Por Carlos Roberto Costa Ricardo Negrão SEGURANÇA JURÍDICA NAS AQUISIÇÕES DE IMÓVEIS: BREVE ABORDAGEM SOBRE AS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.097/15 E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Quanto o sistema de registro imobiliário por meio das “matrículas” foi instituído, o legislador esperava ter dado um passo definitivo rumo à segurança jurídica nas aquisições imobiliárias. Afinal, preservado o princípio da continuidade, da ordem de preferência dos registros e a possibilidade de averbações de atos constritivos, teríamos um Regime semelhante ao do direito alemão, ou seja, um sistema efetivamente cadastral da propriedade imobiliária. Entretanto, o sistema brasileiro diverge do alemão, pois, no primeiro, a transcrição do título aquisitivo da propriedade no registro imobiliário importa presunção relativa de propriedade do imóvel em relação àquele que figura como “adquirente” (vide art. 1245, §2º, do Código Civil), admitindo-se, portanto, prova em contrário; enquanto que, no segundo sistema (o alemão), tal presunção é absoluta, porquanto não se admite prova em contrário. Referida presunção absoluta se dá, principalmente, também pelo “fator tempo”, ou seja, o fato do sistema alemão ter adotado desde o seu início, no século XIX, as informações do cadastro físico, enquanto, a matrícula do registro de imóveis foi introduzida no sistema brasileiro há pouco menos de quatro décadas. Além disso, diante da extensão territorial de nosso país, verificamos, muitas vezes, e não só no interior dos Estados, a falta de infraestrutura, padronização, correto arquivo do histórico dos imóveis e até falta de preparo técnico dos Oficiais e Escreventes, o que não permite conferir a toda a segurança necessária quando da alienação e aquisição de bens imóveis. Ademais, consagrou-se no nosso sistema, que para a configuração da fraude de execução (essa sim, presunção absoluta), bastava a pendência, contra o proprietário, de ação capaz de reduzi-lo à insolência. Isso sem mencionar que há também configuração de fraude nos casos de possível aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, o que acarreta na efetiva possibilidade do negócio imobiliário ser considerado fraudulento (ineficaz em relação a determinado credor), quando o proprietário sequer era parte no processo original (mas apenas a empresa da qual ele, proprietário, fosse sócio ou diretor)... Diante de tais circunstâncias, o adquirente minimamente responsável, deve se munir dos cuidados necessários para a análise ampla dos riscos envolvidos na aquisição. Visando desburocratização e aumento da segurança jurídica dos negócios imobiliários, em 07 de outubro de 2014, foi editada a MP 656, posteriormente, convertida na Lei 13.097 de 19 de janeiro de 2015. Como muitas medidas provisórias, essa também se configurou verdadeira panaceia jurídica... Contudo, em síntese, dentre as inovações trazidas quanto ao tema acima referido, a Lei previu que os negócios jurídicos imobiliários apenas seriam ineficazes em relação aos atos jurídicos precedentes que tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel, conforme segue: Rua Fidêncio Ramos 160 6º andar Itaim Bibi 04551 010 São Paulo SP T+55 11 3047 0777 W www.nfbc.com.br (i) registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias (esse entendimento vai na linha da Súmula 375 do STJ e já possuía previsão legal na Lei 6.015/79 - Lei de Registros Públicos, artigo 167, inciso I, alínea 21); (ii) averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença (procedimento já previsto, desde 2006, no artigo 615-A do Código de Processo Civil); (iii) averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previsto em lei (igualmente mais do mesmo neste sentido, o arrolamento fiscal, a alienação fiduciária em garantia, a hipoteca e afins que, de uma maneira ou de outra, configurem restrições ao gozo dos direitos registrados); e (iv) averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência (neste item, a MP 656 faz remissão expressa ao artigo 593, inciso II do Código de Processo Civil, que é a hipótese legal de configuração da fraude de execução relativa à insolvência do devedor). Em outras palavras, a referida Lei