Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações São Paulo, junho, 2012 1 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Presidenta da República Dilma Vana Rousseff Vice-Presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Maria do Rosário Nunes Secretária Executiva da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República Patrícia Barcelos Secretária Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente Carmen Silveira de Oliveira Coordenadora-Geral do SINASE Thelma Alves de Oliveira Colegiado responsável pela ECOS – Comunicação em Sexualidade Maria Helena Franco, Osmar de Paula Leite, Sandra Unbehaum, Sylvia Cavasin, Teo Weingrill Araújo, Thais Gava, Vera Lúcia Simonetti Racy Projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei Coordenação Maria Helena Franco Equipe Técnica Cecília Simonetti, Vera Lúcia Simonetti Racy, Ingrid Leão, Vitor Silva Alencar Equipe Financeira/Administrativa Osmar de Paula Leite, Denize Cardoso Pereira, Sandra Pessoa Colaboradoras/es Alcides dos Santos Caldas, Eduardo Paysan Gomes, Estela Scandola, Fabiane Simioni, Francisca Eleonora Asanuma Schiavo, Manoela Souza, Maria da Graça Bezerra, Max André Correa Costa, Ricardo Melo, Tânia Palma Parcerias institucionais Plataforma de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais - Plataforma Dhesca, Regional Bahia da Rede Feminista de Saúde, MUSA – Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica em Gênero e Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, Grupo Operativo da Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado da Bahia, Instituto Universidade Popular – UNIPOP, Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente Zumbi de Palmares – CEDECA, Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM Brasil, Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC, Instituto Brasileiro de Inovações pró- Sociedade Saudável Centro-Oeste – IBISS/CO 2 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Copyright@2012 - ECOS – Comunicação em Sexualidade e Secretaria de Direitos Humanos da Presidênca da República Secretaria de Direitos Humanos da Presidênca da República – SDH/PR Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual de Crianças e Adolescentes SCS B, Qd 9, Lt C, Ed. Parque Cidade Corporate Torre A, sala 805-A 70.308-200 – Brasília – DF Telefone: (61) 2025-9907 Site: www.direitoshumanos.gov.br Email: [email protected] ECOS – Comunicação em Sexualidade Endereço: Rua Araújo, 124/2º andar – 01220-020, Vila Buarque, São Paulo/SP Brasil Telefone: (11) 3255-1238 Site: www.ecos.org.br Email: [email protected] Esta publicação é resultado de convênio entre a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e a ECOS – Comunicação em Sexualidade. A reprodução do todo ou parte deste documento é permitida somente para fins não lucrativos e com a autorização prévia e formal da SDH/PR e da ECOS, desde que citada a fonte. Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Conteúdo disponível nos sites www.direitoshumanos.gov.br e www.ecos.org.br ISBN: 978-85-61808-13-6 Tiragem desta edição: 1.000 exemplares Impresso no Brasil 1ª Edição Distribuição gratuita Criação, redação e edição Maria Helena Franco, Cecília Simonetti, Vera Lúcia Simonetti Racy Fotografia Maria Helena Franco Projeto Gráfico e Editoração DMAG Design Editorial – Argeu Godoy e Doriana Madeira Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações /[coordenação Maria Helena Franco]. – Sao Paulo: ECOS – Comunicação em Sexualidade, 2012. Vários colaboradores. Bibliografia 1. Adolescência 2. Adolescentes infratores – Direitos 3. Direito e saúde 4. Direitos Humanos 5. Direitos reprodutivos 6. Direitos Sexuais 7. Medida socioeducativa – Leis e legislação – Brasil 8. Mulheres – Saúde e higiene 9. Políticas públicas – Brasil 10. Sexualidade 11. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINSE). 12-08726CDU–342.7:347.157.1(81) Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil: Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo: Medidas Socioeducativas destinadas a adolescentes e jovens em conflito com a lei: Direitos sexuais e reprodutivos: Direitos humanos: Direito constitucional 342.7.347.157.1 (81) 3 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Sumário 1 Introdução........................................................................................................09 2 Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos.......................................................10 3 Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE...................12 4 Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo aos Adolescentes em Conflito com a Lei – 2010.......................................................................14 Sumário 8.1 Aspectos do sistema socioeducativo que ferem a doutrina de proteção Integral....................................................................................36 9 O quê o Projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei encontrou.........................................39 9.1 Direito à intimidade – a política pública da visita íntima...........................39 5 CNJ – Programa Justiça ao Jovem................................................................16 9.1.1 Caminhos possíveis, porém difíceis...............................................................47 6 Metodologia do projeto promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de 9.1.2 Reflexos da visita íntima no dia-a-dia.........................................................49 adolescentes em conflito com a lei................................................................17 9.2 6.1 Levantamento das unidades femininas nos estados e Distrito Federal................................................................................................17 Direito à igualdade, a não ser discriminado e à diferença – homoafetividade............................................................................................50 9.3 Direito à informação sobre métodos contraceptivos, à prevenção 6.2 Seleção das unidades socioeducativas, parcerias locais e visitas..................26 do câncer e das 7 Informações gerais sobre as unidades visitadas............................................28 ginecológica..................................................................................................60 7.1 Pará...................................................................................................................28 9.3.1 Ações de educação em saúde sexual e reprodutiva...................................62 7.2 Pernambuco.......................................................................................................29 9.3.2 Ações de prevenção das DST, Aids e Hepatites Virais...............................64 7.3 São Paulo..........................................................................................................30 9.3.3 Saúde reprodutiva: assistência ginecológica, gravidez, 7.4 Alagoas.............................................................................................................30 DST, AIDS e Hepatites Virais e à assistência pré-natal, parto, pós-parto e aborto..........................................................70 7.5 Rio Grande do Sul...........................................................................................31 10 Boas Práticas ...............................................................................................77 7.6 Bahia..................................................................................................................31 11 Considerações finais.....................................................................................83 7.7 Mato Grosso do Sul.......................................................................................32 12 Referências bibliográficas............................................................................85 8 Informações gerais sobre as garotas cumprindo medida socioeducativa nas unidades visitadas......................................................................................32 4 5 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Agradecimentos Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Apresentação À equipe do projeto, ao acolhimento e comprometimento de colaboradoras/es, instituições parceiras, responsáveis pelas unidades socioeducativas e suas equipes técnicas, de saúde, educadores/as, socioeducadores/as, magistrados/as e especialmente às garotas, que tornaram este estudo possível. Comunidade de Atendimento Socioeducativo – CASE Salvador 2ª Vara da Infância e Juventude de Salvador Câmara Municipal de Salvador Centro Socieducativo Feminino em Ananindeua – CESEF 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém Promotora da Infância e Juventude de Belém Ordem dos Advogados do Brasil de Belém Centro de Atendimento Socioeducativo Feminino – CASEF Centro de Atendimento Socioeducativo POA I, masculino 3ª Vara do Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre Núcleo Estadual de Atendimento Socioeducativo – NEAS Unidade de Internação – Extensão – UIME Unidade de Internação Feminina – UIF Vara da Infância e Juventude de Alagoas Fundação de Atendimento Socioeducativo – FUNASE Centro de Atendimento Socioeducativo Santa Luzia – CASE SANTA LUZIA Centro de Internação Provisoria Santa Luzia – CENIP SANTA LUZIA Vara Regional da Infância e Juventude da 1ª Circunscrição de Recife Unidade Educacional de Internação Estrela do Amanhã – UNEI Vara da Infância e Juventude de Campo Grande Fundação Casa Unidade Feminina de Internação Provisória e Internação Chiquinha Gonzaga Internato Parada de Taipas Unidade de Semiliberdade Azaleia CASA Guarulhos III, Guarulhos Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente de Cerqueira César I e II 6 7 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações 1. Introdução O Historicamente, a posição reservada às mulheres nas normas sexuais e reprodutivas constitui um dos pontos de maior tensão no momento da elaboração e aplicação de leis e políticas. Em geral as leis e políticas estabelecem mais restrições à liberdade sexual e reprodutiva feminina, justificadas como necessárias para a reprodução e desenvolvimento saudável da população. Ainda hoje, com maior ou menor intensidade aspectos fundamentais da posição das mulheres como titulares de direitos sexuais e reprodutivos são negligenciados no dia a dia (VENTURA, 2011, p.306) 8 Projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei foi implementado pela ECOS – Comunicação em Sexualidade com o apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/ PR). Teve por objetivo promover os direitos sexuais e os direitos reprodutivos de adolescentes e jovens cumprindo medida socioeducativa restritiva de liberdade em todo o território nacional. Para produzir informações sobre unidades socioeducativas femininas, a equipe responsável pelo projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei, visitou 13 unidades de internação e internação provisória femininas, localizadas em sete estados e cobrindo as cinco Regiões do país. Durante as visitas, realizaram-se entrevistas e conversas com adolescentes e jovens, com profissionais das unidades de atendimento e operadores/as de direito. Para a organização e realização das visitas, a equipe da ECOS contou com o apoio de organizações não governamentais locais no campo dos direitos humanos de adolescentes e jovens. Do ponto de vista da história da ECOS, o Projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei tem um significado especial, pois duas das fundadoras da ECOS – Cecília Simonetti e Sylvia Cavasin – e Maria Helena Franco, coordenadora deste projeto – trabalharam na Secretaria do Menor do Estado de São Paulo, no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, época de experiências pioneiras no atendimento de adolescentes em situação de conflito com lei. A ECOS é uma organização não governamental, brasileira, cuja criação, em 1989, ocorre em um contexto nacional e internacional de profundas mudanças sociais e políticas. No Brasil, essas mudanças advinham da sinergia de diversos movimentos sociais, tais como os da redemocratização, da reforma sanitária, os feministas, os de mulheres e os da infância e juventude. Esses movimentos contestavam princípios arcaicos que, há tempos, concorriam para a produção de desigualdades nos campos da política, da saúde, nas relações de gênero, de geração e de raça/etnia, para falar apenas das áreas mais relevantes no âmbito deste projeto. Nesse contexto, ECOS veio posicionar-se como uma entre outras ONGs voltadas à realização de ações, no campo da Educação, Comunicação e Saúde, que possibilitassem a adolescentes e jovens desfrutar, em sua integralidade, 9 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações indivisibilidade e interseccionalidade, direitos dos quais passavam a ser titulares, justamente por sua recém conquistada condição de sujeitos em desenvolvimento, em 1989 e 19901, e aos quais foram adicionados os direitos reprodutivos e os direitos sexuais, em 1994 e 19952. Aproximando-se das perspectivas teóricas trazidas pela reforma sanitarista, ECOS parte do pressuposto de que a saúde não é apenas um estado biológico e, sim, uma questão de cidadania e de justiça social. Neste sentido, o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos não se limita à assistência à saúde sexual e reprodutiva, mas estende-se a um conjunto de direitos humanos, individuais e sociais, que interagem em prol do pleno exercício da sexualidade e da reprodução. Portanto, no presente documento, que é uma síntese dos principais achados do Projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei, reafirma-se que os direitos reprodutivos e os direitos sexuais são direitos humanos. 2. Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos O s direitos reprodutivos e os direitos sexuais como direitos humanos são um campo de reflexão relativamente novo no Brasil, quase tão novo quanto a história recente da saúde no nosso país, cujo primeiro marco basilar foi a Constituição Federal de 1988. Essa Constituição foi um passo importante de amplo movimento pela redemocratização. Nela, lê-se que “A saúde é direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Art. 196). Por meio desse Art. 196, a Constituição de 1988 institucionaliza um conjunto de princípios para a organização do Sistema Único de Saúde/SUS, tais como a universalidade – saúde como um direito de todos, com acesso universal; a igualdade – dar serviços iguais para todos –, a participação social e a descentralização, os quais representam uma conquista sem precedentes de ampla mobilização social que apoiou o movimento da reforma sanitária pelo direito à saúde. Ainda nos anos de 1980, no Brasil, as reivindicações do movimento feminista Respectivamente, datas da Convenção dos Direitos da Criança e de aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. 2 Respectivamente, datas da Conferência Internacional e População e Desenvolvimento, no Cairo, e da Conferência Mundial das Mulheres, em Beijing. 1 10 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações contemporâneo e suas interfaces com o movimento da reforma sanitária, dão origem ao PAISM - Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (1983). Enquanto a reforma sanitária apontava para um modelo de sistema de saúde – público, universal e equitativo –, o PAISM rompia com a concepção materno-infantil, ao enunciar o tema da “saúde integral da mulher”, que abarcam questões ligadas ao exercício da sexualidade e da autonomia reprodutiva feminina. Em 1990 a Organização das Nações Unidas (ONU) adota a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças, ratificada pelo Brasil, na qual estão previstos os direitos das crianças e adolescentes. Ao longo dos anos de 1990, o ciclo social ONU é responsável por colocar em pauta os direitos sexuais e os direitos reprodutivos, uma vez que (i) em 1993, a II Conferência Internacional de Direitos Humanos (Viena) enfatiza que os direitos das mulheres são direitos humanos e que, portanto, devem estar incluídos na agenda das políticas de direitos humanos das nações; (ii) em 1994, em decorrência da incidência política do movimento internacional de mulheres, a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (CIPD, Cairo) consagra os direitos reprodutivos como direitos humanos. Ainda no âmbito internacional, durante a IV Conferência Mundial da Mulher em Pequim (1995), as Nações Unidas reconhecem que as restrições legais e políticas impostas à autonomia reprodutiva, além de violarem os direitos humanos, especialmente os direitos das mulheres, são desfavoráveis ao desenvolvimento econômico e humano das populações. Esses avanços, nos planos nacional e internacional, repercutem nos esforços dos movimentos sociais e governos brasileiros no sentido de inserir o conteúdo dos direitos sexuais e reprodutivos nas nossas leis e políticas, por exemplo, a Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde, assim como a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (2005), que busca traduzir os princípios e a filosofia do PAISM, ao mesmo tempo em que respeita as especificidades epidemiológicas e os diferentes níveis de organização dos sistemas de saúde dos inúmeros municípios brasileiros. De acordo com Araújo e Simonetti (2011), a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher incorpora as diferenças entre grupos de mulheres criadas por discriminações que se superpõem e que interagem com as discriminações de gênero. Neste sentido, essa Política contempla as mulheres em todas as fases da vida, portanto, a adolescência e a juventude, e em muitas de suas singularidades 11 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações de raça/etnia, privação de liberdade, orientação sexual, além de introduzir novas questões antes invisíveis como, por exemplo, a violência sexual e doméstica e os problemas relacionados à saúde mental. Nessa Política, está o pressuposto de que às especificidades do corpo se agregam outras menos visíveis, criadas por efeito cultural em contextos sociais e históricos específicos e, portanto, mais difíceis de serem incorporadas – pelas leis e práticas jurídicas, médicas, pedagógicas, e sobretudo nas políticas – como constituintes da saúde integral das mulheres. Apesar de todos os avanços, é de se reconhecer a dificuldade, no Brasil, de realização dos direitos sexuais e reprodutivos, mesmo quando incorporados nas leis e políticas públicas. Nesse sentido, o problema da realização, implementação, dos direitos reprodutivos e direitos sexuais é mais uma questão do campo da gestão. As dificuldades aumentam quando estas leis e políticas se referem à adolescência e juventude, tornando-se um desafio ainda maior quando, em relação a esse grupo, fala-se das adolescentes e jovens cumprindo medida socioeducativa de internação ou internação provisória. Nesse sentido a adoção de uma linguagem de direitos e obrigações, permite que se trabalhe as três faces da responsabilidade estatal, isto é: “...respeitar, proteger e implementar. Respeitar direitos significa que as ações do Estado e seus agentes não devem, por si mesmas, violar direitos; proteger direitos significa que o Estado deve tomar medidas em todas as suas dependências para assegurar que nenhuma outra entidade – indivíduos, corporações – cometa abusos contra os direitos humanos; e implementar direitos impõe a obrigação aos Estados de garantir que suas ações em todos os níveis possibilitem o desfrute desses direitos.” Miller apud MATTAR (2008, p. 65) 3. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE O presente estudo foi realizado antes de ter sido sancionada a Lei no. 12.594, de 18/1/2012 (publicada em 19/1/2012 e retificada em 20/1/2012). Esta lei regulamenta o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE e altera, entre outras normativas, a Lei no. 8069, de 13/7/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). A nova lei é vista como a primeira lei nacional para a execução de Medida Socioeducativa (MSE) destinada a crianças e adolescentes que pratiquem atos infracionais. 12 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Vários/as defensores/as dos direitos humanos consideram que a lei é um grande avanço na garantia dos direitos de crianças, adolescentes e jovens no Brasil, por tornar possível normatizar a internação dos que cumprem MSE, ao criar parâmetros de adequações nos poderes jurídico e executivo. Uma das inovações da lei é a transferência da função executiva e de gestão para a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Avanços são elencados quanto à obrigatoriedade para que adolescentes em conflito com a lei voltem a estudar (Art. 82), à proibição de isolamento do adolescente, exceto para a sua proteção e a de outros internos (Art. 48), ou à possibilidade de reavaliação da MSE a qualquer momento, na condição de que exista motivo aceitável (Art. 43). Há, entretanto, quem aponte críticas à Lei no. 12.594, por exemplo, em relação ao Art. 65 que permite, de acordo com associações ativistas da luta antimanicomial, que a autoridade judiciária interdite adolescentes com sofrimento mental e, assim, abra brecha para que adolescentes sejam internados por tempo indeterminado. É importante lembrar que a interdição é uma medida de privação de direitos. Outros atores sociais na área jurídica apontam falhas na lei por não determinar a divisão de internos por idade, por ato infracional cometido e por porte físico; ou por não prever um quantitativo de no máximo 40 internos em cada unidade de atendimento. A equipe do projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei, reconhece que a lei avançou em relação a temáticas não contempladas no ECA, quanto à sexualidade e à saúde sexual e reprodutiva. Porém, considera lastimável a supressão dos Art. 103 e 104 do ECA, sobre a imputabilidade penal de menores de 18 anos de idade, juntamente com os demais artigos do Cap. I – Das Disposições Gerais do Título III – Da prática de ato infracional. ECOS trabalha com sexualidade, saúde sexual e reprodutiva, direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes3 e jovens, temáticas que não foram explicitadas no ECA e que a lei que sanciona o SINASE contemplou. O presente documento não trata do mérito da lei reguladora das MSE, apesar de considerar fundamental o debate em torno dessa questão. O foco nos direitos sexuais e direitos reprodutivos possibilita que nossa análise remeta a alguns artigos e incisos específicos da Lei no. 12.594, em especial os artigos 35, 60, 67 e 68. 3 Recorre-se à definição de adolescente no ECA, com base na idade, de 12 a 17 anos incompletos. 