> Doutrina
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Legalização – Dúvidas práticas
sobre a aplicação do Regime Jurídico
da Urbanização e Edificação
Resumo
Segundo o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, o procedimento de legalização não existe. Contudo, a experiência dos
municípios e dos tribunais diz o contrário – a legalização existe
e é utilizada frequentemente. O enquadramento legal das obras
de edificação baseia-se na presunção de que os requerentes
solicitam os títulos de construção antes de realizarem as obras.
Mas quando as obras já se encontram executadas e estes vêm
solicitar a legalização a posteriori, o procedimento para obtenção
do título de construção suscita dúvidas e acarreta incoerências.
Assim, pretende-se neste artigo identificar os conflitos decorrentes desta situação e ponderar as possíveis adaptações aos
procedimentos regulares.
Introdução
Segundo o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, o procedimento de legalização
não existe. Contudo, a experiência dos municípios e os tribunais diz o contrário – a legalização
existe e é utilizada frequentemente. O enquadramento legal das obras de edificação baseiase na presunção de que os requerentes solicitam os títulos de construção (alvará de licença
de construção ou recibo de aceitação da comunicação prévia) antes de realizarem as obras.
Contudo, quando as obras já se encontram acabadas e estes vêm solicitar a legalização a
posteriori, o procedimento para obtenção do título de construção suscita inúmeras questões
práticas. O sistema de controlo urbanístico em vigor não prevê um regime específico para a
legalização de construções, determinando que o processo seja instruído e analisado segundo
os pressupostos do licenciamento, comunicação prévia ou autorização “regulares”.
Ainda que a expressão “legalização” não seja utilizada formalmente, é o termo
genericamente usado para se referir à reposição da legalidade administrativa de uma
operação urbanística sujeita a licença, objeto de comunicação prévia ou autorização de
utilização. Trata-se, portanto, de um procedimento encetado extemporaneamente e para o
qual, à falta de um regime próprio, é preciso adaptar as disposições do Regime Jurídico da
Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, com
sua atual redação, dada pelo Decreto-lei n.º 26/2010, de 30 de março (doravante RJUE).
Perante a evidência de terem sido realizadas obras de urbanização, edificação ou
trabalhos de remodelação de terrenos sem a necessária licença ou admissão de comunicação
prévia, em desconformidade com o respetivo projeto ou com as condições do licenciamento
ou comunicação prévia admitida1 (salvo as alterações executadas em obra), o proprietário
ver-se-á obrigado a repor a legalidade da operação urbanística executada.
O artigo 102.º prevê também que possam ser aplicadas as normas de reposição da legalidade urbanística às obras
de demolição. No entanto, terá sentido falar de “legalização de obras de demolição” quando o único propósito
deste procedimento é justamente evitar a demolição? Apesar desta aparente incongruência, e no sentido de
promover a igualdade de tratamento e não fomentar situações de ilegalidade, o particular deve ser convidado a
requerer a respetiva licença de demolição. Obviamente que, não sendo as obras detetadas atempadamente pela
Fiscalização Municipal esta imposição poderá revelar-se um contrassenso.
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Advém a possibilidade de legalização concretamente do artigo n.º 2 do artigo 106.º,
conferindo ao proprietário a possibilidade de evitar a demolição de uma obra se esta for
suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia ou se for possível assegurar
a sua conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis
mediante a realização de trabalhos de correção ou alteração. Isto é, a única coisa que obsta
à demolição da obra já construída será a eficaz emissão da respetiva licença de construção
ou admissão de comunicação prévia referente à operação urbanística em causa.
Já a autorização de utilização2 é um procedimento com finalidade distinta e complementar,
que só pode ser encetado se a construção tiver sido legalmente erigida3, e depois de
emitida, confere ao particular o direito irrevogável de utilizar e transacionar o imóvel. É
nesta fase que se verifica a conformidade da obra concluída com o projeto aprovado e com
as condições do licenciamento ou da comunicação prévia. Verifica-se ainda hoje que em
muitos casos, os requerentes de processos de licenciamento antigos não solicitaram a
devida autorização de utilização após a conclusão da obra, por alegado desconhecimento.
O âmbito da legalização serve também o propósito de oposição à situação de cessação
de utilização prevista no artigo 109.º do RJUE ou seja, quando os edifícios ou suas frações
autónomas sejam ocupados sem a necessária autorização de utilização ou quando estejam
a ser afetos a fim diverso do previsto no respetivo alvará. Para evitar a cessação de utilização
o particular terá de obter a respetiva autorização de utilização ou a autorização de alteração
de utilização, ainda que o faça a posteriori.
Será pertinente referir que a apresentação dos pedidos de legalização nem sempre
se prende com a “ameaça” de demolição ou cessação de utilização. Existem outras duas
razões, até mais frequentes, que levam os particulares a apresentar o pedido de autorização
de utilização: a necessidade de alienar o imóvel ou para formalizar a sua apresentação
junto de uma entidade financiadora ou fiscalizadora (sendo o caso mais frequente o da
Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, para os estabelecimentos comerciais).
Coexistem hoje situações urbanísticas consolidadas cuja legalidade é, por vezes,
difícil de apurar. Os meios informáticos à disposição da gestão urbanística das autarquias
não são, em alguns casos, suficientes para o apuramento da condição de legalidade de
determinada edificação. Ou seja, perante um território onde existem várias edificações,
algumas autarquias não têm ainda hoje meios para distinguir com segurança entre as
construções legais e as ilegais. Por vezes a única forma de identificação de processos
depende do conhecimento do nome do requerente do procedimento, que nos processos
anteriores a 1991 poderia nem ser o legitimo proprietário. Isto porque só desde a vigência
do Decreto-lei n.º 445/91, de 20 de novembro é solicitado documento comprovativo da
qualidade de titular de qualquer direito que confira a faculdade de realização da operação.
A referenciação geográfica dos processos de obras, ou seja, o cruzamento de informação
entre o arquivo e os sistemas de informação geográfica, permite ultrapassar esta questão.
Contudo, esta é uma possibilidade difícil de alcançar em municípios mais pequenos.
Os atuais proprietários manifestam muitas vezes desconhecimento sobre a existência
de processos anteriores, situação justificada pelo tempo decorrido desde a construção do
imóvel e/ou por terem herdado os mesmos sem conhecimento desse facto. Torna-se então
pertinente colocar a questão de, no caso de nenhuma das partes conseguir identificar um
processo anterior que se suspeita existir, a quem pertence essa responsabilidade? Cabendo
ao proprietário provar que a licença poderá ser concedida ou a comunicação prévia admitida
Nas anteriores redações do RJUE era denominada licença de utilização.
Considera-se legalmente erigida uma operação urbanística para a qual tenha sido emitida licença de construção,
admitida a comunicação prévia, seja obra isenta de controlo prévio ou anterior à obrigatoriedade de obter licença.
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(única ação que lhe permite opor à demolição da obra) a ele caberá também a prova dos
factos impeditivos do direito invocado4.
Os motivos apontados pelos requerentes para a execução de obras ilegais prendemse com o desconhecimento da lei, informação errada fornecida pelo construtor, direitos
ilimitados sobre a propriedade, necessidade extrema e dificuldades económicas. No
entanto é percetível que um dos motivos subjacentes à prática ilícita de construir sem
título tem a ver com os vários fatores pecuniários que lhe são favoráveis. Um processo de
licenciamento ou comunicação prévia tem custos elevados, implica um grande esforço
pessoal, pode impor alterações à obra desejada e é inevitavelmente moroso.
Outro fator preponderante para o munícipe na decisão de executar obras clandestinas
é o cálculo de risco dessa infração ser detetada em tempo útil. Talvez também por isso
se verifique uma maior incidência de legalizações no espaço rural e genericamente em
situações de menor visibilidade. A comparação de fotografias aéreas em períodos regulares
abre a possibilidade de complementar a ação da fiscalização municipal e garantir um
maior controlo sobre a ocupação do território – contudo, este recurso parece ainda não ser
utilizado em Portugal com carácter fiscalizador.
Para a autarquia, um pedido de legalização de uma operação urbanística já consolidada
demonstra a insuficiência do seu sistema de fiscalização. Incómodos são também os casos
das operações urbanísticas ilegalizáveis, ou seja, aquelas que não conseguem assegurar a
“conformidade com as disposições legais e regulamentares que lhe são aplicáveis mediante
a realização de trabalhos de correção ou alteração”, visto a única medida prevista para
estes casos ser a demolição ou reposição da anterior condição do terreno. O prejuízo que
isso representa para o particular, o investimento económico que implica para a autarquia e
o constrangimento pessoal de todos os envolvidos no processo - dos técnicos aos políticos
- ditam uma inevitável benevolência para com os processos de legalização. Sendo a boa
gestão urbanística um interesse difuso comparado com estes pressupostos individuais,
ambos os lados procuram argumentos, nem sempre devidamente fundamentados, para
evitar a reposição material da legalidade urbanística.
