RENADE Rede Nacional de Defensores dos Adolescentes em Conflito com a Lei Relatório Final1 “É preciso estar atento e forte...” O presente Relatório tem o objetivo de apresentar o trabalho realizado pela Consultoria junto à RENADE no período de um ano compreendido entre abril de 2012 e março de 2013, bem como propor ações de incidência política junto ao Parlamento e o Executivo federais. Nesse período, diversas atividades foram executadas, como a elaboração de pareceres que subsidiem parlamentares atuantes na tramitação dos projetos de lei e propostas de emenda constitucional que afetem os direitos socioeducativos de crianças, adolescentes e jovens adultos; realização de encontros da rede de entidades componentes da RENADE e de adolescentes; articulação entre entidades e movimentos sociais potencialmente parceiros na consecução de ações de campanha e de elaboração dos pareceres; disseminação de informações e documentos normativos na rede eletrônica da RENADE; realização de reuniões com parlamentares federais etc. Em suma, atividades que contemplam diretamente a finalidade dessa atuação consultora, em prol das ações da Rede Nacional. Apresentam-se as principais propostas de alteração legislativa atuais (Câmara dos Deputados e Senado Federal); análise das propostas em andamento e as ações de articulação parlamentar e incidência política por meio do assessoramento técnico e parcerias. A seguir, o Relatório desenvolve-se nas seguintes partes: I. Propostas de Emenda Constitucional. II. Projetos de Lei. III. Leitura política sobre as propostas normativas – Tendências IV. Estratégias utilizadas durante a Consultoria feita à RENADE V. Plano de Incidência – experiência 2012/2013 e propostas para a RENADE. 1 Autoria: Daniel Adolpho Daltin Assis O processo de investigação adotou como estratégia a busca por palavras-chave, uma vez que o universo de proposições não está previamente divido em categorias que nos contemplem, senão, apenas, por espécies de normas propostas. A busca se deu nos portais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal e resultou em 100 proposições. Realizou-se por meio das seguintes palavras-chave: “socioeducativo”, “medida socioeducativa”, “conflito com a lei”, “adolescente e ato infracional”. Diante disso, encontramos as proposições a seguir sistematizadas. Nas tabelas, dividimos em cores que sinalizam os documentos que se apresentam, ao ver do autor deste Relatório, com o objetivo de: a) promover retrocessos no marco histórico das conquistas sociais dos adolescentes e que estejam: i. em andamento regular cor vermelha. ii. em andamento irregular (distintos arquivamentos) cor amarela. b) promover avanços, estratégicos ou finalísticos 2, no marco histórico das conquistas sociais dos adolescentes cor verde. Com isso, pretendemos que o leitor assimile, de forma didática e sintetizada, o universo de documentos normativos propostos no Congresso Nacional – instância legítima para alterar a Carta Magna e as leis ordinárias infra-constitucionais - por meio da numeração, autoria, ementa (ou explicação da ementa) e etapas do complexo processo legislativo. Para maior detalhamento de cada documento, sugere-se entrar nos portais das instituições mencionadas3 e utilizar os recursos presentes. Pontuaremos, ao final, estratégias utilizadas e a serem aproveitadas para os próximos passos desta Rede Nacional de Defensores do Adolescente em Conflito com a Lei e de outras tantas entidades, redes, coletivos, movimentos e órgãos (estatais e nãoestatais) que se coloquem rumo ao objetivo de defesa de direitos humanos de adolescentes e jovens por meio da incidência política. 2 Adotamos a nomenclatura “avanço estratégico” como sinal de ações legislativas que, apesar de não gerarem efeitos concretos de significativa conquista, produzem elementos de mobilização dos setores progressistas e convencimento setores moderados e conservadores. Já “avanço finalístico” é nomenclatura informalmente adotada para significar o resultado de ações legislativas que assumem um claro posicionamento de radicalização da democracia e de suas instituições de garantia de direitos. 3 Câmara dos Deputados: www.camara.gov.br; Senado Federal: www.senado.gov.br. Glossário Câmara dos Deputados CCJC – Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. CCJR – Comissão de Constituição e Justiça e de Redação (extinta). CSSF – Comissão de Seguridade Social e Família. CSPCCO – Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado. CECD – Comissão de Educação, Cultura e Desporto. CREDN - Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional. CEC – Comissão de Educação e Cultura. CDHM – Comissão de Direitos Humanos e Minorias. CMADS - Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Senado Federal CCJ - Comissão de Constituição e Justiça. CDH/LP - Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. CAS – Comissão de Assuntos Sociais. CCJSSP - Subcomissão Permanente de Segurança Pública. CAE – Comissão de Assuntos Econômicos. I. Propostas de Emenda Constitucional (PEC). a) Câmara dos Deputados O processo de busca no portal da Câmara dos Deputados deu origem à identificação de 31 Propostas de Emenda Constitucional (PEC). São elas: PEC Autoria Ementa / Explicação Tramitação e status da ementa 171/93 Dep. Benedito Domingos (PP/DF) Altera a redação do art. 228 da Constituição Federal (imputabilidade penal do maior de dezesseis anos). De 1993 a 2012: apensamento de 28 PECs: 14/89, 37/95, 91/95, 531/97, 633/99, 68/99, 133/99, 150/99, 167/99, 169/99, 260/00, 321/01, 377/01, 582/02, 64/03, 179/03, 272/04, 302/04, 489/05, 48/07, 73/07, 85/07, 87/07, 125/07, 399/09, 57/11, 223/12, 228/12. 1995: encaminhado à CCJC. 2009: parecer Dep. Rel. Marcelo Itagiba (PSDB/RJ). 37/95 Dep. Telmo (PPR/RS) 91/95 Dep. Aracely Paula (PFL/MG) Kirst Dispõe que são penalmente inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial. 1995: apensamento 171/93. à PEC de Declara inimputáveis os menores de dezesseis anos. 1995: apensamento 171/93. à PEC 1996: Apensadas a esta as PEC 386/96 e 426/96. 301/96 Dep. Jair Bolsonaro (PPB/RJ) Estabelece que os menores 1996: apensamento 171/93. à PEC de 16 (dezesseis) anos são inimputáveis, sujeitando-se as normas da legislação especial. 386/96 Dep. Pedrinho Abrão (PTB/GO) Excetua a inimputabilidade penal os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos no caso de crimes contra a pessoa, o 1996: apensamento à PEC 91/95. patrimônio e dos crimes hediondos. 426/96 Dep. Nair Xavier Lobo (PMDB/GO) Declara inimputáveis os 1996: apensamento à PEC 91/95. menores de dezesseis anos. 531/97 Dep. Feu (PSDB/ES) 68/99 Dep. Luiz Antonio Fleury (PTB/SP) Rosa Determina a imputabilidade penal do maior de dezesseis anos. Estabelecendo a 1997: apensamento 171/93. à PEC 1999: apensamento 171/93. à PEC 1999: apensamento 171/93. à PEC 1999: apensamento 171/93. à PEC 2000: apensamento 171/93. à PEC 2000: apensamento 171/93. à PEC imputabilidade penal do maior de dezesseis anos. 133/99 Dep. Ricardo (PMDB/SP) Izar Declara inimputáveis os menores de dezesseis anos, sujeitos às normas da legislação especial. 150/99 Marçal (PMDB/RS) Filho Dispõe sobre a imputabilidade penal do maior de dezesseis anos. 167/99 Dep. Ronaldo Vasconcellos (PFL/MG) Altera o limite de idade da responsabilidade penal para dezesseis anos. Altera a Constituição Federal de 1988. 169/99 Dep. Nelo Rodolfo (PPB/SP) Altera o limite de idade da responsabilidade 260/00 Dep. Pompeo de Mattos (PDT/RS) penal para quatorze anos. 2004: Apensada a esta a PEC 242/04. Dispõe que são penalmente 2000: apensamento 171/93. inimputáveis os menores de dezessete anos, sujeitos às normas da legislação à PEC especial. 633/99 Dep. Osório Adriano (PFL/DF) 321/01 Dep. Alberto Fraga (PMDB/DF) Estabelece que o menor entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos de idade, sendo ou não emancipado, poderá responder a processo judicial. Estabelece que a maioridade penal será 1999: apensamento 171/93. à PEC 2001: apensamento 171/93. à PEC 2001: apensamento 171/93. à PEC 2002: apensamento 171/93. à PEC 2003: apensamento 171/93. à PEC 2003: apensamento 171/93. à PEC 2004: à PEC fixada em lei, devendo ser observados os aspectos psicossociais do agente, aferido em laudo emitido por junta de saúde que avaliará a capacidade de se autodeterminar discernimento e de do fato delituoso. 377/01 Dep. Jorge Tadeu Mudalen (PMDB/SP) Reduz para 16 (dezesseis) anos a imputabilidade penal. 582/02 Dep. Odelmo Leão (PPB/MG) Estabelece que penalmente inimputáveis os menores serão de 16 (dezesseis) anos. 64/03 Dep. André (PMDB/RJ) Luiz Estabelece que lei federal disporá sobre os casos excepcionais de imputabilidade para menores de dezoito anos e maiores de dezesseis. 179/03 Dep. Wladimir Costa (PMDB/PA) Estabelece que penalmente inimputáveis os menores serão de 16 (dezesseis) anos. 272/04 Dep. Pedro Corrêa Reduz para 16 (dezesseis) apensamento (PP/PE) anos a idade para que o menor seja inimputável; 171/93. penalmente altera a Constituição Federal de 1988 302/04 Dep. Almir Moura (PL/RJ) Dá nova redação ao art. 228, da 2004: apensamento 171/93. à PEC 2005: apensamento 171/93. à PEC Constituição Federal, tornando relativa a imputabilidade penal dos dezesseis aos dezoito anos. 489/05 Dep. (PL/SP) Medeiros Submete o menor de 18 (dezoito) anos acusado da prática de delito penal à prévia 2005: regime de tramitação – especial. avaliação psicológica para que o juiz conclua sobre sua inimputabilidade; altera a Constituição Federal de 1988. 48/07 73/07 85/07 Dep. Rogério Lisboa (PFL/RJ) Dep. Alfredo Kaefer (PSDB/PR) Dep. Onyx Lorenzoni (DEM/RS) Reduz a idade penal para 16 (dezesseis) anos, considerando os maiores de dezesseis anos imputáveis penalmente. Altera a Constituição Federal de 1988. 2007: apensamento 171/93. Estabelece que a autoridade judiciária decidirá sobre a imputabilidade penal do menor de 18 (dezoito) anos. Altera a Constituição Federal de 1988. 2007: apensamento 171/93. Torna imputável o agente com idade entre 16 (dezesseis) e 18 (dezoito) anos que tenha cometido crime doloso contra a vida, nos casos em que for 2007: apensamento 171/93. à PEC 2007: regime de tramitação – especial. 2007: recebimento pela CCJC. à PEC 2007: regime de tramitação – especial. 2007: recebimento pela CCJC. à PEC 2007: regime de tramitação – especial. 87/07 Dep. Rodrigo de Castro (PSDB/MG) constatado em laudo técnico que ao tempo do ato infracional o mesmo tinha perfeita consciência da ilicitude do fato. Altera a Constituição Federal de 1988. 2007: recebimento pela CCJC. Considera penalmente imputáveis os menores de dezoito anos nos casos que especifica. 2007: apensamento 171/93. à PEC 2007: regime de tramitação – especial. 2007: recebimento pela CCJC. 125/07 399/09 57/11 Fernando de Fabinho (DEM/BA) Dep. Paulo Roberto Pereira (PTB/RS) Dep. André Moura (PSC/SE) Torna penalmente imputável o adolescente; estabelece que a imputabilidade será determinada por decisão judicial, baseada em fatores psicossociais e culturais do agente, e nas circunstâncias em que foi praticada a infração penal. Altera a Constituição Federal de 1988. 2007: apensamento 171/93. Dá nova redação ao art. 228 da Constituição Federal, tornando relativa a imputabilidade penal dos 14 aos 18 anos para crimes praticados com violência ou grave ameaça à integridade das pessoas. 2009: apensamento 171/93. Estabelece que os maiores de 16 (dezesseis) anos de idade são penalmente imputáveis. 2011: apensamento 171/93. à PEC 2007: regime de tramitação – especial. 2007: recebimento pela CCJC. à PEC 2009: regime de tramitação – especial. 2009: recebimento pela CCJC. à PEC 2011: regime de tramitação – especial. 2011: recebimento pela CCJC. 223/12 Onofre Santo Agostini (PSD/SC) Dispõe sobre alteração do art. 228 da Constituição Federal, propondo a redução da maioridade penal. 2012: apensamento 171/93. à PEC 2012: regime de tramitação – especial. 2012: recebimento pela CCJC. 228/12 Keiko Ota (PSB/SP) Altera o art. 228 da Constituição Federal, para reduzir a idade prevista para imputabilidade penal, nas condições que estabelece. 2012: apensamento 171/93. à PEC 2012: regime de tramitação – especial. 2012: recebimento pela CCJC. b) Senado Federal Em busca no portal do Senado Federal, a partir das mesmas palavras-chave, encontramos 09 Propostas de Emenda Constitucional. PEC Autoria Ementa / Explicação Tramitação e status da ementa 18/99 Romero Jucá (PSDB/RR) Altera a redação do art. 228 da Constituição Federal. 1999: encaminhado à CCJ. 1999: tramitação conjunta com a PEC 20/99. 2001: tramitação conjunta com a PEC 03/01. 2004: tramitação conjunta com as PEC 26/02, 90/03 e 09/04. 2007: Aprovação favorável à PEC 20/99, com rejeição às PEC 18/99, 03/01, 26/02, 90/03 e 09/04 (Rel. Sen. Demóstenes Torres – DEM/GO). Voto em separado, pela rejeição, dos Sen. Aloizio Mercadante (PT/SP) e Patricia Saboya (PDT/CE) 2009: desapensação das demais PEC e arquivo. 20/99 Sen. José Roberto Arruda (PSDB/DF) Altera o art. 228 da Constituição Federal, reduzindo para dezesseis anos a idade para imputabilidade penal. 1999: Recebido pela CCJ. 1999: tramitação conjunta com a PEC 18/99. 2001: tramitação conjunta com a PEC 03/01. 2004: tramitação conjunta com as PEC 26/02, 90/03 e 09/04. 2007: Aprovação favorável à PEC 20/99, com rejeição às PEC 18/99, 03/01, 26/02, 90/03 e 09/04 (Rel. Sen. Demóstenes Torres – DEM/GO). Voto em separado, pela rejeição, dos Sen. Aloizio Mercadante (PT/SP) e Patricia Saboya (PDT/CE) 16.04.2012: Aguarda inclusão em Ordem do Dia. 03/01 Sen. José Roberto Arruda (PSDB/DF) Altera o art. 228 da Constituição Federal, reduzindo para dezesseis anos a idade para imputabilidade penal. 2001: Recebido pela CCJ. 2001: tramitação conjunta com as PEC 18/99 e 20/99. 2004: tramitação conjunta com as PEC 26/02, 90/03 e 09/04. 2007: Aprovação favorável à PEC 20/99, com rejeição às PEC 18/99, 03/01, 26/02, 90/03 e 09/04 (Rel. Sen. Demóstenes Torres – DEM/GO). Voto em separado, pela rejeição, dos Sen. Aloizio Mercadante (PT/SP) e Patricia Saboya (PDT/CE) 2011: Arquivado. 26/02 Sen. Íris Resende (PMDB/GO) Altera o art. 228 da Constituição Federal, para reduzir a idade prevista para a imputabilidade penal, nas condições que estabelece. 2002: Recebido pela CCJ. 2004: tramitação conjunta com as PEC 18/99, 20/99, 03/01, 90/03 e 09/04. 2007: Aprovação favorável à PEC 20/99, com rejeição às PEC 18/99, 03/01, 26/02, 90/03 e 09/04 (Rel. Sen. Demóstenes Torres – DEM/GO). Voto em separado, pela rejeição, dos Sen. Aloizio Mercadante (PT/SP) e Patricia Saboya (PDT/CE) 2011: Arquivado. 90/03 Sen. Magno Malta (PL/ES) Inclui parágrafo único no art. 228, da Constituição Federal, para considerar penalmente imputáveis os maiores de treze anos que tenham praticados crimes definidos como hediondos. 2004: Recebido pela CCJ. 2004: tramitação conjunta com as PEC 18/99, 20/99, 03/01, 26/02 e 09/04. 2007: Aprovação favorável à PEC 20/99, com rejeição às PEC 18/99, 03/01, 26/02, 90/03 e 09/04 (Rel. Sen. Demóstenes Torres – DEM/GO). Voto em separado, pela rejeição, dos Sen. Aloizio Mercadante (PT/SP) e Patricia Saboya (PDT/CE). 04/2012: (CCJ). 09/04 Sen. Papaléo Paes (PSDB/AP) Acrescenta parágrafo no art. 228 da Constituição Federal, para determinar a imputabilidade penal quando o menor apresentar idade psicológica igual ou superior a dezoito anos. aguardando novo Relator 2004: Recebido pela CCJ. 2004: tramitação conjunta com as PEC 18/99, 20/99, 03/01, 26/02 e 90/03. 2007: Aprovação favorável à PEC 20/99, com rejeição às PEC 18/99, 03/01, 26/02, 90/03 e 09/04 (Rel. Sen. Demóstenes Torres – DEM/GO). Voto em separado, pela rejeição, dos Sen. Aloizio Mercadante (PT/SP) e Patricia Saboya (PDT/CE). 2011: Arquivado. 74/11 Sen. Acir Gurgacz (PDT/RO) Redução da idade penal para 15 anos para atos infracionais equivalentes a homicídio doloso e roubo seguido de morte, tentado ou consumado. 08/2011: remetido à CCJ. 12/12: envio do Requerimento n. 1.175, do Senador Benedito de Lira (PP/AL), para tramitação conjunta com as PEC 83/11 e 33/12. 01/2013: Requerimento aprovado na Mesa do Senado. 83/11 Sen. Clesio Andrade (PMDB/MG) Estabelece a maioridade civil e penal aos dezesseis anos, tornando obrigatório o exercício do voto nesta idade. 09/2011: remetido à CCJ. 09/2012: designado Relator Benedito de Lira (PP/AL) Sen. 12/12: envio do Requerimento n. 1.175, do Senador Benedito de Lira (PP/AL), para tramitação conjunta com as PEC 74/11 e 33/12. 01/2013: Requerimento aprovado na Mesa do Senado. 33/12 Sen. Aloysio Nunes (PSDB/SP) Altera a redação dos arts. 129 e 228 da Constituição Federal, acrescentando um parágrafo único para prever a possibilidade de desconsideração da inimputabilidade penal de maiores de dezesseis anos e menores de dezoito anos 07/2012: Recebido na CCJ. 10/2012: Designado Relator Ricardo Ferraço (PMDB/ES). Sen. 12/12: envio do Requerimento n. 1.175, do Senador Benedito de Lira (PP/AL), para tramitação conjunta com as PEC 74/11 e 83/11. por lei complementar. II. Projetos de Lei. a) Câmara dos Deputados Durante a pesquisa no portal citado, encontramos 44 Projetos de Lei. Projetos de lei Autoria Ementa / Explicação da Tramitação e status ementa 398/99 Dep. Enio Bacci (PDT/RS) Proibe a divulgação das iniciais do nome e prenome do menor infrator. 1999: apensado ao PL 4412/98. 2002: desapensado do PL 4412/98 e apensado ao PL 397/99. 2002: Recebido pela CSSF. 2003: Arquivado junto ao PL 397/99. 2007: Arquivado na mesa diretora. 1938/99 Dep. Enio Bacci (PDT/RS) Dispõe que a partir da idade de 18 (dezoito) anos, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida; ou ainda transferido para casas de transição. 1999: Recebido pela CSSF. 2000: Apensa-se a este o PL 2511/00. 2000: Aprovação pela CSSF. 2001: Recebido pela CCJR. 2011: Aguardo de Relatoria na CCJC. 2847/00 Dep. Darcísio Perondi (PMDB/RS) Estabelece que para as pessoas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos a pena sócio-educativa poderá estender-se até 23 (vinte e três) anos nos casos de crime violento, ameaça grave a pessoas e tráfico ilícito de drogas, pode a mesma ser cumprida em penitenciária destinada a adultos. 2000: Recebido pela CSSF. Apensamento dos PLs: 3362/00, 3700/00, 5035/01, 5036/01, 5037/01, 6923/02, 852/03, 904/03, 2523/034, 2588/03, 2628/03, 109/07, 114/07, 157/07. 2007: Recebido pela CSPCCO. 2007: Aprovação pela CSPCCO. Apensamento dos PLs: 165/07, 102/07, 120/07, 179/07, 241/07, 4 Os PLs em negrito e itálico referem-se a projetos discriminados ao longo da tabela, aleatoriamente escolhidos como forma de transmitir ao leitor a tendência do conteúdo desses documentos apensados ao PL n. 2847/2000 (principal). 173/07, 177/07, 184/07, 322/07, 395/07, 565/07, 719/07, 820/07, 934/07, 941/07, 978/07, 2215/07, 2754/08, 3967/08, 4617/09, 4753/09, 4808/09, 2511/00 3362/00 5546/01 Dep. Alberto Fraga (PMDB/DF) Dispõe que o período de internação do menor infrator poderá exceder três anos, quando o ato infracional for considerado como crime hediondo; e quando o adolescente infrator completar dezoito anos de idade será transferido para a penitenciária. 2003: Recebido pela CCJR. Dep. Eunício Oliveira (PMDB/CE) Possibilita à autoridade judicial determinar, ouvido o Ministério Público, o recolhimento, aos abrigos, de menores que estejam em desamparo, pelas ruas, e em condições desfavoráveis de sobrevivência; possibilita a prorrogação do prazo de internação; extingue a liberação compulsória aos vinte e um anos e inclui a prática do tráfico de drogas passível de medida de internação de menores. 2000: Apensado ao PL 2847/00. Estabelece medidas de prevenção e regras para a persecução penal das práticas delituosas previstas na Lei nº 9.455, de 07 de abril de 1997, e dá outras providências. 2002: Recebido pela CECD. Dep. Nilmário Miranda PT/MG) e Nelson Pellegrino (PT/BA) 2003: Apensado ao PL 1938/99. 2004: Apensa-se a este o PL 3444/04. 2009: Apensam-se a este os PLs 5212/09 e 5670/09. 2009: Arquivado. 2003: Aprovação pela CECD. 2003: Recebido (excluída). pela CREDN 2004: Recebido pela CSPCCO. 2004: Aprovação pela CSPCCO. 2004: Recebido pela CCJC. 2005: Apensa-se a este o PL 5233/05. 2006: Aprovação pela CCJC. 2011: Apensa-se a este o PL 958/11. Regime de Prioridade. 6577/02 Dep. José Carlos Coutinho (PFL/RJ) Caracterizando como crime a permissão, por omissão ou abandono, por parte dos pais ou responsáveis pelo pátrio poder do menor de 18 (dezoito) anos que 2002: Apensado ao PL 5699/01. 2002: Recebido pela CCJR. 2003: Arquivado. comete ato infracional. 7318/02 Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, Violência e Narcotráfico Altera dispositivos sobre adoção internacional e medidas sócioeducativas de internação do menor infrator em estabelecimentos de recuperação e ressocialização; aumenta para 16 anos a idade de início da atividade laboral do menor; agravando a pena para o crime de pedofilia pela Internet e para as pessoas que usam menores como "escudo humano" em movimento de manifestação coletiva. 2002: Recebido pela CSSF. 2004: Arquivo. [aumenta, em casos excepcionais, em um ano o tempo da medida socioeducativa de internação] 1754/03 Dep. Carlos Nader (PFL/RJ) Caracteriza como crime a permissão, por omissão ou abandono, por parte dos pais ou responsáveis pelo pátrio poder do menor de 18 (dezoito) anos que comete ato infracional. 2003: Recebido pela CEC. 2003: Aprovado o parecer de rejeição da Dep. Rel. Professora Raquel Teixeira. 2004: Recebido pela CSSF. 2004: Aprovado o parecer de rejeição do Dep. Rel. Geraldo Resende. 2005: Recebido pela CCJC. 2008: Arquivo. 2523/03 Dep. Moroni Torgan (PFL/CE) Aumenta para seis anos o limite máximo de internação do menor infrator e para nove anos caso o ato infracional descrito como homicídio tenha sido praticado após a imposição de medida sócio-educativa pela prática anterior do mesmo ato, não se aplicando a liberdade compulsória aos 21 (vinte e um) anos. 2003: Apensado ao PL 2847/00 (arquivado) 2588/03 Dep. Vicente Cascione (PTB/SP) Altera os arts. 103, 108, 121, 122 e 123, da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, dispondo sobre medidas de repressão aos atos infracionais 2003: Apensado ao PL 2847/00 (arquivado) graves e aos correspondentes aos crimes hediondos. 2628/03 Dep. Jutahy Junior (PSDB/BA) Estabelece a transferência para prisão comum de infrator quando completar dezoito anos; aumentando o período de internação para oito anos. 2003: Apensado ao PL 2847/00 (arquivado) 1871/03 Dep. Antonio Carlos Biscaia (PT/RJ) Acrescenta parágrafos ao art. 120 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. Projetos apensados: 1.894/03, 2.382/03, 2.799/03, 3.022/04. [Propõe a divisão de lucros, resultantes da atividade de profissionalização, entre adolescente, familiares e despesa de custeio] PLs n. 2.705/03, Parecer de aprovação, com emendas e voto separado (Dep. Rita Camata (PMDB/ES), da CSSF; Parecer de aprovação do parecer da CSSF, da CCJ, e pela rejeição dos PLs apensados. 2008: Desapensação dos PLs. 2008: Remessa ao Senado Federal. 