13 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Art. 35, inciso VIII, sobre a não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; Art. 60, incisos IV e VI – diretrizes para a atenção integral à saúde do adolescente no Sistema de Atendimento Socioeducativo, incisos IV (ações de educação em saúde sexual e reprodutiva e prevenção das DST) e VI (capacitação de profissionais nos temas de saúde sexual e reprodutiva)4; Art. 67 e 68 – sobre as visitas, inclusive a íntima. O Art. 67 anuncia visita do cônjuge, companheiro, pais ou responsáveis, parentes e amigos a adolescente a quem foi aplicada medida socioeducativa de internação. A visita observará dias e horários próprios definidos pela direção do programa de atendimento. No Art. 68 é assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável o direito à visita íntima. Parágrafo único. O visitante será identificado e registrado pela direção do programa de atendimento, que emitirá documento de identificação, pessoal e intransferível, específico para a realização da visita íntima. Este documento pretende contribuir para a elaboração dos Planos Plurianuais estaduais com vistas a assegurar prioridade para a política pública de atendimento socioeducativo, articulado horizontalmente entre as políticas setoriais e verticalmente entre as esferas de governo. 4. Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo aos Adolescentes em Conflito com a Lei – 2010 O estudo feito pelo projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei foi realizado em 2011, em 13 unidades femininas localizadas em sete estados, dos quais seis apresentaram crescimento no número de adolescentes em restrição e privação de liberdade entre 2009 e 2010, conforme mostram as taxas5: Vale a pena ressaltar, para reflexão, que nesses incisos não se fala sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos. 4 O Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo aos Adolescentes em Conflito com a Lei – 2010, lançado em Brasília em junho de 2011 pela Secretaria De Direitos Humanos informa que em 2010 havia no Brasil 12.041 adolescentes em medida socioeducativa de internação e 3.934 em internação provisória. De acordo com esse Levantamento, em 12 estados aumentou o número de adolescentes nas unidades socioeducativas enquanto em 15 diminuíram. Na região norte os estados 5 14 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações • Na Região Norte, o PA apresentou taxa de crescimento de 22,90%; • Na Região Nordeste, a BA foi o estado que teve a taxa mais elevada (47,87%), seguido de AL, com 33,33%. PB, apesar da taxa ser de 2,10%, foi o estado nordestino com número absoluto mais elevado, 1023 (em 2010); • Na Região Centro-Oeste, o estado de MS teve taxa de 10,07% perdendo em crescimento somente para o DF (taxa de 30,55%); • Na Região Sudeste, SP apresentou crescimento de 7,09% e foi o estado com o maior número absoluto de adolescentes e jovens em internação (5107 adolescentes e jovens em 2010); • Na Região Sul, o RS foi uma exceção entre os estados estudados pelo projeto, pois teve uma taxa negativa de - 21,02%. Em média, no Brasil, para cada dez mil adolescentes, 8,8 encontram-se em situação de privação ou restrição de liberdade. A relação entre adolescentes do sexo masculino e do sexo feminino na internação provisória e em cumprimento das medidas de internação e semiliberdade confirma a prevalência de adolescentes homens com percentual próximo dos 95% (888 garotas para 16.815 garotos). Em 2010, o número de adolescentes do sexo feminino apresentou elevação de 1,06%, em relação a 2009, sobretudo na medida de internação e nas regiões norte e nordeste, que juntas totalizam aumento de 56,48% em relação ao restante do país. O menor número de garotas envolvidas na infração está associado a diversos fatores sociais, econômicos e culturais que permeiam a questão de gênero. Dados recentes têm mostrado crescimento no envolvimento de adolescentes do sexo feminino com o tráfico de drogas, um problema ainda pouco conhecido e pesquisado6. O Levantamento Nacional informa que, em 2010, “a rede física atual está composta por 435 unidades, sendo 305 para atendimento exclusivo de programas: 124 de internação, 55 de internação provisória, 110 de semiliberdade, 16 de atendimento inicial, e 130 mistas em mais de um programa de atendimento. Grande parte destas unidades foi construída anteriormente ao SINASE, apresentando inadequações a seus parâmetros” (BRASIL, 2011, p. 32). O projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conque apresentaram aumento foram PA e TO; na região nordeste AL, BA, CE, MA; na região centro oeste o DF e MS, na sudeste o ES, RJ e SP e na região sul o PR. Em número absoluto o maior crescimento se deu no estado de São Paulo e foi de 588 adolescentes. 6 Referências a esse crescimento também foi observado no projeto. 15 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações flito com a lei identificou 40 unidades femininas sendo 7 na região Norte, 11 na Nordeste, 11 na Centro-Oeste, 8 na Sudeste e 3 na Sul, ou seja, em torno de 1% do total de unidades, consoante o Levantamento Nacional de 2010. 5. CNJ – Programa Justiça ao Jovem E m junho de 2010, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou o Programa Justiça ao Jovem, projeto responsável por mapear as unidades de internação de todos os estados brasileiros e do Distrito Federal, analisar unidades de internação de jovens em conflito com a Lei e atentar para que as/os adolescentes sob custódia do estado tenham tratamento diferenciado dos adultos. O Programa Justiça ao Jovem teve a participação de magistrados com experiência na área de execução de medida socioeducativa, de técnicos do Judiciário, tais como assistentes sociais, psicólogos e pedagogos, além de instituições, naquela ocasião, gestoras da execução da medida de internação, tais como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil. A equipe do programa Justiça ao Jovem visitou todas as unidades da Federação para conhecer a realidade nacional das medidas socioeducativas, verificar a situação processual de todos os adolescentes que estão em conflito com a lei no Brasil e tecer recomendações para que os sistemas socioeducativos estaduais se adequassem às diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE). A equipe do projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei deparou-se com os mesmos problemas apontados nos relatórios do CNJ, particularmente nos estados visitados nas regiões Norte, Nordeste e CentroOeste (PA, AL, BA, PE, MS), sem esquecer aqueles encontrados nas unidades visitadas em SP e RS. Em praticamente todos os estados há relato de superlotação (frequentes nas unidades masculinas), desarranjos na estruturação e localização, tornando deficiente o sistema para execução da internação; de necessidade de superar a arquitetura prisional, a concentração em poucos municípios que reforça a distância dos familiares; da urgência de mais investimentos na melhoria das instalações de modo a obedecer aos ditames do ECA e do SINASE, para se atingir os objetivos maiores da socioeducação; a necessidade de capacitação de quem trabalha nas unidades, de servidores a magistrados, de modo a aprimorar o atendimento. 16 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações São recorrentes nos relatórios do CNJ, à exceção de situações específicas a São Paulo e Rio Grande do Sul, a falta de uniformidade nos procedimentos do Judiciário, a inexistência de projeto pedagógico, de planos estaduais para o Sistema Socioeducativo, a falta de varas especializadas da infância e juventude, a existência de assistência jurídica precária e a necessidade de maior articulação entre Poder Judiciário, Poder Executivo, Ministério Público, Defensoria Pública e demais atores do Sistema de Garantia e Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes. 6. Metodologia do projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei 6.1 Levantamento das unidades femininas nos estados e Distrito Federal Tendo em conta o contexto apresentado pelo Levantamento Nacional de 2010 da SDH e as informações do CNJ, foi realizado um breve diagnóstico para identificar unidades de internação e internação provisória que recebiam garotas nos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, além de investigar a existência de ações educativas em sexualidade, o respeito ao direito de visita íntima e o acesso a preservativos. Esses dados subsidiaram o início do estudo sobre os direitos sexuais nos sistemas de privação de liberdade, com foco na condição das mulheres jovens. Para o levantamento dos primeiros dados, foram consultados representantes dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDECAs) e de sua Associação Nacional (ANCED), a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, além de militantes dos direitos da criança e do adolescente ligados a Universidades e Fóruns de Defesa. Ademais, foram feitas consultas a websites de órgãos governamentais e a publicações (virtuais e impressas) sobre a temática. Em seguida foram feitas consultas telefônicas diretamente às unidades de internação ou a órgãos gestores do sistema socioeducativo, onde foram confirmadas as informações recebidas no primeiro momento (endereços das unidades e se de fato eram apenas aquelas que recebiam adolescentes e jovens do sexo feminino). No mesmo contato telefônico questionou-se sobre a existência de ações educativas em sexualidade, sobre o respeito ao direito de visita íntima e acerca da distribuição de preservativos. As perguntas utilizadas foram: 3 Existem ações educativas em sexualidade para as adolescentes e jovens na unidade de internação? Se sim, no que consistem? As garotas 17 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações também têm acesso a essas atividades? (no caso de unidades mistas). 3 O direito à visita íntima é assegurado na unidade de internação, conforme os parâmetros estabelecidos pelo SINASE? As garotas também têm acesso a esse direito? (no caso de unidades mistas). 3 Existe distribuição de preservativos na unidade de internação? As garotas também recebem os preservativos? (no caso de unidades mistas). O levantamento foi realizado em março e abril de 2011. Foram encontradas 40 unidades de internação e internação provisória que recebem garotas no território nacional. Das unidades identificadas, cerca de 20 declararam possuir ações de educação em sexualidade, 01 admitiu ter visita íntima para adolescentes mulheres (03 para o sexo masculino) e cerca de 30 disseram distribuir preservativos, mesmo que no momento de saída definitiva da unidade. A seguir, apresentamos as informações fornecidas por gestores/as das unidades, registradas conforme a ocasião dos contatos. sando à prevenção de doenças, além do acompanhamento ginecológico das garotas, inclusive das grávidas. Não existe visita íntima em nenhuma unidade de internação no Amazonas, incluindo a das adolescentes. Preservativos são distribuídos quando as adolescentes são liberadas para passar algum momento fora da unidade. Centro Sócio-educativo de Internação Provisória: Não existem ações de educação em sexualidade voltadas para as garotas, apenas orientações feitas individualmente pela equipe técnica da unidade. Não existe visita íntima nem distribuição de preservativos. Região Norte 5. Rondônia Unidade Sócio-educativa de Internação Feminina: O setor de saúde orienta quando existe alguma demanda das garotas. Pontualmente são feitas parcerias com a Universidade e com a Secretaria Municipal de Saúde de Porto Velho para realização de palestras e atividades de orientação sobre sexualidade. Não existe visita íntima nas unidades de internação de Rondônia. Também não são distribuídos preservativos. 1. Acre Casa da Adolescente Mocinha Magalhães: Não existem ações de educação voltadas para a questão da sexualidade, mas pretendem articular para o ano de 2011; não são distribuídos preservativos, mas quando as adolescentes vão ao/a ginecologista a unidade procura garantir a utilização de métodos contraceptivos; a visita íntima não é permitida para as garotas, mas a alguns adolescentes do sexo masculino é permitida com autorização judicial. 2. Amapá Centro de Internação Feminino – CIFEM: Não existem ações de educação em sexualidade; quando ocorrem, são através de palestras pontuais realizadas com parcerias externas. Não existe visita íntima nem distribuição de preservativos. 3. Amazonas Centro Sócio-educativo Marise Mendes: As ações que acontecem sobre educação em sexualidade se restringem a orientações dadas pela equipe de saúde da unidade e por parceria com a Secretaria de Saúde. Normalmente consistem em orientações vi18 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações 4. Pará Centro de Internação Socio Educativo Feminino – CESEF: Existem ações de orientação sobre sexualidade realizadas pelas equipes técnico-pedagógica e de enfermagem, além de parcerias externas com a Secretaria de Saúde. Não existe visita íntima, mas as garotas recebem preservativos. 6. Roraima Centro Sócio Educativo Homero de Souza Cruz Filho: O número de garotas sempre é muito pequeno e já faz dois meses que não existem garotas internadas. Mas quando existe alguma se constrói um calendário para palestras sobre a questão da sexualidade, proferidas tanto por atores externos como pela equipe técnica da unidade. As garotas também recebem atendimento individual pelos/as profissionais. Não existe visita íntima, mas quando os internos (garota ou garoto) vão passar algum período fora da unidade recebem preservativos. 7. Tocantins Centro de Internação Provisório Feminino de Palmas: Ações articuladas pon19 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações tualmente com a Secretaria de Saúde com foco na gravidez e na prevenção de doenças. Não existe visita íntima. Preservativos só são distribuídos quando as adolescentes saem definitivamente da unidade. Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações buição de preservativos nem visita íntima. Centro da Juventude Semear – Internação provisória: Não existe ação especifica de educação em sexualidade, apenas alguma orientação quando solicitada pelas internas. Não existe visita íntima, mas são distribuídos preservativos quando as adolescentes são liberadas da unidade. Região Nordeste 8. Alagoas Unidade de Internação Feminina – UIF: Eventualmente são apresentados vídeos ou feitas parcerias para realização de palestras sobre gravidez e sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Nesses momentos ocorre distribuição de preservativos. Também são distribuídos preservativos quando alguma adolescente está exercendo o direito à visita íntima (após cumprimento dos requisitos estabelecidos por portaria do juiz da infância e juventude). Nesse caso, elas também recebem orientações da equipe de saúde da unidade. 9. Bahia Comunidade de Atendimento Socioeducativo - CASE Salvador: As iniciativas de educação em sexualidade ocorrem pontualmente através de palestras promovidas pela equipe da unidade e por parceiros externos. Não existe visita íntima nem distribuição de preservativos. 10. Ceará Centro Educacional Aldaci Barbosa Mota: Atividades de orientação sobre sexualidade são realizadas na escola e em palestras pontuais articuladas em parceria com outras instituições. Não existe distribuição de preservativos (apenas para as garotas da semiliberdade, que também funciona no mesmo complexo). Não existe visita íntima. 11. Maranhão Centro da Juventude Florescer (Feminino): As ações educativas sobre sexualidade estão inseridas no atendimento técnico (social, psicológico e pedagógico) fornecido pela unidade e pontualmente através de formações decorrentes de parcerias feitas pela coordenação do sistema socioeducativo. Não existe distri20 12. Paraíba Casa Educativa: A equipe técnica da unidade realiza ações de orientação relacionadas à sexualidade e busca parcerias externas para que as adolescentes tenham palestras sobre a temática. Não existe visita íntima nem são distribuídos preservativos. 13. Pernambuco Centro de Atendimento Sócio-educativo – CASE Santa Luzia: As atividades realizadas sobre sexualidade ocorrem na escola e através de palestras ministradas por atores externos, além das orientações dadas pelos técnicos da unidade. Não são distribuídos preservativos. A visita íntima é proibida para as garotas, mas a coordenadora insinuou que os garotos de outras unidades têm direito. Centro de Internação Provisória – CENIP Santa Luzia: As garotas recebem palestras sobre sexualidade realizadas por profissionais de outros órgãos do governo que vão até a unidade. Os temas são prevenção a doenças e atividade reprodutiva. Não existe visita íntima nem distribuição de preservativos. 14. Piauí Centro Educacional Feminino: O tema é tratado como tabu e as iniciativas são bem tímidas. Quando acontecem são palestras pontuais feitas pela equipe educacional da unidade. As garotas têm acompanhamento da rede de saúde, onde recebem orientações e têm acesso a preservativos. Dentro da unidade só existe distribuição de preservativos quando as adolescentes são desligadas definitivamente. Não existe visita íntima. 15. Rio Grande do Norte Centro Educacional Padre João Maria (Ceduc): Existem ações de educação sobre sexualidade fornecidas pela própria equipe técnica da unidade e por palestras 21 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações pontuais ministradas em função de parceria com a BEMFAM/RN, quando as garotas tem acesso a preservativos. As adolescentes não têm direito à visita íntima, embora os adolescentes do sexo masculino tenham. 16. Sergipe Unidade de Internação Feminina Hildete Falcão: São realizadas palestras com as garotas a partir de parceria com a Secretaria de Saúde, além da orientação que é dada pela equipe técnica da unidade. Trabalham-se ações sobre gravidez e prevenção de DSTs. As garotas também são acompanhadas clinicamente pelos serviços de saúde. Não existe visita íntima nem distribuição de preservativo para as internas. Região Centro-Oeste 17. Distrito Federal Centro de Atendimento Juvenil Especializado – CAJE: Ocorreu pontualmente em 2010 parceria com a Universidade de Brasília e Secretaria de Saúde onde foram realizadas atividades de orientação voltada para a temática da sexualidade. Até abril de 2011 esse tipo de atividade ainda não fora realizada. A primeira turma foi formada apenas para as garotas e a segunda contou também com garotos. Não existe visita íntima na unidade, nem para garotas nem para garotos. Preservativos são distribuidos apenas quando as/os adolescentes saem com autorização judicial para passar períodos fora da unidade. 18. Goiás Centro de Atendimento Socioeducativo - CASE/Goiânia: Não existem ações de educação em sexualidade na unidade. Não é permitida a visita íntima e não se distribuem preservativos para os internos. Centro de Internação Provisória - CIP: Até abril de 2011 não havia nenhuma ação educativa voltada para a sexualidade, mas embora houvesse intenção. Não existe visita íntima, mas em datas específicas, como o carnaval, são distribuídos preservativos. Na semana em que foram prestadas as informações a unidade parou de receber adolescentes do sexo feminino. Centro de Atendimento Socioeducativo - CASE/Formosa - (contato não se efetivou). 22 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Centro de Atendimento Socioeducativo - CASE/Luziânia - (contato não se efetivou). Centro de Internação de Adolescentes de Jataí - CIAJ: Ainda estão sendo planejadas ações de educação em sexualidade por equipe formada pela Secretaria de Saúde e por profissionais dos serviços social e psicológico da unidade. Não existe visita íntima nem distribuição de preservativos. Centro de Recepção de Adolescentes de Itumbiara - (contato não se efetivou). Centro de Atendimento ao Adolescente Infrator – CEIA/Porangatu: A equipe de saúde da unidade ainda está planejando ações de educação em sexualidade. Não existe visita íntima nem distribuição de preservativos. 19. Mato Grosso Unidade de Internação provisória e Internação feminina, Cuiabá: Existe um acadêmico de medicina que realiza palestras semanais sobre a temática da sexualidade, além das orientações que são realizadas pela equipe de saúde da unidade. Sobre visita íntima e distribuição de preservativos a gerente preferiu que esses temas fossem respondidos pela superintendência. Foi encaminhado email, não respondido. 20. Mato Grosso do Sul Unidade Educacional de Internação Feminina Estrela do Amanhã: Pontualmente são feitas palestras tanto pela equipe técnica da unidade como por parceiros externos. Na última vez membros da universidade realizaram trabalho que envolvia o conhecimento do corpo, questões de higiene pessoal, gravidez e prevenção de doenças. Não existe visita íntima, mas são distribuídos preservativos para as internas que deixam definitivamente a unidade. Unidade Educacional de Internação Feminina Esperança: São proferidas palestras a partir de parceria com a Secretaria de Saúde e também são dadas orientações pela equipe de saúde da unidade. O trabalho tem conteúdo preventivo, no que diz respeito a DSTs e como evitar a gravidez. As grávidas da unidade também recebem acompanhamento especial. Não existe visita íntima, mas as adolescentes recebem preservativos quando deixam definitivamente a unidade. 23 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Região Sudeste 21. Espírito Santo Unidade Feminina de Internação – UFI: Existem apenas orientações realizadas pelo núcleo de saúde junto às adolescentes, principalmente aquelas que se encontram grávidas ou com suspeita de gravidez. Não existe visita íntima, nem distribuição de preservativos. 22. Minas Gerais Centro de Reeducação Social São Jerônimo – CRSSJ: As adolescentes recebem acompanhamento e são orientadas pela equipe de saúde do Programa Saúde da Família. Também existe parceria com o Grupo Universitário em Defesa da Diversidade Sexual, que realiza atividades sobre sexualidade. A temática da sexualidade também foi inserida nas formações destinadas às/aos profissionais do sistema socioeducativo. Não existe visita íntima, mas preservativos são distribuídos quando as adolescentes saem para passar períodos fora da unidade. 23. Rio de Janeiro Educandário Santos Dumont (ESD): Existem orientações sobre sexualidade na grade escolar e são realizadas parcerias externas com órgãos governamentais e não governamentais para realização de palestras. Não existe visita íntima nem distribuição de preservativos na unidade, mas algumas recebem camisinhas quando são levadas para atendimento médico externo. 24. São Paulo CASA Guarulhos III - (contato não se efetivou). Internato Parada de Taipas (IPT) - (contato não se efetivou). Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente de Cerqueira César I e II - (contato não se efetivou). Unidade Feminina de Internação Provisória e Internação Chiquinha Gonzaga - (contato não se efetivou). 