos desdobramentos dessa forma de criação, particularmente atraente para as tribos jovens, é pouca nesse momento. É importante, ao pensar o livro e seus usos, dar um foco especial nas múltiplas plataformas da palavra expandida, que geram novas formas de percepção e novas leituras do mundo, assim como usuários com comportamentos ainda pouco conhecidos e estudados (HOLANDA, 2012, p. 3). Destaque nessa perspectiva de gêneros transmídia a plataforma Inanimate Alice, que propõe um trabalho artístico no ambiente virtual. Concebida por Kate Pullinger e Chris Joseph, é uma proposta pedagógica criativa para se trabalhar os princípios da literatura eletrônica e as discussões filosóficas propostas por Lewis Carroll em sua obra Alice no País das Maravilhas. 64 Considerada “literatura eletrônica”, é uma produção artística criada em parceria com a máquina para ser 64 Inanimate Alice é uma premiada produção narrativa com 10 episódios que busca acompanhar o crescimento e a formação de uma criança de nacionalidade não identificada, dos oito aos dez anos de idade, especialmente elaborada para a internet e concebida em meio digital.Disponível em inglês, possui uma linguagem fácil e o leitor dispõe do tempo que necessitar para mudar a tela, além de poder contar com a ferramenta de tradução do Google. 114 vivenciada na máquina, conforme Emerlinda Maria Ferreira (2013, p. 141), que considera essa narrativa o bildungsroman – romance de formação65 – da era digital. A proposta visa a atender a necessidade de letramento digital do público contemporâneo, ainda no ambiente escolar, buscando reduzir os efeitos possivelmente deletérios do autodidatismo nesta área, que estaria levando os usuários da internet a apreender de modo limitado as complexidades do sistema pela prática cotidiana do uso de computadores pessoais, celulares e todo o arsenal de aparelhos portáteis hoje disponíveis. (FERREIRA, 2013, p. 141) Para a autora, “os especialistas mencionam mesmo a demanda por um “transletramento” (“transliteracy”), que definem como a capacidade de ler, escrever e interagir em uma variedade de plataformas, ferramentas e meios, que incluem a oralidade, a escrita, a imprensa, o rádio, a televisão, o cinema e as redes sociais digitais, fornecendo uma perspectiva unificadora sobre o que significa ser “alfabetizado” no século XXI. Inara Ribeiro Gomes (2010) reitera tais proposições, que deslocam uma concepção fechada do literário e aponta caminhos possíveis para atender às novas demandas de leitura, através das contribuições da revolução digital com sua vasta gama de possibilidades de uso da palavra escrita – “as mídias eletrônicas provocam transformações profundas nos modos tradicionais de apropriação e de compreensão das linguagens” (GOMES, 2010, p. 2). A autora defende que a circulação da literatura na escola deve contemplar a dimensão social das práticas de leitura, para evitar o seu esvaziamento pelas práticas pedagógicas e preservando-se o jogo estético entre leitor e texto, e não o uso do texto como ilustração de conceitos (GOMES, 2010, p. 1). 65 Segundo Emerlinda Maria Ferreira (2013) o Bildungsroman adquiriu um estatuto de forma específica na tradição romanesca a partir do livro Os anos de formação de Wilhelm Meister, de Goethe, publicado em 1795; que definiu, por assim dizer, as qualidades do gênero – ou, mais especificamente, as suas convenções, através das quais manifestações literárias das mais diversas procedências passaram a ser identificadas e reconhecidas sob esta alcunha: como romances “de formação” ou romances educativos”. Tais romances chamam atenção pelo caráter otimista que vigora na maioria deles, destinados a finais felizes, ou pelo menos sem danos irreparáveis para o herói, como a morte ou a degradação. Também não há, em geral, um princípio de unidade para a narrativa, que se organiza em função da viagem espiritual do protagonista, podendo abranger episódios fragmentados no tempo e no espaço, sujeitos a um processo de interiorização pelo personagem, cuja personalidade se desenvolverá dependendo do modo como possa apreender e absorver os conflitos e dissonâncias resultantes de suas experiências no mundo. 