2575/03 Dep. Ronaldo Vasconcellos (PTB/MG) Altera dispositivos da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. [Propõe o aumento excepcional, a critério do juiz, de um ano no tempo limite de três anos de internação; aplicação automática de internação em caso de tráfico de entorpecentes.5] 2799/03 Dep. Alexandre Santos (PMDB/RJ) 2005: Parecer substitutivo. da CSSF com 2005: Aprovação do parecer da CSSF. 2005: Recebimento pela CCJC. 2007: Parecer do Relator favorável. 2008: Arquivo. Altera o Estatuto da Criança e do Adolescente. 2004: Apensado 1871/2003. ao PL n. [Propõe a divisão de lucros, resultantes da atividade de profissionalização, entre adolescente, familiares e despesa de custeio.] 2007: Rejeitado em pareceres da CSSF e CCJ, no bojo do PL 1871/2003. 2008: desapensação automática do PL 1871/03. 2008: Arquivado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. 5 Neste caso, destacamos apenas a parte do PL referente ao assunto em pauta, eis que o documento traz inovações de outras áreas infanto-adolescentes, como o aliciamento de crianças e adolescentes, adoção internacional e trabalho em aprendizagem. 3444/04 Dep. Jefferson Campos (PMDB/SP) Acrescenta dispositivo à Lei nº 8.069, de 13 de Julho de 1990 Estatuto da Criança e do Adolescente, para dispor sobre a internação do adolescente que praticar ato infracional de tráfico ilícito de entorpecentes 2004: Apensado ao PL 3362/00 (apensado ao PL 2847/00 – arquivado) 4487/04 Dep. Enio Bacci (PDT/RS) Proíbe qualquer imagem de crianças envolvidas em ato infracional e dá outras providências. 2004: Recebido pela CSSF. Acrescenta dispositivos ao art. 120 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que ‘dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências’. 2004: Apensado 1871/2003. [Propõe a divisão de lucros, resultantes da atividade de profissionalização, entre adolescente, familiares e despesa de custeio.] 2008: desapensação automática do PL 1871/03. Dep. Sigmaringa Seixas (PT/DF) Definindo a pessoa custodiada e estabelecendo normas para investigação, punição e prevenção dos crimes de tortura, incluindo no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 1940) o tipo especial "Alegação Falsa de Confissão sob Tortura ou Ameaça de Tortura". 2005: Recebido pela CDHM. Dep. Jorge Tadeu Mudalen (PFL/SP) Estabelece a liberação compulsória de internação aos 24 (vinte e quatro) anos de idade, para os casos de ato infracional grave e tráfico ilícito de drogas; estendendo o período de internação a no máximo 6 (seis) anos, 2007: Apensado ao PL 2847/00. Dep. Solange Amaral (PFL/RJ) Possibilita a internação de adolescente em estabelecimento prisional e aumenta o prazo máximo de internação para 9 (nove) anos, restringindo as atividades externas e a concessão de remissão pelo Ministério Público nos casos de atos infracionais tipificados como 2007: Apensado ao PL 2847/00. 3022/2004 5233/05 102/07 109/07 Dep. Carlos Nader (PL/RJ) 2011: Aprovado parecer favorável. 2011: Recebido pela CCJC. ao PL n. 2007: Rejeitado em pareceres da CSSF e CCJ, no bojo do PL 1871/2003. 2008: Arquivado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. 2006: Apensado ao PL 5546/01. 2011: Apensado a este o PL 2442/11 e colocados em regime de prioridade. 2007: Recebido pela CSPCCO. 2009: Arquivado. 2007: Recebido pela CSPCCO. 2009: Arquivado. homicídio qualificado ou crime hediondo. 120/07 167/07 177/07 395/07 Cria a Comissão da Infância e Juventude para elaboração de laudo que servirá como requisito para o juiz estabelecer a medida socioeducativa a ser aplicada ao adolescente; extingue o prazo máximo de internação que será decidido pelo Juiz, conforme o ato infracional praticado; determina a separação do infrator maior de idade do abrigo destinado ao menor. 2007: Apensado ao PL 2847/00. Dep. Perpétua Almeida (PCdoB/AC) e Abelardo Camarinha (PSB/SP) Aumenta para até 10 (dez) anos o tempo de internação e amplia o limite de idade para liberação compulsória do adolescente infrator, aplicando medida sócioeducativa especial em caso de ato infracional descrito como crime hediondo, praticada por adolescente com mais de 16 (dezesseis) anos; determina o cumprimento da medida de internação em local diferenciado e específico. 2007: Apensado ao PL 2847/00. Dep. Onyx Lorenzoni (PFL/RS) Aumenta para no máximo seis anos o prazo de internação do menor infrator, com agravação penal nos casos de homicídio ou lesão corporal grave e por participação em quadrilha ou bando ou em crime organizado. 2007: Apensado ao PL 2847/00. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - para ampliar o prazo de internação do adolescente infrator, estabelecer a possibilidade de aplicação de medidas de segurança, e dá outras providências. 2007: Apensado ao PL 2847/00. Dep. Neilton Mulim (PR/RJ) Dep. Márcio França (PSB/SP) 2007: Recebido pela CSPCCO. 2009: Arquivado. 2007: Recebido pela CSPCCO. 2009: Arquivado. 2007: Recebido pela CSPCCO. 2009: Arquivado. 2007: Recebido pela CSPCCO. 2009: Arquivado. 565/07 820/07 1170/07 Dep. William Woo (PSDB/SP) Dep. Clodovil Hernandes (PTC/SP) Dep. Paulo Paim (PT/RS) Possibilita a internação provisória, autorizada pelo juiz, no caso de suspeita da prática de ato infracional por adolescente. Aumenta o prazo de internação para 6 (seis) meses em caso de reincidência. 2007: Apensado ao PL 2847/00. Estabelece a liberação compulsória de internação aos 26 (vinte e seis) anos de idade; estendendo o período de internação a no máximo 8 (oito) anos, 2007: Apensado ao PL 2847/00. Altera o art. 143 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, para ampliar as hipóteses de vedação da divulgação de nomes de crianças e adolescentes. 2007: Recebido pela CSSF. 2007: Recebido pela CSPCCO. 2009: Arquivado. 2007: Recebido pela CSPCCO. 2009: Arquivado. 2009: Aprovação do favorável pela CSSF. parecer 2009: Recebido pela CCJC. 2011: Aprovação do favorável pela CCJC. parecer 2011: Aguardo de deliberação de recurso na Mesa. 2215/07 2754/08 Dep. Laerte Bessa (PMDB/DF) Dep. Edson Ezequiel (PMDB/RJ) Estabelece a internação de menor infrator com conduta descrita como crime hediondo, tortura, tráfico de drogas ou terrorismo. 2007: Apensado ao PL 2847/00. Dispõe sobre o tratamento individual adolescente que tenha cometido ato infracional análago a homicídio doloso e manifeste grave desvio de personalidade. 2008: Apensado ao PL 2847/00. 2007: Recebido pela CSPCCO. 2009: Arquivado. 2008: Recebido pela CSSF. 2009: Arquivado. 4808/09 5673/09 7208/10 7934/10 7398/10 Dep. Fernando de Fabinho (DEM/BA) Aumenta o prazo de internação do menor infrator para até 6 (seis) anos e estabelece a liberação compulsória de internação aos 26 (vinte e seis) anos de idade. 2009: Apensado ao PL 2847/00. Dep. Glauber Braga (PSB/RJ) Dá nova redação ao art. 104 da Lei nº 8.069, 13 de julho de 1990, e inclui na referida lei os arts. 105-A e 122, considerando que o regime de semiliberdade e a medida de internação não serão aplicados ao adolescente que praticou o ato infracional em razão de dependência ou sob o efeito de droga; os benefícios da anistia, graça e indulto alcançam o menor infrator e a medida de internação só poderá ser aplicada após o trânsito em julgado da sentença condenatória. 2009: Recebido pela CSPCCO. Altera os arts. 103, 108, 121, 122 e 123, da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, dispondo sobre medidas de repressão aos atos infracionais graves e aos correspondentes aos crimes hediondos. 2010: Recebido pela CSPCCO. Torna obrigatória a realização de cursos de reutilização e reciclagem do papelão descartado por supermercados e distribuidoras varejistas, a egressos do sistema prisional e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. 2010: Recebido pela CMADS. Dá nova redação ao § 3º do art. 121 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. [Aumenta o prazo de internação em casos de atos infracionais que se equiparem aos crimes hediondos ou tráfico de entorpecentes.] 2010: Apensado ao PL 7008/2010. Dep. Willian Woo (PPS/SP) Dep. Fátima Pelaes (PMDB/AP) Dep. Rita Camata (PMDB/ES) 2009: Recebido pela CSSF. 2009: Arquivado. 2010: Aprovado parecer desfavorável do Dep. Major Fábio (DEM/PB). 2010: Recebido pela CSSF. 04/2012: Parecer desfavorável do Dep. Rel. Osmar Terra (PMDB/RS), pela CSSF. 2012: No aguardo da pauta. 2010: Designado Relator Dep. Capitão Assumção (PSB/ES). 03/2012: Ao arquivo. 11/2012: Parecer desfavorável Dep. Bernardo Santana de Vasconcellos (PR-MG). 12.12.12: Recebido pela CSPCCO. 2010: Recebido pela CSPCCO. 2011: Arquivado na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados. 346/11 347/11 Dep. Hugo Leal (PSC/RJ) Dep. Hugo Leal (PSC/RJ) Estabelece que internação poderá chegar a cinco anos e concede formação técnico-profissional. 2011: Recebido pela CSPCCO. Altera dispositivos da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, para tratar dos casos de aplicação da medida de internação. 2011: Recebido pela CSPCCO. 04/2011: Designado Dep. Alessandro Molon (PT/RJ). Rel. 2011: Apensado a este o PL 1052/11. 06/2011: Parecer, pela rejeição, da Dep. Rel. Benedita da Silva (PT/RJ). 2012: Apensados a este os PLs 3503/12 e 3680/12. 348/11 Dep. Hugo Leal (PSC/RJ) Cria dispositivos na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, para dispor sobre antecedentes, tratamento ambulatorial, internação em estabelecimento de tratamento psiquiátrico e responsabilidade do Estado para adequar as entidades de atendimento, públicas ou privadas, às diretrizes e normas deste Estatuto. 2011: Recebido pela CSPCCO. 2011: Apensa-se a este o PL 1035/11. 2011: Aprovação pela CSPCCO. 2011: Recebido pela CSSF. 04/2012: Designada Dep. Carmen Zanotto (PPS/SC). Rel. 958/11 Dep. Alessandro Molon (PT/RJ) Obriga os órgãos de segurança pública e os do sistema penitenciário a informar sobre as penas para a prática dos crimes de tortura, bem como os telefones e endereço eletrônico para a denúncia desses crimes. 2011: Apensado ao PL 5546/01. 1052/11 Dep. Dr. Ubiali (PSB/SP) Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - para ampliar o prazo de internação do adolescente infrator, estabelecer a possibilidade de aplicação de medidas de segurança, e dá outras providências. 2011: Apensado ao PL 347/11. Dep. Alexandre Leite (DEM/SP) Aumenta o período de internação no caso de atos infracionais cometidos com violência ou grave ameaça. 2011: Apensado ao PL 1052/11 (apensado ao PL 347/11). 1896/11 2011: Recebido pela CSPCCO. 2011: Recebido pela CSPCCO. 2442/11 Presidência da República. Institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, e dá outras providências. 11/2011: Apensado ao PL 5233/05. 3503/12 Dep. Ronaldo Benedet (PMDB/SC) Antes da sentença, poderá ser determinada a internação preventiva, a critério da autoridade judiciária, levando-se em conta a periculosidade do menor infrator. 04/2012: Apensado ao PL 347/11 e recebido pela CSPCCO. 3680/12 Dep. Hugo Leal (PSC/RJ) Altera a redação do art. 122 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que "dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências", a fim de estabelecer critério para a aplicação do conceito de reiteração, com vistas à aplicação da medida de internação. 05/2012: Apensado ao PL 347/11 e recebido pela CSPCCO. b) Senado Federal A pesquisa no portal do Senado resultou em 15 Projetos de Lei e 01 Projeto de Decreto Legislativo do Senado Federal (PDS) Projetos de lei Autoria Ementa / Explicação da Tramitação ementa status PLS 245/97 Sen. Paulo Paim (PT/RS) Dispõe sobre a reserva de 10% (dez por cento) das vagas dos cursos profissionalizantes administrados pelo senac, senai, senar e senat para adolescentes egressos do sistema correcional ou cumprindo medidas socioeducativas de semiliberdade ou liberdade assistida, e da outras providencias. 1997: Recebido pela CCJ. Modifica os artigos 121 e 122 da Lei nº 8069, de 13 de julho de 11/2009: Parecer CCJ. Rel. Valdir Raupp PLS 107/03 Sen. Paulo Paim e 1999: Arquivado. (PT/RS) 1990, que 'dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências'. (PMDB/RO). 11/2009: Encaminhado para a CDH/LP. 04/2011: Parecer da CDH/LP de aprovação com emendas da CCJ. 21.11.2012: adiamento da matéria por falta de quorum. PLS 478/03 PLC 86/06 PLS 118/07 PLC 168/08 (original PL 1871/03 – Câmara dos Deputados) Sen. Demóstenes Torres (DEM/GO) Sen. João Alfredo (PT/CE) Sen. Pedro Simon (PMDB/RS) Dep. Carlos (PT/RJ) Antonio Biscaia Altera os artigos 61, 118, 120, 121, 122 e 123 da Lei nº 8069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para fixar novos prazos de duração das medidas de liberdade assistida, de semi-liberdade e de internação, estabelecer a oferta obrigatória de atividades pedagógicas, concomitantes à aplicação de qualquer medida, e dá outras providências.” 11/2003: remetido para a CCJ. Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. (Substitui a expressão "medida sócioeducativa" pela "medida psicossocioeducativa"). 2006: Recebido pela CCJ. Altera dispositivos do Livro II, Título III, Capítulo IV da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) para ampliar os períodos de prestação de serviços à comunidade e de internação, e estabelecer outras sanções ao adolescente infrator. 2007: remetido CDH/LP. Acresce parágrafos ao art. 120 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. (Dispõe sobre a supervisão da autoridade judiciária nas atividades de escolarização e profissionalização desenvolvidas pelas unidades socioeducativas 11/2008: remetido à CDH/LP. 2004: tramitação em conjunto com a CAS. 11/2011: Designação da Relatoria na CAS. 2009: Aprovação pela CCJ. 2011: Arquivado. à 05/2011: Designação de Relatoria na CDH/LP. 06/2010: Parecer CDH/LP de aprovação (Relatoria da Sen. Fatima Cleide (PTRO)). com adolescente em regime de semi-liberdade). 06/2010: remetido à CCJ. 06.03.2013: Relatoria com Sen. Luiz Henrique (PMDB/SC). PLS 469/08 Sen. Demóstenes Torres (DEM/GO) Altera a Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), para aumentar o prazo de internação provisória de adolescente infrator, fixar o prazo máximo para a autoridade policial concluir e encaminhar procedimento investigatório ao Ministério Público e alterar o prazo máximo para conclusão do procedimento judicial. 12.2008: Remetido à CDH/LP. 11.2011: Parecer de rejeição (Relatoria da Sen. Ana Rita (PTES)). 11.2011: remetido à CCJ. 03.2012: remetido à CCJSSP. 05.2012: Relatório favorável Sen. Rel. Aloysio Nunes (PSDB/SP). PLS 71/10 PLS 246/10 PLS 389/11 Sen. Marcelo Crivella (PRB/RJ) Sen. Demóstenes Torres (DEM/GO) Sen. Vital do Rêgo (PMDB/PB) Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente, para estabelecer pena de prisão aos maiores de 18 (dezoito) anos condenados pela prática de ato infracional equivalente a crime hediondo. 03.2010: remetido à CDH/LP. Altera o Estatuto da Criança e do Adolescente, para conferir, nos feitos infracionais, efeito suspensivo ao recurso de apelação sempre que houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. 10.2010: remetido à CCJ. Altera dispositivos da Lei nº 8.069, de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. 2011: Recebido pela CDH/LP. [entre eles, normas sobre internação socioeducativa, com aumento de prazo para cinco anos] 03.2011: Relatório (Sen. Magno Malta PR-ES) favorável. 01.2011: aguardando designação Relatoria. 04/2012: Tramitação conjunta com os PLS 357/11 e 568/11. 04/2012: Recebido pela CAS. 13/03/2013: Aprovação, na CAS, do PLS 389/11, e rejeição dos outros dois PLS. 13/03/2013: Recebido pela CDH/LP. PLS 408/11 Sen. Eduardo Amorim (PSC/SE) Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, para garantir tratamento especial ao adolescente viciado em drogas. 07/2011: remetido à CDH/LP. 03/2012: Parecer de aprovação (Sen. Rel. Paulo Davim – PV/RN). 03.2012: remetido à CAS. 11/2012: Parecer de aprovação (Sen. Rel. Ana Amélia - PP/RS). 11/2012: remetido à Câmara dos Deputados. PLS 445/11 Sen. Jayme Campos (DEM/MT) Altera o art. 122 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, para inserir, dentre os pressupostos para adoção da medida de internação, a prática do tráfico de drogas ou de crimes hediondos. 08/2011: remetido à CDH/LP. 12/2011: Parecer de aprovação (Sen. Rel. Magno Malta (PRES)). 12/2011: remetido à CCJ. 06/03/2013: designada relatoria do Sen. Álvaro Dias (PSDB/PR). PLS 23/12 Sen. Aloysio Nunes (PSDB/SP) Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, que institui o SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, para prever nova modalidade de medida socioeducativa e dá outras providências. 05/2012: Parecer de aprovação, com modificações, da CAS. Rel. Sen. Cyro Miranda (PSDB/GO). 05/2012: remetido à CDH/LP. Sen. Rel. Lídice da Mata (PSB/BA). [Cria medida socioeducativa de “atendimento médicopsiquiátrico] PLS 26/12 Sen. Pedro Taques Acrescenta os arts. 114-A 258-A 03/2012: remetido à PLS 322/12 PDL 539/12 (PDT/MT) à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - para prever o prazo prescricional das medidas socioeducativas e das multas aplicadas em razão de cometimento de infrações administrativas. CCJ, relatoria. Sen. Gim Argello (PTB/DF) Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, e a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, para conceder incentivo tributário a pessoas jurídicas que realizem cursos de reutilização e reciclagem de materiais ou outros cursos de capacitação para egressos do sistema prisional e para jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. 08/2012: Recebido pela CAE. Convoca plebiscito sobre alteração da maioridade penal. 10/2012: Recebido pela CCJ. Sen. Ivo (PP/RO) Cassol a aguardando 11/2012: Designado Sem. Rel. Eduardo Suplicy (PT/SP). Leitura política sobre as propostas normativas – padrões e tendências As proposições encontradas refletem, certamente, o anseio de parcela da população, notadamente em particulares momentos de vida e de relações interpessoais, sobretudo as mediadas pelos veículos midiáticos de grande audiência. Justamente pela capilaridade que possuem, as emissoras de rádio e televisão produzem e reproduzem um sistema circular de fomento ao ódio e à descrença no processo democrático lentamente em desenvolvimento no país. Os picos de produção normativa de aumento de rigor na responsabilização dos adolescentes ocorrem, coincidentemente ou não, no período em que os veículos de comunicação de massa destinam significativa parte de seus noticiários à exposição de casos isolados e singularizados de suspeita ou confirmação de cometimento de crimes de impacto social. Casos elevados ao grau de exemplo e submetidos a um insistente processo político-midiático de generalizações. Esse impacto social pode ser composto pela complexa interface entre a natureza grave do (suposto) crime x classe social do (suposto) autor x classe social da (suposta) vítima x porte da cidade ou da metrópole do local do (suposto) crime x composição familiar do (suposto) autor e da (suposta) vítima, origem étnica e condição de renda do (suposto) autor e da (suposta) vítima. Não à toa, temos diversas proposições legislativas, ainda em andamento, apresentadas entre 2003 e 2004 (construção midiática do caso “Champinha”) e no ano de 2007 (construção midiática do caso “João Hélio”)6. É o que se evidencia no artigo Mídia e Política: a construção da agenda nas propostas de redução da maioridade penal na Câmara dos Deputados, de Marcelo da Silveira Campos7. Trata-se de proposições que compõem o acervo da “legislação de emergência” 8, isto é, o conjunto de reações legislativas de alta ressonância do comportamento especialmente midiático - de massa, supostamente veiculador dos anseios do povo. A partir do levantamento realizado, verificamos alguns padrões – ou, no mínimo, tendências - nessas produções de normas. Primeiro, de acordo com a tabela a seguir, temos a quantidade e porcentagem de proposições de cunho regressivo perante as conquistas sociais em regular andamento (vermelho) e em irregular andamento (amarelo), bem como – em minoria – aquelas de natureza progressista em relação aos direitos humanos de adolescentes e jovens (verde). 6 Vale observar que o primeiro caso é nomeado a partir do apelido do maquinado algoz; o segundo, ao contrário, leva o nome da maquinada vítima. 7 Artigo escrito sob o Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas, encontrado em http://www.scielo.br/pdf/op/v15n2/08.pdf. 8 Crime e Congresso Nacional no Brasil pós-1988: uma análise da política criminal aprovada de 1989 a 2006 / Marcelo da Silveira Campos. Campinas, SP: [s. n.], 2010, pg. 20. Dissertação de Mestrado realizado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. Vermelho Amarelo Verde Câmara dos Deputados Senado Federal 31 PEC (100%) 5 PEC (56%) 8 PL (18%) 10 PL (66%) e 1 PDS (100%) 0 PEC (0%) 4 PEC (44%) 23 PL (52%) 1 PL (6%) 0 PEC (0%) 0 PEC (0%) 13 PL (29%) 4 PL (26%) Alguns destaques: a) PECs da Câmara dos Deputados: todas as PECs identificadas (31) são de andamento regular e finalidade de maior rigidez e controle sociopenal 9 dos adolescentes em conflito com a lei. Isso significa que as alterações pretendidas de maior impacto jurídico e político na sociedade brasileira, partidas dos deputados federais, são, todas, de tomada do retrocesso social. b) Já no Senado Federal, apenas metade das PECs tem esse condão, o que pode nos sinalizar vários significados, como: 9 i. o menor número de senadores e a ampliação de sua representatividade política (representação nacional, e não apenas de seu estado eleitor) gera uma leitura mais crítica, ponderada que, eventualmente, enseja maior manutenção do ordenamento jurídico; ii. o rigor seletivo do processo legislativo no Senado Federal pode ser maior do que na Câmara dos Deputados, o que contribuiria para a mitigação de tentativas imediatistas, oportunistas (de acordo com os apelos midiáticos) e/ou incautas dos parlamentares. iii. O grande quadro de deputados não significa, necessariamente, um maior resguardo do princípio da segurança jurídica presente no ordenamento constitucional. Em outras palavras, talvez não haja relação direta entre a alta capilaridade evidenciada no significativo número de deputados federais e a manutenção dos pilares democráticos da legislação constitucional. A quantidade não revela, necessariamente, a qualidade SILVA, Maria Liduína de Oliveira e. Entre proteção e punição: o controle sociopenal dos adolescentes. São Paulo: Unifesp, 2011. das ações, ou – para além -, a escolha popular talvez não esteja de acordo com a postura dos escolhidos (e vice-versa). c) Na Câmara, dentre as proposições de retrocesso social, temos praticamente o triplo de projetos de leis em andamento irregular, em relação aos de andamento regular. Isso pode se vincular diretamente ao significativo apensamento de projetos de lei uns aos outros, como também com – ou em adição a – o circuito de alta produção normativa sem efeito. Em outras palavras, há uma cifra considerável de proposições que vão sendo arquivadas ao longo da tramitação regular, seja por não receberem adesão nem mesmo para seu regular andamento, seja porque não há iniciativa de desarquivamento no início da sessão legislativa seguinte (início do ano). Podemos dizer que muitas das proposições, portanto, são carentes de conteúdo, inovação e justeza frente aos princípios basilares do Estado Democrático e Social de Direito? d) Em segundo lugar, os projetos de lei da Câmara encontram-se no campo verde. Ganham, portanto, dos PLs de retrocesso social e em andamento regular, o que pode denotar maior sustância e consistência se comparado com os projetos de lei em vermelho. Teríamos, aí, um foco de resistência aos apelos midiáticolegislativos? Um foco de desentorpecimento da razão10? Um espaço de produção normativa regulamentadora – e não destruidora - do marco regulatório dos direitos humanos? e) Como se vê e se deduz, a inexistência de PECs em verde, isto é, ausência de criação normativo-constitucional, o que pode nos gerar a impressão de que a Constituição Federal já não mais precisa de reparos de avanço político, e sim de normas regulamentadoras de garantia estratégica de direitos humanos juvenis. Muitas outras conclusões quantitativas podem ser extraídas da sistematização. Outras, de cunho quanti-qualitativo, fazem-nos avançar para o conteúdo predominante das proposições. Identificamos as seguintes tendências: 10 Alusão ao nome do Coletivo DAR – Desentorpecendo a Razão, composição que objetiva a discussão e a promoção de ações de incidência política e de mobilização social a partir de posicionamentos antiproibicionistas, especialmente os relacionados ao consumo, produção, porte e comércio de substâncias psicoativas ilícitas. 