ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ÉTICA HABERMASIANA, A TEORIA DE
PIAGET E A FORMAÇÃO ÉTICA DO PEDAGOGO NO BRASIL
Bruna Assem Sasso1
UNESP - Campus de Marília
Patrícia Unger Raphael Bataglia2
UNESP – Campus de Marília
Resumo: De cunho bibliográfico, este trabalho objetiva, apresentar a teoria cognitiva de
Piaget, para buscar o sentido que a ética discursiva de Habermas releva e, então, traçar
aproximações ou distanciamentos entre eles; além disso, situar a formação ética do pedagogo,
a fim de discutir a aplicabilidade das referidas teorias na realidade da formação do educador.
Procurou-se apresentar a teoria de Piaget numa visão dinâmica e dialógica, o que, por sua vez
e somente assim, poderia garantir certa convergência com a ética habermasiana. Por fim,
destaca-se a necessidade de se vivenciar a ética nos cursos de Pedagogia.
Palavras-chave: Ética habermasiana, Piaget, formação ética.
Introdução
O tema linguagem tem contribuições de várias áreas do conhecimento. Neste texto
interessa-nos tratar de uma abordagem particular que aborda a linguagem no campo
específico da ética: a ética discursiva habermasiana. Vejamos, segundo Pegoraro (2008),
Habermas lança raízes nas teorias da linguagem e também na teoria do desenvolvimento da
consciência moral de Kohlberg. Ao passo que, de acordo com Hersh; Paolitto e Reimer
(2002), a teoria de Piaget é a base conceitual de Kohlberg; e o próprio Piaget (1996;
1923/1999; 1945/1975; 1966) alertara sobre a ingenuidade de se pensar que seria suficiente
falar à criança para instruí-la e formar seu pensamento; o fato de a ética habermasiana ter sido
construída a partir de uma profunda estima e respeito pela linguagem, chegando a criticar o
1
Pedagoga, Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Filosofia e Ciências,
UNESP - Univ. Estadual Paulista, campus de Marília-SP, Brasil. E-mail: [email protected]
2
Psicóloga, Mestre e Doutora em Educação. Professora assistente do Departamento de Psicologia da Educação e
do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP – Univ. Estadual
Paulista, campus de Marília-SP, Brasil.
1
procedimento de Kant o qual “propõe uma ética solipsista ou monológica” (Pegoraro, 2008, p.
136), levou-nos a questionar se suas ‘raízes’ não poderiam parecer contraditórias. Destarte, os
objetivos deste texto detêm-se em, a partir da teoria cognitiva de Piaget, buscar entender qual
o sentido da ética discursiva que Habermas releva para, então, traçar aproximações e/ou
distanciamentos entre eles sob a perspectiva da linguagem. Além disso, teremos como
objetivo específico a pretensão de situar a formação ética do pedagogo, a fim de, sobretudo,
discutir-se a aplicabilidade das referidas teorias na realidade da formação do educador.
O processo metodológico, neste trabalho, envolve pesquisa bibliográfica das obras,
leitores e estudiosos de Piaget, e também de Habermas. Uma vez que as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (Brasil, 2006) colocam a ética como um
entre aqueles princípios que deverão fundamentar a prática pedagógica, na tentativa de se
contextualizar a formação universitária no Brasil, especialmente buscando situar a formação
universitária e ética do pedagogo, realizaremos uma breve análise de textos recentes: a saber,
o documento oficial supracitado (Brasil, 2006), outros dois artigos (Oliveira & MoraisShimizu, 2011; Saviani, 2009), e um capítulo de livro (Piaget, 1996), os quais contemplam
essa temática. A escolha de todo o material supracitado fora por conveniência.