Como se faz, e muito bem, notar no acórdão no Acórdão do Pleno de 29.05.20075, o sistema
do licenciamento de obras gizado pelo DL 445/91 (mantendo-se no atual RJUE) pressupõe que o
licenciamento precede a construção, e que quem pede a aprovação de projeto correspondente
a obras já realizadas não pretende uma autorização para exercer o direito de construir, mas
uma aprovação para manter o ilegalmente realizado por falta de prévio licenciamento. O facto
de a legalização partir da prática de um ato ilícito leva à necessidade de ponderar o grau
de exigência na instrução e apreciação do processo, no sentido de atender ao princípio da
proporcionalidade mas, ao mesmo tempo, evitar o benefício do infrator por ter realizado
obras operações urbanísticas sem o devido controlo prévio.
A estrutura deste artigo segue uma matriz sequencial das dúvidas que podem surgir ao
longo do processo administrativo de legalização, para obtenção do título de construção
e autorização de utilização. Os capítulos seguintes incidem não só sobre questões
controvertidas mas também sobre outras matérias processuais de menor relevo, geralmente
ausentes na jurisprudência e doutrina, mas relevantes para os técnicos (privados e
municipais), bem como para os proprietários.
OLIVEIRA, Fernanda Paula, LOPES, Dulce (2005) - Direito do Urbanismo: Casos Práticos Resolvidos. Coimbra:
Almedina, pp. 176.
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Ac. STA de 29/05/2007, Proc. N.º 761/2004.
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I. Apreciação Liminar
A apreciação liminar é o momento em que é realizada a verificação da entrega e
conformidade dos elementos instrutórios exigíveis, definidos atualmente na Portaria n.º
232/2008, de 11 de março. Se a solicitação de alguns elementos instrutórios já não fazem
sentido quando a operação urbanística se encontra executada, deverá ter-se em atenção
o pressuposto de não favorecimento do infrator, nomeadamente se este representar
um benefício pecuniário. A apreciação liminar realizada pelo técnico municipal obriga,
à partida, a uma decisão sobre o tipo de procedimento aplicável, sobre os elementos
instrutórios passíveis de dispensa e as alterações que podem ser permitidas ou devem ser
solicitadas aos mesmos, no sentido de diminuir a incongruência com a situação urbanística
consumada. Seguem-se algumas considerações sobre os elementos instrutórios que podem
exigir ponderação sobre a exigência de entrega ou adaptação do conteúdo.
a) Requerimento/Procedimento
No âmbito de aplicação, o RJUE determina de forma impositiva quais as operações
urbanísticas sujeitas a licença ou a comunicação prévia, não conferindo ao requerente a
possibilidade de escolher entre estes dois procedimentos de controlo prévio. A alteração do
RJUE pela Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro (e mantida no Decreto-lei n.º 26/2010, de 30 de
março), veio alargar substancialmente o número de situações abrangidas por comunicação
prévia. Mesmo nos procedimentos regulares verifica-se alguma relutância por parte dos
privados na formalização da comunicação prévia, por esta exigir a entrega imediata dos
projetos de especialidades e documentos complementares do construtor – esta exigência
representa um esforço económico inútil se o projeto de arquitetura não respeitar as normas
legais e regulamentares em vigor e o pedido for inviabilizado.
Por isso, frequentemente é questionado se a legalização de obras atualmente no âmbito
da comunicação prévia terá mesmo de reger-se por este procedimento? A resposta terá de ser
afirmativa, dado que o n.º 2 do artigo 106.º do RJUE prevê especificamente que a demolição
pode ser evitada se a obra for suscetível de ser licenciada ou objeto de comunicação prévia.
De acordo com a alínea a) do n.º 11 do artigo 11.º do RJUE se o requerente instruir um processo
de licenciamento em vez de comunicação prévia, este (deverá)é ser notificado no sentido de
declarar se pretende que o procedimento prossiga na forma legalmente prevista devendo,
em caso afirmativo, juntar os elementos em falta. Tratando-se de uma legalização, poderá o
requerente recusar? Como já foi referido, a verificação da conformidade da construção com
as disposições legais e regulamentares só pode ser sancionada com a emissão do título de
construção. Com este pressuposto, entende-se que qualquer ação ou omissão do requerente
que evite o correto desenrolar do processo não afasta a possibilidade de demolição da obra.
Uma das diferenças entre o licenciamento e a comunicação prévia é a consequência
decorrente da ausência de resposta por parte da administração. Para os procedimentos
regulares solicitados a priori, o artigo 111.º do RJUE prevê situações distintas. Na comunicação
prévia, decorrido o prazo previsto para resposta da autarquia, a pretensão pode ser considerada
tacitamente aceite. No entanto, no caso do licenciamento tal só poderá acontecer após a
intimação judicial para a prática de ato legalmente devido conforme decorre da aplicação do
artigo 112.º do RJUE. Poderá assim o requerente assumir que se encontra tacitamente legalizada
a respetiva operação urbanística se a administração não responder no tempo devido?
Neste ponto a jurisprudência tem vindo a pronunciar-se reiteradamente6 no sentido de
afastar a possibilidade da legalização de obras edificadas fazerem uso da figura jurídica
Ac. STA de 5/2/2003, pr. n.º 01005/02; Ac. STA do Pleno de 31/3/1998, rec. 39.598; Ac. STA, de 1/10/1992, pr.
48.295; Ac. STA de 23/10/1997, pr. n.º 36.957; Ac. STA de 13/01/1999, pr. n.º 44.069.
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do deferimento tácito. Isto porque a celeridade que se visava imprimir ao funcionamento
da Administração tem em especial conta o interesse dos particulares numa decisão pronta
que os habilite a iniciar as obras projetadas; mas já o interesse nessa prontidão se torna
irrelevante ou indigno de tutela jurídica numa situação em que o particular se colocou numa
situação ilícita, construindo sem licença.7 Considerou-se ainda nestes casos que, ao silêncio
da administração, não será aplicável o regime de licenciamento de obras particulares mas
antes o regime geral previsto no artigo 109.º, do CPA (indeferimento tácito)8. Quer isto dizer
que, independentemente do procedimento ser o licenciamento ou da comunicação prévia,
o requerente não poderá beneficiar do valor positivo do silêncio da administração, tendo
necessariamente de aguardar a decisão favorável da autarquia, única garantia capaz de
evitar a demolição. Esta posição é sublinhada pela redação do n.º 5 do artigo 113.º do RJUE
- o deferimento tácito confere ao particular a possibilidade de iniciar os trabalhos. Ora, já
estando os trabalhos concluídos não se reveste de sentido o deferimento tácito na situação
de legalização.
No procedimento para obtenção da autorização de utilização teve o Supremo Tribunal
Administrativo no Acórdão de 11/02/20039 um entendimento diferente, admitindo
neste caso poder ser invocado o deferimento tácito. Embora concordando com esta
interpretação genérica no sentido afirmativo, crê-se no entanto poder constituir válido
impedimento à emissão do alvará de utilização, por exemplo, o facto de as obras não se
encontrarem concluídas ou se vier a verificar que o projeto não cumpriu com as condições
do licenciamento ou comunicação prévia, como decorre da explícita redação do n.º 1 do
artigo 62.º do RJUE. Muito frequentemente a autorização de utilização, especialmente nas
situações em que o promotor pretende alienar os edifícios ou suas frações, é requerida
sem as obras se encontrarem concluídas. Isto porque a apresentação do requerimento da
autorização de uso poderá (após decorridos 50 dias e na ausência de embargo ou decisão
desfavorável da câmara), constituir a base para a celebração de escrituras públicas que
envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas frações autónomas,
em conformidade com as condições do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 281/99, de 26 de julho
No caso de o requerente, porventura, antecipar o pedido de autorização de utilização,
julga-se só poder fazer uso do deferimento tácito a partir do momento em que se verifique
efetivamente a conclusão da obra.
b) Calendarização
Nos procedimentos de efetivo controlo prévio, a calendarização exigida na alínea h) do
artigo 11.º da portaria n.º 232/2008, de 11 de março tem como objetivo definir o prazo de
validade da licença de construção e, por consequência, serve de suporte para o cálculo
do montante das taxas municipais. Cabe ao técnico autor do projeto sugerir a respetiva
calendarização, devendo esta refletir o tempo de execução das obras. Servindo para calcular
o valor das taxas do título de construção verifica-se nos processo de legalizações haver
tendência para o técnico autor do projeto de arquitetura indicar um prazo substancialmente
reduzido (por vezes inverosímil) para a “execução da obra”. À falta de um regulamento
municipal que preveja esta situação, poderá o técnico municipal exigir na apreciação liminar
a correção da calendarização para um prazo razoável? Ainda podendo existir margem para
alguma discricionariedade na definição do prazo, não o fazer seria beneficiar largamente o
infrator perante o requerente cumpridor, que obtém o título de construção antes de executar
a operação urbanística. Não havendo indicações no RJUE sobre a matéria, poderá caber aos
Ac. STA de 13/2/92, pr. n.º 29.568.
