A BOA FÉ OBJETIVA E O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDOTCLE - ENOLVENDO A TAXA DE DISPONIBILIDADE OBSTETRÍCIA 1.
PLINIO LACERDA MARTINS
Presidente do MPCON
Diretor de Apoio ao Ministério Púbico do Brasilcon
Professor de Direito do Consumidor da UFJF
Mestre em Direito
Promotor de Justiça
1. Introdução do tema; 2. A boa-fé objetiva; 3. A Taxa de Disponibilidade Obstetrícia;
4. O Termo de Consentimento Livre Esclarecido – TCLE – e a boa-fé. 5.Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A boa-fé é o princípio norteador dos contratos, inclusive nas relações jurídicas
de consumo. A boa-fé na formação dos contratos é regra objetiva de conduta, ou como
fonte dos deveres de conduta na melhor visão do §242 do BGB. Cláudia Lima Marques
afirma que o “contrato não envolve só obrigação de prestar, mas envolve também uma
obrigação de conduta” 2.
Desde 2007 a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS vem recebendo
indagações a respeito da legalidade da cobrança, por parte dos médicos obstetras que
atendem aos planos de saúde, de uma taxa denominada ‘taxa de disponibilidade’, para a
realização do parto.
Em 2012, a ANS chegou a criar um Grupo Técnico para debater o parecer do
Conselho Federal de Medicina n. 39/12, que dispunha como lícita a cobrança por parte
dos médicos obstetras.
Acrescente-se ainda, que os médicos obstetras estão colhendo assinaturas das
usuárias do plano de saúde no TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE
ESCLARECIDO-TCLE, esclarecendo que a cobrança do valor é em separado, pois o
plano não cobre à disponibilidade do médico para à assistência a parturiente, restando o
desafio a ser enfrentado neste ensaio se tal prática ofende ou não o princípio da boa-fé
objetiva consagrada no código de defesa do consumidor.
1
Palestra proferida no XII Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor - BRASILCON
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001, p. 183-184. O Código Civil/2002 também sofreu reflexos desta nova perspectiva da boa
fé ao editar o art. 113 que dispõe: Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a
boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
2
Optamos em trazer este assunto para o Congresso como forma de alertar os
consumidores a respeito das diversas práticas comerciais ocorridas no mercado de
consumo e sua abusividade.
2. A BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO DO CONSUMIDOR
Quando o banco BMG - dificulta para o consumidor a emissão de boleto para
quitação antecipada está agindo de boa-fé3?
O doutrinador Karl Larenz afirma que o Princípio da boa-fé significa que cada
um deve guardar fidelidade com a palavra dada e não frustrar a confiança ou abusar
dela, já que esta forma a base indispensável de todas as relações humanas 4.
Logo, em resposta a indagação acima, o BMG não está agindo de boa-fé por
frustrar a confiança do consumidor, que acredita que a qualquer momento possui o seu
direito a quitação sem nenhum embaraço.
No âmbito do contrato de plano de saúde, o Desembargador carioca Sérgio
Cavalieri, já havia manifestado no aresto de 2002, que a cláusula contratual assinada
pelo consumidor só é válida se a mesma não violar a boa-fé, declarando nula a denúncia
unilateral do contrato de plano de saúde, afirmando in verbis:
SEGURO
SAUDE
ASSISTENCIA
MEDICO-HOSPITALAR
DENUNCIA DO CONTRATO CLAUSULA CONTRATUAL
CLAUSULA ABUSIVA PESSOA JURIDICA - ART. 2 CDC.
Plano de saúde. Incidência do Código do Consumidor Denuncia
unilateral do contrato. Violação do principio da boa-fé'. Clausula
abusiva. Viola o principio da boa-fé' a denuncia unilateral, após
cinco anos de vigência do contrato, feita em momento em que um dos
seus beneficiários se encontra em tratamento de doença grave, no
inequívoco propósito de excluir o dever decorrente de garantia
anteriormente assumida. Não se pode afastar os efeitos de uma
doença manifestada em plena vigência do contrato. Desprovimento
do recurso5 grifamos.
3
O Centro de Atendimento ao Consumidor da Câmara de Vereadores de Juiz de Fora – CENACON,
representou no Ministério Público em face do BMG pela prática abusiva de dificultar a emissão do boleto
para a quitação antecipada de débitos com a instituição bancária.
4
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1958, p.
142. APUDMIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 76.
5
Apelação Cível nº 13.839/2002, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho, TJRJ.
Logo, a boa-fé exige o mínimo ético exigível, ou seja, um padrão ético de
confiança e lealdade, pois conforme afirma Luhmann, a “Confiança é o que mantém
unida uma sociedade”.
Outro aspecto também interligado a boa-fé é o aconselhamento. A falta deste
aconselhamento ou o mau aconselhamento gera a quebra da boa-fé objetiva como
norma de conduta, essencial para o bom andamento de um contrato.
Destaca-se, por exemplo, que o Banco é como o médico, que tem o dever de
indicar o melhor tratamento (já que detém todo o conhecimento a respeito daquela
determinada atividade), tem o dever de aconselhar as melhores maneiras de contratar!!!
Decorre do fato de um conhecer e o outro não, o que gera a obrigatoriedade do dever
anexo de aconselhamento.
Nesse sentido, a Desembargadora Cristina Gaulia do Tribunal de Justiça do
Estado Rio de Janeiro reconheceu o defeito no serviço prestado pela instituição
bancária, pela ausência de aconselhamento consumidor concluindo o aresto:
Apelação cível. Relação de consumo. Autora correntista do banco-réu,
que consulta o gerente para investir quantia recebida como
indenização pela morte de filho. Banco que investe parte dos valores
em poupança, e parte em títulos de capitalização. Experiência comum
que demonstra prestarem os bancos serviço de consultoria com
indicação e aconselhamento de produtos/serviços para aplicação de
capital. Autora pessoa pobre e humilde, aposentada junto ao INSS.
Ausência de informação a respeito dos riscos, características, ônus e
bônus inerentes a cada tipo de investimento. Perícia que comprova
que a autora deixou de ganhar valores ao investir em títulos de
capitalização e não ter sido orientada quanto ao melhor período para
resgate e realização de novo investimento. Defeito na prestação do
serviço. Art. 14 CDC. Dever de observar o fornecedor a garantia legal
de adequação dos serviços prestados Inteligência do art. 24 CDC.
Danos materiais. Ré que deve restituir à autora os valores que esta
deixou de ganhar. Dano moral. Valor adequadamente fixado pela
sentença. Duplo viés, compensatório e preventivo-pedagógico.
Razoabilidade observada. Recurso desprovido 6.
Rubens Stiglitz assim leciona a respeito do dever de aconselhamento:
"El deber de consejo es de outra que la obligación de información
que, a lo sumo, le suministra su marco. El deber de consejo pone de
manifiesto la dinámica que adquiere la información devida quando es
suministrada com el propósito que ele cocontratante decida – por ter
– en torno a la conveniencia o no de la formalización de un contrato,
6
TJRJ. 0002273-81.2004.8.19.0203- Apelação Des. Cristina Tereza Gaulia - Julgamento: 17/06/2010 Quinta Câmara Cível.
considerándolo un mecanismo apto para satisfacer útilmente las
necessidades que cada quien, previamente, ha enunciado a lo la
contraparte" 7.
No PLS 283 original encaminhando para o Congresso, elaborado pela comissão
de juristas, dispunha o termo ‘‘aconselhamento’’ no art. 54-c como dever jurídico do
fornecedor de crédito, que além de esclarecer, também teria o dever de ‘‘aconselhar’’ 8.
Após a revisão pelo Senado, com as emendas ao PLS 283, foi suprimida a palavra
“aconselhamento” passando a ter a seguinte redação:
Art. 54‐D. Na oferta de crédito, previamente à contratação, o
fornecedor ou intermediário deve, entre outras condutas:
I – informar e esclarecer adequadamente o consumidor considerando
sua idade, saúde, conhecimento e condição social, sobre a natureza e a
modalidade do crédito oferecido, informando todos os custos
incidentes, observado o disposto no art. 52.
Destarte, o fornecedor não deve frustrar a confiança do consumidor ou abusar
dela, já que a boa-fé exige um mínimo ético exigível, ou seja, um padrão ético de
confiança e lealdade, possuindo o dever do aconselhamento, sendo que o mau
aconselhamento gera a quebra da boa-fé objetiva como norma de conduta, essencial
para o bom andamento de um contrato.