115 Em relação ao lugar ocupado pela literatura nas práticas atuais de ensino, que para a autora, já foi de prestígio, deve-se a alguns fatores: a) as mutações do sistema de ensino; b) a trajetória histórica da escola; c) a formação dos professores de língua. Alguns fatores externos, relacionados ao contexto social e cultural, como “o avanço da “cultura científica” sobre os objetivos educacionais, que segundo a autora, “levou a uma progressiva marginalização das humanidades” (GOMES, 2010, p. 2). Assim, as disciplinas que têm como base uma visão formativa atrelada à cultura clássica gradativamente vão perdendo espaço nos currículos formativos. O enfraquecimento da literatura nesse espaço ocorre também pelo processo de desvalorização social da instituição escolar: Do lado de fora da escola, a literatura vive a história de uma desvalorização social, deslocada na sua função mais básica – proporcionar prazer ao suprir nossas demandas por ficção – pelas novas formas culturais e artísticas propiciadas pela evolução técnica dos meios de comunicação audiovisual e seu poder de intervir na formação dos gostos e do imaginário coletivo. O enfraquecimento da representação social da literatura atinge o espaço escolar e afeta o seu ensino (GOMES, 2010, p. 2). Com a criação da nova LDB 9394/96 e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998), a literatura no ensino médio deixa de ser uma disciplina autônoma para se diluir como conteúdo na disciplina de Língua Portuguesa e em leitura, o que, em parte, explica o enfraquecimento de uma concepção elitizada de literatura. E no ensino fundamental, embora ela nunca tenha se constituído como disciplina autônoma, foi também alocada na área de linguagens. Nesta nova concepção de ensino, a literatura está agregada a uma perspectiva maior, a linguagem. Segundo Eliana Yunes (2008), os PCNs trazem uma atualização de concepção teórica sobre a grande área da Literatura, principalmente por não aparecer completamente explicitada no texto e corresponder ao subtítulo “linguagens”, que também inclui as artes plásticas, o cinema e outras manifestações artísticas e culturais. A grande área em que cabe a literatura – é bem verdade que não aparece explicitada no texto – corresponde ao subtítulo das linguagens, no conjunto em que língua, artes plásticas, teatro e música estão relacionados. Não tem qualquer sentido a ausência da nomeação explícita... ou teria? Talvez descaracterizá-la como o 116 paradigma das linguagens artísticas na tradição, trazendo o foco da atenção para o largo horizonte que se abriu com os estudos culturais em alta. Esta expressão, no entanto, também não merece qualquer destaque (YUNES, 2008, p. 63-64). Segundo a autora, “isto mais pareceria firula, se não houvesse o fato concreto de que permaneçam as listas de livros a serem lidos para os vestibulares na maior parte das universidades do país” (YUNES, 2008, p. 64). Em sua visão, inserir a literatura como linguagem pode ser uma renovação. Olhar a literatura na sua condição de linguagem, em interface com outras expressões culturais, pode, no mínimo, reservar-lhe o sabor de oferecer verbo para o leitor referir e tratar a cultura, em múltiplas linguagens, seja o cinema, as artes plásticas ou a música, por exemplo. A discursividade literária é hoje inegavelmente uma ponte de feliz ocorrência entre a teoria, a ciência e a arte, entre a teoria e outros saberes, tal como Calvino, Borges e Barthes a exerceram (YUNES, 2008, p. 65). Para Yunes (2008), a problemática que se coloca nesse deslocamento compreensivo é a demarcação do espaço para a cultura em nossas escolas, por meio de diferentes linguagens, inclusive a literária. Para ela, o contato significativo com a leitura literária foi se perdendo, visto que seu lugar se fragilizou com o advento da mídia de imagem e de som, tornando a figura do leitor intimista, senão melancólica, uma das raras imagens de se ver na contemporaneidade. Com isso, constitui-se, de algum modo, uma impossibilidade de apropriação da literatura como experiência cultural, prejudicando os estudos culturais e aumentando a defasagem entre o pensamento e a escola. A perda de um contato significativo com a literatura sem que se possa apropriá-la efetivamente como uma experiência cultural, complica não apenas a realocação dos estudos literários, mas todo o segmento rotulado como linguagens, nos PCNs. A chamada crise da literatura pode atingir no ensino, os recém-nascidos estudos culturais, aumentando a defasagem entre a escola e o pensamento, justamente quando o alargamento do espectro pretendia sanar este mal (YUNES, 2008, p. 66). Tendo em vista esse cenário de mudanças culturais, as reflexões de Viviane Mosé sobre a aprendizagem contribuem para que se modifique a visão de que o 117 ensino de literatura se apóie no repasse de conteúdos: “Ensinar não pode ser transmitir conhecimentos, mas, antes de tudo, provocar interesses e dúvidas, fazer com que brotem questões e desenvolver métodos de pesquisa, de filtragem e seleção de dados, de ordenação de conteúdos, de construção da argumentação” (MOSÉ, 2013, p. 13). Assim, cabe também ao professor, dentre tantos outros sujeitos envolvidos no processo educacional, enfrentar esse novo cenário recusando-se a participar de um sistema alienador, imposto pelas prescrições oficiais e manuais didáticos que visam ao tutelamento e ao doutrinamento, o que se pode ver na repetição de práticas, ideias, conceitos e teorias extremamente cristalizados. Ao contrário, o professor deve promover, com sua autonomia, situações de aprendizagem que valorizem o pensamento crítico e a pluralidade de ideias dos alunos, estimulando-os a elaborar, inventar, construir conceitos e relacioná-los, afastando-os da sedução dos juízos de valores maniqueístas sobre o mundo, o outro, a vida e si mesmo. 