Desdobramentos Jurídicos do Salário-maternidade no
Contrato de Trabalho por Prazo Determinado
Gabriel de Araujo Sandrii
OAB/SC 30.717
I - Intróito
É procedimento corriqueiramente adotado no ato da contratação
empregatícia a celebração de contrato de trabalho por prazo determinado,
mormente na espécie de contrato de experiência.
Diante da proliferação desta espécie contratual, com vastíssimo campo de
atuação, surgiram situações que, num olhar apressado, tornam-se
incompatíveis com o referido instituto. Como exemplo desta afirmação,
tem-se a garantia provisória de emprego da empregada gestante contra a
dispensa arbitrária ou sem justa causa, desde a confirmação da gravidez
até cinco meses após o parto (art. 10, inc. II, alínea “b”, do ADCT).
Mas o problema maior reside na determinação de quem arcará com o
restante do pagamento do salário-maternidade caso a empregada
gestante, com contrato de trabalho rescindido pelo término do prazo do
contrato de experiênciaii (ou de qualquer outro contrato por prazo
determinado), tenha recebido, pelo empregador, enquanto perdurara o
vínculo empregatício, parte deste benefício previdenciário.
II – Contrato de Experiência
O contrato de experiência está regulamentado no Título IV – Do Contrato
Individual de Trabalho, Capítulo I – Disposições Gerais, da CLT, mais
especificamente em seus arts. 443, caput, §1º e §2º, alínea “c”, e art. 445,
parágrafo único, transcritos in litteris:
Art. 443 - O contrato individual de trabalho poderá ser
acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por
escrito e por prazo determinado ou indeterminado.
§ 1º - Considera-se como de prazo determinado o
contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo
prefixado ou da execução de serviços especificados ou
ainda da realização de certo acontecimento suscetível de
previsão aproximada. (Parágrafo único renumerado pelo
Decreto-lei nº. 229, de 28.2.1967)
§ 2º - O contrato por prazo determinado só será válido em
se tratando: (Incluído pelo Decreto-lei nº. 229, de
28.2.1967)
a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a
predeterminação do prazo; (Incluída pelo Decreto-lei nº.
229, de 28.2.1967)
b) de atividades empresariais de caráter transitório;
(Incluída pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
c) de contrato de experiência. (grifos acrescidos)
Art. 445 - O contrato de trabalho por prazo determinado
não poderá ser estipulado por mais de 2 (dois) anos,
observada a regra do art. 451. (Redação dada pelo
Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
Parágrafo único. O contrato de experiência não poderá
exceder de 90 (noventa) dias. (Incluído pelo Decreto-lei nº
229, de 28.2.1967) (grifos acrescidos).
A CLT, em seu art. 451, prescreve que “o contrato de trabalho por prazo
determinado que, tácita ou expressamente, for prorrogado mais de uma
vez passará a vigorar sem determinação de prazo”. Note-se que a
sussomencionada
norma
não
atrela
à
prorrogação
a
imperiosa
necessidade de se efetuar pelo mesmo número de dias do prazo inicial. O
único requisito legal exigido para que a prorrogação não transmude a
característica do contrato por prazo determinado, é que esta se acione por
uma única vez, nada mais.
Assim, é plenamente lícita a celebração de contrato de trabalho por prazo
determinado, notadamente o de experiência, com prazo inicial de 10 (dez)
e com prorrogação para mais 80 (oitenta), por exemplo, pois se estará
respeitando, concomitantemente, o limite máximo desta espécie de
contrato (noventa dias – art. 445, parágrafo único, da CLT) e o de
prorrogá-lo por uma única vez (art. 451, da CLT). Noutro giro verbal,
desde que a soma dos doisiii períodos, o original e o prorrogado, não
ultrapasse 90 (noventa) dias, será válida a prorrogação, mantendo-se
incólume, por conseguinte, sua natureza de contrato por prazo
determinado.
Nesse sentido, inclusive, giza Sérgio Pinto Martinsiv que
[...] não é possível prorrogar um contrato de experiência
de 90 dias por mais 90 dias, pois o prazo máximo de 90
dias contido no parágrafo único do art. 445 da CLT foi
excedido. Entretanto, será possível a contratação por 30
dias e a prorrogação por mais 60 dias, ou ser combinado
o pacto por 20 dias e a prorrogação por mais 70 dias, ou o
ajuste por 45 dias e a prorrogação por mais 45 dias.
Nesses casos, o prazo máximo foi observado e também
foi feita apenas uma única prorrogação. (grifos
acrescidos).
O Tribunal Superior do Trabalho também já pacificou seu entendimento,
plasmando-o na redação da Súmula nº. 188v, que “o contrato de
experiência pode ser prorrogado, respeitado o limite máximo de 90
(noventa) dias”.
III - Inexistência de estabilidade provisória frente à existência de
contrato de trabalho com prazo determinado
Em se tratando de contrato por prazo determinado, ambas as partes
sabem, de antemão, a data de sua extinção (boa-fé).
