ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA HABERMASIANA, A TEORIA DE PIAGET E A FORMAÇÃO ÉTICA DO PEDAGOGO NO BRASIL Bruna Assem Sasso1 UNESP - Campus de Marília Patrícia Unger Raphael Bataglia2 UNESP – Campus de Marília Resumo: De cunho bibliográfico, este trabalho objetiva, apresentar a teoria cognitiva de Piaget, para buscar o sentido que a ética discursiva de Habermas releva e, então, traçar aproximações ou distanciamentos entre eles; além disso, situar a formação ética do pedagogo, a fim de discutir a aplicabilidade das referidas teorias na realidade da formação do educador. Procurou-se apresentar a teoria de Piaget numa visão dinâmica e dialógica, o que, por sua vez e somente assim, poderia garantir certa convergência com a ética habermasiana. Por fim, destaca-se a necessidade de se vivenciar a ética nos cursos de Pedagogia. Palavras-chave: Ética habermasiana, Piaget, formação ética. Introdução O tema linguagem tem contribuições de várias áreas do conhecimento. Neste texto interessa-nos tratar de uma abordagem particular que aborda a linguagem no campo específico da ética: a ética discursiva habermasiana. Vejamos, segundo Pegoraro (2008), Habermas lança raízes nas teorias da linguagem e também na teoria do desenvolvimento da consciência moral de Kohlberg. Ao passo que, de acordo com Hersh; Paolitto e Reimer (2002), a teoria de Piaget é a base conceitual de Kohlberg; e o próprio Piaget (1996; 1923/1999; 1945/1975; 1966) alertara sobre a ingenuidade de se pensar que seria suficiente falar à criança para instruí-la e formar seu pensamento; o fato de a ética habermasiana ter sido construída a partir de uma profunda estima e respeito pela linguagem, chegando a criticar o 1 Pedagoga, Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP - Univ. Estadual Paulista, campus de Marília-SP, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Psicóloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora assistente do Departamento de Psicologia da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP – Univ. Estadual Paulista, campus de Marília-SP, Brasil. 1 procedimento de Kant o qual “propõe uma ética solipsista ou monológica” (Pegoraro, 2008, p. 136), levou-nos a questionar se suas ‘raízes’ não poderiam parecer contraditórias. Destarte, os objetivos deste texto detêm-se em, a partir da teoria cognitiva de Piaget, buscar entender qual o sentido da ética discursiva que Habermas releva para, então, traçar aproximações e/ou distanciamentos entre eles sob a perspectiva da linguagem. Além disso, teremos como objetivo específico a pretensão de situar a formação ética do pedagogo, a fim de, sobretudo, discutir-se a aplicabilidade das referidas teorias na realidade da formação do educador. O processo metodológico, neste trabalho, envolve pesquisa bibliográfica das obras, leitores e estudiosos de Piaget, e também de Habermas. Uma vez que as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (Brasil, 2006) colocam a ética como um entre aqueles princípios que deverão fundamentar a prática pedagógica, na tentativa de se contextualizar a formação universitária no Brasil, especialmente buscando situar a formação universitária e ética do pedagogo, realizaremos uma breve análise de textos recentes: a saber, o documento oficial supracitado (Brasil, 2006), outros dois artigos (Oliveira & MoraisShimizu, 2011; Saviani, 2009), e um capítulo de livro (Piaget, 1996), os quais contemplam essa temática. A escolha de todo o material supracitado fora por conveniência. Resultados e discussões De acordo com Dongo Montoya (2006), as pesquisas de Piaget sobre as origens do pensamento e da linguagem são objeto de críticas, interrogações e leituras parciais que exigem maiores esclarecimentos. É importante destacar que o debate atual – sobre o qual é preciso situar o trabalho deste autor –, a respeito de a explicação das origens da linguagem e do pensamento, não se restringe a aquele da falsa alternativa do determinismo social ou do determinismo biológico, nem daquele dos reducionismos psicológicos e sociológicos; mas debruça-se à questão de saber como as novas formas de ação humana se organizam a partir de formas anteriores e como nesse processo participam fatores endógenos e exógenos. Segundo o autor, é possível percebermos, então, que há no percurso da pesquisa de Piaget uma evolução do seu pensamento científico no sentido de continuidade com reconstrução, uma vez que as suas primeiras conquistas são incorporadas num sistema maior como consequência de reconstruções em função de novas descobertas. Nos seus trabalhos Piaget postula que, apesar das diferenças entre a psicologia e a epistemologia, ambas as disciplinas enfrentam os mesmos problemas básicos, a respeito de alguns dos quais devemos nos deter antes de darmos prosseguimento às nossas pretensões de estudo. 