FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS NARRATIVOS LUCAS, Maria Angélica Olivo Francisco1 - UEM Grupo de Trabalho - Formação de professores e profissionalização docente Agência Financiadora: CAPES Resumo O objetivo deste relato de experiência é apresentar algumas reflexões realizadas, ações implementadas e resultados obtidos por meio do projeto “Leitura e escrita de textos narrativos”, desenvolvido pelo subprojeto Pedagogia (campus sede) do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), durante o ano letivo de 2012. Fundamentamo-nos em pesquisa que concebe o letramento como estado ou condição do sujeito que incorpora práticas sociais de leitura e escrita, reconhecendo haver uma relação de indissociabilidade e interdependência entre esse processo e a alfabetização. A partir desses estudos, concebemos a leitura e a narração de histórias como eventos de letramento necessários ao processo de apropriação da escrita. Tais reflexões subsidiaram as ações implementadas pelas acadêmicas pibidianas, visando intensificar práticas de leitura e escrita de textos narrativos por alunos dos anos iniciais do ensino fundamental de duas escolas públicas do município de Maringá-PR. Essas ações, para efeito de apresentação, foram divididas em três grupos: curso de extensão sobre leitura e escrita de textos narrativos, com o intuito de fornecer subsídios teóricos e metodológicos para a realização do projeto; planejamento das atividades de leitura e escrita de textos narrativos para organizar as ações pretendidas, desde a definição da história a ser narrada até a exposição dos livretos com os textos narrativos produzidos pelas crianças; implementação das atividades planejadas, para revelar o caminho percorrido pelas acadêmicas pibidianas, supervisoras e professoras regentes; e os resultados alcançados. Concluímos o relato, apontando a importância dessa experiência para a elevação da qualidade do ensino, tendo em vista o processo de apropriação da linguagem escrita e o da formação inicial de professores, pois projetos dessa natureza reafirmam a necessidade de revestir de intencionalidade e sistematicidade todas as ações pedagógicas, defendendo a mediação pedagógica como condição maior do trabalho desses profissionais. Palavras-chave: Letramento. Texto narrativo. Formação de professores. 1 Doutora em Educação pela USP, Professora Adjunta do Departamento de Teoria e Prática da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Coordenadora do Subprojeto PIBID/Pedagogia UEM (campus sede) do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). E-mail: [email protected] 14463 Introdução Apresentar algumas reflexões realizadas, ações implementadas e resultados obtidos por meio do projeto “Leitura e escrita de textos narrativos”, desenvolvido pelo subprojeto Pedagogia (campus sede) do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) da Universidade Estadual de Maringá (UEM), durante o ano letivo de 2012, é o objetivo deste relato de experiência. As reflexões acerca da leitura e narração de histórias, concebendo-as como eventos de letramento necessários ao processo de apropriação da escrita, foram fundamentadas em estudos e pesquisas realizados por Soares (1998), Kleiman (2005) e Maia (2007). Elas subsidiaram as ações implementadas pelas acadêmicas pibidianas, visando intensificar práticas de leitura e escrita de textos narrativos por alunos dos anos iniciais do ensino fundamental de duas escolas públicas do município de Maringá-PR – Colégio de Aplicação Pedagógica (CAP) da UEM e Escola Municipal Ayrton Plaisant. Essas ações, para efeito de apresentação, foram divididas em três grupos: curso de extensão sobre leitura e escrita de textos narrativos; planejamento das atividades de leitura e escrita de textos narrativos; implementação e resultados das atividades planejadas. Por fim, apontamos a importância dessa experiência para a elevação da qualidade do ensino, tendo em vista o processo de apropriação da linguagem escrita e o da formação inicial de professores, pois projetos dessa natureza reafirmam a necessidade de revestir de intencionalidade e sistematicidade todas as ações pedagógicas, defendendo a mediação pedagógica como condição maior do trabalho desses profissionais. Leitura e narração de histórias: eventos de letramento Por cobrir uma vasta gama de conhecimentos, habilidades, capacidades, valores, usos e funções sociais, o conceito de letramento envolve, segundo Soares (1998), sutilezas e complexidades difíceis de serem contempladas em uma única definição. Além disso, o fato de o significado do termo letramento na literatura educacional brasileira ser ainda impreciso é compreensível se considerarmos que ele foi recentemente incluído em nossa língua. Sua história, no Brasil, teve início na década de 1980, “numa tentativa de separar os estudos sobre o 'impacto da escrita' dos estudos sobre a alfabetização, cujas conotações escolares destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita” (KLEIMAN, 1995, p.15-16). 