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BOA-FÉ OBJETIVA E O COMBATE À LESÃO CONTRATUAL
George Newton Cysne Frota Junior1
Prof. José Vander Tomaz Chaves2
RESUMO
O presente trabalho busca trazer uma análise bibliográfica sobre a inclusão da boa- fé objetiva
e o retorno do instituto da lesão no novo Código Civil, relacionar os dois institutos e sua
implicabilidade no direito contratual.
Iniciaremos tratando do novo paradigma nas relações contratuais dentro do Estado
Democrático de Direito para, num segundo tópico, conhecermos os princípios norteadores de
direito contratual, dedicando maior esmero à boa- fé objetiva. Logo em seguida, analisaremos
os vícios de consentimento, especificamente o instituto da lesão para, na seqüência,
avaliarmos o que este feri a boa-fé esperada nas relações contratuais.
Palavras-chave: Boa- fé objetiva. Contratos. Lesão. Princípios.
ABSTRACT
The present work searchs to bring a bibliographical analysis on the inclusion of the objective
good- faith and the return of the institute of the injury in the new Civil Code, to relate the two
justinian codes and its implicabilidade in the contractual right. We will initiate inside treating
to the new paradigm in the contractual relations of the Democratic State of Right for, in as a
topical one, to know the principles norteadores of contractual right, dedicating bigger care to
the objective good- faith. Immediately afterwards, we will analyze the assent vices,
specifically the institute of the injury for, in the sequence, to evaluate what this I wounded the
good- faith waited in the contractual relations.
Word-key: Minimum objective Good-faith. Contracts. Injury. Principles.
1
Graduando em Direito da Faculdade Sete de Setembro - Fa7. Matricu la: 0911144.
E-mail:
[email protected]
2
Mestre em Direito pela Un iversidade Federal do Ceará. Professor da cadeira de Direito Civil III da
Faculdade Sete de Setembro – Fa7. E-mail: [email protected]
1
INTRODUÇÃO
Um Ordenamento Jurídico pode ser mais solidarista ou individualistas, conforme o
espírito cultural de cada povo. O apego ao formalismo e à literalidade pode tornar o Direito,
aquele que deve amparar a Justiça, coisa diversa do justo. O exercício da influência do Estado
nas relações entre particulares deve, rigorosamente, ser mensurado e criticado, a fim de que se
construa uma efetiva evolução e dinamicidade do nosso ordenamento jurídico; sendo
justificado, pois, este estudo.
Os princípios libertários surgidos no contexto da Revolução Francesa defendem um
Estado não interventor e que os homens possuem o direito a se auto-regulamentarem. Sair da
ótica individualista, porém, voltando-se para uma visão solidarista que ampara o elo mais
fraco quando prejudicado é o novo paradigma do Direito Contratual.
O presente trabalho busca trazer uma análise bibliográfica sobre a inclusão da boa- fé
objetiva e o retorno do instituto da lesão no novo Código Civil, relacionar os dois institutos e
sua implicabilidade no Direito Contratual. Busca-se ainda esclarecer qual o papel do instituto
de lesão no Direito Civil e no que ele atinge o princípio da boa- fé objetiva.
A metodologia empregada foi revisão bibliográfica da boa-fé objetiva e do instituto da
lesão em seus contextos históricos, de Leis, bem como da Jurisprudência.
Iniciaremos tratando do novo paradigma nas relações contratuais dentro do Estado
Democrático de Direito para, num segundo tópico, conhecermos os princípios norteadores de
direito contratual, dedicando maior esmero à boa- fé objetiva. Logo em seguida, analisaremos
os vícios de consentimento, especificamente o instituto da lesão para, na seqüência,
avaliarmos o que este feri a boa-fé esperada nas relações contratuais; encerrando-se com as
conclusões colhidas.
