CORDEL ROSA Débora Cordeiro Rocha de SOUSA (UESPI) [email protected] Heloíse de Araújo DAMASCENO (UESPI) [email protected] RESUMO: O cordel é um gênero literário popular conhecido no Brasil em forma de folhetos e que trata de temas marginais, cultura popular, acontecimentos mais falados nas redondezas, amor, lendas e etc. Vindo com os colonizadores portugueses, escrito da mesma maneira oral e produzido geralmente por homens que muitas vezes utilizam sarcasmo e ironia para fazer críticas políticas e sociais indiretamente. Seus versos rimados facilitavam a comunicação entre as vilas sertanejas pelo fato de facilitarem a memorização por meio do ritmo. Mesmo com sua riqueza literária, era considerada produto apenas do sertão, não sendo acessível nas zonas urbanas. A partir daí percebeuse a grande necessidade de uma evolução do gênero, um modo de integrar o cordel em todos os ambientes. O que seria, a inclusão da mulher autora, até então utilizada apenas como personagem de uma crítica machista. O presente estudo tem como objetivo principal tratar da participação feminina no âmbito, tanto de produção como publicação de cordéis desde sua origem na idade média, por meio dos trovadores, até a contemporaneidade, utilizando como fonte de pesquisa obras de Salete Maria, cordelista, entre outras profissões, que trabalha temáticas de questões marginais e periféricas. Sua ênfase é nos direitos humanos, sobretudo de mulheres e homossexuais, abordando temas contemporâneos fazendo uso da comicidade. Palavras-chave: Cordel, mulher autora; variação linguística. 1 ABSTRACT: The Cordel is a popular literary genre known in Brazil in the form of leaflets and comes to marginal themes, popular culture, happenings more talked about in the roundness, love, legends and etc. Coming with the Portuguese colonizers, the cordel is spelled the same way oral and generally produced by men who often use sarcasm and irony to make political and social criticism indirectly. Its rhymed verses facilitated the communication among the inlanders villages by the fact of facilitated the memorization through rhythm. Even with its literary wealth the cordel was considered a product only of the hinterland, not being accessible in urban areas. From there it was realized the great need for an evolution of the genre, a way of integrating the Cordel in all environments. What would be the inclusion of the woman author, hitherto used only as a character in a sexist critical. The present study has as main objective to treat the female participation within, both of production as publication of cordéis since its origins in the Middle Ages, through the troubadours, until contemporaneity using as research sources the Maria Salete’s work, a cordelista among others professions, working themes of marginal and peripherical issues. Her emphasis is on human rights, particularly of women and homosexuals by addressing contemporary issues making use of comicality. Keywords: Cordel; woman author; linguistic variation. INTRODUÇÃO Literatura essencialmente popular, o cordel vem com os colonizadores e ganha características brasileiras no sertão do país. Em meio a tantos estudos sobre sua história, percebe-se o esquecimento da retratação de autoras femininas. Tratada como uma literatura estritamente masculina, significa dizer que as mulheres não tinham acesso a esta literatura e nem a sua produção? A estrutura familiar patriarcal muito tinha que ver com este resultado. Mulheres com a única função de cuidar da casa e dos filhos não tinham acesso fácil a educação. Porém, isso não dificultou a produção feminina de cordel, seja por pseudônimos, seja assumindo a autoria de suas obras. 2 DESENVOLVIMENTO Os primeiros sinais da literatura de cordel surgiram durante a escola literária da Idade Média, o trovadorismo, no século XII. O cordel, ainda não propriamente com esta nomenclatura, se manifestava nas cantigas trovadorescas, poesias cantadas que também eram manuscritas e reunidas em cancioneiros. Quem as compunha eram chamados trovadores, porém havia distinções de acordo com sua região e a função que exerciam. Assim recebiam as denominações: trovador, jogral, menestrel ou segrel. O trovador era o poeta das cortes feudais, considerado o artista completo pois compunha e interpretava suas cantigas sem nenhuma preocupação com recurso financeiro visto que era descendente de linhagem nobre. O jogral, menestrel ou segrel eram poetas que pertenciam a uma classe social inferior, que iam de castelo em castelo no intuito de entreter a nobreza, recebendo com isso, alguma forma de pagamento. Estes jograis eram acompanhados pelas jogralesas, moças que auxiliavam nas interpretações das poesias, dançavam, tocavam castanholas e cantavam. Iniciava-se a inserção da mulher nas