24 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Região Sul 25. Paraná Centro de Socioeducação Joana Miguel Richa: Em 2010 a BEMFAM realizou parceria com todas as unidades de internação do Paraná para implementar projeto com a temática da educação em sexualidade, incluindo a questão da diversidade. Na unidade, a equipe de saúde também procura estabelecer outras parcerias com a comunidade, incluindo organizações não governamentais e a prefeitura. Não existe visita íntima nem distribuição de preservativos. 26. Santa Catarina Centro de Internação Feminina: Ocorrem apenas palestras pontuais através de parceria feita com o posto de saúde da comunidade. As palestras visam à orientação das garotas com vistas à gravidez e a prevenção de doenças. Não existe visita íntima nem distribuição de preservativos. 27. Rio Grande do Sul Centro de Atendimento Sócio Educativo Feminino – CASEF: Existem momentos para discutir sexualidade realizados pelos técnicos da unidade e por parcerias externas, tendo já acontecido inclusive debates sobre homofobia. As garotas são orientadas sobre métodos contraceptivos e podem fazer uso após avaliação da médica ginecologista da unidade. São distribuídos preservativos para aquelas que podem sair da unidade de internação, mas não existe direito à visita íntima. As informações colhidas neste levantamento inicial do projeto já apontavam para a ausência da abordagem dos direitos sexuais e direitos reprodutivos nas unidades femininas de internação. Os resultados iniciais indicam que existe pouca preocupação com a garantia dos direitos sexuais das adolescentes e jovens inseridas no sistema socioeducativo. Quando existem ações de educação em sexualidade, não parecem incluídas no processo socioeducativo ao qual a garota está submetida, mas apenas iniciativas pontuais para orientação sobre gravidez ou prevenção de doenças. Somente em 01 caso é garantido o direito à visita íntima para unidades femininas e a distribuição de preservativos não parece contextualizada num processo educativo e de respeito ao exercício da sexualidade. 25 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações 6.2 Seleção das unidades socioeducativas, parcerias locais e visitas Baseada no levantamento inicial, apresentado no item anterior, e tendo em vista garantir uma representação mínima das cinco regiões do Brasil, compatível com os recursos financeiros destinados a gastos com viagens e estadias e ao cronograma do projeto, e com base na sua rede de relacionamentos, a equipe do projeto buscou apoio junto a organizações não-governamentais que atuam na defesa dos direitos das crianças, adolescentes e jovens, para obter permissão para visitar as unidades socioeducativos locais. A partir desses contatos iniciais que se deram via email e telefone, foram encontradas instituições que se interessaram em apoiar o projeto e as parcerias foram sendo construídas, principalmente com aquelas que estavam desenvolvendo atividades junto ao sistema socioeducativo local. A parceria era formalizada nos seguintes termos: a instituição parceira se comprometia a fazer a mediação com o sistema socioeducativo local tendo em vista a obtenção de permissão para realizar visita(s) à(s) unidade(s) feminina(s) de internação e internação provisória, entrevistas individuais com garotas cumprindo medida, entrevistas individuais e/ou coletivas com gestores/as do sistema e equipes técnicas (saúde, educação, administração, socioeducadores/as); a agendar a visita; contatar e agendar encontro com operadores/as de direito responsáveis pela(s) unidade(s) socioeducativa(s) visitada(s); acompanhar a(s) pesquisadora(s) durante a visita às unidades e à Vara da Infância e Juventude local; divulgar o relatório referente à visita para pessoas e instituições locais envolvidas diretamente no estudo e para a rede de proteção local. Por seu lado, a equipe do projeto se comprometia a fornecer informações, produzir documentos que se fizessem necessários para viabilizar as visitas; realizar as visitas e entrevistas programadas; elaborar relatório referente à viagem, mencionando a parceria; disponibilizar o relatório à instituição parceira para divulgação; mencionar a parceria em documentos, eventos derivados do projeto. Os estados visitados e as instituições parceiras que apoiaram a realização do estudo foram: Bahia – Plataforma de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – Plataforma Dhesca, Regional Bahia da Rede Feminista de Saúde e MUSA – Programa Integrado de Pesquisa e Cooperação Técnica em Gênero e Saúde do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia; Pará – Instituto Universidade Popular – UNIPOP; 26 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Alagoas – Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente Zumbi de Palmares – CEDECA; Rio Grande do Sul – Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através do Grupo de Assessoria Jurídica para Adolescentes Selecionados pelo Sistema Penal Juvenil (G10) e do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher – CLADEM Brasil; Pernambuco – Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC; Mato Grosso do Sul – Instituto Brasileiro de Inovações pró-Sociedade Saudável Centro-Oeste – IBISS/CO. Com relação ao Estado de São Paulo, a estratégia foi diferente, pois o Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente – Fundação Casa, responsável pelas unidades socioeducativas paulistas, estabeleceu uma portaria (Portaria Normativa Nº 155/2008) que normatiza procedimentos para a realização de estudos e pesquisas nas suas unidades. Portanto, no caso das unidades femininas paulistas, a equipe seguiu os procedimentos estabelecidos pela portaria e a tratativa se deu diretamente com o setor da Fundação Casa que atende a essas solicitações, sem a mediação de outras instituições locais. Para a aprovação do estudo pela Fundação Casa foi apresentado projeto de pesquisa contendo justificativa, objetivos, metodologia, resultados esperados e roteiros de entrevistas. As visitas aos estados, com exceção de São Paulo, em média duravam dois dias, no caso de visita a uma única unidade, ou três, quando havia mais de uma unidade a ser visitada. Geralmente, no primeiro dia, na parte da manhã era feita visita à unidade, a(s) pesquisadora(s) era(m) recebida(s) por representante do gestor/a, pelo/a gerente da unidade e parte da equipe técnica ou quase toda a equipe, a depender da disponibilidade das/os profissionais, e realizava entrevistas individuais e/ou coletivas. Nessas ocasiões, quando permitido, a unidade era fotografada. Na parte da tarde do primeiro dia eram realizadas entrevistas individuais com as garotas, pelo menos três entrevistas, sempre antecedidas de informações sobre o estudo e da concordância por parte das garotas. A seleção das garotas dependia também do tempo na unidade – as com mais tempo tinham mais chance de ter acompanhado/participado de ações educativas/atividades e de situações abordadas pelo estudo que aquelas com menos tempo de internação. Quando havia 27 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações garota(s) grávida(s) ou com bebê na unidade tentávamos entrevistá-las para obter informações sobre atendimento de pré-natal, parto, cuidados pós-parto e com o bebê. Também buscávamos entrevistar garotas de modo a contemplar as diversidades de raça/etnia observadas no momento da visita. As entrevistas com os/ as profissionais e com as garotas eram apoiadas por um roteiro semi-estruturado com questões sobre os serviços de saúde a que garotas tinham acesso na unidade ou fora dela (incluso pré-natal e pós-parto), acesso a métodos contraceptivos e de prevenção, acesso à visita íntima, oferta de atividades educativas em sexualidade e saúde reprodutiva, relações homoafetivas, entre outras perguntas. No segundo dia, se havia mais uma unidade, a visita era feita no mesmo esquema descrito acima. Caso não houvesse outra unidade a ser visitada realizávamos a etapa final da viagem, que consistia em encontro e conversa com juízes/as, promotores/ as responsáveis pela execução das medidas socioeducativas na(s) unidade(s). Nessas ocasiões falávamos sobre o projeto e sobre o que havíamos visto e ouvido na(s) unidade(s) visitada(s), em especial sobre violações relacionadas aos direitos sexuais e direitos reprodutivos das/os adolescentes/jovens. As entrevistas e conversas foram gravadas, transcritas e deram origem, até o momento, a relatórios parciais, por estado, a este documento e a um seminário nacional realizado no dia 11 de maio de 2012, em São Paulo/SP, com o apoio da Faculdade de Saúde Publica da Universidade de São Paulo. 7. Informações gerais sobre as unidades visitadas V isitamos 13 unidades femininas de internação e internação provisória, entrevistamos individualmente 33 garotas, sendo 24 brancas e 9 negras. Em relação à população adulta envolvida no escopo do estudo foram entrevistadas/os individualmente 6 profissionais do sistema socioeducativo e 14 operadores/as de direito, e realizadas 14 entrevistas coletivas envolvendo 7 operadores/as de direito e 76 profissionais do sistema socioeducativo. 7.1 Pará Visitamos a unidade da Região Norte, o CESEF – Centro Socieducativo Feminino em Ananindeu/Pará, em agosto de 2011, com apoio do UNIPOP. Foram realizadas entrevistas individuais com cinco adolescentes e com três pro- 28 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações fissionais (gerente da unidade, profissional da área de saúde e socioeducador/a); conversa com juíza de 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca de Belém, com Promotora da Infância e Juventude em Belém; com assistente social da Defensoria Pública e defensor público, com assistente social da Promotoria da Infância e Juventude de Belém e encontro com representantes da Comissão da Criança e do Adolescente e da Comissão da Diversidade Sexual da OAB/Belém. O CESEF é a única unidade socioeducativa do Estado do Pará que atende garotas cumprindo medida socioeducativa de internação, incluindo internação provisória e de semiliberdade. São 143 municípios e as garotas vêm das mais diversas e longínquas áreas do estado para cumprir medida nesta unidade. Na ocasião da visita, das 14 garotas cumprindo medida na unidade, 9 cumpriam internação, 4 internação provisória e uma estava em regime de semiliberdade. A idade das garotas, na ocasião, variava de 13 a 18 anos. 7.2 Pernambuco Visitamos as unidades femininas da Fundação de Atendimento Socioeducativo – FUNASE, Centro de Atendimento Socioeducativo SANTA LUZIA – CASE SANTA LUZIA, o Centro de Internação Provisória SANTA LUZIA – CENIP SANTA LUZIA, e a Vara Regional da Infância e Juventude da 1ª Circunscrição de Recife, em outubro de 2011, com apoio do CENDHEC. Realizamos entrevistas individuais com quatro adolescentes, com uma profissional de saúde e com três operadores/as de direito (promotor/a, juíz/a) e três entrevistas coletivas (uma com a equipe do CASE SANTA LUZIA da qual participaram nove profissionais, outra com a equipe do CENIP SANTA LUZIA da qual participaram cinco profissionais, e a terceira com grupo de quatro educadoras/es da Escola Vovó Geralda, que atende as garotas do CASE). O CASE SANTA LUZIA é a única unidade socioeducativa feminina de internação do Estado de Pernambuco. As garotas vêm das mais diversas áreas do estado para cumprir medida nessa unidade. Fica em um bairro residencial de Recife, em uma casa alugada. Tem capacidade para atender 20 garotas, no dia da visita estava com 37 garotas e um bebê. O CENIP SANTA LUZIA é a única casa de internação provisória feminina de Pernambuco, recebe adolescentes oriundas de todos os municípios do Estado. No CENIP as garotas ficam no máximo 45 dias aguardando a sentença do/a 29 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações juiz/a podendo resultar em liberdade, em semiliberdade, liberdade assistida (LA) ou encaminhamento para uma casa abrigo (nos casos de garotas que não possuem famílias responsáveis por elas). 7.3 São Paulo Na etapa paulista do estudo visitamos a Unidade Feminina de Internação Provisória e Internação Chiquinha Gonzaga, na Mooca em São Paulo, a CASA Guarulhos III, em Guarulhos, o Internato Parada de Taipas, na Vila Brasilândia em São Paulo, o Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente de Cerqueira César I e II, em Cerqueira César, e a Unidade de Semiliberdade Azaleia em São Paulo, capital. As visitas a essas unidades ocorreram nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2011. Foram realizadas 16 entrevistas individuais com adolescentes/jovens, uma entrevista individual com um/a gestor/a, 5 entrevistas coletivas com equipes técnicas (profissionais da saúde, da gestão, administrativo e socioeducadores/as) envolvendo 29 profissionais da Fundação Casa. No Estado de São Paulo o projeto não conseguiu entrevistar operadores/as de direito. Na ocasião da visita às unidades paulistas, na Unidade Feminina de Internação Provisória e Internação Chiquinha Gonzaga havia 98 garotas cumprindo medida de internação provisória (a unidade comporta 60) e 64 garotas cumprindo medida de internação (a unidade comporta 50); na casa das mães havia 12 garotas; na CASA Guarulhos III havia 40 garotas na internação e 8 na internação provisória, de 12 a 18 anos; no Internato Parada de Taipas havia 56 garotas na internação, de 13 a 20 anos; no Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente de Cerqueira César I e II havia 56 garotas cumprindo medida de internação na Casa II e 48 na Casa I, cuja capacidade é para 40 garotas, na provisória havia 3 garotas e a capacidade é de 16; e na Unidade de Semiliberdade Azaleia havia 19 garotas e a unidade tem capacidade para abrigar 20. 7.4 Alagoas Visitamos parte do complexo que abriga as unidades masculinas (posto de saúde, salas de aula, quadra, gramado e a Unidade de Internação – Extensão – UIME), e a Unidade de Internação Feminina – UIF e à 1ª Vara da Infância e da Juventude da Capital, em Maceió, em setembro de 2011, com apoio do CEDECA. 30 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Foram realizadas entrevistas individuais com duas garotas, duas entrevistas coletivas – uma na visita ao complexo com participação de um/a gestor/a do sistema socioeducativo e um/a profissional da saúde, e outra com equipe de professionais da UIF (gerente, psicólogo/a e assessor/a administrativa/o). A unidade feminina, UIF, comporta internação provisória, internação e semiliberdade. Fica em uma casa em um bairro residencial de Maceió. Das 11 garotas que estavam na unidade, uma tinha menos de 15 anos e as demais entre 15 e 18 anos. A maioria era da capital. 7.5 Rio Grande do Sul Visitamos o Centro de Atendimento Socioeducativo Feminino – CASEF e o Centro de Atendimento Socioeducativo POA I, masculino, da Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul – FASE, e a 3ª Vara do Juizado da Infância e Juventude, em Porto Alegre, em setembro de 2011, com apoio do SAJU e do CLADEM Brasil. Realizamos conversas informais com garotos, entrevistas individuais com três garotas, uma entrevista coletiva com doze profissionais da equipe técnica do CASEF (gestor/a da unidade; profissionais da saúde – coordenador/a, psicólogo/a, médico/a, enfermeiro/a, assistente social, socioeducadores/as) e conversa conjunta com dois juízes/as da 3ª Vara do Juizado da Infância e Juventude. O CASEF é a única unidade de internação feminina no Rio Grande do Sul. Na unidade garotas cumprem medida de internação provisória, internação e semiliberdade. As adolescentes do CASEF vêm do centro do estado, das fronteiras, da serra, do litoral, sendo que a metade é da região metropolitana de Porto Alegre. Na ocasião da visita havia 33 adolescentes na unidade. 7.6 Bahia Visitamos o CASE Salvador – Comunidade de Atendimento Socioeducativo da FUNDAC, a 2ª Vara da Infância e Juventude e a Câmara Municipal de Salvador, em julho de 2011, com apoio da Plataforma Dhesca, da Regional Bahia da Rede Feminista de Saúde e do MUSA. A visita ao CASE Salvador foi feita em comitiva composta por Tânia Palma, Ouvidora Externa da Defensoria Pública do Estado da Bahia, acompanhada pelo 31 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Grupo Operativo dessa ouvidoria, com representação de 34 regionais do estado. A comitiva foi recebida por um representante do/a diretor/a geral de Atendimento Socioeducativo da FUNDAC, pelo/a diretor/a e um/a gerente administrativo/a do CASE Salvador. Realizamos entrevista coletiva, em conjunto com a comitiva, com os/as três gestores/as, três entrevistas individuais com garotas, duas entrevistas individuais com profissionais da saúde, duas entrevistas individuais com operadores de direito (juízes/as) e uma entrevista individual com um/a vereador/a de Salvador. Na unidade feminina, na ocasião da visita, localizada em uma das alas do CASE Salvador, havia 14 garotas cumprindo medida, 6 da internação provisória e 8 da internação, com idades de 14 a 19 anos. 7.7 Mato Grosso do Sul Visitamos a Unidade Educacional de Internação (UNEI) Estrela do Amanhã, e a Vara da Infância e Juventude de Campo Grande, em novembro de 2011, com apoio do IBISS/CO. Realizamos entrevistas individuais com três adolescentes, com um/a operador/a de direito (juiz) e com um/a inspetor/a de ação socioeducativa, e uma entrevista coletiva com profissionais da unidade (um/a gestor/a, duas/ois profissionais da saúde, duas/ois da educação e dois/uas socioeducadores/as). A UNEI Feminina Estrela do Amanhã tem capacidade para atender 16 garotas, no dia da visita estava com sete garotas. Em média são 10, 12 garotas abrigadas na unidade, com idade em torno de 15 anos. 8. Informações gerais sobre as garotas cumprindo medida socioeducativa nas unidades visitadas A s garotas entrevistadas tinham entre 14 e 22 anos, esta havia acabado de completá-los. Das 33 garotas, uma era da semiliberdade, 7 da internação provisória e 25 estavam cumprindo medida de internação. Das 33 garotas, 3 não haviam completado o ensino médio e as demais não haviam completado o ensino fundamental. Entre as atividades escolares desenvolvidas nas unidades, de acordo com a fala das garotas, havia a continuidade dos estudos interrompidos, cursos de artesanato 32 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações (pintura em tecido – pano de prato, camisa –, pintura em madeira, bordado, crochê, biscui, bijuteria), de informática, de teatro, violão, hip-hop, aulas de arte, de grafite, atividades esportivas (vôlei, futebol, gincana). Como atividade profissionalizante dentro das unidades as garotas citaram cursos de culinária básica, salgados, chocolateria, vela, horta, cabelereiro, manicure e um curso de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais. A única garota que relatou participar de atividades profissionalizantes fora da unidade foi a que cumpria medida de semiliberdade – citou curso de lapidação, educação ambiental, biblioteconomia e participação em estágio em órgão público. À exceção de uma garota, os cursos e a escolas das unidades foram bastante elogiados: “Tem até mais atenção. Como somos poucas, tem mais incentivo, atenção, porque todas nós temos mais dificuldade. Eu tinha abandonado a escola, agora voltei, acho que até de ano eu vou passar.” (Mato Grosso do Sul) “De um lado foi bom porque tirei bastante proveito dos cursos até agora. A escola é boa aqui, os cursos são muito bons, fiz muitos cursos. Gostei de cozinha, informática, que estou fazendo de novo, teatro, eu amo teatro, estamos montando uma peça.” (São Paulo) Um aspecto negativo a se destacar diz respeito às atividades externas, realizadas fora da unidade, que, se nos basearmos pelas falas das garotas, há poucas saídas: uma garota na semiliberdade (já citada); algumas menções a participação em atividades esportivas, tais como a Olimpíada da Fundação Casa; outras a idas a shopping para assistir filme, pelo bom comportamento; alguns passeios (parques, chácaras). Algumas referiram também encontros, atividades festivas que acontecem, vez por outra, nas próprias unidades femininas, nos quais participam também garotos que estão cumprindo medida socioeducativa. Nesses encontros garotas e as garotos têm a oportunidade de conversar, e pode rolar namoro. Algumas garotas já haviam trabalhado como garçonete, babá, empregada doméstica, agricultora, ajudante de construção civil; atividades que exigem pouca qualificação e de baixa remuneração. Outras já haviam trabalhado para o comércio ilegal de drogas e/ou para o comércio sexual. Entre todas as entrevistadas, 28 estavam cumprindo medida socioeducativa de internação pela primeira vez e 5 já haviam sido internadas, anteriormente, uma 33 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações delas com 3 reincidências por envolvimento com o comércio ilegal de drogas e outra cumpria medida pela quinta vez. Quanto ao tipo de ato infracional que as levou à medida restritiva de liberdade, o tráfico de drogas ou associação com o tráfico desponta como o mais cometido, seguido de homicídio, latrocínio, roubo e sequestro. Entre os homicídios conversamos com duas irmãs que haviam acabado de adentrar ao sistema socioeducativo acusadas de matar o pai, que segundo elas vinha abusando sexualmente delas há vários anos, estava de olho na irmã de 8 anos, e havia ameaçado matá-las e expulsar a mãe delas de casa. Esse caso foi levado às autoridades competentes e pedida especial atenção dada a situação envolvida no ato infracional e o estado das garotas, ambas muito abaladas emocionalmente. Das garotas que receberam sentença por envolvimento com o comércio ilegal de drogas, duas declararam que o envolvimento se deu por iniciativa própria (uma delas desde os 9 anos de idade), “para ter um dinheirinho”, “comprar alguma coisinha”, “tirava uma média 600 reais/dia e gastava com cigarro, bebida, roupas”, uma maneira utilizada pelas/os jovens para terem acesso a bens de consumo, e itens para a própria sobrevivência e/ou da familia: “Eu estava traficando drogas, crack, era eu e meu marido (...). A gente não consumia droga, nem álcool, era traficar mesmo pra ter casa, carro, dinheiro, viajar (...) quando engravidei ele falou da gente parar porque ‘não quero que a gente fique preso e o nenê lá fora’, mas eu pensava muito no dinheiro, então não deixei ele parar... ele tinha até uma oferta de trabalho de pintor, e eu era contra, que pintor não dava dinheiro. (...). Aí ele tá preso e eu também.” Sobre os ganhos com nesse comércio, estes variavam bastante, segundo as entrevistadas desde R$100,00 para a primeira vez que comercializava, até R$5.000,00 semanais: “Eu traficava drogas, farinha, crack, eu traficava pra comprar roupa, não era pra usar droga (...), minha mãe sempre comprou as coisas pra gente, mas eu sempre queria mais, eu traficava sozinha, o pai do meu filho não sabia. Eu trabalhei antes, ai comecei a traficar e minha mãe achava que eu saia pra trabalhar (...). Por semana eu tirava 2 mil reais, não guardava, comprava roupa, gastava com bebida, saía, não dava nada pra minhas irmãs, só dava uns presentinhos pro meu sobrinho.” 