1) CÓDIGO CIVIL DE 2002, UM NOVO PARADIGMA NAS RELAÇÕES
CONTRATUAIS;
O Direito Civil é o Direito comum, o que rege as relações entre os particulares. Seu
circulo de influência abrange desde a concepção até após a morte das pessoas. As pilastras
que sustentam a Disciplina Cível remontam ao Direito Romano e, no referente a contratos, o
instituto se fazia necessário para garantir segurança na circulação de riquezas. Segundo CAIO
MÁRIO,
Enquanto o indivíduo admitiu a possibilidade de obter o
necessário pela violência, não pôde apurar o senso ético, que
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somente veio ganhar maior amplitude quando o contrato o
convenceu das excelências de observar normas de comportamento na
consecução do desejado. (2007, v.III, p. 11;12)
Como preleciona AGERSON TABOSA, o Direito Romano, antes fechado ao mercado
externo, passou, posteriormente, a disciplinar as relações com os estrangeiros, Jus Gentium, o
que comprova o interesse romano em regulamentar a circulação de riquezas para poder
ampliar seus negócios. Segundo o autor: É que Roma sentiu necessidade de abrir as suas
portas ao mercado exterior, a fim de vender seus excedentes de produção e expandir seu
imperialismo. (2007, p. 25)
Um Ordenamento Jurídico pode ser mais solidarista ou individualistas, conforme o
espírito cultural de cada povo. O Direito Antigo era caracterizado pelo formalismo,
conservadorismos e inflexibilidade, pode-se exemplificar esse período, referindo-se ao
jurisconsulto GAIO, transcrito por AGERSON TABOSA,
[...] perdia a ação quem, agindo por causa de videiras
cortadas, mencionava videiras, pois a Lei das XII tábuas, na qual se
fundava a ação, falava de árvores cortadas em geral. (2007, p. 24)
Já se pode extrair uma lição desse período, o apego ao formalismo e à literalidade
pode tornar o Direito, aquele que deve amparar a Justiça, coisa diversa do justo. Deve o
Direito rastrear, valendo-se de todo o seu aparato, o que é jurídico - aquele direito que na
relação realmente é conferida às partes; alinhando-o ao que é judicial – aquilo que o juiz, em
face dos fatos e das provas, decide no caso concreto.
O Código Civil de 1916 recebeu direta influência do Direito Romano. Este, em seu
início, caracterizava-se, segundo AGERSON TABOSA, pelo a) Individualismo, b)
Positivismo e c) Conservadorismo (2007, p.18).
A Obra Civil de 1916 é de autoria de Clóvis Beviláqua, reconhecido pandectista que
espelhou esta visão romanista do direito, pautada no indivíduo. Nossa matéria cível, contudo,
recebe também influência, principalmente no novel Código, do BGB – Código Civil Alemão
com caráter social.
1.1)
Contratos: Definição e etimologia
Preleciona o renomado professor AGERSON TABOSA que os contratos são de
grande importância como fonte de obrigações assim como os delitos na seara penal. Contrato
vem de Contráhere= contrair, sugerindo constrangimento, coerção. Contráhere deriva de
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cum + tráher, que significa arrastar com. Citando o ilustre Mestre, Contrato, em Direito
Romano, é acordo formal e expresso de vontade, sobre determinado objeto, destinado a criar
obrigações civis. (2007, p. 279)
Não
possui
a
mesma
conotação
atual,
sendo
mais
flexível
e
amplo
contemporaneamente. A doutrina traz o conceito de contrato sem muitas divergências.
Vejamos.
Para CAIO MÁRIO, [...]um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a
finalidade de adquirir, resguardar,
transferir, conservar, modificar ou extinguir
direitos.(2007, v. III, p. 7)
Segundo lição de FABIO UCHOA COELHO, Contrato é o negócio jurídico bilateral
ou plurilateral gerador de obrigação para uma ou todas as partes, às quais correspondem
direitos titulados por elas. (2005, v.III, p. 22)
Na mesma linha, MARIA HELENA DINIZ, O contrato constitui uma espécie de
negócio jurídico, de natureza bilateral ou plurilateral, dependendo, para sua formação, do
encontro de vontade das partes, por ser ato regulamentador de interesse privado (2009, v.III,
p. 11).
O fundamento ético do contrato é a vontade humana, desde que atue em conformidade
com a ordem jurídica. Os novos paradigmas do Direito Contratual trazem a função solidarista,
militando a favor da superação do individualismo do direito obrigacional clássico.
