FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS: MULTIDISCIPLINAR OU INTERDISCIPLINAR? Autores: Silvania Neris Nossa ([email protected]) Carlos Roberto Gama da Fonseca Aridelmo José Campanharo Teixeira (Orientador) Codinome: Polivalentes Instituição: UNIVIX – Faculdade Brasileira Tema: Educação e Formação Profissional Categoria: Estudante 1 FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS: MULTIDISCIPLINAR OU INTERDISCIPLINAR? RESUMO A contabilidade evolui à medida que surgem inovações tecnológicas, sociais etc., e, para acompanhar essas inovações, é preciso ter um perfil profissional polivalente, criativo, questionador, crítico, comprometido com as mudanças e não com a reprodução de modelos. O projeto político-pedagógico posto em prática pelas instituições de ensino é o multidisciplinar que tem por objetivo treinar, disciplinar e subjugar o homem para torná-lo operário. Com o modelo multidisciplinar, o aluno do curso de Ciências Contábeis faz discriminação de relevância quanto às disciplinas não técnicas, fazendo-se necessária, portanto, a proposta de um modelo que se propõe à formação do profissional do novo milênio. O modelo proposto é o interdisciplinar que apresenta o curso de Ciências Contábeis com uma visão sistêmica, ou seja, os conteúdos das disciplinas são apresentados integrados, de maneira que o aluno estude a todas as disciplinas oferecidas na grade curricular do curso com equilíbrio, uma vez que as disciplinas não técnicas estarão integradas à contabilidade. INTRODUÇÃO A sociedade está em constante mudança, fazendo-se, portanto, necessário chamar a atenção das instituições de ensino de Ciências Contábeis para a formação do profissional de contabilidade do futuro, considerando que cada disciplina é um subsistema que objetiva a contribuição no desenvolvimento da habilidade de interpretação, representação e releitura do mundo que é peculiar ao aluno. O curso de Ciências Contábeis tem um período de duração de, no mínimo, quatro anos e o seu conteúdo, de forma reduzida, está dividido entre disciplinas técnicas e humanísticas. Neste cenário, é feita uma classificação por parte dos discentes quanto ao grau de relevância entre as disciplinas de contabilidade e de outras áreas, como por exemplo, matemática, informática, estatística, sociologia, filosofia, psicologia, direito etc., fazendo com que seja dada pouca ou nenhuma importância a essas outras matérias. Veiga (2000, p. 211) também questiona: por 2 que determinadas disciplinas são vistas pelos alunos como mais relevantes que outras. Este trabalho tem por objetivo propor alterações no projeto políticopedagógico atualmente em prática. Essa proposta procura fazer com que todas as disciplinas que compõem o currículo do curso de Ciências Contábeis sejam interligadas, de modo que o aluno consiga visualizar a integração das disciplinas não técnicas às técnicas contábeis, incentivando assim a necessidade de estudar todas as disciplinas sem discriminação de relevância, uma vez que o mercado tem dado sinal de que necessita de profissionais polivalentes. Para isso, é feito um amplo levantamento bibliográfico em artigos, livros, teses e outros materiais que abordaram o assunto, e, ainda, uma entrevista em profundidade com um grupo de professores de graduação em Ciências Contábeis da Grande Vitória. Na seqüência do artigo, é desenvolvido um breve histórico da evolução da contabilidade e, em seguida, é verificado qual modelo de projeto político-pedagógico vem sendo praticado pelas instituições de ensino no curso de Ciências Contábeis. Posteriormente, é averiguado o perfil do profissional contabilista, objetivado com o modelo em prática, e, por fim, é investigado por meio de textos de consultores de recursos humanos e celebridades da área de Ciências Contábeis, que atuam na formação de profissionais de contabilidade, qual o perfil do profissional solicitado pelo mercado de trabalho. Assim, espera-se com este trabalho ampliar os horizontes na formação de profissionais do curso de Ciências Contábeis. Sabe-se que a formação do contador avançou nos últimos anos, mas há muito por ser feito, uma vez que a sociedade está em constante mudança, principalmente quanto aos anseios do perfil do profissional. A EVOLUÇÃO DA CONTABILIDADE A contabilidade surgiu há muitos anos. Não se sabe ao certo onde e por meio de quem exatamente. Sabe-se apenas que ela nasceu da necessidade que os pastores de ovelhas (proprietários) tinham de registrar seu patrimônio. (Hendriksen & Breda, 1999,p. 39; Schmidt, 2000, p. 16; Martins, 1991, p. 342) 3 De acordo com a obra de Schmidt (2000, p. 16), a contabilidade foi criada em uma época em