118 EM VIAS DE CONCLUIR A FORMAÇÃO Tenho um grande respeito, e principalmente um grande carinho, pelo ofício de professor e por isso mesmo me reconforta saber que eles também são vítimas de um sistema de ensino que os induz a dizer bestialidades. [...] Lembro-me de um professor de literatura do colégio, um homem modesto e prudente, que nos conduzia pelo labirinto dos bons livros sem interpretações rebuscadas. Esse método possibilitava a seus alunos uma participação mais pessoal e livre no milagre da poesia. Em síntese, um curso de literatura não deveria ser mais que um bom guia de leituras. Qualquer outra pretensão não serve para nada mais além de assustar as crianças. Penso eu, cá entre nós. Gabriel Garcia Marquez Neste momento em que nossas reflexões se encaminham para algumas considerações finais sobre este estudo, pensar a literatura na escola requer, acima de tudo, entendê-la em um sistema regulativo de ensino. Portanto, para analisar a sua presença no Programa Gestar II tornou-se fundamental fazer uma abordagem que extrapolasse o material didático. Foi necessário movimentar um conjunto de problemas que situam o lugar da literatura a partir da política educacional de formação docente, que assumiu no Brasil, feição compensatória, criada com o intuito de sanar os problemas da formação inicial. Ademais, na condução deste estudo, foi preciso considerar as forças e crenças que habitualmente rondam o ensino de literatura, quase sempre marcado por um trabalho com textos literários selecionados especificamente para uso no ambiente escolar, com o propósito instrucional. As atividades geralmente são voltadas para a aquisição de informação: o “ler para fazer”, negligenciando, assim, a singularidade da literatura. Nesta apreciação, foi possível identificar, também, que os livros e manuais didáticos de literatura geralmente reproduzem um ensino pautado em uma tradição dos estudos literários, que quase sempre priorizam uma abordagem do texto em sua imanência. O material didático do Gestar II revela o tutelamento e o doutrinamento através de determinados conceitos que chegam prontos e com atividades das quais já se sabem as respostas. Observa-se, assim, que tais modelos são elaborados com fins de controle da qualidade educacional, regulados por movimentos de homogeneização e padronização. 119 Nesse contexto, cabe uma reflexão sobre o nome do Programa: Gestão da Aprendizagem Escolar, conhecido por sua sigla GESTAR. A palavra gestão vem do termo latino “gestio”, que expressa a ação de dirigir, de administrar e de gerir a vida, os destinos, as capacidades das pessoas e as próprias coisas que lhes pertencem ou que delas fazem uso. No dicionário Aurélio de Língua Portuguesa (2008) o verbete “gestão” significa: 1. Gerência; administração. A análise da sigla do Programa “gestar” permite inferir significados semelhantes, pois, obviamente, são léxicos oriundos de uma mesma etimologia latina. O termo latino “gerere” significa governar, conduzir, dirigir. De acordo com Houaiss & Villar (2001, p. 1.499), o verbete “gestar” significa “formar e sustentar um filho no próprio ventre”. Ao analisar as definições da palavra ” gestão e gestar”, constata-se que ambas trazem a ideia de “gerir”, que significa “exercer gerência sobre; administrar, dirigir, gerenciar” (HOUAISS & VILAR, 2001: p, 1.447). Ambas as palavras, “gestar e gerir”, são plenamente cabíveis para compreender em qual dessas definições a concepção do programa Gestar II se apoia. Em uma perspectiva antropológica, Antônio Carlos Lima (2002) analisa os sentidos desses termos, no contexto da administração pública do Brasil, o que torna pertinente considerá-los, tendo em vista que o Programa Gestar II é uma política pública de educação. Sobre a palavra “gestar”, o autor destaca sua função constituitiva e pedagógica de “maternagem”, de ensinar a ser, perceptível na tutela como exercício de poder, na qual a imagem da babá ou governanta se contrapõe à sua bondade opressiva e emblemática (LIMA, 2002, p. 16). Quanto ao termo “gerir”, sinaliza para uma compreensão de controle cotidiano de uma administração, perpassada por interesses pessoais e redes de clientelas, na qual os interesses de grupos são muito mais fortes que os chamados corporativos, por vezes mais figuração que prática efetiva, ainda assim representa este “tutor” de coletivos, controlador de