14464 À medida que o analfabetismo foi sendo superado, que um número cada vez maior de pessoas teve acesso à escola e que, concomitantemente, a escrita tornou-se essencial para a vida em sociedade, uma nova necessidade foi criada: não basta apenas saber ler e escrever, é preciso incorporar as práticas sociais de leitura e escrita. Em razão dessa necessidade, foi criada uma nova palavra ou dotaram-na de outros significados. É o caso da palavra letramento, que ressurgiu no âmbito da linguística e da pedagogia, recebendo o significado de práticas sociais que denotam a capacidade de uso de diferentes tipos de material escrito. O termo letramento é uma das possíveis traduções da palavra inglesa literacy e significa, segundo Soares (1998, p.18), “[...] o resultado da ação de ensinar ou aprender a ler e escrever: o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita”. A referida autora destaca que há uma relação de indissociabilidade e interdependência entre esse processo e a alfabetização (SOARES, 2004). Contudo, por vivermos em uma sociedade grafocêntrica, conforme o sentido atribuído a essa palavra, uma pessoa pode não saber ler nem escrever, ou seja, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado. Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se se interessa em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, que recebe cartas que outros lêem para ele, se dita carta para que um alfabetizado as escreva [...], se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolvese em práticas sociais de leitura e de escrita (SOARES, 1998, p.24). O mesmo pode ocorrer com a criança que ainda não foi alfabetizada, mas que tem oportunidade de folhear livros, de brincar de escrever, de ouvir histórias, entre tantos outros eventos de letramento. Para Soares (1998, p.24), “[...] essa criança é ainda ‘analfabeta’, porque não aprendeu a ler e a escrever, mas já penetrou no mundo do letramento, já é, de certa forma, letrada”. Por meio dos estudos de Klemain (1995, p.40), compreendemos eventos de letramento como “situações em que a escrita constitui parte essencial para fazer sentido à situação, tanto em relação à interação entre os participantes como em relação aos processos e estratégias interpretativas”. A partir desse conceito, podemos conceber a leitura e a narração de histórias como ações que promovem o processo de letramento das crianças, além de possibilitar revestir de ludicidade as práticas pedagógicas que envolvem a aprendizagem da linguagem 14465 escrita. Afirmamos isso, pois, dentre os muitos eventos de letramento, os atos de narrar e ler histórias se constituem como práticas prazerosas e significativas para as crianças, tanto nos lares como em instituições educativas. Um dos principais objetivos da leitura e da narração de histórias na escola é estabelecer interação entre as crianças e a linguagem escrita, “de modo a possibilitar uma intimidade prazerosa, uma relação afetiva com a natureza dessa modalidade de linguagem” (MAIA, 2007, p.95). Para a referida autora, ao lermos e narrarmos muitas histórias para as crianças, estamos oferecendo-lhes [...] a possibilidade de conhecer o uso real da escrita, pois é ouvindo e tentando fazer leituras de textos com mensagens que remetem ao universo, às vezes real, às vezes imaginário, que ela descobre a língua escrita como um sistema lingüístico representativo da realidade. É ouvindo mensagens com contextos significativos que a criança insere-se num processo de construção acerca da linguagem; aprendizado, portanto, diferente do processo de simples domínio de codificação e decodificação de sentenças descontextualizadas e tão comuns nas cartilhas (MAIA, 2007, p.82). Além disso, conforme Debus (2006), o ato de ler e narrar histórias requer do professor conhecimento prévio do texto e planejamento das ações que objetivem conquistar o leitor para o momento de troca entre o narrar e o ouvir. Isso quer dizer que a leitura e a narração de histórias precisam ser previamente planejadas e organizadas, assim como as práticas de produção de textos narrativos, como a seguir