Teoria Geral do Direito Privado
Abuso do Direito
“o direito cessa quando começa o abuso”
Planiol
Numa célebre sentença francesa, de
1913, estava em causa a licitude da
implantação num terreno de espigões de
ferro, com o exclusivo propósito de
provocar danos em dirigíveis lançados
pelo proprietário de um terreno vizinho.
1º Qualifique as coisas e os factos
referidos no texto que antecede.
2º Como deveria ser resolvida a
questão segundo o direito português
vigente ?
NOÇÃO
Actuação que, de uma perspectiva formal, se
enquadra nos termos de um direito, mas que é
condenada por corresponder a um exercício
anómalo ou disfuncional deste
Ilícito
Artigo 334.º do CC
(Abuso do direito)
Boa fé
objectiva
É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular
exceda manifestamente os limites impostos pela boa
fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou
económico desse direito.
Exercício de qualquer
posição jurídica:
exercício disfuncional de
posições jurídicas
 O abuso do direito constitui um limite à
autonomia privada no exercício jurídico
Tipos (sociais) de condutas abusivas:
a) Exceptio doli
b) Venire contra factum proprium
c) Inalegabilidades formais
d) Suppressio e surrectio
e) Tu quoque
f) Desequilíbrio no exercício (residual)
a) Exceptio doli
Direito Romano – acção exceptio doli
Faculdade de paralisar o exercício do direito de outrem quando
este o adquiriu ou exerce com desonestidade
Assenta genericamente na violação da boa fé e dos bons
costumes
Carácter muito vago – esbatimento da sua relevância, em
detrimento de outras tipologias de abuso do direito
b) Venire contra factum proprium
Protecção da confiança e das legítimas expectativas criadas
(vocação ética e social)
Consubstancia uma reprovação dos comportamentos
contraditórios (valorização da estabilidade)
1.º comportamento
2.º comportamento
Facto próprio
(anterior)
Facto que contraria
(vem contra)
Estrutura
Venire positivo: comportamento que gera a convicção de que
não irá praticar um certo facto, e depois pratica-o
Ac. Rel. Coimbra de 30.06.1998
Constitui venire vir resolver um contrato de arrendamento com
fundamento na falta de pagamento das rendas quando, durante
três anos, o inquilino depositou, sem problemas, a renda em
local diferente do devido
Venire negativo: comportamento demonstrativo de que se
vai desenvolver certa conduta, depois negada
Ac. Rel. Coimbra de 28.06.1994
“Há venire contra factum proprium quando o vendedor,
decorrido o prazo de caducidade, aceita perante o comprador
reparar a coisa e, depois, na acção proposta por este, invoca a
excepção de caducidade da garantia”
Manifestação da tutela da confiança (critério de decisão)
Elementos tendenciais:
1.º Situação de confiança: boa fé (subjectiva) da pessoa que acredite
numa conduta alheia (no "factum proprium”)
2.º Justificação dessa confiança: existência de elementos objectivos
susceptíveis de provocar a crença plausível de uma pessoa normal
3.º Investimento da confiança: desenvolvimento de uma actuação
baseada na confiança criada (a mera convicção sem actuação não é
relevante)
4.º Imputação da confiança: a situação tem de ser devida à acção ou
omissão de alguém
c) Inalegabilidades formais
Invocação da invalidade formal de um negócio pela parte
que o provocou intencionalmente
Rejeição de casos de falta de forma evidente ou negligência
grosseira
Jurisprudência portuguesa - muitas vezes venire contra
factum proprium
A, jurista da sociedade B, celebra com esta um
contrato de mútuo para aquisição de um cartão
de férias.
Nos termos do regime do crédito ao consumo
(art. 12.º do DL 133/2009), o contrato tem de
ser celebrado por escrito, sob pena de nulidade.
No entanto, A convence B da dispensabilidade
legal daquele formalismo, assegurando-lhe que
não se aplica aquele diploma ao referido
contrato.