40 PECs Câmara dos Deputados (CD) e Senado Federal (SF): Redução da idade penal11 31 PECs CD 02 PECs condicionam à mera decisão judicial (responsabilização penal ou socioeducativa de acordo com decisão judicial) 09 PECs SF 05 PECs condicionam à elaboração de laudo psiquiátrico ou psicológico 59 PLs Câmara dos Deputados (CD) e Senado Federal (SF) 1º - Aumento de tempo de internação 20 PLs CD 04 PLs SF 2º - Conversão da internação em prisão ou medida de segurança (aos 18 anos de idade ou no momento da aplicação da medida socioeducativa) 3 PLs CD 1 PL SF 2º - Determinação legal de automática internação socioeducativa frente aos atos infracionais equiparados a crimes hediondos 1 PL CD 1 PL SF Vimos, na penúltima tabela, que todas as PECs versam sobre a redução da idade penal, algumas das quais num ato judicial (consideração de aumento da capacidade do adolescente de cumprir uma pena) ou, por ato judicial vinculado a laudos psiquiátricos ou psicológicos, tema, aliás, que vem crescendo nas interlocuções parlamentares, voltando a se associar (suposta) loucura ao (suposto) cometimento de crime. A este fenômeno de transmissão de legado penal para o campo da saúde mental podemos atribuir a expressão controle penal-sanitarista12. Já a última tabela nos mostra que mais de um terço de PLs em circulação no Congresso Nacional propõem o aumento do tempo de internação. 11 Ainda lembramos que há o PDS n. 539/21, do Senado Federal, que visa a instituir o dia das eleições presidenciais de 2014 como data de realização de plebiscito sobre a redução da idade penal. 12 Dissertação do curso de Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei Risco social e saúde mental como argumentos para o encarceramento de crianças e adolescentes / Daniel Adolpho Daltin Assis – São Paulo: [s. n.], 2012. 179f., 30 cm, pg. 120 (Uniban). IV. Estratégias utilizadas durante a Consultoria feita à RENADE A Consultoria prestada à RENADE visava a mobilizar as entidades componentes, especialmente por meio de debates em meio eletrônico; contribuir par a realização de seminários e elaborar e aplicar ações de incidência política no parlamento federal. Damos destaques aos dois últimos momentos, eis que os debates eletrônicos se pulverizaram ao longo do ano. a) Mobilização das entidades e adolescentes. O ano de trabalho começou com a preparação do 3º Encontro da Rede Nacional de Defensores do Adolescente em Conflito com a Lei, dando seqüência aos realizados em fevereiro de 2008 e agosto de 2009. A terceira edição ocorreu em Brasília, no mês de junho de 2012, com a presença de representantes de Centros de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (CEDECAs), Defensores Públicos da Infância e Juventude, membros das Associações de Mães do Adolescente em Risco (AMAR) e, pela primeira vez na RENADE, de adolescentes internados ou egressos do sistema socioeducativo privativo de liberdade. No mesmo mês, o consultor da RENADE estivera presente em seminário sobre o SINASE promovido pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República e a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED). No mês de setembro, ocorreu o III Congresso Nacional dos Defensores Públicos da Infância e Juventude (Belém, Pará), no qual o consultor esteve presente em representação à secretaria executiva da RENADE, ampliando os canais de comunicação com um dos expressivos segmentos da Rede Nacional. Organiza-se, para tão logo, seminário a se realizar com e por adolescentes. Em janeiro, para a realização de reunião final com equipe da secretaria executiva, o consultor elaborou texto-base para provocar reflexões sobre a relação entre justiça juvenil e saúde mental. b) Articulação parlamentar e assessoria técnica A estratégia da incidência política ensejou contato direto com parlamentares federais e/ou sua assessoria de gabinete. É o que ocorreu, primeiro, com a Deputada Érica Kokay (maio e junho) e, em seguida, com a assessoria da Senadora Lídice da Mata (junho). i. Deputada Érica Kokay (PT/DF) Entre os dias 22 e 24 de maio, durante encontro promovido pela Agência de Notícias sobre a Infância (ANDI), em que o “adolescente em conflito com a lei” fora a temática, houve a primeira oportunidade de interlocução com o parlamento federal. Em breve diálogo com a deputada federal Érica Kokay, foi possível apresentar a RENADE, por meio de seu consultor, bem como anunciar algumas investidas realizadas por instituições paulistas em face da norma contida no artigo 65 da recém-promulgada lei federal n. 12.594/2012, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Sistema Socioeducativo (SINASE) e dá outras providências. Com isso, despertada na deputada a importância do assunto e a gravidade da disposição contida na norma, trocou-se contato para uma próxima reunião. Durante o período em que se realizava o Seminário sobre o SINASE, promovido pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República e a Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (ANCED), de 18 a 20 de junho, em Brasília, comparecemos a uma reunião com a deputada para a formal apresentação da RENADE, a propósito do convite feito pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP), parceiro fundamental para o andamento dos trabalhos de incidência política no Congresso Nacional. Nessa reunião, a deputada apresentou um panorama das discussões que permeiam os temas socioeducativos bem como as estratégias de qualificação dos debates. Dentre elas, anunciou a criação de uma agenda de discussões interinstitucionais com vista a colocar em pauta as diversas questões que sustentam a política de atenção integral à criança e ao adolescente. Tais reuniões seriam realizadas quinzenalmente. Ademais, surgia a iniciativa de se construir uma agenda de compromisso com candidatos às prefeituras do país para o comprometimento com as causas da infância. Nenhuma das pautas foi de possível acompanhamento, entretanto, a deputada esteve presente no 3º Encontro da RENADE e afiançou a realização e o objetivo da Rede Nacional. ii. Senadora Lídice da Mata (PSB/BA) No fim do mês de maio, fora realizado o primeiro contato com assessoria técnica parlamentar. A interlocução foi feita com o gabinete da Senadora Lídice da Mata (PSB/BA), assim que fora nomeada, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, relatora do processo pelo qual se encontra tramitando o projeto de lei do Senado n. 23/2012, já pormenorizado acima. A iniciativa fundamentou-se na oportunidade evidente de fornecer-lhe subsídios técnicos para a criação de um posicionamento fecundo e decisivo no trajeto do documento em pauta. A partir da percepção de que não seria positivo para o desenvolvimento de adolescentes em conflito com a lei, o texto projetado deveria er impugnado, entretanto, com as devidas cautelas estratégicas. Por esse motivo, no dia 19 de junho, realizamos reunião com a assessoria do gabinete da senadora para apresentar prévio posicionamento sobre o conteúdo do projeto de lei e provocar a criação de uma agenda técnico-política fundada na possibilidade de emitirmos, via RENADE, um parecer técnico para fortalecimento do relatório da parlamentar. Destinou-se o mês de julho para a entrega do parecer à assessoria, o que se concretizou no início de agosto. Até o final do ano, os diálogos com o gabinete da Senadora foram moderados em razão da opção do grupo inteiro de manter as notícias do PL, enquanto na Relatoria da Senadora, em baixa circulação, de modo a aguardar o arquivamento provisório com o fim da sessão legislativa de 2012. A articulação política e, especialmente, a elaboração do Parecer Técnico enviado à assessoria do gabinete da Senadora Lídice da Mata foram feitas a partir da primeira experiência da RENADE com outros coletivos. Trata-se da parceria com o Projeto Justiça Criminal, consórcio das entidades Conectas Direitos Humanos, Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), Pastoral Carcerária, Instituto Sou da Paz, Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, voltadas a promover ações de incidência política no Congresso Nacional (para tanto, contavam com assessora legislativa alocada em Brasília para funções diárias); e Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos (FNDDH), coletivo que conta com mais de 70 entidades, no país inteiro, destinadas a promover ações de incidência política no parlamento e produzir conhecimento para articulações e mobilizações de movimentos sociais. iii. Projeto de Lei n. 1.185/2012 da Câmara Legislativa do Distrito Federal Em meados do segundo semestre, em razão da propositura do Projeto de Lei n. 1185/2012 na Câmara Distrital, fomos acionados para a elaboração de parecer técnico que levaria a adesão da Rede Nacional e outros parceiros. O texto proposto oficialmente versava sobre a possibilidade de os agentes penitenciários e socioeducativos adquirirem porte de armas de fogo de uso externo às unidades socioeducativas, em razão da natureza de seu ofício. Feito imediatamente – cerca de uma semana depois da apresentação do PL -, fora tão logo oferecido a parlamentares estratégicos e sensíveis ao posicionamento evidenciado no parecer. Duas semanas após, tivemos a notícia de que o artigo que atribui ao agente socioeducativo o direito ao porte de arma fora vetado. iv. Nota técnica sobre a compatibilidade verificada entre o Decreto n. 3.597/2000, pelo qual o Congresso Nacional ratifica a subscrição da Convenção 182/1999 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) realizada pelo Estado Brasileiro. A Nota foi elaborada e entregue a convite de UNICEF Brasil, que, em apoio à Frente Parlamentar Mista de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, solicitou sugestões de temas a motivarem inovação ou revogação legal, com objetivo de favorecer a construção de Plano de Ação para o Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes. Apresentamos nota que apresenta distorções e contradições na implementação da norma contida na Convenção 182/99 da OIT no Brasil. v. Parecer Técnico ao PDS n. 539/2012, de autoria do Sen. Ivo Cassol. Em sintonia com a questão social da adolescência em conflito com a lei, elaboramos nova ação parceira junto aos coletivos já mencionados. Desta vez, ampliouse a composição com a aproximação da Justiça Global, entidade de Direitos Humanos voltado à promoção de ações políticas e jurídicas nacionais e internacionais; Associação pela Reforma Prisional; Rede de Justiça Criminal e Instituto dos Defensores de Direitos Humanos. O Projeto de Lei n. 539/2012, de autoria do Sen. Ivo Cassol (PP/RO), prevê a realização de plebiscito no dia das eleições presidenciais de 2014. O parecer está pronto e subscrito, e a utilização dele dar-se-á nas próximas semanas de março junto aos parlamentes já mapeados no Senado Federal. vi. Parecer Técnico à PEC n. 33/2012, de autoria do Sen. Aloysio Nunes. A ampliação do grupo também resultou na elaboração de parecer contrário ao texto da Proposta de Emenda Constitucional em maior avanço atualmente, também de autoria do Senador Aloysio Nunes (PSDB/SP). Ademais, importa informar que são espaços fundamentais para ampliação da articulação político-parlamentar a Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, sob coordenação, no ano de 2012, dos deputados Liliam Sá e Dr. Adilson Soares, bem como a Frente Parlamentar Mista de Direitos Humanos da Criança e do Adolescente, sob condução da deputada Érica Kokay. V. Plano de Incidência – experiência 2012/2013 e propostas para a RENADE. A consultoria assumiu o compromisso de apresentar uma série de ações de incidência política no Congresso Nacional Brasileiro a partir de temáticas e estratégias definidas e delimitadas conforme se apresentam o assunto e o debate “Adolescente em Conflito com a Lei” no cenário nacional, considerada a peculiar observação que fazem os atores que compõem a RENADE. Para tanto, realizamos atividades que conferem à RENADE a qualidade de rede que aprimorou suas ações de incidência e articulação política com a elaboração de pareceres e notas técnicas. Dentre os meios, fez-se o levantamento das propostas em tramitação no Congresso Nacional e sua análise crítica acerca do teor, propósito, aspectos positivos e negativos. Neste momento, apresenta-se todo o material produzido. Fixamos eixos pelos quais transitaríamos ao produzir conhecimento e articular parceiros e interlocutores estratégicos. A ideia era acompanhar projetos de leis que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal para conhecer, entender e intervir politicamente em proposições escolhidas oportunamente e que retrocedem nas conquistas constitucionais. Embora não quiséssemos bastar nossa atuação nas estratégias de enfrentamento a determinados projetos de lei e projetos de emenda constitucional, mas extravasar as fronteiras da reatividade e criar campo fértil de debates sustentados em proposições da RENADE perante o Congresso Nacional e o Poder Executivo, não logramos esse feito, pela pequena estrutura que, pioneiramente, construiu-se no campo da adolescência e conflitualidade. Com as próximas edições da RENADE e/ou outras redes e entidades, certamente, o alerta servirá: devem promover ações afirmativas dos direitos humanos de adolescentes em conflito com a lei, para o que importa também criar e apoiar as proposições favoráveis e em andamento no Congresso Nacional. É o que pode ser feito com base nos seguintes Projetos de Lei: a) Na Câmara dos Deputados, com os destaques em negrito, 398/99 Dep. Enio (PDT/RS) Bacci Proibe a divulgação das iniciais do nome e prenome do menor infrator. 1938/99 Dep. Enio (PDT/RS) Bacci Dispõe que a partir da idade de 18 (dezoito) anos, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida; ou ainda transferido para casas de transição. 5546/01 Dep. Nilmário Miranda PT/MG) e Nelson Pellegrino (PT/BA) Estabelece medidas de prevenção e regras para a persecução penal das práticas delituosas previstas na Lei nº 9.455, de 07 de abril de 1997, e dá outras providências. 1871/03 Dep. Antonio Carlos Biscaia (PT/RJ) Acrescenta parágrafos ao art. 120 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências. [Propõe a divisão de lucros, resultantes da atividade de profissionalização, entre adolescente, familiares e despesa de custeio] 2799/03 Dep. Alexandre Santos (PMDB/RJ) Altera o Estatuto da Criança e do Adolescente. [Propõe a divisão de lucros, resultantes da atividade de profissionalização, entre adolescente, familiares e despesa de custeio.] 4487/04 Dep. Enio (PDT/RS) Bacci Proíbe qualquer imagem de crianças envolvidas em ato infracional e dá outras providências. 3022/2004 Dep. Carlos (PL/RJ) Nader Acrescenta dispositivos ao art. 120 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que ‘dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, e dá outras providências’. [Propõe a divisão de lucros, resultantes da atividade de profissionalização, entre adolescente, familiares e despesa de custeio.] 5233/05 Dep. Sigmaringa Seixas (PT/DF) Definindo a pessoa custodiada e estabelecendo normas para investigação, punição e prevenção dos crimes de tortura, incluindo no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848, de 1940) o tipo especial "Alegação Falsa de Confissão sob Tortura ou Ameaça de Tortura". 1170/07 Dep. Paulo (PT/RS) Paim Altera o art. 143 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, para ampliar as hipóteses de vedação da divulgação de nomes de crianças e adolescentes. 5673/09 Dep. Glauber Braga (PSB/RJ) Dá nova redação ao art. 104 da Lei nº 8.069, 13 de julho de 1990, e inclui na referida lei os arts. 105-A e 122, considerando que o regime de semiliberdade e a medida de internação não serão aplicados ao adolescente que praticou o ato infracional em razão de dependência ou sob o efeito de droga; os benefícios da anistia, graça e indulto alcançam o menor infrator e a medida de internação só poderá ser aplicada após o trânsito em julgado da sentença condenatória. 7934/10 Dep. Fátima (PMDB/AP) Pelaes Torna obrigatória a realização de cursos de reutilização e reciclagem do papelão descartado por supermercados e distribuidoras varejistas, a egressos do sistema prisional e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. 958/11 Dep. Alessandro Molon (PT/RJ) Obriga os órgãos de segurança pública e os do sistema penitenciário a informar sobre as penas para a prática dos crimes de tortura, bem como os telefones e endereço eletrônico para a denúncia desses crimes. 2442/11 Presidência República. Institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, e dá outras providências. Valem os destaques: da i. PL 1938/99: entra em campo a possibilidade de atrelar as questões de adolescência às de juventude (marco dos 18 anos). ii. PL 1871/03: a partir deste, é possível mobilizar atores do campo econômico, industrial e comercial, de modo a sensibilizá-los por meio do direito ao trabalho e à profissionalização qualificada. Mobiliza-se para o sentimento de co-responsabilidade dos atores sociais. iii. PL 5673/09: de significativa relevância, seu texto é de radicalização dos princípios democráticos, levando a cabo a dúvida entre proporcionalidades entre ato infracional e reação do Estado, e tornando objetiva a apreciação sobre os casos ligados à dependência química, semiliberdade e internação socioeducativa. iv. PL 2442/11: sugere-se seja o ponto forte das próximas ações de incidência política. Do ponto de vista do conteúdo (finalístico), trata-se de um possível grande avanço na democracia brasileira e no marco regulatório dos direitos humanos, uma vez que estabelece um mecanismo de forte impacto na inibição dos atos estatais de violência institucional. Do ponto de vista de forma (estratégico), é projeto de lei proposto pelo Poder Executivo, o que leva a crer que obterá uma trajetória mais previsível e, logo, possível de controlar. b) No Senado Federal, com destaques em negrito: PLS 245/97 Sen. Paulo Paim (PT/RS) Dispõe sobre a reserva de 10% (dez por cento) das vagas dos cursos profissionalizantes administrados pelo senac, senai, senar e senat para adolescentes egressos do sistema correcional ou cumprindo medidas socioeducativas de semiliberdade ou liberdade assistida, e da outras providencias. PLS 408/11 Sen. Eduardo (PSC/SE) Amorim Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, para garantir tratamento especial ao adolescente viciado em drogas. PLS 26/12 Sen. Pedro (PDT/MT) Taques Acrescenta os arts. 114-A 258-A à Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente - para prever o prazo prescricional das medidas socioeducativas e das multas aplicadas em razão de cometimento de infrações administrativas. PLS 322/12 Sen. Gim (PTB/DF) Argello Altera a Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, e a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, para conceder incentivo tributário a pessoas jurídicas que realizem cursos de reutilização e reciclagem de materiais ou outros cursos de capacitação para egressos do sistema prisional e para jovens em cumprimento de medidas socioeducativas. Destacamos: i. PLS 245/97: ainda que não seja esta, mas outra proposta contemporânea, importa salientar a relevância deste tipo de projeto, pois aciona diversos segmentos do ramo industrial e empresarial no mesmo sentimento de co-responsabilidade apontado acima. ii. PL 26/12: a prescrição socioeducativa vem sendo objeto de teses de defesa, mas ainda não se consagrou plenamente na legislação brasileira. Por isso, ainda que haja divergências sobre a equiparação do tempo prescricional socioeducativo com a prescrição penal, está dado um avanço nas discussões políticas de regulamentação do poder punitivo estatal. iii. PL 322/12: mais um projeto que alia aos setores empresarial, comercial e industrial. Obviamente, para além da sensibilização dos atores sociais desses segmentos, reside aí uma clivagem importante de ser ultrapassada: os proprietários majoritários dos meios de produção, especialmente no meio urbano (foco predominante de ações socioeducativas em razão da demanda) situam-se no meio do caminho para a autonomia jovem e o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. c) Estratégias de sensibilização e articulação parlamentar Retomemos as estratégias programadas no início do projeto RENADE. Muitas delas estão condicionadas a eventos externos à Rede Nacional, não sendo controláveis. São algumas, em geral: elaboração de cartilha sobre as questões-chave ligadas à Adolescência e Conflitualidade, destinadas aos parlamentares; nomeação de Senador e Deputado de Referência nas ações de sensibilização e articulação; instituição de selo “Parlamentar em Defesa dos Direitos do Adolescente”; criação de subcomissão temática na Comissão de Direitos Humanos e Minorias, na Comissão de Legislação Participativa, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, e na Comissão Especial destinada a promover estudos e proposições de políticas públicas e de Projetos de Lei destinados a combater e prevenir os efeitos do Crack e de outras drogas ilícitas (CEDROGA), todas da Câmara dos Deputados; Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa e Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal; agenda técnica eventual entre a equipe da RENADE (ou outra rede) e a Subsecretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente, para atualização de dados e informações que configuram subsídio (político