Ac. STA de 25/9/2008, pr. n.º 0158/08.
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Ac. STA de 11/2/2003, pr. n.º 01941/02.
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regulamentos municipais estabelecerem ou mesmo tipificarem as situações e os respetivos
prazos de execução.
c) Estimativa de custo
A estimativa de custo da operação urbanística tem como único objetivo verificar
se o alvará do construtor é adequado ao montante da obra. Portanto, a exigência deste
documento só fará sentido se houver lugar à apresentação do referido alvará. Apesar de
a dispensa de apresentação do alvará do construtor se traduzir num benefício pecuniário
para o infrator, crê-se, pelos motivos enunciados mais à frente neste artigo, ser também
coerente dispensar, por consequência, a entrega da estimativa de custo nos procedimentos
de legalização.
d) Termo de responsabilidade
O termo de responsabilidade na redação estipulada no anexo I da Portaria n.º 232/2008,
de 11 de março, impõe a obrigatoriedade de o técnico subscritor do projeto de arquitetura
se assumir como autor do mesmo. Sendo uma situação raramente adequada à realidade
nos casos de legalização, poderá aceitar-se um termo de responsabilidade cujo autor negue
identificar-se como autor do projeto? Não parece advir daí grande inconveniente, uma vez
que o objetivo central deste documento é assegurar o cumprimento dos normativos legais
e regulamentares.
Ainda sobre o termo de responsabilidade, prevê o n.º 5 do artigo 10.º do RJUE, que os
autores e coordenador dos projetos devem declarar, nomeadamente nas situações previstas
no artigo 60.º, quais as normas técnicas ou regulamentares em vigor que não foram
observadas na elaboração dos mesmos fundamentando as razões da sua não observância.
Constata-se recorrentemente nos processos de legalização, que os técnicos autores do
projeto de arquitetura não querem assumir perante o requerente a iniciativa de propor
obras de alteração para dar cumprimento às normas em vigor. Na maioria dos processos, o
projeto de arquitetura de uma obra a legalizar corresponde na íntegra à situação construída,
independentemente de cumprir ou não com o quadro legal em vigor. A expectativa do
técnico autor do projeto é que o técnico municipal determine quais as obras (mínimas e
indispensáveis) para ultrapassar o incumprimento de determinadas disposições legais.
Como tal, no termo de responsabilidade os técnicos apresentam muitas vezes
fundamentações desprovidas de validade, como seja a impossibilidade económica dos
requerentes para a realização de obras de alteração, a longevidade do uso da edificação,
entre outras. Atendendo ao facto de o técnico em questão declarar não ser o autor do projeto
poderá aceitar-se a escusa de mencionar a conformidade com determinadas normas legais
e regulamentares em vigor? Julga-se que a questão da autoria deverá ser dissociada da
responsabilidade técnica. Como tal, esse facto não desobriga o técnico autor (ou não) de
mencionar o cumprimento ou incumprimento das normas legais ou regulamentares em vigor,
assistindo-lhe a possibilidade/dever de as mencionar e justificar no respetivo termo de
responsabilidade. Nesse sentido, no caso de legalizações cujos projetos não apresentem à
partida as alterações necessárias para cumprimento dessas normas poderá também proporse a sanção por falsas declarações prevista na alínea e) do artigo 98.º do RJUE.
e) Plano de acessibilidades
O Decreto-lei n.º 163/2006, de 8 de agosto estabelece em anexo normas técnicas para
a melhoria da acessibilidade de pessoas com mobilidade condicionada. Este diploma dita
no seu n.º 1 do artigo 3.º que as câmaras municipais indeferem o pedido de obras em
edifícios, estabelecimentos e equipamentos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação
quando estas não cumpram com os requisitos técnicos aí estipulados. Contudo a redação
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deste diploma reporta-se sempre ao termo construções existentes. Quererá isto dizer que os
edifícios existentes, ainda que não se encontrem legalizados, poderão usufruir dos regimes
particulares dos seus artigos 9.º e 10.º? Ainda que a expressão construções existentes seja
menos específica e mais abrangente do que as edificações construídas ao abrigo do direito
anterior, a questão subjacente será sempre o facto de uma construção ilegal poder ou não
ter direitos adquiridos. Afastando o RJUE essa hipótese, por força da redação do n.º 1 do
seu artigo 60.º, a legalização das operações urbanísticas abrangidas pelo Decreto-lei n.º
163/2006 terá necessariamente de lhe dar cumprimento. Julga-se que não poderá, por isso,
dispensar-se a entrega do respetivo plano de acessibilidades.
II. Apreciação do projeto de arquitetura
A análise de um procedimento de legalização implica abordar transversalmente a
controvertida questão da aplicação da lei no tempo. As obras de urbanização e edificação têm
a especificidade de serem situações jurídicas de execução duradoura, ou seja, produzirem
efeitos que perduram no tempo. Os diplomas legais de controlo urbanístico em Portugal
conheceram, ao longo do tempo, alterações substanciais no seu âmbito de aplicação. Por
isso, antes de encetar qualquer procedimento de legalização será relevante, em primeiro
lugar, averiguar se à data da sua construção estaria o privado obrigado a encetar qualquer
procedimento administrativo. A sucessão de diplomas de âmbito territorial distinto e a
oscilação do RJUE no campo das operações urbanísticas isentas de controlo prévio pode
gerar algumas dúvidas sobre esta matéria. Estando confirmado tratar-se de uma operação
urbanística ilegal, naturalmente, o pedido de legalização deve ser formulado e instruído de
acordo com o regime jurídico em vigor à data do requerimento, independentemente da data
em que foi executada a operação urbanística.
a) Verificação da exigência de licença
Perante a dúvida se é necessária a legalização de determinada construção existente,
importa, em primeira instância, apurar se à data de execução da obra era exigido ao privado
título de construção.
Não havendo participação ou embargo das obras ilegais surge muitas vezes a
dificuldade de o município aferir a sua data de execução. Para estabelecer a antiguidade das
operações urbanísticas, designadamente anteriores ao Regulamento Geral as Edificações e
Urbanização poderão ter-se em conta alguns indícios, como as manchas de implantação em
plantas antigas, o ano de inscrição na matriz presente na caderneta predial ou na certidão
da Conservatória do Registo Predial.
As dificuldades são maiores quando se trata da legalização de operações urbanísticas
sem expressão na mancha de implantação, como é o caso da ampliação em altura ou
construção de muros, por exemplo. Sempre que a datação seja determinante poderá,
eventualmente, solicitar-se a colaboração da Junta de Freguesia que, reunindo testemunhas
presentes à data dos factos, declare a data aproximada da execução da obra.
Depois de conhecida a data, haverá de ter em atenção o âmbito de aplicação do
diploma de controlo prévio em vigor na altura da execução da operação urbanística, visto
a obrigatoriedade de obter licença de construção não ser simultânea em todo o território
nacional. É por isso imprescindível averiguar se existia efetivamente essa obrigação em
cada caso, em função da sua localização.10
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Sobre isso foi discutido no Ac. STA de 12/12/2006, pr. n.º 0644/06.
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A edificação começou por ser uma atividade livre de constrangimentos de direito
público11. A obrigatoriedade de submeter a execução de obras a prévio licenciamento
administrativo advém do Decreto de 31 de dezembro de 1864, mas o seu âmbito de aplicação
restringia-se apenas às cidades de Lisboa e Porto. O Regulamento de Salubridade das
Edificações Urbanas, por força do Decreto de 14 de fevereiro de 1903, adota também essa
delimitação territorial, mantendo-se este quadro praticamente inalterado até à aprovação
do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), pelo Decreto-lei n.º 38382 de 7
de agosto de 1951. O âmbito de aplicação territorial o RGEU abrange de imediato as
operações urbanísticas dentro do perímetro urbano e das zonas rurais de proteção fixadas
para as sedes de concelho. Fora dessas zonas e localidades aplica-se apenas a partir de
deliberação municipal (variando a data de município para município) e, em todos os casos,
às edificações de carácter industrial ou de utilização coletiva. Este pressuposto estendese durante a vigência do Decreto-lei n.º 166/1970, de 15 de abril, que vigorou até 20 de
fevereiro de 1992.
Para averiguar da clandestinidade de uma construção neste período de tempo deverá
ter-se em conta a delimitação do núcleo urbano e limite das zonas rurais à época. Os
perímetros urbanos dos atuais Planos Diretores Municipais nem sempre serão coincidentes
com a delimitação dos núcleo urbanos daquela época. Com a entrada em vigor do Decretolei n.º 445/91, de 20 de novembro desaparece essa distinção territorial e o regime jurídico de
urbanização e edificação passa a aplicar-se genericamente a todas as obras de construção
civil. O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, estabelecido pelo Decreto-lei n.º
555/99, de 16 de dezembro vem trazer algumas alterações de âmbito, nomeadamente por
reunir num só diploma as obras de construção civil e as operações de loteamento.
