História Literária da Madeira
A LAIA DE PRÓLOGO...
Em 1947, tendo concluído este trabalho - que primeiramente pensei intitular
«Escritores Madeirenses», - após seis anos de bosquejos e de estudos, a
Vereação Municipal do Funchal - então presidida pelo Vice-Presidente em
exercício Prof. José Rafael Basto Machado e tendo como Vogais os Ex.mos
Srs. Dr. Henrique de Freitas, Ernesto Honorato Ferreira, Romano de
Oliveira, Tenente Domingos Cardoso e José Modesto da Trindade considerando esta obra de investigação e cultura dentro das condições
previstas pelas disposições do Código Administrativo, deliberou, em sessão
e por unanimidade, mandar editar este trabalho.
Como após dois anos nada se adiantasse no sentido de mandar publicar o
livro e tendo aparecido outras edições da Câmara posteriormente ordenadas
pelo Presidente efectivo, Ex.mo Sr. Dr. Óscar Baltazar Gonçalves, soube
directamente de Sua Excelência que tencionava publicar primeiramente
outras obras e só possivelmente mais tarde, quando tivesse disponibilidades,
cuidaria deste estudo.
Então como considero que algumas dessas obras em projecto de edição
Camarária podem de certo modo prejudicar a primazia e originalidade do
meu modesto trabalho, resolvi dispensar o compromisso da Ex.ma Vereação,
e agradecendo a todos a boa-vontade e o amável acolhimento que me
dispensaram, proceder desde já, sob minha responsabilidade, à publicação do
primeiro volume destas Notas & Comentários para a História Literária da
Madeira.
Santa Clara
Funchal, 2 de Agosto de 1949
Visconde do Porto da Cruz
História Literária da Madeira
A História Literária do Arquipélago da Madeira, especialmente nos tempos
mais recuados, exige um cuidado extraordinário, não só porque escasseiam
os elementos, mas também porque a documentação que se encontra é assaz
deficiente e por vezes confusa.
Nas consultas a que procedi, por vezes, fiquei desorientado.
As «Saudades da Terra», do Doutor Gaspar Frutuoso, e as «Notas» feitas
pelo Doutor Álvaro Rodrigues de Azevedo e publicadas em 1873, assim
como o «Elucidário Madeirense», a «Biblioteca Lusitana» e o «Dicionário
Bibliográfico», foram magníficos auxiliares, de fácil consulta. Depois as
preciosas informações que me deram outros amigos, como o Tenente Coronel Alberto Artur Sarmento, o Cónego António Homem de Gouveia, o
Padre Eduardo Pereira, o Dr. Ernesto Gonçalves e o Prof. Doutor José Pedro
Machado, assim como as facilidades que encontrei da parte de Rui de
Orneias Gonçalves na Biblioteca Municipal do Funchal e de Álvaro Manso
de Sousa no Arquivo Distrital para procurar e estudar textos, foram outros
tantos valiosos auxílios para este estudo que empreendi.
De quanto compulsei posso concluir que, de um modo geral, a História
Literária, do Arquipélago da Madeira é como que um prolongamento ou
projecção do que se verificava no Continente do Reino, em especial nos
tempos mais próximos do Descobrimento.
O Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo, nas suas «Notas» às «Saudades da
Terra», dividiu o movimento literário insular era cinco períodos.
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O primeiro - que ele classificou de «aristocrático» - vai de 1420 a 1556, o
segundo - nomeado como «monarquico-clerical»
- de 1556 a 1706, o
terceiro - de 1706 a 1820; o quarto «inter-monarquico-liberal» vai de 1820 a
1834 e finalmente o quinto que o Dr. Rodrigues de Azevedo chama
«monarquico-liberal» de 1834 a 1872. Sentem-se nestas denominações as
influências que actuaram no autor, por que eram elas que dominavam no
tempo em que ele viveu...