e técnico) para incidência no parlamento federal; Elaborar os seguintes documentos: Plano Nacional de Atendimento Socioeducativo; Avaliação da ratificação das Resoluções do CONANDA pelo Executivo Federal; Avaliação de documentos internacionais ainda não ratificados internamente; Avaliação dos programas de “egressos” do sistema socioeducativo; Catalogação de todos os documentos oficiais de estudo e estatísticas sobre a política de atendimento socioeducativo; Cartilha “passo a passo” para os estados e municípios elaborarem seus planos de atendimento socioeducativo; Proposta de incidência na elaboração do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (em consonância com o PL 2442/11, de autoria do Poder Executivo e em trâmite na Câmara dos Deputados. Dentre os momentos estratégicos do ano, retomamos também os planejados no início da terceira edição RENADE: maio - junho: votação da proposta executiva de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) no Congresso Nacional; outubro – dezembro: votação da proposta executiva de Lei Orçamentária Anual (LOA) no Congresso Nacional; 15 de junho – prazo final para inscrição no Parlamento Jovem Brasileiro, da Câmara dos Deputados; 26 de junho - Dia Internacional de Luta contra a Tortura; 13 de julho – aniversário do Estatuto da Criança e do Adolescente; Encontros RENADE: esses encontros podem ter a presença de parlamentares engajados na causa da adolescência e conflitualidade. Importa reforçar que há um universo de dezenas de proposições desfavoráveis à defesa de direitos humanos submerso no cotidiano legislativo do qual podem brotar muitos a cada mês, a depender dos ânimos e estímulos (midiáticos, sociais e de instâncias propriamente administrativo-financeiras). É certo que temos muito a contribuir, como RENADE, para a desconstrução qualificada de cada projeto de lei e proposta de emenda constitucional que vise à supressão de garantias de direitos humanos. Entretanto, para tal, “é preciso estar atento e forte”, bem como preparado aos percursos e discursos. O ano que passou foi de intensa movimentação legislativa, mas se tratou apenas de uma experiência piloto (primeira edição em que se utiliza, permanentemente, da estratégia de incidência política), mostrando que temos capilaridade tão grande ou maior, na sociedade brasileira, do que os falsos alcances midiáticos apelativos a uma legislação de emergência. Esta, tão incerta e oportunista quanto as ações inconsistentes de muitos parlamentares que se rogam o direito de atuar com PLs flashes, entre os espasmos da mídia. Movimentos sociais somos os que sustentam as bandeiras do avanço político dos mecanismos de direitos humanos no Brasil. Afinal, ainda está para nascer o movimento que seja tão contrário quanto expressivamente composto de membros do Brasil todo, em alta quantidade e qualidade e de respeito às diversidades, como são os movimentos de esquerda e defensores de direitos para todas e todos. É com essa trajetória histórica, acúmulo técnico e político e o guia ético de atuação entre pares e entre diferentes que devemos caminhar, articulando-se estrategicamente dentro da heterogeneidade e afiançando ainda mais as relações de igualdade, fraternidade e solidariedade. Palmas, março de 2013. Anexos – Pareceres e Notas Técnicas Parecer técnico ao Projeto de Lei do Senado nº. 23/2012 I. Constitucionalidade formal De início, inexistem óbices constitucionais formais quanto à iniciativa, na medida em que a Constituição da República, em seu art. 24, inciso XV, atribui à União, aos Estados e ao Distrito Federal competência para legislar concorrentemente sobre proteção à infância e à juventude. II. Constitucionalidade material O projeto de Lei do Senado Federal n° 23 de 2012 altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para incluir o inciso VIII e alterar o parágrafo 3º, ambos do artigo 112, que passaria a vigorar com a seguinte redação: “Art.112............................................................................................................... ................................................................... VIII – inserção em programa de atenção integral à saúde mental, incluindo assistência ambulatorial ou em regime de internação. ............................................................................................................................. ....... § 3º A medida prevista no inciso VIII do caput será aplicada ao adolescente com transtorno ou deficiência mental constatada por meio de exame médicolegal e incapacidade de entender o caráter pedagógico e educacional das medidas socioeducativas previstas nos demais incisos, e não poderá ser cumulada com essas medidas.” (NR) Altera, outrossim, a Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, para conferir nova redação ao art. 64 e para incluir o art. 66, nos seguintes termos: “Art. 64 ..................................................................................................................... ............................................................................................................................. ..... §4º Quando a equipe técnica multidisciplinar e multisetorial concluir pela incapacidade do adolescente de se submeter ou entender o caráter pedagógico e educacional da medida socioeducativa que esta sendo executada, a medida será extinta nos moldes do art. 46, IV, desta lei, submetendo-o à medida prevista no inciso VIII do art. 112 da Lei n. 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente. “Art. 66. O adolescente em cumprimento de medida socioeducativa com comprovada dependência de álcool ou de outras substâncias psicoativas que não o incapacite de cumprir plenamente as atividades previstas no seu PIA deverá ser inserido em programa de tratamento, preferencialmente na rede SUS extra-hospitalar, podendo a autoridade judiciária determinar que esse seja realizado na rede privada se o SUS não dispuser do tratamento adequado, a expensas do SUS.” Ademais, revoga o art. 29 e os parágrafos 5º e 6º do art. 64 da mesma Lei 12.594/2 012. Em parecer aprovado em 16.05.2011, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal deliberou pela aprovação da matéria na forma de um substitutivo, nos termos seguintes: Art. 1º O art. 112 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 112. ................................................................................................................. VIII − inserção em programa de atenção integral à saúde mental, incluindo assistência ambulatorial ou em regime de internação. ................................................................................... § 3º A medida prevista no inciso VIII do caput será aplicada ao adolescente com transtorno ou deficiência mental constatada por meio de exame médicolegal e incapacidade de entender o caráter pedagógico e educacional das medidas socioeducativas previstas nos demais incisos, e, não poderá ser cumulada com essas medidas.” (NR) Art. 2º O art. 64 da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 64. ................................................................................................................... § 4º Quando a avaliação de que trata o caput concluir que o adolescente é incapaz de entender o caráter pedagógico e educacional da medida socioeducativa a que está sendo submetido, ele será encaminhado para a realização de exame médico-legal, a fim de verificar a necessidade de aplicação da medida prevista no inciso VIII do art. 112 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a consequente extinção da medida em execução, nos termos do inciso IV do art. 46 desta Lei. ............................................................................... § 9º Quando a avaliação de que trata o caput concluir que o adolescente é dependente de álcool ou de outra substância psicoativa, mas que é capaz de cumprir as atividades previstas no seu PIA, ele será inserido em programa de atenção integral à saúde mental, no âmbito do SUS. § 10. Se o exame médico-legal de que trata o § 4º não comprovar a incapacidade de o adolescente entender o caráter pedagógico e educacional da medida socioeducativa a que está sendo submetido, aplicar-se-á o disposto no § 9º. § 11. O atendimento previsto no § 9º será realizado, sempre que o quadro clínico permitir, em regime ambulatorial. § 12. O gestor local do SUS promoverá a inserção do adolescente no programa de atenção integral à saúde mental de que trata o § 9º, sob pena de responsabilidade, ainda que o atendimento tenha que ser realizado em serviço privado de saúde sem vínculo com o SUS, mediante ressarcimento.” (NR) Art. 3º Ficam revogados o art. 29 e os §§ 5º e 6º do art. 64 da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012. Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.” A despeito da nobreza da preocupação em dar guarida a jovens acometidos de doença, deficiência mental ou dependência de álcool e outras drogas, o presente projeto de lei não deve prosperar, vez que dissonante dos postulados constitucionais de proteção da criança e do adolescente, conforme passamos a articular. II.1 – Sobre a natureza das medidas socioeducativas O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a medida socioeducativa é a resposta estatal ao cometimento de ato infracional equivalente a crime ou contravenção penal (art. 103). Os conceitos relativos ao tema se fundam em princípios constitucionais, bem como os procedimentos de apuração do delito, que, por derivação normativa, também se assemelham, em parte, aos estabelecidos pela lei penal. A medida socioeducativa, portanto, imbui-se de um caráter de responsabilização proposto pelo Estado. Com isso, apresenta uma primeira e fundamental distinção em relação aos Códigos de Menores de 1927 e 1979, para os quais a resposta estatal responsabilizatória não atingia apenas crianças e adolescentes que cometiam crimes, mas quaisquer jovens que estivessem na denominada “situação irregular” de vida. O Código de Menores de 1927, por exemplo, marcou a consolidação do modelo de assistência e proteção à infância que, a partir do saber jurídico, tornou possível a construção e popularização da categoria “menor” no Brasil para crianças e adolescentes pobres em situação considerada de abandono moral e material como “menor”. Os juristas do início do séc. XX reivindicavam, para “o problema” da criminalidade juvenil, a criação de leis e instituições assistenciais e protetoras voltadas a impedir o desenvolvimento da criminalidade. Foi este discurso que permitiu a emergência do novo Código em 1927 e a criação das instituições e práticas legais que permitiram a internação do “menor” “abandonado” e “delinquente”. Assim, com a institucionalização da infância e da adolescência no Brasil, o Estado passou a visar diretamente os ‘menores’ em estado considerado “de perigo e abandono” (vadiagem, mendicância, libertinos, loucos), gerando um processo de estigmatização das crianças e adolescentes oriundos das classes pobres, condenados institucionalmente à possibilidade de delinquência, caso não se enquadrassem nas normas de trabalho e da educação (ALVAREZ, 1989; 1997 13). ALVAREZ, M.C. A emergência do Código de Menores de 1927 : uma análise do discurso jurídico e institucional de assistência e proteção aos menores. São Paulo, 1989. Dissertação (Mestrado em 13 Vale observar, ainda, que as instituições criadas para a internação do “menor” “abandonado” ou “delinquente” eram mais entornadas ao recolhimento e à manutenção dos abandonados fora das ruas, retirando assim do convívio social os considerados “indesejáveis”. No Código de Menores de 79, as hipóteses de jovens em “situação irregular” eram, conforme art. 2º, as seguintes: I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - autor de infração penal. Constata-se, portanto, que o Código de Menores de 1979 não distinguia as situações de privação de direitos e de cometimento de ilegalidades para fins de resposta estatal. Para efeito de aplicação de medidas, não diferenciava, assim, as condições de autor ou vítima, assumida pelos jovens envolvidos em violação de direitos. A natureza da reação estatal frente aos atos juvenis não era definida em lei. Historicamente, crianças e adolescentes foram concebidos e tratados pela sociedade brasileira de maneira autoritária, na medida em que foram juridicamente qualificados Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1989) e Menoridade e delinqüência: uma analise do discurso jurídico e institucional da assistência e proteção aos menores no Brasil. Cadernos da FFC. Marília, v.6, n.2, p. 93-114, 1997. como sujeitos sem fala, destituídos de poder, enquanto, por outro lado, os adultos e a família são concebidos como detentores de todo poder e que podem expressar as vontades e deveres das crianças e adolescentes. Nesse contexto, crianças e adolescentes brasileiros são vistos historicamente como objeto de intervenção de diversas instâncias de correção e das chamadas instituições de ortopedia social (ADORNO, 200214). Apesar de romper com a Doutrina da “Situação Irregular”, o próprio ECA também não define a natureza da medida socioeducativa, deixando a função a cargo dos segmentos civis e oficiais incumbidos dos debates e da qualificação do sistema de justiça juvenil e da política de atendimento socioeducativo. Nesse sentido, há duas vertentes bem demarcadas. Há estudiosos que reivindicam que a medida socioeducativa se trata de intervenção meramente educativa, sem caráter punitivo, sancionatório ou responsabilizatório. É comum a presença dessa interpretação em discursos que propõem o aumento do rigor, por meio, principalmente, da redução da idade penal estabelecida constitucionalmente e do aumento do tempo de internação em estabelecimento educacional. Outros estudiosos, pelo contrário, avaliam constituir-se em ação que tem, em excesso, um rigor sancionatório, o que é visto, inclusive, como ponto fraco da própria medida, que tende, assim, a carecer de efetividade educativa. Eles defendem a diminuição das determinações judiciais de internação em prol das medidas em meio aberto, dado que seu caráter sancionatório, supostamente, afligiria menos a vida adolescente. Nos dois pontos de vista, persiste a impressão de que as medidas socioeducativas apresentam-se com insuficiente caráter educativo. Dúvida não resta, todavia, se consideramos ampliada a natureza da medida socioeducativa, dentro, pois, de uma ótica de proteção/sanção, vendo-a como educativa porque proponente de construção de um projeto de vida, e, ao mesmo tempo, responsabilizatória porque pungente no caráter compulsório do cumprimento. Konzen diferencia finalidade e natureza das medidas socioeducativas. Segundo ele, quanto à natureza, dois são os atributos da medida socioeducativa: a “unilateralidade” e a “obrigatoriedade”. Pela unilateralidade entende-se que a medida socioeducativa existe a partir de um único vetor, direcionado do/a magistrado/a para o/a adolescente, sem que este/a tenha a opinião considerada. A obrigatoriedade, por sua vez, dá o devido contorno à obediência do/a adolescente em não apenas não opinar sobre a medida adequada, mas em aceitar e cumprir a designada pelo/a juiz/a. Quanto à finalidade, Konzen define que serve à “reprovação pela conduta ilícita, providência subsequente que carrega em si, seja a consequência restritiva ou privativa de liberdade, ou até mesmo modalidade de simples admoestação, o peso da aflição, ADORNO, S. Monopólio Estatal da Violência na Sociedade Brasileira Contemporânea. In: MICELI, S. (org). O que Ler na Ciência Social Brasileira – Volume IV. São Paulo, Editora Sumaré, 2002. 14 porque sinal de reprovação, sinônimo de sofrimento porque segrega do indivíduo um de seus bens naturais mais valiosos, a plena disposição e exercício da liberdade”15. Afirma, por fim, que sua natureza, complexa, é de substância penal e finalidade pedagógica16. Em coerência com a predominante doutrina acerca da temática, podemos afirmar que qualquer das sete medidas socioeducativas já previstas no art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente configuram uma resposta estatal de compulsório cumprimento e conteúdo sancionatório, ainda que sob uma perspectiva educadora. Logo, a criação de qualquer outra medida deve ser alinhada a essa dupla perspectiva, não sendo assim compreendida caso vise a outras finalidades, como é o caso da proposição presente no PLS n. 23/2012. Referido projeto de lei é justificado pela “necessidade de acesso aos serviços de saúde”, a implicar iniciativa legislativa que serviria ao direito de atenção à saúde mental e não ao dever de ser responsabilizado pelo cometimento de ato infracional. De fato, as diretrizes e a dinâmica de execução de uma medida socioeducativa não podem impedir ou restringir o exercício de direitos pelo/a adolescente, salvo o direito de liberdade no caso de medidas de internação e semiliberdade. De modo que, ao/à adolescente privado de liberdade, tanto quanto aos/às encontrados/as em meio aberto, cabe a garantia do direito de atenção à saúde mental, entre outros direitos sociais. Nesse sentido é que a instalação de uma nova medida socioeducativa – de atendimento médico-psiquiátrico – que tenha como simples objetivo catalisar as etapas de acesso ao serviço público de saúde mental apresenta-se na contramão da finalidade da medida socioeducativa, que não é, prima facie, garantir direitos, já que, para isso, há as medidas de proteção, mas responsabilizar os/as adolescentes, cuja ação as sete medidas socioeducativas já contemplam. A “nova” medida proposta insere-se no crescente processo de psiquiatrização dirigido a jovens autores de ato infracional, definido pela professora Maria Vicentin da PUC/SP, em estudo recém-publicado na Revista Brasileira de Crescimentos e Desenvolvimento Humano17, com os seguintes elementos centrais: 1) A emergência de propostas de alterações no ECA centradas no argumento do transtorno mental e da periculosidade. 2) O crescente encaminhamento de adolescentes cumprindo medida socioeducativa para perícias psiquiátricas visando aferição do “grau de periculosidade” e diagnóstico de transtorno de personalidade anti-social. KONZEN, Afonso Armando. Pertinência socioeducativa: reflexões sobre a natureza jurídica das medidas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 63. 16 Op. cit., p. 91. 17 A patologização do jovem autor de ato infracional e a emergência de “novos” manicômios judiciários. VICENTIM [ET.AL]. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 2010; 20(1): 61-69. 15 3) A crescente internação psiquiátrica de adolescentes por mandado judicial, já verificada nos dois maiores hospitais psiquiátricos para adolescentes nos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, caracterizada pela: i) compulsoriedade; ii) pela estipulação de prazos para a internação ou pela sua subordinação aos critérios jurídicos; iii) por tempo médio de internação superior aos dos demais internos admitidos por outros procedimentos; iv) pela acentuada presença de quadros relativos a distúrbios de conduta (portanto, não psicóticos) 4) A proposição, pelo estado de São Paulo, da Unidade Experimental de Saúde18, inaugurada em dezembro de 2006, Tal atendimento não poderia, segundo os propositores da Unidade, se dar em hospitais psiquiátricos, já que esses últimos “obedecem às diretrizes da política de saúde mental do SUS, caracterizada por serviços que não dispõem de espaços físicos de contenção” (VICENTIN, 2010, p.62-63). É preciso notar que a medida socioeducativa é um meio responsabilizatório para que se alcancem objetivos de qualificação das condições de vida. Já a nova medida intencionada pela via do projeto de lei em pauta apresenta-se, ela mesma, como um fim de acesso a serviços públicos. Neste rumo, portanto, em tela apenas a necessidade de garantia do direito à saúde mental, reiteramos a possibilidade de o Poder Judiciário requisitar ao Executivo a oferta imediata de serviços, inclusive no bojo de um processo socioeducativo. Essa determinação judicial é suficiente para atingir qualquer meta esperada com a propositura do PLS n. 23/2012, razão pela qual sucumbe a inovação pretendida em seu texto. Para tanto, mais do que suficientes são as medidas protetivas, explanadas na seqüência. II.2 – Sobre a natureza das medidas protetivas Sobre as medidas de proteção, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece: Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; A Unidade Experimental de Saúde foi criada em dezembro de 2006, num convênio entre as Secretarias da Saúde, Justiça e Administração Penitenciária do Estado de São Paulo, destinada a oferecer atendimento para autores de ato infracional portadores de diagnóstico de transtorno de personalidade e/ou de periculosidade, durante o cumprimento de medida sócio-educativa de internação em regime de contenção. 18 II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III – em razão de sua conduta. Cumpre lembrar que esses instrumentos protetivos “não poderão ser compreendidos como castigo ou pena; nem, tampouco, ter o caráter de ‘aliviar’ a responsabilidade jurídica daqueles que estão causando danos à criança e ao adolescente” 19. A assertiva exprime bem a dificuldade que subjaz o projeto de lei sob análise: se se quer proteger adolescentes que cometem atos infracionais a partir do ampliado e imediato acesso aos serviços de saúde mental, não se deve fazer por meio exclusivo do sistema socioeducativo. Fazer desse modo significaria revestir tal iniciativa protetiva do caráter de pena ou castigo, tornando, na proporção em que se impõe judicialmente a nova medida socioeducativa, obrigatória a adesão. Conforme aduz o magistrado paulista Eduardo Resende de Melo, “as medidas de proteção têm uma natureza cautelar. Elas diferem da procura espontânea e voluntária das crianças, adolescentes e suas famílias aos programas de atendimento”20. Por isso, não há imposição de medidas protetivas, mas apenas a garantia de serviços a serem oferecidos, em caráter de urgência e diante do insucesso da promoção regular do direito. Logo, a medida protetiva não é compulsória, mas facultativa, conforme o desejo do próprio demandante – criança, adolescente e/ou familiares. É o que depreendemos da leitura da lei federal n. 8.069/90: Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos Caracterizada como direito – e não um dever -, a medida protetiva é a categoria normativa que mais se aproxima do atendimento médico-psiquiátrico almejado pelo PLS n. 23/2012. Portanto, não há falar em nova medida socioeducativa, mas nas necessárias melhorias e fortalecimento dos sistemas sociais, sobretudo o de saúde. CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 11ª edição. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 417. 20 CURY, op. cit., p. 419. 