espaços, mantenedor dos desiguais em seus nichos (LIMA, 2002, p. 16). Nesse sentido, apesar da ambivalência dos termos “gestar” e “gerir”, é importante ressaltar que a concepção do Programa Gestar II se aproxima mais da noção de gerir algo, no sentido de tutela. Isso pode ser constatado na forma como os Cadernos de Teoria e Prática foram elaborados, com sugestões de atividades que visam ao controle diário da sala de aula e ao direcionamento dos discursos docentes e desempenho dos discentes no sistema escolar. Não se pode negar uma 120 pretensão de que gestar sugira a ideia de gestação, de algo novo, no sentido de criação. Contudo, o termo gerir se acomoda melhor, pois traz a ideia de gerir algo, o que já existe. Nesse caso, pode-se inferir que o Programa se apresenta como uma forma de controle governamental sobre as ações dos professores de Língua Portuguesa. Assim, o Gestar II, na condição de programa de formação docente, visa à correção das falhas do processo de formação inicial, tendo em vista as pressões internacionais frente aos resultados negativos dos estudantes brasileiros, forçando o governo a investir em políticas de formação continuada, pelo entendimento de que a má formação docente é uma das causas do fracasso escolar dos alunos. Certamente por força de um programa que aposta em resultados mais imediatos, a literatura tenha sido pouco explorada de modo mais livre nos Cadernos de Teoria e Prática do Gestar II, como uma escrita singular, avessa inclusive à institucionalização. Aí sua singularidade se dilui nos estudos da língua e os gêneros literários ganham ênfase apenas como prática discursiva, ainda que haja tópicos dos conteúdos que se propõem a tratar da especificidade da literatura. Esse lugar que lhe é reservado termina por reforçar uma antiga polaridade: língua e literatura. A partir dessa constatação, conclui-se que o lugar da literatura nos Cadernos de Teoria e Prática do Gestar II está marginalizado, uma vez que o contato com as obras é empobrecido pelos recorrentes fragmentos de textos literários. Quando a literatura é explorada nas atividades, está quase sempre subordinada ao ensino da língua, uma vez que “falar bem” e “escrever bem” são competências socialmente valorizadas e exigidas nas relações sociais e profissionais. Contudo, não se tem a garantia de que se lê bem. Lê-se apenas. Assim, o Programa Gestar II reflete uma visão pragmática de ensino, ao tempo em que expressa uma dificuldade de entender os deslocamentos dos conceitos de literatura consagrados pela tradição erudita. 121 REFERÊNCIAS ABREU, Márcia. Diferentes formas de ler. Congresso Brasileiro de Ciência da Comunicação, 24, 2001. Campo Grande: Anais eletrônicos. Disponível em: <http//www.unicamp.br/iel.memoria> Acesso em 28 de janeiro de 2015. ABREU, Márcia. Os números da cultura. In: RIBEIRO, Vera Masagão (org.). Letramento no Brasil: reflexões a partir do INAF 2001. São Paulo: Ação Educativa; Global; Instituto Paulo Montenegro, 2003. ASSIS, Machado. Histórias da meia noite. São Paulo: LEL. Coleção obras ilustradas de Machado de Assis, v.1. AURÉLIO. Dicionário online da Língua Portuguesa. 2008. Disponível em: http://www.dicionariodoaurelio.com/gestao. Acesso em 25 de janeiro de 2015. BAGNO, Marcos. Curso de letras pra quê? 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O nosso trabalho no Programa Gestar tem se orientado para a criação de uma nova escola, que contemple a complexidade do mundo contemporâneo articulando-o com educação de nossos alunos. Uma escola mais democrática e amorosa, que vise à autonomia e à auto realização de cada aluno e que, ao mesmo tempo, tenha como horizonte a justiça social, a felicidade e a emancipação da humanidade. Por tudo isso, o que é importante para nós é não perdermos de vista a sua formação permanente e as possibilidades de proporcionarmos espaços para o aperfeiçoamento do seu desempenho pessoal e acadêmico. Por meio de sua formação, promoveremos condições para que os alunos se desenvolvam de forma harmoniosa, tornando-se autônomos e cooperativos, críticos e criativos. Este é o propósito do programa Gestar II, que começamos a apresentar a você agora. O objetivo deste Guia Geral é construir uma proposta de trabalho participativa e interativa que o oriente na: Compreensão do Programa Gestar II, para as séries finais do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série, ou 6º ao 9º ano); Construção coletiva da Proposta Pedagógica do Gestar II; Implementação do Gestar II; Definição dos papéis dos atores do Gestar II. (BRASIL, 2010. Não paginado). 128 ANEXO 2 Avançando na Prática Propomos-lhe a seguinte experiência: 1- Faça um levantamento com sua turma: quais são os assuntos que mais mobilizam cada um? 2- Discuta com eles sobre esses assuntos: por que o interesse, quantos alunos estão ligados a ele, etc. 3- Proponha que cada grupo de interessados faça uma pesquisa sobre um dos assuntos, para posterior apresentação e discussão com a turma. 