3. A TAXA DE DISPONIBILIDADE OBSTETRÍCIA;
Conforme mencionado na introdução, desde 2007 a Agência Nacional de Saúde
Suplementar – ANS vem recebendo indagações a respeito da legalidade da cobrança,
por parte dos médicos obstetras que atendem aos planos de saúde, de uma taxa
denominada ‘taxa de disponibilidade’, para a realização do parto.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS tem por atribuição regular o
mercado de planos de saúde, tendo ainda como função a elaboração de um rol contendo
7
Revista de Direito do Consumidor, nº 22, Abril – Junho 97, La Obligación Precontractual y
Contractual de Información. El Deber de Consejo, p. 9 a 25.
8
Dispunha o PLS 283; Art. 54-C. Sem prejuízo do disposto no art. 46, no fornecimento de crédito,
previamente à contratação, o fornecedor ou o intermediário devem, entre outras condutas: I – esclarecer,
aconselhar e advertir adequadamente o consumidor sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido,
assim como sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento;
os procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde comercializados a
partir da vigência da lei 9.656/98, incluindo o atendimento obstétrico.
A Resolução Normativa n. 211/2010 alterada pelas RN n. 262/2011 e RN n.
281/2011 consigna que o plano de saúde hospitalar com obstetrícia compreendem toda a
cobertura definida para o plano, acrescida dos procedimentos relativos ao pré-natal, da
assistência ao parto, cobertura ao recém-nascido, durante os primeiros 30 dias após o
parto, ou seja, ‘’as operadoras de planos privados de assistência á saúde devem oferecer
toda a cobertura obrigatória descrita em contrato referente ao pré-natal, parto e
assistência ao trabalho de parto sem custo adicional’’9.
Em 2012, a ANS chegou a criar um Grupo Técnico para debater o parecer do
Conselho Federal de Medicina n. 39/12, que dispunha como lícita a cobrança por parte
dos médicos obstetras.
O parecer do CFM assim dispõe:
Parecer CFM 39/12
EMENTA: É ético e não configura dupla cobrança o pagamento de
honorário pela gestante referente ao acompanhamento presencial do
trabalho de parto, desde que o obstetra não esteja de plantão e que este
procedimento seja acordado com a gestante na primeira consulta. Tal
circunstância não caracteriza lesão ao contrato estabelecido entre o
profissional e a operadora de plano e seguro de saúde.
O Grupo Técnico criado pela ANS para análise da Taxa de Disponibilidade
enfrentou as seguintes perguntas: “A disponibilidade para realização do parto é um
procedimento distinto da assistência ao trabalho de parto e pré-natal? Se sim, sendo um
outro procedimento, pode ser cobrado à parte? Os procedimentos parto e pré-natal
devem ser realizados de maneira integral ou são procedimentos distintos?” As respostas
as indagações foram no sentido de não tratar de um novo procedimento, logo estaria
coberto pelo contrato firmado entre a operadora e a usuária do plano.
A
ANS
chegou
a
394/2014/GEAS/GGRAS/DIPRO/ANS
editar
a
Nota
repudiando
a
cobrança
Técnica
n.
da
de
taxa
disponibilidade.
A Lei 9.656/98 em seu art. 12, inciso II, alínea c estabelece que a cobertura de
despesas referentes a honorários médicos deve ser obrigatoriamente coberta pelas
9
Nota n. 011/2013 editada pela GEAS/GGRAS/DIPRO/ANS, em 15 janeiro de 2013.
operadoras de planos privados de assistência à saúde para eventos que ocorram durante
a internação hospitalar, incluindo a internação hospitalar em obstetrícia 10.
O art. 22 da Resolução Normativa n. 338 de 21 de outubro de 2013, estabelece:
Art. 22. O Plano Hospitalar com Obstetrícia compreende toda a
cobertura definida no artigo 18 desta Resolução, acrescida dos
procedimentos relativos ao pré-natal, da assistência ao parto e
puerpério, observadas as seguintes exigências:
I - cobertura das despesas, incluindo paramentação, acomodação e
alimentação, relativas ao acompanhante indicado pela mulher durante:
a)pré-parto;
b)parto; e
c)pós-parto imediato por 48 horas, salvo contra-indicação do médico
ou até 10 dias, quando indicado pelo médico assistente;
Assim, as despesas referentes a honorários médicos necessários a essas etapas da
atenção perinatal, incluindo a internação hospitalar para a assistência ao parto, estão
necessariamente cobertas pela operadora de plano de saúde.
