NOVIDADES DAS ALTERAÇÕES AO REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E DA EDIFICAÇÃO
D.L. Nº 136/2014
Entra em vigor a 7 de janeiro de 2015 a nova redação do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE),
aprovada pelo D.L. nº 136/2014, de 9 de Setembro, que vem introduzir importantes alterações nos procedimentos
de controlo prévio, apostando na sua simplificação e na participação dos interessados na decisão administrativa,
através da redefinição de alguns conceitos e da delimitação de uma nova figura para a comunicação prévia.
Para além do mais, esta alteração visa reforçar a responsabilização dos intervenientes nas operações urbanísticas,
bem como das medidas de tutela da legalidade urbanística, e nesse sentido introduz importantes modificações na
consagração legal do poder de fiscalização da Autarquia e na responsabilidade civil extracontratual de todos os
intervenientes.
Assim, somos a enunciar algumas das principais alterações que vieram agora a ser introduzidas no RJUE:
- Alteração de Conceitos, concretamente do conceito de obras de reconstrução, eliminando-se a referência à
preservação das fachadas;
- Redefinição do âmbito dos procedimentos, muitas vezes retomando o modelo anterior como ocorre, por
exemplo, com a definição do licenciamento como procedimento regra e com a sujeição a licenciamento das
operações urbanísticas executadas em área abrangida por servidão administrativa ou restrição de utilidade
pública;
- Consagração da comunicação prévia com prazo como uma verdadeira comunicação, ausente de procedimento,
em que a Autarquia exerce um papel meramente verificativo competindo ao particular, inclusivamente, a
realização das consultas legalmente exigíveis. Esta nova configuração remete para momento posterior o efetivo
controlo da conformidade da operação urbanística com as normas legais e regulamentares vigentes em matéria de
ordenamento do território, urbanismo e construção;
- Exclusão da apreciação prévia do projeto de arquitetura no procedimento de licenciamento, no que respeita
aos aspetos interiores da edificação, sempre que se encontre junto ao mesmo termo de responsabilidade do seu
autor, salvo os casos em que não tenham sido respeitadas normas atualmente em vigor;
- Alteração do conteúdo do termo de responsabilidade a juntar nos pedidos de autorização de utilização, bem
como inclusão de um novo documento instrutório facultativo, o termo de responsabilidade do autor;
- Revisão de algumas regras específicas das operações de loteamento, nomeadamente, quanto à alteração da
licença e reversão de parcelas cedidas ao domínio público e, ainda, previsão de regras particulares quanto à
caducidade do licenciamento de operações de loteamento, de modo a evitar que os efeitos da mesma se
mantenham inalterados mesmo que a operação não chegue a concretizar-se, sem prejuízo de algumas
especificações que devem manter-se;
- Distribuição da responsabilidade civil entre os diversos intervenientes na execução de operações urbanísticas,
consagrando a responsabilidade solidária como o instituto regra;
- Organização das medidas de tutela da legalidade urbanística e previsão de medidas de restauração da
legalidade urbanística que privilegiam a legalização em detrimento da adoção de medidas de cariz mais gravoso,
como a demolição.
Conceitos:
O art. 2º do RJUE mereceu alterações pontuais, algumas quase impercetíveis, com o intuito de uniformizar alguns
conceitos e contribuir para uma melhor perceção dos mesmos: obras de reconstrução, alteração e ampliação.
É de notar apenas uma alteração significativa no que toca ao conceito de obras de reconstrução, que deixa de
distinguir a realização de obras “com preservação da fachada” ou “sem preservação da fachada” e introduz o
conceito de “estrutura da fachada”.
Ora, no que respeita à primeira alteração, verifica-se que a mesma acaba por se revelar pouco significativa, na
medida em que se cria a distinção entre obras de reconstrução com ou sem aumento da altura da fachada,
fazendo-se depender a sua execução, respetivamente, de licenciamento ou comunicação prévia. A ser assim, não
releva para o conceito a preservação das fachadas, desde que se preveja a reconstituição da sua estrutura, mas
releva para efeitos de determinação do procedimento, o aumento da sua altura – cfr. art. 4º, nº 2, alínea e) e nº 4,
alínea a) do RJUE.