34 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Para sustentar seu próprio consumo de drogas, três garotas declararam recorrer ao comércio sexual para obter o dinheiro necessário. Com respeito ao envolvimento das garotas com o “tráfico”, demos algum destaque também porque esteve muito presente nas falas de profissionais das unidades visitadas e de juizes/as e de promotores/as entrevistadas/os, quando referiam a mudanças no perfil das garotas e garotos cumprindo medida de privação de liberdade nos últimos anos. Uma das falas faz ressalvas quanto a essas colocações: “A gente deve por entre aspas porque há situações bem diferentes, umas estão com 70 kg de crack e juiz libera, outras estão ao lado de quem está traficando e ela é internada, então não se pode generalizar, o tráfico tem que ser visto com mais cuidado senão ela vai carregar um peso que não é de fato dela.” (Participante de equipe) Quanto à sexualidade, saúde reprodutiva e orientação sexual, duas garotas declararam que ainda não haviam tido nenhuma relação sexual. As demais já eram sexualmente ativas antes de ingressarem no sistema socioeducativo; cinco garotas se declararam lésbicas, três bissexuais. Uma delas nos pareceu transexual, pois se apresentava com nome social masculino e adotava identidade de gênero masculina. Entre as garotas entrevistadas, sete disseram que viviam com seus maridos; o tempo da relação com o marido variou de oito meses a cinco anos. Uma das garotas vivia com a namorada. Das garotas entrevistadas, três estavam grávidas e oito tinham pelo menos um/a filho/a - duas delas haviam entrado grávidas no sistema socioeducativo, tiveram seus bebês e viviam com ele na unidade. Este rápido apanhado sobre as garotas entrevistadas se aproxima da colocação de um/a juiz/a quando discorreu sobre o perfil de garotas e garotos quem cumprem medida socioeducativa: “Com relação ao perfil, eu não vejo grande mudança não, continuam sendo os meninos pobres, continuam sendo aqueles com fragilidade de apoio em geral, muitos meninos continuam fora da escola, então as vezes o menino é até matriculado por conta dos programas de bolsa e tal, mas eles não frequentam aquela escola. A escola não está acessível a este adolescente, acessível que eu falo é assim, com recursos suficientes pra ser atrativa para os adolescentes. Es35 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações pecialmente os meninos que têm envolvimento com drogas, esse não é o aluno que é ‘bem querido’ ou bem recebido na escola. Eu não vejo mudança não, os meninos continuam analfabetos na grande maioria das vezes.” (Juiz/a) 8.1 Aspectos do sistema socioeducativo que ferem a doutrina de proteção integral Garotas se queixaram da falta de ou pouca roupa que têm para usar, principalmente em unidades nas quais é obrigatório o uso de uniforme. Nesses locais, muitas vezes, os uniformes giram entre as garotas, em sistema de rodízio, e elas acabam não tendo uma roupa pessoal, só delas, com exceção das peças íntimas: “Os uniformes estão muito velhos, tá manchado, tá rasgado.” “Roupas não tem à vontade, só o uniforme da casa. São três uniformes, lavo lá dentro e estende.” “Não existe troca de roupa todos os dias. Às vezes, passamos até três dias com a mesma roupa. Não existe número suficiente de calcinha, dão uma calcinha e um sutiã.” “Não tem roupa pessoal, fica três dias com a mesma roupa, depois ela é trocada. De pessoal só calcinha e sutiã.” “Tenho três calcinhas, uma ganhei da unidade e as outras duas de uma amiga, a mãe dela trouxe.” “Tenho três, quatro calcinhas e preciso de mais, menstruo direto e mancha, sabe? A família não pode trazer, são só as roupas da fundação.” A falta de roupas próprias repercute negativamente na auto-estima das garotas e consequentemente no próprio processo socioeducativo, dado que contribui para a não expressão, apagamento das individualidades. Em algumas unidades essa situação é agravada pelo fato de as garotas não terem acesso a espelhos. Uma das garotas entrevistadas disse que elas e as outras internas só veem o próprio rosto quando fazem faxina no banheiro dos funcionários, que tem espelho, 36 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações “Aí a gente dá aquela olhadinha rápida, mas e só.” “Uma fica vigiando enquanto a outra se olha no espelho. Para o funcionário não pegar.” As garotas entrevistadas referiram outras situações constrangedoras por que passam no cotidiano das unidades socioeducativas, entre elas a “revista íntima”, “Toda vez que entra na unidade, tira toda a roupa, ‘abaixa e sopra’.” Segundo as garotas a “revista íntima” também seria realizada em familiares, inclusive em crianças, por ocasião das visitas. Outras referiram o “baculejo” ou “pagar canguru” que consiste em ficar nua e abaixar o corpo por três vezes seguidas, de frente e de costas, durante uma revista para se procurar eventuais objetos escondidos em algum orifício do corpo. Sobre essa prática as garotas disseram: “É muito humilhante.” “Tipo, dentro da sala de aula, se sumir um lápis, uma borracha, a sala inteira paga canguru. Tem que tirar a roupa e agachar três vezes, pra ver se não escondeu.” Sobre o sumiço dos objetos a garota acrescentou: “Aí quando vai procurar direitinho está enfiado dentro do armário, foi colocado dentro da caixa de revistas.” Fala de outras garotas, “A gente paga revista todo dia, isso é ruim porque não tem tanta necessidade de pagar tanta revista. Tira toda roupa, agacha 3 vezes de frente, 3 vezes de costas, todo dia, quando tem aula. Sai do curso, paga revista, tem curso de noite, paga revista. No esporte, não, mas na aula de pintura, que tem material, paga revista. Nunca vi aparecer nada, na turma que eu vou pagar revista, nunca vi. Já sumiu lápis, mas sempre depois aparece em carteira.” “Sumiu ou não, todo dia tem que pagar. Tipo faz um paredão com todo 37 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações mundo. Se está menstruada, não paga, você abaixa, mostra o absorvente, daí veste a roupa e vai.” Algumas garotas mencionaram violências, provocações por parte de funcionários, geralmente homens, que segundo elas, agem com muito rigor: “O que não é bom aqui são as regras, eles pegam muito no pé. Tem funcionário que fica provocando a gente pra gente perder a cabeça. Não são todos, mas tem.” Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Os conflitos e violências demonstram urgente necessidade de revisão do regime disciplinar, das sanções disciplinares das unidades socioeducativas, principalmente aquelas que impliquem em “tratamento cruel, desumano e degradante, assim como qualquer tipo de sanção coletiva”, conforme consta no subitem 8, letra b) do item 4.2.3. Entidades de Atendimento (BRASIL, 2010, p. 37), e que encontra respaldo no Art. 124, item V, da Secão VII do ECA, que trata da internação, ou seja, é um direito “do adolescente privado de liberdade ... ser tratado com respeito e dignidade” (BRASIL, 2011, p. 106). “Alguns são muito rígidos, os homens mais que as mulheres. Muito chato, parece que não entendem a gente.” 9. O quê o Projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei encontrou “Quando a gente fica nervosa, chuta a porta, briga com adolescente, eles algemam a gente e levam lá pra baixo, fica o dia inteiro algemada. A gente apanha, eles machucam a gente.” “No domingo mesmo as meninas ficaram o dia todo formadas, sentadas na quadra, com as pernas cruzadas.” “Não pode conversar na hora do almoço.” “É que eles gostam de ser rigorosos.” “Aqui ele é o pai, todo mundo respeita ele. Ele bate, ele quer ser o que não é aqui dentro.” “...é muito rígido, tem gente que fica na contenção 15 dias, é ali naquele quarto vazio, não tem nada dentro dele, é aquele quarto lá, hoje tem uma menina ali, não sei porque. Só tem dois colchões.” Conflitos entre socioeducadores/as e garotas foi relatado também por Assis e Constantino (2001). Pra essas autoras, “A dificuldade dos agentes em aceitar os revides carregados de revolta das meninas às menores frustrações é um dos pontos mais delicados dessa relação. Dependendo do grau de sensibilidade do agente, situações corriqueiras viram um problema institucional” (p. 209). 38 M iriam Ventura, no artigo Saúde feminina e o pleno exercício da sexualidade e dos direitos reprodutivos (2011, p. 310), comenta as dimensões individuais e sociais dos direitos sexuais e reprodutivos. Em relação às primeiras, têm relevância para este projeto as referências da autora sobre (i) o direito à privacidade e à intimidade, e (ii) o direito à igualdade, a não ser discriminado e à diferença. Ainda de acordo com a autora, na dimensão social encontra-se (iii) o direito à informação, educação, aquisição de competências e demais meios e métodos para as pessoas tomarem decisões sobre sua vida sexual e reprodutiva (incluindo o acesso a métodos contraceptivos, à assistência ginecológica e à prevenção do câncer e das DST, aids e hepatites virais). 9.1 Direito à intimidade – a política pública da visita íntima No Brasil a politica pública da visita íntima para adolescentes em conflito com a lei e cumprindo medida socioeducativa de internação foi sancionada pela Lei no. 12.594, de 18/1/2012 (publicada em 19/1/2012 e retificada em 20/1/2012). Essa lei entrou em vigor após três meses da data de publicação. O artigo que trata exclusivamente do direito à visita íntima e os critérios de elegibilidade a ela é o Art. 68, pelo qual “É assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável o direito à visita íntima”, havendo obrigatoriedade de o visitante ser identificado e registrado pela direção do programa de atendimento, que emitirá documento de identificação, pessoal e intransferível, específico para a realização da visita íntima. 39 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Antes mesmo da aprovação da lei, houve gestoras/es que se inspiraram no documento do SINASE (BRASIL, 2006) para instituir a visita íntima ou manifestar alguma intenção nesse sentido, a exemplo de Alagoas, Pernambuco, e Bahia (entre os estados visitados). Em Alagoas, a visita íntima estava liberada no sistema socioeducativo, segundo um/a gestor/a, desde 2004. Nesses anos todos, somente uma garota teve acesso ao exercício desse direito. O mesmo não ocorre em relação aos garotos. Segundo um/a técnico/a, cerca de 40 garotos (correspondendo a 25% do total de garotos que cumpriam medida na ocasião da visita) tinham direito à visita íntima. Quando se perguntou o motivo de as garotas não exercerem esse direito, foi dito que: “As meninas não recebem, assim... Elas têm direitos, o que ocorre é que normalmente o companheiro abandona, por isso que elas não têm a visita. Nos últimos 7 anos, nós só tivemos um caso de menina que recebeu visita íntima na unidade. Normalmente o companheiro que ela tinha lá fora a abandona. Quando tem companheiro fixo elas são abandonadas. Só houve um caso de uma menina, ainda no tempo em que elas ficavam aqui no espaço destinado aos garotos de 12 a 14 anos.”7 De acordo com o relato de um/a gestor/a, “Nós aqui não temos um lugar específico para a visita íntima dos adolescentes masculinos. Quem recebe visita íntima fica no alojamento, e quem recebe a visita social, que é a visita da família, vai fazer atividade externamente, na área de convivência, no pátio. Isso foi combinado entre os garotos e eles dividem isso muito bem. Como cada alojamento tem dois quartos, então fica um por quarto. É uma coisa que eles respeitam muito, a visita. Aquele que não respeitar eles cobram depois. Então, até os próprios funcionários no período da visita não podem olhar pra esposa de ninguém, tem que ter muito respeito. Essa história de ‘homem pegando’ não pode, eles têm uma regra muito própria, não pode deixar nada, cueca estendida no dia da visita, eles lavam, mas não pode estender fora, não pode ficar à mostra. É tudo, eles são cheios de regras, assim 7 Em Porto Alegre, um/a participante da equipe técnica que havia visitado um presídio feminino com duas salas de visita íntima referiu ter perguntado “como é que vocês conseguem, com duas salinhas só?” ao que lhe responderam “tem semana que nem são usadas, porque os companheiros não vêm visitá-las”. 40 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações pra proteger a visita. Existe uma regra entre eles muito concreta. Se existe uma coisa que funciona como regra na unidade é o respeito à visita íntima.” Sobre o parecer do CNJ, criticando a visita íntima nessa unidade, no alojamento, sem local separado, o/a gestor/a comentou: “Eu não concordo com o lugar separado porque nós tivemos uma experiência na unidade de jovens adultos em que tinha um lugar separado, e as companheiras se sentiam constrangidas porque era aquele local, o espaço era dividido em quartos, tinha banheiro. Os internos iam antes para lá, preparavam o lugar para recebê-las. Só que quando elas chegavam na unidade, o pessoal sabia que o tempo que elas passavam lá elas estavam com o companheiro, tendo relação com ele. E as meninas se sentiam constrangidas e reclamavam com a equipe técnica, na época. Nesse período no qual a visita íntima se realizava em local separado, como era um espaço único, um local especifico, tinha que dividir o espaço entre os meninos. Isso causou constrangimento, ficava, sabe, ficava brincadeira, ironia dos companheiros com eles, isso causou problema. Eles reclamaram, reclamaram tanto que a gente, mesmo tendo aquele espaço, acabou voltando para o alojamento. Eles mesmo começaram a negar o espaço. Agora que o local da visita é no próprio alojamento, as companheiras que vêm para a visita não reclamam porque elas ficam determinado momento, mas depois elas saem, interagem, fica mais discreto.” Essa experiência nas unidades masculinas foi absorvida pela Portaria No 14/11, de 22 de Julho de 2011, da 1ª Vara da Infância e da Juventude de Alagoas. Essa portaria regulamenta o direito à visita íntima, assegurando-o para maiores de 15 anos, desde que, em qualquer hipótese, manifeste tal intenção perante a gerência da respectiva unidade, considerando situações tais como: comprovação de vida marital ou com relacionamento sólido, autorização de familiares ou responsáveis. Para maiores de 18 anos, a autorização de familiares ou responsáveis é dispensada. A unidade deve obrigatoriamente inserir as/os internas/os cadastradas/os em programas sistemáticos de educação sexual, fornecer preservativo, métodos anticoncepcionais, exames laboratoriais, sempre com a participação do casal e sem prejuízo dos demais adolescentes e jovens na unidade. A visita íntima, consoante o Art. 4 dessa portaria estadual, ocorrerá nos alojamentos, com a garantia do direito 41 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações à privacidade, sem necessidade de haver quarto separado. Na Bahia, de acordo com um juiz/a, “(...) em 2006 a diretora que estava na gestão da CASE CIA, inicialmente pensou em fazer um quarto de visita íntima, o SINASE já tinha determinado esse ponto, se falou que ia implantar, mas como se falou que teria que ter regras (porque apesar de ser um direito do adolescente não se pode fazer de forma desordenada) até hoje não foi implementada a visita íntima. Porque muitas têm companheiro, muitas têm filhos; essa diretora sempre falava que teria que falar com o juiz, que teria que ver como é que ia ser, então foi sempre esse ‘teria teria teria’ e acabou que nunca houve.” Em Salvador, a equipe do projeto teve acesso a um documento, de 2008. Tratava-se de uma representação apresentada à promotora que elaborava o documento a ser enviado ao juiz, para solicitar uma série de mudanças e apresentar recomendações para a reforma do prédio. A última das propostas recomendadas, com prioridade C (a menor delas) era a construção de espaço para encontro íntimo do adolescente, para atender a “necessidade fisiológica e afetiva dos adolescentes que já constituíram família e garantir ao adolescente o convívio familiar”, com base no SINASE, na Portaria do Ministério da Saúde No 340/2004 e na Portaria Interministerial MS/SEDH/SEPM No 1.426/2004. Em Salvador, um/a operador/a de direito declarou que, “Se é algo que o SINASE implantou, é um direito dos adolescentes (...), porque o direito da visita íntima é o SINASE que traz, e um direito que está pelo SINASE você acaba postergando, deixando isso pra ser avaliado depois, embora seja algo que deve ser tratado com a mesma deferência que os outros.” Os avanços (ou quase) nesses três estados se fazem acompanhar por algumas reticências que transparecem (i) na aceitação de uma demanda supostamente baixa para a visita íntima nas unidades femininas, (ii) na baixa prioridade dada aos direitos reprodutivos e direitos sexuais como direitos humanos, (iii) nas dificuldades em matéria de espaço físico na unidade, argumento este que se sobrepõe aos demais e que foi assinalado em todas as unidades visitadas, especialmente nas femininas (nestas, funciona como impeditivo). Essas reticências merecem ser problematizadas, ao lado de outras que serão abordadas posteriormente. 42 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Sobre a demanda supostamente baixa para a visita íntima nas unidades femininas, pergunta-se que ações têm sido conduzidas de modo socialmente articulado para se reverter a assimetria de gênero nas relações entre mulheres e homens? Análises antropológicas e sociológicas mais recentes dão conta de que não existe uma essência do gênero feminino, de que este, assim como a própria biologia, são construídos socialmente, consoante os interesses de alguns/algumas e omissões de outros/as. Não é simples responder à questão do porquê as mulheres tendem a continuar visitando seus parceiros em situação de privação de liberdade, o mesmo não acontecendo na situação inversa. Esta é uma questão que mereceria um estudo mais aprofundado, seja entre mulheres adultas ou jovens. “Tem um tempo que convivo com as medidas socioeducativas e quando é pra UNEI masculina, a tentativa pra visita íntima é mais tranquila, a tentativa, não estou dizendo a implantação. Eles falam que os meninos precisam da visita íntima pra ficar calmos, como se as meninas não tivessem, entende, a sexualidade é desconsiderada do ponto de vista da vida saudável. Menino precisa de sexo, menina não precisa.” (Mato Grosso do Sul). Nas palavras de algumas garotas internadas, “Seria bom receber visita do namorado. Tem menina que se relaciona com mulher por falta do namorado.” (Pará) “Bem que eu gostaria de ter direito à visita íntima, eu queria muito ter visita íntima, mas assim, né, eu não sei porque não tem. Eu não entendo porque não tem.” (Alagoas) “Ninguém na unidade feminina recebe visita de namorado ou marido. Acho que bem que elas queriam (risos), mas acho que não deixam porque somos menor.” (Pará) Quanto à baixa prioridade dada aos direitos reprodutivos e direitos sexuais, é fato que estes pertencem a uma “geração de direitos mais jovem”, no entanto, nem por isso menos relevante. Muitos fenômenos que ganharam visibilidade recente – a violência contra a mulher, a homofobia, a mortalidade e a morbidade maternas por aborto inseguro, a expansão do HIV entre as mulheres e entre as pessoas 43 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações pertencentes à faixa etária situada no início da vida sexual e reprodutiva etc. – estão associados a fatores diversos, sociais e culturais, entre os quais se encontra a violação dos direitos reprodutivos e direitos sexuais. Com relação ao “espaço físico” para a visita íntima para as garotas, foi referido como problema em todos os estados visitados. Para muitos/as profissionais e garotas internadas, não há estrutura física para implantar visita íntima a médio ou longo prazo. Nas palavras de algumas jovens internadas, “Eu acho que a casa não oferece condições para ter visita íntima, olhe só a situação, aqui são três quartos e nos três quartos mal cabem um beliche e também aquele quarto ali é para a tranca, então aonde você ia ter?” (Alagoas) “Não há visita íntima aqui na UIF porque, rapaz, a estrutura física daqui não tem acesso a esse tipo de visita.” (Alagoas) Ao se referirem ao espaço físico como imperativo para a realização/implantação da visita íntima, o discurso de juízes/as, promotoras/es, profissionais do sistema socioeducativo muitas vezes camufla questões muito mais sérias, tais como a invisibilidade dos direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens, principalmente de garotas; a extensão desses direitos às relações homoafetivas; a imobilidade para enfrentar as mudanças necessárias. No Pará, “Não é possível implementar visita íntima com a estrutura atual. Foi muito bom a visita do projeto para poder falar desses assuntos, para influenciar esse olhar. Amanhã, quando eu for visitar a nova unidade masculina, já vou observar até se existe sala para visita íntima. Nunca pensei no assunto.” Em Salvador, “Você tem lá quase 280 jovens, você vai aplicar a visita íntima, que até já deveria estar sendo implantado, porque tem condições de fazer até porque o quarto já existe, já fui nesse quartinho no lado de fora, disseram que era pra fazer a visita íntima, mas até hoje não foi regulamentado, até porque é um assunto difícil, falar sobre esse direito, da sexualidade, porque quando você atravessar essa discussão, você terá que garantir ao adolescente homossexual a sua visita íntima, não é? Você dá direito sim a ele, e como vai ser trabalhado isso? Mesmo porque até o corpo técnico da CASE Salvador, diante de tantos problemas que 44 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações eles enfrentam, de atendimento, e ainda ter que lidar com essa situação de visita íntima que tem que ser bem preparada, você tem que trabalhar o direito à sexualidade, a questão da... da... de trabalhar essa questão da prevenção, a questão da gravidez, porque os meninos chegam aqui falando ‘a minha esposa, a minha mulher’, ‘o meu filho’, então você hoje tem esse cenário, há cinco anos atrás você não ouvia isso com tanta constância, e hoje é comum, ‘eu tenho companheira, eu já tenho filhos’ então tem esse direito, e acho que o Ministério Público tem que ter um certo empenho, já que é fiscal de toda unidade...” Em Porto Alegre, “Mas acho que a provocação que vocês {da ECOS} fazem é absolutamente pertinente, é importante que o sistema comece a pensar isso, principalmente quando a gente pensa que as futuras unidades, por conta do SINASE, vão ter que ter espaço pra visita íntima. Vi no Espírito Santo duas unidades novinhas em folha com espaço para visita íntima e que não acontece porque a unidade não sabe como fazer!” Em todos os estados, à exceção de Alagoas, quando se perguntava para o grupo de entrevistados/as como estava a discussão na unidade sobre a política pública da visita íntima, várias pessoas respondiam que essa discussão não existia. No Pará, um/a juiz/a disse que “A visita íntima nunca entrou em pauta de discussão, nunca chegamos até aí. Com a visita de vocês, o assunto pode começar a ser trabalhado”. Acrescentou ainda que “se fosse um debate