A alteração ao Decreto-lei n.º 555/99 pela Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro (e mantida
no Decreto-lei n.º 26/2010, de 30 de março), vem alargar substancialmente o espectro das
operações urbanísticas passíveis de execução sem controlo prévio. As intituladas obras
isentas, abrangem neste momento, por exemplo, a construção de muros não confinantes com
a via pública, a alteração interior de edifícios, edificação de pequenos anexos ou a construção
de equipamentos lúdicos. Numa primeira fase de aplicação da Lei n.º 60/2007, e muito por
conta da divulgação na comunicação social, gerou-se a ideia de que estas pequenas obras
isentas poderiam ser realizadas em qualquer circunstância. Contudo, o n.º 8 do seu artigo 6.º
esclarece que o disposto nesse artigo “não isenta a realização de operações urbanísticas nele
previstas da observância das normas legais e regulamentares aplicáveis (…)”.
Perante esta oscilação no âmbito de aplicação do RJUE, coloca-se uma outra questão:
as obras executadas antes da Lei n.º 60/2007 que agora sejam consideradas obras isentas
de controlo prévio, carecem de legalização? Ainda que a Lei, por norma, não tenha efeitos
retroativos, neste caso, seria um contrassenso exigir a formalização do pedido de legalização
para, de seguida, informar o requerente da extinção do procedimento com base no disposto
na alínea c) do n.º 11.º do artigo 11.º do RJUE. Uma vez que o legislador entendeu agora
isentar a realização das obras a que se refere o seu artigo 6.º, e aplicando a norma mais
favorável, pode-se considerar que, independentemente de quando foram realizadas, estas
operações urbanísticas encontram-se implicitamente legalizadas para o futuro.
Uma vez apurado que a construção estava obrigada a controlo prévio, que atualmente a
operação urbanística não está isenta e não tendo sido identificado qualquer processo para
qual tenha sido obtido título de construção referente às obras em apreço, pressupõe-se ser
uma operação urbanística ilegal.
Sobre a evolução histórica do direito do urbanismo português ver FOLQUE, André (2007). Curso de Direito da
Urbanização e Edificação. Coimbra: Coimbra Editora, pp. 15.
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> Doutrina
b) Normas legais e regulamentares em vigor
Uma das dúvidas mais recorrentes nos procedimentos de legalização está em saber
qual o quadro jurídico a ter em conta na apreciação do projeto de arquitetura. Mesmo nos
processos regulares, denota-se existirem posições divergentes sobre o momento exato
sobre o qual se verifica a conformidade do projeto de arquitetura com as normas legais
e regulamentares em vigor: a data em que o particular apresenta o requerimento12, a data
da aprovação do projeto de arquitetura13 e a data de emissão do título de construção14. O
tempo que decorre entre cada um dos momentos é considerável e poderá por em causa a
validade do ato administrativo. Embora interessante e relevante, esta controvertida matéria
desvia-se do âmbito específico deste artigo.
Por pressão dos privados, em períodos da entrada em vigor de novas disposições legais e regulamentares,
pode haver a tentação de serem consideradas válidas as normas legais e regulamentares em vigor à data em que
o interessado apresenta o requerimento à administração. Embora seja um entendimento justo para o particular
quando a autarquia ultrapassa os prazos de resposta previstos, esta posição não se reveste de validade jurídica.
Isto é, se a administração não cumprir com o prazo estabelecido para se pronunciar sobre o projeto de arquitetura
e entretanto entrar em vigor um novo instrumento de planeamento que inviabilize a pretensão ou dite a suspensão
do procedimento, o particular foi dupla e irreversivelmente prejudicado. Embora pareça razoável considerar a data
do requerimento na apreciação do projeto de arquitetura quando a autarquia excede o prazo de resposta, este
entendimento contraria claramente o disposto no artigo 67.º do RJUE.
Importa ainda sublinhar que o princípio subjacente à contagem de prazos para efeitos de deferimento tácito
não tem necessariamente a ver com o tempo da verificação da conformidade do projeto com as normas legais e
regulamentares em vigor. Esta ideia é também refutada pela situação prevista no artigo 12.ºA do RJUE que dita a
suspensão dos procedimentos de informação prévia, licenciamento, comunicação prévia que incidam sobre áreas
a abranger por novas regras urbanísticas, a partir da data fixada para o início do período de discussão pública até
à data da entrada em vigor daquele instrumento. Ora, não terá sentido suspender o procedimento se a verificação
das normas legais e regulamentares tivesse em conta a data do requerimento, que lhe é necessariamente anterior.
No sentido de evitar o prejuízo do privado pela entrada de novas exigências inesperadas, verifica-se que, alguns
diplomas legais com incidência técnica escusam a sua aplicação aos projetos de licenciamento, comunicação prévia
ou autorização que estejam em curso à data da sua entrada em vigor (como por exemplo decorre do artigo 11.º do
Decreto-lei n.º 163/2006, de 8 de agosto ou do n.º 1 do artigo 34.º do Decreto-lei n.º 220/2008, de 12 de novembro).
13
A discussão entre a jurisprudência e a doutrina prende-se com o carácter vinculativo do ato de aprovação do
projeto de arquitetura. De forma genérica, a jurisprudência defende que as normas legais e regulamentares têm
de ser verificadas à data da emissão da licença de construção enquanto a doutrina admite que estas possam
ser verificadas apenas na aprovação do projeto de arquitetura. Nesta matéria, a doutrina parece defender uma
posição mais sensata, ao assumir que o ato administrativo válido é o praticado no momento da aprovação () do
projeto de arquitetura. Esta aprovação, ao estabilizar a caracterização da operação urbanística (por exemplo, o
local de implantação, número de pisos, área de construção, cércea, etc.) cria e confere expectativas na esfera
jurídica do privado.
14
Do ponto de vista prático a aplicação do princípio defendido pela jurisprudência, da conformidade com as normas
legais e regulamentares ter de ser verificada apenas no ato emissão do título de construção, traz incomportáveis
consequências para a relação entre os particulares e a administração. Isto porque entre a elaboração da informação
técnica ou pareceres externos que se pronunciem sobre a conformidade com as normas legais e regulamentares,
e a emissão da licença de construção, pode decorrer um período de tempo significativo. A entrada em vigor de um
novo diploma legal, poderá inviabilizar ou exigir alterações ao projeto de arquitetura e, consequentemente, das
especialidades. Ora, não se afigura producente estar sistemática e repetidamente a questionar a conformidade
do projeto de arquitetura com o quadro legal em vigor, nomeadamente por serem frequentes as alterações aos
(muitos) diplomas regulamentares associados ao sector da construção e isso poder significar o arrastamento
incomportável dos processos. A posição defendida pela jurisprudência acarreta ainda uma outra incongruência
face ao procedimento da informação prévia. Ao negar-se “direitos” à aprovação do projeto de arquitetura estar-seia nitidamente a desclassificar esse ato (cujo projeto exige maior complexidade e rigor) perante uma informação
prévia favorável (onde o “projeto” pode ser apenas uma indicação volumétrica). Segundo este princípio haveria a
hipótese de, perante um novo instrumento de gestão territorial que venha a impedir a construção em determinado
local, a autarquia negar o título de construção a um processo de licenciamento com a arquitetura aprovada, mas
ser obrigada a aceitar uma pretensão apresentada na sequência de um pedido de informação prévia favorável
(porque a ela está vinculada pelo prazo de um ano). Ora, dado o grau de caracterização dos projetos, esta posição
não parece revestir-se de qualquer sentido.
12
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> Doutrina
Para a situação da legalização importa apenas esclarecer se é válido o argumento de
que a verificação da normas legais e regulamentares tenha por base a data da execução da
obra. Como já foi referido, o indeferimento de um processo de legalização acarreta um forte
constrangimento para a autarquia, visto a única consequência prevista - a demolição - ser
um ato violento sobre os interesses dos particulares e um inconveniente para a autarquia.
Ao tentar evitar esta situação extrema procuram-se argumentos para diminuir a exigência
legal e regulamentar sobre os respetivos processos de legalização.