Resultados e discussões
De acordo com Dongo Montoya (2006), as pesquisas de Piaget sobre as origens do
pensamento e da linguagem são objeto de críticas, interrogações e leituras parciais que
exigem maiores esclarecimentos. É importante destacar que o debate atual – sobre o qual é
preciso situar o trabalho deste autor –, a respeito de a explicação das origens da linguagem e
do pensamento, não se restringe a aquele da falsa alternativa do determinismo social ou do
determinismo biológico, nem daquele dos reducionismos psicológicos e sociológicos; mas
debruça-se à questão de saber como as novas formas de ação humana se organizam a partir de
formas anteriores e como nesse processo participam fatores endógenos e exógenos.
Segundo o autor, é possível percebermos, então, que há no percurso da pesquisa de
Piaget uma evolução do seu pensamento científico no sentido de continuidade com
reconstrução, uma vez que as suas primeiras conquistas são incorporadas num sistema maior
como consequência de reconstruções em função de novas descobertas.
Nos seus trabalhos Piaget postula que, apesar das diferenças entre a psicologia e a
epistemologia, ambas as disciplinas enfrentam os mesmos problemas básicos, a respeito de
alguns dos quais devemos nos deter antes de darmos prosseguimento às nossas pretensões de
estudo.
2
Piaget (1964∕2006) aborda termos que transpassam vários de seus postulados. Um
deles é o termo estrutura, cuja definição o autor apresenta como sendo um sistema de leis ou
propriedades de totalidade enquanto sistema. Isto implica que, apesar de as leis ou
propriedades dos elementos do sistema serem diferentes das leis de totalidade, uma estrutura
já tratar-se-ia de um sistema parcial com leis próprias e que também se diferem das
propriedades dos elementos que a constituem. Entre elas, há, por exemplo, as estruturas
matemáticas (estruturas algébricas, topológicas, de ordem, de grupo, etc.).
Outro termo, é o de gênese. Piaget (1964∕2006) apresenta-o tratando de certas
transformações em as quais, partindo de um estado A e alcançando um estado B, o último
estado é mais estável que o primeiro. Outrossim, o estado inicial comporta ele próprio uma
estrutura e que ela mesma compreende um desenvolvimento. Assim sendo, a gênese é um
sistema determinado por transformações que engendram uma história, e conduz
continuamente um estado “A” a um estado “B” cuja estabilidade é maior e constitui seu
prolongamento.
Após longa investigação – psicológica e epistemológica –, Piaget se posiciona, acerca
das relações entre gênese e estrutura, de forma a considerar que as gêneses estariam sempre
apoiadas sobre estruturas e, indissociavelmente, a gênese seria subordinada à estrutura, em
uma recíproca contínua e verdadeira.
Destarte, Dongo Montoya (2011) chega a nos mostrar a possibilidade de postular um
novo paradigma sobre a teoria de Piaget, que possibilite a relativização dos determinismos
exógenos e endógenos, e que exige pensar o desenvolvimento humano enquanto dialético,
contínuo e descontínuo nos diferentes planos de ação, justamente por nos levar a aceitar a
solidariedade entre as coordenações intra-individuais e as coordenações inter-individuais.
Isto é o que acontece com todas as estruturas, desde as mais elementares até as mais
complexas – inclusive com as que se manifestam no indivíduo antes mesmo dele adquirir a
linguagem. Por isso que para Piaget, a gênese de toda estrutura se manifesta sempre a nível
sensório-motor onde já há toda uma estruturação sob a forma de construção do espaço, de
grupos de deslocamento, de objetos permanentes, e são, não obstante, anteriores à linguagem.
Além disso, nenhuma estrutura, para o autor, é inata na criança, mas se constroem
progressivamente (Piaget, 1964∕2006). Toda estrutura supõe uma construção e todas essas
construções estão ligadas em cadeia a estruturas anteriores. Ao estarmos diante de uma
estrutura como ponto de partida, e de outra estrutura mais complexa como ponto de chegada,
entre as duas necessita, indispensavelmente, um processo de construção – que compreende a
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gênese. Por isso, não há uma sem a outra, apesar de não se ter as duas ao mesmo tempo (já
que a gênese tratar-se-ia da passagem de um estado anterior para um posterior).