Mas, seguindo o estudo do Dr. Rodrigues de Azevedo, nota-se que ele não
incluiu todos os intelectuais que menciona no período em que deviam
aparecer, segundo a época em que desenvolveram as suas actividades,
relacionando-os umas vezes pela era em que faleceram e outras pelo
nascimento.
Não adopta portanto um mesmo critério. Parece-me mais lógico considerar
aqueles que, de uma forma ou outra, deram as suas actividades para o
enriquecimento da História Literária do Arquipélago, apenas consoante a
época em que apresentaram as suas produções.
E quanto á divisão dos períodos também facilita mais o estudo considerar o
primeiro aquele que vai de 1420 a 1820; o segundo o que vai de 1820 a 1910
e finalmente o terceiro que vai de 1910 até o presente.
E para facilitar as consultas fechará este trabalho com um índice alfabético
apontando os períodos em que os Escritores desenvolveram as suas
actividades literárias.
Deste modo parece-me que simplifica o trabalho de consulta. Os CapitãesDonatários
eram
no
Arquipélago
da
Madeira
verdadeiros
Reis
História Literária da Madeira
dos seus pequenos domínios, tendo uma «Corte» de palacianos e gozando
extraordinárias prerrogativas e esplendores, conto na idade-média.
Verifica-se pois a projecção da vida portuguesa, nos seus diversos aspectos e
consequentemente também no campo literário, tal como era no Continente
do Reino.
Se o «Amadis de Gaula», de Vasco de Lobeira, influiu tão fundamente na
literatura do XIV século que chamou a atenção de Cervantes, não é de
estranhar que em Portugal marcasse características próprias, com temas que
vinham dos feitos assombrosos dos nossos heróis das Descobertas e das
Conquistas...
O Povo entusiasmava-se apaixonadamente pelos «romances» que enaltecem
os heróis nacionais, desde a luta gigantesca de Aljubarrota, glorificando
Nuno Alvares, a «Ala dos Namorados» e El-Rei da Boa Memória.
E a par desses louvores encontram-se as censuras ásperas para aqueles que
traíram o pensamento português na defesa da independência.
Na «Corte», porém, os Poetas-Fidalgos não se desapegam da Escola
Espanhola. Afastam-se mesmo do sentimento ingénuo, tradicional, das
«Trovas», para seguirem directrizes estranhas.
No Cancioneiro de Garcia de Resende, entre um milheiro de composições de
vários Poetas desse período, caracterizado pela «Poesia palaciana»,
aparecem vinte e nove poesias da autoria de oito Poetas-Fidalgos do
Arquipélago da Madeira: - João Gomes da Ilha, Ruy de Souza João
História Literária da Madeira
Gonçalves da Câmara, João de Abreu, Manuel de Noronha, Ruy Gomes,
Tristão Vaz Teixeira ou Tristão das Damas e Duarte de Brito.
Temos pois um grupo interessante de intelectuais com suas produções do
período mais recuado da vida literária do Arquipélago, onde as influências
da escola espanhola têm um notável reflexo.
Diz o Dr. Rodrigues de Azevedo que o Poeta madeirense Manoel de
Noronha não sofreu, como os seus contemporâneos, a actuação da literatura
espanhola.
O Dr. Teófilo Braga, no seu estudo sobre «Poetas Palacianos» refere-se a
uns versos satíricos com que Manoel de Noronha, fazia por atingir os
camaradas das lides literárias.
D. António de Velasco respondeu-lhe, esforçando-se por devolver a ironia...
As «Notas» à» «Saudades da Terra» referem-se este episódio e o Dr.
Rodrigues, de Azevedo acentua que «o grupo dos Poetas madeirenses deste
período não constitui ciclo distinto e apenas ramo do ciclo continental,
porque não tem tipo próprio».
Há nisto contradição evidente com afirmações anteriores e posteriores do
anotador das «Saudades da Terra».