Os requerentes e técnicos tentam algumas vezes justificar a ideia que o quadro legal e
regulamentar a ter em conta na aprovação do projeto de arquitetura poderá ser o da data
da execução da obra. Este entendimento é, de entre os possíveis, definitivamente o mais
favorável e, na maioria dos casos, o único que permite legalizar operações urbanísticas
já consolidadas no território há algumas décadas. Isto porque as grandes restrições
à edificabilidade advêm genericamente das normas impostas pelos Planos Diretores
Municipais e das restrições de utilidade pública, designadamente da Reserva Agrícola
Nacional e da Reserva Ecológica Nacional. A data da entrada em vigor destes instrumentos
varia de município para município, mas estabeleceram-se genericamente ao longo da
década de 90. É também a partir do final da década de 90 que o controlo sobre as operações
urbanísticas ilegais se torna mais efetivo, nomeadamente pela informatização dos arquivos
e dos instrumentos de gestão urbanística e, também mais recentemente, pela possibilidade
do recurso a fotografias aéreas. Embora a comparação de fotografias aéreas não dispense
a atuação devida da Fiscalização pode ser um instrumento precioso no apuramento dos
factos, especialmente em municípios com uma zona rural extensa.
O quadro legal existente antes dos Planos Diretores Municipais era bastante permissivo
– à exceção de algumas condicionantes relacionadas com áreas protegidas (do domínio
hídrico ou parques naturais, por exemplo) e áreas de servidão (linhas férrea ou estradas
nacionais, por exemplo) não existiam normativos impeditivos da edificação na maioria
do território. Segundo este pressuposto, a legalização de um edifício construído antes da
década de 90 raramente implicaria a sua demolição, “apenas” exigindo alterações que
permitissem ultrapassar disposições regulamentares exigidas pelo RGEU15.
No entanto será juridicamente aceitável considerar que a operação urbanística apenas terá
de cumprir com as normas legais e regulamentares em vigor à data da sua execução? Sobre
esta matéria o artigo 67.º do RJUE dita: “a validade das licenças, admissão da comunicação
prévia ou autorizações de utilização das operações urbanísticas depende da sua conformidade
com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática, sem prejuízo
do disposto no artigo 60.º.” Em matéria de sucessão de leis no tempo vigora aqui também a
regra geral do direito administrativo imposta pelo artigo 12.º do Código Civil de que os atos
administrativos se regem pela lei vigente à data da sua prática, denominada tempus regit
actum. Quer isto dizer que a validade dos atos administrativos decorre da sua confrontação
com o quadro legal em vigor no momento da decisão da administração.
Por outro lado, a garantia do existente encontra-se consagrada no artigo 60.º do RJUE,
prevendo o seu n.º 1 que as edificações construídas ao abrigo do direito anterior não são afetadas
por normas legais e regulamentares supervenientes. Este artigo salvaguarda que legislação
posterior não afeta as edificações cuja execução cumpriu com todos os requisitos materiais
e formais exigíveis à época. Contudo, esta salvaguarda não se pode estender às operações
urbanísticas ilegais – mesmo que à data da respetiva construção esta cumprisse com todas
as normas em vigor, uma vez que o interessado não apresentou o respetivo licenciamento ou
comunicação prévia, não pode ser considerada construída ao abrigo do direito anterior.
Regulamento Geral das Edificações Urbanas, decreto-lei n.º 38382, de 7 de agosto de 1951, com a última
alteração introduzida pelo Decreto-lei n.º 220/2008, de 12 de novembro.
15
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> Doutrina
Assim, se o pedido para obter a licença em falta (e regularizar, deste modo, a situação
ilegal) apenas for apresentado num momento em que se encontra em vigor um novo
instrumento de planeamento que não admite já aquela edificação, não se encontra esta
abrangida pelo regime de garantia instituído neste normativo.16
Não havendo nenhum regime específico para os procedimentos de legalização (como
por exemplo acontece com as Áreas Urbanas de Génese Ilegal17 - AUGI) estes estão sujeitos
às mesmas condições de apreciação dos pedidos de licenciamento, comunicação prévia
ou autorização de utilização formulados a priori, nomeadamente quanto às causas de
indeferimento ou rejeição. Mas nem sempre assim foi. A redação do artigo 167.º do RGEU
conheceu no seio da jurisprudência18 a interpretação de que a legalização de obras ilegais
não estava sujeita ao regime jurídico de obras particulares, nomeadamente quanto às
causas de indeferimento. Admitia-se assim que a administração pudesse ter para com as
obras clandestinas um poder discricionário. A revogação deste artigo pelo Decreto-lei n.º
555/99, de 16 de dezembro seguiu a posição defendida pela doutrina19 e veio clarificar
a questão: as causas de indeferimento de um processo de legalização não poderão ser
diferentes daquelas passíveis de ser invocadas nos procedimentos regulares. Concluise por isso que os projetos de arquitetura dos processos de legalização devem seguir os
mesmos princípios de apreciação das pretensões formuladas a priori.
III. Projetos de Especialidades
Em matéria dos projetos de especialidades, a rigorosa aplicação do RJUE torna-se
manifestamente incompatível com a situação da legalização. Sendo a estrutura do diploma
construída no pressuposto de que o licenciamento ou comunicação prévia precede a
construção, como adaptá-lo à situação da legalização, visto muitas das questões técnicas das
especialidades se encontrarem agora ocultas? Por exemplo, sendo solicitado o projeto de águas
e esgotos de uma construção já terminada será difícil (noutros casos impossível) saber qual o
percurso e dimensão das condutas. Será assim razoável solicitar aos técnicos a elaboração de
um projeto que se sabe à partida não corresponder à realidade? Sendo o RJUE omisso também
nesta matéria pertinente, a pergunta conhece diferentes respostas nos diversos municípios20.
Poderá, eventualmente, defender-se nesta matéria a analogia com o regime especial
das AUGI. Prevê o seu n.º 2 do artigo 50.º que no processo de legalização de construções
a câmara pode dispensar a apresentação de projetos de especialidades, mediante
declaração de responsabilidade de conformidade do construído com as exigências legais
e regulamentares para o efeito, assinado por técnico habilitado para subscrever os projetos
dispensados. Ainda que o âmbito de aplicação deste artigo seja específica para uma
situação urbanística especial, não parece grave estender este entendimento às demais
situações, com uma salvaguarda já implícita à génese das AUGI: não deverá ser aplicada
a legalizações recentes. Assim, parece adequado que a resposta ao pedido de dispensa
da entrega dos projetos de especialidades seja diferente consoante o tempo decorrido
desde a execução da obra. Isto porque não se afigura conveniente beneficiar o proprietário
que executou obras ilegais com o intuito imediato de beneficiar da dispensa de entrega
NEVES, Maria José, OLIVEIRA, Fernanda Paula, LOPES, Dulce (2006) - Regime Jurídico da Urbanização e Edificação
Comentado. Coimbra: Edições Almedina.
17
Lei n.º 91/95, de 2 de setembro, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 10/2008, de 20 de fevereiro.
18
Sobre isso foi discutido, por exemplo, no Ac. STA de 12/02/2003, pr. n.º 01941/02.
19
CAPITÃO, Gonçalo (2002) - Legalização/licenciamento de obras particulares: unidade ou dualidade de regimes?
Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 13, janeiro/fevereiro.
20
RODRIGUES, Alexandra (2012) - Legalizar, ou o procedimento administrativo de fazer de conta que se faz de novo.
(Diss. Mestrado) Porto: Universidade Lusíada do Porto.
16
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39
> Doutrina
dos projetos de especialidades (sendo que estes representam, em média, metade dos
honorários devidos aos projetistas). Na ausência de parâmetros definidos parece sensato
fazer coincidir, para este efeito, a idade mínima da construção com o prazo de prescrição das
contraordenações, ou seja, cinco anos. Desta forma distinguir-se-á a intenção premeditada
dos proprietários para o fim em causa. Comprovando o requerente a construção ter sido
edificada há mais de cinco anos, julga-se haver a possibilidade de isentar a entrega de
alguns projetos de especialidades.
Ainda no âmbito da Lei das AUGI, considera-se que podem igualmente ser dispensados
os pareceres das entidades que já estejam a fornecer os seus serviços à edificação a
legalizar. Quando se trata de uma construção já edificada importa, acima de tudo, aferir se
a sua estrutura se encontra em bom estado e se as demais infraestruturas estão a funcionar
corretamente. Nesse sentido, poderão, junto com os termos de responsabilidade redigidos
conforme o anexo I da portaria n.º 232/2008, de 11 de março, ser exigidos documentos
comprovativos da eficaz prestação de serviços, podendo servir também de fundamento
para a dispensa de pareceres às respetivas entidades.
De certa forma, em substituição dos projetos de engenharias de especialidades,
considera-se ser plausível a solicitação dos seguintes documentos:
a) relatório sobre a condição estrutural e de contenção periférica do edifício, com
identificação do sistema estrutural utilizado e de eventuais patologias da construção;
b) fotocópia do último recibo da empresa responsável pelo abastecimento de água;
c) relatório sobre o funcionamento da rede de drenagem de águas residuais e pluviais,
nomeadamente no que concerne ao modo de ligação à rede pública ou tipo de fossa utilizada;
d) fotocópia do último recibo comprovativo do pagamento à EDP, em substituição do
projeto de alimentação e distribuição de energia elétrica;
e) fotocópia do recibo de empresa de telecomunicação e/ou audiovisuais em substituição
do projeto de ITED;
f) avaliação acústica em que se verifique o cumprimento dos requisitos acústicos e grau
de incomodidade, em substituição do projeto acústico;
g) certificado energético que informe da qualidade térmica do edifício21;
Por outro lado, considera-se não haver razão para dispensa dos projetos de segurança
contra o risco de incêndios, dos meios de elevação mecânicos e de arranjos exteriores, por
estes serem baseados em elementos visíveis das edificações.