2 Piaget (1964∕2006) aborda termos que transpassam vários de seus postulados. Um deles é o termo estrutura, cuja definição o autor apresenta como sendo um sistema de leis ou propriedades de totalidade enquanto sistema. Isto implica que, apesar de as leis ou propriedades dos elementos do sistema serem diferentes das leis de totalidade, uma estrutura já tratar-se-ia de um sistema parcial com leis próprias e que também se diferem das propriedades dos elementos que a constituem. Entre elas, há, por exemplo, as estruturas matemáticas (estruturas algébricas, topológicas, de ordem, de grupo, etc.). Outro termo, é o de gênese. Piaget (1964∕2006) apresenta-o tratando de certas transformações em as quais, partindo de um estado A e alcançando um estado B, o último estado é mais estável que o primeiro. Outrossim, o estado inicial comporta ele próprio uma estrutura e que ela mesma compreende um desenvolvimento. Assim sendo, a gênese é um sistema determinado por transformações que engendram uma história, e conduz continuamente um estado “A” a um estado “B” cuja estabilidade é maior e constitui seu prolongamento. Após longa investigação – psicológica e epistemológica –, Piaget se posiciona, acerca das relações entre gênese e estrutura, de forma a considerar que as gêneses estariam sempre apoiadas sobre estruturas e, indissociavelmente, a gênese seria subordinada à estrutura, em uma recíproca contínua e verdadeira. Destarte, Dongo Montoya (2011) chega a nos mostrar a possibilidade de postular um novo paradigma sobre a teoria de Piaget, que possibilite a relativização dos determinismos exógenos e endógenos, e que exige pensar o desenvolvimento humano enquanto dialético, contínuo e descontínuo nos diferentes planos de ação, justamente por nos levar a aceitar a solidariedade entre as coordenações intra-individuais e as coordenações inter-individuais. Isto é o que acontece com todas as estruturas, desde as mais elementares até as mais complexas – inclusive com as que se manifestam no indivíduo antes mesmo dele adquirir a linguagem. Por isso que para Piaget, a gênese de toda estrutura se manifesta sempre a nível sensório-motor onde já há toda uma estruturação sob a forma de construção do espaço, de grupos de deslocamento, de objetos permanentes, e são, não obstante, anteriores à linguagem. Além disso, nenhuma estrutura, para o autor, é inata na criança, mas se constroem progressivamente (Piaget, 1964∕2006). Toda estrutura supõe uma construção e todas essas construções estão ligadas em cadeia a estruturas anteriores. Ao estarmos diante de uma estrutura como ponto de partida, e de outra estrutura mais complexa como ponto de chegada, entre as duas necessita, indispensavelmente, um processo de construção – que compreende a 3 gênese. Por isso, não há uma sem a outra, apesar de não se ter as duas ao mesmo tempo (já que a gênese tratar-se-ia da passagem de um estado anterior para um posterior). Por último, há o conceito de equilíbrio que aparece com três características e sobre as quais trataremos a seguir. Para Piaget, o equilíbrio pode ser móvel e estável; o equilíbrio consistirá em compensar pelas ações do sujeito as perturbações exteriores que o sistema sofre e que tendem a modifica-lo; e é, então, sinônimo de atividade. Realizadas as referidas explicações, pode-se abordar a questão da linguagem na teoria do conhecimento de Piaget, pois, segundo suas solicitudes, o seu desenvolvimento é compreendido como sendo um processo de sequências autorreguladoras de compensações ativas do sujeito em resposta às perturbações do meio físico e social, e cujo resultado é a passagem continua de um estado de menor equilíbrio (esquemas verbais) para um estado de equilíbrio superior (os pré-conceitos), constituindo, doravante, uma nova estrutura (os conceitos). Assim, a análise dos fatos genéticos fornece, sob a perspectiva piagetiana, uma resposta que se orienta no sentido de uma interação entre os mecanismos linguísticos e os mecanismos operatórios subjacentes, e não o contrário. Portanto, para Piaget (1936/1987, 1945/1975, 1966, Piaget & Inhelder, 1966/2006, entre outros), não é o aparecimento da linguagem o fator responsável pela evolução da inteligência prática em pensamento conceitual. Bem menos cabe à linguagem a primazia pela transformação dos esquemas verbais em pré-conceitos e logo em conceitos. Até porque, para o autor, já há no período sensório-motor uma lógica prática, cuja origem deve-se, além de a diferenciação, à organização e também à combinação dos esquemas de ações do bebê. Piaget (1966) reconhece o papel da linguagem no enriquecimento dos instrumentos cognitivos, uma vez que é um sistema já elaborado socialmente, no entanto deixa claro que os progressos do pensamento, sobretudo, representativo são decorrentes da função semiótica no geral. Alerta-nos ainda sobre a ingenuidade de se pensar que seria suficiente falar à criança para instruí-la e formar seu pensamento (Piaget 1923/1999; 1996; 1966). Dessa forma, a transmissão verbal, apenas, não é suficiente e eficaz para a aquisição de conhecimentos, pois são ainda importantes as possibilidades de interação do sujeito com os objetos e outros sujeitos de o seu meio, a exploração, a experimentação e manipulação de materiais que atendam suas necessidades, e, sobretudo, as relações que deverão ser estabelecidas sobre estes aspectos. Passando para a esfera que igualmente ora nos interessa – a ética –, a partir de agora, buscaremos, então, entender qual sentido Habermas releva acerca da ética discursiva para, 4 então, buscar aproximações e/ou distanciamentos entre ela e a teoria do conhecimento de Piaget. Piaget (1994), na sua obra sobre O juízo moral na criança, publicado originalmente em 1932, examina o desenvolvimento do juízo infantil (e não a prática ou os sentimentos) acerca de questões morais, como por exemplo os desajeitamentos, o roubo, a mentira e a justiça. Em nenhuma de sua extensa publicação tratou sobre a questão ética propriamente dita. Sabemos que há maneiras diferentes de compreender os termos moral e ética, sendo que uma delas é tratar ambos como sinônimos, como se os dois se referissem aos deveres legais do homem e aos hábitos de conduta instituídos por uma sociedade. De maneira mais detalhada, a tradição reservou o termo moral para designar a moral bíblica ou os princípios morais elaborados pela teologia; já o termo ética fala dos princípios éticos universais da filosofia grega como, por exemplo, toda ação humana visa alcançar uma finalidade. Destarte, partindo de um ponto de vista universal, de um lugar de observação e de julgamento pelo qual as contendas podem ser arbitradas imparcialmente e por consenso, Habermas deseja construir uma teoria ou instância de validação da norma existente feita por nós e não por uma consciência solitária, solipsista e intimista. A função da ética proposta por Habermas não tem a função de criar princípios abstratos e normas práticas, mas conciliar as que já existem através do debate que visa alcançar um consenso entre os participantes. Parte, portanto, de um procedimento dialógico para chegar a um entendimento sobre normas existentes, mas em conflito, e que podem se tornar válidas e aceitas por todos os participantes por meio do debate argumentativo. De acordo com Habermas (1990), há duas dimensões sociais, a primeira sendo descrita pelo autor como mundo do sistema, ou seja, aquele que revela o atual sistema o qual se caracteriza pela organização estratégica onde impera a não linguagem, a não discussão; e o segundo como mundo da vida, que envolve a cultura, a sociedade e a personalidade do indivíduo, e cujo processo comunicativo ocorre onde relações intersubjetivas se organizam, isto é, onde se dá as problematizações e discussões práticas que podem ou não levar às discussões de valores morais. As relações que o sujeito estabelece com essas dimensões sociais, ao mesmo tempo em que se relaciona no mundo prático da vida se relaciona com a ideologia do sistema. Constituem-se, assim, enquanto dialéticas. Para o autor, quando o indivíduo pode analisar, discutir e problematizar o mundo da vida é que poderá se “descolonizar” (descentrar) do sistema. “Os participantes no ato de comunicar, nos seus esforços de interpretações retiram padrões de interpretações consentidas” (Habermas, 1990, p. 279). 5 Dentre as principais características da ética discursiva de Habermas está a ideia de que ela é cognitiva justamente porque as questões práticas são susceptíveis da verdade, isto é, a verdade encontrando-se na realidade do mundo da vida, pode ser conhecida por meio da linguagem pelo fato de a sua universalidade (isto é, por a linguagem transcender os limites de uma época e de uma cultura). De um lado, a ética discursiva emerge do mundo da vida, de suas contradições, das situações individuais marcadas por interesses diferentes, às vezes conflitivos, e, por outro lado, aparece a força organizadora do discurso, que, feito a partir de interesses diferentes e de mundos plurais, visa, por via procedimental, encontrar um consenso moral universal entre todos os participantes do discurso. Para o autor, o próprio conceito de mundo de vida é parte integrante do conceito de agir comunicativo, pois da mesma