manifestações literárias. Antes do século XII havia distinção quanto ao tratamento da mulher de acordo com a classe social. Nos círculos sociais mais altos as mulheres não eram tratadas com nenhum tipo de ternura, mas eram igualadas fisicamente com seus maridos. Porém, em uma época em que se valorizava a força viril, a mulher tinha seu espaço limitado. Seu principal papel era procriar e por ser submissa ao marido era comum a esposa apanhar. Em O Processo Civilizador, Elias Norbert afirma que entre os séculos XII e XIII a agressão física mais comum à mulher era o soco no nariz. Nas classes sociais inferiores a situação feminina era ainda pior. O homem poderia maltratar sua mulher de qualquer forma sem cometer nenhuma infração jurídica desde que não a matasse. Em meio a condições sociais tão difíceis para a mulher, quando esta falava de amor no mundo medieval estava sempre se referindo a experiências vividas com carinhosos e amáveis amantes, de modo algum com seu marido, sempre se remetia a infidelidade conjugal. No que diz respeito a mulher como protagonista das cantigas dos trovadores, muitas vezes nada tinha que ver com o conceito de amor cortês demonstrados nas poesias. Os grandes amores cantados eram muitas vezes endereçados as mulheres casadas, herdeiras de seus próprios bens e livres para usa-los sem o 3 consentimento do marido. Conclui-se que os trovadores louvavam as damas por razões econômicas. Havia então uma forma de escape feminino naquele tempo. Eram os chamados gineceus, locais destinados as mulheres onde estas exerciam várias atividades como: canções de fiar, canções de gestas, romances e serões literários. Este era o espaço onde a mulher tinha voz e vez. Neste espaço privado as mulheres contavam devaneios e confidencias protegidas de qualquer condenação da sociedade. Foi então que surgiram as cantigas compostas e muitas vezes interpretadas pelas próprias mulheres em cerimônias religiosas. Com a separação criada pelo trovadorismo dos trovadores como compositores e o jogral como executor, o papel da mulher declina de compositora e cantora para dançarina. No entanto, a arte feminina não some completamente. Muitas mulheres ainda foram autoras de peças e canções trovadorescas na Idade média. Portugal O trovadorismo foi a primeiro movimento literário de língua portuguesa. Herda muitas das características medievais tanto em seus cantos como em seus trovadores. A poesia trovadoresca portuguesa divide-se em dois gêneros: o lírico e o satírico. O primeiro caracteriza-se por ter uma temática amorosa, por meio das cantigas de amor e cantigas de amigo. O segundo sempre estava criticando alguém, de forma sutil ou grosseira, com as cantigas de escárnio e de maldizer. Nas cantigas de amor a mulher estava inserida como um amor idealizado, de uma beleza enlouquecedora, uma amada inatingível para seu amante. Sendo este submisso a sua dama com absoluta fidelidade permanecendo seu nome no anonimato. Por falta de correspondência desse amor, o trovador perde o apetite, tem insônia e a dor do amor. São cantigas palacianas. Nas cantigas de amigo, o “eu-lírico” é feminino. Ainda que todos os poetas medievais fossem homens, utilizavam o ponto de vista feminino nessas cantigas, que tem como tema o erotismo feminino e os conflitos resultantes da ausência do “amigo”. Devem o seu nome ao fato de que na maior parte delas aparece a palavra amigo com sentido de pretendente, amante ou esposo. 4 As cantigas de escárnio eram feitas para se dizer mal de alguém, por meio de linguagem irônica, trocadilhos e jogos semânticos. Era uma sátira indireta e velada, para que o destinatário não fosse reconhecido. Já as cantigas de maldizer eram bem diretas sem duplos sentidos. Usando linguagem baixa como palavrões como agressão verbal a pessoa satirizada, que podia ou não ter seu nome revelado. Além das poesias, o trovadorismo se caracterizou também por suas novelas de cavalaria e peças teatrais. Neste segundo analisamos o papel da mulher nas obras de Gil Vicente, considerado o primeiro dramaturgo português, além de poeta de renome. Suas obras são vistas como reflexo da mudança dos tempos e da passagem da Idade Média para o Renascimento. As figuras femininas Vicentinas recebiam um tratamento especial, o que ocasionou em uma enorme simpatia por parte de nobres e plebeias. A mulher portuguesa em nada se diferenciava de suas contemporâneas francesas ou espanholas. As donzelas só saiam para a igreja e as mulheres casadas viravam escravas do lar. Convívio social era mínimo, a não ser em saraus, bailes e valsas para algumas poucas privilegiadas. Assim as heroínas de Gil Vicente, como Sibila Cassandra, Mofina Mendes, Isabel, Rubena, Cismena, Dominiclia, Orina, Flérida, Juliana Ilária, traçam um retrato da mulher do