ARTIGO DE REVISÃO R E V I S TA P O R T U G U E S A DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Instabilidade da caseína em leite sem acidez adquirida Casein instability in milk without acquired acidity Daniela S. Oliveira, Cláudio D. Timm* Inspeção de Leite e Derivados, Faculdade de Veterinária, Universidade Federal de Pelotas, prédio 34, campus universitário, Pelotas, RS, Brasil, CEP: 96010-900 Resumo: O aparecimento de leite que reage positivamente à prova do álcool, sem ter elevada acidez nem ser originário de vacas com mastite, é um problema prático que acomete com freqüência rebanhos leiteiros e/ou indústrias lácteas. Neste trabalho, é apresentada uma breve revisão sobre a ocorrência de leite com proteína instável, abordando alguns aspectos relacionados à estabilidade coloidal da caseína. A caseína é uma fosfoproteína com atividade anfipática por possuir regiões hidrofílicas e hidrofóbicas, sendo os filamentos hidrofílicos da κ-caseína na superfície da micela os responsáveis por sua estabilidade. Hidrólise enzimática da κ-caseína, temperatura, pH, excesso de Ca2+ e adição de etanol estão entre os principais fatores que levam à instabilidade das micelas. Leites com proteína instável sem acidez adquirida apresentam diminuição no teor de caseína e aumento na concentração de íões, particularmente cálcio, e parecem estar correlacionados com épocas de carência alimentar ou dietas deficitárias. Embora as causas da ocorrência de leite com estas alterações ainda não sejam completamente conhecidas, os estudos realizados são sugestivos de que estejam relacionadas com o manejo nutricional inadequado. Summary: Milk positive in alcohol test, without high acidity and not from mastitic cows is a practical problem that frequently happens in dairy herds and industries. This work presents a short review about the occurrence of milk with instable protein, concerning some aspects related to colloidal stability of the casein. Casein is a phosphoprotein with anphypatic activity because it has hydrophilic and hydrophobic regions. The hydrophilic filaments of κ-casein on micelle surface are responsible for its stability. Enzymatic hydrolysis of κ-casein, temperature, pH, excess of Ca2+, and ethanol addition are the main factors that induce instability of the micelle. Milk with instable protein without acquired acidity shows decreased casein content and increased ions concentration, especially calcium, and seems to be correlated with periods of food shortage or deficient diets. Although the causes of the occurrence of milk with this alteration are not completely known yet, the studies carried out suggest it is related to unsuitable nutritional handling. *Correspondência: [email protected] Tel: +55 53 32757216; Fax: +55 53 32757311 Introdução Há várias décadas existem dados sobre alterações nas características físico-químicas do leite por causas não totalmente esclarecidas. O aparecimento de leite que reage positivamente à prova do álcool ou à prova do cozimento, sem estar ácido nem ser originário de vacas com mastite, é um problema prático que acomete com freqüência rebanhos leiteiros e/ou indústrias lácteas (Ponce, 1999). A estabilidade do leite ao etanol, definida como a concentração mínima de etanol em solução aquosa que promove a coagulação do leite (Horne e Parker, 1979), tem sido utilizada em alguns países como método rápido e barato para determinar a acidez adquirida do leite. O leite produzido nas propriedades rurais deve apresentar resultado negativo na prova do álcool, ou seja, não deve formar grumos quando misturado a igual volume de solução de etanol em concentrações pré-estabelecidas, geralmente 70 ou 72 % (v/v), antes de ser coletado para o tanque isotérmico do caminhão transportador (Brasil, 2002; Chavez et al., 2004). O leite com resultado positivo no teste é considerado com baixa resistência térmica, podendo coagular nas placas do pasteurizador durante o tratamento. Entretanto, a ocorrência de leite sem acidez adquirida, com baixa contagem bacteriana, positivo na prova do álcool tem levado à rejeição de leite com boa qualidade (Timm et al., 2002; Donatele et al., 2003), acarretando perdas econômicas ao produtor, que não recebe pagamento