CLÍNICA AMPLIADA
Gustavo Tenório Cunha
Adélia Prado
sobre a poesia
é mais que ofício, carreira, profissão,
porque confere SENTIDO à existência.
o que me inspira é a vida e suas múltiplas
alegrias e aflições, a fé, a dúvida, a rotina
maravilhosa, o cotidiano.
Miserere
( ... ) "Cismei que adoecia e procurei o médico.
Ele não perspicaz.
Auscultou, profissional, minhas cavidades
e prescreveu ginástica, redução de calorias, vida calma.
Doía tudo. Aqui dói, doutor, aqui também.
É certo que o senhor nunca deglutiu pedras,
mas, afianço-lhe, mesmo a água que bebo
é indigesta coisa sólida no meu bucho.
Ele precavê-se, intimidado pela minha fluência, pelo
manuseio intimorato que dispenso às palavras.
Dependendo da atividade intelectual,
da sensibilidade de cada um,
tais sintomas ocorrem, minha senhora.
E mostra as garras defensivo,
mais uns grãos de enfado.
Eu não estava doente. E estava muito.
O medo de morrer, habitualmente grande,
trinta vezes aumentado.
comecei a rezar no registro dos náufragos:
Perdoa-me, senhor. Lembra-te de que és meu Pai.
Como gostaria de nascer de novo
e começar tudo generosamente.
Olha pelos filhos que deixarei,
por meu marido que talvez não se case mais
Onde achará, neste lugar pequeno, outra mulher que
lhe ofereça tantos motivos para mortificar-se?
Passeava na casa, amargando a saudade prévia dos seus
cantos.
Doia tudo, até que,
até que nada, não dói mais.
Recolhi-me ao corriqueiro estatuto
de comer, dormir, lavar-me,
recuperando o saudável desejo que se fodam bem
determinadas pessoas em suas empresas.
continuo passando a língua no molar obturado, desgostosa,
porque senão sou eu a cuidar da cozinha, uma lata de óleo é
a conta de dois dias. Confesso-vos;
quando comecei a escrever
o que eu queria era fazer teatro." ( ... )
Adélia Prado – Miserere In Poesia Reunida
CONTEXTO DA ATENÇÃO
BÁSICA E DO SUS
Clínica Ampliada: da ABS
para o SUS
• Coordenação: vínculo, negociação, relação de
poderes com usuário e com especialistas, saberes
singulares (lidar com incerteza).
– Disputa Política: maior parte dos médicos e enfermeiros
na Atenção Primária. Poder e legitimidade para ABS
negociar. ER e AM. Proporção razoável equipe-usuários
– Disputa cultural: especialistas e compelxo médico
industrial (sem coordenação) fazem mal à saúde.
– Disputa técnica: cobrar apoio e fazer apoio técnico.
Ensinar clínica ampliada. Ensinar “não lavar as mãos”
focalizando no objeto de trabalho reduzido.
‘CAUSOS’ DE DOENÇA NA
PRÁTICA CLÍNICA E
GERENCIAL
Gestão e Clínica
Já foi proibido, nas enfermarias de pediatria,
que as mães ou os pais permanecessem
junto com seus filhos durante a internação.
A mudança não ocorreu sem pesadas
resistências, a despeito do fato de se ter
“comprovado cientificamente” que a
presença da mãe tem impacto positivo na
mortalidade e no tempo de internação.
clínica apesar das pessoas
• De profissional de saúde referindo-se às
dificuldades para a prática de uma clínica
ampliada:
– “se eu quisesse ouvir as pessoas teria feito
psicologia. Ficar sabendo da situação social ou
afetiva não adianta nada, porque não vou poder
resolver nenhum destes problemas. Além disto,
se eu ficar ouvindo muito, eu é que vou precisar
de psicólogo.”
PROBLEMAS IMPORTANTES
DA PRÁTICA CLÍNICA HEGEMÔNICA
• BAIXA ADESÃO DOS USUÁRIOS AOS
PROJETOS TERAPÊUTICOS
• DIFICULDADES PARA LIDAR COM PACIENTES
DIFERENTES / POLIQUEIXOSOS
• IATROGENIAS / DANOS (ORGÂNICOS,
CULTURAIS, SOCIAIS)
• POUCA GRUPALIDADE: BEM ADEQUADA AO
MODO DE GESTÃO “TUMORAL” / TRABALHO
FRAGMENTADO / CLIMA INSTITUCIONAL RUIM
EXEMPLOS DANOS
• Simplificação de temas complexos (parto = cesárea,
obesidade = cirurgia de redução de estômago, etc)
• Consumo de tratamentos (cirurgia hérnia lombar, cesárea,
exames desnecessários/sem critérios),
• Mitificação de remédios novos (regressão à média) e
“tecnologias duras”,
• Natureza como adversária
• Abuso de medicações (atb, TRH,fluoxetina..),
• Invenção e Tratamento de não doenças,
• Produção de dependência e Medo (Iatrogenia Cultural e
Social)
http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Jornal&id=954%20
FORÇAS CONTEXTUAIS PARA
UMA CLÍNICA RUIM
A racionalidade gerencial
hegemônica
(O Taylorismo já era? - CAMPOS 2000)
Alguns Princípios Tayloristas (1856-1915):
➢ 1- Trabalhador adequado (seleção, treinamento,
supervisão).