Igualmente, não se pode olvidar que o contrato de experiência diz
respeito a um período de avaliação mútua, sendo esta, inclusive, sua
razão ontológica, e, quando alcançado seu término, se uma das partes
decidir não continuar com a manutenção do contrato, a rescisão do
contrato se dará pelo alcance do termo prefixado, e não por dispensa
arbitrária ou sem justa causa.
A proteção à gestante é, pois, contra a dispensa arbitrária ou sem justa
causavi, institutos dos quais não se operam quando da rescisão do
contrato de trabalho pelo término do contrato de experiência, visto que
não há nem a arbitrariedade nem a ausência de justa causa, mas mero
advento do termo contratual, o que, de per si, justifica a rescisão.
Este é, também, um dos motivos pelos quais a empregada gestante não
possui direito à estabilidade provisória quando seu contrato de trabalho se
insere, por completo, num contrato de trabalho por prazo determinado na
modalidade de experiência.
Com este norte é o entendimento jurisprudencial consubstanciado na
redação do item III, da Súmula nº. 244, do colendo TST, in verbis:
Não há direito da empregada gestante à estabilidade
provisória na hipótese de admissão mediante contrato de
experiência, visto que a extinção da relação de emprego,
em face do término do prazo, não constitui dispensa
arbitrária ou sem justa causa.
No mesmo sentido é o entendimento de Alice Monteiro de Barrosvii, in
verbis:
Fato superveniente alusivo à gravidez da empregada, a
acidente do trabalho ou à circunstância de ter o obreiro
obtido o registro e sido eleito para o cargo de dirigente
sindical, de dirigente de CIPA ou de membro do conselho
curador do FGTS não tem o condão de se sobrepor ao
limite do contrato e assegurar a manutenção do emprego
a trabalhador considerado sem habilitação durante a
vigência do contrato de prova, por ferir os princípios da
razoabilidade e da boa-fé.
[...]
Não há, portanto, direito da empregada gestante à
estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante
contrato de experiência visto que a extinção da relação de
emprego, em face do término do prazo, não constitui
dispensa arbitrária ou sem justa causa (Súmula n. 244,
inciso III). Sustentamos que nos contratos determinados
não se obstou a aquisição da licença, pois a empregada
já sabia de antemão a data em que o contrato terminaria.
Por sua vez, Maurício Godinho Delgadoviii, após comentar sobre o
contingenciamento que o Direito do Trabalho impõe à licitude dos
contratos a termo e sobre a aplicação dos institutos da suspensão e da
interrupção nestas espécies de contrato, explica que
Os mesmos fundamentos inviabilizam [restrição e efeitos
da suspensão/interrupção contratual], efetivamente,
conferir-se incidência às garantias de emprego no âmbito
dos contratos a prazo. A prefixação de um termo final ao
contrato, em hipóteses legalmente já restringidas, torna
incompatível o posterior acoplamento de uma
conseqüência legal típica de contratos de duração incerta
– e que teria o condão de indeterminar o contrato,
alargando o lapso contratual por período múltiplas vezes
mais amplo do que o curto período licitamente pactuado.
(grifos acrescidos).
IV – Salário-maternidade
Apressamo-nos em consignar que o salário-maternidade não se confunde
com a licença-maternidade. Este é um direito trabalhista previsto no art.
7º, inc. XVIII, da CRFB/88, e aquele é um benefício previdenciário
regulamentado pelos arts. 71 a 73, da Lei nº. 8.213/91, e pelos arts. 93 a
103, do Decreto nº. 3.048/99.
O salário-maternidade da segurada empregada será devido pela
previdência social enquanto existir relação de emprego, observadas as
regras quanto ao pagamento desse benefício pela empresa (art. 72, §1º,
da Lei nº. 8.213/91 e art. 97, caput, do Decreto nº. 3.048/99).
Enquanto a gestante estiver atrelada a um vínculo empregatício, o
pagamento
do
salário-maternidade
será
realizado
pelo
próprio
empregador, que o compensará com a contribuição previdenciária
incidente sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou
creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço (art.
94, do Decreto nº. 3.048/99).
Portanto, mesmo que fatidicamente seja das mãos do empregador que a
empregada-gestante
receba
seu
benefício
previdenciário
(salário-
maternidade), na realidade este pagamento continua sendo efetuado pelo
INSS, mediante compensação.
No entanto, partindo-se da premissa de que o contrato de trabalho
firmado entre as partes é regular e que não se vale da faculdade legal
prevista no art. 472, §2º, da CLTix, o seu encerramento no termo não se
subsume, como visto alhures, às hipóteses de dispensa arbitrária ou sem
justa causa. A causa “justa”, ou a não-arbitrariedade, paira justamente na
consumação do prazo estabelecido em contrato, o qual já era de
conhecimento prévio das partes (término natural do contrato).