pelo leite, e à indústria de laticínios, que tem o fornecimento de leite diminuído. Alterações na estabilidade do leite frente ao etanol também têm sido relatadas em outros países (Donnelly e Horne, 1986; Ponce, 1999; Barros et al., 2000; Negri, 2002). Neste trabalho, é apresentada uma breve revisão sobre leite positivo no teste do álcool, sem acidez adquirida e com baixa contagem de células somáticas, com objetivo de caracterizar sua ocorrência, abordando alguns aspectos relacionados com a estabilidade coloidal da caseína, sem, no entanto, ter a pretensão de esgotar o tema. 17 Oliveira DS e Timm CD Caseína Leite é uma solução contendo sais, lactose e proteínas dispersos em fase aquosa, glóbulos de gordura em emulsão e partículas hidratadas de proteína em suspensão coloidal (Walstra e Jenness, 1984). As proteínas do leite são divididas em duas classes principais. A primeira fração, que corresponde a aproximadamente 80% da proteína total do leite bovino, é formada pela caseína. A segunda fração compreende as proteínas do soro lácteo (Cheftel et al., 1989). Caseína pode ser definida como uma proteína micelar precipitada por acidificação do leite desnatado a pH 4,6 e a temperatura de 20 °C, sendo classificada como fosfoproteína, devido à presença de fósforo (Sgarbieri, 1996). A caseína tem atividade anfipática por possuir regiões hidrofóbicas e hidrofílicas (de Kruif e Grinberg, 2002). A conformação das moléculas expõe consideravelmente os resíduos hidrofóbicos, o que resulta em forte associação entre as caseínas e as torna insolúveis em água (Goff, 2006). A caseína possui seqüências fosforiladas através das quais pode interagir com fosfato de cálcio, o que a torna capaz de seqüestrar fosfato de cálcio, formando minúsculos agrupamentos de íons circundados por uma camada de proteína (Little e Holt, 2004; Holt, 2004). Segundo Smyth et al. (2004), além da função nutricional, a caseína é o meio pelo qual grande quantidade de cálcio pode passar pelo epitélio mamário sem provocar problemas de calcificação. Esta função impõe limites à seqüência primária da proteína, influenciando sua conformação em solução e sua organização com o fosfato de cálcio. O termo micela tem sido usado para designar a mistura complexa de proteínas dispersas do leite na forma de partículas coloidais aproximadamente esféricas. Cerca de 80-90% de toda caseína está nessa forma (Sgarbieri, 1996). Micelas de caseína são agregados relativamente grandes desta proteína, possuindo aproximadamente 7% de fosfato de cálcio e pequenas quantidades de citrato (Horne, 2003; Smyth et al., 2004). Uma micela típica tem raio de 100 nm e massa de 109 Da, contendo aproximadamente 800 núcleos de fosfato de cálcio por micela. Cada núcleo tem 61 kDa de massa e 2,4 nm de raio (Holt et al., 2003). A principal força de formação das micelas em solução aquosa é o efeito hidrofóbico, assim, todos os fatores que promovem interações hidrofóbicas, como aumento da temperatura e adição de alguns sais, facilitam a organização das caseínas em micelas (Mikheeva et al., 2003). A natureza e a estrutura das micelas de caseína têm sido extensivamente estudadas, mas sua exata estrutura ainda permanece em debate. A maioria dos modelos propostos enquadra-se em uma de três categorias gerais: (1) modelo núcleo-córtex, baseado original18 RPCV (2007) 102 (561-562) 17-22 mente em estudos da solubilidade da caseína em soluções com Ca2+, (2) modelo das submicelas, baseado na influência do tratamento com uréia e oxalato sobre a ruptura das micelas de caseína, e (3) modelo de estrutura interna, baseado nas propriedades de cada componente isoladamente, causando ou direcionando a formação da estrutura interna das micelas de caseína. Os vários modelos de estrutura das micelas de caseína propostos nas últimas três décadas podem ser verificados de forma detalhada na revisão elaborada por Phadungath (2005). O leite de vaca contém quatro tipos de caseína, αs1, αs2, β e κ-caseína, na proporção 4:1:4:1 (de Kruif e Grinberg, 2002), as quais são constituídas por 199, 207, 209 e 169 resíduos de aminoácidos, com pesos moleculares de 23, 25, 24 e 19 kDa, respectivamente (Goff, 2006). A cadeia polipeptídica da caseína αs1 está formada por duas