maneira que o conceito de sistema coexiste com o agir de forma dialética, transparece características do desgaste progressivo entre o mundo da vida e o mundo sistema, os quais, por suas vezes, (re)organizam-se e faz tanto com que as estruturas sistêmicas comecem a organizar o mundo da vida, como com que este se manifeste contra o sistema (instrumental e de coação social). Será a partir disso, ou seja, desse novo paradigma social, que Habermas formula o que se chama de Comunidade de Fala, na qual os indivíduos capazes de falar, agem comunicativamente com o objetivo de entendimento intersubjetivo e são capazes de se emancipar individual e socialmente. Assim, a discussão envolta desta ética será acerca das condições nas quais uma norma pode ser aceita como válida, deslocando o problema ético da questão do bem para a questão do justo, da felicidade pessoal para a validade prescritiva da norma. Habermas, outrossim, parece considerar que quem afirma alguma coisa pretende dizer a verdade e o ouvinte precisa aceitar que o interlocutor tem esta intenção, pois sem esta mútua confiança e expectativa o discurso fica sem sentido. Nesse sentido, subjaz aos trabalhos de ambos os autores uma concepção relacional e dialética do estudo da realidade social: Para Piaget (1965/1973), bem como a vida individual, a vida social é essencialmente um sistema de ações, cujas interações elementares compõem ações que modificam umas as outras, segundo certas leis de organização ou de equilíbrio: ações intelectuais de comunicação, de pesquisa em comum, ou de crítica mútua, brevemente de construção coletiva e de correspondência das operações. De acordo com Piaget (1945/1975), apesar da estrutura do pensamento não derivar da estrutura da linguagem, isso não levaria a subestimar o papel da linguagem na construção de 6 representações propriamente ditas. Assim como a capacidade de classificar e ordenar assimetrias não se retira dos objetos exteriores, nem mesmo da sintaxe da linguagem, mas das formas classificatórias e ordenadoras próprias às coordenações cada vez mais móveis e complexas dos esquemas sensórios-motores; as relações interindividuais partem das relações centradas nas ações particulares para coordenações descentradas, dos pontos de vista de relações unilaterais de coação intelectual e de coação moral para relações de reciprocidade e de cooperação propriamente ditas. Desta forma, a evolução da ação do indivíduo depende da evolução das relações nas quais este se encontra inserido, e isso reciprocamente; sendo que, nessa evolução, a ideia de socialização se encontra intimamente relacionada com a cooperação (operar com): socializar significa compartilhar noções e signos com uma comunidade de falantes e ao mesmo tempo distingui-los das próprias idiossincrasias e dos pontos de vista particulares. Assim, à luz da teoria de Piaget, por mais que a linguagem – por si apenas (ou melhor, não ser a interiorização de sua sintaxe ou semântica, histórica e socialmente construídas) – não seja a razão do desenvolvimento cognitivo e moral dos indivíduos, ela possibilita a comunicação entre eles, constituindo-se como um importante fator nas trocas interindividuais (sociais), bem como é relevada por Habermas. Até porque, ao considerarmos que o interlocutor pode agir sobre o ouvinte, e este sobre aquele, e ambos sobre o modo de falar, o compromisso característico dos atos discursivos estarão ligados às exigências de validade cognitivamente verificáveis. Deste modo, o núcleo da construção habermasiana, que se estabelecem na confiança no potencial de racionalidade, na veracidade e autenticidade nas proposições linguísticas e nas falas dos participantes dos procedimentos em vista de construir um consenso, podem ser sustentadas sobre a teoria piagetiana. Doravante, tomaremos essa questão sobre o papel da linguagem no desenvolvimento humano como norte para buscarmos a aplicabilidade dessas teorias na realidade da formação do educador. Para tanto, procuraremos contextualizar resumidamente a formação universitária no Brasil, a fim de situarmos a formação universitária e ética do pedagogo. De acordo com Saviani (2009), na história da formação de professores, haveria dois modelos de formação docente, sendo que o primeiro, modelo dos conteúdos culturaiscognitivos, seria a formação em que o professor esgotar-se-ia na cultura e no domínio específico dos conteúdos da área de conhecimento correspondente à disciplina que irá lecionar, e o segundo, modelo pedagógico-didático, contrapondo-se ao anterior, a formação em que o professor só se completa com o efetivo preparo pedagógico-didático. 