Âmbito dos procedimentos:
O desenho dos procedimentos de controlo prévio previsto no RJUE não sofreu alterações significativas, mantendose a existência de três figuras distintas: o licenciamento, a comunicação prévia com prazo e a autorização. Todavia,
a comunicação prévia é, atualmente, uma verdadeira comunicação, não sendo configurada como um
procedimento administrativo.
Consideramos relevante enunciar as seguintes novidades no que toca ao âmbito dos procedimentos de controlo
prévio estabelecidos no RJUE:
-
O licenciamento volta a ser o procedimento-regra – cfr. alínea i) do nº 2 do art. 4º do RJUE, ou seja,
sempre que não se encontre expressamente previsto o procedimento de controlo prévio referente a uma
determinada operação urbanística ou não se encontre determinada a sua isenção, deve submeter-se a
mesma a licenciamento. A situação mais recorrente é a da utilização do solo para fins não exclusivamente
agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de água que integra o conceito de
operação urbanística (cfr. alínea j) do art. 2º do RJUE) mas não se encontra indicada no art. 4º
(licenciamento ou comunicação prévia) nem se encontra isenta de controlo prévio (art. 6º do RJUE).
-
Possibilidade de optar pelo licenciamento quando estejam em causa operações urbanísticas sujeitas a
comunicação prévia – cfr. nº 6, do art. 4º do RJUE. Note-se, neste ponto, que a opção tem de ser expressa
no requerimento inicial.
-
As operações urbanísticas realizadas em áreas sujeitas a servidão administrativa ou restrição de utilidade
pública estão, agora, sujeitas a licenciamento (cfr. alínea h) do nº 2 do art. 4º do RJUE), salvo expressa
previsão legal. Todavia, constata-se que mesmo que a operação urbanística tenha sido precedida de
pedido de informação prévia, a mesma não pode bastar-se com uma comunicação prévia.
-
Expressa sujeição a comunicação prévia das operações urbanísticas precedidas de pedido de informação
prévia, nos termos do nº 2 e 3 do art. 14º do RJUE. Esta referência consiste numa mera repetição do que
já decorre do art. 17º do mesmo diploma, mas parece-nos significativa do ponto de vista da elucidação e
da organização dos procedimentos.
-
A sujeição a licenciamento ou comunicação prévia não depende de qualquer especificidade do conteúdo
material do plano de pormenor, bastando que a operação urbanística se insira em área abrangida pelo
mesmo, à semelhança do que acontece com as operações de loteamento.
Comunicação Prévia:
O particular pode agora apresentar uma comunicação prévia e, mediante o pagamento das taxas devidas pela
operação urbanística, poderá iniciar a obra.
Esta comunicação prévia está sujeita a um saneamento mínimo, onde será verificada a correta instrução do
pedido, podendo ser proferido despacho de aperfeiçoamento, 8 dias úteis contados da apresentação do pedido,
quando não seja identificado o requerente, o pedido ou a localização da operação urbanística, ou ainda quando
falte documento instrutório exigível indispensável ao conhecimento da pretensão e cuja falta não possa ser
oficiosamente suprida. Nestes casos, a edilidade proferirá despacho de aperfeiçoamento convidando o particular a
completar/corrigir o seu pedido em 15 dias úteis.
Apresentando-se o pedido devidamente instruído, poderá o particular iniciar a obra, desde que proceda ao
pagamento de taxa.
Salienta-se, portanto, que não existe agora qualquer Ato de Admissão da Comunicação Prévia, só havendo lugar
à sua rejeição liminar, quando a mesma se demonstre indevidamente instruída, e o particular, para tanto
notificado, não a corrija.
Isto implica um aumento das responsabilidades dos técnicos e do próprio dono da obra. E daí que se tenha
assistido a uma inversão da anterior regra, voltando o procedimento de licenciamento a ser o procedimento tipo.
Acresce que, sendo uma operação urbanística objeto de comunicação prévia, pode agora o particular optar pela
sujeição a procedimento de licenciamento.
Apesar da celeridade deste procedimento, o particular deve assegurar o cumprimento da publicidade prevista no
art. 12.º do RJUE, procedendo à afixação do aviso a publicitar a apresentação do pedido.
Conforme foi já referido, a obra só poderá ser iniciada se o particular proceder ao pagamento das taxas. O cálculo
destas taxas é feito por autoliquidação, ou seja, é o próprio que liquida as suas taxas.
Assim, a titulação da comunicação prévia é agora feita por recurso a:
- comprovativo eletrónico da entrega;
- comprovativo do pagamento das taxas.