19 II.3 – Da incompatibilidade entre a instituição de nova medida socioeducativa e sua finalidade A proposta abrigada no projeto de lei fere os princípios da proporcionalidade e da eficiência dos atos da administração pública, eis que, em primeiro plano, a nova medida socioeducativa não visa produzir inéditas narrativas de responsabilização, já que tem a única finalidade de garantir imediato acesso aos serviços de saúde mental. Pior: impulsionará a criação de nova estrutura administrativa e judiciária, com aumento de quadro de recursos humanos e, logo, custeio de pessoal, bem como a ampliação dos sistemas de monitoramento da política de atendimento socioeducativo; tudo que, em suma, reverter-se-á no agigantamento dos gastos públicos sem nenhuma alteração de qualidade no campo socioeducativo, já que não é aí que reside o principal problema disparador do projeto de lei, conforme anuncia o próprio autor. O nó a ser desatado, como pronuncia o Nobre Proponente e o Nobre Relator da Comissão de Assuntos Sociais, é o acesso, a permanência e a qualidade dos serviços públicos de atenção à saúde mental destinados a qualquer brasileiro/a, e não apenas a qualidade e o modelo do sistema de responsabilização socioeducativa. Se o objetivo é realmente aprimorar o acesso aos bens e serviços para a garantia do desenvolvimento de adolescentes, devemos aprimorar as políticas correspondentes e não tornar mais rigoroso o processo responsabilizatório. Isso porque, além de tornar essa especificidade algo ineficiente e não proporcional para a administração pública, não gerará, por outro lado, impactos objetivos na própria política de saúde mental. Logo, a criação de nova medida socioeducativa não logrará aperfeiçoar nem o sistema socioeducativo nem o sistema de saúde. Assim, incorremos no risco de criar rotas excepcionais de garantia do direito à saúde mental, vindo a ser potenciais usuários apenas aqueles jovens que cometerem atos infracionais. Corremos ainda outro risco: o regresso à doutrina da situação irregular, notadamente no seu aspecto da (in)completude institucional, princípio anulado pela entrada em vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente justamente porque se passou a compreender que a garantia do exercício dos direitos fundamentais de crianças e adolescentes não deve estar refém ou condicionada à tutela estatal ou à custódia institucional, pressupondo-se, então, “o rompimento da cultura de institucionalização como inerente à ação protetora”21. 21 CURY, op. cit., p. 421. Assim é o posicionamento estatutário, tanto porque, por esse meio, não se promove o pleno exercício dos direitos – já que se mantêm os/as adolescentes responsabilizados/as, estando, logo, com direitos restringidos – quanto porque as instituições socioeducativas não são destinadas a cobrir todas as necessidades básicas do indivíduo - embora venham a cobrir algumas por consequência da privação de liberdade -, mas, acima de tudo, a responsabilizá-lo no tempo e espaço demarcados pela decisão judicial. Nesse sentido, Konsen afirma que “a aplicação de medida socioeducativa, por si tão-somente, não produz nenhum efeito tutelar ou protetivo do interesse do adolescente” 22 II.4 – Possibilidades de acatamento da justificativa do PLS n. 23/2012: a garantia do direito de atenção à saúde mental. Identificado o nó que deu origem à propositura do mencionado projeto de lei, convém desatá-lo a partir da correta identificação das suas causas. Uma delas é o investimento público notória e historicamente sacrificado nos campos socioeducativo e sanitário. A pífia destinação orçamentária encontrada na interface entre ambas searas demonstra que muitos gestores públicos não atendem ao basilar princípio da prioridade absoluta encampado na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, na Constituição Federal da República e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Segundo o princípio, os direitos de crianças e adolescentes devem ser garantidos por meio de oferta de serviços e bens públicos destinados prioritariamente às crianças e adolescentes, em relação aos demais grupos sociais. É o que preceitua o Estatuto da Criança e do Adolescente: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; 22 Op. cit., p. 75. c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. A prioridade absoluta se concretiza, portanto, na execução direta dos serviços públicos, na amplitude da cobertura conforme a situação infanto-juvenil de determinado local, no atendimento de proteção e socorro; da formulação das políticas, bem como na destinação orçamentária de recursos públicos voltados à garantia dos direitos. No tocante aos recursos orçamentários, propomos duas dimensões de análise. Pela primeira, ao se reconhecer que o investimento em saúde não oferece plena cobertura aos demandantes – seja no acesso, na permanência ou qualidade em relação ao serviço prestado -, a iniciativa do Estado-legislador não deve ser criar mais uma medida responsabilizatória ao adolescente, senão ao próprio Estado-administrador, qual seja, a imposição de maior destinação orçamentária ao setor bem como qualificação dos sistemas de monitoramento dentre as esferas federativas componentes da estrutura de co-gestão da política de saúde. Com isso, promove-se uma “verdadeira inversão do ônus da prova, ao colocar sob a obrigação do Estado comprovar que não pôde fazer mais do que fez em favor da efetivação desses direitos sociais” 23. Isto porque, embora se suponha que quanto maior a destinação de verba tanto maior será a cobertura, alguns aspectos não são plenamente avaliados nessa perspectiva, sobre os quais se deve compreender o nível de qualidade encontrado na execução da política, em paralelo à contínua ampliação de recursos. Já numa segunda linha de análise, podemos dizer que, há tempos, superou-se a noção restritiva de que saúde seja apenas a ausência de doença. Saúde é a promoção de bemestar vital, individual e coletivo. Não obstante, não é somente a denominada política de saúde a responsável pela promoção do bem-estar, mas quaisquer outras, especialmente as sociais básicas (educação, assistência social, previdência social, habitação, saneamento básico, segurança alimentar e nutricional etc). Logo, impera reforçar a responsabilidade gestora de produzir insumos de garantia de vida e saúde mental não apenas no setor de saúde – e nas respectivas secretarias e propostas orçamentárias -, mas em todos os setores sociais básicos. Um passo adiante, cumpre a execução qualificada e prioritária da política quando o assunto é criança e adolescente. 23 CURY, op. cit., p. 425. Caso não se priorize a oferta de bens e serviços públicos com acesso, permanência e qualidade, entende-se que, automaticamente, resta violado o direito por alguma das ações descritas na lei federal n. 8.069/90: Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Nessa direção, importa considerar que qualquer iniciativa legal que promova o aumento do rigor responsabilizatório em nome da proteção de direitos já estabelecidos em lei – como é o caso da atenção à saúde mental – confirma a prévia negligência cometida pelo Estado na (não) consecução dos deveres estabelecidos pela sociedade. Conforme aduz Myriam Mesquita Pugliese de Castro, “qualquer tipo de ação que não atenda às suas necessidades básicas de alimentação, moradia, educação, saúde, lazer constitui descuido, incúria, desleixo e é, portanto, considerada negligência” 24. A propósito, bom salientar a existência de duas portarias expedidas no âmbito do Governo Federal que estabelecem diretrizes para a “implantação e implementação da atenção à saúde dos adolescentes em conflito com a lei, em regime de internação e internação provisória: - PORTARIA INTERMINISTERIAL MS/SEDH/SEPM 1.426/200425 que aprova as diretrizes para a implantação e implementação da atenção à saúde dos adolescentes em conflito com a lei, em regime de internação e internação provisória. - PORTARIA Nº 647, DE 11 DE NOVEMBRO DE 2008 – levando em conta a Portaria 1426/2004 e outras normativas, aprova as diretrizes para a implantação e implementação da atenção à saúde dos adolescentes em conflito com a lei com medida socioeducativa a ser cumprida, em regime de internação e internação provisória, em unidades masculinas e femininas. Referidas portarias delineiam política pública específica à equalização do problema contido na justificativa do projeto de lei em comento e, nesse sentido, os esforços devem ser envidados à efetivação de seus dispositivos e não à criação de mais uma medida socioeducativa fadada a não apenas manter o problema como também a agraválo. 24 CURY, op. cit., p. 50. 25http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/PORTARIA%20INTERMINISTERIAL%201426% 20julho-2004.pdf Ao se engendrar nova medida socioeducativa como ajustada resposta à precária prestação positiva estatal de garantia do direito à saúde mental ao/à adolescente que infringe a lei (por vezes, exatamente em razão de sua sofrida ou desorganizada condição psíquica no momento do ato infracional), procede-se não necessariamente à garantia do direito à vida – e à saúde mental -, mas, no máximo, a uma mera estratégia de coerção do Estado para a prestação do dever de atendimento. Atendimento que, ademais, pode fracassar haja vista a condição privativa de liberdade do adolescente usuário do serviço. No que diz respeito aos estudos citados no Parecer do Senador Cyro Miranda (p. 2, item ii), em que se menciona pesquisa publicada no Jornal Brasileiro de Psiquiatria na qual se revela a prevalência de transtornos psiquiátricos entre adolescentes (¾ dos adolescentes em Salvador teriam pelo menos um transtorno psiquiátrico), cumpre esclarecer alguns pontos que podem, se mal interpretados, levar a conclusões desconectadas do estudo evocado. Se analisado minuciosamente, verifica-se que o estudo em referência aponta para os seguintes dados: em 290 indivíduos analisados, 40% possuem o chamado transtorno de conduta e 27,9% transtorno por Uso Nocivo de Substância Psicoativa, ou seja, aproximadamente 70%, o que representa os quase ¾ dos adolescentes citados como possuidores de algum “transtorno”. Segundo o próprio estudo citado, não se pode considerar o chamado “transtorno de conduta” como uma patologia psiquiátrica (no sentido medicinal do termo), pois seriam pessoas definidas pelo estudo como os que “...desafiam os limites socialmente determinados”. Vejamos a citação acima na íntegra: Em relação ao transtorno de conduta, freqüentemente os jovens com esse diagnóstico não são considerados portadores de patologia psiquiátrica, mas pessoas que não internalizaram normas e desafiam os limites socialmente determinados. Os jovens com transtorno de conduta manifestam-se com sentimento deficitário de empatia pelo próximo e ausência de culpa, que atuam como facilitadores para a incursão no crime (2006, p.129)26. Quanto ao segundo índice – 27,9% dos adolescentes possuem transtorno por uso de substância psicoativa – é importante ressaltarmos que o uso e dependência de drogas é algo absolutamente distinto e que a discussão deve avançar no sentido de aumentar a rede pública de proteção e atenção ao usuário de drogas, fortalecendo e capacitando o Sistema Público de Saúde e a Rede de Assistência Social: Em síntese, essa composição do ato infracional com o transtorno mental vem construindo argumentos tanto para modificações no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – seja no tempo de aplicação da medida ou “Morbidade psiquiátrica entre adolescentes em conflito com a lei”. PINHO [et. al]. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 55(2) 2006, p.126-130. 26 na proposição do tipo de medida – quanto para a produção de práticas dirigidas ao autor de ato infracional que são frontalmente contrárias aos paradigmas do ECA e às da atual política nacional em Saúde Mental. p. 666727 Com relação ao outro estudo citado – dissertação de mestrado defendida na UNB em 2011 por Natália Pereira Gonçalves junto ao Departamento de Serviço Social – impende colacionar a conclusão da pesquisadora, que vai exatamente no sentido contrário ao defendido na justificativa do Projeto de Lei 23/2012: No atendimento a essas demandas, os adolescentes receberam o diagnóstico que corresponde ao estigma de perigoso e ameaçador experimentado pelo autor de ato infracional. A conduta dos adolescentes foi considerada anormal por esse diagnóstico, devido ao pensamento moralizador que aponta como doente aquele que foge do padrão de normalidade socialmente colocado (GONÇALVES, 2011, p.80). O adolescente, portanto, deve ser escutado para além de um processo “psíquico” ou “psicossocial” que afeta os internos da Fundação Casa, mas em seu duplo “laço político”: como lugar-cruzamento de técnicas de si e técnicas políticas e como dimensão que afeta a todos28. É preciso buscar novas formas de reflexão sobre os adolescentes e atos infracionais, em contraposição “...à constituição do discurso da periculosidade e da patologia dos jovens, e à produção do medo, trata-se de encontrar outros ângulos analíticos que abram novos espaços de reflexão e que permitam pensar algumas relações entre processos políticos, sociais e subjetivos que atravessam vidas cotidianas de adolescentes em espaços sociais de trauma, estigma e perigo.” (VICENTIN, 2011 p.108). II.5 – Sobre a generalização da medida socioeducativa proposta, em afronta ao melhor interesse do adolescente. A patologização do jovem autor de ato infracional e a emergência de “novos” manicômios judiciários. VICENTIM [ET.AL]. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 2010; 20(1): 61-69. 28 “Corpos em Rebelião e o sofrimento-resistência: adolescentes em conflito com a lei”. Maria Cristina Vicentin, Revista de Sociologia da USP, Tempo Social, v.23, n.1, p.97-113. 27 Sob outro ponto de vista, de se ponderar que, não bastasse a demonstrada inadequação da criação da novel medida socioeducativa, também outra violação aos direitos dos adolescentes emerge: não há, no texto legal proposto, qualquer restrição à imposição da nova (e inadequada) medida socioeducativa proposta, de modo que, seja qual for o ato infracional, presentes ou não violência ou grave ameaça, primária/o ou não a/o jovem acusada/o, será possível a sua internação nos casos “transtorno ou deficiência mental constatada por meio de exame médico-legal e incapacidade de entender o caráter pedagógico e educacional das medidas socioeducativas previstas nos demais incisos”. A novidade, portanto, demais de ser claramente inadequada aos fins que se propõe, subverte o sistema sócio-educativo, que é calcado em disposições constantes de diplomas internacionais, da Constituição da República e do ECA. Tais normativas guindam ao patamar de prioridade absoluta o melhor interesse da criança e do adolescente e, na repressão de atos infracionais, atribuem à privação de liberdade o caráter de medida excepcional. Nesse sentido, dispõe o artigo 37, item “b”, da Convenção das Nações Unidas de Direito da Criança (1989): “A detenção, a reclusão ou a prisão de uma criança será efetuada em conformidade com a lei e apenas como último recurso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado” Em sentido homólogo, vale lembrar o que dispõem as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil (“Diretrizes de Riad”) em seus itens 4 e 5: “4. É necessário que se reconheça a importância da aplicação de políticas e medidas progressistas de prevenção da delinqüência que evitem criminalizar e penalizar a criança por uma conduta que não cause grandes prejuízos ao seu desenvolvimento e que nem prejudique os demais. Essas políticas e medidas deverão conter o seguinte: a) criação de meios que permitam satisfazer às diversas necessidades dos jovens e que sirvam de marco de apoio para velar pelo desenvolvimento pessoal de todos os jovens, particularmente daqueles que estejam patentemente em perigo ou em situação de insegurança social e que necessitem um cuidado e uma proteção especiais. b) critérios e métodos especializados para a prevenção da delinqüência, baseados nas leis, nos processos, nas instituições, nas instalações e uma rede de prestação de serviços, cuja finalidade seja a de reduzir os motivos, a necessidade e as oportunidades de cometer infrações ou as condições que as propiciem. c) uma intervenção oficial cuja principal finalidade seja a de velar pelo interesse geral do jovem e que se inspire na justiça e na eqüidade. d) proteção do bem-estar, do desenvolvimento, dos direitos e dos interesses dos jovens. e) reconhecimento do fato de que o comportamento dos jovens que não se ajustam aos valores e normas gerais da sociedade são, com freqüência, parte do processo de amadurecimento e que tendem a desaparecer, espontaneamente, na maioria das pessoas, quando chegam à maturidade, e f) consciência de que, segundo a opinião dominante dos especialistas, classificar um jovem de "extraviado", "delinqüente" ou "prédelinqüente" geralmente favorece o desenvolvimento de pautas permanentes de comportamento indesejado. 5. Devem ser desenvolvidos serviços e programas com base na comunidade para a prevenção da delinqüência juvenil. Só em último caso recorrer-se-á a organismos mais formais de controle social.” A Constituição da República assenta que o direito à proteção especial abrangerá, entre outros aspectos, a “obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade” (artigo 227, § 3º). Na mesma trilha, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reafirma a excepcionalidade da medida de internação (artigo 121): “A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” Justamente ao fim de estabelecer limites claros à excepcional medida de restrição de liberdade (inclusa aqui a nova medida, que prevê “regime de internação”), o Legislador cingiu a sua aplicação às hipóteses de ato infracional cometido com violência ou grave ameaça à pessoa. O fundamento de racionalidade dessa moldura legal é bastante simples e guiado pela excepcionalidade de medida de internação, que, como se aferiu, é fartamente normatizada: parte-se do pressuposto de que a medida de internação é a menos eficaz e a mais traumática das medidas aplicáveis ao adolescente infrator, razão pela qual apenas quando a conduta se concretiza com o emprego de violência ou grave ameaça passa a ser admissível a privação da liberdade. Observe-se que, mesmo nas hipóteses de ato infracional que envolve violência ou grave ameaça, ao Juízo caberá ponderar se há outra medida adequada, sempre com o intuito de evitar a perniciosa medida de internação: “Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada” (artigo 122, § 2º). Infere-se, pois, que a abertura para a aplicação de nova medida sócioeducativa de internação a jovens com transtornos mentais, independentemente do ato infracional pelo qual é acusado, é temerária e contrária ao melhor interesse do adolescente, na medida em que generaliza medida que deveria ser excepcional (e, em última instância, dada a inadequação já exposta no item anterior, sequer deveria existir). III. Conclusão Em sede de processo socioeducativo, cabe à atividade jurisdicional propagar garantia de direitos não promovidos pelo Poder Executivo. Conforme vimos, o art. 112 do ECA autoriza o juiz a aplicar, adjacente à determinação socioeducativa, a medida de proteção, que pode se constituir, portanto, em assistência à saúde mental do/a adolescente. Logo, não há necessidade de se criar mais uma medida socioeducativa, pois, conforme expõe Paulo Afonso Garrido de Paula, o interesse juridicamente protegido (nesse caso, de acesso a serviços de saúde) nem sempre precisa resultar de norma específica, devendo o magistrado recorrer a ferramentas interpretativas que possibilitam equacionar relações conflituosas: “não concebo uma tutela de interesse divorciada de juridicidade; eventuais dificuldades devem ser superadas pela atividade de interpretação”29. Em síntese de boa parte do que aqui se defende, Bianca Mora de Moraes e Helena Vieira Ramos, ao tratarem da questão do adolescente portador de deficiência mental, destacam: “(...) na prática o que ocorre é a falta de instituições adequadas para o tratamento individual e especializado legalmente previsto, ocasionando diversidade de atuações para a solução dos casos concretos. Verifica-se que, lamentavelmente, na maioria das vezes é aplicada a medida socioeducativa de internação, deixando-se a cargo da entidade recebedora do jovem as providências necessárias para o tratamento dos distúrbios psiquiátricos. Considera-se, acompanhando João Batista Costa Saraiva, que aos adolescentes em tal situação não há como se aplicar medida socioeducativa, mas sim aquela que emerge do disposto no §3º do art. 112, c/c o art. 101, V, ECA”30. Veicular a proteção de direitos por meio exclusivo da responsabilização socioeducativa é aproximar a garantia de direitos da prática menorista e tutelar que vigorou por séculos no Brasil e, em legislação específica, por 63 anos. Garantir proteção pela via da repressão, restrição de direitos e privação de liberdade é exatamente a ação que caracteriza, primordialmente, a doutrina da situação irregular. Os meninos e meninas abandonados ou negligenciados eram internados em instituições asilares, correcionais e disciplinares justamente para que obtivessem alguma garantia de acesso a serviços públicos que lhes fortalecessem como seres humanos ordeiros, corretos e obedientes. Essa era a visão que não pode ser mais ressuscitada, pois para ela não há mais espaço em nossa história. Ante todo o articulado, Conectas, CFP, Sou da Paz, Pastoral Carcerária, IDDD, ITTC e RENADE se manifestam pela rejeição integral do PLS 23/2012, vez que manifestamente eivado de inconstitucionalidade material. PAULA, Paulo Afonso Garrido de. Direito da criança e do adolescente e tutela jurisdicional diferenciada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 55. 30 Curso de Direito da Criança e do Adolescente (Coordenação: Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel). Ed. Lumen Juris, 2008. 3ª edição. 29 NOTA TÉCNICA A secretaria executiva da Rede Nacional de Defensores do Adolescente em Conflito com a Lei – RENADE – vem apresentar posicionamento técnico acerca da tramitação do Projeto de Lei n. 1.185/2012 da Câmara Legislativa do Distrito Federal, conforme segue. Preliminarmente, cai por terra o texto do Projeto de Lei simplesmente porque imbuído de vício: desconsidera o rol taxativo de possíveis portadores de arma, dentro do qual não se incluem agentes do sistema socioeducativo. É de se ver, conforme a lei federal n. 10.826/2003: ............................................................................................................................................. Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para: (destaque nosso) ............................................................................................................................................. Conforme sinaliza o artigo, os incisos a seguir tratam dos possíveis titulares do direito ao porte, também citados na Exposição de Motivos do Projeto de Lei em pauta. Conforme afirmam os próprios parlamentares autores do texto projetado, os profissionais do sistema socioeducativo não são contemplados no elenco. Entretanto, por artifício de linguagem, os mesmos autores explicam não se tratar de rol taxativo de portadores de arma, restringindo as condições de porte apenas à prévia existência de legislação própria. E finalizam: se houver lei própria para essa categoria de trabalhadores, não há impedimento legal para a garantia do direito. Vejamos. O projeto de lei se justifica a partir do mesmo caput do art. 6º da lei 10.826/2003, interrompendo o período, como se verifica: Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria... E conclui: Ocorre que a Legislação do Desarmamento, em seu art. 6º, não exclui outras categorias, desde que haja legislação própria, vejamos. Assim citado, convence o desavisado que não tem a oportunidade de ler o artigo integralmente. Ao afirmar que não se trata de rol taxativo, desconsidera o aditivo “e”, pelo que, portanto, passa a inovar a legislação federal, o que não cabe ao ente federativo distrital. O artigo 6º da lei mencionado é expresso quanto aos possíveis titulares do direito ao porte de armas. Mais que isso, reserva-lhes o direito, porém, condiciona seu exercício à promulgação de legislação própria e para determinadas categorias populacionais. Fundamental a observação desse aditivo, que cerca em absoluto o grupo ao qual o direito é garantido. No mérito, em consonância com a Nota de Recomendação do Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente do Distrito Federal - CDCA/DF, compartilhamos o posicionamento político segundo o qual os princípios armamentistas estabelecidos no Projeto de Lei ora impugnado não se coadunam com os princípios de direitos humanos que regem a legislação brasileira de proteção integral de crianças e adolescentes. Quanto aos parâmetros político-metodológicos de atendimento de qualquer criança e adolescente, distinção não há entre as ações de garantia de direitos seja dentro ou fora do sistema socioeducativo, pois servem – todos – ao paradigma contemporâneo de proteção dos direitos humanos. Desse modo, o fato de estarem os adolescentes inseridos no sistema socioeducativo não enseja constatar, automaticamente, perigo na atuação educadora. Não há porque sustentar ações bélicas no lugar de intervenções socioeducativas. Em outra medida, se defendido o uso apenas fora do sistema socioeducativo, entende-se que cabe ao profissional prover cuidados e exigi-los do Estado. Todavia, que sejam mecanismos de proteção de outra ordem, em nada associada à natureza da atividade socioeducativa. Nesses termos, rechaçamos o texto veiculado pelo PL n. 1.185, em trâmite na Câmara Legislativa do Distrito Federal, compondo com os defensores de direitos humanos de crianças e adolescentes. Nota técnica sobre a compatibilidade verificada entre o Decreto n. 3.597/2000, pelo qual o Congresso Nacional ratifica a subscrição da Convenção 182/1999 da Organização Internacional do Trabalho realizada pelo Estado Brasileiro. A Rede Nacional de Defensores do Adolescente em Conflito com a Lei (RENADE), em sua terceira edição, vem apresentar a situação normativa e sugestão para a resolução da equação composta, de um lado, pela norma presente na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n. 3.597/2000 -, e de outro, pelo conjunto normativo nacional encabeçado pela lei federal n. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente). Preliminarmente, responde brevemente às questões apresentadas: a) Você vê alguma lacuna entre a normativa internacional de proteção aos direitos da criança e do adolescente e a legislação nacional? Em caso afirmativo, (a.1) Em qual(is) normativa(s) internacional(is) e quais os aspectos não se encontram contemplados na legislação nacional? A lacuna se estabelece no conflito entre o art. 3º da Convenção 182 da OIT, subscrita pelo Brasil e ratificada internamente por meio do Decreto n. 3.597/2000, e o arcabouço legal nacional, em especial o Estatuto da Criança e do Adolescente. Na Convenção da OIT, define-se que o reconhecimento da prática adolescente de tráfico de drogas implica a assertiva de que o adolescente se situa na condição de vítima de uma das piores formas de trabalho infantil. Já a legislação nacional em vigor desde antes desta Convenção permanece tipificando a conduta adolescente no âmbito penal e, em decorrência, responsabilizando-o apenas como autor perante tal prática. (a.2) Qual é o conteúdo da inclusão ou mudança a ser proposta? O conteúdo se refere à compreensão de que seja necessário compatibilizar os entendimentos antagônicos automaticamente vigentes no Brasil. b) No caso da legislação nacional você avalia a necessidade alteração ou complementação de aspectos ainda não regulamentados? Em caso positivo, (b.1) Em qual (is) lei (s) e quais aspectos (artigos) necessitam alteração/complemento? Importa desclassificar do campo infracional o ato de tráfico de drogas, tornando-o uma ocorrência que interesse apenas em âmbito civil, de modo que sejam as políticas sociais estatais o conteúdo essencial e exclusivo da resposta estatal frente à conduta. (b.2) Qual seria o conteúdo da alteração/complementação necessária em cada uma das normas mencionadas? A sugestão pode tomar dois caminhos alternativos: 1) Derrogar o art. 103 do ECA, acrescentando-lhe a informação (na forma de parágrafo) que excetua o tráfico de drogas do quadro de ato infracional, tornando-o uma conduta que não interesse ao âmbito da justiça especial da infância e juventude, tampouco ao sistema socioeducativo, ou 2) Derrogar os artigos pertinentes aos procedimentos judiciários de apuração do ato infracional, de modo a, ainda que sejam comprovadas a conduta e sua autoria, não caber ao/à adolescente nenhuma das medidas socioeducativas estabelecidas pelo ECA, mas apenas as medidas protetivas. TEXTO DE JUSTIFICATIVAS I – O comércio de substâncias psicoativas Ilícitas e o Estatuto da Criança e do Adolescente O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) impõe, em seu artigo 103, que ato infracional é a “conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Portanto, de início concluímos que qualquer tipo penal inserido no Código Penal e na legislação extravagante é, automaticamente, considerado ato infracional. Portanto, o comércio de substâncias psicoativas ilícitas, nos termos do art. 33 da Lei federal n. 11.343/2006 combinado com o art. 103 do ECA, configura ato infracional. Em um próximo plano, temos que o ato infracional enseja investigação policial e, de modo geral, processo judicial, inaugurado a pedido do promotor de justiça que, após ouvir o/a adolescente suspeito/a (art. 179, ECA), oferece representação ao Juízo. Se recebida a representação, deve o/a juiz/a agendar a audiência de apresentação (art. 184, ECA), por meio da qual colherá as primeiras informações diretamente junto ao/à adolescente e família, bem como verificará a necessidade de realização de próxima audiência, denominada em continuação, na qual também se ouvirão as testemunhas. Essa audiência é obrigatória nos casos de possível internacional em estabelecimento educacional (art. 186, § 2º, ECA). A todo tempo, vale ressaltar, o juiz pode conceder a remissão (art. 188, ECA). Vem, assim, o chamado tráfico de drogas a ser ato infracional que enseja a passagem do/a adolescente por todas essas etapas. Especialmente em função da natureza da prática – que justificou sua inserção na lei de crimes hediondos (lei federal n. 8.072/90) -, ainda que não ocorra, via de regra, por meio de grave ameaça ou violência, pois, de modo geral, exaure-se tão somente a partir da compra e venda de um produto classificado como ilegal. II – O comércio de substâncias psicoativas ilícitas e a Convenção 182 da OIT. A Convenção 182 da OIT determina a “proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação”. Informa, assim, que o tráfico de substâncias psicoativas ilícitas é uma das piores formas de trabalho infantil. --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Artigo 3º. Para os fins desta Convenção, a expressão as piores formas de trabalho infantil compreende: (c) utilização, demanda e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de drogas conforme definidos nos tratados internacionais pertinentes; --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Primeiro, devemos qualificar o público “infantil”. Correlato ao público criança, essa expressão, conforme a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança - e todos os demais documentos contemporâneos a ela alinhados -, intitula todas as pessoas situadas entre 0 e 18 anos de idade incompletos. Portanto, compreende a população de crianças e adolescentes em âmbito nacional. Em segundo, constatamos que a prática de comércio de substâncias psicoativas ilícitas cometida por esse público é tratada, em nível internacional, como agressão e violação de seus direitos. Daí, a configuração de exploração de trabalho infantil. Já em nível nacional, entretanto, é exclusivamente tratada como autoria de ato infracional e ofensa por parte do/a adolescente frente à sociedade31, pois tipificado como crime: 31 Importa lembrar que há doutrinadores contemporâneos críticos que contestam a dogmática jurídica segundo a qual o crime que afeta um bem jurídico e uma vítima abstrata (caso do tráfico de drogas, que não apresenta bem e vítima diretamente ofendida) é válido e implica responsabilização na mesma medida que os demais delitos. ----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Lei federal n. 11.343/2006 Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Ao mesmo tempo, é da letra do Decreto n. 3.597/2000, que “promulga Convenção 182 e a Recomendação 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e a Ação Imediata para sua Eliminação, concluídas em Genebra, em 17 de junho de 1999”, a determinação de cumprimento, pelo Estado Brasileiro, dos dispositivos instalados na Convenção: ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Art. 1º A Convenção 182 e a Recomendação 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e a Ação Imediata para sua Eliminação, concluídas em Genebra, em 17 de junho de 1999, apensas por cópia a este Decreto, deverão ser executadas e cumpridas tão inteiramente como nelas se contém. -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Ora, impossível não verificar a incompatibilidade entre a consideração do ato de tráfico e a resposta estatal planejada em nível internacional e em nível nacional, levando-se em conta que o Brasil é legislador nos dois âmbitos. III – Incompatibilidade entre papeis de vítima e de autor assumidos pela mesma pessoa Vimos que, no Brasil, vigora um conjunto normativo (mais antigo) que impõe a qualidade penal à prática de comércio de substâncias psicoativas, bem como invoca o sistema penal e de justiça juvenil para as devidas apuração e responsabilização. Constatada a autoria e materialidade da prática, esse ordenamento jurídico responde apenas de modo responsabilizatório – à luz da tipificação penal agravada, vale reiterar, pela lei de crimes hediondos. É o que se verifica quando da leitura de qualquer relatório sobre o sistema de justiça juvenil e o sistema socioeducativo, pelos quais se constata que o tráfico de drogas está sempre disputando com o ato equivalente a roubo o primeiro lugar na tabela classificatória da incidência de atos infracionais. Tanto assim que o Superior Tribunal de Justiça decidiu, por meio da Súmula 492/2012, que O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente. Ao surgir da mesma constatação de alta incidência de tráfico de drogas nas Varas da Infância e Juventude e, em decorrência do rigor responsabilizatório sobre a autoria e caráter ofensivo do ato, nas unidades de internação, essa determinação dos magistrados superiores tem a finalidade de inibir os juízes frente às corriqueiras sentenças judiciais mais severas. Entretanto – e também por isso -, é necessário que se amplie o objetivo dessa súmula, incidindo nas estruturas do processo responsabilizatório, de modo que não restem medidas socioeducativas a serem aplicadas justamente porque a República Federativa do Brasil adotou, recentemente, a estratégia de situar o/a adolescente no lugar de vítima de práticas de exploração do trabalho. Estar nesse posto impõe ao Poder Judiciário o dever de isentar o/a adolescente da medida de responsabilização, qualquer que seja. Em outras palavras, se do mundo dos brocardos jurídicos podemos extrair a velha máxima de que ninguém pode ser considerado autor e vítima do mesmo crime (ato infracional), aos/às adolescentes imputadas práticas de comércio de substâncias psicoativas ilícitas devem seguir respostas estatais de ordem distinta das tradicionais socioeducativas. Parecer Técnico ao Projeto de Decreto Legislativo do Senado Federal n. 539/2012 O Projeto de Decreto Legislativo 539/2012 tem como objeto a convocação de Plebiscito, de âmbito nacional, para consulta dos eleitores no primeiro turno das eleições de 2014, sobre a alteração da maioridade penal. Eis aredação do decreto: Art. 1º É convocado, nos termos do art. 49, XV, da Constituição Federal e da Lei nº 9.709, de 18 de novembro de 1998, plebiscito, de âmbito nacional, para consultar os eleitores sobre a alteração da maioridade penal de dezoito para dezesseis anos. Art. 2º O plebiscito de que trata este Decreto Legislativo realizarse-á juntamente com o primeiro turno das eleições de 2014, para deliberar sobre a seguinte questão: “Você é a favor da alteração da maioridade penal de dezoito para dezesseis anos?”. Parágrafo único. Fica sustada a tramitação das proposições legislativas cuja matéria constitua objeto desta consulta popular, até que o resultado das urnas seja proclamado, na forma do art. 9º da Lei nº 9.709, de 1998. Art. 3º O Presidente da Mesa do Congresso Nacional dará ciência da aprovação deste ato convocatório ao Tribunal Superior Eleitoral, para os efeitos previstos no art. 8º da Lei nº 9.709, de 1998. Art. 4º Este Decreto Legislativo entra em vigor na data de sua publicação. I - Histórico das Propostas de Redução da Maioridade Penal Desde o século XIX, a questão da criminalidade infanto juvenil no Brasil perpassou uma série de discursos e práticas no saber jurídico, nas práticas institucionais (tanto em termos assistenciais e pedagógicos, como numa perspectiva punitiva e reformadora) voltadas aos adolescentes autores de atos infracionais na tentativa de solucionar a questão da criminalidade das crianças e adolescentes ou de outro modo, a questão do “menor”. De um modo geral, as diferentes formas de organização do sistema da justiça criminal (Roda dos Expostos, Código Criminal do Império, o Código Penal de 1890, o Código de Menores de 1927, a FUNABEM e as FEBEM´s) basearam-se na construção de um aparato médico-jurídico-assistencial, que se dividiu em prevenção (vigiar a criança), recuperação (reabilitar a criança e o adolescente criminoso), educação (disciplinar a criança ao trabalho) e na repressão (conter crianças e adolescentes delinqüentes) (SPOSATO, 2001)32. Vale observar a ementa das principais leis: o Código de Menores de 1927 previa a proteção e assistência; o Código de Menores de 1979 previa, além da proteção e assistência, a vigilância. Esta preocupação com a criminalidade infanto-juvenil (que se manifesta de tempos em tempos no discurso favorável a diminuição da maioridade penal) vem funcionando durante este tempo, mais como um instrumento de marginalização da população pobre do que uma ampliação e um reconhecimento dos direitos civis dos jovens (Alvarez, 1997). É, portanto, na tentativa de romper com as antigas concepções higienistas, assistencialistas e repressoras que predominaram no tratamento à infância e juventude no Brasil, que o Estatuto da Criança e do Adolescente é promulgado em 1990 (lei 8.069). O ECA colocou a questão da infância e juventude no centro do ordenamento jurídico brasileiro, em consonância com os movimentos internacionais de direitos e proteção da criança e do adolescente colocando-os agora, como sujeitos de direitos. Mesmo com esses avanços o ECA é constantemente criticado por diferentes setores da sociedade (meios de comunicação, deputados, organizações civis) por não possuir medidas “punitivas”, mas “somente” as chamadas sócio educativas. Estes setores reclamam que o ECA mantém impunes os adolescentes autores de atos infracionais, SPOSATO, K. B. Pedagogia do medo: adolescentes em conflito com a lei e as propostas de redução da idade penal. Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, v .6, p.31-49, 2001. 32 motivo pelo qual se faria necessária a redução da idade penal para conter supostas “ondas” de criminalidade em cuja atual configuração de violência urbana seriam os jovens seus principais atores e responsáveis. Assim, crianças e adolescentes brasileiros são vistos historicamente como objeto de intervenção das instâncias de correção e das chamadas instituições de ortopedia social (ADORNO, 2002). Nesse sentido, emergem as diferentesPropostas de Emenda à Constituição Federal ou Projetos de Decretos Legislativos que tramitamna Câmara dos Deputados e no Senado Federal desde 199333. Esses projetos propõem reduzir a imputabilidade penal dos atuais dezoito para dezesseis anos de idade, ou, em alguns casos, até quatorze ou doze anos, modificando assim a redação do artigo 228 da Constituição Federal. Conforme expomos a seguir, o PDS n° 539 de 2012 é inconstitucional. Tal proposta não pode ser objeto de deliberação, visto que: i) a afirmação da idade penal faz parte dos direitose garantias constitucionais fundamentais de natureza individual, portanto, irrevogáveis; ii) o Brasil ésignatário dos tratados internacionais - a exemplo da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989 – que confirmam os 18 anos como marco de idade penal; iii) as taxas de incidência infracional estão caindo desde o início do século XX, iv) a ‘irresponsabilidade penal da criança e do adolescente’ é um mito. I – A maioridade penal é Cláusula Pétrea. A redução da idade penal é imbuída de uma questão constitucional fundamental: ela é cláusula pétrea, sendo parte dos direitos e garantias fundamentais individuais de nossa Constituição Federal de 1988. É o que consta do art. 60, §4º, da Carta Maior: Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: 33 PEC 171/1993 Deputado Benedito Domingos. I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. Ora, se consta da Carta Magna que as garantias constitucionais individuais não podem ser revogadas senão por meio de nova Constituinte Originária; e se os direitos e garantias individuais estão espalhados ao longo da Constituição Federal, a exemplo do constante de seu art. 228 (idade penal aos 18 anos de idade); concluí-se que esse marco etário poderá ser alterado somente a partir da vigência de nova Constituição Federal, não vindo um plebiscito ou uma emenda constitucional a ter força suficiente para sua revogação. Em outra medida, cabe dizer que a Constituição de 1988 inseriu a resposta do Estado frente atos infracionais cometidos por adolescentes no sistema de garantiasconstitucionais e penais. Isto, no plano jurídico, define que: 1) Como crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais atribuídos a quaisquer cidadãos (art. 5°, CF, e art. 3º, ECA), além dos direitos especiais constantes do Estatuto da Criança e do Adolescente, que ainda reserva ao Estado a única opção de promoção de atos discriminatórios positivos, sendo-lhe vedado executar ações que tenham a finalidade protetiva, que ampliem os direitos das crianças e adolescentes (art. 5º, ECA) 2) reconhece que a resposta do Estado contra o adolescente comporta privação de liberdade (art. 227, § 3°, V, CF): na democracias não há prisão sem o devido processo legal e o sistema constitucional de garantias (art. 5º, incisos XXXVII a LXVIII, CF). AConstituição Federal, ainda, guarda norma expressa sobre a reserva da prisão como conseqüência de prática de crime (art. 5°, LXVII), sendo autorizadas apenas duas exceções constitucionais, que não se aplicam, por definição, a crianças e adolescentes34. Prisão civil de curta duração para devedores de alimentos e depositários infiéis; situações jurídicas nas quais crianças e adolescentes, porque são incapazes civilmente, nunca podem estar. 34 Desse modo, a Constituição Federal confere a crianças e adolescentes todas as garantias de natureza penal e processual penal conferida aos adultos, mas em respeito à condição peculiar de crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento, assegurou-lhe mais garantias (garantias especiais, exclusivas de crianças e adolescentes), também em relação à resposta do Estado quando estes cometem atos infracionais. Trata-se de conquistas sociais admitidas e assumidas pela sociedade, que, por sua vez, deve abrir mão do retrocesso e lançar mão de criatividade e ações em busca da superação de novos desafios, muitos deles decorrentes da própria assunção do contemporâneo marco regulatório dos direitos humanos universais. A essa dinâmica atribui-se a expressão vedação do retrocesso social (SILVA, 2010)35, segundo a qual a sociedade brasileira não pode abandonar as conquistas sociais, em especial aquelas positivadas na Carta Federal e reconhecida a todo e qualquer cidadão brasileiro. Em outra ordem, é como se o Parlamento Federal decidisse impor um plebiscito para que a sociedade decida se deseja rever o caráter universal do sistema único de saúde, colocando-o em cheque. Não há, portanto, lei ou mecanismo subjacente à Constituição Federal que possa veicular decisões contrárias às conquistas históricas do povo brasileiro.II – O valor constitucional dos documentos internacionais assinados pelo Brasil.A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança – ratificada internamente pelo Decreto 99.710/90 – estabelece que criança (no Brasil, compreendida como as fases de criança e adolescente) é o sujeito que se encontra até os 18 anos de idade. Trata-se do primeiro marco etário para definições de direitos, deveres e políticas públicas correspondentes. Esse documento internacional alinha-se a outros, como as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing, 1985), e as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad, 1990). Todos esses documentos confirmam que a idade penal deve dividir a fase adulta da fase infanto-adolescente, e, portanto, distinguir os tratamentos estatais perante a prática delituosa.A Constituição Federal, por sua vez, estabelece em seu art. 5º, § 3º, que: Os tratados e convenções internacionais 35 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2010. sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Nesse sentido, se as premissas são: a) A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança é documento subscrito e ratificado internamente pelo Brasil; b) Conforme apregoa a Carta Magna Brasileira, todo documento internacional assinado no exterior e ratificado em âmbito interno terá valor constitucional; Logo: c) A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e os demais tratados, pactos e diretrizes dos quais o Brasil é signatário são documentos com status constitucional. Nessa medida, se trata de documentos de valor constitucional, podem ser revogados ou contrariados apenas se não se tratarem de cláusula pétrea, seguindo as premissas e o raciocínio do primeiro item dessa arrazoado. E, como tratam de garantias constitucionais – que reforçam as já previstas pela Assembléia Constituinte -, asseguram, indubitavelmente, a perenidade dessa norma e desse direito de qualquer adolescente brasileiro, independentemente de ter cometido ato infracional. Nasce com o direito de ser tratado de modo diferente, de receber, portanto, uma discriminação positiva. Segundo Machado36 (2006, p.107):“Neste passo, cumpre frisar que, se o direito de liberdade da pessoa física criança ou adolescente possui as especificidades já referidas no item II supra, é de ver que a imaturidade/vulnerabilidade do sujeito de direito, na Democracia não pode ser invocada para discriminá-lo negativamente. A desequiparação jurídica que a Constituição de 1988 criou para crianças e adolescentes é a desequiparação jurídica protetiva, que é própria da atual fase de evolução da “MACHADO, MARTHA .T. Sistema Especial de proteção da liberdade do adolescente na Constituição brasileira de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. In: ILANUD, ABMP, SEDH, UNFPA (Orgs) Justiça Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização.São Paulo, 2006, p.87-123”. 