regiões hidrofóbicas separadas por uma zona polar. Todos os grupos fosfatos, menos um, estão no segmento polar 45-89 e 17 resíduos de prolina se distribuem nos segmentos hidrofóbicos. Portanto, esta proteína pode ser considerada como uma cadeia polipeptídica frouxa e flexível. A caseína αs1 precipita com níveis de cálcio muito baixos. A caseína αs2 possui uma estrutura bipolar com cargas negativas concentradas perto da extremidade N-terminal e positivas na porção C-terminal. É mais sensível à precipitação pelo Ca2+ que a caseína αs1 (Walstra e Jenness, 1984). A κ-caseína é uma fosfoproteína sensível ao Ca2+, possuindo cinco serinas fosforiladas e 35 resíduos de prolina (Mikheeva et al., 2003). É uma proteína anfipática com uma região hidrofílica na porção N-terminal e uma região C-terminal hidrofóbica com carga quase zero. Nos sítios de ligação com o cálcio, os resíduos de serina-fosfato têm carga -2 na ausência de cálcio (Follows et al., 2004). Uma característica da β-caseína é sua dependência da temperatura, formando grandes polímeros a 20 ºC, mas não a 4 ºC (Walstra e Jenness, 1984; Goff, 2006). A adsorção de β-caseína aos núcleos de fosfato de cálcio limita o crescimento desses (Follows et al., 2004). Segundo Horne (2003), a β-caseína ligada ao núcleo de fosfato de cálcio atua como uma ponte de ligação a outras caseínas. Por ser mais fosforilada que a κ-caseína, a β-caseína é mais sensível a altas concentrações de sais de cálcio, embora seja menos sensível a precipitação com cálcio do que as caseínas α (Walstra, 1999). Diferentemente das outras caseínas, a κ-caseína é uma glicoproteína e possui apenas um grupo fosfoserina, sendo, portanto, estável na presença de íons de cálcio e assumindo importante papel na estabilidade da micela de caseína (Dalgleish, 1998; Walstra, 1999). O fosfato de cálcio atua como um agente cementante, mas se não houver κ-caseína, a agregação continuará até à formação de um gel ou de um precipitado Oliveira DS e Timm CD (Walstra, 1990). A κ-caseína se localiza na superfície da micela, com a zona hidrofóbica da molécula ligada à micela, enquanto a porção hidrofílica forma uma capa de filamentos altamente hidratados que se projetam na fase aquosa. Os filamentos de κ-caseína são os responsáveis pela estabilidade estérica das micelas de caseína (Varnam e Sutherland, 1995). Em estudo recente, Bansai et al. (2006) demonstraram que o peptídeo N-terminal da κ-caseína apresenta uma irregular estrutura helicoidal que pode contribuir para a estabilidade da caseína. Estabilidade das micelas de caseína A estabilidade da micela de caseína depende da presença da κ-caseína na sua superfície, a qual se constitui na fração hidrofílica da caseína, que reage com a água e impede a agregação das micelas (Creamer et al., 1998). Segundo Tuinier e de Kruif (2002), a estabilidade estérica gerada pela relativamente esparsa camada externa de κ-caseína em forma de escova é o fator estabilizante mais importante. Hidrólise enzimática da κ-caseína, temperatura, pH, excesso de Ca2+ e adição de etanol estão entre os principais fatores que afetam a estabilidade coloidal das micelas de caseína (O’Connell et al., 2006). Hidrólise enzimática A hidrólise enzimática da κ-caseína reduz a estabilização estérica das micelas, bem como a repulsão eletrostática intermicelar, resultando na coagulação do leite (Fox et al., 1996). Em um primeiro estágio, a quimosina cliva a ligação entre os aminoácidos 105 (fenilalanina) e 106 (metionina) da cadeia peptídica da κ-caseína, eliminando sua capacidade estabilizante e gerando como produtos uma porção hidrofóbica, para-κ-caseína, e uma hidrofílica chamada glicomacropeptídeo, ou mais apropriadamente, caseínomacropeptídeo. No segundo estágio, as micelas se agregam devido à perda da repulsão estérica da κ-caseína (Goff, 2006). Leites mastíticos apresentam grande quantidade de células somáticas. Os lisossomos dessas células contêm enzimas proteolíticas, dentre as quais a catepsina D, que pode produzir para-κ-caseína e caseínomacropeptídeo a partir de κ-caseína e, em altas concentrações, pode coagular o leite (Larsen et al., 1996; Hurley et al., 2000). Microrganismos psicrotróficos, ao se multiplicarem no leite armazenado em