que ainda não existia a escrita. Por isso foi usada a técnica das fichas de barro e depois a técnica contista, que passou às tábuas de Uruk − tábuas de pedra com inscrições cuneiformes, usadas para representar o controle patrimonial. A descoberta da escrita serviu como catapulta para o desenvolvimento e a disseminação de muitos conhecimentos, dentre eles a contabilidade, que passou por diversas outras técnicas, até chegar à análise de dados fornecidos com os registros contábeis das atividades econômicas das propriedades. E tudo corria muito bem, até o dia em que o governo observou que a contabilidade era uma saída para a tributação, pois dentre os dados registrados pela contabilidade estavam as receitas, as despesas e, conseqüentemente, o lucro tão almejado pelos governantes gregos, que por isso estimularam o desenvolvimento da contabilidade. (Schmidt, 2000, p. 22). Schmidt (1998, p. 21) argumenta que a contabilidade é uma ciência social factual, considerando que o fator social é preponderante na atividade contábil. Para Hendricksen & Breda (1999, p. 38), a contabilidade desenvolveu-se em resposta às mudanças no ambiente, às novas descobertas e aos progressos tecnológicos. À medida que a contabilidade evolui, nascem diferentes relatórios, que objetivam suprir com informações úteis seus usuários. No entanto, para atingir os objetivos da contabilidade, conforme Martins (1991, p.34), faz-se necessário que as demonstrações contábeis − meio de comunicação entre a contabilidade e seus muitos usuários − sejam suficientemente claras, estruturadas de maneira uniforme e elaboradas com base em critérios consistentes, pois, somente assim, é possível que os usuários da contabilidade estabeleçam, por meio dos demonstrativos contábeis, comparativos entre entidades distintas ou entre os períodos de uma mesma entidade, acompanhando sua evolução ao longo do tempo. No quadro evolutivo da contabilidade, observa-se que foi necessário o desenvolvimento de demonstrativos, visando o fornecimento de informações úteis, relevantes e tempestivas. Desta forma, as informações contidas nos relatórios contábeis tradicionais estão basicamente voltadas para os acionistas, para as instituições financeiras e para o governo, interessados em conhecer a rentabilidade 4 de seus investimentos, a evolução patrimonial e a capacidade de liquidez e solvência da entidade etc. Segundo Druker apud Amorim (2001, p.4), a nova revolução será conduzida por contadores, pois as informações precisam ser organizadas, caso contrário não passam de dados. Não está clara a forma do significado de certas informações para o trabalho de um usuário. E pode ser necessário que as mesmas informações sejam organizadas de maneiras diferentes para diferentes finalidades. Os sistemas integrados de contabilidade facilitam em muito o trabalho do contador, mas se este não estiver habilitado para analisar esses dados, não conhecer a área de atuação, os modelos decisórios de seu cliente e os possíveis relatórios que possam vir a ajudá-lo na tomada de decisão, de nada adianta ter o melhor sistema de contabilidade do mercado. Os profissionais especializados que atuam em países desenvolvidos como os Estados Unidos têm o privilégio de obter altos salários. Sendo assim, quando os pais são questionados sobre a profissão desejada para os filhos, a sugestão é que eles sejam contadores. Mas, segundo Marion (2002-a, p.1), esta escolha não é feita por acaso, pois os contadores contam com a confiança dos governantes e da sociedade como um todo. No Brasil, segundo Marion (2002-b, p. 5), a profissão contábil terá seu leque de atuações no mercado de trabalho ampliado pelas alterações da Lei das Sociedades Anônimas que obriga as grandes empresas, independente do tipo societário, serem auditadas. O mercado de trabalho está cada vez mais exigindo profissionais polivalentes e habilitados à profissão. Isso pode fazer com que os que se dizem contadores, mas que na verdade são meros “despachantes contábeis” ou “darfistas”1 sejam intimados automaticamente a procurar o caminho do conhecimento, contribuindo assim para a melhoria da performance do profissional contábil. O conselho de representação da classe contábil, preocupado com o nível de conhecimento dos profissionais que estavam sendo lançados no mercado de 1 Despachantes contábeis ou darfistas, pejorativamente são chamados assim pelo mercado, pois as suas tarefas se resumem em preencher darfs, registrar novas empresas e encerrar outras, Lourenço (2001 p,58). 