A própria norma técnica da ANS reconhece que a taxa de disponibilidade vai de
encontro aos princípios do Código de Defesa do Consumidor, os quais são aplicáveis
subsidiariamente aos contratos de planos de saúde, em especial o da vulnerabilidade do
consumidor, da interpretação mais favorável e da presunção de sua boa-fé.
A ANS consigna a possibilidade de desligamento, por iniciativa da operadora, de
seu cooperado, credenciado ou referenciado, caso ocorra à cobrança de honorários
diretamente aos beneficiários relativos à disponibilidade para a realização de
procedimentos que façam parte da cobertura mínima obrigatória, podendo ser imputada
a responsabilidade á operadora quando houver a cobrança.
4. O TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO – TCLE – E A BOAFÉ.
Conforme acima mencionado, o Parecer do CFM dispõe como sendo ético e não
configura dupla cobrança o pagamento de honorário pela gestante referente ao
acompanhamento presencial do trabalho de parto, desde que o obstetra acorde com a
gestante na primeira consulta, confeccionando o TERMO DE CONSENTIMENTO
LIVRE E ESCLARECIDO-TCLE. Resta à dúvida se o termo firmado configura como
sendo cláusula ágrafa11.
10
Nota n. 394/2014/GEAS/GGRAS/DIPRO/ANS.
O TCLE deixa registrado que o acompanhamento presencial do trabalho de parto
tem caráter opcional pela gestante, sendo esclarecida que o contrato do seu plano de
saúde assegura-lhe a cobertura obstétrica, mas não lhe confere o direito de realizar o
parto com o obstetra que a assistiu durante o pré-natal.
Data máxima venia este não é o autêntico aconselhamento que o médico obstetra
deve fazer a usuária do plano de saúde que procura o médico com objetivo de fazer o
futuro parto, pois isto gera a quebra da boa fé objetiva.
A questão do direito de cobrança de honorários ou mesmo de valor adicional
para atendimento médico fora do horário convencional já foi enfrentada pelo STJ, que
assim manifestou:
STJ – Direito do Consumidor. Cobrança por Hospital de Valor
Adicional para Atendimentos Fora do Horário Comercial.
A pedra de toque do direito consumerista é o princípio da
vulnerabilidade do consumidor, mormente no que tange aos contratos.
Nesse
contexto,
independentemente
do
exame
da
razoabilidade/possibilidade de cobrança de honorários médicos
majorados para prestação de serviços fora do horário comercial, salta
aos olhos que se trata de custos que incumbem ao hospital. Este, por
conseguinte, deveria cobrar por seus serviços diretamente das
operadoras de plano de saúde, e não dos particulares/consumidores.
Além disso, cabe ressaltar que o consumidor, ao contratar um plano de
seguro de assistência privada à saúde, tem a legítima expectativa de
que, no tocante aos procedimentos médico-hospitalares cobertos, a
empresa contratada arcará com os custos necessários, isto é, que
haverá integral assistência para a cura da doença. No caso, cuida-se de
cobrança iníqua, em prevalecimento sobre a fragilidade do
consumidor, de custo que deveria estar coberto pelo preço exigido da
operadora de saúde – negócio jurídico mercantil do qual não faz parte
o consumidor usuário do plano de saúde –, caracterizando-se como
conduta manifestamente abusiva, em violação à boa-fé objetiva e
ao dever de probidade do fornecedor, vedada pelos arts. 39, IV, X,
e 51, III, IV, X, XIII, XV, do CDC e 422 do CC. Ademais, na relação
mercantil existente entre o hospital e as operadoras de planos de
saúde, os contratantes são empresários – que exercem atividade
econômica profissionalmente –, não cabendo ao consumidor arcar
com os ônus/consequências de eventual equívoco quanto à gestão
empresarial12. Destacamos.
A doutrina distingue a boa-fé subjetiva, que é boa-fé crença da boa-fé objetiva,
que é a boa-fé lealdade. A boa-fé crença é aquela que se baseia no erro ou na ignorância
11
Em Minas Gerais, o Projeto de lei n. 5.286/2014 estabelece que fica proibida, no âmbito do Estado de
Minas Gerais, a cobrança de qualquer valor ou taxa, pelas maternidades particulares, para permitir que o
médico que atendeu a parturiente durante os meses de gestação seja o responsável pelo parto, coibindo
assim taxa de disponibilidade pelo médico obstetra.