baixas temperaturas, produzem enzimas proteolíticas termoestáveis, a maioria das quais tem ação sobre a κ-caseína, resultando na desestabilização das micelas e coagulação do leite (Fairbairn e Law, 1986). RPCV (2007) 102 (561-562) 17-22 Temperatura A 4-5 ºC a interação hidrofóbica fica fraca e parte das caseínas, em especial, a β-caseína inicia a dissociação das micelas. A hidratação aumenta, já que as cadeias de β-caseína projetam-se da superfície micelar e uma pequena parte do fosfato de cálcio se dissolve. Estas trocas são responsáveis pela ligeira desintegração das micelas. A 0 ºC a agregação micelar é difícil de acontecer (Walstra, 1990). Em altas temperaturas a quantidade de fosfato de cálcio associado às micelas aumenta e ocorre dissociação da κ-caseína, diminuindo a estabilidade (O’Connell et al., 2006). Micelas de caseína de maior tamanho são menos resistentes ao aquecimento do que micelas de menor diâmetro, devido ao menor conteúdo de κ-caseína, o que as torna mais susceptíveis ao Ca2+. O maior grau de glicosilação da κ-caseína nas micelas de maior tamanho em relação às micelas menores também favorece a formação do complexo κ-caseína – β-caseína (O’Connell e Fox, 2000). PH A acidificação reduz a carga e a hidratação das proteínas (O’Connell et al., 2006). As ligações que mantêm as micelas de caseína juntas são mais fracas e escassas a pH 5,2 ou 5,3. A pH inferior, com o aumento da atração electrostática entre as moléculas de caseína, as micelas mantêm-se mais fortemente juntas; a pH superior uma quantidade crescente de fosfato de cálcio coloidal faz o mesmo (Walstra, 1990). Leite mastítico e do final da lactação têm três vezes mais probabilidade de ser instáveis do que leites de vacas no início ou meio da lactação. O fator responsável por este efeito é o aumento no pH do leite, devido à maior permeabilidade do epitélio mamário a pequenas partículas e íons (Holt, 2004). Adição de etanol A adição de etanol a uma solução aquosa diminui a constante dielétrica do solvente, favorecendo as interações eletrostáticas (Mikheeva et al., 2003). A adição de etanol ao leite induz várias alterações nas micelas de caseína: (1) colapso da região C-terminal proeminente da κ-caseína, levando à redução da repulsão estérica intermicelar e do potencial hidrodinâmico das micelas; (2) o pKa dos resíduos de glutamato e aspartato é aumentado, enquanto os resíduos alcalinos lisina, arginina e histidina não são afetados, o que leva à diminuição da carga negativa na superfície das micelas; (3) redução na solubilidade do cálcio e do fosfato associado às micelas de caseína. O 19 Oliveira DS e Timm CD colapso da camada de κ-caseína, a redução na carga micelar e a precipitação do fosfato de cálcio colaboram para a redução da estabilidade micelar da κ-caseína (O’Connell et al., 2006). Robitaille et al. (2001) demonstraram que um polimorfismo na expressão do gene da κ-caseína afeta a estabilidade do leite ao etanol. Leite obtido de vacas que apresentam predominância na expressão do alelo B do gene da κ-caseína em relação ao alelo A precipitou frente a concentrações de etanol significativamente maiores que as requeridas para precipitar leite de vacas com expressão similar para os alelos A e B. Excesso de Ca2+ O aumento da força iônica ou a forte ligação de íons específicos a grupos carregados da proteína pode diminuir a repulsão eletrostática e favorecer a auto-associação das proteínas (Mikheeva et al., 2003). O excesso de Ca2+ é comparável ao salting out, ou seja, quando ocorre excesso de sais diminui a solubilidade das proteínas em água. O excesso de sais domina as cargas do solvente (água), diminuindo, conseqüentemente, o número de cargas disponíveis para se ligarem ao soluto (proteína). Desta forma, aumenta a interação soluto/soluto, ocorrendo a precipitação das proteínas (Riegel, 2001). De acordo com Varnam e Sutherland (1995), a concentração de citrato afeta o conteúdo de cálcio solúvel e a estabilidade do leite. O citrato seqüestra o cálcio iônico, reduzindo o cálcio disponível para unir-se com a caseína e estabilizando as micelas, evitando sua agregação. Leite com instabilidade das micelas de caseína Em trabalho sobre coagulação do leite fresco frente ao