4- Discuta com eles as fontes e materiais mais adequados para se obter informação sobre cada assunto: outros professores, livros informativos, jornais e revistas, profissionais ou estudiosos ligados ao assunto, Internet, livros de literatura, outras obras de arte. 5- Todos os dias, estipular um tempo para uma reunião em grupo e apresentação de resultados e definição de novos avanços. (Você estará acompanhando as decisões de cada grupo, naturalmente.) 6- Defina com cada grupo data e forma de apresentação dos resultados. Dê liberdade a cada um deles para planejar sua apresentação de forma criativa. 7- Após a apresentação de cada grupo, ouça a opinião da turma: ajude-a a avaliar de forma adequada, com objetividade e respeito a cada trabalho. 8- Peça à turma que avalie a experiência, sintetizando os ganhos em termos de leitura (que material foi mais útil a seus objetivos) e conhecimentos (como seus horizontes foram alargados). Avalie você mesmo a experiência, ressaltando os avanços do grupo em todos os campos. Precisamos atentar para algumas questões importantes e muitas vezes pouco enfatizadas, no tocante a nossos objetivos de leitura. A primeira delas é que, sublinhando a importância da clareza dos objetivos, deixamos de lembrar o fato de que nem sempre a leitura ocorre em situações tão bem delimitadas, em que o leitor deseja ler e até procura o material adequado para realizar seus objetivos bem definidos de leitura. Às vezes, o texto “aparece” diante de nós, independentemente de o estarmos procurando. É o caso dos cartazes, anúncios em jornais, revistas e outdoors, filipetas entregues na avenida. Filipeta é um tipo de publicidade de massa: trata-se de um “anúncio”, em geral em papel jornal e impresso sem grandes cuidados, em que se oferece algum tipo de serviço (venda e compra de ouro, cartomante, equipamentos vários, loteamento, ou se divulga um espetáculo, por exemplo) Em geral, não temos intenção de ler tais textos, a menos que sejamos publicitários, trabalhemos com o produto anunciado ou com o concorrente. A publicidade sabe muito bem disso, por isso esmera seus mecanismos de sedução. O fato é que, quando caem em nossas mãos, esses textos estabelecem imediatamente determinada situação comunicativa, na qual a leitura ocorrerá com características específicas. 129 Outro ponto importante: costumamos ligar a leitura para obter informações gerais, sem necessidade de precisão, a determinados suportes, como jornais e revistas: “navegamos” nosso olhar pela página, registrando conteúdos das manchetes, um ou outro subtítulo, e com isso estamos em condições de acompanhar as notícias do dia, sentindo-nos atualizados. Se alguma for especialmente importante para nós, paramos e a lemos inteira, ou parte dela. Atitude semelhante a essa podemos ter numa biblioteca, ou numa livraria: entramos nesses espaços para “ver as novidades”, observar títulos. Percorremos estantes, observamos lombadas e capas, e, diante de um título de interesse, paramos, folheamos o livro, lemos a orelha, o sumário e figuras. Conforme o caso, podemos checar a bibliografia, para ver a atualização do tratamento do assunto. Se realmente parecer importante, tomamos emprestado, ou compramos o volume. Outra questão a sublinhar é a da leitura por prazer, ou distração, ou entretenimento. Em geral, achamos que lemos por prazer o texto de literatura, por sua falta de objetivos práticos, sua “inutilidade”, no dizer do poeta Manoel de Barros. É a leitura de lazer, a que buscamos para ocupar nosso tempo livre. Para nós, a literatura cumpre mesmo esse objetivo, e é bom que ela proporcione prazer. Mas devemos deixar claros dois pontos: o prazer não é oposto a esforço, alguma dificuldade. Ao contrário, muitos autores assinalam que suas melhores leituras foram aquelas que lhes deram trabalho e safanões. Se temos motivos para ler, o esforço não é superestimado, o desafio é aceito sem problemas e “com prazer”. Como quando lemos uma instrução para montar um brinquedo: mesmo que complicada, vamos até o fim, porque queremos ver o objeto montado. Por outro lado, o prazer não está vinculado só à literatura: está ligado essencialmente à experiência significativa, e não à facilidade e ao descompromisso. Lembremos, ainda, que nem sempre na escola a literatura chega aos alunos pela via do prazer, em virtude do trabalho autoritário marcado, não só na escolha do título, como nas atividades impostas em torno da leitura. Inibe-se, assim, uma das experiências mais enriquecedoras da humanidade. Vamos tratar dessa questão em uma das nossas próximas unidades. Por fim, queremos lembrar que uma leitura menos atenta pode trazer-nos enganos, a partir de nossos objetivos. Suponha que você deparou com o texto seguinte, numa folha mimeografada ou impressa (BRASIL, 2008, p. 85-86). 