Por último, há o conceito de equilíbrio que aparece com três características e sobre as
quais trataremos a seguir. Para Piaget, o equilíbrio pode ser móvel e estável; o equilíbrio
consistirá em compensar pelas ações do sujeito as perturbações exteriores que o sistema sofre
e que tendem a modifica-lo; e é, então, sinônimo de atividade.
Realizadas as referidas explicações, pode-se abordar a questão da linguagem na teoria
do conhecimento de Piaget, pois, segundo suas solicitudes, o seu desenvolvimento é
compreendido como sendo um processo de sequências autorreguladoras de compensações
ativas do sujeito em resposta às perturbações do meio físico e social, e cujo resultado é a
passagem continua de um estado de menor equilíbrio (esquemas verbais) para um estado de
equilíbrio superior (os pré-conceitos), constituindo, doravante, uma nova estrutura (os
conceitos).
Assim, a análise dos fatos genéticos fornece, sob a perspectiva piagetiana, uma
resposta que se orienta no sentido de uma interação entre os mecanismos linguísticos e os
mecanismos operatórios subjacentes, e não o contrário. Portanto, para Piaget (1936/1987,
1945/1975, 1966, Piaget & Inhelder, 1966/2006, entre outros), não é o aparecimento da
linguagem o fator responsável pela evolução da inteligência prática em pensamento
conceitual. Bem menos cabe à linguagem a primazia pela transformação dos esquemas
verbais em pré-conceitos e logo em conceitos. Até porque, para o autor, já há no período
sensório-motor uma lógica prática, cuja origem deve-se, além de a diferenciação, à
organização e também à combinação dos esquemas de ações do bebê.
Piaget (1966) reconhece o papel da linguagem no enriquecimento dos instrumentos
cognitivos, uma vez que é um sistema já elaborado socialmente, no entanto deixa claro que os
progressos do pensamento, sobretudo, representativo são decorrentes da função semiótica no
geral. Alerta-nos ainda sobre a ingenuidade de se pensar que seria suficiente falar à criança
para instruí-la e formar seu pensamento (Piaget 1923/1999; 1996; 1966).
Dessa forma, a transmissão verbal, apenas, não é suficiente e eficaz para a aquisição
de conhecimentos, pois são ainda importantes as possibilidades de interação do sujeito com os
objetos e outros sujeitos de o seu meio, a exploração, a experimentação e manipulação de
materiais que atendam suas necessidades, e, sobretudo, as relações que deverão ser
estabelecidas sobre estes aspectos.
Passando para a esfera que igualmente ora nos interessa – a ética –, a partir de agora,
buscaremos, então, entender qual sentido Habermas releva acerca da ética discursiva para,
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então, buscar aproximações e/ou distanciamentos entre ela e a teoria do conhecimento de
Piaget.
Piaget (1994), na sua obra sobre O juízo moral na criança, publicado originalmente
em 1932, examina o desenvolvimento do juízo infantil (e não a prática ou os sentimentos)
acerca de questões morais, como por exemplo os desajeitamentos, o roubo, a mentira e a
justiça. Em nenhuma de sua extensa publicação tratou sobre a questão ética propriamente dita.
Sabemos que há maneiras diferentes de compreender os termos moral e ética, sendo
que uma delas é tratar ambos como sinônimos, como se os dois se referissem aos deveres
legais do homem e aos hábitos de conduta instituídos por uma sociedade. De maneira mais
detalhada, a tradição reservou o termo moral para designar a moral bíblica ou os princípios
morais elaborados pela teologia; já o termo ética fala dos princípios éticos universais da
filosofia grega como, por exemplo, toda ação humana visa alcançar uma finalidade.