Analisando as produções do Cancioneiro verifica-se que os Poetas do
Arquipélago da Madeira não se afastam muito da escola dos seus camaradas
continentais, o que não desmerece o seu valor. Encarando outra modalidade
literária
da
época
-
as
Lendas,
-
com
o
seu
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fundo religioso, vamos encontrar o gérmen da prosa histórica, tão
característica desse tempo, a descrever os pormenores do Descobrimento e
depois as apreensões da colonização.
E a rematar as tendências da Escola temos ainda os «Estudos nobiliárquicos»
ou de investigação genealógica, que bem se podem considerar como
elementos subsidiários para a História.
Esses trabalhos de linhagistas da época não só referem os factos mas
descrevem também as figuras insulares do maior destaque, alongando-se a
rebuscar pelo passado até onde as raízes se firmam na vida continental.
Consultando estas notas das Famílias insulanas conclui-se que no XVI
século começa a declinar o poderio dos Capitães Donatários, em
consequência do revigoramento e expansão do poder Real, que se esforça,
cada vez mais, por cercear os privilégios dos primeiros tempos e ir
transformando os descentes dos grandes Senhores do Arquipélago apenas em
mandatários, íntima e directamente subordinados ao Monarca.
Seguindo esta investigação verifica-se que, no reinado da D. Manuel I, nas
«Cortes»
madeirenses
há
uma
acentuada
preocupação
de
imitar
especialmente os serões literários do Paço, onde os Poetas apresentavam
produções mais chãs, tomando, em regra, para pretexto, os galanteios e
motejos. Fora desta esfera o gosto pela literatura tende a atingir maior
incremento, libertando-se das praxes palacianas. Já mesmo, anteriormente, a
Universidade abrira horizontes mais largos e os estudos de humanidades, se
bem que não fossem tidos como de instrução pública, facilitavam a cultura e
História Literária da Madeira
desenvolviam os espíritos daqueles que os seguiam. A Capitania do Porto
Santo, a Capitania do Funchal e a Capitania de Machico são três «Cortes em
miniatura», onde o espírito de imitação do que se passa em Lisboa se reflecte
fortemente.
Conhecimentos literários e cultura artística, assim como requintes de
educação, deviam ser mais perfeitos no Arquipélago, porque os filhos das
famílias mais distintas ou mais abastadas, depois de um estágio na Capital
iam, em regra, para os mais notáveis, centros de cultura e de progresso do
estrangeiro a colher os benefícios de uma instrução esmerada e progressiva.
Documentos coevos, dos períodos mais remotos, - como seja uma Carta
Régia de Dom Manuel I, com data de 6 de Dezembro de 1515 e ainda uma
Bula do Papa Leão X - mostram que já então existia a ideia fixa de
desenvolvimento intelectual no Arquipélago, organizando no Funchal um
núcleo educativo. E assim mandam criar a dignidade de «Mestre Escola» na
Sé, Catedral, constituindo este diploma a primeira manifestação clara a favor
da instrução pública na Ilha.
O gosto pelas boas letras, para aqueles que estavam em condições de as
apreciar, tinha no Arquipélago madeirense as mesmas tendências e o mesmo
sentido que e encontra no Reino.
Vamos pois deparar no movimento literário da Madeira com as mesmas
características que marcam na Capital.
E assim nos surgem as poesias narrativas, de sabor cavalheiresco e as
poesias amorosas, tal como se ouvem nos serões, Reais.
História Literária da Madeira
Em Lisboa as lendas alargam-se em volta dos temas do mar e da crença. As
façanhas, ainda frescas, da Descoberta e a posição geográfica da Madeira
encontram, sem dúvida, neste meio novo, um ambiente mais propício,
ampliado ainda pelo facto de numerosos Cavaleiros insulanos se lançarem,
sedentos de glória e de honrarias, nas lutas travadas em África e na índia,
seguindo, nas naus que aportavam ao Funchal, a juntar-se às forças portuguesas que não esmoreciam no desejo de dilatar a Fé e o Império.
Também na defesa das Ilhas contra os assaltos temíveis dos «Corsários», que
se tornam em ameaça perigosa, os madeirenses praticavam actos de bravura
que os nobilitam.