Com o início da obra, o particular deve afixar o aviso de início de obra no prazo de 10 dias, contados do pagamento
das taxas devidas por conta da operação urbanística.
Mantém-se a possibilidade de prorrogação do prazo de execução da obra, devendo o particular comunicar esta
prorrogação ao processo, sendo a mesma averbada na comunicação prévia existente. Tal como se mantém o
procedimento nas alterações em obra, devendo as mesmas ser objeto de comunicação prévia, se for este o
procedimento aplicável.
A Comunicação Prévia caduca nos mesmos moldes em que caducava anteriormente, nomeadamente por falta de
pagamento das taxas no prazo de 60 dias contados da apresentação da comunicação ou da sua correta
instrução.
Novidade agora é que deixa de existir comunicação prévia de obra inacabada. Agora, pretendendo concluir uma
obra, ao abrigo do art. 88.º do RJUE, o procedimento a aplicar é o do licenciamento, independentemente do
procedimento anterior ter sido o de comunicação prévia.
Na medida em que o saneamento é agora mínimo, as questões relacionadas com a conformidade da operação
urbanística com as normas legais e regulamentares, bem como a não precedência de pronúncia, obrigatória nos
termos da lei, das entidades externas competentes, ou não conformidade com essa pronúncia, será verificada em
sede de fiscalização sucessiva.
Procedimento de Licenciamento:
Ao nível do saneamento, existem novidades em relação ao prazo, passando para 8 dias úteis o prazo para a
edilidade rejeitar liminarmente o pedido, oficiosamente ou por indicação do gestor do procedimento, quando da
análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente contrário às normas legais ou
regulamentares aplicáveis.
As consultas podem ser dispensadas quando:
- a operação tenha sido objeto de consulta com apreciação favorável no âmbito de PIP, operação de loteamento
ou aprovação de plano de pormenor, exceto quando exista plano de salvaguarda que prescreva a necessidade
dessa consulta, ver 13.º n.º2 do RJUE;
- os projetos de arquitetura, os de especialidades e os pedidos de autorização de utilização, quando
acompanhados por termo de responsabilidade de técnico autor de projeto, que ateste o cumprimento das normas
legais e regulamentos em vigor, incluindo a menção ao plano municipal ou intermunicipal de ordenamento do
território em vigor ou licença de loteamento, ficam dispensados da apresentação de consultas, certificações,
aprovações ou pareceres, sem prejuízo da necessidade da sua obtenção quando legalmente exigida. 13.º n.º 9 do
RJUE.
Os pareceres só vinculam se tal vinculação estiver prevista na lei, (e) se fundamentarem em condicionamentos
legais ou regulamentares e se o parecer for recebido dentro do prazo previsto no n.º 5, ou seja, 20 dias contados
da disponibilização do processo. São três requisitos cumulativos para a vinculatividade dos pareceres.
Encontra-se agora previsto no art. 13.º-A do RJUE um procedimento para as situações em que a entidade
consultada precise de mais elementos para se pronunciar corretamente.
Estes pareceres são válidos por dois anos ou desde que não exista alteração dos pressupostos de facto ou de
direito em que tais pareceres se basearem.
Quanto à apreciação do projeto de arquitetura, temos agora que a junção de termo de responsabilidade do
autor do projeto de arquitetura no que respeita aos aspetos interiores da edificação constitui garantia bastante
do cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis, excluindo a sua apreciação prévia.
Autorização de Utilização:
Quanto à instrução do pedido, deixa de ser feita distinção quanto à instrução no caso de o pedido de autorização
de utilização ter sido antecedido de obras sujeitas a controlo prévio ou não. Assim, nada se dizendo, é de se
concluir que o mesmo é aplicável às duas situações.
Existem, ainda, alterações quanto ao conteúdo do termo de responsabilidade que agora tem também de atestar a
conformidade com os projetos de especialidade.
Ao nível instrutório temos:
- telas finais;
- termo de responsabilidade do diretor de obra ou diretor de fiscalização emitido nos termos do n.º1, 63.º;
- certificação legalmente exigida sobre a execução dos projetos de eletricidade e do gás;
- certificação, aprovação ou parecer sobre a execução dos projetos das especialidades que legalmente sejam
exigidos ou, em alternativa, com termo de responsabilidade emanada nos termos do n.º 10 do art. 13.º, do n.º 2
do art. 63.º e do n.º 3 do art. 64.º, todos do RJUE, acompanhada de declaração subscrita pelo autor do projeto ou
pelo diretor de obra/diretor de fiscalização de que tais elementos foram (ou serão) obtidos.