Destarte, partindo de um ponto de vista universal, de um lugar de observação e de
julgamento pelo qual as contendas podem ser arbitradas imparcialmente e por consenso,
Habermas deseja construir uma teoria ou instância de validação da norma existente feita por
nós e não por uma consciência solitária, solipsista e intimista.
A função da ética proposta por Habermas não tem a função de criar princípios
abstratos e normas práticas, mas conciliar as que já existem através do debate que visa
alcançar um consenso entre os participantes. Parte, portanto, de um procedimento dialógico
para chegar a um entendimento sobre normas existentes, mas em conflito, e que podem se
tornar válidas e aceitas por todos os participantes por meio do debate argumentativo.
De acordo com Habermas (1990), há duas dimensões sociais, a primeira sendo descrita
pelo autor como mundo do sistema, ou seja, aquele que revela o atual sistema o qual se
caracteriza pela organização estratégica onde impera a não linguagem, a não discussão; e o
segundo como mundo da vida, que envolve a cultura, a sociedade e a personalidade do
indivíduo, e cujo processo comunicativo ocorre onde relações intersubjetivas se organizam,
isto é, onde se dá as problematizações e discussões práticas que podem ou não levar às
discussões de valores morais.
As relações que o sujeito estabelece com essas dimensões sociais, ao mesmo tempo
em que se relaciona no mundo prático da vida se relaciona com a ideologia do sistema.
Constituem-se, assim, enquanto dialéticas. Para o autor, quando o indivíduo pode analisar,
discutir e problematizar o mundo da vida é que poderá se “descolonizar” (descentrar) do
sistema. “Os participantes no ato de comunicar, nos seus esforços de interpretações retiram
padrões de interpretações consentidas” (Habermas, 1990, p. 279).
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Dentre as principais características da ética discursiva de Habermas está a ideia de que
ela é cognitiva justamente porque as questões práticas são susceptíveis da verdade, isto é, a
verdade encontrando-se na realidade do mundo da vida, pode ser conhecida por meio da
linguagem pelo fato de a sua universalidade (isto é, por a linguagem transcender os limites de
uma época e de uma cultura).
De um lado, a ética discursiva emerge do mundo da vida, de suas contradições, das
situações individuais marcadas por interesses diferentes, às vezes conflitivos, e, por outro
lado, aparece a força organizadora do discurso, que, feito a partir de interesses diferentes e de
mundos plurais, visa, por via procedimental, encontrar um consenso moral universal entre
todos os participantes do discurso.
Para o autor, o próprio conceito de mundo de vida é parte integrante do conceito de
agir comunicativo, pois da mesma maneira que o conceito de sistema coexiste com o agir de
forma dialética, transparece características do desgaste progressivo entre o mundo da vida e o
mundo sistema, os quais, por suas vezes, (re)organizam-se e faz tanto com que as estruturas
sistêmicas comecem a organizar o mundo da vida, como com que este se manifeste contra o
sistema (instrumental e de coação social).
Será a partir disso, ou seja, desse novo paradigma social, que Habermas formula o que
se chama de Comunidade de Fala, na qual os indivíduos capazes de falar, agem
comunicativamente com o objetivo de entendimento intersubjetivo e são capazes de se
emancipar individual e socialmente.
Assim, a discussão envolta desta ética será acerca das condições nas quais uma norma
pode ser aceita como válida, deslocando o problema ético da questão do bem para a questão
do justo, da felicidade pessoal para a validade prescritiva da norma.
Habermas, outrossim, parece considerar que quem afirma alguma coisa pretende dizer
a verdade e o ouvinte precisa aceitar que o interlocutor tem esta intenção, pois sem esta mútua
confiança e expectativa o discurso fica sem sentido.
Nesse sentido, subjaz aos trabalhos de ambos os autores uma concepção relacional e
dialética do estudo da realidade social: Para Piaget (1965/1973), bem como a vida individual,
a vida social é essencialmente um sistema de ações, cujas interações elementares compõem
ações que modificam umas as outras, segundo certas leis de organização ou de equilíbrio:
ações intelectuais de comunicação, de pesquisa em comum, ou de crítica mútua, brevemente
de construção coletiva e de correspondência das operações.