5 trabalho, implantou, no ano 2000, o exame de suficiência (de caráter obrigatório e realizado pelos Conselhos Regionais). Com isso, o diploma não é mais garantia de emprego, pois de nada adianta o profissional conseguir driblar a sociedade, os professores, os pais e a si mesmo, fazendo de conta que está se dedicando ao seu curso, porque se não estiver verdadeiramente preparado ao se formar, não será habilitado pelo Conselho de sua região para executar sua profissão. Portanto os estudantes devem maximizar a absorção dos conhecimentos (Martins, 2001, p. 7). Os contadores precisam despertar para a fatia do mercado que está em busca do profissional de contabilidade que trabalha em contato direto com a administração. Esses argumentos são reforçados por Lourenço (2001, p. 58) quando diz que “sai o guarda livros, que só cuidava da escrituração fiscal e comercial. Entra o consultor contábil, para atender às novas necessidades das empresas.” O contador no Brasil pode atuar nas empresas, nos órgãos públicos e, ainda, de forma independente. Nas empresas, como contador geral, contador de custos, controller, auditor interno, contador fiscal, professor etc.; nos órgãos públicos, como contador público, fiscal de tributos, controlador de arrecadação, auditor fiscal, professor etc.; e, de forma independente, como autônomo, auditor independente, consultor, empresário de contabilidade, pesquisador, palestrante etc.. O PERFIL DO PROFISSIONAL ESPERADO PELO MERCADO DE TRABALHO Especialistas da área contábil e de recursos humanos revelam alguns segredos para os que desejam disputar uma vaga no concorrido mercado de trabalho. O estudante precisa de: um planejamento profissional; investir em inteligência emocional (para obter facilidades em relacionamentos com outras pessoas); investir em marketing pessoal; ter conhecimentos técnicos; conhecer o ramo no qual as empresas estão inseridas e o funcionamento da instituição; ter conhecimento de economia e administração; estar atualizado quanto à legislação e aliar tudo isso aos conhecimentos de língua estrangeira; ter equilíbrio emocional; conhecer as necessidades dos clientes e usuários e ajudá-los na interpretação das informações contábeis; ter conhecimentos de informática, pois hoje ele pode contar com sistemas informatizados de computação que facilitam em muito seu trabalho; ser empreendedor; ter entusiasmo; ter visão sistêmica, ou seja, estar antenado com 6 o mundo; flexibilidade. Para que sejam atingidas essas metas, no entanto, é preciso, segundo Martins (2001, p. 7), que nos cursos de Ciências Contábeis os alunos sejam críticos com professores, livros e outras fontes de aprendizado, pois ter o contador a competência para produzir o que é pedido é obvio. É preciso, entretanto, ser criativo, ativo e crítico. Em entrevista, Maria Tereza Cardoso (Lamego,2001, p.28) diz que “hoje as empresas avaliam o candidato como um todo. Não basta ter apenas uma boa formação. O funcionário ideal é resultado de um conjunto que envolve o lado profissional e pessoal.” Ela ressalta ainda que a base de um bom profissional é o conhecimento que ele adquire, mesmo fora do mercado de trabalho. “Só cresce a pessoa que se preocupa com a sua carreira. Esses estão sempre se atualizando através de leituras que vão de jornais e revistas especializadas, mesmo que não tenham interesse na área. É preciso conhecer um pouco de tudo”, explica Maria Teresa. Muitas dessas habilidades exigidas pelo mercado, geralmente são encontradas nas disciplinas humanísticas e em outras que não as técnicas contábeis. PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E O PERFIL DO PROFISSIONAL O modelo de projeto político-pedagógico presente nas instituições de ensino superior atualmente é o multidisciplinar. Esse modelo desconsidera as características e necessidades do desenvolvimento do ser humano. As instituições de ensino organizam as coordenações de área para cada curso, numa tentativa de superar as deficiências do currículo multidisciplinar, mas, na prática, o que acontece é a coordenação de disciplina, com reunião de professores que lecionam o mesmo conteúdo, com o objetivo de garantir a integração vertical entre uma disciplina e outra. (Andrade, 2002, p. 24). Andrade (2002, p. 24) descreve que o modelo multidisciplinar tem como característica a fragmentação e justaposição de disciplinas diversas, sem relação aparente. O advento da revolução industrial trouxe consigo a centralização do poder no capital e é neste contexto que surge a escola pública, não a serviço do homem, 7 mas da fábrica, com o objetivo de preparar a mão-de-obra para a indústria, de treinar, disciplinar e subjugar o homem para torná-lo operário. A instituição de ensino deve ser orientada pelo tipo de profissional que deseja formar. Neste contexto, Veiga (2000, p. 