Ainda que a vistoria à obra seja defendida por alguns autores22 como uma alternativa válida
à entrega dos projetos de especialidades não parece revestir-se de grande utilidade para este
efeito, dado as questões técnicas associadas à maioria dos projetos de especialidades não
serem visualmente percetíveis. Poderá a vistoria eventualmente servir para detetar patologias
graves ou apurar se as necessárias alterações ao projeto de arquitetura foram executadas,
mas a garantia sobre o bom funcionamento das infraestruturas só poderá ser assegurada
com observação mais cuidada e prospeções, cuja vistoria municipal não consegue alcançar.
Este certificado é, a partir de 1 de janeiro de 2009, necessário para obtenção da autorização de utilização. O
Decreto-lei n.º 80/2006, de 4 abril é exigente no que concerne ao comportamento térmico das habitações novas,
implicando uma elevada espessura das paredes, tem em conta a orientação solar dos vãos envidraçados e pode
obrigar à instalação de sistemas de coletores solares. Numa construção já existente torna-se muito dispendioso e
tecnicamente difícil, senão impossível, dar cumprimento a todas essas exigências. Contudo, tendo a legalização de
se sujeitar às normas legais e regulamentares atualmente em vigor tudo aponta, ainda não sendo sensato na prática,
ser exigível adaptar a construção ilegal aos requisitos exigidos pelo Decreto-lei n.º 80/2006 às novas construções.
22
CEDOUA, FDUC, IGAT (2006) - Direito do Urbanismo e Autarquias Locais. Coimbra: Edições Almedina, s pp.116.
21
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> Doutrina
IV. Taxas agravadas
A aplicação de taxas agravadas por parte de algumas autarquias aos procedimentos
de legalização é contestada por algumas entidades. A questão debatida prende-se com
facto de as taxas agravadas nos procedimentos de legalização serem, aparentemente, uma
sanção indevidamente aplicada ao privado. Nesse sentido se pronunciou o Provedor de
Justiça no seu relatório anual de 2004, considerando que não se divisam no procedimento
de legalização encargos acrescidos suscetíveis de fundamentar um aumento do valor das
taxas devidas pela emissão das licenças ou autorizações de construção e utilização e não
pode ser aplicada ao particular outra sanção que não resulte do preenchimento do tipo
contraordenacional, já que o ordenamento jurídico não reconhece outro direito sancionador
que não seja nos domínios penal e contraordenacional 23. A recomendação do Provedor de
Justiça aos municípios de Alenquer, Cascais, Gondomar, Loures, Silves e Vila Franca de Xira
foi no sentido da supressão do agravamento estipulado para os casos de legalização das
operações urbanísticas.
Contudo, sobre esta matéria poderá, com base no atual Regime Geral das Taxas das
Autarquias Locais aprovado pela Lei n.º 53E/2006, de 29 de dezembro e alterado pela Lei
n.º 116/2009, de 29 de dezembro, fazer-se a distinção entre o carácter sancionador e o
carácter desincentivador subjacente à aplicação das taxas agravadas.
Prevê o artigo 116.º do RJUE que os projetos de Regulamento Municipal de Taxas relativos
à realização, manutenção e reforço de infraestruturas urbanísticas devem ser acompanhados
do cálculo das taxas previstas. O Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais defende que
o princípio da proporcionalidade deverá ser sempre ser assegurado no cálculo das taxas mas
advém do n.º 2 do artigo 4.º a possibilidade de o seu valor poder ser fixado com base em
critérios de desincentivo à prática de certos atos ou operações. Esta vertente desincentivadora
pode conferir legitimidade à cobrança de taxas agravadas, visto a construção e utilização
ilegal das construções ser obviamente a prática de um ato que se pretende evitar.
Outro argumento passível de ser invocado para a cobrança de taxas acrescidas
assenta no conteúdo do artigo 6.º do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais. Este
estabelece que as taxas incidem sobre utilidades prestadas aos particulares ou gerada
pela atividade dos municípios, nomeadamente pela realização, manutenção e reforço das
infraestruturas urbanísticas primárias e secundárias. Reforça-se aqui a ideia de as taxas
urbanísticas dizerem respeito não só à realização mas também à manutenção e reforço
das infraestruturas existentes. No caso das legalizações, a construção e uso indevido de
construções pressupõe a utilização de infraestruturas cuja manutenção e reforço cabe à
administração local. A título de exemplo, admitamos a existência de uma indústria a ser
explorada sem a devida licença. Além de ilegal, esta utiliza e sobrecarrega as infraestruturas
existentes, designadamente o sistema de drenagem de esgotos e a rede viária, sendo a
autarquia responsável pelo seu reforço ou reparações periódicas. Uma situação destas
antecipa a contrapartida prestada pela administração, o que não acontece quando a licença
ou autorização é solicitada antecipadamente para uma situação futura. Considera-se que
sob a perspetiva das taxas agravadas serem o pagamento da contrapartida já prestada
na manutenção e reforço das infraestruturas utilizados pelo privado sem o devido título
de construção, não se desvirtua o conceito de taxa enquanto contrapartida pecuniária de
uma utilidade concreta. A aplicação deste pressuposto deveria influenciar o coeficiente de
agravamento das taxas, não em função de um valor fixo, como geralmente acontece, mas
de um coeficiente variável dependente do número de anos durante os quais a construção
permaneceu ilegal.
23
PROVEDOR DE JUSTIÇA (2004) - Relatório à Assembleia da República. Lisboa.
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41
> Doutrina
Partindo da ideia do coeficiente variável em função dos anos decorridos da execução
da operação urbanística com a vertente desincentivadora das taxas, julga-se que o seu
agravamento não deveria incidir nas situações onde o embargo da obra fosse respeitado.
A relutância dos privados em realizar alterações ao projecto é tanto maior quanto o estado
de avanço da obra. Como tal, o respeito pelo embargo é um comportamento desejável,
e permite, na maioria dos casos, ultrapassar o incumprimento das normas urbanísticas e
regulamentares sem grandes dificuldades. Não obstante da aplicação da contraordenação,
a não cobrança de taxas agravadas, no caso de ser fosse respeitado o embargo, poderia ser
uma medida desincentivadora da continuação do ato ilícito.
Julga-se não estar em causa o princípio da proporcionalidade ao aplicar, simultaneamente,
a contraordenação e taxas agravadas aos procedimentos de legalização, visto esta situação
só ocorrer nos casos mais recentes – nas construções concluídas há menos de cinco anos24.
Haverá ainda casos onde é aplicada a contraordenação mas, por não ser viável a legalização
da operação urbanística ou uso, não se chega a concluir o processo de licenciamento
ou comunicação prévia, nem proceder à cobrança das taxas agravadas. Nas operações
urbanísticas executadas há mais de cinco anos e nas quais a administração não foi eficaz
na deteção de situações clandestinas e o privado vem apresentar o processo por iniciativa
própria, apenas haverá lugar ao pagamento de taxas agravadas, somente se a pretensão
for passível de aprovação.
V. Elementos complementares
Nos processos de licenciamento regulares, após a admissão dos projetos de engenharia
de especialidades, é emitida a licença de construção mediante a liquidação das taxas e a
apresentação dos elementos complementares definidos no artigo 3.º da Portaria n.º 216E/2008, de 3 de março. Sumariamente, estes consistem na apólice de seguro de construção,
apólice de seguro que cubra a responsabilidade por danos emergentes de acidentes de trabalho,
termo de responsabilidade do diretor técnico da obra, alvará do construtor, plano de segurança
e saúde e livro de obra. Ora, nos procedimentos de legalização, estando a obra concluída, não
terá sentido solicitar estes elementos. Será pertinente referir que a ausência de entrega destes
elementos representa uma grande vantagem pecuniária para o requerente, por possibilitar a
realização de obras por administração direta ou o empreiteiro contratado cobrar um valor inferior.
Não havendo especificação sobre a prescrição das contraordenações no RJUE, terá de se remeter a questão
para o Regime Geral das Contraordenações (Decreto-lei Lei n.º 433/82, de 27 de outubro com a redação que lhe
foi conferida pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro). Pela sua natureza importa distinguir as duas situações
concretas: a execução de obras sem a respetiva licença e a da utilização indevida.
