DIMENSÃO DISCURSIVA DA LÍNGUA PORTUGUESA
NO ENSINO FUN DAMENTAL I
Renaielma Queiroz Suzart*
Nívea Maria Fraga Rocha**
Elizete Silva Passos***
RESUMO: Este artigo tem por objetivo apresentar orientações para construção de proposta de Língua
Portuguesa pautada na dimensão discursiva da linguagem e no desenvolvimento humano voltada para os
anos iniciais do Ensino Fundamental 1, por meio de pesquisa bibliográfica. Constata-se que uma
proposta desta natureza precisa estar atrelada ao Projeto Político Pedagógico da escola, aos
Parâmetros Curriculares Nacionais e aos avanços da Linguística. Alguns passos são imprescindíveis
para fundamentar as práticas de sala de aula nesse processo, como conhecer a história do ensino da
Língua Portuguesa no Brasil, os princípios básicos desse ensino e as principais tendências teóricas da
linguística, bem como refletir sobre o tipo de formação que a escola pretende ofertar aos educandos.
Concluiu-se que as escolas e os docentes precisam assumir a responsabilidade social de reformular o
ensino de Língua Portuguesa, ressignificando as suas práticas e concepções pedagógicas.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino fundamental i. Língua portuguesa. Linguística. Desenvolvimento humano.
ABSTRACT: This article aims to provide guidelines for the construction of Portuguese Language
proposal based on the discursive dimension of language and focused on the early years of Elementary
Education through bibliographical research. It is noticed such a proposal must be linked to the
Pedagogical Political Project of the school, the National Curricular Parameters and advances of
Linguistics. Some steps are essential to support the practices of the classroom in this process as to know
the history of the teaching of the Portuguese Language in Brazil, the main principles of this teaching and
the main theoretical trends of linguistics, as well as reflect on the type of training that the school intends
to offer to students. It was concluded that schools and the PL teachers need to take up the social
responsibility to reshape the Portuguese Language teaching, giving new meaning to their practices and
pedagogical concepts.
KEY WORDS: Elementary education i. Portuguese language. Linguistics. Human development.
INTRODUÇÃO
O ensino da Língua Portuguesa no Brasil tem sofrido significativas mudanças,
sobretudo em virtude de avanços científicos da Linguística ou de outras ciências de
áreas afins, as quais promoveram efeitos evidentes nos documentos oficiais que
orientam a educação, a exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de
modo que novas posturas e práticas educativas estão sendo cada vez mais exigidas tanto
da escola quanto dos educadores. Assim torna-se indispensável que o ensino de Língua
Portuguesa acompanhe essas mudanças e esses avanços.
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O artigo tem como objetivo apresentar orientações para construção de proposta de
Língua Portuguesa pautada na dimensão discursiva da linguagem para os anos iniciais
do Ensino Fundamental, que facilite o processo de ensino-aprendizagem e de
desenvolvimento humano. Para tanto, pretende-se, por meio de pesquisa bibliográfica,
esclarecer alguns conceitos e princípios básicos relacionados a essa dimensão. Parte-se
da seguinte indagação: Quais passos são imprescindíveis para se construir uma proposta
de ensino de Língua Portuguesa para os anos iniciais do Ensino Fundamental, que
facilite o processo de ensino-aprendizagem e desenvolvimento humano, alicerçada na
dimensão discursiva da linguagem?
Leva-se em conta a prática da autora, enquanto educadora e pesquisadora de Língua
Portuguesa atuante há dezoito anos em escolas de Educação Fundamental, em turmas do
6º ao 9º ano. Justifica-se a pesquisa frente às dificuldades vivenciadas no dia a dia e de
outras colegas de profissão do Ensino Fundamental I em desenvolver a disciplina de
Língua Portuguesa no que tange principalmente aos aspectos gramaticais da língua e à
compreensão da linguagem e do texto na dimensão discursiva. Dificuldades estas por
conta da fragilidade principalmente teórica na formação profissional do Pedagogo
quanto à teoria e prática de ensino de Língua Portuguesa, frente ao pouco conhecimento
das teorias linguísticas e dos avanços dos estudos recentes nessa área (BAGNO, 2007;
GUEDES, 2008; OUTROS).
Apresenta-se a estrutura do artigo em três seções: na primeira encontra-se o Breve
Histórico do Ensino de Língua Portuguesa no Brasil; na segunda, o Ensino de Língua
Portuguesa diante de novos estudos e avanços científicos; e na terceira, Língua
Portuguesa: Proposta para o Ensino Fundamental I. Por fim, apresenta-se a conclusão.