➢ 2- Divisão de trabalho, especialização.
➢ 3- Separação entre planejamento e execução.
➢ 4- Programação prévia (best one way).
➢ 5- homo economicus etc
Organograma por especialidades
/ corporações profissionais
Organograma muito Vertical, divisao por categorias
profissionais – padrão indesejável de competicao e
cooperacao (Moorgan 1996)
Algumas das forças mais importantes que
atuam sobre os sujeitos na clínica
> Medicina e consumo (saúde v. uso x v. de troca)
> Função Social do Diagnóstico: lidando com
poderes.
> A dificuldade de lidar com contra-produtividade
a) danos das medicações e procedimentos
b) danos da analgesia e anestesia social
> A percepção da natureza como adversária:
a força simbólica do positivismo atuando na clínica
> Complexo médico-industrial – profissionais
vendedores
PROPOSTAS
• CO-GESTÃO / EQUIPE DE
REFERENCIA E APOIO MATRICIAL
• CLÍNICA AMPLIADA
• PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR
Organograma por Unidades de
produção
Direção geral (Supervisor e Assessoria)
Colegiado de Direção
(Supervisor, Assessoria, Coordenadores das Unidades de
Produção, Supervisores Matriciais)
Coordenador
Unidade de
Produção “X”
Colegiado
da U.P. “X”
(Equipe
da U.P. “X”)
Coordenador
Unidade de
Produção “Y”
Coordenador
Unidade de
Produção “W”
Colegiado
da U.P. “Y”
(Equipe
da U.P. “Y”
Colegiado
da U.P. “W”
(Equipe
da U.P. “W”
Apoiador “a”
Apoiador “b”
Apoiador “c”
Apoiador “d”
Supervisor “e”
Apoio Matricial
• O Apoio Matricial em saúde objetiva
assegurar, de um modo dinâmico e
interativo, retaguarda especializada a
equipes e profissionais de referência;
• O Apoio tem duas dimensões: suporte
assistencial; e técnico-pedagógico;
• Depende da construção compartilhada de
diretrizes clínicas e sanitárias e de
critérios para acionar apoio.
Apoio Matricial
• Depende da construção compartilhada do
espectro de responsabilidades de cada
referência e de cada apoio, bem como do
papel de cada unidade de produção e de
cada serviço dentro da rede;
• O funcionamento em rede depende da
responsabilidade de cada unidade
articular-se em co-responsabilidade
sistêmica.
A CLÍNICA AMPLIADA
Clínica Ampliada
• Compromisso com o Sujeito Co-produzido
• Em movimento, mudança...
• Autonomia e desvio (Passos e Benevides, Clínica e
Biopolítica)
• Saberes
• Limites e Possibilidades
• Identificações e Disputas
• Afetos
• Transferências e contra-transferência / atravessamentos
• Poderes
Co-produção de processo
saúde-doença / sujeitos
ORGÂNICO
• Particular
• Singular
DESEJO
INTERESSE
política/gestão
trabalho/práticas
SÍNTESE SANITÁRIA
SAÚDE INDIV/COLETIVA
NECESSIDADES SOCIAIS
• Universal
INSTITUIÇÕES, PODERES, SABERES
CONTEXTO EC/CULT/SOCIAL
Disposições ‘Transitórias’
para a Clínica Ampliada
•
•
•
•
•
alguma disposição para buscar constantemente, nos encontros da clínica, uma
percepção de si mesmo imerso em diversas forças e afetos (em
transformação);
alguma disposição para buscar articular satisfatoriamente para cada situação
singular, saberes e tecnologias diferentes, lidando da melhor maneira com a
tendência/tentação excludente e totalizante de muitos destes saberes (por
exemplo um diagnóstico qualquer frente a outros muitos possíveis) ;
alguma disposição para buscar negociar projetos terapêuticos com os sujeitos
envolvidos levando em conta as variáveis necessárias em cada momento;
capacidade de lidar com a relativa incerteza (e tristeza) que estes desafios
trazem ;
e finalmente uma disposição para trabalhar em equipe e construir grupalidade,
de forma que seja possível mais facilmente adquirir as capacidades acima.
Assim é necessário inventar maneiras de fazer gestão que dêem conta de ao
menos facilitar o trabalhos dos profissionais que fazem clínica.