costumeiro, com certeza a defensoria pública estaria envolvida”. Em Mato Grosso do Sul, “Dentro da unidade, não, às vezes tem algum seminário, aí tem o grupo a favor e o do contra”, disse um/a participante da equipe, que continuou dizendo que “eu, por exemplo, nunca participei de uma discussão só sobre isso dentro de uma UNEI, nunca participei, mas quando tem um seminário nacional, estadual pra todo mundo da saúde, da educação, da medida socioeducativa, se joga a questão”. Em Porto Alegre, nas palavras de um/a operador/a de direito, “O sistema do Rio Grande do Sul não trabalha com visita íntima, o programa estadual não contempla isso e nenhuma das unidades tem”. Em São Paulo, um/a participante da equipe técnica, por sua vez, reconhece 45 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações que “a gente precisa começar a tratar desse assunto, sim, nós ainda praticamente nem engatinhando estamos, talvez este agora seja o momento da gente começar a pensar, porque não é um assunto fácil de lidar”. Resistências de alguns profissionais ao direito à visita íntima, ainda que esta seja uma política pública, apareceram através de relatos enfáticos, alguns com visões conservadoras – mesmo preconceituosas – da sexualidade na adolescência, em especial no caso de garotas cumprindo medida. Trouxeram também a perspectiva prisional, do discurso sanitarista preventista. Esses relatos são úteis para fornecer pontos para reflexões sobre como e que itinerários percorrer em direção ao respeito aos direitos sexuais, particularmente no que se refere ao exercício da sexualidade na adolescência, “A menina está cumprindo medida porque é bandida, é vagabunda.” “Como é que a menina vai receber a visita do namorado se ela está cumprindo medida?” (Pará) “Não acho que se esteja preparada, ainda mais numa casa feminina, para se implantar a visita íntima; não vai ter como controlar nem obrigar, por exemplo, o uso de preservativo, aquela coisa toda, porque ninguém vai ficar junto olhando.” (São Paulo) Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações seria a muito longo prazo, primeiro devia se investir mais nesse sentido que falei porque senão a coisa vai se perder, e ao invés da gente solucionar um problema a gente criaria mais um.” (São Paulo) “Não comporta visita íntima dentro da unidade, não é o lugar, não é o ambiente. A menina tem que sair da unidade, tem que passar o fim de semana em casa.” (Mato Grosso do Sul) “Sim, têm uma vida sexual ativa, mas é totalmente conturbada, como se pusessem a carroça na frente dos bois, elas entram aqui sem nenhum tipo de educação, principalmente em relação a essa vida sexual ativa. Aqui elas vão começar a ser educadas e garantir todos os direitos que são possíveis, mas essas questões ainda não são possíveis pra nós. É uma questão a se pensar? É uma questão a se pensar, mas neste momento ainda, pela estrutura que estamos vivenciando no estado...” (Mato Grosso do Sul) “E agora com a experiência que a gente tem aqui, a visita íntima eu particularmente sou contra, mas o trabalho em cima das adolescentes com educação sexual, isso sim eu acho que dá pra ter um aprofundamento mais sério, uma discussão em cima disso.” (Mato Grosso do Sul) “As garotas engravidam, precisa ver bem com o juiz.” (Pernambuco) “Ai, a gente vai ter que ficar ouvindo gemidos?” (Mato Grosso do Sul) “Eu acho uma situação bem complicada a instituição de uma visita íntima nas casas femininas da FUNASE... Se a gente acha que não deveria ocorrer uma relação com uma idade tão baixa, pela idade, o organismo do ponto de vista ginecológico não está amadurecido ainda, seria um contra-senso a gente permitir uma visita íntima.” (Pernambuco) “O índice de reprodução no caso da maternidade na adolescência está muito alto e as meninas não estão tendo de forma nenhuma consciência disso, então acabam gerando novas crianças que vão receber a mesma educação que elas e vão ... praticamente ser futuras ... muitas delas, umas vão dar sorte, muitas delas vão ser futuras infratoras, por que? Pela falta da orientação, pela falta da estrutura familiar. (...) eu acho que pode vir a ter esse direito, mas 46 9.1.1 Caminhos possíveis, porém difíceis A Lei No 12.594/2012 contém várias limitações, o que não elimina o fato de que ela indica alguns caminhos possíveis para se começar a respeitar e a implementar o direito da visita íntima de adolescentes cumprindo medida socioeducativa de internação como uma politica pública. Uma das limitações da lei refere-se à comprovação da união estável, mas a lei não fala como a comprovação deve ser feita, abrindo brechas para interpretações mais restritivas tais como as que o Estado de São Paulo estaria adotando, segundo matéria publicada no Caderno Cotidiano, página C3, do jornal Folha de São Paulo de 9 de maio de 2012. Na matéria intitulada “São Paulo define regras para jovem infrator ter visi47 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações ta íntima”, a presidente da Fundação Casa afirmou que “A lei [federal] fala casamento ou união estável comprovada e nós entendemos que essa união deve ser provada nos termos da lei”. Ainda na mesma matéria, as críticas vindas do desembargador da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça Paulista e do coordenador da Infância e da Juventude da Defensoria Publica apontam que as exigências inviabilizam o benefício. O segundo se pergunta: “Que adolescente tem contrato de união estável? É uma parte irrisória”. O desembargador sugere que “As exigências deveriam ser entrevistas e palestras com educadores, assistentes sociais e psicólogos, falando das cautelas”. Ele defende inclusive a medida para namorados. Um aspecto importante para a implementação da política pública da visita íntima, diz respeito à formação de recursos humanos, conforme disposto no item IV do Art. 11 do Capítulo IV da Lei No 12.594/2012. Tal aspecto também foi citado praticamente em todas as unidades visitadas, ainda que apontassem enormes dificuldades para se vencer os preconceitos de boa parte do corpo funcional, “Não adianta falar da visita íntima para adolescentes, tem que chegar antes ao corpo de funcionários.” (Mato Grosso do Sul) “(...) o agente educador não está interessado nesse tipo de formação, ele não dá importância para essas prioridades, parece que ele pensa que o trabalho aqui é só um trabalho mecânico, trazer adolescente, levar adolescente, mas receber informações importantes como as dos direitos reprodutivos e direitos sexuais, da visita íntima, eles não acham importante.” (Mato Grosso do Sul) “Mas, pensando no futuro, quando a visita íntima for implantada, veremos o tamanho do problema. Não teremos uma solução a médio/longo prazo, até porque temos a questão dos funcionários no geral. Parte da gente, dos funcionários, tem pessoas que não estão capacitadas em sexualidade do adolescente e não vão mudar seu pensamento. Elas vão se aposentar e vão rir do menino que foi exposto sexualmente e não vão admitir o uso da camisinha.” (Rio Grande do Sul) Quanto às reflexões sobre “como fazer” para inserir a visita íntima nos ambientes de atendimento socioeducativo fechado, um/a operador/a de direito disse que as questões todas relativas ao sistema são bastante complexas, pois envolvem o 48 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações governo do estado, o poder judiciário, a família das garotas e que existe pouca interlocução entre esses sistemas que deveriam estar juntos. Ele/a considera que o problema deveria ser colocado e chamados todos os elementos para conversar, tendo em vista a definição de uma política de Estado e que deveriam ser pensadas estratégias que cheguem a todo o sistema, principalmente aos juízes, promotores, defensores públicos - para que os direitos sejam garantidos de fato. Nessa direção, pressupõem-se constantes diálogos “multiprofissionais” (NETO, 2011) e com a participação das/os adolescentes e jovens em situação de internação e internação provisória. Esses diálogos deveriam permitir que se supere o silêncio sobre a sexualidade na adolescência em assuntos que não se restrinjam à temática materno-infantil e à da doença. 9.1.2 Reflexos da visita íntima no dia-a-dia Em Alagoas, o/a gestor/a comentou que “os meninos que não recebem visita íntima têm um comportamento mais agressivo. A visita facilita o trabalho socio-educativo, o dia da visita é um dia esperado” . A fala a seguir, apesar de retratar a manutenção de estereótipos de gênero por parte do/a profissional que a enunciou, traz outros aspectos positivos da visita íntima, que repercutem até mesmo na própria ocupação do espaço, gerando novos sentidos em relação aos cuidados consigo mesmo, com o outro, com o ambiente: “Na sexta-feira eles estão parecendo todos donas de casa: vassoura, balde, tudo, limpam, lavam lençol, lavam tudo que tiver pra deixar tudo bem arrumado e perfumado. Eles fazem faxina no alojamento, eles limpam tudo, eles preparam a casa e se preparam para receber a companheira. É curioso, mas é muito interessante.” Em Salvador, para um/a operador/a de direito, “É importante a visita íntima porque se terá algo mais integral, porque se você trabalha bem a sexualidade você vai ter uma medida melhor cumprida porque o ser humano vai estar mais equilibrado no sentido da sua satisfação com você mesmo, porque realmente ter uma companheira que mora em Itabuna e que quando vem não tem o direito à visita íntima, é algo que... e o presídio já garante há muito tempo [para pessoas adultas, homens e mulheres].” 49 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações 9.2 Direito à igualdade, a não ser discriminado e à diferença – Homoafetividade O estudo ora relatado encontrou nas unidades femininas visitadas diversas situações relativas ao tema da não discriminação por orientação sexual homoafetiva, referida no Art. 35, inciso VIII, da Lei 12.594/2012. Esse artigo versa sobre a não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status. O termo “orientação sexual” adotado neste documento baseia-se na nomenclatura difundida pelo movimento social de lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis – LGBT. Parte-se do suposto de que são reconhecidos três tipos de orientação sexual – a heterossexual, a homossexual e a bissexual – que não são consideradas como “opção sexual” uma vez que independem de uma escolha racional que a noção de “opção” contém. É de ressaltar que, no sentido aqui adotado, o termo “orientação sexual” não é sinônimo de “educação sexual”, ou “educação em sexualidade”, como acontece em diversas publicações e discursos, inclusive de algumas pessoas entrevistadas no âmbito deste projeto. Por exemplo, no documento do SINASE (BRASIL, 2006), no Eixo 6.3.6 – Abordagem familiar e comunitária, especificamente no parâmetro da gestão pedagógica ao atendimento socioeducativo, o termo é utilizado no sentido de “educação sexual / em sexualidade” (p.75), e não no sentido adotado pela comunidade LGBT, por sinal referido em diversas páginas anteriores nessa mesma publicação8. Cumpre lembrar, ainda, que se recorre à noção de homoafetividade de modo a incluir a dimensão dos sentimentos que o discurso dominante e normalizador da sexualidade costuma associar apenas à orientação sexual heterossexual como uma espécie de artifício que concorre para desvalorizar, desrespeitar e mesmo condenar as orientações sexuais homo e bissexuais. Nas relações sociais cotidianas, é raro se ouvir perguntas sobre a “causa” da heterossexualidade, ao contrário do que costuma ocorrer quando a questão é a homossexualidade. Os esforços para tentar “explicar de onde vem”, qual a “causa” da homossexualidade, se potencializam em instituições de internação, tal qual se percebe nas entrevistas realizadas ao longo do estudo. As visões que, todavia, carregam valores conservadores quanto às relações de 8 Precisamente pp. 26, 55, 60, 63, 68 e 73. 50 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações gênero se refletem em práticas discriminatórias quando o assunto são as relações homoafetivas entre as adolescentes e jovens com medida de internação ou internação provisória. No Brasil, ainda é intensa a fobia a pessoas da comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) ou suspeitas de pertencer a ela, mesmo com todas as conquistas já alcançadas em matéria de direitos humanos. Portanto, não causa espanto encontrar, no sistema socioeducativo, entre profissionais e adolescentes e jovens, atitudes e práticas que não respeitam outra orientação sexual que não a imposta pela norma heterossexual dominante. Para o conjunto de profissionais que deram entrevistas, as unidades não possuem uma política de como abordar a homoafetividade. Entretanto, a omissão é, em si, uma política que, aliás, pode repercutir no tempo de permanência na unidade. Embora as e os profissionais que participaram do estudo tenham dito que respeitam a orientação homoafetiva, reconhecem a dificuldade de lidar com situações conflituosas cuja emergência atribuem à homossexualidade. Em todos os estados, existem resistências quanto a relacionamentos homoafetivos entre garotas. Entretanto, foram encontradas iniciativas que procuram lidar melhor com a questão, para respeitar os ditames legais estabelecidos no SINASE, de um lado, e de outro o enfrentamento de seus próprios preconceitos diante das recentes conquistas no campo dos direitos das pessoas LGBT. De acordo com as falas de profissionais e de juizes/as e promotores/as, ainda não se dispõe de estratégias e diretrizes que orientem o “como fazer” diante de situações de homoafetividade nas unidades socioeducativas. Em um dos estados, diante do preconceito por parte de funcionários/as, decidiu-se começar a “debater, trabalhar a questão” trazendo pessoas da área dos direitos humanos LGBT para dialogar com a equipe técnica. Um/a gestor/a comentou um caso, de funcionário que chegou a ser suspenso por ter destratado um adolescente internado na unidade masculina, declaradamente de orientação homoafetiva. O funcionário não foi demitido porque “ele reconheceu o erro e pediu desculpas ao menino”. “Então a gente tem trabalhado no sentido de coibir e também de orientar, buscar orientar o pessoal no tratamento com os meninos, de saber dar a liberdade que eles têm que ter.” (Bahia) 51 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Os/as profissionais sustentam também a necessidade de “trabalhar” com as garotas porque, segundo eles/as, as relações homoafetivas são geradoras de brigas, discórdias devido ao ciúme, e acreditam que se não intervirem as garotas acabam “fazendo loucura”. Nessas situações, participantes da equipe técnica de uma unidade, procuram “conversar, aconselhar” as garotas, pedindo-lhes para que não participem de brigas e para ficarem atentas quanto às situações que sinalizem no sentido da parceira/namorada “estar tirando algum proveito da situação”, como por exemplo, fazer a garota executar tarefas em seu lugar - lavar roupas, limpar banheiro, etc: “(...) não fossem as brigas e os ciúmes ... porque elas são passionais demais, extremamente possessivas ... nós não teríamos problema.” (São Paulo) “(...) elas fazem coisas muito malucas, por causa do ciúme, essa dor do ciúme, temos que ajudar ela a suportar essa dor, porque elas ficam cegas, falam ‘eu furo teus olhos, você tem que olhar pra mim e não pra outra porque eu sou tua mulher’.” (São Paulo) “Elas se apaixonam e aí ficam com ciúmes e, às vezes, a gente tem que separar de quarto por conta do ciúme.” (Pernambuco). “(...) elas acabam se violentando, são violências sérias, então nosso problema é a garantia da integridade delas.” (São Paulo) Sobre os conflitos associados ao ciúme nas relações homoafetivas, as garotas comentaram que acontecem, no entanto, relativizaram esses casos: “Às vezes sai briga por ciúme, mas é muito, muito raro, é uma, duas num ano só, muito raro.” (São Paulo) “Tem brigas por outras coisas, não é tanto por isso, é muito raro.” (São Paulo) “Tem briga sim. A partir momento que você vive com mais pessoas, tem desentendimento, sim.” (Mato Grosso do Sul) “Briga porque não se dá bem com a menina do quarto, ou porque vê que a outra tá ciscando no terreno dela, ou por causa de funcionário. Briga feia é difícil.” (São Paulo) 52 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações “Não tem briga, tem muita discussão. Mas briga de se pegar uma com a outra, pelo tempo que estou aqui nunca vi, não.” (Mato Grosso do Sul) No geral, as equipes técnicas das unidades disseram que as relações homoafetivas nesses estabelecimentos são tratadas com “muito respeito”. Segundo uma das equipes, as garotas respeitam as restrições impostas quanto às manifestações homoafetivas não se beijarem, abraçarem, etc durante o dia, nos locais de circulação: “Quando elas descobrem, chamam a gente e orientam para que a gente respeite. Não vão obrigar a gente a não fazer, mas devemos respeitar as pessoas que trabalham aqui.” (Garota cumprindo medida) “Eu costumo ser bastante assediada pelas meninas, mas no momento estou sossegada. Quando dá briga, os funcionários falam que é patifaria, sapataria, é um bando de piva (quem fica com homem e com mulher, lá fora ficava com homem aqui com mulher). Nem todos, mas eles acham que se liberar isso aqui vai virar uma bagunça, não é bem assim, tem um respeito.” (Garota cumprindo medida) No entanto, há falas de garotas que indicam não se tratar apenas de “respeitar funcionários”, mas também de as relações homoafetivas ou suspeitas de, serem vigiadas, controladas, proibidas: “Eu busco ser discreta, não quero ficar mais tempo aqui dentro.” “Vigiam muito na aula, no curso, o que estão conversando.” “Tem menina que vai orar e o funcionário separa as meninas controlando as garotas só de estar de mão dada.” Algumas equipes técnicas costumam pedir “ajuda” para as mães das garotas para lidar com as manifestações homoafetivas. Nesses casos, recomendam que a mãe “Converse com a sua filha” e fazem a mesma orientação para a garota - “Converse com a sua mãe”. Segundo uma das equipes o impacto para a mãe pode ser muito grande: “Tem mãe que saiu de lá aos prantos.” 53 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações “Tem muita mãe aqui que fica abismada quando toma conhecimento que a filha está enveredando por este caminho.” Perguntamos se tal atitude não seria desrespeitosa com a garota, pois ela estaria sendo pressionada a revelar uma situação que talvez ela preferisse não contar. Uma das equipes técnicas respondeu que tal medida se faz necessária porque as garotas aparecem com marcas roxas nos pescoços e a família/mãe da garota poder achar que tais marcas tenham resultado de violência praticada por socioeducadora/r, e nesse caso querer processar a unidade: “As mães quando vêm aqui e vêem as meninas todas cheias de roxo pelo pescoço, dos chupões durante a noite, e a mãe vem dizer que a menina foi espancada por um agente? Como é que a gente pode fazer?” (Pernambuco) “Você pode ter o seu namoro, ela pode se apaixonar por pessoa em qualquer lugar, mas tem a parte física, elas se arrranham, dão chupões, ficam com manchas no corpo e ai a gente conversa: vamos falar com seus pais, porque eles vão chegar aqui e ver isso, e qual a justificativa que a gente vai dar? E aí para esconderem da família dizem que foi um ASE (agente socioeducativo) que fez isso.” (Pernambuco) Outra alegou que esses relacionamentos poderiam “chocar” as famílias, as mães, principalmente de garotas “do interior” e impactar no retorno das garotas para suas casas, “A menina que veio pra cá tinha namoradas, namoradas (acentuou as letras as), a mãe vai vir e ela vai morar com a mãe. Como é que esta mãe está sendo preparada para conviver com as namoradaaaassss, porque ela vai voltar a morar na casa da mãe e não vai poder conviver com as namoradaaasss, ela vai ter que ter namorado, então, em que medida isso também pesa nesse desligamento dessa menina.” (Mato Grosso do Sul) Interrompendo a fala anterior, um/a profissional ponderou: “já teve caso de menina que teve relacionamento homossexual e a gente perguntou para a mãe se ela tinha conhecimento. A mãe não sabia e ela não teve aquele pasmo ‘ai, minha filha’. Não, ela escutou, só houve uma crítica ao homossexualismo (sic)”. Outra equipe técnica citou 54 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações casos de garotas que assumem a relação homoafetiva para a família – ela fala para a mãe que está apaixonada, apresenta a namorada para a mãe no dia de visita. As situações que envolvem comportamentos homoafetivos, supostos ou concretos, têm provocado reações/medidas das mais variadas, desde inabilidade/não saber lidar com a situação, como “tem pessoas que tapam os olhos a isso e isso é muito difícil de ser trabalhado”, a medidas severas de punição por conta das regras vigentes, “em especial as que dizem respeito às relações homoafetivas”, sendo proibido qualquer tipo de contato físico, incluso qualquer manifestação de carinho: “Não pode ter contato fisico, não pode andar de mãos dadas, não pode beijar.” (Garota cumprindo medida) “Não {rola alguma coisa entre as meninas}, porque não pode, é uma das regras, é muito severo, principalmente.” (Garota cumprindo medida) “No banheiro também, não pode tocar uma na outra, aqui é muito severo em relação a isso, não pode fazer nenhum carinho, nem um abraço.” (Garota cumprindo medida) “E uma determinada menina acabou sendo punida com uma advertência e a comissão de disciplina deve ter comunicado o judiciário, porque ela teria entregue um bilhete de uma adolescente pra outra, ela foi o correio e este bilhete era um bilhete com uma declaração homoafetiva. E a unidade não conseguiu lidar com isso.” (Juiz/a) “Temos que lembrar que estamos no sistema de segurança o tempo todo.” (Profissional do sistema socioeducativo) “Não existe perseguição, existe ‘um olhar mais atento com meninas atrevidas’.” (Profissional do sistema socioeducativo) Sobre a rigidez adotada pelo sistema em relação a relacionamentos homo-afetivos, garotas comentaram: “É difícil, é raro, ter alguém na contenção, só quando as gurias brigam ou quando acontece de uma guria ficar com a outra, tu fica ali pra pensar bem no que fez.” 55 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Quando se sabe que as meninas estão ficando, logo elas são separadas. Eu conheço dois casos, um deles teve que ser escondido. Eu mesma faria escondido para não ir pra contenção.” “Já namorei (meninas), mas é uma ilusão, não é isso que eu gosto. É arriscado, fui punida, fui arrastada pra contenção.” Essa rigidez pode até mesmo repercutir a maior no tempo de permanência das adolescentes no sistema socioeducativo, “Nessa situação, recebemos advertência, assinamos um papel que ganha mais três meses de casa.” (Garota cumprindo medida) “Já fiquei com umas aqui, mas se a gente se envolve muito acabo arrastando minha caminhada.” (Garota cumprindo medida) O problema da repercussão na duração da pena devido