Operações de Loteamento:
a.
Procedimento de Alteração à licença de loteamento:
Agora, para efeito de oposição atende-se à área dos lotes, e portanto só existe oposição quando a maioria da área
dos lotes constantes do alvará de loteamento se opuserem. Há que atender à área total dos lotes e à área total dos
lotes opositores.
Contudo, para efeitos do 48º-A do RJUE, ou seja alterações sujeitas a comunicação prévia, a regra continua a ser a
da maioria dos proprietários. Não obstante parecer ter sido um lapso do legislador, não existe fundamento legal
que permita aplicar a mesma contagem às duas situações.
Outra novidade, é que a alteração à licença só com deliberação da Câmara Municipal passa a admitir agora a
variação do número de fogos até 3%.
b.
Especificações do Alvará de Loteamento:
É agora especificação do alvará de loteamento a definição de um prazo máximo para a conclusão das operações de
edificação previstas na operação de loteamento, não podendo tal prazo ser superior a 10 anos.
c.
Reversão:
Considera-se, agora, que não há alteração da afetação se as parcelas cedidas forem afetas a um dos fins do 44.º
n.1 do RJUE: espaços verdes públicos, equipamentos de utilização coletiva e infraestruturas.
d.
Caducidade da Licença de Loteamento:
Existe agora um novo motivo para a caducidade da licença de loteamento:
- o não início das obras de edificação no prazo previsto.
Quando a licença caduque por falta de concretização das edificações previstas para os lotes ou quando as obras de
urbanização não forem iniciadas/forem suspensas/ sejam abandonadas/não forem concluídas no prazo:
- mantém-se a regra de que a caducidade não produz efeitos para os lotes que disponham de pedido de
licenciamento deferido ou comunicação prévia apresentada;
- a caducidade também não produzirá efeitos quanto às parcelas cedidas para implantação de espaços
verdes públicos e equipamentos de utilização coletiva e infraestruturas que sejam indispensáveis àqueles
lotes; estas áreas terão de ser identificadas aquando da comunicação ao registo predial da caducidade do
licenciamento do loteamento.
- nas situações em que não tenham sido iniciadas as obras de edificação previstas na operação de
loteamento, a caducidade não produz efeitos quanto à divisão ou reparcelamento fundiário resultante da
operação de loteamento, mantendo-se os lotes constituídos por esta operação, a respetiva área e
localização e extinguindo-se as demais especificações relativas aos lotes.
Consagra-se, assim, a regra, que já era utilizada pelas Conservatórias do Registo Predial, de apagar apenas as
especificações do loteamento, mantendo-se as áreas cedidas ao domínio público ou privado municipal, e logo o
reparcelamento fundiário realizado.
Responsabilidade Civil:
O art. 100º-A foi aditado ao RJUE pelo D.L. nº 136/2014 e visa tornar mais clara a repartição da responsabilidade
pelos vários intervenientes no caso de violação dos deveres inerentes ao exercício da atividade desempenhada e a
que se encontrem obrigados.
Desde logo, o preceito normativo identifica as situações em que poderá ocorrer responsabilidade:
- operações urbanísticas sujeitas a controlo prévio mas desenvolvidas em violação das condições previstas na
licença, comunicação prévia ou autorização;
- operações urbanísticas realizadas sem controlo prévio ou em desconformidade com os seus pressupostos ou com
as condições previstas na lei para a isenção de controlo prévio;
- operações urbanísticas incompatíveis com instrumentos de gestão territorial.
Dependendo da situação concretamente ocorrida, o leque de responsáveis difere, procurando o legislador
esclarecer, em alguns casos, os conceitos utilizados: promotores, empreiteiro.
Contudo, em qualquer um dos casos, a regra é a da responsabilidade solidária, ou seja, cada um dos responsáveis
assume o total ressarcimento dos danos causados, cabendo-lhe direito de regresso sobre os restantes.
Note-se, por fim, que a aprovação do projeto de arquitetura e o exercício de tarefas de fiscalização municipal não
isentam os técnicos responsáveis da responsabilidade pela condução dos trabalhos em estrita observância pelas
condições da licença ou da comunicação prévia, ou seja, não afastam a responsabilidade civil que lhes é imputada
– cfr. art. 100º-A, nº 9 do RJUE.