1.2)
Estado absolutista
Em momento do absolutismo político vivido até o início do séc. XVIII, onde a vontade
do monarca se confundia com a vontade do Estado, enfrentava-se um Direito voltado aos
interesses individuais em detrimento da coletividade. Nesse sistema de governo, o Estado era
interventor, ditador das diversas relações jurídicas. Como aduz DALLARI: “O Estado
Moderno nasceu absolutista e durante alguns séculos todos os defeitos e virtudes do monarca
foram confundidos com as qualidades do Estado” (2006, p.278)
O mercado era de subsistência e o comércio sofria intervenção direta do Estado por
cobranças tributárias desmesuradas e exploração da classe comerciante, a burguesia.
O desenvolvimento da idéia de Direitos Fundamentais, relacionados à dignidade da
pessoa
humana,
princípio
básico
das
relações
contratuais,
segundo
GEORGE
MARMELSTEIN, [...] somente ocorreu por volta do séc. XVIII, com o surgimento do modelo
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político chamado Estado Democrático de Direito, resultante das chamadas revoluções
liberais burguesas. (2009, p.33)
Uma corrente jurídica foi paulatinamente se fortalecendo, a que defendia um Estado de
intervenção mínima e que deixasse o caminho livre para as relações de comércio, de contrato
e outras relações.
1.3)
Estado liberal
A classe burguesa ascendente ansiava por desenvolver a economia, sendo para isso
imprescindível a redução da intervenção do Estado nas relações privadas.
Ponderando-se os benefícios e malefícios desse Estado Mínimo, constata-se que, embora
tenha trazido inegáveis benefícios como o progresso econômico, a consciência da importância
da liberdade humana entre outros paradigmas de liberdade ; existiu, à mesma época, uma
profunda desigualdade social decorrente do individualismo exacerbado da sociedade. O
Estado amparava as relações de comércio legalizando a livre concorrência se m proteger o elo
mais fraco das relações. Valemo-nos de ICILLIO VANNI, transcrito por DALLARI, [...] por
um complexo de condições próprias da vida social, alguns podem, agindo com plena
liberdade, receber mais ou menos do que a justiça queria que lhes fosse atribuída (2006,
p.281)
O pensamento da época era pautado no princípio da revolução francesa libertè, onde se
fazia imperioso que a economia tivesse flexibilidade e segurança para crescer. Citando
GEORGE MARMEILSTEIN,
[...] O recado dado pela burguesia para o governante [...] era
bastante direto: projeta minha propriedade [...], cumpra a lei que
meus representantes aprovarem [...] e não se meta em meus
negócios, nem em minha vida particular, especialmente na escolha
de minha religião. (2009, p. 45)
Preleciona ainda o aludido autor que os Direitos Civis são resultado dessas declarações
liberais, conhecidos como direitos de primeira geração, teoria de KAREL VASAK.
1.4) Direito Civil no Estado Democrático de Direito;
Os vícios do Estado Liberal estimularam os movimentos socialistas e, somados ao
período de guerra no séc. XX, começou a ceder passo ao constitucionalismo social, cujo
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conteúdo, antes de primar por meras limitações à ação estatal, passa a reconhecer obrigações
positivas ao Estado.
O Ordenamento Jurídico deve acompanhar as vicissitudes sociais para ser legítimo. Os
objetivos fundamentais sacramentados na Constituição de 1988 devem ser respeitados nas
relações entre particulares.
1.5) O que mudou?
A entrada em vigor, o Novo Código Civil de 2002 trouxe um novo paradigma para o
Direito Contratual. As principais mudanças no âmbito dos contratos foram implementadas
pelas Cláusulas Gerais.
Não há dúvida de que o Código Civil de 1916 foi obra magnífica cujos dispositivos e
estrutura foram contemplados no novel Código. Preleciona SÍLVIO VENOSA,
O fato é que nosso Código representava em seu tempo o que de
mais completo se conhecia no campo do Direito. Suas idéias eram, de
fato, piegas e burguesas, como fruto da cultura da época. (2010, p.
100)
No entanto, tratava-se de um código projetado ao final de séc. XIX e vigorado por
todo séc. XX, imperioso era que se mudassem seus conceitos principalmente à luz da
Constituição de 1988.