De acordo com Piaget (1945/1975), apesar da estrutura do pensamento não derivar da
estrutura da linguagem, isso não levaria a subestimar o papel da linguagem na construção de
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representações propriamente ditas. Assim como a capacidade de classificar e ordenar
assimetrias não se retira dos objetos exteriores, nem mesmo da sintaxe da linguagem, mas das
formas classificatórias e ordenadoras próprias às coordenações cada vez mais móveis e
complexas dos esquemas sensórios-motores; as relações interindividuais partem das relações
centradas nas ações particulares para coordenações descentradas, dos pontos de vista de
relações unilaterais de coação intelectual e de coação moral para relações de reciprocidade e
de cooperação propriamente ditas.
Desta forma, a evolução da ação do indivíduo depende da evolução das relações nas
quais este se encontra inserido, e isso reciprocamente; sendo que, nessa evolução, a ideia de
socialização se encontra intimamente relacionada com a cooperação (operar com): socializar
significa compartilhar noções e signos com uma comunidade de falantes e ao mesmo tempo
distingui-los das próprias idiossincrasias e dos pontos de vista particulares.
Assim, à luz da teoria de Piaget, por mais que a linguagem – por si apenas (ou melhor,
não ser a interiorização de sua sintaxe ou semântica, histórica e socialmente construídas) –
não seja a razão do desenvolvimento cognitivo e moral dos indivíduos, ela possibilita a
comunicação entre eles, constituindo-se como um importante fator nas trocas interindividuais
(sociais), bem como é relevada por Habermas.
Até porque, ao considerarmos que o interlocutor pode agir sobre o ouvinte, e este
sobre aquele, e ambos sobre o modo de falar, o compromisso característico dos atos
discursivos estarão ligados às exigências de validade cognitivamente verificáveis.
Deste modo, o núcleo da construção habermasiana, que se estabelecem na confiança
no potencial de racionalidade, na veracidade e autenticidade nas proposições linguísticas e nas
falas dos participantes dos procedimentos em vista de construir um consenso, podem ser
sustentadas sobre a teoria piagetiana.
Doravante, tomaremos essa questão sobre o papel da linguagem no desenvolvimento
humano como norte para buscarmos a aplicabilidade dessas teorias na realidade da formação
do educador. Para tanto, procuraremos contextualizar resumidamente a formação universitária
no Brasil, a fim de situarmos a formação universitária e ética do pedagogo.
De acordo com Saviani (2009), na história da formação de professores, haveria dois
modelos de formação docente, sendo que o primeiro, modelo dos conteúdos culturaiscognitivos, seria a formação em que o professor esgotar-se-ia na cultura e no domínio
específico dos conteúdos da área de conhecimento correspondente à disciplina que irá
lecionar, e o segundo, modelo pedagógico-didático, contrapondo-se ao anterior, a formação
em que o professor só se completa com o efetivo preparo pedagógico-didático.
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Para o autor, ao encontro do que é registrado nos dicionários, dilema tratar-se-ia de
uma “situação embaraçosa com duas saídas igualmente difíceis” (Saviani, 2009, p.151), sendo
exatamente essa a situação da formação de professores diante do confronto entre os dois
modelos. Segundo Saviani, tudo indica que, na raiz desse dilema está a dissociação entre os
dois aspectos indissociáveis da função docente: a forma e o conteúdo.
No Brasil, o curso de Pedagogia forma profissionais para o exercício da docência,
especialmente com crianças no início do processo de formação escolar (Educação Infantil
e/ou primeiros anos do Ensino Fundamental – 1º ao 5º ano), o que aponta para a sua
relevância no papel de contribuir para a formação de sujeitos éticos, que atuem com
responsabilidade em todos os âmbitos da sociedade.