Por último, uma breve referência ao instituto da responsabilidade civil da Administração Pública, patente no art.
70º do RJUE, que não sofreu alterações significativas. Contudo, parece-nos ser relevante realçar que o legislador
visou esclarecer os seguintes aspetos:
- a responsabilidade por ação e omissão é apurada nos termos gerais, ou seja, é feita uma remissão
genérica para a lei da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas públicas;
- há responsabilidade civil da Administração Pública sempre que decorram prejuízos da realização de
operações urbanísticas com base em atos de controlo prévio ilegais, desde que esteja em causa uma
conduta ilícita dos titulares dos órgãos e funcionários municipais;
- a regra também é da responsabilidade solidária, sendo que neste caso os responsáveis serão: o titular do
órgão administrativo que haja praticado o ato; os membros dos órgãos colegiais que tenham votado a
favor do ato; os trabalhadores que tenham prestado informação favorável à prática do ato; e, os
membros da câmara municipal que não promovam as medidas de reposição da legalidade sempre que
necessário.
Medidas de Tutela da Legalidade Urbanística:
Por sua vez, no que respeita às medidas de tutela da legalidade urbanística, o legislador introduziu aqui
importantes modificações, com a finalidade de permitir a regularização das operações urbanísticas ilegais sempre
que os interesses em causa, de natureza pública e também de natureza privada, não impeçam tal possibilidade.
Neste pressuposto, e em primeiro lugar, deve atentar-se à epígrafe do art. 102º do RJUE que se refere à reposição
da legalidade urbanística, o que confere uma maior amplitude ao conceito. Não se trata apenas de medidas de
tutela da legalidade, mas antes de medidas de reposição da legalidade, o que poderá passar pela tutela ou pela
regularização.
O art. 102º do RJUE começa por enumerar os fundamentos que justificam a adoção das medidas (nº 1) e as
medidas propriamente ditas (nº 2):
a)
b)
c)
d)
e)
f)
g)
o embargo;
a suspensão administrativa;
os trabalhos de correção ou alteração;
a legalização;
a demolição total ou parcial;
a reposição do terreno;
a cessação da utilização.
Todavia, atentas as medidas de tutela e reposição da legalidade urbanística e os seus regimes, facilmente se
constata que os mesmos não sofreram alterações de monta, sendo de realçar duas novidades essenciais:
- o nº 3 do mesmo normativo prevê a possibilidade da câmara municipal determinar a execução de obras de
conservação necessárias a garantir a segurança da edificação ou a determinar a demolição da construção,
independentemente da ilegalidade detetada. Esta faculdade pretende fazer face a situações de urgência que não
se compadeçam com a delonga dos processos tendentes à adoção de medidas de tutela da legalidade;
- legalização, cfr. art. 102º-A do RJUE.
A legalização, por consistir na mais importante alteração ao regime jurídico das medidas de tutela da legalidade,
merece-nos uma atenção especial. Assim:
Com a nova redação do RJUE conferida pelo D.L. nº 136/2014, o legislador procurou estabelecer um mecanismo
que, sendo um meio de restauração da legalidade que surge na sequência de uma situação ilegal, conceda ao
particular a possibilidade de obter a regularização das operações urbanísticas, permitindo alguma simplificação ao
nível procedimental e material.
Deste modo, a legalização pressupõe que o procedimento não deve ser exatamente igual aquele que precede a
realização de uma obra nova. Isto que dizer que a Câmara Municipal poderá delinear um procedimento específico,
que responda às necessidades de cada uma das situações detetadas.
No entanto, sempre que se revele necessário executar obras, a legalização correrá de acordo com os trâmites
previstos para o licenciamento e/ou comunicação prévia, com as adaptações que se revelem necessárias.
a.
Fundamento:
Apesar da vontade do legislador em garantir a restauração da legalidade sem lançar mão de medidas de tutela de
cariz mais gravoso para o particular, a verdade é que a legalização só será admissível se, verificada a situação de
ilegalidade, a Câmara Municipal conclua que:
- a operação urbanística foi executada em conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor;
- é possível assegurar a conformidade da operação urbanística com as disposições legais e regulamentares em
vigor, mediante a realização de trabalhos de correção ou adaptação.