século XVI. Expõe suas angustias, contradições e questionamentos, anseios de liberdade, igualdade, denuncia do jugo dos homens, da falsa vassalagem do amor cortês, das retóricas enganadoras que terminavam depois da sedução. Algumas de suas peças foram posteriormente adaptadas na literatura de cordel. No Brasil Escrever sobre a mulher como autora de literatura de cordel é algo bastante desafiador, já que esta é uma literatura de grande circulação e importância, porém um assunto com poucas fontes uma vez, que quando fala-se destas obras é muito comum tratar-se apenas de autores notando uma ausência de autoras, sendo assim o conhecimento da autoria feminina algo muito recente. Como já foi dito, as primeiras remessas de folhetos vindos para o Brasil vieram de Portugal, teve seu início no período do descobrimento, era feita sobre a análise de 5 censores para o Rio de Janeiro, Bahia Pernambuco, Maranhão e Pará, alguns dos fatores de ter se desenvolvido em maior quantidade no Nordeste, foi uma adaptação mais estável do português e do africano escravo nesta região a esse tipo de literatura, que trazia estórias, mas também notícias, críticas sociais e outros temas. Diante do cânone literário, o cordel é tratado como obra periférica, por conta da linguagem utilizada, a forma de ser produzida, também por ser primeiramente e realizada geralmente por analfabetos, torna assim a inserção da mulher nesse meio mais complicada já que é criada quase sempre por pessoas do ambiente rural lugar em que a mulher é dona do lar, devia obediência ao marido e sequer sabia ler já que para a sociedade isso é perigoso (Lemaire,2005,p 28). Um outro fator que contribuiu para o sobressalto do autor é que este viajava, ia as feiras, as festas típicas, vaquejadas, as praças, ao encontro do público recitava e cantava além de assumir muitas vezes papel de personagem em suas obras, tudo isso para conseguir vender seu folheto e a mulher mais uma vez era privada desta exposição social. Primeira cordelista brasileira A primeira cordelista que se tem registros, é Maria das Neves Batista Pimentel, sua obra é o “O violino do diabo ou o valor da honestidade”, filha do poeta e editor de cordel dono de uma livraria e tipografia o que facilitou muito a impressão e comércio de suas obras, contudo teve que usar um pseudônimo já que em 1938 não era comum mulheres escreverem obras como esta, e para não ser a única passou a assinar como Altino Alagoano. “Todos os folhetos que foram vendidos na livraria de meu pai ou que foram impressos, tinham nomes de homem, eram homens que faziam, não existia naquele tempo, folheto feito por mulher, e eu, pra que não fosse a única né?, Meu nome aparecesse no folheto, não fosse a única, então eu disse: Eu não vou botar meu nome. Aí meu marido disse: Coloque Altino Alagoano” (QUEIROZ,2006, p57) 6 No primeiro folheto O violino do Diabo, Maria das Neves faz uma adaptação escrevendo em versos um romance popular espanhol de Victor Pérez Escrich, mantendo a narrativa e mensagem alterando apenas a linguagem, já que o público destinado era outro. A primeira estrofe do poema é a seguinte: “A virtude é um espelho de diamante que faz retroceder o vício, receoso de ver retratadas as suas asquerosas feições. Algumas vezes intenta despedaça-lo, esgrime ardilosamente as suas armas, mas não leva muito tempo para reconhecer a sua importância, e foge envergonhado de si próprio”. Sua adaptação se transfigura da seguinte forma: A virtude é um lago De aguas bem cristalina, Um espelho de diamante, Uma jóia rara e fina, Onde o vício não pode Lançar a mão assassina! Pode-se notar resquícios do texto original em sua obra, porém ela reelabora sua narrativa, dando suas próprias características de forma para que o público alvo se reconheça nela. De acordo com Doralice Alves, outras obras de autoria femininas só surgirão na década de 70, entre exemplos dessa afirmativa estão, Vivência Macedo que pública o A B C da Umbanda, em 1972 Salvador ( BA), Maria José de Oliveira Maceió (AL) que escreveu Ou Sou Ou deixo de ser, 1977, Maria Arlinda dos Santos com, A história de Zé Fubuia, Salvador (BA) 1982 entre algumas outras. Contemporâneo Nos dias atuais, pode-se ter conhecimento da escrita feminina de cordel geralmente em eventos, projetos culturais regionais e mesmo herdando tradições dos cantores nordestinos, elas tem formas particulares de escrever, e sua grande maioria está 7 ligada a universidades, são graduadas, doutoras, ou mestres em diferentes áreas não utilizam a produção cordelista para se manter, não são encontradas em feiras, elas comumente estão em eventos sociais, passeatas onde algumas poetisas se destacam a partir das temáticas que trabalham e um grande referencial é a cordelista Salete Maria. Alguns de seus folhetos