Trabalho e saúde: notas a partir da problemática das relações de gênero Jussara Brito Ponto de vista particular: a atividade de trabalho Um direito a ser conquistado: o reconhecimento de todas as atividades de trabalho das mulheres como trabalho. E também o reconhecimento de toda atividade de trabalho realizada pelos homens como trabalho. Questões de fundo O que é trabalho em nossa sociedade? Que novas formas de trabalho estão surgindo? Que antigas formas de trabalho ainda persistem? Qual a visibilidade dessas formas de trabalho? Qual a importância dessas formas de trabalho e o quanto são complexas? Quais os riscos ou adversidades encontradas nessas atividades? Qual tipo de atenção à saúde é dado aos/às trabalhadores/as que realizam tais atividades? A questão das relações sociais de gênero no que tange à relação saúde-trabalho A incorporação das relações sociais de gênero nas pesquisas e ações sobre saúde e trabalho continua sendo um desafio, porque envolve tratar das relações de poder que atravessam o mundo do trabalho, assim como de possíveis mudanças dessas relações. São relações sociais que se articulam com as relações de classe, de tal modo que são marcantes as diferenças entre o trabalho de uma mulher de classe popular e de uma mulher de classe média, assim como de uma mulher de um país do Norte e um país do Sul. É um desafio também porque as relações sociais de gênero se materializam em divisões sexuais do trabalho e essas divisões não são rígidas e imutáveis, sofrendo variações ao longo do tempo e de acordo com as regiões e países. As persistências e descontinuidades nas formas de divisão sexual do trabalho dependem das conjunturas econômicas, das relações de classe e das relações de força entre homens e mulheres. A forma como as relações sociais de gênero (articuladas a outras relações sociais e ao contexto econômico e político) se manifestam em determinado meio tem um papel importante na definição das características das tarefas designadas para as mulheres e para os homens, já que o conjunto das relações sociais pré-configura a sociedade. Entretanto, devemos também considerar que as tensões geradas no seio da própria sociedade podem desestabilizar essas regras e normas impostas dadas pela sociedade O que é trabalho em nossa sociedade? Que novas formas de trabalho estão surgindo? Que antigas formas de trabalho ainda persistem? Qual a visibilidade dessas formas de trabalho? NOVAS FORMAS DE TRABALHO Contexto Evidências Diversificação das atividades de trabalho femininas e masculinas Globalização Novas tecnologias Precarização das relações de trabalho Novas necessidades Aumento do uso da microeletrônica Aumento do uso das tecnologias de informação Intensificação dos deslocamentos Intensificação do comércio Ampliação das atividades de serviços Maior profissionalização do cuidado Telemarketing Informática Motoboys Trabalho a domicílio Atividades não remuneradas Caixas de supermercado Pequenos serviços Cuidadores Emprego doméstico Maior dificuldade em cuidar da família e da casa (suprindo serviços que deveriam ser garantidos pelo Estado) Trabalho doméstico (?) ANTIGAS FORMAS DE TRABALHO RECONHECER TODAS AS ATIVIDADES DE TRABALHO! Muitas desenvolvidas em situações (lugares/tempos) insuspeitáveis! Qual a importância dessas formas de trabalho e o quanto são complexas? Quais os riscos ou adversidades encontradas nessas atividades? Qual tipo de atenção à saúde é dado aos/às trabalhadores/as que realizam tais atividades? O trabalho nunca é simples, nunca é pura execução! O trabalho exige intensa mobilização do corpo, dos músculos, da inteligência, do psiquismo e da afetividade. Os/as cuidadores/as de adolescentes com deficiência (prefeitura do Rio de Janeiro) (MASSON, Letícia, SOUSA, Rejane N. & BRITO, Jussara Prescrições naturalizadas de cuidado - Trabalho naturalizado como “feminino/ doméstico”, resultando em: normas pouco claras e, ao mesmo tempo, muito exigentes e sub-valorização da importância da formação para um melhor desenvolvimento do trabalho; Excessiva e naturalizada carga do trabalho: adaptação incompleta dos espaços e equipamentos, gerando sobrecarga física e risco de acidentes; Proximidade afetiva com os usuários como exigência do trabalho: proximidade intensa, envolvendo um conflituoso debate de valores e normas sobre a aproximação e o distanciamento necessários para a realização do cuidado. Os motoboys THIAGO DRUMOND MORAES USO DE SI E GESTÃO DO TEMPO: DIMENSÕES POSITIVAS DO RISCO NO TRABALHO DOS “MOTOBOYS” “Teoricamente um trabalho simples, com poucas prescrições: um conjunto de prescrições comportamentais, tais como ser respeitoso, ágil, esperto, paciente, etc; prescrições morais: não roubar, não agredir ninguém; um conjunto de prescrições organizacionais: entregar os recibos, quando solicitado, à empresa, responder sempre ao telefone, quando chamado pela empresa; e um conjunto de prescrições sociais: respeitar as leis de trânsito, respeitar as leis de segurança nos bancos, etc.” “Pois bem, um simples trabalho que explode em uma diversidade de situações que requerem do motoboy muito mais que ser um simples e bom piloto. O trabalho de motoboy não se resume ao trânsito. Em uma conversa com um determinado motoboy, considerado bom pelos colegas, ele deixa muito claro que um bom motoboy é a pessoa que consegue “desenrolar o serviço”, o seja, consegue resolver várias coisas ao mesmo tempo, permitindo dar conta tanto dos problemas que surgem na sua execução burocrática – por exemplo, uma guia preenchida errada e que vence no dia não é levada de volta para a empresa; um bom motoboy consegue resolver o serviço, resolvendo, sempre que possível, o serviço por conta própria – quanto na resolução rápida de várias demandas simultâneas – pegando vários serviços ao mesmo tempo, gerenciando da melhor maneira possível, garantindo tanto a satisfação do cliente, quanto a satisfação do patrão, quanto sua renda.” Como a complexidade dessas atividades se reverte na valorização do trabalho? E em direitos à saúde? Toda situação de trabalho apresenta riscos/adversidades Problemas: O que se considera risco? Quais os recursos/condições que são dados aos trabalhadores para lidar com isso? A desvalorização de certos tipos de trabalho, engendrada pelas relações sociais de gênero, se constitui em um problema ligado ao campo da saúde, na medida em que dificultam sua conquista (neste sentido, podem ser consideradas um risco para a saúde). As relações sociais de gênero legitimam as condições diferenciadas e nocivas para todos (homens e mulheres), porque produz a naturalização de certas características do trabalho feminino e masculino. Casos clássicos: operário da construção civil (virilidade atuando na negação dos riscos) professoras (“missão feminina”/ abnegação) Questão de fundo: divisão sexual do trabalho “Divisão sexual dos riscos” “Divisão sexual da atenção” – ex. restrição das ações da saúde do trabalhador para trabalhadores ligados a atividades de cuidado, onde a relação saúde/trabalho é menos evidente (setor de ensino, saúde); que realizam trabalho à domicílio, trabalho doméstico, em pequenas empresas, no mercado informal, em serviços. Para concluir O reconhecimento dos problemas de saúde ligados ao trabalho envolve a não aceitação/naturalização de determinadas condições. A luta pela saúde (como direito) passa pela desconstrução de idéias que naturalizam a divisão sexual do trabalho e suas conseqüências sobre a saúde.