12
REsp. 1324.712-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julg. 24/9/2013.
da verdadeira situação jurídica é a guten glauben dos alemães. A boa-fé lealdade é a
boa-fé probidade, ético, sinceridade que deve existir no comércio jurídico é a treu und
glauben.
Flávio Tartuce afirma que “dentro do conceito da boa fé objetiva reside a boa-fé
subjetiva, já que uma boa atuação presume uma boa intenção’’13.
Judith Martins Costa define a boa-fé objetiva como regra de conduta que se
constitui em um dever de agir de acordo com determinados padrões, socialmente
recomendados, de confiança e lealdade 14.
Para Cláudia Lima Marques a observância ao princípio da boa-fé objetiva nas
relações contratuais significa “atuação refletida, uma atuação refletindo, pensando no
outro, no parceiro contratual, respeitando-o, respeitando seus interesses legítimos, suas
expectativas razoáveis, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução,
sem causar lesão ou desvantagem excessiva, cooperando para atingir o bom fim das
obrigações: o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses das
partes” 15.
Assim, a boa-fé exige uma diligencia in contrahendo, uma expectativa de um
comportamento adequado, uma conduta legal de regras de conduta.
Afirmando que a boa-fé objetiva cria deveres negativos e positivos e proíbe o
venire contra factum proprium, assevera Sergio Cavalieri:
"A boa-fé objetiva não cria apenas deveres negativos, como faz a
boa-fé subjetiva. Ela cria também deveres positivos, já que exige que
as partes tudo façam para que o contrato seja cumprido conforme
previsto e para que ambas tenham o proveito objetivado. [...] A boafé objetiva serve como elemento interpretativo do contrato, como
elemento de criação de deveres jurídicos/dever de correção, de
cuidado e segurança, de informação, de cooperação, de sigilo, de
prestar contas e até como elemento de limitação e ruptura de direitos
(proibição de venire contra factum proprium, que veda que a conduta
da parte entre em contradição com conduta anterior, do inciviliter
agere, que proíbe comportamentos que violem o princípio da
dignidade humana, e da tu quoque, que é a invocação de uma
cláusula ou regra que a própria parte já tenha violado” 16.
13
TARTUCE, Flavio. O Princípio da Boa-Fé Objetiva em Matéria Contratual. Apontamentos em Relação
ao
Novo
Código
Civl
e
Visão
do
Projeto
nº
6.960/02".
Disponível
em;
http://www.professorsimao.com.br/artigos_convidados_tartuce.htm. Acesso em maio de 2014.
14
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
15
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. v. I. 4. ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: RT, 2002, p. 107.
16
CAVALIERI FILHO, S. Programa de Direito do Consumidor, p. 133.
Consoante este entendimento, o princípio da boa-fé objetiva proíbe que a parte
assuma comportamentos “contraditórios”, ou seja, proíbe o venire contra factum
proprium.
Para a caracterização do venire contra factum proprium se faz mister a
existência de alguns pressupostos específicos, quais sejam: o factum proprium, a
legítima confiança, a contradição ao factum proprium e o dano efetivo ou potencial.
Nesse sentido, as partes são obrigadas a respeitar o princípio da boa-fé objetiva
e, por conseguinte, não pode existir o comportamento contraditório, do seu conteúdo, da
forma de caracterização e aplicação do venire contra factum proprium.
Anderson Schreiber conceitua o factum proprium:
O factum proprium é, por definição, uma conduta não-vinculante.
Torna-se vinculante apenas porque e na medida em que,
despertando a confiança de outrem, atrai a incidência do princípio
de proibição do comportamento contraditório e impõe ao seu
praticante a conservação do seu sentido objetivo. O factum
proprium não consiste em ato jurídico no sentido tradicional; passa
a produzir efeitos jurídicos somente por força da necessidade de
tutelar a confiança legítima depositada em outrem. Em síntese, não
é jurídico, torna-se jurídico. Ora, trata-se de uma conduta não
vinculante, que apenas se torna vinculante em razão de desperta
uma expectativa legítima na outra parte, por decorrência lógica dos
ditames de lealdade e confiança que devem nortear todas as
relações jurídicas existentes17.
Assente aos ensinamentos da doutrina é possível concluir que o TCLE é uma
cláusula ágrafa, pois afronta ao princípio da boa-fé objetiva, considerado o
comportamento contraditório esperado pela usuária do plano de saúde, que é
surpreendida com novo pacto, que a princípio esperava-se que estaria coberto pelo
plano de saúde.
