FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS:
MULTIDISCIPLINAR OU INTERDISCIPLINAR?
Autores: Silvania Neris Nossa ([email protected])
Carlos Roberto Gama da Fonseca
Aridelmo José Campanharo Teixeira (Orientador)
Codinome: Polivalentes
Instituição: UNIVIX – Faculdade Brasileira
Tema: Educação e Formação Profissional
Categoria: Estudante
1
FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS:
MULTIDISCIPLINAR OU INTERDISCIPLINAR?
RESUMO
A contabilidade evolui à medida que surgem inovações tecnológicas, sociais
etc., e, para acompanhar essas inovações, é preciso ter um perfil profissional
polivalente, criativo, questionador, crítico, comprometido com as mudanças e não
com a reprodução de modelos. O projeto político-pedagógico posto em prática pelas
instituições de ensino é o multidisciplinar que tem por objetivo treinar, disciplinar e
subjugar o homem para torná-lo operário. Com o modelo multidisciplinar, o aluno do
curso de Ciências Contábeis faz discriminação de relevância quanto às disciplinas
não técnicas, fazendo-se necessária, portanto, a proposta de um modelo que se
propõe à formação do profissional do novo milênio. O modelo proposto é o
interdisciplinar que apresenta o curso de Ciências Contábeis com uma visão
sistêmica, ou seja, os conteúdos das disciplinas são apresentados integrados, de
maneira que o aluno estude a todas as disciplinas oferecidas na grade curricular do
curso com equilíbrio, uma vez que as disciplinas não técnicas estarão integradas à
contabilidade.
INTRODUÇÃO
A sociedade está em constante mudança, fazendo-se, portanto, necessário
chamar a atenção das instituições de ensino de Ciências Contábeis para a formação
do profissional de contabilidade do futuro, considerando que cada disciplina é um
subsistema que objetiva a contribuição no desenvolvimento da habilidade de
interpretação, representação e releitura do mundo que é peculiar ao aluno.
O curso de Ciências Contábeis tem um período de duração de, no mínimo,
quatro anos e o seu conteúdo, de forma reduzida, está dividido entre disciplinas
técnicas e humanísticas. Neste cenário, é feita uma classificação por parte dos
discentes quanto ao grau de relevância entre as disciplinas de contabilidade e de
outras áreas, como por exemplo, matemática, informática, estatística, sociologia,
filosofia, psicologia, direito etc., fazendo com que seja dada pouca ou nenhuma
importância a essas outras matérias. Veiga (2000, p. 211) também questiona: por
2
que determinadas disciplinas são vistas pelos alunos como mais relevantes que
outras.
Este trabalho tem por objetivo propor alterações no projeto políticopedagógico atualmente em prática. Essa proposta procura fazer com que todas as
disciplinas que compõem o currículo do curso de Ciências Contábeis sejam
interligadas, de modo que o aluno consiga visualizar a integração das disciplinas
não técnicas às técnicas contábeis, incentivando assim a necessidade de estudar
todas as disciplinas sem discriminação de relevância, uma vez que o mercado tem
dado sinal de que necessita de profissionais polivalentes.
Para isso, é feito um amplo levantamento bibliográfico em artigos, livros, teses
e outros materiais que abordaram o assunto, e, ainda, uma entrevista em
profundidade com um grupo de professores de graduação em Ciências Contábeis da
Grande Vitória. Na seqüência do artigo, é desenvolvido um breve histórico da
evolução da contabilidade e, em seguida, é verificado qual modelo de projeto
político-pedagógico vem sendo praticado pelas instituições de ensino no curso de
Ciências Contábeis. Posteriormente, é averiguado o perfil do profissional
contabilista, objetivado com o modelo em prática, e, por fim, é investigado por meio
de textos de consultores de recursos humanos e celebridades da área de Ciências
Contábeis, que atuam na formação de profissionais de contabilidade, qual o perfil do
profissional solicitado pelo mercado de trabalho.