130 ANEXO 3 GESTAR II TP1 - Língua Portuguesa Caro Professor, cara Professora, Começamos, agora, nossos estudos de Língua Portuguesa. Como já lhe adiantamos, neste primeiro caderno vamos tratar de questões mais gerais, que, fundamentando todo o trabalho com a Língua Portuguesa, vão obrigatoriamente ser retomadas em determinados pontos dos demais TPs, tal a importância delas para a sua prática. Com isso, imaginamos facilitar o caminho a ser percorrido neste ano de estudos. Você já sabe também que, para tornar nossa proposta ainda mais ligada à sua atuação em sala de aula, decidimos, na seleção de textos a serem trabalhados, privilegiar os temas transversais. Nas quatro primeiras unidades que constituem o TP1, nossos textos estão ligados aos temas da família e da escola, vistas de variados ângulos e em diversas formas: ao final delas, poderemos ter ampliada e aprofundada nossa visão sobre as questões que envolvem essas instituições que, mesmo com todas as transformações da sociedade, se apresentam como da maior importância, ainda hoje. Nessas unidades, vamos também explorar assuntos relevantes: a variação linguística, a própria conceituação de texto e as suas implicações no ensino-aprendizagem da língua e a intertextualidade. Você deve estar se perguntando se vale a pena rever assuntos que, com certeza, já foram estudados em alguns ou em vários cursos de que terá participado. Bem, o principal argumento que podemos apresentar-lhe, para rever questões como dialetos e registros, norma culta, modalidades da língua, linguagem literária, paráfrases e paródias, é um fato que a experiência nos mostra constantemente: esses e outros pontos continuam obscuros e mal explorados em sala de aula, o que vem refletindo-se no inadequado desempenho de nossos alunos na maioria das atividades de linguagem. Esses conteúdos continuam, pois, fundamentais sob dois aspectos: a ampliação do conhecimento desses assuntos aumentará substancialmente sua competência no uso da linguagem. Você terá melhores condições de compreender e avaliar mais adequadamente os textos lidos e ouvidos, da mesma forma que produzirá textos mais pertinentes. Na medida em que desenvolve essa competência linguística, que é o grande objetivo do ensino da língua, você estará em condições de, com algumas sugestões que vamos propor-lhe, ao longo das unidades, desenvolver em seus alunos a consciência dessas variações e o uso de cada uma delas, nas diversas situações de comunicação vividas por eles. Na primeira unidade, chamada Variantes linguísticas: dialetos e registros, vamos distinguir normas e usos da língua, buscando compreender como essas variantes se efetivam em nossa interação cotidiana. Na segunda, chamada Variantes linguísticas: desfazendo equívocos, vamos trabalhar a oralidade e a escrita, a norma culta e o texto literário, procurando esclarecer a importância da compreensão mais ampla desses “acontecimentos linguísticos”. Na terceira, chamada O texto como centro 131 das experiências no ensino da língua, vamos discutir o próprio conceito de texto, descobrir por que a necessidade de trabalhar com textos e por em cena os interlocutores do texto, com seus objetivos. Na quarta e última unidade deste TP, chamada A Intertextualidade, trabalharemos questões relativas ao diálogo entre textos, às várias formas de intertextualidade e ao ponto de vista em todo tipo de interlocução. Esperamos que estes estudos sejam um trabalho compensador e agradável para você. Vamos à nossa primeira unidade (BRASIL, 2008. Não paginado). 132 ANEXO 4 GESTAR II TP2 - Língua Portuguesa Caro Professor, cara Professora, Nas unidades do TP1, insistimos na necessidade de o texto, em qualquer de suas formas, originar as atividades de língua portuguesa. Uma unidade tinha mesmo essa ideia como elemento central, lembra-se? Pois, nas duas próximas unidades, os textos vão ajudar-nos a fazer uma reflexão mais sistemática sobre a língua. É claro que, quando criamos ou interpretamos textos, estamos refletindo e aprendendo sobre a linguagem. Nesse sentido, qualquer pergunta feita sobre determinado enunciado, nosso ou alheio, já é um trabalho importante, que desenvolve nossa competência no uso da linguagem. Foi através de hipóteses e dúvidas, ainda que não explicitadas ou conscientes, mas que ficaram ecoando no nosso cérebro, que adquirimos inicialmente a linguagem, procedimento que não abandonamos mesmo depois do domínio da língua. Esse trabalho que desenvolvemos obrigatoriamente pelo simples uso da língua pode tornar-se mais consciente e mais aprofundado, ao longo de nossa vida. O processo de ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa avança nessa direção, por meio da chamada análise linguística. Vamos trabalhar a análise linguística do mesmo modo que estudamos os textos: procurando ajudá-lo a “ver” melhor o assunto abordado. Só podemos refletir sobre o que observamos, e observamos melhor o que faz parte de nossa vida, do nosso cotidiano. Frequentemente, a análise linguística e o trabalho com a gramática costumam ser mal vistos por alunos e muitos professores, ou mal orientados. Muitos veem esse estudo como extremamente complexo, outros o acham completamente sem interesse, outros tantos o consideram sem sentido. No entanto, ele pode não ser desagradável, nem infrutífero. Muito pelo contrário. Vamos procurar demonstrar isso, ao longo dessas unidades. Para você se sentir mais à vontade para percorrer esses caminhos da análise linguística, achamos oportuno esclarecer, inicialmente, alguns pontos sobre o que chamamos “análise linguística” e “gramática”. Assim, na Unidade 5 – Gramática: seus vários sentidos, vamos refletir sobre as várias acepções que a palavra gramática tem nos estudos linguísticos, e como a confusão entre essas acepções pode gerar dificuldades no ensino-aprendizagem da língua. Na Unidade 6 – A frase e sua organização – vamos estudar as várias formas linguísticas de estruturar o texto - das mais simples às mais complexas, e como ajudar nossos alunos a compreender e usar essas estruturas. Nas Unidades 7 e 8 vamos tratar da arte, suas características, em especial, da literatura. Vamos começar a primeira unidade (BRASIL, 2008. Não paginado). 133 ANEXO 5 Registros de Gêneros Textuais Encontrados nos TPs 1 ao 6 do Gestar II Cadernos de Teoria e Prática TP TP TP TP TP TP 1 2 3 4 5 6 45 43 81 59 90 57 9 11 20 4 11 5 9 14 26 27 28 21 27 18 35 28 51 39 Charge 1 0 0 0 1 0 Anúncio Publicitário 3 3 3 4 4 3 Carta 0 0 2 0 1 1 Bilhete 0 0 0 0 1 0 Diário 0 0 0 0 1 0 Receitas culinárias 0 0 3 0 1 0 Fotografias/imagens 1 1 5 3 1 0 Telas – pinturas 0 6 0 0 0 0 Letra de Música 1 1 2 1 3 1 Anedota 1 1 0 0 1 1 HQ 0 2 1 0 3 1 Mapas 0 0 0 0 1 0 Provérbios 0 0 1 0 0 0 Verbete de dicionário 0 0 1 0 0 0 Texto de divulgação científica 0 0 2 0 3 6 Narrativas Diversas 2 2 1 8 0 7 Bula 0 0 1 0 0 0 Entrevistas 0 0 2 3 1 1 Texto religioso /Bíblia 0 0 1 0 0 0 Horóscopo 0 0 1 0 0 0 0 0 0 8 5 0 Trava-língua 0 0 0 0 1 0 Total de Não literários por TP 9 14 26 27 28 21 Registros de Gêneros Textuais Gênero Literário Gênero não Literário Texto Funcional/utilitário 66 Categoria e Registro dos Gêneros Leitura de imagens e símbolos 66 Os textos funcionais/instrucional/utilitarista - devem ser compreendidos como textos de fundamentação teórico-conceituais com relação à língua e literatura. 134 Gênero Literário Conto 3 4 4 1 3 1 Poema 1 4 7 3 6 3 Fábula 1 1 3 0 0 1 Crônica 2 0 1 0 1 0 Novela 1 0 0 0 1 0 Romance 0 0 2 0 0 0 Lenda 0 0 0 0 0 0 Cordel 0 0 3 0 0 0 Teatro 1 2 0 0 0 0 Total de literários por TP 9 11 20 4 11 5 135 ANEXO 6 Sumário TP167 Apresentação PARTE I Apresentação das unidades Unidade 1: Variantes linguísticas: dialetos e registros Seção 1: As Inter-relações entre Língua e Cultura Seção 2: Os dialetos do Português Seção 3: Os registros do Português Leituras sugeridas Bibliografia Ampliando nossas referências Correção das atividades Unidade 2: Variantes lingüísticas: desfazendo equívocos Seção 1: A norma culta Seção 2: O texto literário Seção 3: Modalidades da língua Leituras sugeridas Bibliografia Correção das atividades Unidade 3:O texto como centro das experiências no ensino da língua Seção 1: Afinal, o que é texto? Seção 2:Por que trabalhar com textos Seção 3:Os pactos de leitura Leituras sugeridas Bibliografia Ampliando nossas referências Correção das atividades Unidade 4: A intertextualidade Seção 1: O diálogo entre textos: a intertextualidade Seção 2: As várias formas da intertextualidade Seção 3: O ponto de vista Leituras sugeridas Bibliografia Correção das atividades PARTE II Lição de casa 1 Lição de casa 2 PARTE III Oficina 1 Oficina 2 67 Todos os sumários obedecem esta mesma estrutura, exceto o tópico “Ampliando as nossas referências” que só aparece nas unidades ímpares. Portanto, nos sumários subsequentes se reproduzirá apenas os conteúdos das unidades. 