Portanto, por o motivo rescisório (lato sensu) não ser arbitrário ou sem
justa causa e por se tratar de contrato de trabalho por prazo determinado,
não há que se falar em garantia provisória de emprego para além do
prazo pré-fixado ao contrato (art. 10, inc. I, alínea “b”, do ADCT e Súmula
nº. 244, III, do TST).
Ainda, conforme Gustavo Filipe Barbosa Garciax, “a Convenção 103 da
Organização Internacional do Trabalho, promulgada pelo Decreto
58.820/1966, estabelece que em caso algum o empregador deverá ficar
pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas à mulher
gestante que emprega (art. IV, 8). A previsão tem por objetivo evitar a
discriminação na admissão e no ingresso da mulher no mercado de
trabalho”.
Destarte, diante do até aqui exposto, o ente juridicamente responsável ao
pagamento do salário-maternidade da empregada gestante que teve seu
contrato de trabalho rescindido pelo alcance do prazo previamente fixado,
com fulcro na interpretação extensiva do art. 97, parágrafo único, do
Decreto nº. 3.048/99, em face de a “dispensa” da empregada não ter sido
sem justa causa ou por motivo arbitrárioxi (termino de contrato a termo), é
o INSS.
De outra banda, por a licença-maternidade se tratar de uma causa
interruptiva (a doutrina não é uníssona) do contrato de trabalho, há três
correntes distintas que estudam os efeitos desta interrupção nos contratos
a termo.
A primeira entende que o contrato se extingue peremptoriamente no seu
prazo, sendo que as interrupções ou suspensões não têm o condão de
postergar o seu término (interpretação a contrario sensu do art. 472, §2º,
da CLT); a segunda defende que a causa interruptiva/suspensiva, quando
ultrapassar o termo previamente fixado, elastece o término do contrato até
o dia seguinte ao fim da interrupção/suspensão; e a terceira, por fim,
aplica-se quando há o acordo de que trata o art. 472, §2º, da CLT.
V – Conclusão
Com alicerce nos fundamentos acima, vê-se que o ente juridicamente
responsável pelo pagamento do salário-maternidade à empregada
gestante que teve seu contrato de trabalho rescindido pelo alcance do
prazo previamente determinado é o INSS, primus porque esta espécie de
rescisão contratual não se insere dentre as hipóteses de dispensa
arbitrária ou sem justa causa, secundus porque o empregador só tem o
dever de pagar o referido benefício, mediante compensação, enquanto
perdurar o vínculo empregatício, tercius porque se trata de um benefício
eminentemente previdenciário, quartus porque o simples fato de a aludida
empregada ter laborado num vínculo empregatício, independentemente
da extensão temporal do contrato ou da espécie rescisória incidente,
mantém sua qualidade de segurada por no mínimo 12 (dose) meses (art.
15, inc. II, da Lei nº. 8.213/91), ou quintus porque o salário-maternidade
devido às gestantes empregadas independe de período de carência (art.
25, inc. III, da Lei nº. 8.213/91).
Todavia, caso o empregador intentasse evitar um futuro prejuízo à
empregada gestante, quanto à possibilidade de indeferimento pelo INSS
do pretendido benefício, poderia adotar a teoria de que o término do
contrato
a
prazo
se
extende
ao
próximo
dia
útil
da
causa
interruptiva/suspensiva (licença-maternidade), arcando com o pagamento
do salário-maternidade, mediante compensação, sem, contudo, estar
limitado em seu poder potestativo de rescisão pela garantia provisória de
emprego (art. 10, inc. II, alínea “b”, do ADCT), porquanto o contrato
também se findará pelo alcance do termo (primeiro dia útil após o término
da licença-maternidade).
i
Advogado trabalhista especializando em Direito do Trabalho e
Processual do Trabalho pela PUC/PR – Curitiba.
ii
O que, pelo Tribunal Superior do Trabalho, não é considerado uma
dispensa arbitrária ou sem justa causa (Súmula 244, III, do TST).
iii
O que denota, implicitamente, a possibilidade de uma única
prorrogação.
iv
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas,
2007. p. 112.
v
Disponível
em:
http://www.tst.gov.br/jurisprudencia/Livro_Jurisprud/livro_html_atual.html.
Acessado em: 29/11/2010.
vi
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Art. 10. Até que seja
promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da
Constituição: [...] II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
[...] b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco
meses após o parto. (grifos acrescidos).
vii
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São
Paulo: LTr, 2010. p. 494.
viii
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 8. ed. São
Paulo: LTr, 2009. p. 503.
ix
Art. 472, §2º, da CLT: Nos contratos por prazo determinado, o tempo de
afastamento, se assim acordarem as partes interessadas, não será
computado na contagem do prazo para a respectiva terminação.
x
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 975-6.
xi
O que, por certo, impediria a própria rescisão.
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