Seja a moral, seja a ética, ambas são valores impossíveis de ser aprendidos
automaticamente. Para tanto e condizente às teorias abordadas até aqui, seria necessário que
as ações dos estudantes de cursos de Pedagogia tenham esses valores como norteadores do
projeto pessoal e social dos educadores que pretendem ser.
Piaget (1996) evidencia que os procedimentos da educação moral tem que partir do
pressuposto de que, sem uma psicologia precisa das relações das crianças entre si e delas com
os adultos, toda a discussão resulta estéril. Assim, segundo o autor, para que as realidades
morais se constituam não é necessário uma disciplina a mais no currículo, mas sim uma
disciplina normativa por meio da qual os indivíduos possam estabelecer relações uns com os
outros.
Para ele, são justamente as relações que se constituem entre a criança e o adulto ou
entre ela e seus semelhantes que a levarão a tomar consciência do dever e a colocam acima do
seu eu essa realidade normativa na qual a moral consiste.
A ética não é algo preexistente no âmago do indivíduo. A partir disso, a educação se
constitui como o espaço propício para formar sujeitos éticos, que se comprometam na
construção de uma sociedade cada vez melhor.
Entretanto, de acordo com Piaget (1996), os procedimentos educativos fundados
somente no respeito unilateral negligenciam o respeito mútuo, que junto com a cooperação,
são os responsáveis pelo desenvolvimento moral dos indivíduos.
Evidenciamos isso pelo fato de ainda no presente, muitas (senão todas) as instituições
de ensino superior, inclusive aquelas relacionadas à formação de professores, preocuparem-se
em maior parte (quando não exclusivamente) com a formação técnica e científica dos
estudantes, utilizando-se de aulas expositivas e que não contam com a participação dos
alunos, demonstrando-nos, assim, a mínima preocupação de se buscar a participação e o
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interesse de alunos ativos. Lembram, na verdade, a pedagogia moral de Durkheim, a qual,
segundo Piaget (1996), “quer chegar à moral da cooperação por meio da autoridade” (p. 11).
Apesar de terem a intenção (teórica) de formar sujeitos críticos e que contribuam com
seus conhecimentos e posturas para uma transformação social, dificilmente esses cursos (ou
instituições de ensino) direcionam suas práticas (ou opções didáticas) para que elas sejam
fundamentadas e coerentes com suas concepções. Constituindo-se como escasso o número de
universidades com programas que valorizam a discussão ética e moral dos estudantes (os
quais relacionar-se-iam mais à indissociabilidade entre os conteúdos culturais-cognitivos e a
prática didático-pedagógica).
Não pretendemos, com isso, indicar que o modelo de formação docente “dos
conteúdos culturais-cognitivos” deve se sobrepor ao “pedagógico- didático” – ou vice-versa.
Pelo contrário. Sendo exatamente a situação supra posta de confronto entre os dois modelos
da formação de professores (a dissociação entre os dois aspectos indissociáveis da função
docente) a raiz do dilema da formação do pedagogo, claro que a saída do dilema seria a
recuperação da referida indissociabilidade (entre a forma e o conteúdo).
Haveria, portanto, uma grande necessidade de vivenciarmos a ética nos cursos de
Pedagogia, não como mais uma disciplina na grade curricular ou com pronunciações
monológicas, mas envolvendo todas as esferas da universidade, através de relações
democráticas onde todos têm direito a vez e voto.
Segundo Oliveira e Morais-Shimizu (2011), em especial no ensino superior, os
estudantes precisam receber formação ética, pois todos enfrentarão problemas morais em suas
atividades profissionais, cujas resoluções pedirão o uso de valores éticos. Mas a verdade é
que, infelizmente, a maior parte dos professores não compreende – quiçá – a proposta dos
Parâmetros Curriculares Nacional de se trabalhar a ética como tema transversal.