7 Para o autor, ao encontro do que é registrado nos dicionários, dilema tratar-se-ia de uma “situação embaraçosa com duas saídas igualmente difíceis” (Saviani, 2009, p.151), sendo exatamente essa a situação da formação de professores diante do confronto entre os dois modelos. Segundo Saviani, tudo indica que, na raiz desse dilema está a dissociação entre os dois aspectos indissociáveis da função docente: a forma e o conteúdo. No Brasil, o curso de Pedagogia forma profissionais para o exercício da docência, especialmente com crianças no início do processo de formação escolar (Educação Infantil e/ou primeiros anos do Ensino Fundamental – 1º ao 5º ano), o que aponta para a sua relevância no papel de contribuir para a formação de sujeitos éticos, que atuem com responsabilidade em todos os âmbitos da sociedade. Seja a moral, seja a ética, ambas são valores impossíveis de ser aprendidos automaticamente. Para tanto e condizente às teorias abordadas até aqui, seria necessário que as ações dos estudantes de cursos de Pedagogia tenham esses valores como norteadores do projeto pessoal e social dos educadores que pretendem ser. Piaget (1996) evidencia que os procedimentos da educação moral tem que partir do pressuposto de que, sem uma psicologia precisa das relações das crianças entre si e delas com os adultos, toda a discussão resulta estéril. Assim, segundo o autor, para que as realidades morais se constituam não é necessário uma disciplina a mais no currículo, mas sim uma disciplina normativa por meio da qual os indivíduos possam estabelecer relações uns com os outros. Para ele, são justamente as relações que se constituem entre a criança e o adulto ou entre ela e seus semelhantes que a levarão a tomar consciência do dever e a colocam acima do seu eu essa realidade normativa na qual a moral consiste. A ética não é algo preexistente no âmago do indivíduo. A partir disso, a educação se constitui como o espaço propício para formar sujeitos éticos, que se comprometam na construção de uma sociedade cada vez melhor. Entretanto, de acordo com Piaget (1996), os procedimentos educativos fundados somente no respeito unilateral negligenciam o respeito mútuo, que junto com a cooperação, são os responsáveis pelo desenvolvimento moral dos indivíduos. Evidenciamos isso pelo fato de ainda no presente, muitas (senão todas) as instituições de ensino superior, inclusive aquelas relacionadas à formação de professores, preocuparem-se em maior parte (quando não exclusivamente) com a formação técnica e científica dos estudantes, utilizando-se de aulas expositivas e que não contam com a participação dos alunos, demonstrando-nos, assim, a mínima preocupação de se buscar a participação e o 8 interesse de alunos ativos. Lembram, na verdade, a pedagogia moral de Durkheim, a qual, segundo Piaget (1996), “quer chegar à moral da cooperação por meio da autoridade” (p. 11). Apesar de terem a intenção (teórica) de formar sujeitos críticos e que contribuam com seus conhecimentos e posturas para uma transformação social, dificilmente esses cursos (ou instituições de ensino) direcionam suas práticas (ou opções didáticas) para que elas sejam fundamentadas e coerentes com suas concepções. Constituindo-se como escasso o número de universidades com programas que valorizam a discussão ética e moral dos estudantes (os quais relacionar-se-iam mais à indissociabilidade entre os conteúdos culturais-cognitivos e a prática didático-pedagógica). Não pretendemos, com isso, indicar que o modelo de formação docente “dos conteúdos culturais-cognitivos” deve se sobrepor ao “pedagógico- didático” – ou vice-versa. Pelo contrário. Sendo exatamente a situação supra posta de confronto entre os dois modelos da formação de professores (a dissociação entre os dois aspectos indissociáveis da função docente) a raiz do dilema da formação do pedagogo, claro que a saída do dilema seria a recuperação da referida indissociabilidade (entre a forma e o conteúdo). Haveria, portanto, uma grande necessidade de vivenciarmos a ética nos cursos de Pedagogia, não como mais uma disciplina na grade curricular ou com pronunciações monológicas, mas envolvendo todas as esferas da universidade, através de relações democráticas onde todos têm direito a vez e voto. Segundo Oliveira e Morais-Shimizu (2011), em especial no ensino superior, os estudantes precisam receber formação ética, pois todos enfrentarão problemas morais em suas atividades profissionais, cujas resoluções pedirão o uso de valores éticos. Mas a verdade é que, infelizmente, a maior parte dos professores não compreende – quiçá – a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacional de se trabalhar a ética como tema transversal. Até mesmo porque, apesar de um dos fins da educação ser, por excelência, a formação de cidadãos autônomos e críticos, e que atuem de modo a promover a justiça, a solidariedade, a paz e todos os demais valores socialmente desejáveis; pesquisas (como a de Oliveira & Morais-Shimizu, 2011) mostram que os cursos de Pedagogia não têm promovido a formação ética de seus alunos, ou quando o fazem, é de forma muito breve e sem aprofundamento, o que resulta no despreparo dos futuros profissionais em educar para a ética. 