aos relacionamentos homoafetivos foi analisado por Natália Padovani (2010) na pesquisa que realizou na Penitenciária Feminina da Capital. Seu estudo versou sobre as falas do poder e do prazer sexual, e ela afirma que “as consequência do flagrante desse ‘desrespeito’ sempre foram o castigo e as perdas dos benefícios como visita íntima, escola e trabalho, os quais permitem que as presas obtenham a liberdade mais rapidamente” (PADOVANI, 2010, p.101). Nesse mesmo texto, a pesquisadora comenta outra situação que foi encontrada pelo projeto Promovendo os direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes em conflito com a lei, qual seja, a de caracterizar a homoafetividade como consequência do confinamento. A mais frequente explicação fornecida nas entrevistas com as equipes técnicas, gestores/as, magistradas/os e garotas é a de que as relações homoafetivas ocorrem, menos por desejo e mais pela carência, tentando inclusive “dessexualizar” essas relações. Essa visão, de acordo com Padovani, “significa compactuar com o discurso de serem as mulheres menos desejantes sexualmente que os homens; mais do que isso, significa olhar para a prisão [no nosso caso, as unidades] através da díade dos gêneros derivada, direta e simplesmente, do sexo anatômico” (idem, p. 103). A propósito do uso do termo “sapatão”, “sapataria”, Padovani recorre a Facchini 56 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações para explicar que, embora a origem do termo remonte a um passado, quando foi imposto pelas falas da polícia e das guardas das unidades penais femininas (FACHINNI apud PADOVANI, idem, p. 104), a identidade “sapatão”, instituída pelo poder, “foi cooptada e subvertida pelo discurso das internas. Esta subversão, contudo, terminou por atualizar o mesmo discurso heteronormativo que serviu para patologizar as práticas homossexuais” (PADOVANI, 2008, p. 148). São muitas as adolescentes e jovens entrevistadas que utilizam esses termos – e outros com o mesmo significado. Concordando com Padovani, mas também buscando referências em Foucault (1976), as falas dessas garotas e de membros das equipes técnicas reforçam o discurso dominante da heterossexualidade e heteronormatividade. Sobre como as questões homoafetivas são tratadas, algumas unidades têm mais dificuldades que outras. Houve até mesmo afirmações corajosas, que assumiram a existência do preconceito entre os/as profissionais da unidade, “A visão preconceituosa é mais da gente do que da família.” (Mato Grosso do Sul) “Eu acho delicado nesse sentido, cada pessoa tem sua experiência pessoal, cada funcionário, cada menina tem sua experiência pessoal e cada pessoa tem seus preconceitos em relação a isto ou não.” (Rio Grande do Sul) Os pontos a seguir, extraídos de falas de profissionais e operadores/as de direito, de diferentes estados, atestam o preconceito e o quanto é enorme a dificuldade de se trabalhar questões da sexualidade e da homoafetividade em unidades tanto masculinas como femininas, ainda que haja um desejo/necessidade de se lidar com elas: “Eles têm hoje demandas mais primárias do que essa {sexualidade}.” (Pernambuco) “Eu já estive em ‘n’ reuniões como esta aqui e ah! fulano de tal tá encoxando o outro, tá manipulando o outro e daí o que gente faz? A gente só tem uma única coisa a fazer, se a gente não for trabalhar com isso, é separá-los individualmente para garantir.” (Mato Grosso do Sul) “Neste momento eles não têm gente e nem fôlego técnico pra poder melhorar 57 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações esse olhar. A dificuldade é tanto de trabalhar com o grupo de adolescentes quanto o grupo funcional.” (Pernambuco) “Até que ponto tem situações que são disciplinares e até que ponto essas situações não são disciplinares e é isso que a gente tem visto aqui neste momento.” (Rio Grande do Sul) Encontramos inciativas que buscam melhor compreender o assunto das relações homoafetivas entre as garotas. Algumas entendem que tal questão vai muito além do estabelecimento de regras disciplinares, “Para se discutir toda essa questão da homossexualidade, como lidar com isso, como isso vai ser inserido no programa, como é que a regra vai ser estabelecida, em que parâmetros ela vai ser estabelecida, porque isso não passou desconhecido.” (Juiz/a) “Nós nos preocupamos enquanto judiciário e a unidade também se preocupou, não exclusivamente no sentido de que haja uma repressão à conduta, mas como saber lidar com isso. Se as regras são consideradas rígidas e algumas efetivamente são, essa é uma discussão que tem sido feita do Juizado com a própria unidade.” (Juiz/a) “Isso é uma coisa difícil, então, neste momento a gente tem tentado discutir isso, trazer nas reuniões técnico-administrativas, que tem a direção, a equipe técnica e os chefes de equipe. Tem-se tentado também nas reuniões de microequipe que acontecem mensalmente, são os grupos de cada plantão. As reuniões existem em todos os níveis, em algum momento algum funcionário vai participar de alguma reunião e esse é um assunto que está em pauta, inclusive porque teve situações que foram difíceis de lidar e isso teve muito a ver, sim, com o entendimento diverso de várias pessoas, de vários funcionários na casa.” (Participante da equipe técnica) Um/a participante de uma das equipes técnicas levantou a importância da visão de fora, da atuação das pessoas que trabalham com sexualidade “para que nos ajudem, isso tem que vir de fora. Não adianta eu, fulano/a, falar porque eu vou ter problemas e a gente não consegue”. 58 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações No que diz respeito à visita íntima para relacionamentos homoafetivos, em Alagoas, à pergunta sobre se garotos gays e garotas lésbicas também têm direito a visita íntima, o/a gestor/a do sistema respondeu: “Nunca houve solicitação da parte de jovens gays ... não tem também, normalmente, um companheiro fixo que venha. Eu acredito que a gente nunca teve um requerimento, uma solicitação para uma visita, mas, no meu entendimento, se houver esse requerimento vai ser encarado naturalmente. Pelo menos essa é minha visão técnica, é a minha visão que acho que a equipe deve adotar, é o que eu coloco como orientação para a equipe.” Um aspecto que julgamos importante destacar diz respeito ao fato de qualquer manifestação afetiva, de carinho ser interpretada como homoafetividade: “Não pode tocar uma na outra, aqui é muito severo em relação a isso, não pode fazer nenhum carinho, nem um abraço.” (Garota cumprindo medida) “Eu tô com uma menina aqui só trocando umas idéias e eles começam a falar, a querer separar achando que vai acontecer alguma coisa a mais.” (Garota cumprindo medida) É como se “o fantasma do ‘homossexualismo’ - presente em grande parte do sistema socioeducativo” ou como colocam Assis e Constantino (2001), “Para muitas, porém, é a única maneira de continuar interagindo no plano da afetividade” (p. 11). As autoras acrescentam que esse espaço “é o espaço temido das relações homossexuais, com os quais eles não sabem como lidar” (p.213), referindo-se a técnicos/as e funcionários/as. Entendemos que manifestações de carinho, de amizade, fazem parte de um processo de (re)socialização, ainda mais em se tratando de adolescentes - em plena fase de transformações corporais, hormonais e vivenciando processo de conhecimentos, afirmações -, com trajetórias de carências e abandono, muitas vezes sem referências de carinho, afeto, apoio familiar, por si só constituem condições favoráveis a ocorrência de manifestações afetivas, independentemente da homossexualidade. 59 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações 9.3 Direito à informação sobre métodos contraceptivos, à prevenção do câncer e das DST, AIDS e Hepatites Virais e à assistência ginecológica A publicação intitulada Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SINASE, lançada em 2006 pela Presidência da República/Secretaria Especial dos Direitos Humanos e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), menciona elementos dos direitos reprodutivos e direitos sexuais logo no início do Capítulo 3, sobre Princípios e Marco Legal do Sistema de Atendimento Socioeducativo, ao fazer referência à “Liberdade, solidariedade, justiça social, honestidade, paz, responsabilidade e respeito à diversidade cultural, religiosa, étnico-racial, de gênero e orientação sexual [como] os valores norteadores da construção coletiva dos direitos e responsabilidades” (SINASE, p. 25). Volta a tratar do tema no tópico das diretrizes pedagógicas do atendimento socioeducativo, enunciando que as “questões da diversidade cultural, da igualdade étnico-racial, de gênero, de orientação sexual deverão compor os fundamentos teórico-metodológicos do projeto pedagógico dos programas de atendimento socioeducativo; sendo necessário discutir, conceituar e desenvolver metodologias que promovam a inclusão desses temas, interligando-os às ações de promoção de saúde, educação, cultura, profissionalização e cidadania na execução das medidas socioeducativas, possibilitando práticas mais tolerantes e inclusivas” (idem, p. 49). A Lei 12.594 de 18 de janeiro de 2012 que institui o SINASE regulamenta também a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. O Art. 60, diretriz IV, faz referência à “disponibilização de ações de atenção à saúde sexual e reprodutiva e à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis” como uma das diretrizes da atenção integral à saúde do adolescente no Sistema de Atendimento Socioeducativo. O mesmo artigo, diretriz VI, trata da “capacitação das equipes de saúde e dos profissionais das entidades de atendimento, bem como daqueles que atuam nas unidades de saúde de referência voltadas às especificidades de saúde dessa população e de suas famílias”. Apesar de manter uma redação genérica, não há dúvida de que a Lei 12.594, Art. 60, diretrizes IV e VI, constitui um avanço em relação ao ECA, cujo texto não traz qualquer menção à saúde sexual e reprodutiva (MATTAR, 2008). Em seu artigo Exercício da Sexualidade por Adolescentes em Ambientes de Privação de Liberdade, Laura Davis Mattar pontua que “o ECA nada dispõe sobre sexualidade, paternidade ou maternidade” (p. 70). Em nota de rodapé, Mattar indigna-se e 60 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações afirma que “é grave o fato de os jovens em privação de liberdade não terem previsão de exercício da sexualidade ou reprodução, mas pior do que isso é o ECA negligenciar de modo genérico a sexualidade e a reprodução de adolescentes”. Há que se reconhecer a dimensão histórica dos direitos humanos em geral e do ECA em particular. Nas palavras de Wanderlino Nogueira Neto (2010), no artigo Garantia de direitos, controle social e políticas de atendimento integral da criança e do adolescente: marcos conceituais e normativos dos direitos humanos, “à época da edição do Estatuto, a reflexão sistemática sobre ‘instrumentos e mecanismos de promoção e proteção dos Direitos Humanos’ não tinha alcançado o alto nível que alcançou nos dias de hoje, no Brasil: intuía-se a necessidade de se ‘atender direitos’ (sic – ECA), num esforço para se superar o velho paradigma do ‘atendimento de necessidades’, pelo novo paradigma da ‘garantia de direitos’. Em verdade, a própria discussão sobre a promoção e proteção dos Direitos Humanos dos cidadãos em geral, como mecanismo de efetivação e como política de Estado, ainda era incipiente” (NETO, 2010, p. 41) . Se a Lei no 12.594 representa, em comparação ao ECA, um avanço no tema do direito à saúde reprodutiva e saúde sexual, ela pode ser interpretada um retrocesso em comparação ao documento SINASE (BRASIL, 2006), pelo fato de omitir o termo “direitos reprodutivos e direitos sexuais”, nomeando apenas a saúde sexual e reprodutiva. Diante da pouca especificidade no enunciado da diretriz IV do artigo 60, “disponibilização de ações de atenção à saúde sexual e reprodutiva e à prevenção de doenças sexualmente transmissíveis”, recorre-se à Portaria no 340, de 14 de julho de 2004 e ao SINASE, publicação de 2006, para associar essa diretriz a ações de educação em saúde sexual e reprodutiva e ações de prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DST). Ao regulamentar as ações de Saúde, a Portaria no 340 identifica as ações de assistência à saúde sexual e saúde reprodutiva, especificando que aquelas direcionadas a adolescentes de ambos sexos devem “a) desenvolver práticas educativas que abordem o planejamento familiar, a gravidez na adolescência, a paternidade/ maternidade responsável, a contracepção, e as Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST e Aids; b) distribuir preservativos; e c) orientar quanto aos direitos sexuais e reprodutivos”. No eixo-saúde dos parâmetros socioeducativos do SINASE, no item 6.3.5.1., 61 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações fala-se da necessidade de “desenvolver práticas educativas que promovam a saúde sexual e saúde reprodutiva dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e os seus parceiros, favorecendo a vivência saudável e de forma responsável e segura abordando temas como: planejamento familiar, orientação sexual, gravidez, paternidade, maternidade responsável, contracepção, doenças sexualmente transmissíveis – DST/Aids e orientação quanto aos direitos sexuais e direitos reprodutivos” (BRASIL, 2006, p. 62). 9.3.1 Ações de educação em saúde sexual e reprodutiva Em Pernambuco, um/a profissional da saúde disse que realiza palestras em grupo para as garotas, traz moldes de vulva para mostrar, aborda a questão da anatomia, da higiene, a questão dos métodos contraceptivos, como evitar doenças. A frequência das palestras está associada a determinadas situações vivenciadas nas unidades, por exemplo, na “época do auge da epidemia de gripe H1N1, época da dengue, quando há casos de menina com alguma doença mais séria, tipo HIV”. Nestas palestras são tiradas as dúvidas que as garotas trazem, até porque “A maioria não tem noção mesmo de higiene, como fazer higiene após a evacuação. A gente ensina como é a vagina.” (Profissional da saúde). Do ponto de vista de uma garota entrevistada que está há um ano na internação, ao ser indagada sobre com quem conversa sobre sexualidade na unidade, sua resposta foi “com ninguém”; e sobre atividades relacionadas à educação sexual, sexualidade, prevenção, respondeu: “De vez em quando vem grupo de agente de saúde, as tias conversando com a gente ficam dizendo que precisa se prevenir.” Em São Paulo, de acordo com um/a agente educador/a, as garotas também são informadas9 sobre métodos contraceptivos, inclusive a contracepção de emergência e a injeção: “perguntam se a contracepção de emergência é aborto, então explico que cada um tem seu entendimento, tem que ver o que não vai agredir seus valores; a gente fala da contracepção de emergência, que não é um método contraceptivo, e não podem usar sempre porque senão é promiscuidade (sic)”. No Estado de Alagoas, segundo um/a enfermeiro/a entrevistado/a, algumas garotas trazem contraceptivos quando vêm para a unidade: “Algumas vêm, aí a gente dá continuidade. Elas trazem, né, a medicação, a família traz, porque tudo de Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações medicação fica com a gente na farmácia. E aí quando elas tomam, a gente encaminha lá para a unidade e lá é administrado”. Segundo um/a profissional da saúde do Rio Grande do Sul, as garotas recebem orientação sobre como funcionam os métodos, como usá-los/colocá-los, seja individualmente, durante as consultas médicas, seja coletivamente durante os grupos de discussão semanais, quando o assunto surge em pauta. Nesse estado, os métodos contraceptivos disponibilizados são o oral, injetável, implante hormonal. O oral e o injetável são obtidos na rede pública de saúde e o implante só via judicial e pago pela instituição. Neste caso tem que ter a concordância da garota, de sua mãe e do/a juiz/a. Sobre como são trabalhadas/abordadas, no Rio Grande do Sul, as questões de prevenção às DST/HIV/aids tanto para os garotos como para as garotas, das relações de gênero, orientação sexual, distribuição de preservativos, o acesso a contracepção, um/a profissional da saúde contou que fazem grupos com as garotas onde levam preservativos, pênis de borracha, e conversam sobre uso do preservativo, do anticoncepcional, elas trazem suas experiências. Também durante consulta médica são explicados todos os métodos disponíveis para que elas possam decidir, bem informadas, se querem ou não usar algum método e qual. A equipe de saúde também acompanha a adaptação aos métodos porque elas nem sempre conseguem se ajustar ao uso do comprimido ou do injetável. Nos grupos, elas aprendem a colocar o preservativo, inclusive o preservativo feminino. A equipe técnica do Rio Grande do Sul avalia como muito interessante montar um grupo com as garotas para conversar sobre sexualidade, do uso do preservativo, do uso do anticoncepcional. Consideram essa experiência com o grupo muito rica, porque as garotas falam de suas vivências. Porém, não deixam de lembrar que “a gente não tem é muito tempo, infelizmente, por falta de profissional dentro da unidade” (Participante da equipe técnica/Profissional da saúde). Em Mato Grosso do Sul, sobre se as garotas têm acesso a métodos contraceptivos, a equipe não respondeu objetivamente. Um/a participante da equipe comentou que “o pré-natal é feito, mas o preventivo, até o DIU, falta ainda regulamentar essa integração, articulação com a saúde. Na saúde a gente trabalha pela articulação, mas vai pela simpatia, conhece fulano, conhece sicrano, então sempre se dá um jeitinho.” Ainda que equivocadamente, inclusive com falas que expressam julgamento moral (segundo nosso ponto de vista). 9 62 63 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações 9.3.2 Ações de prevenção das DST, Aids e Hepatites Virais Na legislação brasileira sobre adolescentes cumprindo medida socioeducativa de internação, a distribuição de preservativos como medida de proteção específica para a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, da aids e das hepatites virais é nomeada somente na Portaria Interministerial nº 1.426 e na Portaria nº 340, ambas de 14 de julho de 2004. A distribuição de preservativos com a finalidade de prevenir a ocorrência de agravos à saúde é omitida tanto no SINASE quanto na lei recém aprovada em 18 de janeiro de 2012. De acordo com Jairnilson Paim e Carmen Teixeira (2006), define-se política de saúde como “resposta social (ação ou omissão) de uma organização (como o Estado) diante das condições de saúde dos indivíduos e das populações e seus determinantes, bem como em relação à produção, distribuição, gestão e regulação de bens e serviços que afetam à saúde, inclusive o ambiente” (p. 74). Aproximando-se desses autores, neste documento pressupõe-se que a política de saúde específica para as populações de adolescentes em conflito com a lei e vivendo sob condições de privação de liberdade, no Brasil, não está em conformidade com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (BRASIL, 2011) e os planos e programas de enfrentamento da aids do Departamento Nacional de DST, Aids e Hepatites Virais, do Ministério da Saúde. Esse pressuposto baseia-se nos achados do estudo, haja vista que apenas em uma das unidades visitadas (ou mencionadas pelas pessoas entrevistadas) a distribuição de preservativos ocorre como uma prática regular, ainda assim restrita a garotos com direito à visita íntima. Nas demais, não há essa regularidade, independentemente da existência ou não da visita íntima, ainda que todo o corpo profissional a que se teve acesso reconheça que adolescentes/jovens cumprindo medida de internação, ou em situação de internação provisória, estejam entre as populações mais vulneráveis ao HIV e outras DST, e concorde com a suposta, quase provável, existência de relacionamentos afetivo-sexuais entre os garotos e entre as garotas. Em Alagoas, um/a gestora relatou que “os garotos recebem preservativos, recebem um kit da gerente da promoção da saúde; as profissionais de saúde que cuidam da parte da farmácia visitam as unidades semanalmente e fazem entrega de preservativos para os garotos que têm direito à visita íntima”, “porque eles já tiveram palestras, um acompanhamento antes”; algumas vezes alguns garotos vêm ao Centro de saúde da unidade, procuram o serviço social e solicitam camisinha, mesmo sem 64 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações receber visita íntima. E “como a gente não pode negar, aí eles recebem a orientação da psicóloga ou da assistente social, que são quem distribui para aqueles que não recebem visita íntima”. A propósito da possibilidade de acontecerem interações sexuais entre garotos, o/a gestor/a de uma unidade em Alagoas comentou: “Ocorrem, não adianta a gente querer, e estão tendo relações sexuais sem proteção nenhuma. Teve um período que nós enfrentamos aqui de muitos meninos com DST nessa unidade. Então foi feito um trabalho maciço da equipe de saúde com essa unidade, junto à escola, com o pessoal da saúde, com os técnicos da universidade, pra que fossem tratados os meninos que estavam com DST”. Atualmente não têm aparecido casos de DST nessa unidade, porque “os meninos aprenderam a se cuidar” e aprenderam a pedir preservativo – para pegar o preservativo esses garotos também têm que buscar o serviço social e a psicóloga, pois só pega o preservativo quem passa pela orientação “eles têm orientação em grupo e individual”. Segundo o entendimento de um/a enfermeiro/a, os garotos da internação provisória não pegavam preservativos porque tinham vergonha: “É que eles ficavam com vergonha de vir. Porque como é sabido que lá na UIP eles não tinham visita íntima, então como que ele ia chegar aqui e dizer que eu quero camisinha? Por isso que a gente teve que trabalhar mais com eles. A princípio só vinham procurar gel, só queriam vir atrás do gel; chegavam perguntando tem gelzinho, tem gelzinho? Só queriam o gel e a gente começou a responder que só tinha o gel se fosse usar preservativo. Aí a gente começou a fazer isso e teve um momento que a gente disse: gel não tem hoje, só tem preservativo. Já pra poder incentivar que ele usasse o preservativo. Aí pronto, aí agora, graças a deus eles já se acostumaram.” Quanto à distribuição de preservativos para as garotas, um/a enfermeiro/a comentou que “a unidade ela tem, só que como ela (a garota) não recebe visita íntima, então ela não precisa ficar com a camisinha. Tem aqui as camisinhas, os comprimidos e tal, mas como ela não tem visita íntima, não tem a necessidade de ela usar. Então a gente faz só a conscientização mesmo, em relação ao material elas não têm”. Uma das adolescentes entrevistadas confirmou: “Pra usar aqui dentro? Não, porque ninguém usa, ninguém faz nada aqui dentro”. E acrescentou que só quando elas saem da unidade é que recebem preservativos. 