Contudo, o legislador não esqueceu que muitas das situações clandestinas já se encontram executadas há vários
anos, ou até décadas, e nessa medida não são capazes de assegurar o cumprimento com as normas técnicas
atualmente em vigor. Assim, e na perspetiva de permitir que também essas situações possam beneficiar deste
procedimento, o legislador estabeleceu no nº 5 do art. 102º-A a faculdade de dispensa do cumprimento de normas
técnicas relativas à construção.
Esta dispensa ocorre apenas quanto às normas técnicas de construção – ou seja, não pode daqui resultar a
violação de qualquer instrumento de gestão territorial atualmente em vigor – e só será admissível quando seja
possível demonstrar que:
- o cumprimento das referidas normas técnicas revelou-se impossível de exigir ou a sua exigência não seja
razoável; e
- foram cumpridas as condições técnicas vigentes à data da realização da operação urbanística.
b.
Iniciativa:
A iniciativa para a legalização pode ser particular (nº 6) ou oficiosa (nº 1), sendo que neste último caso é a
edilidade que aprecia a situação concreta e, concluindo pela conformidade da mesma com as normas técnicas e
regulamentares vigentes, convida o particular a apresentar um pedido de legalização, concedendo um prazo para
o efeito.
Caso a iniciativa surja por parte da Autarquia, poderão desde logo ser indicados os elementos que devem ser
juntos com o pedido de legalização.
Por outra via, o particular pode dirigir-se à Autarquia questionando da possibilidade de legalização de uma
determinada operação urbanística. Neste caso, a edilidade está obrigada a responder, no prazo máximo de 15
dias, indicando os termos em que a mesma se deve processar.
c.
Instrução:
É neste ponto que se fazem notar as maiores diferenças no procedimento de legalização porquanto o mesmo
dependerá da realização, ou não, de obras. Assim, o procedimento de legalização deve ser instruído com os
elementos exigíveis em função da pretensão concreta do requerente.
Em consequência, pode afirmar-se que os elementos instrutórios variam consoante a operação urbanística em
causa, até porque, e naturalmente, o procedimento não tem de ser instruído com todos os elementos exigíveis na
realização de uma operação urbanística nova. Desde logo, o próprio legislador, no nº 4 do art. 102º-A do RJUE
determina quais os elementos que são dispensados quando não haja obras de ampliação ou de alteração a
realizar. Do mesmo modo, mas de forma mais genérica, o nº 3 do mesmo preceito dispõe que poderão ser
solicitados todos os documentos e elementos que se revelem necessários para garantir a segurança e a saúde
públicas.
Destarte, compete à edilidade a determinação dos elementos que devem instruir o pedido de legalização.
Para além do mais, e por último, resta atentar à faculdade concedida pelo nº 5 do art. 102º-A quanto às operações
urbanísticas que atualmente não cumpram com as normas técnicas em vigor, caso em que o requerente deverá
juntar documentos capazes de comprovar a data da construção.
Neste ponto, consideraram-se admissíveis todos os meios de prova admitidos por lei. Estes meios de prova serão
valorados nos termos legais e realizados apenas quando se demonstrem essenciais à fixação de data de construção
e não representem, no caso concreto, o recurso a expedientes meramente dilatórios. Só após a determinação
dessa data é que poderá verificar-se quais as normas técnicas aplicáveis às construções e cujo cumprimento pode
ser exigido.
d.
Cumprimento:
A legalização propriamente dita pode ser voluntária ou oficiosa (nº 8 e seguintes) – tal como acontece em
qualquer medida de tutela.
A legalização, quando voluntária, poderá abranger todo o tipo de operação urbanística, independentemente de
carecer ou não da realização de obras de ampliação ou de alteração.
Mas a legalização oficiosa só poderá ocorrer quando estejam em causa obras que não impliquem a realização de
cálculos de estabilidade.
e.
Título:
Os títulos das operações urbanísticas objeto de procedimento de legalização, com vista à salvaguarda de futuros
adquirentes de boa-fé, deverão conter as seguintes menções especiais:
a) Que a(s) operação(ões) urbanística(s) foi(ram) sujeita(s) ao procedimento de legalização;
b) Qual(is) a(s) operação(ões) urbanística(s) objeto de regularização;
c) O uso da faculdade concedida pelo n.º 5 do art. 102.º - A do RJUE, quando aplicável.
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D.L. Nº 136/2014