1 BREVE HISTÓRICO DO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL
No início da Colonização do Brasil a Língua Portuguesa ainda não era, oficialmente, a
língua de comunicação; falava-se segundo Soares (2002) uma língua geral, de
intercurso, o “tupinambá”. Sob o poder da Igreja, o ensino destinava-se apenas à
catequização dos povos indígenas, bem como, posteriormente, à instrução formal dos
filhos de ricos e nobres, mas, também, dos filhos de alguns plebeus. Com isso, por um
longo tempo, por uma imposição do rei de Portugal, os jesuítas eram os únicos
educadores (IÓRIO, 2006).
O Marquês de Pombal implantou algumas reformas após a expulsão dos jesuítas, em
1759, o que tornou a Língua Portuguesa obrigatória como língua oficial do Brasil.
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Contudo, só muito tempo depois foi inserida e valorizada na escola, mas ainda por meio
de um sistema educacional precário, sem currículo, sem acompanhamento, sem normas
e sem educadores capacitados (IÓRIO, 2006).
Até meados do século XIX, a Língua Portuguesa não fazia parte do currículo escolar.
No início do século XX a gramática ainda era considerada um modelo em prol do “bem
falar e escrever”, o ensino continuava precário, exigindo nova postura escolar e então,
como resultado, o sistema educacional passou a ser seriado, a rede de ensino expandiuse e surgiram novos modos de ler (IÓRIO, 2006).
A gramática normativa e a antologia com textos de autores renomados da Literatura, em
1942, eram utilizadas como modelo lingüístico pelos professores da época em aulas de
Língua Portuguesa, a ser imitado pelos educandos. Porém, já em 1950, em virtude de
transformações de ordem cultural e social, com maior possibilidade de acesso à escola e
a renovação da escola e dos componentes curriculares, adotou-se um livro único,
compilando gramática e antologia, o que demonstra pouco avanço da práxis no ensino
da língua (IÓRIO, 2006).
Inicia-se a relação gramática-texto na década de 1960, quando se instituiu a
democratização do ensino no Brasil (ARANHA, 2007). A escolarização passou a ser
um direito também acessado pelas classes menos favorecidas. Entretanto, o ensino de
Língua Portuguesa pautava-se na concepção de que aprender a língua era aprender a
gramática e não considerava a heterogeneidade linguística (SOARES, 2002). Nesse
período, o texto que era a base das aulas de Língua Portuguesa, passou para o estudo da
gramática, como pretexto para o educando conhecer/reconhecer o sistema linguístico e
aprender a gramática (IÓRIO, 2006).
Neste sentido, as instituições de ensino preocuparam-se apenas com a noção prescritiva
da Língua Portuguesa, tendo como base a Gramática Tradicional e seus aspectos
sintáticos (SOARES, 2002). Nesse mesmo período começam os primeiros sinais de
insatisfação com a gramática, haja vista que “O ensino da gramática normativa já não
era suficiente, era preciso adequar-se às novas condições culturais e linguísticas para o
ensino de leitura, com atividades de compreensão e interpretação de texto” (IÓRIO,
2006, p. 24). Aprovou-se então a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 4.024
(BRASIL, 1961) e, a partir de 1968, surgiu a primeira geração de linguistas do país,
preocupada com o ensino da Língua Portuguesa (IÓRIO, 2006).
A legislação dos Ensinos Fundamental e Médio na década de 1970, época da ditadura
militar, foi alterada e provocou um reducionismo: a língua passou a ser vista como um
simples instrumento de comunicação e focada no desenvolvimento nacional e, sob a
influência das ideias behavioristas e tecnicistas, utilizaram-se, técnicas de redação,
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exercícios estruturais e treinamento de habilidades de leitura no ensino de Língua
Portuguesa. Segundo Soares (2002) foi um grande retrocesso!
Nesse ínterim, em agosto de 1971, foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional n. 5.692 (BRASIL, 1971), cuja proposta para os Ensinos Fundamental e
Médio era a formação de cidadãos autorrealizados e preparados para exercer
conscientemente a cidadania (IÓRIO, 2006).