Tudo isto constitui outro manancial de motivos para enriquecer os
descritivos que fixam, em prosa e verso, os feitos notáveis que mais tarde, no
alongar dos tempos, se projectam na tradição popular.
Assim as «novelas cavalheirescas» ocupam um grande lugar nas preferências
literárias do Arquipélago da Madeira, até o ponto do entusiasmo insulano ir
adoptar os nomes das personagens das produções românticas, não só para os
filhos e descendentes dos Povoadores, mas também para localidades.
E desta forma se explica que os documentos da época venham com
numerosos Lançarotes e Tristões, trazidos das novelas emotivas. Esta
influência perdura ainda, sendo vulgar nos nossos dias as crianças serem
vítimas inocentes dos nomes mais arrevesados dos heróis e heroínas dos
romances modernos que empolgaram os Pais ou os Padrinhos. Aos nomes
novelescos das produções literárias transpunham-nos para localidades—
como serve de exemplo a designação de Gaula para uma das
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mais ricas freguesias do Concelho de Santa Cruz, que pode bem ser uma
influência do romance de Vasco de Lobeira...
Analisando os costumes insulares desta época, vemos que reflectem todas as
tendências e características medievas, ainda nos fins do XVI século.
O romance-narrativo apresenta-se Gomo a forma preterida nas mais remotas
manifestações da literatura madeirense.
O Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo, ainda nas suas «Notas», visando este
assunto, reproduz várias composições, que provam esta observação, e ele
encontrou na tradição oral do norte da Madeira.
Na página 766 das «Notas» às «Saudades da Terra» afirma que «de uma só
pessoa, mulher analfabeta, da freguesia do Porto da Cruz» obtivera por
dictação de memória, além de muitos outros, três «romances» que ele
considerou mais característicos e que arquivou «sem correcções para lhes
conservar quanto possível o timbre e o sabor próprios».
Cerca de meio século passado sobre estas investigações do Dr. Rodrigues de
Azevedo ainda encontrei na tradição popular outras composições com as
mesmas características, o que vem provar que não sofreu mudança o gosto
dos insulanos por este género literário.
Tem interesse estabelecer a comparação entre os «romances» que o anotador
das «Saudades da Terra» registou nos fins do século passado e aqueles que
eu colhi quando procurei organizar o meu estudo sobre «Trovas & Cantigas
Madeirenses» em 1923.
História Literária da Madeira
As três produções que seguem foram aquelas que o Dr. Álvaro Rodrigues de
Azevedo colheu no Porto da Cruz e que são de tipo genuinamente
madeirense.
Dona Galdina
Era um Rei: tinha três filhas,
mais lindas que a prata fina;
namorou-se da mais velha,
que se chamava Galdina.
-Bem puderas tu, Galdina
sê-la minha namorada:
dorme uma noite comigo
tu serás mui bem pagada.
- Não permita Deus do Céu,
nem na Verige consagrada,
sendo eu vossa filha
sê-la vossa namorada.
Quando El-Rei tal ouviu
foi numa torre fechada:
dava-lhe pedras por pão,
por bebida água salgada.
No cabo de sete anos,
Galdina solta deixavam.
Fora por aí Galdina
História Literária da Madeira
aonde suas irmãs estavam.
- Ricas irmãs dá minha vida,
a quem eu tanto amava:
dai-me uma gotinha de água.
que eu quero expedir minha alma.
- Vai-te por aí Galdina,
Galdina desgraciada.
Se nosso pai tal soubesse
Sete vidas nos tirava
Caminha por hi Galdina
onde sua mãe estava:
- Rica mãe da minha vida,
a quem eu tanto amava,
dai-me uma gotinha de água
que quero expedir minha alma.
- Vai-te por aí Galdina,
Galdina desgraciada;
por amor de ti Galdina,
sete anos de mal casada.
Fora por hi Galdina
onde seu pai estava:
- Rico pai da minha vida,
a quem eu tanto amava,
História Literária da Madeira
dai-me uma gatinha de água
que eu quero expedir minha alma.