Assim, espera-se com este trabalho ampliar os horizontes na formação de
profissionais do curso de Ciências Contábeis. Sabe-se que a formação do contador
avançou nos últimos anos, mas há muito por ser feito, uma vez que a sociedade está
em constante mudança, principalmente quanto aos anseios do perfil do profissional.
A EVOLUÇÃO DA CONTABILIDADE
A contabilidade surgiu há muitos anos. Não se sabe ao certo onde e por meio
de quem exatamente. Sabe-se apenas que ela nasceu da necessidade que os
pastores de ovelhas (proprietários) tinham de registrar seu patrimônio. (Hendriksen &
Breda, 1999,p. 39; Schmidt, 2000, p. 16; Martins, 1991, p. 342)
3
De acordo com a obra de Schmidt (2000, p. 16), a contabilidade foi criada em
uma época em que ainda não existia a escrita. Por isso foi usada a técnica das
fichas de barro e depois a técnica contista, que passou às tábuas de Uruk − tábuas
de pedra com inscrições cuneiformes, usadas para representar o controle
patrimonial.
A descoberta da escrita serviu como catapulta para o desenvolvimento e a
disseminação de muitos conhecimentos, dentre eles a contabilidade, que passou por
diversas outras técnicas, até chegar à análise de dados fornecidos com os registros
contábeis das atividades econômicas das propriedades. E tudo corria muito bem, até
o dia em que o governo observou que a contabilidade era uma saída para a
tributação, pois dentre os dados registrados pela contabilidade estavam as receitas,
as despesas e, conseqüentemente, o lucro tão almejado pelos governantes gregos,
que por isso estimularam o desenvolvimento da contabilidade. (Schmidt, 2000, p.
22).
Schmidt (1998, p. 21) argumenta que a contabilidade é uma ciência social
factual, considerando que o fator social é preponderante na atividade contábil. Para
Hendricksen & Breda (1999, p. 38), a contabilidade desenvolveu-se em resposta às
mudanças no ambiente, às novas descobertas e aos progressos tecnológicos. À
medida que a contabilidade evolui, nascem diferentes relatórios, que objetivam suprir
com informações úteis seus usuários. No entanto, para atingir os objetivos da
contabilidade,
conforme
Martins
(1991,
p.34),
faz-se
necessário
que
as
demonstrações contábeis − meio de comunicação entre a contabilidade e seus
muitos usuários − sejam suficientemente claras, estruturadas de maneira uniforme e
elaboradas com base em critérios consistentes, pois, somente assim, é possível que
os usuários da contabilidade estabeleçam, por meio dos demonstrativos contábeis,
comparativos entre entidades distintas ou entre os períodos de uma mesma
entidade, acompanhando sua evolução ao longo do tempo.
No quadro evolutivo da contabilidade, observa-se que foi necessário o
desenvolvimento de demonstrativos, visando o fornecimento de informações úteis,
relevantes e tempestivas. Desta forma, as informações contidas nos relatórios
contábeis tradicionais estão basicamente voltadas para os acionistas,
para as
instituições financeiras e para o governo, interessados em conhecer a rentabilidade
4
de seus investimentos, a evolução patrimonial e a capacidade de liquidez e
solvência da entidade etc.
Segundo Druker apud Amorim (2001, p.4), a nova revolução será conduzida
por contadores, pois as informações precisam ser organizadas, caso contrário não
passam de dados. Não está clara a forma do significado de certas informações
para o trabalho de um usuário. E pode ser necessário que as mesmas informações
sejam organizadas de maneiras diferentes para diferentes finalidades.
Os sistemas integrados de contabilidade facilitam em muito o trabalho do
contador, mas se este não estiver habilitado para analisar esses dados, não
conhecer a área de atuação, os modelos decisórios de seu cliente e os possíveis
relatórios que possam vir a ajudá-lo na tomada de decisão, de nada adianta ter o
melhor sistema de contabilidade do mercado.