Por influência dos meios de comunicação de massa, também nesse período, em lugar de
aulas de Língua Portuguesa surgiram as aulas de Comunicação e Expressão nas séries
iniciais do 1º grau, Comunicação em Língua Portuguesa nas séries finais do 1º grau e
Língua Portuguesa e Literatura no 2º grau, em que privilegiavam os textos próprios das
práticas sociais, como os jornalísticos, os textos não verbais, como as tiras em
quadrinhos, e a linguagem oral como a palestra, dando-se pouca ênfase à gramática
(SOARES, 1996 apud IÓRIO, 2006). Consequentemente o educador de língua passou a
não ensinar gramática ou a promover um ensino tradicional, doutrinário e dogmático
(BAGNO, 2000, 2001a, 2001b).
Nos anos 1980 os linguistas comparativistas passaram a estudar, por meio de métodos
científicos, a história das línguas e suas derivações, deslocando-se das preocupações
normativas, e o ensino de Língua Portuguesa foi modificado. Com o ensino da
gramática visava-se que o educando tomasse consciência da língua como sistema a ser
compreendido (SOARES, 2002).
No começo do século XX, com os estudos do estruturalista Saussure, influenciado por
Durkheim, a Linguística ganhou autonomia. E consequentemente, nos anos 1990, a
leitura e a escrita alcançaram o eixo da discussão no Ensino Fundamental, surgindo a
necessidade de se reorganizar o ensino de Língua Portuguesa (SOARES, 2002).
As práticas pedagógicas foram reprogramadas e o ensino centrado na gramática
tradicional deu lugar ao ensino de práticas de linguagem. O Ministério da Educação
(MEC) publicou, em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental, documento que traz uma concepção de língua como forma ou processo de
interação e desenvolvimento humano, que considera o texto como ponto de chegada e
de partida no ensino de Língua Portuguesa (SOARES, 2002).
Frente a esse contexto percebe-se que os estudos linguísticos evidenciavam que ensinar
língua não é o mesmo que ensinar gramática. E, nas últimas décadas, foram realizadas
muitas pesquisas criticando a gramática tradicional e questionando-a quanto a sua
eficácia nas aprendizagens concernentes à língua, como as de Antunes (2008a, 2008b);
Bagno (2000, 2001a, 2001b); Neves (2008); Perini (2005); Suassuna (2000).
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Constata-se que as tendências teóricas da Linguística servem de suporte para os
educadores de Língua Portuguesa e, principalmente para os(as) pedagogos(as)
realizarem suas práticas de ensino com segurança. Dentre as principais tendências
teóricas da Linguística que influenciam o ensino da Língua Portuguesa na atualidade, há
a Fonética, a Fonologia, a Morfologia, a Sintaxe, a Semântica, a Pragmática, a Análise
do Discurso, a Sociolinguística e a Psicolinguística. Além disso, as principais
abordagens linguísticas – Estruturalismo, Gerativismo, Sociolinguística, Funcionalismo,
Linguística Cognitiva e Linguística Textual – influenciam, direta ou indiretamente, o
ensino de Língua Portuguesa.
Percebe-se também que a formação acadêmica desses educadores pode promover o
acesso a novos conhecimentos, sobretudo considerando de que maneira podem utilizálos, a fim de favorecer o letramento efetivo aos seus educandos, garantir qualidade do
ensino da Língua Portuguesa pela competência e desenvolvimento humano.
2 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E OS AVANÇOS CIENTÍFICOS
Os avanços da Linguística são apresentados em muitos estudos já contemplam e de
outras áreas afins (BAGNO, 2007; ANTUNES, 2008; OUTROS). Desses estudos
discutir-se-á os dez (10) princípios básicos para o ensino de Língua Portuguesa que
precisam fundamentar as práticas de sala de aula de professores de língua, dentre eles,
os graduados em Pedagogia.
- Primeiro princípio: “Língua não é gramática!”. A Língua Portuguesa é vista como
entidade complexa do léxico e da gramática intimamente relacionados, numa dimensão
interacionista e sociodiscursiva, visto que é parte da realidade histórica, cultural, social
e sujeita às circunstâncias históricas, às instabilidades psicológicas, às possibilidades de
sentido. As aulas de Língua Portuguesa podem pautar-se em estudos gramaticais, nas
questões relativas ao léxico, à sua realização em textos e às condições sociais da
produção (Quem diz o quê”, “para quem”, “com que propósito”, “em que gênero”, etc.)
e da circulação desses textos, de forma que somente uma concepção interacionista da
linguagem pode fundamentar um ensino de língua que seja, individual e socialmente,
produtivo e relevante (ANTUNES, 2008a, 2008b).
É importante que nesse momento o educador perceba o estudante como um usuário da
língua e, por conseguinte, considere seus conhecimentos linguísticos prévios e valorize
sua criatividade e intuição ao utilizar os recursos da língua (BAGNO, 2007). É
necessário ensinar-lhe o que é a língua portuguesa, suas propriedades e usos, para
aplicá-los nas diversas situações de suas vidas.