FABIO UCHOA COELHO relata com pomposa maestria o que um paradigma
distorcido do Direito Contratual pode acarretar:
Sob a perspectiva estrita da eficiência econômica. Pode não se
justificar, por exemplo, a adaptação de prédios para facilitar o
acesso para deficientes físicos. Mas terá em mira atender a um valor
de justiça conquistado ao longo de séculos de evolução cultural.
(2005, v.III, p. 17,18)
A aprovação do Código Reale, contemplando os princípios contemporâneos que
influenciaram profundamente os conceitos do Direito Contratual, ampliou a intervenção do
Estado na economia do contrato, Dirigismo Contratual. O Estado se fará presente no negócio
jurídico contratual para evitar manifestas desigualdades e a ruína dos elos mais fracos da
relação, garantindo a ordem pública.
Um novo paradigma surge. O Direito Contratual afasta-se das concepções
individualistas característicos do diploma anterior, seguindo o princípio de socialização. O
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sentido social representa-se pela: a) limitação do alcance da liberdade contratual; b)
relativização da relatividade dos contratos; c) a ótica deste direito deixou de ser o individuo e
passou a ser a coletividade e d) flexibilizou-se a obrigatoriedade quando o contrato se vê
maculado por vícios seja na manifestação da vontade (vícios de consentimento) seja na
conduta proba e reta que as partes devem buscar (boa-fé objetiva).
2) PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL
2.1)
Princípios Clássicos do Direito Civil
Os princípios clássicos do Direito Contratual abordam principalmente a liberdade nos
contratos. São eles autonomia da vontade, pacta sunt servanda e relatividade dos contratos os
quais trataremos superficialmente para entrarmos no centro de nossa discussão mais a frente.
2.1.1) Autonomia da Vontade
O princípio hora trabalhado se refere na ampla liberdade contratual, que difere da
liberdade de contratar. Esta é espécie daquela, gênero. É amparada pelos art. 421 e 425 do
Código Civil de 2002 que já encontra limite pela função social do contrato.
A liberdade contratual se segmenta na liberdade de escolher com quem contratar, às
partes é dado o direito da escolha do outro contratante; liberdade para escolher o conteúdo do
contrato, visto que as vontades são manifestadas por intermédio deste conteúdo; e a liberdade
de contratar, pois têm as partes a liberdade de contratar ou não, visto que q ualquer
constrangimento que macule essa liberdade acarretará vício de consentimento, podendo ser o
contrato revisado (enunciado n.149 III Jornada de Direito Civil) e até anulado (art. 171, II,
CC).
2.1.2) Pacta Sunt Servanda – Princípio da Obrigatoriedade nos Contratos
Este princípio expressa, segundo CARLOS ROBERTO GONÇALVES, a força
vinculante das convenções. (2009, v.III, p.28).
O Contrato representa o poder de auto-regulamentação dos privados, regulamentação
esta que faz lei entre as partes e que não pode ser desonrada ao bel-prazer dos contratantes.
Sem obrigatoriedade não haveria segurança jurídica, instaurando-se um caos econômico.
Preleciona o mencionado autor que a pacta sunt servanda se fundamenta na necessidade de
segurança nos negócios e na intangibilidade e imutabilidade dos contratos.
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2.1.3) Relatividade Contratual
Refere-se ao círculo de influência dos contratos que, segundo este princípio, diz
respeito somente às partes, não aproveitando nem prejudicando a terceiros. Fazendo alusão ao
princípio da autonomia da vontade, como pode um contrato vincular aquele que não se
manifestou para tal obrigação?
Contudo a doutrina discute o abalo que o princípio tratado sofreu com o novo Código
Civil, pois deixou de pensar o contrato somente nos limites dos interesses pessoais dos
contratantes, colocando-o sob o olhar da função social do contrato.
2.2)
Princípios Conte mporâneos;
Os novos princípios sacramentados no novel Codex trouxeram uma mudança de
paradigma do Direito Contratual.
2.2.1) Função Social do Contrato
Conforme mencionado, o Código Civil de 2002 buscou nortear-se pelas concepções
solidaristas que a sociedade já vivia e que já se contemplavam na Constituição de 88. O
individualismo do ancestral Código cedeu espaço para uma visão social. Antes não se
cogitava terceiro interferir em contrato cuja avença o atingia direta ou indiretamente. Agora,
como expresso pelo art. 421 do novel diploma, a liberdade contratual poderá ser exercida com
a condicionante da função social.