Os profissionais especializados que atuam em países desenvolvidos como os
Estados Unidos têm o privilégio de obter altos salários. Sendo assim, quando os pais
são questionados sobre a profissão desejada para os filhos, a sugestão é que eles
sejam contadores. Mas, segundo Marion (2002-a, p.1), esta escolha não é feita por
acaso, pois os contadores contam com a confiança dos governantes e da sociedade
como um todo.
No Brasil, segundo Marion (2002-b, p. 5), a profissão contábil terá seu leque
de atuações no mercado de trabalho ampliado pelas alterações da Lei das
Sociedades Anônimas que obriga as grandes empresas, independente do tipo
societário, serem auditadas. O mercado de trabalho está cada vez mais exigindo
profissionais polivalentes e habilitados à profissão. Isso pode fazer com que os que
se dizem contadores, mas que na verdade são meros “despachantes contábeis” ou
“darfistas”1
sejam
intimados
automaticamente
a
procurar
o
caminho
do
conhecimento, contribuindo assim para a melhoria da performance do profissional
contábil.
O conselho de representação da classe contábil, preocupado com o nível de
conhecimento dos profissionais que estavam sendo lançados no mercado de
1
Despachantes contábeis ou darfistas, pejorativamente são chamados assim pelo mercado, pois as suas tarefas se
resumem em preencher darfs, registrar novas empresas e encerrar outras, Lourenço (2001 p,58).
5
trabalho, implantou, no ano 2000, o exame de suficiência (de caráter obrigatório e
realizado pelos Conselhos Regionais). Com isso, o diploma não é mais garantia de
emprego, pois de nada adianta o profissional conseguir driblar a sociedade, os
professores, os pais e a si mesmo, fazendo de conta que está se dedicando ao seu
curso, porque se não estiver verdadeiramente preparado ao se formar, não será
habilitado pelo Conselho de sua região para executar sua profissão. Portanto os
estudantes devem maximizar a absorção dos conhecimentos (Martins, 2001, p. 7).
Os contadores precisam despertar para a fatia do mercado que está em
busca do profissional de contabilidade que trabalha em contato direto com a
administração. Esses argumentos são reforçados por Lourenço (2001, p. 58) quando
diz que “sai o guarda livros, que só cuidava da escrituração fiscal e comercial. Entra
o consultor contábil, para atender às novas necessidades das empresas.”
O contador no Brasil pode atuar nas empresas, nos órgãos públicos e, ainda,
de forma independente. Nas empresas, como contador geral, contador de custos,
controller, auditor interno, contador fiscal, professor etc.; nos órgãos públicos, como
contador público, fiscal de tributos, controlador de arrecadação, auditor fiscal,
professor etc.; e, de forma independente, como autônomo, auditor independente,
consultor, empresário de contabilidade, pesquisador, palestrante etc..
O PERFIL DO PROFISSIONAL ESPERADO PELO MERCADO DE TRABALHO
Especialistas da área contábil e de recursos humanos revelam alguns
segredos para os que desejam disputar uma vaga no concorrido mercado de
trabalho. O estudante precisa de: um planejamento profissional; investir em
inteligência emocional (para obter facilidades em relacionamentos com outras
pessoas); investir em marketing pessoal; ter conhecimentos técnicos; conhecer o
ramo no qual as empresas estão inseridas e o funcionamento da instituição; ter
conhecimento de economia e administração; estar atualizado quanto à legislação e
aliar tudo isso aos conhecimentos de língua estrangeira; ter equilíbrio emocional;
conhecer as necessidades dos clientes e usuários e ajudá-los na interpretação das
informações contábeis; ter conhecimentos de informática, pois hoje ele pode contar
com sistemas informatizados de computação que facilitam em muito seu trabalho;
ser empreendedor; ter entusiasmo; ter visão sistêmica, ou seja, estar antenado com
6
o mundo; flexibilidade. Para que sejam atingidas essas metas, no entanto, é preciso,
segundo Martins (2001, p. 7), que nos cursos de Ciências Contábeis os alunos
sejam críticos com professores, livros e outras fontes de aprendizado, pois ter o
contador a competência para produzir o que é pedido é obvio. É preciso, entretanto,
ser criativo, ativo e crítico.