Até mesmo porque, apesar de um dos fins da educação ser, por excelência, a formação
de cidadãos autônomos e críticos, e que atuem de modo a promover a justiça, a solidariedade,
a paz e todos os demais valores socialmente desejáveis; pesquisas (como a de Oliveira &
Morais-Shimizu, 2011) mostram que os cursos de Pedagogia não têm promovido a formação
ética de seus alunos, ou quando o fazem, é de forma muito breve e sem aprofundamento, o
que resulta no despreparo dos futuros profissionais em educar para a ética.
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Considerações finais
Propusemo-nos com esse trabalho apresentar a teoria cognitiva de Piaget, e o sentido
da ética discursiva que Habermas releva para, então, podermos traçar aproximações e/ou
distanciamentos entre eles.
Bem como apontamos, a teoria de Piaget é a base conceitual a Kohlberg, e vai de
encontro às muitas considerações da teoria linguística onde há uma supervalorização e
confiança na linguagem (esta como única responsável pelas mudanças estruturais).
Não obstante, procuramos analisar a teoria cognitiva de Piaget em relação à
linguagem, e pudemos evidenciar convergências entre a ética habermasiana e a teoria
piagetiana não pelos aspectos periféricos, mas pelos essenciais de suas abordagens: o papel da
linguagem na teoria habermasiana se dá como ação, ou ainda como um meio (“agir
comunicativo”) pelo qual o sujeito pode se descentrar do sistema e se emancipar individual e
socialmente. Nisto o contato com a teoria de Piaget é nítida e elas não se excluem.
Além disso, almejamos brevemente situar a formação ética do pedagogo, a fim de,
sobretudo, discutir a aplicabilidade das referidas teorias na realidade da formação do
educador.
Nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (Brasil, 2006), a
palavra moral não é mencionada, mas seu significado está no uso da palavra ética, pois é
possível notar que no documento a ética está relacionada diretamente à ação, e é o meio para
alcançar uma sociedade justa.
Entretanto, pudemos constatar, com base sobretudo nos estudos de Oliveira e MoraisShimizu (2011), que não há uma formação adequada voltada para as questões éticas nos
cursos de graduação em Pedagogia. Além disso, apesar de a legislação brasileira destacar a
necessidade da formação ética, ela não oferece subsídios para os professores lidarem com essa
dimensão (uma vez que as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia,
mesmo indicando que essa graduação deve proporcionar níveis elevados de desenvolvimento
moral, não mostram os meios para atingi-los).
Assim, de acordo com as autoras, os professores são obrigados, por lei, a educar para a
ética, ainda que os mesmo não tenham recebido essa formação. Conjecturamos, inclusive, que
formação ética do pedagogo, em relação, inclusive, à aplicabilidade das referidas teorias na
realidade da formação do educador, não é privilegiada.
Destarte, relevamos a urgente e notável necessidade das universidades se preocuparem
com a ética dos estudantes, abordando-a como fato crucial para uma formação qualitativa, e
não a tratando apenas em um sentido monológico, coercitivo ou transmissivo, mas dialógico
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(como uma ação linguística num mundo vital), onde os futuros profissionais da educação
deverão formar cidadãos comprometidos com o desenvolvimento ético, político, econômico e
cultural do país em que vivem, e com os valores socialmente desejáveis, tais como a justiça e
a liberdade.
Em virtude de um primeiro levantamento das aproximações entre os pensamentos
científicos de Habermas e Piaget se faz necessário um estudo mais aprofundado sobre as
questões que aqui foram levantadas. Não obstante, esse estudo nos permitirá verificar, em
bases mais sólidas, a pertinência das nossas suposições. É preciso continuar a pesquisa
comparativa entre esses dois autores, pois isso poderá permitir entender melhor as verdadeiras
diferenças e aproximações entre eles, além de permitir avançar no melhor entendimento da
ética e da formação ética do pedagogo no Brasil.
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