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- Segundo princípio: “Há várias acepções e finalidades de Gramática!”. É
imprescindível que os docentes que trabalham com a Língua Portuguesa conheçam as
várias acepções coexistentes e suas particularidades, a fim de utilizá-las adequadamente
e quando preciso. E que ao estudar gramática, possam refletir sobre o uso lingüístico /o
exercício da linguagem, e que o lugar de observação desse uso são as produções
textuais, próprias e alheias, na interação social (NEVES, 2008).
- Terceiro princípio: “Reflexão Linguística com ciência!”. A prática docente de Língua
Portuguesa precisa ser desenvolvida, desde o Ensino Fundamental a partir do grau de
letramento dos estudantes, como teorização/investigação sistemática sobre os fatos da
língua e da linguagem, permitindo-lhes a possibilidade de produzirem seu conhecimento
linguístico com consulta e dando autonomia ao professor de Língua Portuguesa para
utilizá-las criticamente (BAGNO, 2007).
A reflexão Linguística ou Análise Linguística precisa ser vista, segundo Mendonça
(2007, p. 208), enquanto “[...] reflexão explícita e sistemática sobre a constituição e o
funcionamento da linguagem nas dimensões sistêmica (ou gramatical), textual,
discursiva e também normativa”. E ainda, conforme esta autora, o foco da análise
precisa incidir sobre elementos e estratégias consonantes com as condições de produção.
As aulas de Análise Linguística precisam ser contextualizadas frente à gramática e o
desafio dos professores de língua e pedagogos é pensarem sobre como se dá a
supracitada reflexão na escola, com quais objetivos e bases teóricas.
- Quarto princípio: “A Heterogeneidade Linguística é um fato!”. Há necessidade de
reconhecer-se e respeitar-se no universo linguístico, a heterogeneidade dessa língua
(BORTONI-RICARDO, 2009) e, portanto, permitir-se a flexibilidade do seu uso e suas
possibilidades. Cabe ao educador flexibilizar aos estudantes escolher e utilizar a
variedade desejada no processo de adequação linguística a cada situação e objetivo
comunicativo deles (BAGNO, 2007). É importante, de acordo com Neves (2008),
discutir os valores sociais atribuídos a cada variedade para maior compreensão e
desenvolvimento humano dos educandos.
Salienta-se que o papel da escola é ensinar o português padrão (NEVES, 2008) ou,
consoante a Possenti (1999, p. 17), “[...] talvez mais exatamente, o de criar condições
para que ele seja aprendido”. Entretanto esse acesso tem sido negado a muitos
estudantes. Constata-se que com o desconhecimento da heterogeneidade da língua,
amplia-se, a cada dia, o Preconceito Linguístico, a Síndrome da Inferioridade
Linguística, o Ignorantismo Linguístico e, conforme Perini (2005), o sentimento de
rejeição perante a Língua Portuguesa.
- Quinto princípio: “A fala e a escrita devem ser valoradas igualmente!”. É
imprescindível que os educadores de língua dêem igual importância e espaço às práticas
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de comunicação da fala e da escrita, distinguindo-se as particularidades de cada uma
delas e os tipos de atividades envolvidas no ensino de Língua Portuguesa – fala, escrita
e leitura –, por serem realidades diferentes (CAGLIARI, 2007).
Cabe também a esses educadores estimular educandos a produzirem textos de forma
espontânea; que a fala precisa ser individual e criativa; e a escrita deve respeitar a
convenção ortográfica. É necessário também investigar a origem (reflexão/raciocínio)
dos “erros de português” que os estudantes normalmente cometem e avaliar os
principais problemas escolares de Língua Portuguesa com base nas teorias linguísticas
(CAGLIARI, 2007).
- Sexto princípio: “Ler vai além da decodificação!”. Para que a leitura não se mantenha
centrada na mera decodificação da escrita ou limitada à recuperação de elementos da
superfície textual e que não instiga o educando, propõe-se outra postura, de recuperar os
elementos textuais para maior compreensão de suas múltiplas funções sociais.
Fundamentando-se em Antunes (2008a) é preciso possibilitar a leitura de textos
autênticos, de forma interativa, que prime pela interpretação crítica, nunca desvinculada
dos sentidos do mesmo. Isto é, que os educadores de Língua Portuguesa assumam, em
suas aulas, uma leitura efetiva em sentido amplo e embasada numa perspectiva
discursiva da língua.