211) sugere que sempre seja feito o seguinte questionamento: “Que tipo de profissional as instituições pretendem formar?” Para o século XVIII, o perfil profissional solicitado pelo mercado de trabalho era um, mas, hoje, tempo em que a posse da informação é que garante o poder, precisamos de um novo modelo de instituição de ensino (Andrade, 2002, p. 26), passando do modelo multidisciplinar para o interdisciplinar. Faz-se necessário, portanto, com base nas alterações sociais, verificar se o perfil do profissional que se pretende formar nas instituições de ensino é o que o mercado está necessitando ou não. JUSTIFICATIVA DA PROPOSTA DE MUDANÇA NO PROJETO PEDAGÓGICO DAS INSTITUIÇÕES APLICADO ATUALMENTE. Várias são as razões que levam à necessidade de alteração na estrutura curricular. Dentre essas razões pode-se destacar, como principal, o desenvolvimento da contabilidade e as exigências do mercado, que trouxeram mudanças no perfil do profissional contábil. Outro fator a ser evidenciado é o fato de hoje se viver numa democracia − questão social muito forte − e querer formar pessoas criativas, questionadoras, críticas, comprometidas com as mudanças e não com a reprodução de modelos (Andrade, 2002, p. 26). Observa-se que o mercado de trabalho está cada vez mais exigindo contadores altamente gabaritados para desempenhar atividades que antes não eram exploradas. Veiga (2000, p.187) argumenta que: ... o projeto pedagógico como instrumento de ação política deve estar sincronizado com uma nova visão de mundo, expressa no paradigma emergente de ciência e de educação, a fim de garantir uma formação global e crítica para os envolvidos nesse processo como forma de capacitá-los para o exercício da cidadania, formação profissional e pleno desenvolvimento pessoal. 8 É importante ressaltar que não é objetivada aqui a criação radical de um projeto político-pedagógico, mas sim a inserção de alterações a partir do projeto instituído, pois, conforme assinalado por Gadotti & Romão apud Veiga (2000, p. 197), a elaboração de um novo plano sem considerar o projeto instituído são criadas lacunas, desfigurando memórias e identidades, perdendo-se o vínculo com a história social. Surge assim a necessidade de uma nova concepção de ensino e de currículo, baseada na interdependência entre os diversos campos de conhecimento, superando-se o modelo fragmentado e compartilhado de estrutura curricular fundamentada no isolamento dos conteúdos (Andrade, 2002, p. 26), pois “o projeto político pedagógico instituído por decreto corre o risco de descaracterizar-se” (Veiga, 2000, p. 195). Veiga (2000, p. 195) observa também que, na prática, geralmente “as instituições educativas apresentam, muitas vezes, projetos normatizados pelos órgãos centrais da administração, ou elaborados por um grupo de dirigentes da instituição ou sob encomenda, por escritórios de consultoria”. Os professores entrevistados foram unânimes em afirmar que há um julgamento por parte dos alunos do curso de Ciências Contábeis quanto à relevância (ou falta de relevância) para com as disciplinas que não são da área técnica contábil. Daí, despertando maior ou menor interesse para o aprofundamento em seu estudo. Veiga (2000, p. 211) questiona: “Por que determinadas disciplinas são mais relevantes que outras?” E acrescenta Veiga (p. 187) que “a idéia básica do projeto pedagógico exige pensar o curso inteiro de forma orgânica, com vistas à construção de sua identidade como um todo”. Assim, percebe-se a necessidade de uma nova concepção de ensino e de currículo, baseada na interdependência entre os diversos campos de conhecimento, superando-se, dessa maneira, o modelo multidisciplinar conforme sugerido por Andrade (2002, p. 26). Portanto “toda aprendizagem, para que realmente aconteça, precisa ser significativa para o aprendiz, isto é, precisa envolvê-lo como pessoa, como um todo (idéias, sentimentos, cultura, sociedade)” (Abreu, 1990, p. 9). Para isso, exige-se, segundo os entrevistados, que a aprendizagem: 9 • se relacione com o universo de conhecimentos, experiências e vivências do aluno do curso de Ciências Contábeis; • permita ao discente formular problemas e questões que de algum modo lhe interessem, levando-o a entrar em confronto experimental com problemas práticos de natureza social, ética, profissional; • seja relevante para o estudante de modo que participe com responsabilidade do processo de aprendizagem; • ajude o aluno a transferir o que aprendeu na instituição de ensino para o mercado ou situações da vida, fazendo com que ele se sinta como parte ativa do aprendizado, não permanecendo passivo no decorrer do curso; • suscite modificações