Em entrevista, Maria Tereza Cardoso (Lamego,2001, p.28) diz que “hoje as
empresas avaliam o candidato como um todo. Não basta ter apenas uma boa
formação. O funcionário ideal é resultado de um conjunto que envolve o lado
profissional e pessoal.” Ela ressalta ainda que a base de um bom profissional é o
conhecimento que ele adquire, mesmo fora do mercado de trabalho. “Só cresce a
pessoa que se preocupa com a sua carreira. Esses estão sempre se atualizando
através de leituras que vão de jornais e revistas especializadas, mesmo que não
tenham interesse na área. É preciso conhecer um pouco de tudo”, explica Maria
Teresa.
Muitas
dessas
habilidades
exigidas
pelo mercado, geralmente são
encontradas nas disciplinas humanísticas e em outras que não as técnicas
contábeis.
PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E O PERFIL DO PROFISSIONAL
O modelo de projeto político-pedagógico presente nas instituições de ensino
superior
atualmente
é
o
multidisciplinar.
Esse
modelo
desconsidera
as
características e necessidades do desenvolvimento do ser humano. As instituições
de ensino organizam as coordenações de área para cada curso, numa tentativa de
superar as deficiências do currículo multidisciplinar, mas, na prática, o que acontece
é a coordenação de disciplina, com reunião de professores que lecionam o mesmo
conteúdo, com o objetivo de garantir a integração vertical entre uma disciplina e
outra. (Andrade, 2002, p. 24).
Andrade (2002, p. 24) descreve que o modelo multidisciplinar tem como
característica a fragmentação e justaposição de disciplinas diversas, sem relação
aparente. O advento da revolução industrial trouxe consigo a centralização do poder
no capital e é neste contexto que surge a escola pública, não a serviço do homem,
7
mas da fábrica, com o objetivo de preparar a mão-de-obra para a indústria, de
treinar, disciplinar e subjugar o homem para torná-lo operário.
A instituição de ensino deve ser orientada pelo tipo de profissional que deseja
formar. Neste contexto, Veiga (2000, p. 211) sugere que sempre seja feito o seguinte
questionamento: “Que tipo de profissional as instituições pretendem formar?” Para o
século XVIII, o perfil profissional solicitado pelo mercado de trabalho era um, mas,
hoje, tempo em que a posse da informação é que garante o poder, precisamos de
um novo modelo de instituição de ensino (Andrade, 2002, p. 26), passando do
modelo multidisciplinar para o interdisciplinar.
Faz-se necessário, portanto, com base nas alterações sociais, verificar se o
perfil do profissional que se pretende formar nas instituições de ensino é o que o
mercado está necessitando ou não.
JUSTIFICATIVA DA PROPOSTA DE MUDANÇA NO PROJETO PEDAGÓGICO
DAS INSTITUIÇÕES APLICADO ATUALMENTE.
Várias são as razões que levam à necessidade de alteração na estrutura
curricular. Dentre essas razões pode-se destacar, como principal, o desenvolvimento
da contabilidade e as exigências do mercado, que trouxeram mudanças no perfil do
profissional contábil. Outro fator a ser evidenciado é o fato de hoje se viver numa
democracia − questão social muito forte − e querer formar pessoas criativas,
questionadoras, críticas, comprometidas com as mudanças e não com a reprodução
de modelos (Andrade, 2002, p. 26).