- Sétimo princípio: “O texto é a materialização do discurso!”. Enquanto manifestação da
capacidade textual do ser humano, o texto materializa o discurso; isto é, além das partes
estrutural/linguística e cognitiva (observáveis), há uma parte ideológica (“o objeto do
dizer”), discursiva. Esta representa a visão de mundo de uma determinada classe social
(MARCUSCHI, 2009). Por isso, adotar a mencionada perspectiva discursiva de língua,
é conceber que todo texto, em sentido lato, é “[...] toda e qualquer manifestação da
capacidade textual do ser humano (quer se trate de um poema, quer de uma música, uma
pintura, um filme, uma escultura), isto é, qualquer tipo de comunicação realizado
através de um sistema de signos (KOCH; FÁVERO, 1983, p. 25).
- Oitavo princípio: “Produzir um gênero textual não é produzir uma redação!”.
Enquanto os gêneros textuais são textos materializados em situações comunicativas
recorrentes, ao contrário, a redação escolar é um texto artificial e mecânico, cuja
produção é um pretexto para a aplicação de um modelo (MARCUSCHI, 2009). Dessa
forma, apropriar-se de gêneros textuais é fundamental para o processo de socialização
(BRONCKART, 1999 apud MARCUSCHI, 2009).
Percebe-se que a produção de redações escolares não condiz com a mencionada
dimensão discursiva da linguagem e necessário se faz, portanto, que o educador
promova uma progressão escolar dirigida para a exploração de habilidades necessárias à
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leitura e produção de gêneros pertencentes aos diversos agrupamentos, da narração à
argumentação, o que inclui o letramento digital (DOLZ; SCHNEUWLY, 2004 apud
BUNZEN; MENDONÇA, 2007).
- Nono princípio: “Docência de qualidade pressupõe formação científica consistente!”.
Conhecer e compreender profundamente a língua materna, por meio de uma formação
científica consistente e de uma formação continuada (como pesquisadores, curiosos,
linguistas e teorizadores) é uma necessidade de todo educador de língua. É esta
formação continuada que fará com que os docentes acompanhem a atualidade e os
avanços das ciências da linguagem e da educação (ANTUNES, 2008b), evitando
práticas inconscientes, não científicas e irresponsáveis.
- Décimo princípio: “Um Projeto Político-Pedagógico (PPP) sólido é de importância
sobremaneira para a educação!”. O PPP representa a própria organização do trabalho
educacional que a escola busca promover e deve ser coerente com a educação e
desenvolvimento humano que se visa promover (VEIGA, 2008). Isso porque o
desenvolvimento humano, por ser um processo de construção contínua ao longo da
vida, é resultante também dessa organização educacional. Neste sentido, toda escola e
seus educadores devem ter um cuidado ímpar com a construção, realização e revisão
desse Projeto Político-Pedagógico.
Constata-se que esses dez (10) princípios vão exigir, tanto das escolas quanto dos seus
professores, novas posturas e novas práticas educativas, de modo que,
indubitavelmente, ter-se-á muito trabalho ainda a ser feito!
3 LÍNGUA PORTUGUESA: PROPOSTA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL I
Uma nova proposta de ensino de Língua Portuguesa exige ações educacionais de
extrema responsabilidade, com base não só em teorias, mas também em reflexões sobre
questionamentos de suma relevância. A seguir apresenta-se uma proposta de ensino de
Língua Portuguesa embasada na dimensão discursiva da linguagem e considerando
esses questionamentos supracitados.
LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL I: PARÂMETROS
Como uma recomendação precípua, ao construir o projeto de Língua Portuguesa, a
escola e seu corpo docente deve fazer, dentre outras tantas, pelo menos as seguintes
reflexões/indagações.
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Que tipo de formação a escola deve promover aos educandos? Propõe-se que a
Língua Portuguesa esteja pautada numa perspectiva de educação integral dos
educandos, tendo, neste aspecto, Barreto (2006) como principal alicerce teórico. Isso
porque cabe à escola desenvolver seres humanos em todas as suas dimensões, cognitiva,
motora, comportamental, afetiva, emocional e moral, para que estes sejam mais
responsáveis e conscientes quanto ao seu papel individual e coletivo na sociedade.
Qual é o objetivo pedagógico precípuo d o ensino de Língua Portuguesa?
Sugere-se uma Educação Linguística que possibilite ao educando adquirir um grau de
letramento cada vez mais elevado; que lhe permita ler, escrever e falar com habilidade e
eficiência, inclusive nas diversas práticas sociais do seu cotidiano, como um direito de
todo cidadão (BAGNO, 2007).