Segundo CAIO MÁRIO,
A função social do contrato é um princípio moderno que vem a
se agregar aos princípios clássicos do contrato, que são os da
autonomia da vontade, da força obrigatória, da intangibilidade do
seu conteúdo e da relatividade de seus efeitos. (2007, v.III, p. 14)
Um contrato que tenha todos os requisitos contemplados pode sofrer impedimento,
revisão ou anulação, em função do interesse da coletividade.
3) PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS;
A boa- fé objetiva, na medida da evolução da doutrina e da interpretação de alguns
juristas, foi ganhando grau cada vez mais expressivo. Parece que este princípio, quando
consagrado no novel código, expressou o que há muito a doutrina já ansiava e o que a
jurisprudência estava mostrando.
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3.1) Conceito
A boa-fé exige das partes um comportamento correto, ético. Segundo CARLOS
ROBERTO GONÇALVES, impõe um padrão de conduta reta, com probidade, honestidade e
lealdade, nos moldes do homem comum.
Difere da função social do contrato. Enquanto esta limita a autonomia de vontade para
proteger a sociedade dos efeitos do contrato; a boa- fé objetiva analisa a conduta e os efeitos
internos do contrato, referindo-se à eticidade da conduta das partes.
Extraído de artigo publicado na Revista Âmbito Jurídico realizado pelo grupo de
pesquisa e iniciação científica Processo de Conhecimento, coordenado pela Faculdade de
Direito da Associação Educacional Toledo de Presidente Prudente/SP, sob a orientação do
Professor-doutor Gelson Amaro de Souza,
A expressão boa-fé tem sua origem etimológica a partir da
expressão latina fides, [...], significa a fidelidade e coerência no
cumprimento da expectativa de outrem [...]
3.2) Boa-fé Objetiva no Código Civil de 2002
Este princípio encontra guarida no novo diploma de acordo com a sua função nos
negócios jurídicos. Há três funções amparadas pelo Diploma. Função interpretativa, art. 113;
função de controle dos limites do exercício de direito, art. 187 e, segundo CARLOS
ROBERTO GONÇALVES, a de maior repercussão, o art. 422 referente à função integrativa
do negócio jurídico. Preleciona o aludido autor:
Cabe ao juiz estabelecer a conduta que deveria ter sido adotada
pelo contratante, naquelas circunstâncias, levando em conta ainda os
usos e costumes. Estabelecido esse modelo criado pelo juiz para a
situação, cabe confrontá-lo com o comportamento efetivamente
realizado. (2009, v.III, p. 36)
Pela boa- fé objetiva, passamos a ter um parâmetro, de forma que o comportamento
não condizente com ele, independentemente do aspecto anímico do agente, viola o dever de
atuação imposto e induz conseqüências práticas em favor do prejudicado.
3.3) Efeitos da Boa-fé nos Contratos
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A boa-fé incide diretamente nas condutas manifestadas pelas diversas fases do
contrato, segundo o enunciado n. 25 da I Jornada de Direito Civil do CJF. A jurisprudência
brasileira considera algumas regras limitadoras da autonomia da vontade que proíbem e
punem abuso de posição jurídica. Algumas delas são: a) supressio, perda de um direito pelo
seu não exercício no tempo; b) surrectio, surgimento do direito pelo costume ou
comportamento de uma das partes; c) venire contra factum proprium, proteção contra abuso
de direito em contradição com comportamento assumido anteriormente; e tu quoque, exceção
de contrato não cumprido.
3.4) Deveres Anexos
São deveres anexos os que ultrapassam o cumprimento da prestação e derivam
diretamente do princípio da boa- fé objetiva. A transgressão dos deveres anexos acarreta o que
a doutrina moderna define violação positiva da obrigação ou do contrato.