Observa-se que o mercado de trabalho está cada vez mais exigindo
contadores altamente gabaritados para desempenhar atividades que antes não eram
exploradas. Veiga (2000, p.187) argumenta que:
... o projeto pedagógico como instrumento de ação política deve estar
sincronizado com uma nova visão de mundo, expressa no paradigma emergente
de ciência e de educação, a fim de garantir uma formação global e crítica para os
envolvidos nesse processo como forma de capacitá-los para o exercício da
cidadania, formação profissional e pleno desenvolvimento pessoal.
8
É importante ressaltar que não é objetivada aqui a criação radical de um
projeto político-pedagógico, mas sim a inserção de alterações a partir do projeto
instituído, pois, conforme assinalado por Gadotti & Romão apud Veiga (2000, p.
197), a elaboração de um novo plano sem considerar o projeto instituído são criadas
lacunas, desfigurando memórias e identidades, perdendo-se o vínculo com a história
social.
Surge assim a necessidade de uma nova concepção de ensino e de currículo,
baseada na interdependência entre os diversos campos de conhecimento,
superando-se o modelo fragmentado e compartilhado de estrutura curricular
fundamentada no isolamento dos conteúdos (Andrade, 2002, p. 26), pois “o projeto
político pedagógico instituído por decreto corre o risco de descaracterizar-se” (Veiga,
2000, p. 195).
Veiga (2000, p. 195) observa também que, na prática, geralmente “as
instituições educativas apresentam, muitas vezes, projetos normatizados pelos
órgãos centrais da administração, ou elaborados por um grupo de dirigentes da
instituição ou sob encomenda, por escritórios de consultoria”.
Os professores entrevistados foram unânimes em afirmar que há um
julgamento por parte dos alunos do curso de Ciências Contábeis quanto à relevância
(ou falta de relevância) para com as disciplinas que não são da área técnica contábil.
Daí, despertando maior ou menor interesse para o aprofundamento em seu estudo.
Veiga (2000, p. 211) questiona: “Por que determinadas disciplinas são mais
relevantes que outras?” E acrescenta Veiga (p. 187) que “a idéia básica do projeto
pedagógico exige pensar o curso inteiro de forma orgânica, com vistas à construção
de sua identidade como um todo”. Assim, percebe-se a necessidade de uma nova
concepção de ensino e de currículo, baseada na interdependência entre os diversos
campos de conhecimento, superando-se, dessa maneira, o modelo multidisciplinar
conforme sugerido por Andrade (2002, p. 26). Portanto “toda aprendizagem, para
que realmente aconteça, precisa ser significativa para o aprendiz, isto é, precisa
envolvê-lo como pessoa, como um todo (idéias, sentimentos, cultura, sociedade)”
(Abreu, 1990, p. 9). Para isso, exige-se, segundo os entrevistados, que a
aprendizagem:
9
•
se relacione com o universo de conhecimentos, experiências e vivências do
aluno do curso de Ciências Contábeis;
•
permita ao discente formular problemas e questões que de algum modo lhe
interessem, levando-o a entrar em confronto experimental com problemas
práticos de natureza social, ética, profissional;
•
seja relevante para o estudante de modo que participe com responsabilidade do
processo de aprendizagem;
•
ajude o aluno a transferir o que aprendeu na instituição de ensino para o
mercado ou situações da vida, fazendo com que ele se sinta como parte ativa do
aprendizado, não permanecendo passivo no decorrer do curso;
•
suscite modificações no comportamento e até mesmo na personalidade do
aprendiz, pois a partir do momento que ele observar a integração entre as
disciplinas irá estudá-las como um todo.
Fazenda (2002, p. 1) conceitua a interdisciplinaridade como “a
interação existente entre duas ou mais disciplinas. Essa interação pode ir da simples
comunicação de idéias à integração mútua dos conceitos diretores da epistemologia,
da terminologia e da metodologia, dos procedimentos, dos dados e da organização
referentes
ao
ensino
e
à
pesquisa”.