65 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Na Bahia, não há distribuição de preservativos para os/as adolescentes e nem orientação quanto ao uso de métodos contraceptivos, até mesmo como medida pedagógica de preparação para quando sair da unidade. No entanto, foi relatado pelas garotas que há relacionamento sexual entre elas e que as/os educadoras/es têm conhecimento desses relacionamentos, mas mesmo assim a prevenção não é abordada. De acordo com a gerência, há pressão de muitos atores sociais para não fazer valer os direitos sexuais e reprodutivos das e dos adolescentes do CASE, muito embora a unidade se coloque a favor desses direitos, por exemplo, o da expressão da orientação sexual homoafetiva. No Rio Grande do Sul, a equipe técnica contou que as garotas que chegam à unidade fazem exame para detecção do vírus HIV. O exame não é compulsório, mas em geral fazem de boa vontade. À pergunta se são recorrentes casos de HIV entre elas, a resposta de um/a profissional da saúde foi: “Nossa, é maior que a masculina! Nós temos mais portadoras aqui do que nos meninos, proporcionalmente maior. Nós tínhamos uma aqui que fazia o tratamento, mas foi desligada. Outra está com os exames bem organizados, faz o acompanhamento no centro de atendimento que é referência. Tem uma menina que entrou no projeto federal de HPV, de vacina, do Hospital de Clínicas. Não tinha o diagnóstico antes de entrar, a maioria é diagnosticada aqui. A menina recebe o diagnóstico aqui, a médica acompanha, às vezes ela pede que a gente acompanhe quando vai contar pra um familiar e ela conta se quiser, a gente preserva até a menina ter esse momento dela de conversar.” É importante acompanhar o diálogo a seguir entre a equipe do projeto (E) e um/a participante da equipe técnica (PET), para se ter elementos que orientem uma discussão sobre uma realidade cruel, que demonstra omissão e negligência, frente ao exercício da sexualidade praticado clandestinamente, passível de acontecer em qualquer unidade do sistema socioeducativo: PET – A qualidade do preservativo é péssima, o que vem do Ministério é terrível. Eu experimentei pra ver e realmente é uma porcaria. Agora, dentro, tu compra uma briga funcional se tu disponibiliza camisinhas nos dormitórios coletivos. E – E disponibilizam? PET – Não. 66 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações E – Os garotos transam sem proteção? PET – Sim, tá. E – Tem casos de HIV? PET – Sim. Um/a operador/a de direito, na conversa sobre distribuição de preservativo para unidades socioeducativas masculinas, ressaltou que nunca tinha ouvido falar que garotos interagem sexualmente nas unidades e que “é importante a gente saber porque, quando se faz a fiscalização mensal, nós ouvimos 10% da população daquela unidade, esse é o padrão da nossa fiscalização, não tenho como ouvir 128, mas 10% e te confesso que nunca ouvi esse relato. Para mim jamais diriam e muito menos para o promotor. Quem vai fazer essas visitas mensalmente são os técnicos daqui do juizado e dificilmente é o mesmo que vai. Num mês vai o psiquiatra, no outro mês vai a assistente social, no outro mês vai a psicóloga, no outro vai a pedagoga e trazem coisas muito preocupantes. Mas não tinham trazido esse relato!” Em Pernambuco, conversando sobre o mesmo assunto, um/a das/os operadoras/es de direito reagiu da seguinte maneira: “Pelo que eu estou observando, não é só preservativo que está descumprindo direitos humanos e o próprio ECA. Tem menino que chega na medida de internação e quando vem sendo progredido é que se descobre que não tem sequer registro; tem unidade que não tem escova de dentes, é o asseio. É uma luta inglória, volta e meia a gente está conversando com o executivo, na justiça, com a obrigação de fazer e o sistema, infelizmente, às vezes, precisa até de uma inspeção por fora pra funcionar.” No Estado de Mato Grosso do Sul, argumentos como falta de estrutura, ausência de um trabalho sobre prevenção consistente e contínuo (pela rotatividade de adolescentes) na unidade, o despreparo (e a falta de vontade para isso) da imensa maioria dos/as agentes educadores/as no trato das questões relativas à sexualidade, aos direitos sexuais e direitos reprodutivos, o medo de que a distribuição gere uma “onda de violência” nas unidades, bem como as questões morais e religiosas de parte dos/as funcionários/as, são levantados contra a distribuição de preservativos nas unidades, em particular nas masculinas. Aliás, a equipe do projeto foi surpreendida com a sinceridade de um dos/ 67 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações as profissionais, que ocupa posição importante dentro do sistema, em um dos estados visitados, que disse “pode parecer um discurso reacionário, retrógrado, mas eu sou contra a distribuição de preservativos nas unidades masculinas porque nós não temos estrutura pra dar conta disso sem gerar violência. A questão é bem isso: se for distribuído isso sem um trabalho muuuuito bem feito, se nós não estamos dando conta de outras coisas aí de uma forma mais aprofundada, será que a saúde vai dar conta de fazer um trabalho muito bem feito pra não gerar uma onda de violência sexual dentro das unidades?” Observamos que alguns/mas participantes da conversa concordaram com esse ponto de vista. Achamos importante transcrever na íntegra a continuidade da fala acima, pois dá uma dimensão de como conceitos discutíveis, distorcidos; preconceitos e exageros estão presentes e dificultam o exercício de direitos, em especial o direito à proteção e à prevenção, dos/as adolescentes sob tutela do Estado: “Eu penso o seguinte: enquanto unidade socioeducativa, uma das grandes questões que nós trabalhamos com os adolescentes é o controle de impulsos. O impulso sexual também, tu não sai, né, fazendo em qualquer lugar, com qualquer um, queira ou não queira, há que haver concordância entre as partes, um espaço minimamente, não dá pra ser no meio da praça, há que haver um controle de impulsos pra poder estar tendo a prática sexual, a relação sexual, não a prática individual. Eu penso que o exercício da sexualidade é possível sim, mas não dentro da unidade porque nós não temos estrutura, nem de ter um alojamento individual pra garantir, por exemplo, visita íntima, que é uma outra situação, são duas coisas diversas. Nós temos que ter outras soluções porque as unidades de internação não têm que ser totais, nós não temos que oferecer tudo, muito pelo contrário, pelo SINASE, nós temos que garantir a incompletude institucional, nós temos que buscar, e por que não o adolescente ter uma liberação do juiz pra passar o fim de semana com seu companheiro, com sua companheira, né? Que ele vá com a família e namore quem ele quiser e que faça a sua prática sexual de acordo com a sua vontade, o que ele gosta, o que ele curte, não aqui na unidade. Eu não vejo por que, às vezes tenho a impressão que a gente tem que engolir goela abaixo que as coisas têm que ser feitas dentro da unidade, entendeu? Se o nosso papel é estar falando o tempo todo de controle de impulsos, desse menino, dessa menina estar retornando pra sua vida, mais preparado pra lidar com os seus direitos, com os seus deveres, 68 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações por que não incluir a prática sexual nisso aí, né? Se pedir pro juiz, bem fundamentado, gente, ele libera.” Procuramos contrapor a fala anterior com a lei do SINASE, até porque essa pessoa reconhece que há intercurso sexual nas unidades. Se existe intercurso sexual, no nosso ponto de vista existe uma responsabilidade enorme no que se refere a zelar pela saúde sexual de adolescentes e jovens privados/as de liberdade, especialmente no que diz respeito à prevenção às DST/HIV/aids, tendo em vista que se trata de população entre as de maior vulnerabilidade à epidemia de HIV/ aids, e que nosso país tem um Programa Nacional de DST/aids que é referência mundial e uma política pública de distribuição gratuita de preservativos. Além disso, vale destacar que neste estudo foram encontradas três referências a surtos de DST dentro de unidades socioeducativas, duas masculinas e uma feminina: “Houve um caso nesta unidade – quando funcionava em outro lugar – de epidemia de sífilis. Nós já tivemos uma epidemia de gonorréia dentro da unidade feminina, ou seja, nós não podemos negar que essas meninas têm atividades sexuais dentro, umas com as outras.” Um agravante nesse quadro é saber que ainda persiste uma cultura prisional também dentro das unidades socioeducativas, de assédio sexual, de violência sexual, que atinge particularmente garotos com traços mais femininos, uma travesti, por exemplo, mas não somente. Em um dos estados visitados foi dito que o garoto que vem do interior, de locais longínquos, cumprir medida na capital é chamado de “brinde”, pois por ser novato e provavelmente indefeso, será assediado e poderá sofrer violência sexual. Diante de tal situação, achamos oportuno trazer o ponto de vista, com o qual concordamos, presente na publicação Sem prazer e sem afeto – sexualidade e prevenção às DST/AIDS nas instituições de privação de liberdade de adolescente, “No conjunto de esforços necessários para se alterar esse quadro... é crucial a articulação de um amplo processo de conscientização de todos os atores envolvidos. Tratase de uma estratégia que não pode ser realizada sem a mudança da lógica dos trabalhos de saúde e sexualidade dentro das ‘Febens’ – atividades em geral ainda negligenciadas e contaminadas por estigmas, visões punitivas e discursos de intolerância. Oferecer um espaço de qualidade para a educação e a reinserção de adolescentes 69 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações em conflito com a lei não é apenas dar uma nova chance, mas, muitas vezes, é dar a primeira chance a esses jovens (grifo nosso) que, em geral, têm histórias de vida carregadas de dor, carências e contradições e que têm a violência como um modo de ‘educação’ para a vida. É importante sublinhar que o adolescente privado de liberdade não está privado de seus direitos. Tem, em quaisquer cincunstâncias, o direito de crescer, refletir, mudar e recomeçar. Portanto, é urgente no Brasil a aplicação de duas vertentes de medidas determinadas pela Justiça. Se, por um lado, é importante que se puna o infrator, por outro, é dever do Estado oferecer a ele uma educação de qualidade e uma oportunidade concreta de reinserção no contexto social. Se a sociedade e as instituições de privação de liberdade não investirem na possibilidade de transformação, esse jovem também não terá como encontrar recursos pessoais para a mudança” (ANDI, 2002, p.4). 9.3.3 Saúde reprodutiva: assistência ginecológica, gravidez, pré-natal, parto, pós-parto e aborto Os procedimentos em relação aos cuidados com a saúde reprodutiva variam de unidade para unidade. Na maioria, assim que a garota entra, é feita uma primeira triagem com enfermeiro/a e, dependendo da necessidade, são providenciados os encaminhamentos médicos. Nessa primeira triagem, em alguns locais, também solicitam teste para gravidez, anti-HIV, sífilis, hepatites. Na maioria, há ambulatório para atendimento básico e demais necessidades são encaminhadas para a rede pública de saúde. Em algumas unidades faz parte do atendimento básico consulta ginecológica, em outras não: “Fiz todos os exames e não deu nada.” (Garota cumprindo medida) “Nunca passei pelo ginecologista porque nunca tive relação sexual.” (Garota cumprindo medida) Em Pernambuco, faz parte da triagem investigação sobre casos/situação de abuso, violência sexual. Nesse estado, caso a garota chegue grávida ou com suspeita de gravidez na unidade de internação provisória, é feito acompanhamento e solicitados exames conforme o tempo/estado da gravidez da garota - aquelas com a gravidez mais 70 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações adiantada são encaminhadas para exames/pré-natal, as que estão em início de gravidez não são encaminhadas para o pré-natal durante o período que ficam na casa. A justificativa para estes casos é o curto espaço de tempo que a garota fica na internação provisória, máximo de 45 dias, e que nesse período, muitas vezes, não há tempo hábil para conseguir consultas e/ou exames e quando conseguem a garota já saiu. A equipe técnica da unidade de internação vê essas gravidezes como “acidente de percurso”. Citam caso de garota que não aceitou a gravidez, enjeitou o filho, não queria amamentá-lo, ao ponto de ser necessário que esse bebê fosse cuidado pelas colegas da garota na unidade. Citam outros casos de garotas que mudaram muito o comportamento depois de ter o bebê, mostraram-se excelentes mães, construíram um projeto de vida. Em São Paulo, ao abordar o tema da gravidez na adolescência com o grupo de profissionais, houve quem afirmasse que a gravidez “nem sempre é indesejada, a menina pode querer a maternidade”, aproximando-se de conclusões de estudos multicêntricos no Brasil. Quando da visita à unidade de internação, em Pernambuco, havia um bebê de quatro meses residindo lá com sua mãe. No período da visita o bebê não pode ser visto porque estava internado em um hospital com coqueluche e sua mãe estava com ele. Havia também uma garota grávida, no terceiro mês de gravidez, e outra esperando resultado do teste para gravidez. Segundo a equipe técnica da unidade, mãe e bebê ficam em um quarto adaptado para o qual a garota se muda quando está prestes a ter o bebê. Nessa ocasião a equipe ajuda a garota a providenciar o enxoval, fazem “chá de bebê”. Sobre a permanência de bebês na unidade, um/a profissional de saúde faz algumas considerações: “Então assim, existe esse contato muito íntimo delas e um bebê com uma imunidade baixa ainda no meio desses contatos. A partir do momento que o juiz determina que a criança tem que ficar com a mãe na unidade, ele subentende, pra ele, que a Fundação está dando toda a condição de existir um local adequado para aquela criança, mas infelizmente não tem. Vai ser mais uma pessoa dentro de um ambiente pequeno, com muita gente pra viver ali.” (Profissional da saúde) Segundo um/a juiz/a, as adolescentes ainda não estão preparadas para criar 71 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações e educar filhos. Esse/a operador/a comentou que o fato de adolescentes grávidas eventualmente terem algum privilégio na unidade (por exemplo, não precisarem fazer a faxina do banheiro, etc) gera disputas, invejas entre as garotas, resultando em desentendimentos. Ele/a considera que as unidades não têm estrutura para recepcionar adolescentes e mantê-las lá com seus bebês. Sobre a situação dos bebês ele/a comentou: “Tem que tirar da unidade, a unidade não está preparada pra aquilo” . Algumas adolescentes e jovens que entram grávidas na Fundação Casa, seja na unidade de internação (UI), seja na UIP, são transferidas para a Casa das Mães a partir da 32ª semana de gestação. Depois do parto, os bebês ficam com elas na Casa das Mães, uma ala separada, com quartos coletivos e individuais. De acordo com uma das mães, “A vida aqui é tranquila, é bom que a gente está com os bebês, quando eu estava ainda na UIP eu achava que se viesse pra cá meu filho ia ficar só seis meses comigo, mas vi que era totalmente diferente, tanto que minha primeira pergunta pra coordenadora foi ‘senhora, quando meu filho completar 6 meses ele vai embora?’ Ela falou ‘você só está de 3 meses e já está preocupada com isso? Onde você ouviu essa história’? Eu falei que era isso que todo mundo fala na UIP. Mas aqui os bebês ficam com as mães a não ser que as mães deem motivo pra separar, aqui só teve um caso, da mãe que beliscava o bebê, tinha problema psiquiátrico.” (Adolescente da Casa das Mães). A Fundação Casa tem convênio com hospital de referência mais próximo, porque todas as gravidezes de adolescentes são consideradas de risco, “pela idade e/ou uso de droga”. Nesse hospital as garotas fazem acompanhamento desde o prénatal, até a consulta de 45 dias após o parto, junto com o bebê. No Estado de Alagoas, a gravidez das adolescentes também é considerada de alto risco, e as/os médicas/os e enfermeiras/os do Centro de saúde que atende ao sistema socioeducativo acompanham os casos de pré-natal. Até o momento não tiveram experiência de garota cumprindo medida com bebê. No Rio Grande do Sul, toda garota que chega à unidade tem sua saúde avaliada e é feita uma anamnese completa pela/o médica/o. Se estiver gestante é encaminhada para pré-natal de alto risco: “geralmente é de alto risco por causa da droga”. O pré-natal é em um hospital, o acompanhamento é na unidade. Uma das 72 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações garotas entrevistadas, que chegou grávida de dois meses, teve o bebê e vive com ele na unidade, disse que fez o pré-natal: “Foi bom igual Gramado (de onde veio), tive acesso a tudo, foi parto normal no hospital, agora estou no quarto com meu filho. Tinha outra garota grávida, desde que estou aqui tinha seis crianças, uma que tava grávida ganhou e já saiu, mais duas, uma menina e um menino, já foram embora também.” Na Bahia, quando se fez a visita à unidade, havia duas garotas grávidas. Uma delas estava internada há 4 meses e ainda não havia tido atendimento de pré-natal. A outra, grávida de 7 meses, só havia realizado duas consultas de pré-natal até aquela data. Em uma das salas da ala feminina há um quarto onde viviam uma garota com seu bebê. O bebê apresentava algum tipo de dermatite, com lesões no rosto, assim como a maioria dos/as adolescentes. Segundo um/a participante da equipe técnica de Mato Grosso do Sul, sempre tem garotas grávidas na unidade. “Tínhamos uma grávida de 4 meses, mas foi liberada na sexta-feira, foi embora pra casa. Em geral não fizeram o pré natal, então tem que fazer a ficha, correr atrás da documentação, do cartão SUS, porque a maioria delas não tem”. Quanto à continuidade do atendimento de pré-natal e pós-parto para garotas que saem da unidade, “a gente faz uma declaração e se ela tem uma consulta pra segunda, por exemplo, alguma coisa agendada, se é CAPS, é feita uma declaração pra dar continuidade, por escrito. A família é orientada, com a declaração, pra dar continuidade do que ela precisa”... “nós sempre estamos ligando pros CRAS para estar acompanhando, mas vê bem, quando ela sai não há seguimento, então a gente não sabe se há essa continuidade, nós trabalhamos aqui, temos todo esse procedimento, mas lá fora, na verdade, os CRAS não têm atendimento de egressos”, completou outro/a participante da discussão. Em relação aos cuidados com o bebê, em Mato Groso do Sul, informaram-nos que “em toda unidade, os agentes, chefes, pessoal de plantão, todo mundo é envolvido no nível de orientação, independente do seu papel. A gente acompanha todo o prénatal, o enxoval, a hora que o bebê nasce, tudo, tudo, tudo, é cuidado aqui”. No entanto, um comentário revelou que parece faltar uma diretriz sobre essa atenção/ cuidado, “cada uma tem uma opinião de como pegar o bebê pra mamar, diferente de um profissional que diz que é desse jeito, a menina disse que não sabe mais o que fazer, porque chega a dona e diz que tem que fazer assim, chega a outra dona e diz que tem 73 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações que fazer assado!” (Participante da equipe técnica) Sobre bebês vivendo na unidade, uma garota comentou: “tinha até um nenê aqui, o Luquinhas, conheci ele tinha 6 meses. Primeiro ele ficou no alojamento 1, depois no 2 e no 3 que é maior, ele se apegou com todo mundo. Todo mundo chorou quando ele foi embora, ele era a única distração.” (Garota cumprindo medida) Uma garota entrevistada no Rio Grande do Sul nos disse que ela e as outras não podiam carregar o bebê da colega e nem brincar com ele: “Não podemos agarrar ele, não pode, quem pode são só os monitores. Não sei por que não pode, eles não deixam”. A explicação para essa impossibilidade de trocar carinho, brincar com a criança, veio do/a operador/a de direito: “a questão da criança, pode estar tudo bem agora, mas pode entrar uma adolescente com forte problema psíquico, psiquiátrico e usar essa criança como refém ou querer atingir a mãe”. Em relação à liberação das mães com bebês, há diferentes interpretações. Em alguns locais, como Alagoas, existe empenho em liberar garotas grávidas. Na ocasião da visita, as duas garotas grávidas que estavam na unidade haviam acabado de ser liberadas, “as duas gestantes já foram liberadas pelo juiz. Já estão em casa. Uma delas estava grávida de nove meses, mas foi liberada, graças a deus, porque ela estava tendo, assim, muitas contrações antes do tempo e perda de líquido, aí, com o documento que foi enviado, o juiz liberou. Graças a deus.” (...) trabalhamos no sentido da liberação da garota, junto à família e ao juiz, a gente prefere fazer isso para que ela possa criar o filho dela junto à família”. Em São Paulo, na Fundação Casa em relação à liberação das mães com bebês, existe certo empenho nesse sentido. Porém, “como a Fundação não separa mãe e criança”, quando o caso é muito grave o juiz pode permitir que a garota fique mais tempo com o bebê na unidade. Nas palavras de uma das entrevistadas, “não fechamos um caso só porque a menina teve a criança, mas porque ela já teve um trabalho, já sabe cuidar do bebê; a gente abrevia o tempo aqui, mas abrevia com responsabilidade”. Já em Pernambuco, segundo um/a juiz/a, “Quando há adolescentes grávidas, a Fundação exerce pressão, ‘fica doidinha’, para que seja concedida liberação à garota. Aí é uma pressão para que a vara, o juiz, vá e libere. Porque a casa chega a um ponto que não tem como sustentar, então é afastar. Tira, leva a criança, a menina fica doidinha, provoca tudo que é discórdia, porque já se apegou à criança, tá entendendo?” 74 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações “A criança não é um salvo conduto. Eu já tive pressão, mais de uma vez, acho que umas duas ou três vezes e aí eu, então, fechei o cerco. Na primeira vez fui pega/o de surpresa, confesso. E aí eu não posso, dois pesos e duas medidas: se gerou um filho, vá pra casa; se ficou grávida, vá pra casa. Então tem um filho e sai do sistema?” No Mato Grosso do Sul, sobre garotas grávidas, especialmente aquelas sem apoio familiar, que vivem na rua, um/a participante da equipe comentou: “quando o juiz dá a internação da menina grávida como proteção - ela está na rua -, então ela vem aqui, teve adolescente que teve o nenê aqui. Uma garota já esteve outras vezes aqui, mas da última veio grávida, ela até poderia ter sido liberada, mas o juiz decidiu pela permanência dela por causa da proteção do bebê, porque aqui ele seria melhor assistido. Não sei exatamente quanto tempo ela ficou, mas o bebezinho foi adotado depois do parto, aí que ela foi liberada, ela já tinha tido outro bebê aqui mesmo, e o juiz usou o mesmo sistema, mas esse último ela preferiu deixar pra adotar, ela já sabia que não teria capacidade de criar o bebê.” (Participante da equipe técnica) Quanto à posição do/a juiz, parece haver discordância em relação a ela, conforme revela o comentário a seguir: “por que a menina tem que ficar aqui se ela já pode ser liberada? Para garantir a proteção e a saúde do menino. As intenções são as melhores possíveis, mas é o correto?” (Participante da equipe técnica) Ainda sobre as questões de saúde reprodutiva, algumas garotas mencionaram atraso ou até mesmo ausência de menstruação depois que passaram a viver na unidade de internação: “Tá atrasada, acho que devido ao estresse.” “Minha menstruação não vem aqui, já tem um ano e dois meses que não vem, só uma vez veio. Os médicos falam que é normal por causa do lugar, porque estou longe dos meus filhos, mas eu não acho que é normal, quando eu sair daqui vou a um ginecologista ver o que é.” “A Laís10 ficou um ano aqui e foi um ano sem menstruar. Agora desceu pra ela daquele jeito, depois de um ano desceu.” Sobre questões relativas ao aborto, “Esse é um assunto que não costuma chegar.” (Profissional da saúde) 10 Nome fictício. 