136 Sumário TP2 Apresentação PARTE I Apresentação das unidades Unidade 5:Gramática: seus vários sentidos Seção 1:A gramática interna e o ensino produtivo Seção 2:A gramática descritiva e o ensino reflexivo Seção 3:A gramática normativa e o ensino prescritivo Unidade 6:A frase e sua organização Seção 1: O que é frase Seção 2: O período e a oração Seção 3: As várias possibilidades de organização da frase e do período Unidade 7:A arte: formas e função Seção 1: Arte e cotidiano Seção 2:A arte: classificação e características Seção 3:As funções da arte Unidade 8: Linguagem figurada Seção 1: A expressividade da linguagem cotidiana Seção 2: Figuras e linguagem literária Seção 3: Elementos sonoros e sintáticos da expressividade Sumário TP3 Apresentação PARTE I Apresentação das unidades Unidade 9: Gêneros textuais: do intuitivo ao sistematizado Seção 1: O conhecimento intuitivo de gêneros Seção 2:Gêneros textuais e competência sociocomunicativa Seção 3:Classificando gêneros textuais Unidade 10: Trabalhando com gêneros textuais Seção 1: Gênero literário e não-literário Seção 2: O gênero poético Seção 3: Uma subclassificação do gênero poético: o cordel Unidade 11:Tipos textuais Seção 1: Sequências tipológicas: descrição e narração Seção 2: Sequências tipológicas: os tipos injuntivo e preditivo Seção 3: Sequências tipológicas: o tipo dissertativo Unidade 12: A inter-relação entre gêneros e tipos textuais Seção 1: Gêneros textuais e sequências tipológicas Seção 2: Sequências tipológicas em gêneros textuais Seção 3: A intertextualidade entre gêneros textuais Sumário TP4 Apresentação PARTE I Apresentação das unidades Unidade 13: Leitura, escrita e cultura Seção 1: O letramento Seção 2:Letramento e diversidade cultural 137 Seção 3:Conhecimento prévio e a atividade de leitura e escrita na escola Unidade 14: O processo da leitura Seção 1: Onde está o significado do texto? Seção 2: Os objetivos de leitura: expectativas e escolhas de texto Seção 3: Conhecimentos prévios interferem na produção de significado do texto? Unidade 15: Mergulho no texto Seção 1: Por que e para que perguntar Seção 2: Como chegar à estrutura do texto? Seção 3: Quando queremos aprender Unidade 16: A produção textual - Crenças, teorias e fazeres Seção 1: Escrita, crenças e teorias Seção 2: O ensino da escrita como prática comunicativa Seção 3: A escrita e seu desenvolvimento comunicativo Sumário TP5 Apresentação PARTE I Apresentação das unidades Unidade 17: Estilística Seção 1: A noção de estilo e o objetivo da Estilística Seção 2: A Estilística do som e da palavra Seção 3: A Estilística da frase e da enunciação Unidade 18: Coerência textual Seção 1:Continuidade de sentidos Seção 2: A construção da coerência textual Seção 3: As partes do todo Unidade 19: Coesão textual Seção 1: Marcas de coesão Seção 2: Os elos coesivos Seção 3: A progressão textual Unidade 20: Relações lógicas no texto Seção 1:A lógica do (no) texto Seção 2: A negação Seção 3: Significados implícitos. Sumário TP6 Apresentação PARTE I Apresentação das unidades Unidade 21:Argumentação e linguagem Seção 1:A construção da argumentação Seção 2:A tese e seus argumentos Seção 3:Qualidade da argumentação Unidade 22: Produção textual: planejamento e escrita Seção 1: O planejamento Seção 2: O planejamento: estratégia Seção 3: A escrita 138 Unidade 23: O processo de produção textual: revisão e edição Seção 1: A Revisão Seção 2: A revisão e edição Seção 3: Estratégias de revisão e edição Unidade 24: Literatura para adolescentes Seção 1:Adolescentes, leitura e professores Seção 2: A qualidade literária é primordial no livro para adolescentes? Seção 3: Existem boas formas de explorar a literatura na escola? 139 ANEXO 7 Unidade 7 A arte: formas e função Maria Antonieta Antunes Cunha Nas duas próximas unidades, vamos trabalhar com um assunto que tem percorrido todo o nosso curso, vai continuar sendo trabalhado em muitas unidades e com o qual você tem intimidade: a arte, suas características e, mais especialmente, a literatura. Você se lembra de que, na Unidade 3 do TP1, ampliamos nosso conceito de texto e classificamos e interpretamos como tal a tirinha, a composição musical, a pintura, a fotografia, entre outras formas de interação. Parece-nos importante agora discutir o papel e as características da linguagem da arte, para chegarmos a um elemento constante na obra literária: a linguagem figurada. Talvez você não se sinta um bom ou frequente fruidor de arte, aquela pessoa que procura entrar em contato com obras artísticas e se deleita com sua percepção. Talvez tenha dúvidas quanto ao que considerar arte, nos dias atuais. Às vezes, não temos clareza quanto ao poder da arte, num mundo marcado pela concorrência e pela luta no mercado de trabalho, cada vez mais ávido de informações. Nesse quadro cultural, que papel cabe à arte e, mais especialmente, à literatura, a arte da palavra? Vamos à nossa primeira unidade? 140 ANEXO 8 Tabela 1 Distribuição percentual de Gênero Literário e Não Literário do Gestar II Gênero NºAbsoluto % Literário Não Literário Total 60 27,5 158 72,5 218 100 Tabela 2 Distribuição percentual de Gênero Literário e Não Literário do Gestar II por Caderno de Teoria e Prática Gênero % TP1 % TP2 % TP3 % TP4 %TP5 %TP6 % Total Literário 15 18,3 33,3 6,8 18,3 8,3 100 Não Literário 5,7 9,5 19 20,3 24 21,5 100