Para
Andrade
(2002,
p.
23),
a
interdisciplinaridade é uma nova concepção de ensino e de currículo, baseada na
interdependência entre os diversos ramos do conhecimento.”
Segundo Andrade (2002, p. 27), a prática da interdisciplinaridade nas
instituições de ensino tem algumas características que podem ser apontadas como
fundamentos ou pistas para uma transformação curricular que exigem mudanças de
atitude, procedimento e postura por parte dos educadores. Ainda, segundo Andrade
(2002, p. 27), esses fundamentos e pistas podem ser:
•
a valorização do trabalho em parceria, em equipe interdisciplinar, integrada (tanto
no corpo docente como o corpo discente), estabelecendo pontos de contato entre
as diversas disciplinas e atividades do currículo;
10
•
a definição de uma base teórica única como eixo norteador de todo o trabalho,
seja ideológica (que tipo de profissional pretende-se formar), psicopedagógica
(que teoria de aprendizagem fundamenta o projeto escolar) ou relacional (como
são as relações interpessoais, a questão do poder, da autonomia e da
centralização decisória na escola);
•
a dinamização da integração entre os conteúdos afins, evitando repetições
inúteis e cansativas, começando pelo confronto dos planos de curso das diversas
disciplinas, fazer análise e refazer os programas em conjunto, atualizando-os,
enriquecendo-os ou enxugando-os, iniciando assim, uma real revisão curricular.
Ao reduzir o isolamento entre o conteúdo das disciplinas, há uma ampliação
no todo. Cada conteúdo deixa de ter significado por si para assumir uma importância
relativa, para que possa ter uma função determinada e explícita dentro do todo que
faz parte (Domingos et al l986, apud Veiga, 2000, p. 153). A organização curricular
que tem por base o conceito de interdisciplinaridade e de integração amplia
significativamente a responsabilidade das instituições de ensino superior para a
constituição de identidades profissionais e cidadãs, pois os significados particulares
do conhecimento são dados em função do todo. Quando há integração, dissipa-se a
hierarquia e estabelece-se uma prática comum de ensino. A integração implica
relações com outros professores e entre alunos (Veiga, 2000, p. 215).
PROPOSTA DE INSERÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE NO PROJETO
POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CURSO DE CIÊNCIAS CONTÁBEIS.
A proposta é a de que haja o inter-relacionamento entre os conteúdos e
professores de disciplinas do curso de Ciências Contábeis de modo que os
exercícios e trabalhos sejam planejados e desenvolvidos de maneira que o aluno
perceba a relevância de outras disciplinas que não as técnicas contábeis, para a sua
formação. A seguir são descritos alguns casos em que podem ocorrer essa
integração:
Tomando-se, por exemplo, um plano curricular do primeiro período de
Ciências Contábeis que tem as disciplinas de: matemática, direito, sociologia,
português, informática e contabilidade e integrar os conhecimentos oferecidos
nestas disciplinas, desenvolvendo exercícios e trabalhos, conforme ilustrado na
11
Figura 1. Nestes devem conter desde a constituição de uma empresa, verificando os
aspectos legais e sociais, utilizando a matemática como ferramenta com funções
custo, lucro e a emissão de relatórios e pareceres, utilizando-se da disciplina de
português. Esta proposta pode ser ampliada aos demais períodos. De maneira que
os trabalhos e exercícios ficam mais complexos à medida que novos conhecimentos
são inseridos.
Figura 1: Integração entre as disciplinas
Em que a disciplina de Direito pode contribuir para um trabalho integrado com
a de Contabilidade? Desde a constituição da empresa, ramo de atividade, questões
tributárias no decorrer das atividades da empresa, casos de falência, concordata etc.