- Correi vassalos, correi
a buscar água a Galdina
em garrafinhas de ouro
em copos de cristal fina.
Cavaleiros não chegavam,
Já Galdina morta estava,
toda cercada de luzes
que Deus do Céu lhe mandava;
uma fonte à cabeceira
e a Verige lha minava...
Dona Eurives
Andava Dona Eurives
cá e lá, em triste andar,
chorando Ias suas penas,
que devia de chorar.
Pregunta-lhe a Sogra:
- O que tendes Dona Eurives,
que não vos seja de agrado?
História Literária da Madeira
Fala ela:
- Por Deus vos peço, a vós, Sogra,
por Deus vos peço rogado,
que em vosso filho vindo
nada lhe seja contado:
que eu vou-me além, ao castelo,
carpir aquele finado.
A falsa da, sua Sogra,
para ver., o filho vingado,
tudo que a nora lhe disse
tudo lhe fora contado.
Trouxe ele suas esporas,
tinha o cavalo selado.
E foi-se ao castelo e disse:
- Deus vos salve a vós, Guardas
deste castelo guardado.
Dizei-me que gente é essa?
que carpe nesse finado,
Respondem eles:
São Senhoras e Donzelas,
cousa de grande estado;
uma carpe lo marido,
outras carpem cunhado...
História Literária da Madeira
e também a Dona Eurives
carpe lo seu bem-amado.
Fala o marido:
Digam-me a essa Senhora
que seu amor é pagado...
Entre duas facas finas
seu pescoço degolado,
metido entre dois pratos
a seu pai será mandado...
Ouviu ela e disse
Matai-me, já que a meu pai
eu falar-lhe não sabia:
que este é que era o meu amor,
que eu a vôs não vos queria...
De sete filhos que tive
quatro são de vós, senhor...
Os vossos vestem brilhante,
os outros... triste rigor..
Digam todos que aqui estão,
digam todos, toda a gente,
se há pior coisa no mundo
do que casar mal-contente.
Ora a Deus, que eu vou-me embora
com meu amor, para sempre...!
História Literária da Madeira
Abraçou-se com o morto, morreu e foi a enterrar com ele
A do Jardim do seu recreio
Passeava uma Princesa,
tão linda, tão engraçada,
mais linda que a flôr-bela;
o seu nome era Lisarda.
Seus desvelos e cuidados
eram do jardim as flores,
que ela até li não sabia
que coisa eram amores.
Uma tarde, por acaso,
um Príncipe à caça andava,
lá nos altos sobranceiros,
a par do jardim estava.
Lisarda põe-lhe os olhos,
tão simples, tão inocente;
porém com seta de amor
seu peito ferido sente.
E diz:
- O meu amor não tem alteza;
eu vou arriscar quem sou,
vou arriscar minha fama,
História Literária da Madeira
de amor falar-lhe vou...
Responde-lhe sua Dama:
- Sossegai vossa excelência
Advirto que não convém
arriscar a sua fama
por amor de um querer-bem.
Responde ele:
- Esta jóia, Dama minha,
de alviçara vos ofereço,
que eu hei-de vir a gozar
uma flor que mal conheço.
Diz a Dama
- Adeus, senhor Dom João,
haja segredo e cautela,
que eu lhe prometo ser sua
essa rica flor tão bela.
Ele:
- Ora adeus, querida Dama,
dize ao meu serafim
que à noite lá terei
à porta do seu jardim.
Vai a Dama e fala a Princesa:
História Literária da Madeira
- Agora, minha Senhora,
pode ficar mais segura,
que logo a feliz pessoa
o seu amor lhe aventura.
Diz a Princesa:
- Esta tarde, Dama minha,
minhas jóias vou ajuntar
porque à noite pretendo
c'o Príncipe me ausentar.
Chega, chega noite escura,
dos amantes desejada,
para que eu feliz alcance
uma prenda, prenda amada!