9 Considerações finais Propusemo-nos com esse trabalho apresentar a teoria cognitiva de Piaget, e o sentido da ética discursiva que Habermas releva para, então, podermos traçar aproximações e/ou distanciamentos entre eles. Bem como apontamos, a teoria de Piaget é a base conceitual a Kohlberg, e vai de encontro às muitas considerações da teoria linguística onde há uma supervalorização e confiança na linguagem (esta como única responsável pelas mudanças estruturais). Não obstante, procuramos analisar a teoria cognitiva de Piaget em relação à linguagem, e pudemos evidenciar convergências entre a ética habermasiana e a teoria piagetiana não pelos aspectos periféricos, mas pelos essenciais de suas abordagens: o papel da linguagem na teoria habermasiana se dá como ação, ou ainda como um meio (“agir comunicativo”) pelo qual o sujeito pode se descentrar do sistema e se emancipar individual e socialmente. Nisto o contato com a teoria de Piaget é nítida e elas não se excluem. Além disso, almejamos brevemente situar a formação ética do pedagogo, a fim de, sobretudo, discutir a aplicabilidade das referidas teorias na realidade da formação do educador. Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (Brasil, 2006), a palavra moral não é mencionada, mas seu significado está no uso da palavra ética, pois é possível notar que no documento a ética está relacionada diretamente à ação, e é o meio para alcançar uma sociedade justa. Entretanto, pudemos constatar, com base sobretudo nos estudos de Oliveira e MoraisShimizu (2011), que não há uma formação adequada voltada para as questões éticas nos cursos de graduação em Pedagogia. Além disso, apesar de a legislação brasileira destacar a necessidade da formação ética, ela não oferece subsídios para os professores lidarem com essa dimensão (uma vez que as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia, mesmo indicando que essa graduação deve proporcionar níveis elevados de desenvolvimento moral, não mostram os meios para atingi-los). Assim, de acordo com as autoras, os professores são obrigados, por lei, a educar para a ética, ainda que os mesmo não tenham recebido essa formação. Conjecturamos, inclusive, que formação ética do pedagogo, em relação, inclusive, à aplicabilidade das referidas teorias na realidade da formação do educador, não é privilegiada. Destarte, relevamos a urgente e notável necessidade das universidades se preocuparem com a ética dos estudantes, abordando-a como fato crucial para uma formação qualitativa, e não a tratando apenas em um sentido monológico, coercitivo ou transmissivo, mas dialógico 10 (como uma ação linguística num mundo vital), onde os futuros profissionais da educação deverão formar cidadãos comprometidos com o desenvolvimento ético, político, econômico e cultural do país em que vivem, e com os valores socialmente desejáveis, tais como a justiça e a liberdade. Em virtude de um primeiro levantamento das aproximações entre os pensamentos científicos de Habermas e Piaget se faz necessário um estudo mais aprofundado sobre as questões que aqui foram levantadas. Não obstante, esse estudo nos permitirá verificar, em bases mais sólidas, a pertinência das nossas suposições. É preciso continuar a pesquisa comparativa entre esses dois autores, pois isso poderá permitir entender melhor as verdadeiras diferenças e aproximações entre eles, além de permitir avançar no melhor entendimento da ética e da formação ética do pedagogo no Brasil. Referências Brasil. (2006). Resolução CNE/CP n.1. Da instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de graduação em pedagogia, licenciatura. Conselho Nacional de Educação. Acesso em: 29 de set. 2014. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf. Dongo Montoya, A. O. (2011). Aquisição da linguagem e pensamento: para além dos reducionismos endógenos e exógenos. In: DONGO MONTOYA, A. O.; MoraisShimizu, A.; Marçal, V. E. R.; Moura, J. F. B. (Org.). Jean Piaget no século XXI: escritos de epistemologia e psicologia genéticas (pp. 117-135). São Paulo: Cultura Acadêmica; Marília: Oficina Universitária. Dongo Montoya, A. O. (2006). Pensamento e linguagem: percurso piagetiano de investigação. 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