No caso das obras executadas sem alvará de licença de construção ou admissão de comunicação prévia, e
atendendo ao montante da coima, o respetivo procedimento de contraordenação extingue-se por efeito de
prescrição, de acordo com o artigo 27.º da Lei n.º 109/2001, logo que decorridos cinco anos sobre a prática dos
factos. Será válido defender que a contraordenação não prescreve visto, em matéria de urbanismo, o resultado da
ação não se extinguir e perdurar no tempo? A resposta terá de ser negativa por força da definição estabelecida no
artigo 5.º: o momento da prática do facto é aquele em que o agente atuou, independentemente do momento em
que o resultado típico se verificou. Advém daqui a ideia que, apesar de o resultado (obra construída) se verificar
no futuro, o momento a partir do qual deverá ser contado o prazo de prescrição será aquele em que o agente
atuou, ou seja, realizou obras de construção civil sem o devido alvará de construção. Assim a contraordenação só
poderá ser aplicada se a legalização incidir sobre obras realizadas há menos de cinco anos. Este entendimento
reveste-se de bom senso na medida em que, muitas vezes, por efeitos de sucessão hereditária ou outras formas
de transmissão, a legalização é requerida por quem não praticou o ato ilícito.
De contornos diferentes se reveste a ocupação de edifícios ou suas frações autónomas sem autorização de
utilização ou em desacordo com o uso fixado no respetivo alvará ou comunicação prévia. Isto porque a utilização
de um edifício ou fração implica uma ação reiterada do agente. Desta forma poderá ser aplicada a contraordenação
a todo o momento em que se verifique o uso indevido ou no prazo de cinco anos após a cessação da utilização.
24
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> Doutrina
VI. Indeferimento e Nulidade
A única consequência do indeferimento de um procedimento de legalização ou da
declaração da nulidade de um ato administrativo de título de construção ou utilização
previsto no RJUE é a demolição total ou parcial da obra e reposição do terreno nas condições
em que se encontrava antes da data do início das obras ou trabalhos. No entanto, na prática,
constata-se essa medida ser raramente executada quer pelos privados, quer pela autarquia.
Já se abordou que as causas de indeferimento de um procedimento de legalização não se
distinguem dos demais procedimentos de controlo prévio. Contudo, as consequências são
obviamente diferentes. No caso de indeferimento de licença ou rejeição de comunicação
prévia, cujo pedido seja formulado a priori, o particular simplesmente não executa as obras
pretendidas. Na legalização poderão fazer-se necessárias alterações ao projeto25 (e à obra)
ou, se este violar irremediavelmente normas constantes de planos ou regimes jurídicos de
vinculação situacional dos solos, o presidente da câmara poderá, quando for caso disso,
ordenar a sua demolição. Importa salientar que a redação do artigo 106.º do RJUE não
implica a obrigatoriedade de o presidente da câmara agir nesse sentido mas também não
específica quais os casos onde a demolição terá de ocorrer. Então, quais os fatores que
podem obstar à demolição de uma construção cuja legalização foi indeferida?
Uma das possibilidades será a alteração da norma cuja violação ditou o indeferimento
da legalização, ou seja, a alteração do direito aplicável. Poderá, por exemplo, o Plano
Diretor Municipal ser alterado, revisto ou suspenso no sentido de regularizar as situações
de outra maneira ilegalizáveis. Contudo, o novo plano só poderá agir para o futuro, (a não
ser que lhe seja atribuída especificamente uma eficácia retroativa), podendo por isso exigir
a formulação de novo pedido de legalização. Esta possibilidade de alteração da norma é
praticamente excluída quando as causas de indeferimento decorrem da violação de normas
de vinculação situacional dos solos, como o regime da REN ou da RAN, porque estas não
podem ser alteradas por normas de inferior dignidade hierárquica. Este recurso não deverá
constituir uma manobra facilitadora, mas antes ser utilizado apenas em situação de exceção,
quando estejam em causa preponderantes interesses como de justiça, estabilidade das
relações sociais e da habitação. É que de outra forma estar-se-á a inverter toda a lógica do
planeamento: são as operações urbanísticas que se devem adequar ao plano e não o plano
que se deve ir adequando às operações urbanísticas consolidadas à sua revelia.26
A argumentação invocada na jurisprudência para evitar a demolição tende a debruçarse sobre duas vertentes: o grave prejuízo para o interesse púbico e a causa legítima de
inexecução da licença.
Pode, por exemplo, constituir grave prejuízo para o interesse público a demolição de um
empreendimento com todos os requisitos de habitabilidade, de segurança, de salubridade
e de estética se o custo da sua demolição se revelar desproporcional face aos benefícios
obtidos. Em cada caso, terá de se debater a violação dos princípios da adequação, da
necessidade, da proporcionalidade, da paz social, e da boa gestão financeira dos recursos
públicos. Contudo, não se pode perder de vista a natureza do princípio tutelado pela norma
violada – se, por exemplo, em causa estiver a reposição do terreno à sua condição original
para salvaguarda das características ambientais e ecológicas protegidos pelo regime da
Reserva Ecológica Nacional, terá de se equacionar qual dos princípios terá maior relevância
As alterações geralmente decorrem do incumprimento de normas regulamentares mais técnicas como o RGEU
ou o Decreto-lei n.º 163/2006, de 8 de agosto.
26
OLIVEIRA, Fernanda Paula; GONÇALVES, Pedro António Pimenta Costa (1999) - O regime da nulidade dos atos
administrativos de gestão urbanística que investem o particular no poder de realizar operações urbanísticas. CEDOUA
– Revista do Centro de Direito do Ordenamento do Urbanismo e do Ambiente, n.º 2.99, ano II, Coimbra, pp. 24.
25
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> Doutrina
atender. Naturalmente, os interesses específicos subjacentes à eventual permanência da
edificação não deverão sobrepor-se aos valores, ainda que difusos, de defesa ambiental.
A administração poderá ainda invocar a impossibilidade absoluta de executar a
demolição e o grave prejuízo para o interesse público na execução da demolição, conforme
estipula o artigo 163.º da Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro. Decorre do seu n.º 3 que as
causas legítimas para a inexecução de sentença deve ser fundamentada e só pode reportarse a circunstâncias supervenientes ou que a administração não estivesse em condições de
invocar no momento oportuno do processo declarativo.
As mesmas possibilidades acima referidas podem ser utilizadas na defesa dos casos
onde o ato administrativo de gestão urbanística seja considerado nulo. As causas de
nulidade das licenças, admissão de comunicação prévia e autorização de utilização
encontram-se estipuladas no artigo 68.º do RJUE. Chama-se à atenção para o facto de o n.º
4 do artigo 69.º limitar ao prazo de 10 anos a possibilidade de o órgão que emitiu o ato ou
deliberação declarar a sua nulidade, exceto relativamente a monumentos nacionais e sua
área de proteção.
Se a nulidade não for declarada antes da operação urbanística ser executada (criação da
situação de facto) estaremos perante uma ato desprovido de um ato administrativo válido
e portanto ilegal. Contudo, perante as operações urbanísticas ilegais comuns, aquelas cuja
ilegalidade decorre da declaração de atos nulos têm a possibilidade de recorrer a outros
argumentos jurídicos para evitar a demolição (tendo em conta o problema decorrer da
emissão de um título de construção e, por isso, a situação de facto se ter produzido ao abrigo
do ambiente de confiança gerado pela administração). Ou seja, se a administração emitiu
uma licença de construção ou admitiu uma comunicação prévia cujo procedimento veio
a ser considerado nulo, conferiu entretanto ao particular o poder de realizar determinada
operação urbanística, que confiou nas atribuições daquela entidade. No caso de o ato ser
declarado nulo antes da execução da operação urbanística será pacífico o entendimento
de que o ato nulo não produz qualquer efeito jurídico, não é suscetível de ratificação,
reforma, nem conversão. Contudo, se o ato for declarado nulo apenas depois de a operação
urbanística estar consumada e a declaração de nulidade levar à destruição da obra, está
em causa a sua eficácia retroativa. Neste caso a nulidade do ato produziria não apenas um
efeito jurídico mas um efeito físico concreto.
O n.º 3 do artigo 134.º do CPA reconhece poderem atribuir-se certos efeitos jurídicos
a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do decorrer do tempo e de
harmonia com os princípios gerais de direito. A noção de tempo aqui presente é um
conceito indeterminado, muitas vezes confundido com o princípio da usucapião, o qual
não é possível assumir por duas razões. Primeiro, porque a atribuição de efeitos jurídicos
decorrente da aplicação deste artigo só pode advir da consequência de um ato nulo,
excluindo a possibilidade de ser invocado nas situações de legalização gerais e, segundo,
porque a expressão decorrer do tempo não encontra necessária analogia com os prazos
determinados para a consumação da usucapião.
Importará então esclarecer que a usucapião pretende apenas salvaguardar a garantia
do direito real de propriedade. Coloca-se frequentemente a questão de saber se, tendo
decorrido mais do que 20 anos da construção do imóvel, poderá ser invocado o princípio
da usucapião para evitar a demolição de um edifício? A figura da usucapião encontra-se
definida no artigo 1287.º do Código Civil27 : a posse do direito de propriedade ou outros
direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo
disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação.