relataremos. Uma experiência de leitura e produção de textos narrativos Com o objetivo de intensificar práticas de leitura e escrita de textos narrativos pelos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental, o PIBID/Pedagogia (campus sede)/UEM desenvolveu, durante o ano letivo de 2012, um projeto intitulado “Leitura e escrita de textos narrativos”. No mencionado ano, participaram desse subprojeto 20 acadêmicas bolsistas, duas supervisoras (uma de cada escola onde as atividades de iniciação docente foram realizadas) e, como coordenadora, uma professora do Departamento de Teoria e Prática da Educação (DTP) da referida instituição de ensino superior. Após levantamento realizado pelas acadêmicas pibidianas e supervisoras acerca de práticas pedagógicas que careciam ser incrementadas nas referidas escolas, decidiu-se que, no segundo semestre de 2012, proporíamos aos professores regentes a realização de um projeto que envolvesse a leitura e a escrita de textos narrativos. Em reunião realizada em cada escola, tal projeto foi apresentado ao corpo docente, que prontamente aderiu aos seus propósitos, 14466 inclusive, enriquecendo a proposta inicial a partir de sugestões de outras ações, envolvendo práticas de leitura e escrita de textos narrativos. Para efeito de apresentação do trabalho desenvolvido por meio do referido projeto, dividimos este relato em três grupos de ações que serão a seguir apresentadas: curso de extensão sobre leitura e escrita de textos narrativos; planejamento das atividades de leitura e escrita de textos narrativos; implementação e resultados das atividades planejadas. Curso de extensão sobre leitura e escrita de textos narrativos O primeiro grupo de ações compreendeu a realização de um curso de extensão proposto aos professores regentes de turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental das duas escolas mencionadas e às acadêmicas pibidianas, com o intuito de fornecer subsídios teórico-metodológicos para a implementação do projeto. Para tanto, traçamos três objetivos: fortalecer a formação inicial de docentes para atuarem nos anos iniciais do Ensino Fundamental; enriquecer a formação continuada em serviço de professores que atuam nos anos iniciais do Ensino Fundamental; e valorizar o trabalho em equipe, tendo em vista os processos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental e das acadêmicas do Curso de Pedagogia participantes do PIBID. Tal curso de extensão foi marcado por seu caráter teórico-metodológico, aqui dividido apenas para efeito de apresentação. Em uma parte, sob responsabilidade da coordenadora e das supervisoras do PIBID/Pedagogia, em forma de sessões de estudo realizadas quinzenalmente, foram promovidas reflexões a respeito da apropriação da linguagem escrita, destacando os processos de letramento e alfabetização, e de aspectos teóricos e metodológicos que envolvem a narração de histórias, a produção e a reestruturação de textos narrativos. Não havia a intenção de esgotar a temática, dada a sua extensão, mas subsidiar as ações pedagógicas a serem implementadas por meio do projeto ora relatado. A outra parte do curso de extensão, sob a forma de sessões de orientação metodológica, correspondeu ao planejamento e à organização dos encaminhamentos necessários para implementar ações pedagógicas que envolvessem leitura de textos narrativos, produção e reestruturação de texto, organização de livretos a partir das produções textuais das crianças e exposição dessas produções. As sessões de orientação metodológica aconteceram semanalmente, com o objetivo de planejar e organizar as atividades pretendidas, as quais compõem o segundo grupo de ações a seguir expostas. 14467 Planejamento das atividades de leitura e escrita de textos narrativos O planejamento e a organização das atividades de leitura e escrita de textos narrativos compreenderam as seguintes ações: a) definição da história a ser narrada para cada turma do 1º ao 5º ano das duas escolas; b) confecção de recursos didáticos para incrementar as narrações de cada história selecionada; c) estudo sobre a estrutura de textos narrativos (enredo, personagens, espaço, tempo, narrador); d) análise do texto da história contada, levantando aspectos que correspondem aos elementos de um texto narrativo; e) análise do enredo da história contada, levantando a situação inicial, o conflito, o desenvolvimento, o clímax e o desfecho; f) produção coletiva de um texto narrativo a partir da troca de alguns elementos da história original; g) produção individual do desfecho