Perguntas úteis no apoio à
clínica individual /coletiva
• Quando trabalhamos no plano do interesse, como e em que
medida utilizamos o recurso do medo e do NÃO? O quanto
precisamos da impotência e da submissão para efetuar a ação?
Ou quais os afetos envolvidos na utilização destes recursos?
(“o gozo da submissão do outro...” também é um objeto de
investimento)

Em
que medida conseguimos identificar as potências (forças
vitais) deste sujeito individual ou coletivo, e trabalhar com elas
e para elas? O quanto somos capazes de reconhecer a sua
legitimidade?

Em
que medida reconhecemos os nossos próprios desejos?
Em que medida reconhecemos presença de forças externas de
co-produção e o quanto conseguimos lidar com elas?
Flash como condutor da
relação clínica
É centrado sobre o paciente, mas implica o relacionamento
profissinal paciente, assim como o paciente.
O profissional deve permitir-se o descoforto de deixar de
lado suas próprias idéias sobre o que está acontecendo e
entrar em sintonia com a tensão do paciente.
Deve-se ter o flash de comreensão e conseguir partilhá-lo
com o paciente. Ou seja, embora seja uma relativa perda
de controle, deve haver algum controle para direcioná-lo
de forma terapêutica.
Projeto Terapêutico
Singular
É um conjunto de propostas de condutas
terapêuticas articuladas não somente no plano
biológico, para um sujeito individual ou coletivo,
resultado da discussão coletiva de uma equipe
interdisciplinar, com apoio matricial se
necessário.
Geralmente é dedicado a situacões mais
complexas.
Gustavo T Cunha
Projeto Terapêutico
Singular
•
•
•
•
•
Qualificação da atenção
Efetivar a Co-gestão da equipe interdisciplinar e
a Clínica Ampliada
Facilitar a avaliação e o aprendizado coletivo
(aumentar capacidade de análise e intervenção
Possibilitar o apoio matricial à equipe de
referência
Possibilitar uma acao positiva em direção ao
paciente, a partir das diferenças internas e
conflitos da equipe
Gustavo T Cunha
Projeto Terapêutico
Singular
I. Diagnósticos
II. Definição de Objetivos
III- Distribuição de tarefas e prazos
IV: Coordenação e Negociação
V- Re-Avaliacao
Gustavo T Cunha
Projeto Terapêutico Singular
• Como Discutir um Caso:
• Identificação completa;
• Localização territorial e elementos do território relevantes;
• Arranjo Familiar – Representação Gráfica; / ECOMAPA
• Queixa/Situação/Demanda com histórico relevante resumido;
• Ações clínicas já realizadas;
• Avaliação das Vulnerabilidades;
• Pactuação dos Objetivos no caso (negociação entre equipe e
entre equipe e usuário);
• Propostas de Intervenção com cronograma e responsáveis;
• Definição do Profissional de referência do caso;
• Definição de periodicidade de reavaliações do caso
NUNES, G
Projeto Terapêutico Singular
Dicas
• Exercitar a capacidade de perceber os limites dos diversos
saberes estruturados diante da singularidade do sujeitos e
dos desejos destes sujeitos
• avaliar os filtros teóricos nas conversas com pacientes,
• perceber quais temas a equipe teve dificuldade de
conversar?
• autorizar-se a fazer críticas no grupo de forma construtiva lidar com poderes na equipe- ,
• autorizar-se a lidar com identificacão/paixão com saber
profissional de forma crítica-nucleo e campo/afetos),
• e autorizar-se a pensar novas possibilidades e caminhos
para a intervencão - inventar e aceitar a diferenca de ser e
de fazer (x lógica burocrático-industrial da linha de
producão “ taylorista'').
Gustavo T Cunha
BIBLIOGRAFIA
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•
Cartilha PNH Clínica Ampliada, Equipe de Referência e Apoio Matricial – 2007
CUNHA, G.T. A Construção da Clínica Ampliada na Atenção Básica São Paulo:
Hucitec, 2005
STARFIELD,B. Coordenação da atenção: juntando tudo in Atenção
Primária:Equilíbrio entre Necessidades de Saúde, serviços e teconologia. 1a ed.
– Brasília: UNESCO, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002, p 365
MARTINS, A. Novos Paradigmas em Saúde, Physis:Revista de Saúde Coletiva, v.9,
n.1. Rio de Janeiro: IMS/EdUERJ, 1999 (http://www.saude.inf.br/andre.htm)
BALINT,M. O Médico seu paciente e a doença. Rio de Janeiro: Atheneu,1988.
CAMARGO Jr., K.R. Biomedicina Saber & Ciência: uma abordagem crítica. 1a.
Ed. São Paulo: Hucitec. 2003.
www.saude.gov.br/humanizasus
[email protected]
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Equipe de referência e Apoio matricial: reforma do trabalho