75 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações No Pará, entrevistamos uma garota, de 13 anos, que havia passado por um aborto espontâneo na unidade. Sobre essa situação, ela e suas colegas entrevistadas disseram que a gravidez havia sido descoberta quando a garota chegou à unidade, nos exames de rotina, quando também passou por testagem anti-HIV e teve acesso ao resultado. A garota não chegou a realizar nenhum atendimento de pré-natal, pois não tinha documentos – a unidade estava providenciando. O aborto espontâneo, aos três meses de gravidez, teria começado na madrugada, quando a garota teve sangramento e pediu ajuda. Ela teria sido levada ao hospital para ser atendida somente na manhã seguinte, quando os/as profissionais da saúde chegaram à unidade. No hospital, segundo o/a profisional da saúde, foi feita a curetagem, a garota ficou 24 horas em recuperação e depois foi liberada. No Mato Grosso do Sul, perguntou-se se já houve casos de aborto na unidade e qual foi o procedimento: “As gurias falaram, mas entre elas ... foi para o posto de saúde.” “Houve uma vez aqui na unidade o seguinte: uma menina, grávida, pra fazer chantagem emocional, falou que ia tentar tirar e pra provocar a atenção ela conseguia cutucar, mas a gente conversou com a enfermagem, ginecologista, fomos pro CAPS, era uma pessoa comprometida com a droga também. Foi pra chamar a atenção.” Diante da pergunta se é oferecida a possibilidade de um aborto legal, caso a garota chegue à unidade grávida devido à violência sexual, um/a profissional da saúde disse que “nós fazemos todo o atendimento na rede. Se o médico permitir, com certeza. Todas as condições da rede a gente utiliza. Não cabe a nós dizer se ela pode ou não pode, algumas não querem fazer, mesmo se foi por violência”. E à pergunta sobre se quem faz a abordagem inicial dessa garota apresenta a possibilidade do aborto legal, a resposta foi “não, não. A gente pede orientação nesse sentido, não foi a técnica que resolveu. E mesmo que o médico diga que pode fazer por causa disso, daquilo, a gente pede autorização pro juiz. A gente envolve a família, também”. (Participante da equipe técnica) 76 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações F 10. Boas Práticas oram observados muitos pontos positivos nas visitas, relatados a seguir, que vêm acompanhados de recomendações sobre decisões a serem tomadas pelos organismos responsáveis e de acordo com suas respectivas competências. Foi constatado que as unidades femininas de atendimento socioeducatico de internação procuram responder positivamente ao princípio da incompletude institucional, trabalhando na perspectiva da multisetorialidade, tecendo articulações com outros setores governamentais, em particular a educação, a promoção social e a saúde pública. Uma boa prática a reportar acontece no Rio Grande do Sul, onde ocorre o que poder-se-ia designar como “multiprofissionalismo”, em aproximação da visão de Wanderlino Nogueira Neto (2011). Nesse estado, magistrados, gestores e equipes técnicas estão se articulando para refletir sobre “como” proceder para instaurar o processo de realização dos direitos reprodutivos e direitos sexuais de adolescentes e jovens, em particular a visita íntima. Lembrando, com Neto (idem) que “os conflitos que se criam entre as categorias profissionais envolvidas (magistrados, promotores, policiais, psicólogos, trabalhadores sociais, médicos, gestores, pedagogos, etc.) são grandes empecilhos a ser vencidos” (p. 48). A iniciativa de articulação nesse estado parece consoante às “mudanças significativas no acesso com sucesso às políticas públicas e no acesso com sucesso à justiça, para que passem a ser operacionalizadas, na multidisciplinaridade, na multi-institucionalidade, no multiprofissionalismo e no multiculturalismo” (NETO, 2011, p. 51). Ainda que constatando boas práticas no respeito ao princípio da incompletude, sugere-se: 3 Intensificar articulações entre a unidade e SPM e SDH para garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos das adolescentes e jovens internas; 3 Reforçar a articulação com o Ministério da Saúde e Secretaria Estadual da Saúde para desenvolver atendimento em saúde mental de qualidade – psicoterapia, terapia de grupo na própria unidade – e para informações/fornecimento de insumos sobre métodos contraceptivos; 3 Buscar parceria com universidades, oferecendo estágio supervisionado para estudantes em cursos sobre direitos sexuais e direitos reprodutivos, educação em sexualidade e saúde reprodutiva, com metodologia participativa; 3 Buscar parceria com organizações não governamentais que atuam na defesa 77 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações dos direitos sexuais e direitos reprodutivos para criar e implementar programas de educação sexual, na perspectiva de gênero e com metodologia participativa; 3 Intensificar relações com a Secretaria da Educação, com universidades e com a sociedade civil para ampliar o acervo bibliográfico de acesso às garotas; 3 Oferecer alternativas reais de profissionalização e inserção no mercado de trabalho sob o enfoque da equidade de gênero. Em relação aos parâmetros da gestão pedagógica no atendimento socioeducativo, via de regra, a postura cotidiana de muitos/as profissionais parece contribuir pouco para uma atitude cidadã das adolescentes, deixando de corresponder a uma das doze diretrizes pedagógicas do atendimento socioeducativo. A quarta diretriz trata da presença educativa e a exemplaridade como condições necessárias na ação socioeducativa (BRASIL, 2010, p. 47). A esse respeito, assinala-se a experiência do Estado de Alagoas como uma boa prática. Entende-se que o empenho da gestão foi um dos fatores que propiciaram essa inovação. Outro fator foi o respeito ao direito de participação, considerando-se, como Monteiro e Rabello (2008) que “o sentido da participação é o de se sentir envolvido e disposto a contribuir na vida da comunidade”. Os garotos se mobilizam na preparação (limpeza, decoração) dos alojamentos para receberem suas parceiras. Pode-se supor que, ao terem participado na decisão de mudar o local das visitas íntimas, do “quarto das visitas” para o alojamento onde se sentiam mais “em casa”, introduziram novos sentidos ao ambiente, ao alojamento, o que facilitou internalizar a importância do “cuidado de si” e dos outros. A experiência bem sucedida com a visita íntima na unidade de Alagoas favoreceu outra iniciativa, a elaboração e aprovação da Portaria 14/2011 da 2ª Vara da Infância e Juventude, regulamentando a visita íntima no estado. Pode-se interpretar que a essa decisão antecedeu-se uma boa prática de interlocução entre o judiciário e o sistema socioeducativo. Quanto ao desenvolvimento pessoal e social do/a adolescente, uma dimensão básica do atendimento socioeducativo, há boa relação entre adolescentes e a equipe técnica, possibilitando relação de confiança e amizade, inclusive com alguns/algumas socieducadores/as nas unidades que se destacam pela atenção que dedicam às adolescentes e jovens. Mas é ainda no campo das dimensões básicas dos parâmetros da gestão pedagógica que, mais do que boas práticas identificadas, há recomendações a fazer. 78 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Estas dizem respeito aos recursos humanos, em relação aos quais sugere-se: 3 Incluir nas provas para concursos para o quadro funcional e técnico temas da sexualidade e da saúde reprodutiva de adolescentes e jovens como um direito humano; 3 Cursos de sexualidade e saúde reprodutiva como um programa, consistente e de formação continuada, assumido pelo sistema socioeducativo do ponto de vista dos direitos humanos; 3 Realizar sensibilização de operadoras/es de direito e gestores/as de unidades, e formação da equipe técnica e socioeducadoras/es em gênero, saúde e direitos sexuais e reprodutivos na adolescência, com ênfase na homoafetividade; 3 Oferecer apoio psicológico aos profissionais do sistema socioeducativo. Outra recomendação a ser feita, em relação à qual não se encontrou nenhuma situação que pudesse ser identificada como “boas práticas” é quanto às estruturas físicas das unidades de atendimento11. As/os próprias/os gestoras/es e equipes técnicas entrevistadas/os concordam que as estruturas físicas não são orientadas pelo projeto pedagógico, nem estruturadas de modo a assegurar a capacidade física para o atendimento adequado à execução de um projeto pedagógico e a garantia dos direitos fundamentais das adolescentes. Nesse sentido, cabe recomendar que seja agilizada a reorganização do uso do espaço de modo a responder às obrigações legais de ambientes separados para as diferentes medidas socioeducativas, assim como executar reformas que propiciem condições mais salutares às garotas internas e, quando for o caso, a seus bebês. De acordo com o SINASE, os “Parâmetros socioeducativos” são organizados por eixos estratégicos. O primeiro eixo trata do registro sistemático das abordagens e acompanhamentos aos/às adolescentes, por meio do Plano Individual de Atendimento (PIA). As visitas realizadas aos estados pela equipe do projeto observaram que essa tem sido uma boa experiência das unidades visitadas, exceto em Mato Grosso do Sul, onde o instrumento encontrava-se em construção durante a visita, e no Pará, onde uma garota afirmou desconhecê-lo e o/a operador/a de direto comentou que a garota não o conhecia porque o PIA não existia. Pode se considerar uma exceção dentre as unidades visitadas pela equipe do projeto o Centro de convivência e a unidade masculina para garotos de 12 a 14 anos em Maceió/AL. A unidade masculina para garotos de 12 a 14 anos consisitia de um conjunto de pequenas casas (quarto, sala e banheiro), em cada uma delas conviviam de 3 a 4 garotos, e o Centro de convivência era um local com jardim, área esportiva, de convivência, usado pelos garotos e seus familiares. 11 79 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações O SINASE prevê a existência de um projeto pedagógico como ordenador de ação e gestão do atendimento socioeducativo nas unidades. O projeto pedagógico será orientador na elaboração dos demais documentos institucionais, tais como as normas disciplinares. Recomenda-se que na elaboração e implementação dos projetos pedagógicos os direitos reprodutivos e direitos sexuais sejam observados, eliminando-se práticas disciplinares violadoras do direito à dignidade e intimidade, tais como o “pagar canguru” e similares. O mesmo se aplica ao desenvolvimento e implementação do Plano Estadual de Atendimento Socioeducativo. Outra recomendação é, certamente, criar condições para implementar a visita íntima, definindo critérios, viabilizando espaço físico e, sobretudo, oferecendo formação da equipe da unidade em temáticas de gênero, sexualidade, saúde e direitos sexuais e reprodutivos. As/os gestoras/es, magistradas/os e equipes técnicas solicitam que se troquem experiências com outras unidades de internação para traçar as possibilidades e modos de viabilização da visita íntima. Uma resposta positiva ao eixo diversidade étnico-racial, gênero e orientação sexual dos parâmetros socioeducativos foi relatada no Rio Grande do Sul, onde, segundo a equipe da unidade feminina, acontecem grupos de discussão sobre sexualidade e homoafetividade. No entanto, não faltam recomendações neste item, por exemplo, 3 Definir estratégia de gestão de conflitos, em particular os relacionados à sexualidade; 3 Garantir o respeito à orientação sexual homoafetiva; 3 Garantir os direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens cumprindo medida de internação, incluindo o respeito à orientação sexual e à identidade de gênero. No eixo educação, outra boa prática foi encontrada no Rio Grande do Sul, onde há livros à disposição das garotas e acesso destas a diversas mídias, incluindo noticiários na TV. O acesso a noticiários também é garantido em Mato Grosso do Sul e Pará, mas proibido nos demais estados, para quem recomenda-se rever critérios para acesso às mídias, em especial à TV, em resposta ao direito à informação das adolescentes e jovens – em uma unidade visitada, segundo as garotas entrevistadas, socieducadores/as ficavam com o controle da TV e quando aparecia alguma “cena de sexo”, mudavam de canal. No eixo esporte, cultura e lazer, há boas experiências nas unidades visitadas 80 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações no Pará, Alagoas, Pernambuco, São Paulo, Mato Grosso do Sul. As atividades esportivas, culturais e de lazer propiciam o fortalecimento da autoestima das adolescentes e jovens, repercutindo no exercício dos direitos reprodutivos e direitos sexuais. No eixo saúde, constatou-se que pouca atenção é dada às normas e leis no campo da saúde e dos direitos das mulheres; menos ainda quando se trata dos direitos reprodutivos e direitos sexuais, considerados “menores” em relação a outros, considerados “fundamentais”. Não se internalizou a noção de que os direitos humanos são inseparáveis, indivisíveis e universais e que não há direitos mais importantes que outros. Diversas garotas entrevistadas desconheciam o direito à visita íntima, sugerindo que esse assunto não é priorizado, não está na pauta das práticas educativas e de reflexão com as adolescentes nas unidades de internação; e ao tomarem ciência do mesmo, não se viam na posição de titulares desse direito. Em seis anos de SINASE não se avançou quase nada neste campo. O desafio para os próximos três anos, data prevista da 1ª visita de avaliação da implementação da lei 12.594, será introduzir o tema da visita íntima e demais direitos reprodutivos e direitos sexuais na pauta das reuniões, sem deixar de integrar ações concretas no planejamento das unidades. É de ressaltar que, após a decisão do STF de reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, esse desafio inclui o respeito à visita íntima de casais homoafetivos. Para tanto, esforços em direção ao multiprofissionalismo serão necessários, como bem lembrou o/a operador/a de direito de Mato Grosso do Sul: “Quando você esta na área você tem que conhecer, até de uma maneira interprofissional, o que diz o estatuto”, mas, “na verdade não é o que acontece”, como pode-se inferir de alguns dos enunciados proferidos por operadoras/es de direito, tais como, “Nunca pensei no assunto”, “Nunca me chegou pedido para autorizar visita íntima”, “Apresentamos propostas para reforma do prédio, mas a visita íntima era nossa penúltima prioridade”. Nas equipes técnicas, as resistências também apareceram nos discursos: “Elas vão engravidar”, “Vão pegar DST”, “Elas são bandidas, promíscuas, têm sexualidade conturbada”, “Elas não têm idade, são muito jovens”, “Sociedade não vai aceitar” e “Vamos ter que ouvir os gemidos?” Um dos argumentos para não efetivar a visita íntima nas unidades femininas de internação é a falta de espaço. Porém, diante da experiência de Alagoas, a equipe do projeto entende que a existência de espaço físico específico para visita íntima 81 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações não é impeditivo. Além disso, vale observar que em muitas unidades não há local /sala para visita íntima, mas sempre há para a “tranca”. Outros argumentos recorrentes são a “pouca familiaridade com a questão da sexualidade”, “não sabemos como fazer” e “precisamos de mais formação”. Concretamente, efetivar a visita íntima nas unidades femininas de internação é um problema real cuja solução é um devir. Nos seis anos decorridos desde a criação do SINASE muitas capacitações aconteceram; podem ter sido em número menor que o necessário; podem não ter tido a qualidade esperada; e a metodologia pode ter sido equivocada. Há vários organismos governamentais e diversas organizações não governamentais que atuam na área de formação no tema dos direitos reprodutivos e direitos sexuais, que só são convocadas em momentos pontuais. Entende-se que a capacitação tem pouca efetividade se as estratégias e ações não forem planejadas com o propósito de respeitar os direitos reprodutivos e direitos sexuais como direitos humanos, como direitos tão fundamentais como outros já assimilados. A equipe do projeto acrescenta como boas práticas no eixo da saúde, o acesso aos serviços de saúde da rede pública, a realização de exames ao ingressar na unidade que incluem teste anti-HIV e a permanência de bebês com as adolescentes na unidade por tempo indeterminado e em local adaptado para mãe e filho. E como outras recomendações elenca: 3 Garantir o sigilo do estado sorológico de adolescentes e jovens com HIV; 3 Formalizar fluxos para referência e contrarreferência no atendimento a situações relacionadas à saúde reprodutiva, como parto e complicações precoces da gravidez; 3 Verificar existência ou não de medicalização excessiva no tratamento de abstinência do uso de substâncias ilícitas, principalmente quando se trata de garotas grávidas; 3 Garantir acesso a informações sobre planejamento reprodutivo, acesso a preservativos e a métodos contraceptivos; 3 Identificar critérios para receber, monitorar e avaliar as atividades realizadas com as internas por organizações não-governamentais (ONGs) e organizações sociais (OS), entre elas as entidades religiosas, para garantir os direitos sexuais e direitos reprodutivos das adolescentes e jovens e a laicidade dos serviços públicos. No eixo abordagem familiar e comunitária, reconhece-se como boa experiência o valor que as unidades dão à presença das famílias, ao incentivarem e facilitarem 82 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações visitas familiares, mesmo de outras localidades. No entanto, fica a pergunta: se as unidades realizam busca ativa de familiares, por que não se adotam procedimentos similares em relação aos/às parceiros/as das jovens? Esta questão deriva da afirmação recorrente de que há pouca demanda para visita íntima nas unidades femininas porque os parceiros as abandonam. Por que se aceita a ausência dos companheiros nas visitas familiares (ou até mesmo se impede que isso aconteça) como um fato que nunca vai mudar? 11. Considerações finais O s direitos reprodutivos e direitos sexuais são reconhecidos com mais facilidade quando se está nas áreas da chamada “saúde materno-infantil” e das DST/ aids e hepatites virais. Talvez porque estejam relacionadas à saúde da população, onde a família está situada em uma posição fundamental. A este respeito, a obra de Foucault, com destaque para sua reflexão sobre a “governamentalidade” (FOUCAULT, 2006), nos ajuda a perceber essa posição: “(...) a família vai tornar-se instrumento, e instrumento privilegiado, para o governo da população (...). esse deslocamento da família do nível de modelo para o nível de instrumentalização me parece absolutamente fundamental e é a partir da metade do século XVIII que a família aparece nesta dimensão instrumental em relação à população, como demonstram as campanhas contra a mortalidade, as campanhas relativas ao casamento, as campanhas de vacinação, etc.” (FOUCAULT, 2006, p. 289) Trazemos para este documento de síntese a perspectiva de FOUCAULT sobre a família e o casamento com a finalidade de sinalizar que essas instituições não são “fatos da natureza”, mas construções que se situam na história e que surgem para responder a interesses específicos. A equipe do projeto está inserida no campo da saúde coletiva e, nesse sentido, atua com o propósito de expandir e aumentar a efetividade dos esforços que diversas instituições da saúde pública têm empreendido, particularmente no direito universal à saúde por meio do fortalecimento da rede pública do Sistema Único de Saúde - SUS. Nesse sentido entende que são essenciais as ações dirigidas a segmentos populacionais, como as adolescentes em situação de internação, com objetivos de promoção da saúde e de 83 Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações prevenção dos agravos a ela, como as de assistência ginecológica e de cuidados em relação às DST/aids e hepatites virais. O estudo realizado constatou que, no campo dos direitos reprodutivos e direitos sexuais de adolescentes e jovens em conflito com a lei, é dada prioridade ao direito à assistência ginecológica em comparação ao direito à privacidade e intimidade e o direito à diversidade sexual, sugerindo que o primeiro é considerado mais importante que os demais. Essa situação não é exclusiva ao sistema nacional de atendimento socioeducativo. Mas é preocupante observar a intensidade com que essa reprodução das relações de gênero dominantes no Brasil se manifesta nas unidades femininas de internação e de internação provisória que integram esse sistema. Não podemos finalizar este documento sem atentar para um aspecto intrigante do Art. 68 da Lei 12.594, quando analisado sob o crivo do enfoque de gênero: “É assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável o direito à visita íntima. Parágrafo único. O visitante será identificado e registrado pela direção do programa de atendimento, que emitirá documento de identificação, pessoal e intransferível, específico para a realização da visita íntima.” As palavras por nós negritadas no Art. 68 mostram o quanto um texto pode ter limitada a sua compreensão, quando é lido na perspectiva de gênero. Nesta leitura, é como se o Art. 68 beneficiasse somente casais gays, pois é assegurado ao adolescente visita íntima do visitante. Direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens em conflito com a lei: contribuições para o debate e ações Referências bibliográficas ARAÚJO, MARIA JOSÉ DE OLIVEIRA; SIMONETTI, MARIA CECILIA MORAES. Saúde das Mulheres: questões que se repetem no debate sobre políticas públicas. In: Jornal da Rede Feminista de Saúde, no 29, dez 2011. ASSIS, SIMONE GONÇALVES DE; CONSTANTINO, PATRÍCIA. Filhas do mundo: infração juvenil feminina no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2001. 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