Há inúmeras situações em que contador é solicitado por seus clientes para
esclarecer dúvidas e um trabalho como esse seria como um estágio para o aluno,
mas, neste caso proposto, o aluno conta com a parceria dos professores envolvidos
e colegas. É preciso deixar claro que o contador não pode assumir o papel de
advogado, mas o mercado precisa de profissionais polivalentes, e o profissional
precisa ter conhecimento sobre as disciplinas para as quais fora habilitado.
As disciplinas de matemática e estatística (métodos quantitativos) são
ferramentas a serem usadas em contabilidade de custos, contabilidade gerencial,
finanças, auditoria etc.
Schmidt (1998, p. 20) destaca que “a contabilidade possui campos de
investigação contíguos com a economia e com a administração que resulta em inter-
12
relacionamento entre as disciplinas”. Para atingir com sucesso as expectativas do
cliente, o contador deve conhecer não apenas de contabilidade, mas também de
técnicas de administração, para verificar quais as técnicas de administração estão
sendo aplicadas à atividade de seu cliente e se são adequadas.
As disciplinas de psicologia, sociologia e filosofia são fundamentais na vida do
profissional, uma vez que a atitude do profissional de contabilidade pode atingir a
sociedade por meio das atitudes e dos resultados apurados pela instituição. Como
exemplos recentes de como não deve agir o contador pode-se tomar os casos
envolvendo a contabilidade da Enron, Worldcom e outras2.
A interdisciplinaridade pode, sob a forma de integração, a partir dos seus
conceitos e dos conceitos de integração, trabalhar a organização do conhecimento.
Isso pode fazer com que as fronteiras entre os componentes curriculares tornem-se
sutis, uma vez que os conteúdos mantenham entre si uma relação aberta (Veiga,
2000, p. 214).
CONCLUSÃO
A formação profissional nunca foi problema nas sociedades baseadas na
caça e na pesca. Em sociedades tribais, o desempenho das atividades de
subsistência requer relativamente pouca ou nenhuma formação, não proporcionando
status ou remuneração especial. O problema da formação profissional, portanto,
surgiu a partir do momento em que houve a necessidade de profissionais
qualificados para desempenhar determinadas tarefas, e, para qualificar a mão-deobra, surgiram as instituições de ensino que são orientadas pelo tipo de profissional
que se deseja formar. Para o perfil do profissional do século XVIII, o modelo
implantado nas instituições foi o multidisciplinar que objetiva treinar, disciplinar e
subjugar o homem para torná-lo operário. Apesar de não mais estarmos no século
XVIII, e sim no novo milênio, a multidisciplinaridade ainda está em prática nas
instituições de ensino de Ciências Contábeis.
2
As ocorrências de fraudes na contabilidade da Enron, WordCom e outras afetam de maneira expressiva não só
a sociedade americana, pois com a globalização outras nações são afetadas entre elas pode estar o Brasil.
(Revista Veja, 2002, p. 101)
13
Conclui-se que o perfil do profissional do novo milênio não é proposto pela
multidisciplinaridade. Propõe-se, então, que as disciplinas propostas no currículo do
atual profissional de contabilidade sejam organizadas com integração, ou seja,
quando os professores forem preparar suas aulas, seus exercícios e suas
avaliações, que estes sejam feitos com interligação entre as disciplinas, para que os
alunos verifiquem a necessidade de uma formação polivalente. Exercícios e
trabalhos englobando várias disciplinas podem ser montados, de modo que o aluno
possa ser avaliado de maneira integrada, possibilitando, desta forma, a redução com
relação à classificação de relevância das disciplinas. Uma vez integradas, é
ampliada a abrangência das disciplinas, fazendo com que o aluno valorize a todas
elas de forma igualitária, uma vez que o mercado não quer um técnico contábil, mas
um contador polivalente para o novo milênio e preparado para administrar sua
própria carreira.
Reconhece-se inclusive que houve mudanças para a melhoria do ensino de
contabilidade no Brasil, mas é preciso reconhecer também que ainda não foi o
suficiente.
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