36 proteção aos direitos humanose que vem adotada na Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente (ONU, 1989).” Dentre estas garantias, estabeleceu-se a inimputabilidade penal para a pessoa até dezoito anos de idade incompletos, que vem expressa nos artigos 228 e 227, § 3 º, V, última parte, do texto constitucional. Este marco normativo diferencia-se da inimputabilidade penal que vigorava no o paradigma menorista, pois,segundo Machado(ibid, p.108): “[...]era uma inimputabilidade penal que impunha a crianças e adolescentes tratamento penal severamente mais gravoso que aquele reservado aos adultos (impunha uma medida de segurança perpétua, sem incidência da reserva legal, do contraditório e da ampla defesa, entre outras salvaguardas.” Portanto, a inimputabilidade penal atual impede a aplicação da sanção criminal (das penas reservadas aos adultos). E isso configura não apenas preceito penal, mas constitucional pétreo, de modo que se permite alteração apenas se promulgada nova Carta Magna. Ao assim determinar, a Assembleia Constituinte de 1988 ponderou sobre os valores individuais e sociais na situação específica de crime cometido por adolescente, optando pela enorme capacidade de autotransformação, que é própria do ser humano, impondo a prevalência de medidas protetivas e educativas e instituindo as garantias de excepcionalidade e brevidade da privação de liberdade (art.227, § 3º, V), que o ECA tratou de concretizar. Destarte: “Importante destacar que a excepcionalidade não é só das medidas privativas de liberdade (no ECA, internação e semi-liberdade), mas sim uma excepcionalidade da própria imposição de qualquer medida sócio-educativa...E veja-se que a excepcionalidade do sistema de responsabilização de crianças e adolescentes vem e consonância com o princípio da intervenção mínima, contido nos documentos da ONU: Diretrizes de Riad; Assembleia Geral Resolução 45/112-1990), art 5º, caput, ‘e’ e ‘f ‘, e art 6º; Regras de Tóquio (AG 45/110 – 1990 – medidas não privativas de liberdade) – art. 2.6” (ibid, p.109-110). Sobre esse aspecto, também nos diz Dallari: “A previsão de tratamento jurídico diferente daquele que se aplica aos adultos é um direito dos menores de 18 anos, que são pessoas, indivíduos,sujeitos de direitos. De acordo com o artigo 60, § 4º, da Constituição, não poderá ser objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir garantias individuais” (DALLARI, 2001, p. 25). III – As taxas de incidência infracional estão caindo desde o iníciodo século XX. Em poucas palavras, podemos informar que as taxas de incidência de ato infracional têm caído significativamente ao longo do século XX. É o que extraímos da literatura. Segundo Marcio Antonio Cabral dos Santos, “entre 1900 e 1916, o coeficiente de prisões por dez mil habitantes era distribuído da seguinte forma”: 307,32 crimes cometidos por adultos e 275,14 delitos cometidos por crianças e adolescentes, o que sugere uma proporção de quase 50% para cada faixa etária (SANTOS: 214)37. Atualmente, temos a proporção de 10% dos crimes cometidos pela adolescência, o que significa drástica redução da participação desses jovens nas ações delituosas, por diversos motivos, entre elas, o próprio aumento da idade penal (à época da primeira constatação, vigorava o Código Penal da Republica – 1890 -, pelo qual se instituía a responsabilização penal especial entre os 09 e 17 anos de idade), bem como os novos modelos de Estado que acentuaram seu papel de executor de políticas públicas sociais, fundamentais para o desenvolvimento humano. Vale frisar que atualmente, os dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos indicam um estabilização das taxas de atos infracionais privados de liberdade desde 2007: cerca de 16 mil adolescentes. Ainda, sobre este aspecto, a pesquisa do CNJ da série “Pensando o Direito” (2010)38 constatou que:“...os dados coletados junto aos Tribunais de Justiça e Superior Tribunal de Justiça em matéria de medida socioeducativa de internação, e posteriormente, a observação de casos junto às Varas da Infância e Juventude de São Paulo, Porto Alegre, Recife e Salvador, permitiram concluir que, apesar das propostas garantidoras do Estatuto, a prática forense nem sempre está com ela alinhada. Foi possível constatar que a medida de internação é sistematicamente imposta com baixa fundamentação legal. Em muitos casos, sem a devida consideração dos requisitos legais exigidos pelo ECA.” 37 38 SANTOS, Marcio Antonio Cabral dos. História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006. ECA: Apuração do Ato Infracional Atribuído a Adolescentes. Série Pensando o Direito, Nº 26/2010. Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL). IV – O mito da irresponsabilidade penal do adolescente Por último, vale citarmos mais uma característica importante acerca do debate sobre a redução da inimputabilidade penal: o mito da irresponsabilidade penal do adolescente. Segundo o Volpi39, esta idéia se baseia na concepção de que o adolescente é incitado a cometer um ato infracional porque a atual legislação é branda quanto a sua punição. Confunde-se então, inimputabilidade com impunidade e se esquece que existem as medidas sócio-educativas que até o momento ainda não foram implementadas integralmente em nosso país, para responsabilização dos adolescentes.Assim sendo, estas propostas reafirmam uma perspectiva criminalizadora dos jovens no Brasil, pois a educação para a cidadania defendida pelo ECA continua em posição de subordinação à perspectiva punitiva e criminalizadora dos antigos Códigos de Menores, uma vez que a mentalidade jurídica no Brasil permanece predominantemente encarceradora 40. Por outro lado, as taxas juvenis de vitimização quase duplicaram (ou mais) em relação àpopulação total. Em 2010, enquanto a taxa de homicídio do total da população negra foi de 36,0, a dos jovens negros foi de 72,0.Entre os jovens, a diferença entre brancos e negros foi mais drástica: as taxas de homicídio de jovens brancos caíram no período analisado de 40,6 para 28,3; enquanto a dos jovens negros cresceu de 69,6 para 72,041. VOLPI, M. Sem liberdade, sem direitos: a privação de liberdade na percepção do adolescente. São Paulo: Cortez, 2001. 40 Segundo (Kosminsky, 1993, p. 179-80) a identidade da criança internada é construída por duas forças contraditórias: o processo de padronização e domesticação imposto pela instituição, e pela afirmação da sua individualidade. Ou seja, essa tensão produzida pelo processo de domesticação e padronização e, simultaneamente, pela busca da resistência expressa em gestos de rebeldia, é gerada em uma instituição rigidamente burocratizada, que delimita o campo da sociabilidade infantil. O problema refere-se ao duplo abandono em que se encontra a criança, pois, impedida de viver com a família, a criança passa a viver em uma estrutura estatal burocratizada, em que funcionários entendem suas ações apenas como modalidade de prestação de serviços, de amparo material, operando nos precários limites da racionalidade institucional. Imersos nesta racionalidade, os funcionários da instituição ‘especializados’, tratam as crianças no quadro das relações impessoais e assim, a instituição nega a possibilidade de um agir coletivo entre os jovens e reproduz o estigma de “futuro marginal”, alimentando o que discursivamente ela procura negar: o abandono e a marginalidade. 39 41Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil / JulioJacoboWaiselfisz – Rio de Janeiro: CEBELA, FLACSO; Brasília: SEPPIR/PR, 2012. Assim, a vitimização de jovens negros, que, em 2002, era de 71,7%, no ano de 2010 pulou para 153,9%: morrem, proporcionalmente, duas vezes e meia mais jovens negros que brancos.Um fato que merece especial atenção no último Mapa da Violência é a idade das vítimas. Observa-se que não há diferenças significativas de taxas de homicídio entre brancos e negros até os 12 anos de idade. Entretanto, nesse ponto inicia-se um duplo processo: por um lado, um íngreme crescimento da violência homicida, tanto branca quanto negra, que se avoluma significativamente até os 20/21 anos de idade das vítimas. Se esse crescimento se observa tanto entre os brancos quanto entre os negros, nesse último caso, o incremento é marcadamente mais elevado: entre os 12 e os 21 anos de idade, as taxas brancas passam de 1,3 para 37,3 em cada 100 mil; aumenta 29 vezes. Já as taxas negras passam, nesse intervalo, de 2,0 para 89,6, aumentando 46 vezes. Vale frisar que a maior parte das Propostas apresentadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, favoráveis à Redução da Maioridade Penal são apresentadas em momentos de forte mobilização de setores da grande mídia, mas somente quando a vítima de um ato infracional é de classe média ou alta. Foram os casos das propostas apresentadas no período 2003-2007, sempre referenciados nos crimes da jovem Liana Friedenbach, em São Paulo, e do garoto João Hélio, no Rio de Janeiro. Vale frisar também que estes dois casos aconteceram em São Paulo e Rio de Janeiro, cidades nas quais estes dois meios de comunicação possuem suas sedes e repercutiram estes crimes de modo exacerbado. A revista Veja São Paulo de 19/11/2003 colocou a foto de Liana como capa de sua edição semanal com os dizeres “Até Quando?”; e a Veja Nacional colocou a foto de João Hélio na capa de sua edição de 14/02/2007 com a frase “Não Vamos Fazer Nada?”. (CAMPOS, 2009) Ora, se as propostas de inimputabilidade penal forem relacionadas em consonância com os dados acima, podemos concluir que, após 21 anos da promulgação do Estatuto, a perspectiva punitiva da criminalização permanece presidindo as decisões e registramos que a história de séculos de punições e mortes não se muda só com a lei, mas também com a sua legitimidade social42. É preciso defender as conquistas democráticas do Estatuto da Criança e do Adolescente aprofundando-as para assegurar o efetivo respeito à integridade das crianças e PASSETI, E. Crianças Carentes e políticas públicas. In: PRIORE, M. (Org). História da criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. 42 adolescentes, bem como os encarar, enfim, como sujeitos de direitos na contínua conciliação entre democracia e segurança pública. Acreditamos que a redução da idade penal no Brasil, como ponderou Adorno (2002)43, também se apresenta para nós como uma questão problemática. Os jovens no Brasil foram introduzidos no mundo adulto muito cedo, vivenciaram experiências precocemente, como trabalho, sexualidade, num contexto de desigualdade social, de desigualdade de direitos, efeitos estes agravados num contexto de globalização. Esses jovens, imersos num processo da 'criança sem infância’, talvez não tenham o dito discernimento que tanto o direito penal moderno, como os redatores das propostas favoráveis a redução da idade penal, a mídia e outros setores da sociedade afirmam veemente que os adolescentes já possuem. Mas, ainda assim, afirmamos que possuem o discernimento necessário à vida, cujo exercício é prejudicado – e então, algumas possíveis causas para as práticas infracionais – por fatores indiretos costumeiramente denominados exclusão social, vulnerabilidade e risco social, impossibilidade de participação política etc.Não foram esgotadas, no Brasil, as formas de atenção que se pode oferecer a estes jovens, seja pelas escolas, pelas instituições de assistência, pela família, pela maior distribuição da riqueza, pela aplicação efetiva do ECA. Portanto, uma eventual redução da maioridade penal aparece de forma cruel no Brasil, pois, num país atingido por fortes desigualdades sociais e desigualdades de direitos,as propostas favoráveis à redução da maioridade penal são cúmplices deste processo de criminalização da pobreza, jogando para o aparelho carcerário-punitivo os grupos e indivíduos mais vulneráveis psicologicamente, socialmente, economicamente, culturalmente.(SOUZA e CAMPOS, 2007)44. Assim, com a aprovação do decreto legislativo, chegar-se-ia à conclusão de que os jovens são “irrecuperáveis” atestando nossa incapacidade de lidar com o problema da violência juvenil. Desse modo, a Doutrina deProteção Integral45 consagrada no ECA é ADORNO, S. Adolescentes, crime e violência. In: ABRAMO, H.W; FREITAS. M.V. de; SPOSITO, M.P (Orgs). Juventude em Debate. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. 44 SOUZA, L.F. de. ; CAMPOS, M. S. . Redução da Maioridade Penal: Uma Análise dos Projetos que tramitam na Câmara dos Deputados. In: Leonardo Sica (coord). (Org.). Revista Ultima Ratio. 1ed.Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 231-259. 43 45 “Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança”, conforme Emílio Garcia Mendez, engloba a Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança, As Regras Mínimas das Nações Unidas fundamental paraa construção de políticas de prevenção e enfrentamento à criminalidade e, na forma mais gravosa, o homicídio dos jovens brasileiros. V – Da Impossibilidade de Plebiscito para Reduzir a Maioridade Penal O Projeto de Decreto Legislativo pretende submeter à plebiscito uma restrição a direito fundamental consubstanciada na privação da liberdade de adolescentes, matéria está insuscetível de disposição pela maioria, uma vez que isso irá inevitavelmente configurar abuso de poder. Ao promover consulta pública para a romper com direitos fundamentais reputados pétreos pela Constituição da República, o Projeto atual irá abalar a própria estrutura constitucional brasileira e, não obstante apresentar-se sob a roupagem de democrático, irá na verdade ruir a própria democracia. Os constitucionalistas apontam que o que caracteriza as democracias modernas é justamente a autoimposição de limites, como garantia de sua própria sobrevivência. Se não há limites para a democracia política ou formal, ou seja, se os princípios e garantias constitucionais podem ser alterados a qualquer momento pela maioria, sem qualquer limite, a própria democracia coloca-se em risco, pois ela mesma poderá ser abolida pelo voto da maioria. O Projeto, talcomo se coloca, não põe somente em risco a redução da maioridade penal e por consequência a liberdade individual de adolescentes, a maioria deles marginalizados e criminalizados, mas a própria segurança jurídica conferida pela Constituição. O Projeto abre um precedente extremamente perigoso para a exclusão indeterminada de direitos fundamentais sob o discurso da democracia direta. para Administração da Justiça de Menores, As Regras Mínimas das Nações Unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência juvenil. Este corpo de legislação internacional modifica total e definitivamente a velha doutrina da situação irregular. A Doutrina da Proteção Integral foi adotada pela Constituição da República, que a consagra em seu art. 227, tendo sido acolhida pelo plenário do Congresso Constituinte pela extraordinária votação de 435 votos contra 8. Desse modo, se houver alguma alteração constitucional resultante da presente proposta, o caminho para a instalação de um estado autoritário estará pavimentado, onde a tirania da maioria, por vezes manipulada para votar sem maiores reflexões sobre as consequências de suas decisões, prevalece sobre a Constituição. Nesse sentido, vale recordar a lição de Ferrajoli a respeito: O garantismo, como técnica de limitação e disciplina dos poderes públicos,, voltado da determinar o este não devem e o que devem decidir, pode bem se concebido como a conotação (não formal, mas) estrutural e substancial da democracia: as garantias, sejam liberais ou sociais, exprimem de fato os direitos fundamentais dos cidadãos contra os poderes do Estado, os interesses dos fracos respectivamente aos dos fortes, a tutela das minorias marginalizadas ou dissociadas em relação às maiorias integradas, as razões de baixo relativamente às razões do alto.46 Conclusão Ante todo o articulado, ANCED, Associação pela Reforma Prisional, Conectas DH, IDDD, Pastoral Carcerária, Instituto Sou da Paz, ITTC, Instituto dos Defensores de Direitos Humanos, Justiça Global, Rede Justiça Criminal, RENADE e Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos manifestam-se pela rejeição integral do PDS n. 539/2012. Cf. Ferrajoli, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: EditoraRevista dos Tribuanis, 2002. P. 693. 46 Parecer Técnico à Proposta de Emenda à Constituição n° 33 de 2012 do Senado Federal A Proposta de Emenda à Constituição n° 33 de 2012 visa reduzir a inimputabilidade penal para dezesseis anos, alterando a redação dos arts. 129 e 228 da Constituição Federal, nos seguintes termos: Art. 1º - O inciso I, do art. 129 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 129 – São funções institucionais do Ministério Público: I - promover, privativamente, a ação penal pública e o incidente de desconsideração de inimputabilidade penal de menores de dezoito e maiores de dezesseis anos. (NR) Art. 2º - Acrescente-se um Parágrafo Único ao art. 228 da Constituição Federal com a seguinte redação: “Art. 228 ......................................................................................... - Parágrafo Único – Lei complementar estabelecerá os casos em que o Ministério Público poderá propor, nos procedimentos para a apuração de ato infracional praticado por menor de dezoito e maior de dezesseis anos, incidente de desconsideração da sua inimputabilidade, observando-se: I - Propositura pelo Ministério Público especializado em questões de infância e adolescência; II - julgamento originário por órgão do judiciário especializado em causas relativas à infância e adolescência, com preferência sobre todos os demais processos, em todas as instâncias; III - cabimento apenas na prática dos crimes previstos no inciso XLIII, do art. 5º desta Constituição, e múltipla reincidência na prática de lesão corporal grave e roubo qualificado; IV - capacidade do agente de compreender o caráter criminoso de sua conduta, levando em conta seu histórico familiar, social, cultural e econômico, bem como de seus antecedentes infracionais, atestado em laudo técnico, assegurada a contraditório; ampla defesa técnica por advogado e o V - efeito suspensivo da prescrição até o trânsito em julgado do incidente de desconsideração da inimputabilidade. VI - cumprimento de pena em estabelecimento separado dos maiores de dezoito anos. Art. 2º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação. I – Sobre a equivalência entre Redução da Maioridade Penal e a “Desconsideração da menoridade penal” A despeito de constar de sua justificativa a intenção de manter intacta a maioridade penal apenas aos 18 anos, a PEC 33/2012, na realidade, ao cunhar a possibilidade de “desconsideração da menoridade penal” de acordo com as hipóteses a serem criadas pelo legislador ordinário, reduz a maioridade penal. Nos termos da proposição, a redução da maioridade penal, na prática, será mais ou menos extensa de acordo com o talante do legislador ordinário e com a conjuntura política que o animar. A tentativa salomônica de construir “uma alternativa ao conflito de posições que já está posto pelas diferentes correntes de opinião” não contempla, nem de perto, a defesa elaborada por aquelas e aqueles engajados na luta pela promoção dos direitos e garantias fundamentais esculpidos na Constituição Federal e em rechaço a qualquer espécie de retrocesso. A PEC em comento consiste, no limite, na abertura de uma fenda no sistema de garantias para a redução da maioridade penal, que, se aprovada, estará sempre passível de se estender a número cada vez mais amplo de casos. Por consubstanciar tentativa inequívoca de redução da maioridade penal e pelos motivos subsequentes, a PEC 33/2012 deve ser integralmente rejeitada. II – Histórico das Propostas de Redução da Maioridade Penal Desde o século XIX, a questão da criminalidade infanto juvenil no Brasil perpassou uma série de discursos e práticas no saber jurídico, nas práticas institucionais (tanto em termos assistenciais e pedagógicos, como numa perspectiva punitiva e reformadora) voltadas aos adolescentes autores de atos infracionais, sempre na pretensa tentativa de solucionar a questão da criminalidade das crianças e adolescentes ou, de outro modo, a questão do “menor” (expressão anacrônica que sintomaticamente ainda é evocada). De um modo geral, as diferentes formas de organização do sistema de justiça criminal (Roda dos Expostos, Código Criminal do Império, o Código Penal de 1890, o Código de Menores de 1927, a FUNABEM e as FEBEM´s) basearam-se na construção de um aparato médico-jurídico-assistencial, que se dividiu em prevenção (vigiar a criança), recuperação (reabilitar a criança e o adolescente criminoso), educação (disciplinar a criança ao trabalho) e na repressão (conter crianças e adolescentes delinquentes) (SPOSATO, 2001)47. Vale observar a ementa das principais leis: o Código de Menores de 1927 previa a proteção e assistência; o Código de Menores de 1979 previa, além da proteção e assistência, a vigilância. Esta preocupação com a criminalidade infanto-juvenil (que se manifesta de tempos em tempos no discurso favorável à diminuição da maioridade penal), funciona, na realidade, mais como um instrumento de marginalização da população pobre do que uma ampliação e um reconhecimento dos direitos civis dos jovens (Alvarez, 1997). É, portanto, na tentativa de romper com as antigas concepções higienistas, assistencialistas e repressoras que predominaram no tratamento à infância e juventude no Brasil, que o Estatuto da Criança e do Adolescente é promulgado em 1990 (Lei nº 8.069). O advento do ECA alçou a questão da infância e juventude no centro do ordenamento jurídico brasileiro, em consonância com os movimentos internacionais de direitos e SPOSATO, K. B. Pedagogia do medo: adolescentes em conflito com a lei e as propostas de redução da idade penal. Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, v .6, p.31-49, 2001. 47 proteção da criança e do adolescente, colocando-os agora, como sujeitos de direitos, tendo sido aplaudido em fóruns internacionais. Apesar dos avanços normativos nele contidos, o ECA é alvo constante de críticas por supostamente fomentar a impunidade na medida em que estabeleceria apenas “medidas sócio educativas”. É nesse cenário que se propugna pela redução da idade penal, com o fim de conter supostas “ondas” de criminalidade em cuja atual configuração de violência urbana seriam os jovens os principais atores e responsáveis. Assim, crianças e adolescentes brasileiros são vistos historicamente como objeto de intervenção das instâncias de correção (ADORNO, 2002). Nesse sentido, emergem as diferentes Propostas de Emenda à Constituição Federal ou Projetos de Decretos Legislativos que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal desde 199348. Esses projetos propõem reduzir a imputabilidade penal dos atuais dezoito para dezesseis anos de idade, ou, em alguns casos, até quatorze ou doze anos, modificando assim a redação do artigo 228 da Constituição Federal. Conforme expomos a seguir, o PEC 33/2012 é inconstitucional por quatro motivos principais: i) a afirmação da idade penal faz parte dos direitos e garantias constitucionais fundamentais de natureza individual, portanto, irrevogáveis; ii) o Brasil é signatário dos tratados internacionais - a exemplo da Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU de 1989 – que confirmam os 18 anos como marco de idade penal; iii) as taxas de incidência infracional estão caindo desde o início do século XX, iv) a ‘irresponsabilidade penal da criança e do adolescente’ é um mito. III – A maioridade penal é Cláusula Pétrea. A redução da idade penal é imbuída de uma questão constitucional fundamental: ela é cláusula pétrea, sendo parte dos direitos e garantias fundamentais individuais de nossa Constituição Federal de 1988. É o que consta do art. 60, §4º, da Carta Maior: 48 PEC 171/1993, de autoria do Deputado Benedito Domingos. Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. Ora, se consta da Constituição da República que as garantias constitucionais individuais não podem ser revogadas senão por meio de nova Constituinte Originária; e se os direitos e garantias individuais estão espalhados ao longo da Constituição Federal, a exemplo do constante de seu art. 228 (idade penal aos 18 anos de idade); concluí-se que esse marco etário poderá ser alterado somente a partir da vigência de nova Constituição Federal, não vindo um plebiscito ou uma emenda constitucional a ter força suficiente para sua revogação. Em outra medida, cabe dizer que a Constituição de 1988 inseriu a resposta do Estado frente a atos infracionais cometidos por adolescentes no sistema de garantias constitucionais e penais. Isto, no plano jurídico, define que: 1) Como crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais atribuídos a quaisquer cidadãos (art. 5°, CF, e art. 3º, ECA), além dos direitos especiais constantes do Estatuto da Criança e do Adolescente, que ainda reserva ao Estado a única opção de promoção de atos discriminatórios positivos, sendo-lhe vedado executar ações que tenham a finalidade protetiva, que ampliem os direitos das crianças e adolescentes (art. 5º, ECA). 2) a resposta do Estado contra o adolescente comporta privação de liberdade (art. 227, § 3°, V, CF): nas democracias não há prisão sem o devido processo legal e o sistema constitucional de garantias (art. 5º, incisos XXXVII a LXVIII, CF). A Constituição Federal, ainda, guarda norma expressa sobre a reserva da prisão como consequência de prática de crime (art. 5°, LXVII), sendo autorizadas apenas duas exceções constitucionais, que não se aplicam, por definição, a crianças e adolescentes49. Desse modo, a Constituição Federal confere a crianças e adolescentes todas as garantias de natureza penal e processual penal conferida aos adultos, mas em respeito à condição peculiar de crianças e adolescentes em fase de desenvolvimento, assegurou-lhe mais garantias (garantias especiais, exclusivas de crianças e adolescentes), também em relação à resposta do Estado quando estes cometem atos infracionais. Trata-se de conquistas sociais admitidas e assumidas pela sociedade, que, por sua vez, deve abrir mão do retrocesso e lançar mão de criatividade nas ações em busca da superação de novos desafios, muitos deles decorrentes da própria assunção do contemporâneo marco regulatório dos direitos humanos universais. A essa dinâmica atribui-se a expressão vedação do retrocesso social (SILVA, 2010)50, segundo a qual a sociedade brasileira não pode abandonar as conquistas sociais, em especial aquelas positivadas na Carta Federal e reconhecida a todo e qualquer cidadão brasileiro. Em outra ordem, é como se o Parlamento Federal decidisse impor um plebiscito para que a sociedade decida se deseja rever o caráter universal do sistema único de saúde, colocando-o em cheque. Não há, portanto, lei ou mecanismo subjacente à Constituição Federal que possa veicular decisões contrárias às conquistas históricas do povo brasileiro. IV – O valor constitucional dos documentos internacionais assinados pelo Brasil. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança – ratificada internamente pelo Decreto 99.710/90 – estabelece que criança (no Brasil, compreendida como as fases de criança e adolescente) é o sujeito que se encontra até os 18 anos de idade. Trata-se do primeiro marco etário para definições de direitos, deveres e políticas públicas correspondentes. Esse documento internacional alinha-se a outros, como as Regras Prisão civil de curta duração para devedores de alimentos e depositários infiéis; situações jurídicas nas quais crianças e adolescentes, porque são incapazes civilmente, nunca podem estar. 49 50 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2010. Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing, 1985) e as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad, 1990). Todos esses documentos confirmam que a idade penal deve dividir a fase adulta da fase infanto-adolescente, e, portanto, distinguir os tratamentos estatais perante a prática delituosa. A Constituição Federal, por sua vez, estabelece em seu art. 5º, § 3º, que: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Nesse sentido, se as premissas são: a) A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança é documento subscrito e ratificado internamente pelo Brasil; b) Conforme apregoa a Carta Magna Brasileira, todo documento internacional assinado no exterior e ratificado em âmbito interno terá valor supralegal; Logo: c) A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e os demais tratados, pactos e diretrizes dos quais o Brasil é signatário são documentos com status constitucional. Assim, sendo documento imbuído de valor constitucional, poderá ser revogado ou contrariado apenas se não se tratar de cláusula pétrea, seguindo as premissas e o raciocínio do primeiro item desse arrazoado. E, como esses tratados e pactos internacionais tratam de garantias constitucionais – que reforçam as já previstas pela Assembleia Constituinte -, a perenidade dessas normas e desses direitos é assegurada para todo adolescente brasileiro, independentemente de ter cometido ato infracional de qualquer natureza. As crianças e adolescentes tem, pois, o incontestável direito de ser tratado de modo diferente, de receber, portanto, uma discriminação positiva. Segundo Machado51 (2006, p.107): “Neste passo, cumpre frisar que, se o direito de liberdade da pessoa física criança ou adolescente possui as especificidades já referidas “MACHADO, MARTHA .T. Sistema Especial de proteção da liberdade do adolescente na Constituição brasileira de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente. In: ILANUD, ABMP, 51 no item II supra, é de ver que a imaturidade/vulnerabilidade do sujeito de direito, na Democracia não pode ser invocada para discriminá-lo negativamente. A desequiparação jurídica que a Constituição de 1988 criou para crianças e adolescentes é a desequiparação jurídica protetiva, que é própria da atual fase de evolução da proteção aos direitos humanos e que vem adotada na Convenção dos Direitos da Criança e do Adolescente (ONU, 1989).” Dentre estas garantias, estabeleceu-se a inimputabilidade penal para a pessoa até dezoito anos de idade incompletos, que vem expressa nos artigos 228 e 227, § 3 º, V, última parte, do texto constitucional. Este marco normativo diferencia-se da inimputabilidade penal que vigorava no paradigma menorista, pois, segundo Machado (ibid, p.108): “[...]era uma inimputabilidade penal que impunha a crianças e adolescentes tratamento penal severamente mais gravoso que aquele reservado aos adultos (impunha uma medida de segurança perpétua, sem incidência da reserva legal, do contraditório e da ampla defesa, entre outras salvaguardas.” Portanto, a inimputabilidade penal atual impede a aplicação da sanção criminal (das penas reservadas aos adultos). E isso configura não apenas preceito penal, mas constitucional pétreo, de modo que se permite alteração apenas se promulgada nova Carta Magna. Ao assim determinar, a Assembleia Constituinte de 1988 ponderou sobre os valores individuais e sociais na situação específica de crime cometido por adolescente, optando pela enorme capacidade de autotransformação, que é própria do ser humano, impondo a prevalência de medidas protetivas e educativas e instituindo as garantias de excepcionalidade e brevidade da privação de liberdade (art.227, § 3º, V), que o ECA tratou de concretizar. Destarte: “Importante destacar que a excepcionalidade não é só das medidas privativas de liberdade (no ECA, internação e semi-liberdade), mas sim uma excepcionalidade da própria imposição de qualquer medida sócio-educativa...E veja-se que a excepcionalidade do sistema de responsabilização de crianças e adolescentes vem em consonância com o princípio da intervenção mínima, contido nos SEDH, UNFPA (Orgs) Justiça Adolescente e Ato Infracional: socioeducação e responsabilização. São Paulo, 2006, p.87-123”. documentos da ONU: Diretrizes de Riad; Assembleia Geral Resolução 45/112-1990), art 5º, caput, ‘e’ e ‘f ‘, e art 6º; Regras de Tóquio (AG 45/110 – 1990 – medidas não privativas de liberdade) – art. 2.6” (ibid, p.109-110). Portanto, de acordo com Dallari: “A previsão de tratamento jurídico diferente daquele que se aplica aos adultos é um direito dos menores de 18 anos, que são pessoas, indivíduos, sujeitos de direitos. De acordo com o artigo 60, § 4º, da Constituição, não poderá ser objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir garantias individuais” (DALLARI, 2001, p. 25). V – As taxas de incidência infracional e vitimização de crianças e adolescentes Em poucas palavras, podemos informar que as taxas de incidência de ato infracional têm caído significativamente ao longo do século XX. É o que extraímos de parte significativa da literatura que analisou a criminalidade praticada por jovens no Brasil. Segundo Marcio Antonio Cabral dos Santos, “entre 1900 e 1916, o coeficiente de prisões por dez mil habitantes era distribuído da seguinte forma: 307,32 crimes cometidos por adultos e 275,14 delitos cometidos por crianças e adolescentes, o que sugere uma proporção de quase 50% para cada faixa etária” (SANTOS: 214)52. Atualmente, este percentual caiu significativamente. Tem-se a proporção de 10% dos crimes cometidos por adolescentes, o que significa drástica redução da participação desses jovens nas ações delituosas, por diversos motivos, dentre os quais, o próprio aumento da idade penal (à época da primeira constatação, vigorava o Código Penal da Republica – 1890 -, pelo qual se instituía a responsabilização penal especial entre os 09 e 17 anos de idade), bem como os novos modelos de Estado que acentuaram seu papel de executor de políticas públicas sociais, fundamentais para o desenvolvimento humano das crianças e adolescentes. 52 SANTOS, Marcio Antonio Cabral dos. História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006. Vale frisar que atualmente, os dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos indicam uma estabilização das taxas de menores infratoress privados de liberdade desde 2007: cerca de 16 mil adolescentes. Ainda, sobre este aspecto, a pesquisa do CNJ da série “Pensando o Direito” (2010)53 constatou que: “...os dados coletados junto aos Tribunais de Justiça e Superior Tribunal de Justiça em matéria de medida socioeducativa de internação, e posteriormente, a observação de casos junto às Varas da Infância e Juventude de São Paulo, Porto Alegre, Recife e Salvador, permitiram concluir que, apesar das propostas garantidoras do Estatuto, a prática forense nem sempre está com ela alinhada. Foi possível constatar que a medida de internação é sistematicamente imposta com baixa fundamentação legal. Em muitos casos, sem a devida consideração dos requisitos legais exigidos pelo ECA.” Por outro lado, as taxas juvenis de vitimização quase duplicaram (ou mais) em relação à população total. Em 2010, enquanto a taxa de homicídio do total da população negra foi de 36,0, a dos jovens negros foi de 72,0. Entre os jovens, a diferença entre brancos e negros foi mais drástica: as taxas de homicídio de jovens brancos caíram no período analisado de 40,6 para 28,3; enquanto a dos jovens negros cresceu de 69,6 para 72,054. Assim, a vitimização de jovens negros, que, em 2002, era de 71,7%, no ano de 2010 pulou para 153,9%: morrem, proporcionalmente, duas vezes e meia mais jovens negros que brancos. Um fato que merece especial atenção no último Mapa da Violência é a idade das vítimas. Observa-se que não há diferenças significativas de taxas de homicídio entre brancos e negros até os 12 anos de idade. Entretanto, nesse ponto inicia-se um duplo processo: por um lado, um íngreme crescimento da violência homicida, tanto branca quanto negra, que se avolumam significativamente até os 20/21 anos de idade das vítimas. 53 ECA: Apuração do Ato Infracional Atribuído a Adolescentes. Série Pensando o Direito, Nº 26/2010. Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça (SAL). Mapa da Violência 2012: A Cor dos Homicídios no Brasil / Julio Jacobo Waiselfisz – Rio de Janeiro: CEBELA, FLACSO; Brasília: SEPPIR/PR, 2012. 54 Se esse crescimento se observa tanto entre os brancos quanto entre os negros, nesse último caso, o incremento é marcadamente mais elevado: entre os 12 e os 21 anos de idade, as taxas brancas passam de 1,3 para 37,3 em cada 100 mil; aumenta 29 vezes. Já as taxas de negros passam, nesse intervalo, de 2,0 para 89,6, aumentando 46 vezes. Os dados elencados, portanto, apontam a estabilização da criminalidade praticada por crianças e adolescentes. Além disso, os dados de vitimização confirmam que a questão a ser encarada do ponto de vista da política pública é a mortalidade de jovens, sobretudo, dos jovens negros. VI – O mito da irresponsabilidade penal do adolescente Por último, vale citarmos mais uma característica importante acerca do debate sobre a redução da idade penal: o mito da irresponsabilidade penal do adolescente. Segundo Volpi55, esta ideia se baseia na concepção de que o adolescente é incitado a cometer um ato infracional porque a atual legislação é branda quanto a sua punição. Confunde-se então, inimputabilidade com impunidade e se esquece que existem as medidas sócioeducativas que até o momento ainda não foram implementadas integralmente em nosso país, para responsabilização dos adolescentes. Assim sendo, estas propostas reafirmam uma perspectiva criminalizadora dos jovens no Brasil, pois a educação para a cidadania defendida pelo ECA continua em posição de subordinação à perspectiva punitiva e criminalizadora dos antigos Códigos de Menores, uma vez que a mentalidade jurídica no Brasil permanece predominantemente encarceradora56. VOLPI, M. Sem liberdade, sem direitos: a privação de liberdade na percepção do adolescente. São Paulo: Cortez, 2001. 56 Segundo (Kosminsky, 1993, p. 179-80) a identidade da criança internada é construída por duas forças contraditórias: o processo de padronização e domesticação imposto pela instituição, e pela afirmação da sua individualidade. Ou seja, essa tensão produzida pelo processo de domesticação e padronização e, simultaneamente, pela busca da resistência expressa em gestos de rebeldia, é gerada em uma instituição rigidamente burocratizada, que delimita o campo da sociabilidade infantil. O problema refere-se ao duplo abandono em que se encontra a criança, pois, impedida de viver com a família, a criança passa a viver em uma estrutura estatal burocratizada, em que funcionários entendem suas ações apenas como modalidade de prestação de serviços, de amparo material, operando nos precários limites da racionalidade institucional. Imersos nesta racionalidade, os funcionários da instituição ‘especializados’, tratam as crianças no quadro das relações impessoais e 55 É inegável que as medidas de internação constituem-se em efetiva restrição de liberdade em estabelecimento próprio destinado a isso, onde convivem somente adolescentes que praticaram atos infracionais. Apesar das diferenças existentes entre as prisões e as instituições destinadas à internação de adolescentes, as semelhanças são cada vez mais brutais. Ora, se as propostas de inimputabilidade penal forem relacionadas em consonância com os dados acima apresentados, podemos concluir que, após 21 anos da promulgação do Estatuto, a perspectiva punitiva da criminalização permanece presidindo as decisões e registramos que a história de séculos de punições e mortes não se muda só com a lei, mas também com a sua legitimidade social57. É preciso defender as conquistas democráticas do Estatuto da Criança e do Adolescente aprofundando-as para assegurar o efetivo respeito à integridade das crianças e adolescentes, bem como os encarar, enfim, como sujeitos de direitos na contínua conciliação entre democracia e segurança pública. Acreditamos que a redução da idade penal no Brasil, como ponderou Adorno (2002)58, também se apresenta para nós como uma questão problemática. Os jovens no Brasil foram introduzidos no mundo adulto muito cedo, vivenciaram experiências precocemente, como trabalho, sexualidade, num contexto de desigualdade social, de desigualdade de direitos, efeitos estes agravados num contexto de globalização. Esses jovens, imersos num processo da 'criança sem infância’, talvez não tenham o dito discernimento que tanto o direito penal moderno, como os redatores das propostas favoráveis a redução da idade penal, a mídia e outros setores da sociedade afirmam veemente que os adolescentes já possuem. Mas, ainda assim, afirmamos que possuem o discernimento necessário à vida, cujo exercício é prejudicado – e então, algumas possíveis causas para as práticas infracionais – por fatores indiretos costumeiramente assim, a instituição nega a possibilidade de um agir coletivo entre os jovens e reproduz o estigma de “futuro marginal”, alimentando o que discursivamente ela procura negar: o abandono e a marginalidade. PASSETI, E. Crianças Carentes e políticas públicas. In: PRIORE, M. (Org). História da criança no Brasil. São Paulo: Contexto, 1999. 58 ADORNO, S. Adolescentes, crime e violência. In: ABRAMO, H.W; FREITAS. M.V. de; SPOSITO, M.P (Orgs). Juventude em Debate. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. 57 denominados exclusão social, vulnerabilidade e risco social, impossibilidade de participação política etc. Não foram esgotadas, no Brasil, as formas de atenção que se pode oferecer a estes jovens, seja pelas escolas, pelas instituições de assistência, pela família, pela maior distribuição de direitos, pela aplicação efetiva do ECA. Ademais, o peculiar estágio de desenvolvimento vivenciado até os 18 anos deve ser considerado de modo fundamental nessa discussão É um consenso entre os estudiosos das temáticas que envolvem a adolescência que esta é uma fase complexa e marcante. É um período de experimentações, novidades, descobertas, conflitos, sofrimento, crescimento, amadurecimento, crises, construções. O adolescente passa por desequilíbrios e instabilidades que requerem a sua proteção integral e o respeito a sua condição especial de pessoa em desenvolvimento, pois, este é um período de vivências de contradições e ambivalência caracterizado por tensões com o meio familiar e social. 59 Assim, com a aprovação da proposta de emenda à Constituição chegar-se-ia à conclusão de que os jovens são “irrecuperáveis”, atestando nossa incapacidade de lidar com o problema da violência juvenil. Desse modo, a Doutrina de Proteção Integral60 consagrada no ECA é fundamental para a construção de políticas de prevenção e enfrentamento à criminalidade e, na forma mais gravosa, a vitimização dos jovens pobres brasileiros. Portanto, uma eventual redução da maioridade penal aparece de forma cruel no Brasil, pois, num país atingido por fortes desigualdades sociais e desigualdades de direitos, as CALDERONI, V. Adolescentes em Conflito com a Lei: considerações críticas sobre a medida de internação. Revista Liberdades. nº5, set-dez 2010.p. 19-53. 59 60 “Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança”, conforme Emílio Garcia Mendez, engloba a Convenção das Nações Unidas dos Direitos da Criança, As Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça de Menores, As Regras Mínimas das Nações Unidas para a proteção dos jovens privados de liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a prevenção da delinqüência juvenil. Este corpo de legislação internacional modifica total e definitivamente a velha doutrina da situação irregular. A Doutrina da Proteção Integral foi adotada pela Constituição da República, que a consagra em seu art. 227, tendo sido acolhida pelo plenário do Congresso Constituinte pela extraordinária votação de 435 votos contra 8. propostas favoráveis à redução da maioridade penal são cúmplices deste processo de criminalização da pobreza, jogando para o aparelho carcerário-punitivo os grupos e indivíduos mais vulneráveis psicologica, social, economica e culturalmente. (SOUZA e CAMPOS, 2007)61. VII – Conclusão Ante todo o articulado, ANCED, Associação pela Reforma Prisional, Conectas DH, IDDD, Pastoral Carcerária, Instituto Sou da Paz, ITTC, Instituto dos Defensores de Direitos Humanos, Justiça Global, Rede Justiça Criminal, RENADE e Frente Nacional Drogas e Direitos Humanos manifestam-se pela rejeição integral da PEC 33/2012. SOUZA, L.F. de. ; CAMPOS, M. S. Redução da Maioridade Penal: Uma Análise dos Projetos que tramitam na Câmara dos Deputados. In: Leonardo Sica (coord). (Org.). Revista Ultima Ratio. 1ed.Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, v. 1, p. 231-259. 61