A doutrina divide os deveres anexos em três grupos, a saber: a) deveres de lealdade e
cooperação (não tomar proveito da outra parte, realizando contratos desproporcionais; afastar
o negócio onde o credor ignora o estado de necessidade que aflige o seu devedor; protege a
pessoa inexperiente no contrato realizado; desfaz o negócio cujo credor pretende exercitar seu
direito de maneira abusiva; afasta o enriquecimento sem causa e protege a confiança
depositada na relação contratual); b) deveres de proteção, de sigilo ou de cuidado (evita
situações de perigo, exige sigilo em específicos negócios, pressupõe cautela de não prejudicar
a outra parte); c) deveres de informação ou esclarecimento (informações de possíveis
conseqüências do contrato; sobre o uso do bem alienado; limites do exercício do bem
alienado; clareza de informações).
4) VÍCIOS DE CONSENTIMENTO, O INSTITUTO DA LESÃO;
No mercado, pessoas diferentes se relacionam a todo instante com necessidades e
interesses diversos. A desigualdade entre as partes pode, indiferente de suas intenções, gerar
vantagens maiores para um lado em detrimento do outro. Essas vantagens, porém, devem ser
limitadas por um teto, visto que, nos contratos comutativos, a equiparação das prestações lhe é
inerente.
Os
vícios
de
consentimento
representam,
segundo
CARLOS
ROBERTO
GONÇALVES, um conflito entre a vontade manifestada e a real intenção do agente. (2008,
v.I, p. 359)
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O Código de 2002 previu como vício de consentimento o erro, o dolo, a coação, o
estado de perigo e incluiu a lesão objetiva, que não era tratada pelo código anterior.
O erro consiste na falsa apresentação da realidade. O agente engana-se sozinho. É
levado a praticar ato ou realizar negócio que não celebraria se estivesse devidamente
esclarecido. Difere do dolo um artifício astucioso empregado para induzir alguém a praticar
ato que o prejudica, aproveitando ao autor do dolo ou a terceiro. O dolo é provocado
intencionalmente. Já a coação é toda ameaça ou pressão exercida sobre o indivíduo para
forçá- lo a praticar um ato ou realizar um negócio que o prejudique, aproveitando ao autor da
coação ou a terceiro. Não se confunde com o dolo, caracterizado pela astúcia. Antes de nos
dedicarmos ao instituto da lesão, trataremos ainda do estado de perigo, situação de extrema
necessidade que conduz uma pessoa a celebrar negócio desproporcional ou excessivo.
4.1) Lesão
A necessidade e o calor do impulso podem gerar contratos desarrazoados. A
necessidade patrimonial pode influenciar diretamente alguém a realizar contrato mesmo
sabendo da existência de manifesta desproporção entre a prestação e contraprestação,
comprometendo a própria subsistência do contratante e de sua família.
4.1.1) Evolução Histórica
A Lei das XII Tábuas trazia conceitos simples sobre este instituto, conferindo
proteção aos direitos reconhecidos, mas que não estavam expressos na lei. Foi dessas
construções que surgiu a figura da restituição (in integrum restitutio), semelhante ao Instituto
da Lesão, pois em ambas se verifica a preocupação com a eqüidade.
Na Idade Média, com a forte influência da Igreja no Estado e no Direito, o Instituto
da Lesão se desenvolveu com o acréscimo de mais dois requisitos de índole subjetiva, a
existência do dolo de aproveitamento e a discrepância entre o justo e o combinado.
Conforme visto, após a Revolução Francesa, o ambiente era de incerteza nos
negócios, o sentimento de liberdade afastou o instituto da lesão.
Esse Instituto ressurge no Código Civil de 2002 ocupando lugar de destaque entre as
ferramentas existentes para se coibir abusos de direito, enriquecimentos indevidos, confiante
que o entendimento da Lesão colabora com a realização da Justiça.
4.1.2) Conceito de Lesão
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A lesão decorre de ato praticado em situação de desigualdade volitiva para contratar,
mesmo sem comprovação de dolo de aproveitamento na sua realização, por isso é objetiva.
É consagrado pelo Novo Código Civil no art. 157, ocorre a lesão quando uma
pessoa, sob premente necessidade ou por inexperiência, se obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
A fim de auxiliar na definição do Instituto da Lesão, ficamos com o conceito de
MARIA HELENA DINIZ,
[...] lesão é o prejuízo que uma das partes sofre na conclusão
de um negócio, oriundo da desproporção existente entre as
prestações dos contratantes, sendo que a outra, ante a premente
necessidade ou inexperiência daquela, obtém lucro exorbitante ou
desproporcional ao proveito resultante da prestação. (2007, v.I,
p.467)
A Lesão ocorre, portanto, quando uma pessoa numa condição de inferioridade
decorrente de uma premente necessidade ou de inexperiência, pactua um contrato bilateral e
oneroso em que sua prestação é manifestamente desproporcional ao valor da contraprestação
pactuada.