A não poderá arguir a nulidade do contrato:
abuso do direito
d) Suppressio (e surrectio)
Suppressio: quando uma posição jurídica, não tendo sido
exercida durante um certo tempo, não possa mais sê-lo,
por, de outra forma, se atentar contra a boa fé
Surrectio: surgimento de uma possibilidade numa esfera
jurídica, em virtude da boa fé, que, de outro modo, não lhe
assistiria (contraface da suppressio)
Tutela da confiança do beneficiário:
• Não exige culpa, apenas inacção do sujeito
• Carácter subsidiário da supressio: papel complementar
no sistema de repercussão do tempo nas relações
jurídicas (caducidade e da prescrição)?
Tempo necessário? Aquele em que já não será de
esperar o exercício devido
• Recondução
ao venire contra factum proprium
(factum proprium = abstenção)?
e) Tu quoque
Quem violar uma norma não pode tirar partido da violação
(desequilíbrio das posições jurídicas – materialidade subjacente)
Consagrações legais :
Art. 126.º - não pode anular o NJ o menor que tenha agido com
dolo
Art. 570.º, n.º 1 do CC: a culpa do lesado pode reduzir/excluir a
indemnização
Aplicação jurisprudencial:
Ac. Rel. Lx de 02.03.2004: um condómino que não queira
assinar a acta da assembleia não pode prevalecer-se disso para
a impugnar: seria abuso de direito
f) Desequilíbrio no exercício
1. Exercício danoso inútil
2. Exigência de algo que deva
ser imediatamente restituído
• dolo agit qui petit quod statim redditurus est
3. Desproporcionalidade
Subespécies
1) Exercício danoso inútil
É abusivo, por contrário à boa fé, o exercício da posição
jurídica sem que este represente qualquer vantagem para
o seu titular, quando dele resultem consequências
negativas para outrem
Caso da chaminé falsa de Colmar (1855):
Um proprietário construiu no seu prédio uma chaminé falsa inútil,
com o propósito de tapar uma janela do vizinho
2) Exigência de algo que deva ser imediatamente restituído
dolo agit qui petit quod statim redditurus est
É contrário à boa fé, e, assim, abusivo, exigir o que de
seguida se deva restituir
Partilha de fundamento com a figura da compensação 847.º do CC
Assim, outros casos que não comportem compensação
poderão estar cobertos pelo dolo agit, por força da boa fé
3) Desproporcionalidade
Desproporção (considerável) entre a vantagem auferida
pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem
Compra de um automóvel novo, sem que o vendedor entregue
ao comprador o livrete e o título de propriedade, apesar de
instado. Após 60.000 km o automóvel tem um acidente. O
comprador vem resolver o contrato por incumprimento do
dever acessório de entrega daqueles documentos (Ac. STJ de
25.11.1999)
Condómino que, detendo mais de 66‰ dos votos numa
assembleia, vota a assunção de apenas 50% dos encargos (Ac.
STJ de 08.07.1997)
Consequências:
Supressão do direito (hipótese comum, designadamente na
suppressio)
Cessação do exercício abusivo, mantendo-se o direito
Dever de restituir
Dever de indemnizar (pressupostos da responsabilidade
civil)
Elenco aberto: o aplicador deverá decidir, in casu, qual a
consequência mais adequada
Nalguns casos, a lei determina a consequência
Ex: art. 58.º, n.º1, al. b) do CSC (deliberações abusivas): anulabilidade
Numa célebre sentença francesa, de
1913, estava em causa a licitude da
implantação num terreno de espigões de
ferro, com o exclusivo propósito de
provocar danos em dirigíveis lançados
pelo proprietário de um terreno vizinho.
1º Qualifique as coisas e os factos
referidos no texto que antecede.
2º Como deveria ser resolvida a
questão segundo o direito português
vigente ?
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