Chega o Príncipe:
-Vós estais hi, querida d'alma,
minha afeição adorada?
Responde ela:
- Eu cá estou, lindos meus olhos,
prenda minha, prenda amada!
Diz ele:
- Dai-me cá os vossos braços
que neles me quero ver,
História Literária da Madeira
para ver se apago o fogo
que em meu peito sinto arder.
Responde ela:
-Aqui tendes los meus braços,
juntamente o coração.
Também me pode receber
por Mulher a vossa mão.
Vamos embora daqui,
antes que eu seja sentida,
que logo toda pessoa
ignore minha fugida.
Diz-lhe ele:
- Montai-vos aqui, Senhora,
nas ancas deste cavalo,
que aqui his bem segura
sem sofrer nenhum abalo.
Ela, a carpir:
- Mala fortuna me leva
mala fortuna me guia.
Não sei se me furta um Rei
se homem de baixa valia.
Fala ele
-Calai-vos, minha Senhora,
História Literária da Madeira
não choreis, minha alegria,
que também creio que em França
mais claras águas havia.
Tenho janelas e Paços,
coisas de grande valia
Tenho vinte e quatro Damas
para vossa companhia.
Tudo isto tenho pronto
para Vossa Senhoria.
Ela
- Adeus janelas de vidros,
adeus palácios reais;
janelas onde eu via
os venturosos cristais,
Ó adeus Pai da minha alma
que eu me vou p'ra terra alheia.
A vossa casa, vazia,
sempre p'ra mim fora cheia!
Ó adeus Mãe da minha alma
adeus Mãe da minha vida
que hoje se ausenta de ti
tua filha tão querida.
Se alguém mais quiser saber
História Literária da Madeira
parte da minha fugida,
pergunte em dia d' amores
deles me vou bem ferida.
Cupido vai pela serra,
vai chorando, que tem dores.
Vai dizendo: «viva, viva!
Morra quem não tem amores».
Foram estas composições que no ultimo quartel do Século passado o Dr.
Álvaro Rodrigues de Azevedo recolheu da tradição oral do povo do norte da
Madeira.
Como se vê, a projecção do estilo e do sentir da escola dos tempos idos, com
o seu sabor e originalidade bem característicos mantêm-se ainda na poesia
popular.
Por volta de 1923 quando apresentei na Associação dos Arqueólogos, a
minha comunicação sobre «Trovas e Cantigas da Madeira» numa sessão de
estudo presidida pelo Doutor Luís Xavier da Costa e com a assistência
honrosa de Mestres entre outros, o Doutíssimo Doutor Leite de Vasconcelos,
Matos Sequeira e Conde de Nova Goa, referi-me a estes «romances» e ainda
a alguns outros que eu ouvira em criança a uma velha Criada que tínhamos
como pessoa de Família pois que se encontrava na Casa desde os tempos da
minha Trisavô materna, «romances» que nunca mais esqueci. São
verdadeiras histórias populares e que pude comparar com as produções
recolhidas pelo Dr. Rodrigues de Azevedo, chegando à conclusão de que se
manteve o mesmo gosto, o mesmo estilo e o mesmo sentido. A história da
História Literária da Madeira
«Dona Olinda» obtive-a há pouco mais de seis anos, mas julgo-a muito
característica, fazendo lembrar «A Nau Catarineta»,
História de Hermínia
Andava Herminia na serra
desviada dos pastores.
Passa um belo passarinho
falando com os seus amores.
- Generoso passarinho,
- a pastora assim dizia
não sabes como m'alegra
a tua doce harmonia!
Por isso mê passarinho
tu tens razão de cantar.
Só eu tenho o meu amor
que a mim me faz chorar.
- Cala-te linda pastora
não te ponhas a chorar
qu' ainda não se perde o tempo
do teu amor te falar,
- Bem podias passarinho
minha pena aliviar;
debaixo de tuas asas
uma carta me levar.
História Literária da Madeira
- Como posso, ai pastora,
te fazer essa vontade?