4.1.3) Requisitos de aplicabilidade da lesão
São três requisitos de aplicabilidade da lesão: a) a lesão tenha ocorrido num contrato
comutativo. Melhor é dizer que esse Instituto aplica-se aos contratos bilaterais, onerosos e, a
princípio, comutativos, pois há corrente que sustenta sua aplicação também aos contratos
aleatórios; b) desproporcionalidade, o elemento objetivo do Instituto da Lesão. Não é
qualquer desproporção que tipificará o vício da lesão e caberá ao Juiz determinar se é o caso,
ou não, de invalidar o contrato. Trata-se de uma cláusula geral, onde o julgador apurará o
valor justo por meio de dados e elementos trazidos pelas partes; c) necessidade contratual ou
a inexperiência da parte lesada. Essa premente necessidade deve ser entendida como a de
contratar, e não como sinônimo de pobreza. CAIO MARIO defende que a necessidade se
configura na impossibilidade de evitar o contrato, independentemente da condição financeira
do lesado. A inexperiência se relaciona com a falta de habilidade para aquele negócio. O
presente instituto é amparado na modalidade objetiva, pois não se preocupa em punir a atitude
maliciosa do favorecido, mas em proteger o lesado.
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5) BOA-FÉ OBJETIVA UMA PROTEÇÃO CONTRA LESÃO CONTRATUAL
Relacionando a boa- fé objetiva e a lesão objetiva, constatamos que os dois institutos
tratam de normas de conduta que devem ser analisadas independente de subjetividade. Foram
os dois amparados pelo Código de 2002 com a missão de dar ênfase à Justiça contratual,
impondo regras de conteúdo ético-jurídico que se contrapõem a eventuais explorações e
desigualdades. A lesão possui fundo moral, através da boa-fé nos contratos, visando ajustar os
negócios aos seus devidos termos, eliminando-se distorções provocadas pelo aproveitamento
da necessidade ou inexperiência de outrem.
O conteúdo axiológico da lesão encontra guarida exatamente no princípio da boa- fé
objetiva (art. 422, CC), exigindo conduta reta e proba das partes no momento da celebração
dos contratos. Mais especificamente nos deveres anexos de informação (quanto à
inexperiência) e lealdade (quanto à necessidade).
O instituto da lesão desempenha papel importante ao lado da boa- fé objetiva na
revisão dos contratos, especialmente nos de natureza bancária. A lesão pode se fazer presente
no contrato, não só por valor de prestação desproporciona l. A falta de paridade contratual
pode decorrer, por exemplo, de uma cláusula abusiva ou de uma abdicação a direito, tornando
o negócio desarrazoado.
Há três visões distintas de onde a lesão atinge o contrato gerando sua revisão ou
anulabilidade: a) formal (a lesão atinge o contrato por previsão legal nesse sentido); b) social
(por contrariar a boa- fé e a equidade); c) material (por haver uma falha na própria estrutura do
contrato, vício na vontade)
O código de 2002 trouxe uma visão social do contrato ente ndendo que, não só por
estar tipificada, a lesão se faz mister por ferir a boa- fé objetiva do contrato, onde deve haver
lealdade entre as partes e o credor deve evitar prejudicar o devedor sempre que possível.
5.1) No que a lesão afeta o princípio da boa-fé?
Este instituto possui íntima relação com o princípio da boa-fé objetiva, dando uma
visão social ao contrato entendendo que, não só por estar tipificada, a lesão é importante por
atingir a boa- fé contratual, ampliando a Justiça e a equiparação nas relações entre particulares.
A lesão é prejuízo. Não um prejuízo comum, mas uma manifesta desproporção
causada por circunstâncias que, na conduta correta e ética esperada das partes, não se poderia
admitir. O contrato tem por objetivo a circulação de riquezas e não pode compactuar com o
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aproveitamento em cima da boa-fé. Não se preocupa em punir a atitude maliciosa do
favorecido, mas em proteger o lesado.