álcool, Mitamura (1937) menciona variações na estabilidade do leite que ocorreram em Utrecht, na Holanda, em 1930. De acordo com Davies e White (1958), nos casos de Utrecht, a instabilidade da proteína ao calor e ao etanol estava relacionada com a concentração de íons de cálcio no leite. A adição de substâncias alcalinas ou ânions que combinam com o cálcio, como citrato de sódio, reduz a concentração de íons de cálcio, aumentando a estabilidade do leite ao etanol. Na Itália, Pecorari et al. (1984) estudando leite com tempo de coagulação anormal, encontraram valores baixos para os teores de caseína, lactose e minerais (cálcio e fósforo) e alterações nas propriedades físico-químicas, como baixa acidez titulável, alto pH e resultado positivo na prova do álcool. Em Cuba, Ponce (1999) relatou que desde 1976 20 RPCV (2007) 102 (561-562) 17-22 ocorria, em uma região deste país, produção de leite com reação alcalina e resultado positivo à prova do álcool, sem que este leite fosse proveniente de vacas com mastite ou com lactação prolongada. A única condição associada a estas alterações foi a alimentação de animais da raça Holandês de alto potencial genético baseada na utilização de cana-de-açúcar como forragem durante a época de seca. O autor propôs a denominação Síndrome do Leite Anormal (SILA) para este tipo de anormalidade do leite. A SILA, de acordo com Ponce e Hernández (2001), refere-se a um conjunto de alterações nas propriedades físico-químicas do leite, caracterizadas por diminuição dos sólidos totais, da estabilidade térmica e da capacidade tamponante, que causam transtornos nos processos de elaboração de derivados lácteos, no seu rendimento e/ou na sua qualidade final. É um fenômeno ainda não bem identificado em todos os casos, de causa multifatorial associada a transtornos fisiológicos metabólicos e/ou nutricionais com implicações nos mecanismos de síntese e secreção lácteas. Os desequilíbrios em energia e proteína associados às características da ração, com implicações no ambiente ruminal e comprometimento do metabolismo geral (acidose), são os fatores de maior consideração nos casos que ocorreram em Cuba. Essa síndrome teve maior ocorrência em bovinos com alto potencial genético e em épocas de estresse nutricional e/ou calórico. Barros et al. (1999), no Uruguai, notaram influência da época do ano sobre a ocorrência de leite com resultado positivo na prova do álcool, observando uma freqüência aparentemente maior no Outono e na mudança de estação de Inverno para Primavera, estando associada com períodos de seca. No período de seca do ano de 1993, em Havana, foi realizado um estudo em 227 propriedades leiteiras com 15.000 vacas em ordenha. Das amostras analisadas, 79% apresentaram resultado positivo no teste do álcool, com acidez menor que 13 ºD (graus Dornic), indicando que nem sempre o resultado positivo no álcool está relacionado com acidez elevada. Nesse estudo, foi acompanhado o processo de ordenha para excluir adulteração por aguagem, bem como foi conferida a ocorrência de mastite, excluindo amostras positivas ao California Mastitis Test (CMT) com duas ou mais cruzes (Ponce e Hernández, 2001). Na região Sul do Rio Grande do Sul, Brasil, Oliveira et al. (2002), estudando a ocorrência de leite instável, analisaram 141 amostras de leite com acidez titulável inferior ou igual a 20 ºD e contagem de células somáticas (CCS) abaixo de 1,28 x 106 mL-1, e encontraram 52 (36,88%) com reação positiva no teste do álcool. Timm et al. (2002), no período compreendido entre Maio e Julho de 2002, estudando leite com instabilidade protéica, encontraram em 274 amostras de leite produzido em propriedades rurais do extremo sul do Oliveira DS e Timm CD Brasil, 126 (45,99%) com reação positiva na prova do álcool e 148 (54,01%) com reação negativa. Das amostras positivas, 22 (17,46%) estavam com acidez acima de 20 ºD, sendo consideradas com caseína instável devido à acidificação pela multiplicação bacteriana. Cento e quatro (82,54%) amostras positivas na prova do álcool apresentaram acidez até 20 ºD, indicando que a perda da estabilidade protéica foi causada por outros fatores que não a acidez. Donatele et al. (2003), analisando a relação do teste de alizarol a 