Que concepção de linguagem adotar? Geraldi (2004) sugere três concepções de
linguagem: como expressão do pensamento ao conceber que só se expressa quem pensa;
como instrumento de comunicação ao reconhecer que a língua é um código; ou como
forma de interação ao compreender que a linguagem é um lugar de interação humana. E
por que há necessidade de tal escolha? Porque cada escolha precisa estar ancorada em
determinada concepção, que por sua vez vai exigir outras posturas perante o ensino de
Língua Portuguesa, pois cada opção remete a um entendimento específico de sujeito,
texto, sentido, leitura e leitor, que também pressupõe uma decisão político-educacional
de ensino (KOCH; ELIAS, 2006).
Com base nos PCNs (BRASIL, 2000) adota-se a terceira delas, ao se conceber a
linguagem como uma forma de interação, em conformidade tanto com o modelo de
educação integral dos educandos, com vistas ao desenvolvimento humano, quanto com
os avanços da Linguística.
Quais livros e materiais a minha escola deve utilizar para criar e planejar as
aulas de Língua Portuguesa? Cabe às escolas e aos professores de língua selecionarem
uma vasta bibliografia e materiais atualizados e coerentes com a proposta de educação
integral, ao pretender desenvolver o educando em todas as dimensões como ser
humano: cognitiva, motora, comportamental, afetiva, emocional e moral. Tarefa que
não será muito difícil, visto que há muitas publicações disponíveis como as citadas
neste artigo.
Estamos acompanhando os avanços da Linguística? Os PCNs (BRASIL, 2000)
reforçam a necessidade de acompanhamento dos avanços da Linguística, assim como
inúmeros estudiosos, a exemplo de Neves (2008). Afinal, a Linguística é a ciência que
tem como objeto o estudo do funcionamento da linguagem e das línguas e, em certa
medida, a preocupação com a produção de gramáticas mais adequadas e atualizadas.
Consequentemente não se pode deixar de atrelar a necessidade ímpar de todos os
educadores de Língua Portuguesa, especialistas da área de Letras e outras afins, que
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alicerçam a educação, incluindo os pedagogos, enquanto educadores nos anos iniciais
da Educação Fundamental I, de acompanharem, periodicamente, os avanços dessa
ciência.
Entretanto é preciso cuidados especiais porque a Linguística não é uma metodologia de
ensino e usá-la no ensino de Língua Portuguesa requer planejamento em conjunto com
uma equipe multidisciplinar, formada por linguistas e educadores, com a colaboração de
pedagogos, psicólogos e outros profissionais (CAGLIARI, 2007). Compete ao linguista
indicar o conteúdo e as técnicas de investigação, como também esclarecer o que seja
uma língua e seu processo de aprendizado ou aquisição (POSSENTI, 1999). Desse
modo o professor de Língua Portuguesa e demais colaboradores precisam dimensionar o
ensino, programando-o numa sequência flexível e conveniente, buscando as motivações
para o educando estudar. Elaborar o planejamento de ensino de Língua Portuguesa é de
responsabilidade social e coletiva, por ser multidisciplinar, que depende de uma série de
decisões e escolhas da instituição de ensino, no intuito de promover uma Educação
Linguística de qualidade.
Estamos seguindo as orientações dos documentos oficiais da educação? É
imprescindível colocar-se em prática as orientações dos PCNs (BRASIL, 2000), para
que a educação no Brasil promova uma formação de qualidade, condizente com os
avanços da Linguística. Recomenda-se um estudo detalhado e aprofundado de tais
orientações. Mãos à obra!
Quais conteúdos a minha escola irá selecionar em cada série/etapa escolar?
É preciso utilizar como guia as orientações dos documentos oficiais da educação, em
especial os PCNs (BRASIL, 2000), mas cabe a cada escola organizar o programa de
conteúdos articulado com seu projeto de ensino. Para tanto, propõe-se um programa de
conteúdos que dê destaque aos aspectos gramaticais e discursivos como sugere Antunes
(2008b). É importante considerar, no caso dos pedagogos, que a construção do
Programa de Ensino de Língua Portuguesa precisa de acompanhamento da equipe
multidisciplinar supracitada.