O Contrato pressupõe confiança, proibindo o credor de ignorar o estado de
necessidade que aflige o seu devedor. Há relação entre os institutos quando se exige revisão
do contrato nos casos de proveito tomado por inexperiência do lesado. O mesmo ocorre
quando o contrato se forma mediante necessidade de uma das partes e gera a mesma
desproporção, não se imagina contrato de boa-fé, onde o credor toma proveito das fraquezas
do devedor. Nota-se ainda que o Direito Civil, ao afastar o enriquecimento sem causa, buscou
limitar as liberdades que pudessem gerar desproporção nas relações. Essa interpretação da
Disciplina Cível encontra guarida na Constituição em seu art. 173, § 4º, reprimindo o aumento
arbitrário do lucro.
5.2) Lesão e boa-fé: uma proteção do elo mais fraco da relação contratual
O novo Código Civil procurou afastar-se da concepção individualista para seguir a
orientação compatível com a socialização do direito contemporâneo limitando o alcance dos
princípios libertários do código ancestral. A inclusão de princípios como a função social do
contrato, a boa- fé objetiva e o retorno do instituto da lesão, afastado pelo Diploma Beviláqua,
apontam um novo cenário das relações entre particulares. Reflete a prevalência dos valores
coletivos sobre os individuais.
Sair da ótica individualista, voltando-se para uma visão solidarista, que ampara o elo
mais fraco prejudicado quando sua vontade for maculada por algum vício é o novo paradigma
do Direito Contratual
A lesão tem por característica proteger o lesado que se encontra em inferioridade
volitiva por premente necessidade ou inexperiência, valendo-se justamente da boa-fé para
legitimar a revisão ou anulabilidade do negócio realizado.
CONCLUSÕES
O direito obrigacional existe com o intuito de estabelecer diretrizes ético-jurídicas para
a auto-regulamentação dos particulares.
Por um complexo de condições próprias da vida social, alguns podem, agindo com plena
liberdade, receber mais ou menos do que a justiça queria que lhes fosse atribuída e a chegada
da exigência da boa- fé nas relações contratuais tem por função auxiliar no alinhamento do
contrato às reais intenções para as quais foi realizado, dirigismo contratual.
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A lesão é prejuízo. Não um prejuízo comum, mas uma manifesta desproporção causada
por circunstâncias que a conduta correta e ética esperada das partes não poderia admitir. O
contrato tem por objetivo a circulação de riquezas e não pode compactuar com o
aproveitamento em cima da boa-fé. Não se preocupa em punir a atitude maliciosa do
favorecido, mas em proteger o lesado.
Constata-se que a lesão possui fundo moral, através da boa- fé nos contratos, visando
ajustar os negócios aos seus devidos termos, eliminando-se distorções provocadas pelo
aproveitamento da necessidade ou inexperiência de outrem.
O conteúdo axiológico da lesão encontra guarida exatamente no princípio da boa- fé
objetiva (art. 422, CC), exigindo conduta reta e proba das partes no momento da celebração
dos contratos, mais especificamente nos deveres anexos de informação (quanto à
inexperiência) e lealdade (quanto à necessidade).
O instituto da lesão desempenha papel importante ao lado da boa- fé objetiva na
revisão dos contratos, especialmente nos de natureza bancária. A lesão pode se fazer presente
no contrato, não só por valor de prestação desproporcional. A falta de paridade contratual
pode decorrer, por exemplo, de uma cláusula abusiva ou de uma abdicação a direito, tornando
o negócio desarrazoado.
O código de 2002 trouxe uma visão social do contrato entendendo que, não só por
estar tipificada, a lesão se faz mister por ferir a boa- fé objetiva do contrato, onde deve haver
lealdade entre as partes e o credor deve evitar prejudicar o devedor sempre que possível.
O Estado não pode coadunar com o aproveitamento de uns sobre outros por
necessidade ou inexperiência ou, ainda, por qualquer circunstância de inferioridade entre as
partes que acarrete desproporção nas relações contratuais e enriquecimento sem causa.
Referências
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http://www.investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-civil/2288-o-instituto-
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BOA-FÉ OBJETIVA E O COMBATE À LESÃO CONTRATUAL