27
Decreto-lei n.º 47344/66 de 25 de novembro, na sua versão mais recente dada pela Lei n.º 23/2013, de 05 de março.
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Advém daqui a possibilidade de o privado possuidor, detentor, proprietário, usufrutuário
ou arrendatário do imóvel poder, com base no princípio da usucapião invocar que, por
fazer uso do mesmo há mais de 20 anos, este lhe pertence. No entanto, este facto é
independente da legalidade/ilegalidade da construção.28 Isto é, não obstante pertencer ao
sujeito “A” ou ao sujeito “B”, se o imóvel tiver sido construído sem a competente licença
municipal poderá a todo momento ser ordenada a respetiva demolição, porque na génese
da ordenada demolição não se encontra qualquer questão relacionada com o título de
propriedade do imóvel.
Como determinar então o prazo mínimo sobre o qual se pode dizer que o decorrer
do tempo criou certos efeitos jurídicos? Não havendo critério definido, terá antes de se
ponderar sobre os efeitos consolidados entretanto verificados como consequência do ato
nulo. Se, por exemplo, ao abrigo da confiança depositada na administração o particular
fez um avultado investimento económico na execução de determinado empreendimento e
celebrou escrituras públicas de transmissão de algumas das suas frações, pode-se admitir
que a sua consolidação (não só física mas social) está verificada. Admite-se inclusive que
o tempo decorrido possa ser quantitativamente reduzido desde que tenha sido suficiente
para violar os interesses de estabilidade, conservação, firmeza, consistência e segurança
das relações jurídicas. Para a atribuição de certos efeitos jurídicos aos atos nulos, é também
condição verificar-se a sua harmonia com os princípios gerais de direito. Quer isto dizer, o
procedimento deverá estar de acordo com o princípio da boa-fé, da proteção de confiança,
paz social, igualdade, proporcionalidade, etc. Será por isso condição à boa execução desta
medida aferir se o beneficiário da permanência do edifício atuou de boa-fé. Contudo,
o princípio da boa-fé é necessário mas não suficiente – terá sempre de se fazer intervir
também o princípio da prossecução do interesse público.
Quais serão concretamente os certos efeitos jurídicos que poderão decorrer da hipótese
estabelecida no n.º 3 do artigo 134.º do CPA? Afastando a possibilidade de demolição da
obra será impreterível permitir a sua entrada na esfera jurídica normalizada, sob pena de
eternizar o problema. No caso das edificações é também em prol do interesse público que
se deverá garantir o seu uso adequado, a sua manutenção e conservação e, na perseguição
deste objetivo é essencial o imóvel poder ser transmitido. Neste sentido, o único efeito
jurídico plausível subsequente do ato nulo depois de decorrido algum tempo será a emissão
da respetiva autorização de utilização.
Conclusão
O Regime Jurídico da Urbanização e Edificação atualmente em vigor pressupõe, para
os procedimentos de legalização, a aplicação dos mesmos pressupostos subjacentes ao
licenciamento, comunicação prévia ou autorização de utilização regulares. Entende-se
esta medida no sentido de evitar favorecer, e por consequência fomentar, as operações
urbanísticas de génese ilegal. No entanto, como ao longo deste artigo se expôs, em
várias circunstâncias a legalização tem necessariamente de se afastar do modelo jurídico
desenhado para as situações regulares. Em algumas matérias mais pertinentes, como
o da ausência de reposta da administração, a jurisprudência admite tratar-se de um
procedimento diferente. Na prática, sem dúvida que assim acontece.
28
V. Ac. Tribunal da Relação do Porto de 23/5/1995, proc. n.º 9421069.
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Algumas questões técnicas de elaboração dos respetivos projetos de arquitetura
e de especialidades são incongruentes quando a operação urbanística já se encontra
consumada. Observa-se que, na ausência de legislação específica reguladora da matéria,
cada autarquia vai estabelecendo os seus próprios procedimentos, nomeadamente sobre
os elementos instrutórios e projetos de engenharia de especialidades a dispensar ou
substituir. Neste processo desregulado e discricionário acaba-se, na maioria das vezes, por
favorecer quem solicita a legalização de operações urbanísticas executadas sem o devido
título de construção prévio. Se olharmos no sentido meramente jurídico para a questão,
todos os dias as autarquias se desviam do estrito sentido da lei para dar uma resposta
plausível a este tipo de situações. Estaremos perante um caso onde todos os envolvidos se
escusam a cumprir a lei ou perante uma a lei que não admite a realidade?
Denota-se existir um aparente “autismo” do RJUE face à realidade do território, da
sociedade e existência de muitos casos de legalização, fomentando (ao obrigar a facilitar o
processo, sem contrapartidas) a construção de operações urbanísticas ilegais. Isto porque
o RJUE ao fazer exigências tecnicamente pouco adequadas deixa aos municípios duas
soluções possíveis: solicitar a entrega de projetos e elementos instrutórios falseados (pela
impossibilidade material de os fazer corresponder à realidade) ou, na tentativa de adequar
o procedimento de licenciamento ou comunicação prévia à sua condição a posteriori,
ponderar alternativas aos mesmos. A segunda opção, quase inevitável, acaba por ser,
perante um procedimento normal de controlo prévio, menos exigente e onerosa para o
privado. Seria por isso desejável clarificar juridicamente o procedimento da legalização,
acautelando que os elementos instrutórios, termos de responsabilidade e projetos de
engenharia de especialidades (cuja exigência não fazem sentido a posteriori da construção)
sejam substituídos por outros documentos mais adequados à situação de facto. Importaria
ainda definir medidas sancionatórias específicas para equilibrar a exigência pecuniária da
legalização face aos demais procedimentos regulares e assumir a aplicação das mesmas,
independentemente do facto de terem ou não sido atempadamente identificadas pela
Fiscalização Municipal. Não sendo correto admiti-lo juridicamente, na prática, a aplicação
de taxas agravadas aponta neste sentido e visa obviamente equilibrar as vantagens
pecuniárias da legalização. Contudo, estas taxas só se mostram eficazes nas legalizações
passíveis de aprovação.
A única consequência admitida no RJUE para a não legalização de determinada operação
urbanística é a demolição. Aqui verifica-se existir outro sinal de desfasamento do RJUE com
a realidade, dado raríssimas vezes se proceder à demolição de obras ilegais. Esse facto
será um sinal evidente da necessidade de repensar e reforçar o regime jurídico na vertente
das consequências para o privado na situação de operações urbanísticas não passíveis
legalização. Nestes casos existe um vazio de instrumentos legais executáveis que lesa, ao
mesmo tempo, o interesse público e as expectativas do particular. Isto porque se admite
que determinada obra não seja demolida apenas por inércia da administração, como
esta possibilidade de demolição não desaparece. Ou seja, uma construção ilegal nestas
condições fica numa espécie de “prisão preventiva eterna”, não satisfazendo a perspetivas
do particular, que se vê inibido de usufruir plenamente do imóvel, nem do interesse
público, que continua a ter de conviver com a obra clandestina. Seria por isso importante
rever as possibilidades de atuação da administração perante as obras não legalizáveis,
possivelmente considerando um prazo de prescrição para a execução da sua demolição e
respetivos efeitos jurídicos perante a não atuação.
Pragmaticamente, a única consequência temida pelo particular é a de não poder
transacionar o imóvel. Sabendo afastada a prática da demolição e ciente do constrangimento
que a legalização representa para a administração, o requerente perspetiva à partida
condescendência na apreciação técnica do projeto de arquitetura e alguns benefícios
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advindos da dispensa de entrega de vários elementos instrutórios ao longo do procedimento.
Estas vantagens compensam eventuais penalizações pecuniárias e, no sistema atual,
raramente ultrapassam o investimento necessário num processo apresentado a priori.
Defende-se por isso a definição de parâmetros processuais e regulamentares mais
claros nos procedimentos de legalização. Ao escusar abordar de uma forma explícita esta
realidade, o RJUE cria a possibilidade de interpretações díspares levando tendencialmente,
senão ao favorecimento, pelo menos à ausência de penalização adequada de quem
executa operações urbanísticas ilegais. Verifica-se assim, na prática, o resultado oposto ao
pretendido pela ausência de uma figura específica para as legalizações. Essa figura seria
uma ferramenta indispensável para defender a boa execução dos instrumentos de gestão
urbanística e essencial para aproximar o quadro legal da realidade social e territorial.
Palavras-Chave: Controlo urbanístico – Legalização – Obras ilegais – Regime Jurídico da
Urbanização e Edificação
Inês Calor
e-Geo, Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional,
Universidade Nova de Lisboa
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Legalização – Dúvidas práticas face ao atual Regime da Edificação