LÍNGUA PORTUGUESA NO ENSINO FUNDAMENTAL I: ESTRUTURA
Considera-se que para se promover uma proposta de ensino diferenciada é
imprescindível respeitar-se os princípios e as orientações dos PCNs (BRASIL, 2000),
acompanhar os avanços da Linguística e conhecer o histórico do ensino de Língua
Portuguesa. Apresenta-se no Quadro 1 a seguir, a estrutura teórica da proposta de
Língua Portuguesa defendida, considerando a formação integral dos educandos e a
dimensão discursiva da linguagem.
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Quadro 1 – Estrutura teórica da proposta de Língua Portuguesa
DISCIPLINA LÍNGUA PORTUGUESA
OBJETO
DE Nas aulas de Língua Portuguesa, deve-se ter como objeto de estudo o texto,
ESTUDO
enquanto unidade de sentido. Para tanto, necessário se faz que sejam
trabalhados textos de qualidade e reais.
Nesta perspectiva, concebe-se o texto como: um produto da capacidade textual
TEXTO
do educando, a materialização do discurso e um lugar de interação autor-textoleitor.
O discurso é compreendido como parte ideológica materializada no texto, a qual
DISCURSO
representa cada discurso e perspectiva de mundo de determinada classe social.
Numa concepção interacional-dialógica-sociodiscursiva, a língua é vista como
LÍNGUA
sistema linguístico composto de um léxico e de uma gramática interrelacionados.
Numa concepção interacional-dialógica-sociodiscursiva, a linguagem é
LINGUAGEM
considerada um instrumento de interação social, desenvolvimento humano,
funcional e contextualizado.
No processo de leitura e compreensão de um dado texto, defende-se que o(s)
SENTIDO
sentido(s) é(são) construído(s) na interação texto-leitor, por meio dos elementos
linguísticos-discursivos e da estrutura do texto.
Há várias acepções de gramática, cabendo ao educador conhecê-las e utilizá-las,
GRAMÁTICA
de acordo com o conteúdo e o grau de aprofundamento a ser alcançado pelos
educandos.
PESQUISA
Teorização/investigação da língua realizada por educandos com grau de
LINGUÍSTICA
letramento suficiente para tal.
Estudo e reflexão de aspectos linguísticos, considerando uma dada situação
REFLEXÃO
comunicativa e contextos reais (como os próprios textos dos educandos), com a
LINGUÍSTICA
finalidade de promover a compreensão do uso de certos recursos linguísticos.
REVISÃO
DE Estudo dos próprios textos e de textos alheios, como uma forma de o educando
TEXTOS
refletir e compreender o funcionamento da língua escrita e oral.
Prática de produção de sentidos, em que o leitor mobiliza diversos saberes
LEITURA
(conhecimento extralinguístico), com determinado objetivo (manter-se
informado, elaborar trabalho, ler por prazer etc.). Deve ser trabalhada em todas
as disciplinas.
LEITOR
Extrapola o texto, é ativo e dialógico, assim como produz sentidos, construindoCOMPETENTE
se e construindo/desvendando o texto, por meio de várias estratégias de leitura.
Consideradas como manifestações da heterogeneidade linguística existente no
VARIEDADES
Brasil, incluindo-se a variedade padrão, devem ser trabalhadas de forma a
LINGUÍSTICAS
mostrar aos educandos os valores sociais e humanos que são atribuídos a cada
uma delas e o porquê, bem como suas características e particularidades.
VARIEDADE
Variedade linguística de prestígio que deve ser trabalhada na escola, inclusive
PADRÃO
tendo em vista as noções de “norma culta”, “norma culta ideal” e “norma culta
real”.
FALA
Modalidade de linguagem que deve ser tão valorada quanto a escrita e
trabalhada com vistas à adequação linguística nas diversas situações
comunicativas.
ESCRITA
Modalidade de linguagem que deve ser tão valorizada quanto a fala e trabalhada
com vistas à adequação linguística nas diversas situações comunicativas.
ERRO
Concebido apenas na perspectiva ortográfica (como “caza”, em vez de “casa”)
ou em uma construção linguística não existente em Língua Portuguesa (como
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CONTEÚDOS
“Menina a vai casa para”, em vez de “A menina vai para casa”). Deve ser visto
como oportunidade do educador investigar o tipo de reflexão dos educandos
quando escrevem/falam dessa forma.
Antes de se iniciar o estudo de um determinado conteúdo, necessário se faz a
realização de uma atividade de sondagem, para que se verifiquem os
conhecimentos prévios dos educandos. Além disso, os conteúdos devem ser
trabalhados de forma cíclica, considerando o grau de letramento de cada
educando.
O conteúdo que deve ser trabalhado em todas as turmas, com vistas a favorecer
aos educandos se colocarem como comunicadores efetivos.