no comportamento e até mesmo na personalidade do aprendiz, pois a partir do momento que ele observar a integração entre as disciplinas irá estudá-las como um todo. Fazenda (2002, p. 1) conceitua a interdisciplinaridade como “a interação existente entre duas ou mais disciplinas. Essa interação pode ir da simples comunicação de idéias à integração mútua dos conceitos diretores da epistemologia, da terminologia e da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização referentes ao ensino e à pesquisa”. Para Andrade (2002, p. 23), a interdisciplinaridade é uma nova concepção de ensino e de currículo, baseada na interdependência entre os diversos ramos do conhecimento.” Segundo Andrade (2002, p. 27), a prática da interdisciplinaridade nas instituições de ensino tem algumas características que podem ser apontadas como fundamentos ou pistas para uma transformação curricular que exigem mudanças de atitude, procedimento e postura por parte dos educadores. Ainda, segundo Andrade (2002, p. 27), esses fundamentos e pistas podem ser: • a valorização do trabalho em parceria, em equipe interdisciplinar, integrada (tanto no corpo docente como o corpo discente), estabelecendo pontos de contato entre as diversas disciplinas e atividades do currículo; 10 • a definição de uma base teórica única como eixo norteador de todo o trabalho, seja ideológica (que tipo de profissional pretende-se formar), psicopedagógica (que teoria de aprendizagem fundamenta o projeto escolar) ou relacional (como são as relações interpessoais, a questão do poder, da autonomia e da centralização decisória na escola); • a dinamização da integração entre os conteúdos afins, evitando repetições inúteis e cansativas, começando pelo confronto dos planos de curso das diversas disciplinas, fazer análise e refazer os programas em conjunto, atualizando-os, enriquecendo-os ou enxugando-os, iniciando assim, uma real revisão curricular. Ao reduzir o isolamento entre o conteúdo das disciplinas, há uma ampliação no todo. Cada conteúdo deixa de ter significado por si para assumir uma importância relativa, para que possa ter uma função determinada e explícita dentro do todo que faz parte (Domingos et al l986, apud Veiga, 2000, p. 153). A organização curricular que tem por base o conceito de interdisciplinaridade e de integração amplia significativamente a responsabilidade das instituições de ensino superior para a constituição de identidades profissionais e cidadãs, pois os significados particulares do conhecimento são dados em função do todo. Quando há integração, dissipa-se a hierarquia e estabelece-se uma prática comum de ensino. A integração implica relações com outros professores e entre alunos (Veiga, 2000, p. 215). PROPOSTA DE INSERÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE NO PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS. A proposta é a de que haja o inter-relacionamento entre os conteúdos e professores de disciplinas do curso de Ciências Contábeis de modo que os exercícios e trabalhos sejam planejados e desenvolvidos de maneira que o aluno perceba a relevância de outras disciplinas que não as técnicas contábeis, para a sua formação. A seguir são descritos alguns casos em que podem ocorrer essa integração: Tomando-se, por exemplo, um plano curricular do primeiro período de Ciências Contábeis que tem as disciplinas de: matemática, direito, sociologia, português, informática e contabilidade e integrar os conhecimentos oferecidos nestas disciplinas, desenvolvendo exercícios e trabalhos, conforme ilustrado na 11 Figura 1. Nestes devem conter desde a constituição de uma empresa, verificando os aspectos legais e sociais, utilizando a matemática como ferramenta com funções custo, lucro e a emissão de relatórios e pareceres, utilizando-se da disciplina de português. Esta proposta pode ser ampliada aos demais períodos. De maneira que os trabalhos e exercícios ficam mais complexos à medida que novos conhecimentos são inseridos. Figura 1: Integração entre as disciplinas Em que a disciplina de Direito pode contribuir para um trabalho integrado com a de Contabilidade? Desde a constituição da empresa, ramo de atividade, questões tributárias no decorrer das atividades da empresa, casos de falência, concordata etc. Há inúmeras situações em que contador é solicitado por seus clientes para esclarecer dúvidas e um trabalho como esse seria como um estágio para o aluno, mas, neste caso proposto, o aluno conta com a parceria dos professores envolvidos e colegas. É preciso deixar claro que o contador não pode assumir o papel de advogado, mas o mercado precisa de profissionais polivalentes, e o profissional