são: A história de Joca e Juarez, O dia dos maus entendidos, O dia do orgulho gay, Habeas bocas companheiras! Mulheres Fazem, O que é ser mulher, Mulher-consciência Mulher-Cariri Cariri-Mulher, embalando meninas em tempo de violência, Cidadania, nome de mulher. Salete Maria é cordelista feminista, professora da Universidade Federal da Bahia-UFBA, foi professora do curso de Direito da Universidade Regional do CaririURCA, sediada no sul do Ceará, é membro-fundadora da Sociedade dos Cordelistas Mauditos, escreve cordéis há cerca de 20 anos com diversas temáticas. Seus personagens preferidos são as mulheres, homossexuais, negros e os menos privilegiados. Trabalha temas polêmicos como o papel da mulher na sociedade, violência contra a mulher, a velhice, homossexualidade. Em suas obras usa diversas linguagens abordando rimas inventivas, irônicas dramático-cômicas e acima de todas política e intertextual, sua meta é usar de seu folhetos para lutar por direitos humanos tentando fazer da sociedade um lugar mais justo. As mulheres escrevem para fazer protestos com suas obras, se libertar da opressão e do silencio vivido por muitas décadas mostrar e firmar suas próprias visões do mundo e da sociedade, uma grande prova disso é que os temas abordados por uma pluralidades destas são temas sociais (ecologia, saúde da mulher, violência contra a mulher, aborto, homo erotismo dentre outros) e elas terminam sempre com um tom moralizador. A mulher retratada nos folhetos A personagem feminina no livreto de autoria masculina tem uma figura sempre cheia de virtudes, amor, beleza, honestidade e sempre moralizante a rainha do lar, a mulher que não se mostrava nesses padrões é retratada como prostituta ou tinha pactos com o capeta. As mulheres quando constroem suas personagens procuram uma percepção interior, uma visão de dentro, quanto ao ser e ao estar, propondo novas identidades e deixando-as livres das velhas características patriarcais. 8 Lugar de mulher Do ponto de vista onde me encontro Na janela dum sobrado Daqui onde me defronto Com meu presente passado Fico metendo a colher Do meu lugar de mulher Nesse mundão desgarrado Do meu ângulo obtuso Num canto da camarinha Afrouxo um parafuso Liberto uma andorinha Desmancho uma estrutura Arranco uma fechadura Desmonto uma ladainha Reza a história do mundo Que mulher tem seu lugar É um discurso corcundo E prenche de blá blá blá Eu que ando em toda parte Divulgo através de arte Outro modo de pensar ... Lugar de mulher é sauna Capela, bonde, motel Lugar de mulher é fauna Terreiro, campus, quartel Lugar de mulher é casa Seja na faixa de gaza Ou no Morro do Borel 9 Lugar de mulher é cama Seresta, parque novena Lugar de mulher é lama Escola, laje, cinema Lugar de mulher é ninho Dos becos do Pelourinho Às aguas de Ipanema Lugar de mulher é roça Riacho, circo, cozinha Lugar de mulher é bossa Reisado, feira e lapinha Lugar de mulher é chão Das ruelas do Sudão Ás veredas da Serrinha Lugar de mulher é mangue Deserto, vila mansão Lugar de mulher é gangue Novela, birô, oitão Lugar de mulher é mar Das praias do Canadá Ao céu do Cazaquistão Lugar de mulher é ponte Trincheira, jardim, salão Lugar de mulher é fonte Indústria, baile, fogão Lugar de mulher é mina Do solo de Teresina Ao morro do Alemão ... De minha perspectiva Mulher não tem lugar 10 Onde quer que sobreviva Pode ser seu habitat Lugares existem zil Eu mesma sou do Brasil E vivo no Ceará Após a leitura de trechos da obra de Salete Maria pode-se confirmar, que ela realmente convida o leitor para uma reflexão sobre a condição feminina na atualidade, usa de uma linguagem, irreverente, contestadora e irônica, a partir de seus versos é possível observar uma tomada de consciência, a formação da identidade feminina (Queiroz, 2006,p 105), além da procura de liberdade para a vida em todas as suas manifestações. Conclusões Finais Há quem diga que a literatura de cordel já não tem relevância, que está morta. Porém, contradizendo tais comentários, estamos em pleno século XXI e tudo leva a crer que esta literatura está longe de desaparecer. O cordel passa por inúmeras mudanças ao longo do tempo. De oral para escrito, para folhetos, sua temática, a inserção da mulher como autora entre outras evoluções. Hoje, uma literatura que era estritamente popular, ou seja, típica do sertão do Brasil, já toma posse de áreas urbanas, levando consigo as temáticas necessárias para se adaptar a cada ambiente. Antes com o papel de informar sobre acontecimentos da localidade, hoje com o papel de crítica política, social e cultural o cordel vem evoluindo junto com as massas. A literatura de cordel expressa essencialmente a cultura brasileira para os outros países. Nossa arte mais pura, retratada pelas mãos de homens e mulheres brasileiros. 11