Momento privilegiado de produção da escrita, tomando como base um dado
contexto real e as condições sociais da produção e da circulação desses textos.
Trabalhar o gramatical na perspectiva discursiva, promovendo, de maneira
interdisciplinar, os conteúdos de Língua Portuguesa, Redação e Literatura.
COMUNICAÇÃO
HUMANA
PRODUÇÃO DE
TEXTOS
PROGRAMA
DE
LINGUA
PORTUGUESA
Fonte: Elaboração própria.
As considerações apresentadas neste artigo aplicam-se ao trabalho realizado com
qualquer segmento de ensino de Língua Portuguesa (Educação Infantil, Ensino
Fundamental I e II, Ensino Médio, Ensino Superior, Ensino Técnico, outros),
respeitando-se a faixa etária de cada educando, seus conhecimentos prévios e o nível de
aprofundamento de cada segmento.
CONCLUSÃO
A pesquisa sugere que a construção de uma proposta de ensino de Língua Portuguesa
para o Ensino Fundamental, pautada na dimensão discursiva da linguagem, é de
responsabilidade da escola e de seus educadores e precisa estar coerente com as normas
legais da educação e com os avanços da Linguística e, principalmente, articulada ao
Projeto Político-Pedagógico da escola.
Constata-se que alguns passos são imprescindíveis neste processo: conhecer a história
do ensino da Língua Portuguesa no Brasil e principais tendências teóricas da linguística
que a influenciaram; identificar os dez princípios básicos para o ensino de Língua
Portuguesa, que precisam fundamentar as práticas docentes de sala de aula, dentre estes,
os pedagogos; refletir sobre a formação que a escola pretende promover para
desenvolvimento humano dos educandos; identificar os objetivos pedagógicos da
Língua Portuguesa e concepções a serem adotadas; selecionar livros e materiais que a
escola pretende utilizar para atender a seus objetivos; discutir conteúdos a serem
desenvolvidos pela escola em cada série/etapa escolar com base em documentos oficiais
da educação, nos avanços da Linguística e nos princípios teóricos que vão fundamentar
as escolhas e decisões institucionais no que se refere à Língua Portuguesa para o Ensino
Fundamental.
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Por fim concluiu-se que as escolas, os educadores e os pedagogos em especial, têm a
grande responsabilidade social de reformular o ensino de Língua Portuguesa,
ressignificando suas práticas e concepções pedagógicas em prol do desenvolvimento
humano integral.
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DADOS DOS AUTORES
* RENAIELMA QUEIROZ SUZART
Endereço: Rua Euler de Pereira Cardoso, Qd. 221, Bloco B, Via B, Stella Maris,
CEP: 41.600-210- Salvador/ Bahia.
Titulação: Licenciada em Letras Vernáculas. Especialista em Análise do Discurso, em
Docência Superior e em Competências Educacionais. Consultora e Revisora de Língua
Portuguesa. Docente do Ensino Superior. Mestre em Desenvolvimento Humano e
Responsabilidade Social pela Fundação Visconde de Cairu.
E-mail: [email protected]
Instituição: Profª de Comunicação e Expressão do Curso de Engenharia da Faculdade
Maurício de Nassau – Salvador/Ba.; e Profª de Linguagens e Produção de Textos dos
Cursos de Psicologia, Pedagogia e Comunicação Social (ênfase em Publicidade e
Jornalismo) da Faculdade da Cidade – Salvador/Ba.
** NÍVEA MARIA FRAGA ROCHA
Endereço: Av. Sete de Setembro, 2000, ap. 202 – Vitória. CEP 40080-002 - Salvador/
Bahia.
Titulação: Doutora em Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona - Espanha.
Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Instituição: Avaliadora ad hoc do MEC/INEP. ProfªTitular do Mestrado em
Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social da Fundação Visconde de Cairu Salvador/ Bahia
E-mail: [email protected]
*** ELIZETE SILVA PASSOS
Endereço: Centro de Pós-graduação e Pesquisa Visconde de Cairu (CEPPEV). Rua do
Salete, 50, Barris. CEP: 40070-200 - Salvador-BA,
Titulação: Doutora em Educação. Autora dos livros “Ética nas Organizações”, “Ética e
Psicologia”, dentre outros. Graduada em Filosofia. [email protected]
Instituição: Profª Titular do Mestrado em Desenvolvimento
Responsabilidade Social da Fundação Visconde de Cairu - Salvador/ Ba.
E-mail: [email protected]
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Humano
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