72%, acidez e CCS, em leite de 847 quartos de 37 animais de uma propriedade no Rio de Janeiro, Brasil, verificaram que 287 se mostraram instáveis ao alizarol. Entre estas, 257 apresentaram pH entre 6,4 e 6,8 e 30 acima de 6,8; 77 demonstraram acidez titulável inferior a 15 ºD, 171 entre 15 e 18 ºD e 39 entre 18,1 e 20 ºD. Os autores observaram que amostras de leite positivas no teste do alizarol não apresentavam acidez adquirida (acima de 20 ºD) e possuíam resistência térmica. No Uruguai, Barros et al. (2000), estudando variações na composição do leite individual em função da positividade à prova do álcool, encontraram 146 amostras de leite negativas na prova do álcool e 70 positivas. Segundo esses autores, a estabilidade do leite ao teste do álcool depende da composição das pastagens, da composição química do leite, das propriedades das micelas de caseína e dos componentes do soro lácteo. A reação positiva de leite com pH normal (6,6 a 6,8) ao teste do álcool pode estar relacionada com variações metabólicas ou nutricionais e com o período de lactação das vacas. Zadow (1993) menciona que desde os primeiros estudos sobre estabilidade do leite ao etanol, se determinou que os cátions bivalentes e a concentração de etanol têm um importante efeito na prova, estabelecendo que a concentração de etanol requerida para coagular a caseína em um volume igual de leite está inversamente relacionada com a concentração de íons de cálcio. De acordo com Holt (1991), uma concentração elevada de Ca2+ tende a unir as caseínas favorecendo a coagulação. Barros et al. (1998) estudando a relação entre cálcio iônico e teste do álcool no leite, observaram diferenças significativas entre os teores de Ca2+ de leites positivo e negativo no teste do álcool, sendo os valores médios de 0,110 ± 0,014 e 0,083 ± 0,017 g/L, respectivamente. Barros (2001) associou a ocorrência de leite instável com dietas ricas em cálcio, com deficiências ou desbalanços minerais (Ca, P, Mg) e com mudanças bruscas na dieta. Chavez et al. (2004) estudaram a composição de leite com estabilidade alterada e observaram que baixa concentração de caseína foi um dos fatores que caracterizou as amostras de leite instável, embora a concentração total de proteína tenha sido similar entre os grupos com amostras de leite instável e de leite estável. Importantes diferenças entre grupos também RPCV (2007) 102 (561-562) 17-22 foram observadas quanto aos elementos minerais, dentre os quais Cl, Na e K, que apresentaram valores mais elevados no grupo de amostras de leite instável do que no grupo de leite estável. Os resultados obtidos neste trabalho corroboram a tese de que a força dielétrica do meio tem importante papel na precipitação induzida pelo etanol. O aumento da força iônica, resultante da elevação dos níveis de Cl, Na e K, reduz a constante dielétrica do meio enfraquecendo a barreira energética que evita a coagulação. Os autores também observaram valores mais elevados para Ca2+ no grupo de amostras de leite instável, embora com menor nível de significância. Conclusão A produção de leite com caseína instável por animais sadios é um problema que tem acometido bacias leiteiras em diversas regiões. Leites com estas alterações apresentam diminuição no teor de caseína e aumento na concentração de íons, particularmente cálcio, e parecem estar correlacionados com épocas de carência alimentar ou dietas deficitárias. Embora as causas da ocorrência de leite com proteína instável sem acidez adquirida ainda não sejam completamente conhecidas, os estudos realizados são sugestivos de que estejam relacionadas a manejo nutricional inadequado. Bibliografia Bansai PS, Grieve PA, Marschke RJ, Daly NL, McGhie E, Craik DJ e Alewood PF (2006). Chemical synthesis and structure elucidation of bovine α-casein (1-44). Biochem Biophys Res Commun, 340: 1098-1103. Barros L (2001). Transtornos metabólicos que afetam a qualidade do leite. In: Uso do leite para monitorar a nutrição e o metabolismo de vacas leiteiras. Editores: FHD González, JW Dürr, RS Fontaneli. UFGRS (Porto Alegre), 44-57. Barros L, Denis N, Gonzalez A e Nuñez A (1998). Ionized calcium related to alcohol test in milk. 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