do texto narrativo produzido coletivamente; h) divisão do texto narrativo criado coletivamente pelos alunos, juntamente com os desfechos individuais, em partes que permitissem ilustração; i) impressão, para todas os alunos de cada turma, das partes do texto narrativo por eles criado, tendo em vista a confecção de um livreto; j) ilustração de cada parte do texto que compõe o livreto; k) elaboração da capa e da página de apresentação do livreto; l) montagem e exposição dos livretos produzidos pelas crianças; m) exposição dos livretos produzidos pelas crianças. Implementação e resultado das atividades planejadas Mediante a narração de uma história, os alunos de cada turma das referidas instituições foram envolvidos em diálogos e debates que os levaram a realizar inferências com base no conteúdo do texto narrado. Em seguida, os elementos de um texto narrativo foram apresentados às crianças e, com a participação delas, foi produzido um texto coletivo, alterando alguns elementos da narrativa original. O desfecho da história foi escrito individualmente, de forma que, em cada turma, foram redigidas, aproximadamente, 30 histórias com finais diferentes, cujos textos foram corrigidos e reestruturados pelas 14468 acadêmicas, supervisoras e professoras regentes. Na etapa seguinte, cada história foi dividida em cenas, as quais foram reproduzidas, tendo em vista a confecção de um livreto e, posteriormente, ilustradas pelas próprias crianças. No total, foram produzidos 10 livretos diferentes em cada instituição, gerando, aproximadamente, 600 (seiscentas) histórias diferentes. Para encerrar as atividades, foram realizadas quatro noites de autógrafos (duas em cada escola). Nessa atividade de encerramento, também considerada um evento de letramento, conforme Kleiman (2005), os alunos do 1º ao 5º ano do ensino fundamental autografaram seu livreto e o entregaram aos seus pais ou responsáveis. Esse evento foi coroado pela participação maciça dos pais e responsáveis, pela alegria das crianças ao darem seu primeiro autógrafo e pela satisfação das acadêmicas, supervisoras e professoras regentes pelo trabalho realizado, pois práticas de leitura e produção de textos narrativos foram plenamente intensificadas, conforme objetivo proposto pelo projeto aqui relatado. Algumas considerações finais Relatamos aqui uma experiência envolvendo o planejamento, a organização e implementação de algumas ações pedagógicas, tendo como objetivo intensificar práticas de leitura e escrita de textos narrativos, revelando o caminho percorrido por um grupo de acadêmicas bolsistas participantes do PIBID/Pedagogia/UEM, sob orientação da coordenadora e das supervisoras do projeto nas escolas. Verificamos que, por meio de práticas de leitura e produção de textos narrativos, desde que sejam significativas, desafiadoras e estimulantes, pode-se ensinar às crianças que a escrita é um instrumento cultural por meio do qual o homem comunica-se, registra opiniões, fatos, ideias e tem acesso ilimitado ao conhecimento, estimulando-as a se apropriar dessa linguagem. Nesse sentido, afirmamos que a apropriação da linguagem escrita, por meio dos processos de letramento e alfabetização, não ocorre de forma direta, pois depende, fundamentalmente, de uma organização, cuja tarefa cabe ao professor. Assim, entendemos a mediação pedagógica como condição maior do trabalho desse profissional, exigindo-lhe que dote sua prática pedagógica de intencionalidade, no sentido de ter como referência o produto final de sua ação perante os aprendizes, e de sistematicidade, compreendida como organização e sequenciação necessárias para que os objetivos traçados sejam alcançados. 14469 Por fim, apontamos a importância dessa experiência, brevemente relatada, para a elevação da qualidade do ensino e da formação inicial de professores, pois projetos dessa natureza reafirmam a necessidade de revestir de intencionalidade e sistematicidade todas as ações pedagógicas. REFERÊNCIAS DEBUS, Eliane. Festaria de brincança: a leitura literária na educação infantil. São Paulo: Paulus, 2006. KLEIMAN, Ângela. Os significados do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 1995. ______. Letramento e suas implicações para o ensino de língua materna. Signo. Santa Cruz do Sul, v. 32 n 53, p. 1-25, dez, 2007. MAIA, Joseane. Literatura na formação de leitores e professores. São Paulo: Paulinas, 2007. SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: CEALE/Autêntica, 1998. ______. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, n. 25, p. 5-17, jan./abr. 2004.