Assim, a contradição entre o contrato firmado com a usuária do plano de saúde
que prevê a cobertura da cirurgia obstetrícia e o TCLE deve ser entendida como a
incompatibilidade existente, por conter comportamentos contraditórios, considerado
como venire contra factum proprium.
5. CONCLUSÃO
17
SCHREIBER, Anderson. A Proibição de Comportamento Contraditório. Rio de Janeiro: Renovar,
2005, p. 127.
A “taxa de disponibilidade” exigida pelos médicos obstetras do plano de saúde
das usuárias do plano para ficar a disposição das mesmas, é considerada uma prática
abusiva, pois ofende a boa-fé objetiva, contendo comportamentos contraditórios, sendo
considerado venire contra factum proprium.
A Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor – MPCON
chegou inclusive a expedir notificação através do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor aos profissionais da saúde contendo a recomendação:
RECOMENDAÇÃO MPCON
Recomendar ao profissional de saúde para abster da cobrança da taxa
de disponibilidade que configura quebra de contrato, podendo incidir
em instauração de processo administrativo no Procon para aplicação
de sanção administrativa pela prática abusiva e pedido de
descredenciamento junto a operadora do plano. Encaminhar aos
órgãos da classe dos profissionais a presente Recomendação,
solicitando orientação.
Em relação ao Termo de Consentimento Livre Esclarecido - TCLE apresentado pelo
médico obstetra à futura gestante do plano de saúde cuida-se de aconselhamento
indevido, pois o contrato de plano de saúde já contempla o atendimento em
conformidade com as normas da ANS sendo vedada a incoerência, uma vez que afronta
as legítimas expectativas criadas pela usuária, considerado como cláusula abusiva pela
ofensa a boa fé.
Logo, a diligencia in contrahendo, que é uma legitima expectativa de um
comportamento adequado, vai à contramão daquilo que é expressado pelo TCLE.
Registra-se que o fornecedor/médico não deve frustrar a confiança do
consumidor ou abusar dela, já que a boa-fé exige um mínimo ético exigível, ou seja, um
padrão ético de confiança e lealdade, possuindo o dever do aconselhamento, sendo que
o mau aconselhamento gera a quebra da boa-fé objetiva como norma de conduta,
essencial para o bom andamento de um contrato.
Por fim, ressalta-se que a usuária possui o direito a indenização na hipótese de
pagamento da taxa de disponibilidade através do TCLE, conforme também destaca
Anderson Schreiber:
É certo que o dano eventualmente causado por um venire contra
factum proprium deve ser ressarcido. Alguns autores sustentam,
todavia, que tal conclusão não deriva de qualquer elemento ou
característica do venire contra factum proprium, mas da “regra geral”
de que todo dano injustificadamente causado merece ressarcimento.
[...] De fato, sendo o comportamento contraditório violador da
confiança tomado como um comportamento abusivo, a vítima está,
exatamente por esta razão, habilitada a obter indenização 18.
Bibliografia
CAVALIERI FILHO, S. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2008.
CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no direito civil.
Coimbra: Almedina, 2001.
LARENZ, Karl. Derecho de obligaciones. Madrid: Editorial Revista de Derecho
Privado, 1958, p. 142. APUDMIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor,
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. v. I. 4. ed.
rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2002.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000.
TARTUCE, Flavio. O Princípio da Boa-Fé Objetiva em Matéria Contratual.
Apontamentos em Relação ao Novo Código Civil e Visão do Projeto nº 6.960/02.
Disponível em http://www.professorsimao.com.br/artigos_convidados_tartuce.htm.
Acesso em maio de 2014.
SCHREIBER, Anderson. A Proibição de Comportamento Contraditório. Rio de
Janeiro: Renovar, 2005.
SILVA, Clóvis do Couto e. In: FRADERA, Vera Maria Jacob de (Org.). O direito civil
brasileiro em perspectiva histórica e visão de futuro. O direito privado brasileiro na
visão de Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
STIGLITZ, Rubens. La Obligación Precontractual y Contractual de Información. El
Deber de Consejo. Revista de Direito do Consumidor, nº 22, Abril – Junho 97, p. 9
a 25.
18
SCHREIBER, Anderson. Op. cit. p. 127.
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