precisa ter conhecimento sobre as disciplinas para as quais fora habilitado. As disciplinas de matemática e estatística (métodos quantitativos) são ferramentas a serem usadas em contabilidade de custos, contabilidade gerencial, finanças, auditoria etc. Schmidt (1998, p. 20) destaca que “a contabilidade possui campos de investigação contíguos com a economia e com a administração que resulta em inter- 12 relacionamento entre as disciplinas”. Para atingir com sucesso as expectativas do cliente, o contador deve conhecer não apenas de contabilidade, mas também de técnicas de administração, para verificar quais as técnicas de administração estão sendo aplicadas à atividade de seu cliente e se são adequadas. As disciplinas de psicologia, sociologia e filosofia são fundamentais na vida do profissional, uma vez que a atitude do profissional de contabilidade pode atingir a sociedade por meio das atitudes e dos resultados apurados pela instituição. Como exemplos recentes de como não deve agir o contador pode-se tomar os casos envolvendo a contabilidade da Enron, Worldcom e outras2. A interdisciplinaridade pode, sob a forma de integração, a partir dos seus conceitos e dos conceitos de integração, trabalhar a organização do conhecimento. Isso pode fazer com que as fronteiras entre os componentes curriculares tornem-se sutis, uma vez que os conteúdos mantenham entre si uma relação aberta (Veiga, 2000, p. 214). CONCLUSÃO A formação profissional nunca foi problema nas sociedades baseadas na caça e na pesca. Em sociedades tribais, o desempenho das atividades de subsistência requer relativamente pouca ou nenhuma formação, não proporcionando status ou remuneração especial. O problema da formação profissional, portanto, surgiu a partir do momento em que houve a necessidade de profissionais qualificados para desempenhar determinadas tarefas, e, para qualificar a mão-deobra, surgiram as instituições de ensino que são orientadas pelo tipo de profissional que se deseja formar. Para o perfil do profissional do século XVIII, o modelo implantado nas instituições foi o multidisciplinar que objetiva treinar, disciplinar e subjugar o homem para torná-lo operário. Apesar de não mais estarmos no século XVIII, e sim no novo milênio, a multidisciplinaridade ainda está em prática nas instituições de ensino de Ciências Contábeis. 2 As ocorrências de fraudes na contabilidade da Enron, WordCom e outras afetam de maneira expressiva não só a sociedade americana, pois com a globalização outras nações são afetadas entre elas pode estar o Brasil. (Revista Veja, 2002, p. 101) 13 Conclui-se que o perfil do profissional do novo milênio não é proposto pela multidisciplinaridade. Propõe-se, então, que as disciplinas propostas no currículo do atual profissional de contabilidade sejam organizadas com integração, ou seja, quando os professores forem preparar suas aulas, seus exercícios e suas avaliações, que estes sejam feitos com interligação entre as disciplinas, para que os alunos verifiquem a necessidade de uma formação polivalente. Exercícios e trabalhos englobando várias disciplinas podem ser montados, de modo que o aluno possa ser avaliado de maneira integrada, possibilitando, desta forma, a redução com relação à classificação de relevância das disciplinas. Uma vez integradas, é ampliada a abrangência das disciplinas, fazendo com que o aluno valorize a todas elas de forma igualitária, uma vez que o mercado não quer um técnico contábil, mas um contador polivalente para o novo milênio e preparado para administrar sua própria carreira. Reconhece-se inclusive que houve mudanças para a melhoria do ensino de contabilidade no Brasil, mas é preciso reconhecer também que ainda não foi o suficiente. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 1. ABREU, Maria Célia ; MASETTO, Marcos Tarcísio. O professor universitário em aula: prática e princípios teóricos. 8. ed. São Paulo: Parma, 1990. 2. ALCÂNTARA, Eurípedes; SALGADO, Eduardo. A vitória dos ricos na globalização. Revista Veja, São Paulo, p.96-102, 29 abr. 2002. 3. AMORIM, Ginaira Lene. Laudo contábil: aspectos formais e carater científico. Disponível em: <http://www.infopib.com.br/artigo> Acesso em 18 dez. 2001. 4. ANDRADE, Rosa Maria Calaes de. Interdisciplinaridade: um novo paradigma curricular. Disponível em: <http://ntemissoesrs.hpg.ig.com.br/ interdiscipliridade.htm> Acesso em: 03 jul. 2002. 5. FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Quadro de conceitos na visão de Etges e Fazenda. Disponível em: <http:www.unerj.br/profissionalização/quadro_de_ conceitos.doc_> Acesso em: 03 jul. 2002. 6. 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