procurou assegurar que, estando a matrícula livre e desembaraçada de ônus e gravames, estava assegurado ao adquirente a sua boa-fé objetiva, não se configurando a fraude de execução, salvo se a pendência estivesse inscrita na matrícula. Pois bem, enquanto ainda discutia-se acerca de tais inovações, soluções e eventuais problemas trazidos pela Lei 13.097, o novo Código de Processo Civil foi aprovado pelo congresso e sancionado pela presidência da república em 16 de março de 2015, transformando-se na Lei nº 13.105/15 (NCPC). Dentre outras reformulações, o NCPC, visou permitir maior celeridade aos andamentos processuais, fortalecer a jurisprudência e a cooperação menos burocrática entre juízes e advogados. Certamente muito ainda se debaterá acerca de todas as inovações introduzidas no sistema. Contudo, especificamente no que tange à segurança jurídica dos negócios imobiliários, o NCPC, no Capítulo que trata da Responsabilidade Patrimonial, apresentou situação bastante semelhante ao que foi proposto pela Lei 13.097, vejamos: “Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver; II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828; III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude; IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; V – nos demais casos expressos em lei. Rua Fidêncio Ramos 160 6º andar Itaim Bibi 04551 010 São Paulo SP T+55 11 3047 0777 W www.nfbc.com.br § 1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente. § 2º No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem. § 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar. § 4º Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias. Art. 793. O exequente que estiver, por direito de retenção, na posse de coisa pertencente ao devedor não poderá promover a execução sobre outros bens senão depois de excutida a coisa que se achar em seu poder” (g.n) Entretanto, apesar de semelhantes em muitos aspectos, a redação dada ao inciso IV do art. 792 do NCPC, abriu o precedente para discussão e, mais precisamente, parece-nos ter mantido o sistema de configuração de fraude vigente anteriormente à Lei 13.097/15. Isto, pois, conforme mencionado anteriormente, a Lei 13.097 é clara quando trata da necessidade da averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, para caracterização da fraude à execução. Enquanto o NCPC, no inciso IV do artigo 792 supra referido, considera, para caracterização da fraude à execução, a mera tramitação de ação que possa levar o seu proprietário à insolvência, quando da alienação ou oneração do bem (idêntico sistema vigente no código anterior). Se não fosse a confusão causada pela redação dada ao inciso IV, a própria redação dada ao §2º do inciso V, corroboraria com a intenção da Lei 13.097, eliminando, talvez definitivamente, a necessidade da comprovação da boa-fé por meio da obtenção de todas as “certidões pertinentes”. Assim, com relação principalmente a este importante item, somente a jurisprudência poderá atestar e ditar a sua aplicabilidade (certamente haverá acalorado debate quanto à prevalência da lei específica em relação à lei geral; contudo, a 13.097/15 não é assim tão específica... e, fato, o NCPC é lei posterior). Certamente, para garantia da segurança jurídica recomendamos não eliminar a análise das certidões pertinentes. Isso porque, nosso entendimento não se subsume à comprovação da boa-fé com base somente na certidão de matrícula livre de ônus e tão pouco consideramos juridicamente seguros respaldar a boa-fé apenas na inércia do terceiro credor em promover a averbação da existência de ação judicial na matrícula do imóvel do pretenso devedor. Notadamente mais relevante ainda a análise de certidões da justiça trabalhista e das execuções fiscais; sem uma prévia e clara uniformização da jurisprudência nessas cearas de jurisdição e, Rua Fidêncio Ramos 160 6º andar Itaim Bibi 04551 010 São Paulo SP T+55 11 3047 0777 W www.nfbc.com.br ainda, sem uma clara e firme padronização nacional dos procedimentos do registro imobiliário, recomendável debruçar-se sobre todos os documentos e certidões possíveis. Rua Fidêncio Ramos 160 6º andar Itaim Bibi 04551 010 São Paulo SP T+55 11 3047 0777 W www.nfbc.com.br