É que amores sem se verem
nunca matam na saudade.
- Já é tempo passarinho
de saberes o direito
que um amor quando se escreve
logo fica satisfeito.
- Eu não digo que não sigas
a tua inclinação!
Se pensas que és ditosa
desengana-te, que não!
- Olha quela já sou casado
e bem me tenho arrependido;
se não fosse casado
nem me tinha afligido.
Como fazes tanto gosto
d' eu falar a teu amor.
Herminia escreve uma carta
que é serei portador.
Escreve Herminia uma carta,
escrita cum sua mão,
c' uma pena que tirou
História Literária da Madeira
do seu pobre coração.
Oh! falsão me és ingrato!
Eu já te tenho encontrado
à porta d' outro amor.
Recebe-me esta cartinha
meu querido portador.
Vai-te embora passarinho
Deus te leve a salvamento
P`r á vista do meu amor
que eu nam vejo ha muito tempo.
Vai-te embora passarinho
p'r'á vista do meu bem
o que entre nós é passado
nam se conta a mais ninguém.
- Escute Dona Hermínia
o que lhe vou perguntar:
- o nome de seu amor
p'ra quando eu lhe falar.
- O seu nome é Gregório.
Assim lhe has-de falar:
-" Deus vos salve, Senhor,
que ao parsar assim falava,
aqui tendes esta carta
História Literária da Madeira
que vos manda la vossa amada."
Recebe Gregório a carta
todo cheio de alegria;
perde todo lo sentido
sem saber n' o que fazia!
- Escuta! diz cuma foi
que falastes a meu amorzinho
qu' eu moro tam longe dela
doze horas de caminho!
- Andava mais mê amor
me divertindo no prado
vejo Hermínia na Serra
a pastorar lo seu gado:
Logo que ela m' avistou
me pediu por favor
que lhe trouxesse nas asas
uma carta a seu amor.
Como penas d' amor custam
quando são do coração
eu quiz-me compadecer
d' ela tive compaixão.
- Leva-lh' este coração
com esta chave metida
História Literária da Madeira
que dentro dele se fecha
até lo dia da partida.
Volta atraz meu passarinho
ouve bem no que te digo:
ela que s' apronte à pressa
se quizer vir ter comigo.
Generoso passarinho
qu' és livre de meu tormento
que lindas novas sam essas
com tanto contentamento.
- Escute Dona Hermínia o
que já vou contar
que s' apronte a toda a pressa
p' ra cum Oregório caminhar.
E como tu, meu passarinho
tivestes de mim cuidado
já ficas tu convidado
p'ra Io dia do noivado.
Já vem Gregório, já vem,
já vem dos altos da Serra;
traz dois cavalos brancos
parece que vai p'rá Guerra.
Que já vem buscar Hermínia
História Literária da Madeira
destas montanhas da Serra.
- Venho buscar-te Hermínia
desta triste solidão
qu' eu seí qu' estás disposta
a viver com tanto brio.
Venho te buscar Hermínia
Diz-me se queres ir comigo.
- Afasta-te oh Cavaleiro
afasta-te mais um tanto
que antes qu' eu daqui caminhe
quero fazer meu pranto.
- Adeus brutos animais,
minha doce companhia
que ouvias los meus ais
a toda Ias horas do dia.
Adeus altos arvoredos
que minha honra guardaste
das folhas foi lençóis
que minhas lágrimas limpaste
Campos verdes são penosos
por onde eu penas passei.
Já logrei o meu amor
Agora descançarei...»
História Literária da Madeira
Lá partiram os dois amantes
lá se pozeram a caminho
sem levar ninguém consigo
senão lo passarinho.
Quem estes versos souber
que los traiga na memória.
Quem quizer tratar d`amores
que aprenda por esta história...
Não se pode dizer que é uma «famosa» poesia nem que o romance de amor é
maravilhoso mas verifica-se que no gosto, no estilo e no sentimento pouco
difere daqueles que o Dr, Rodrigues de Azevedo colheu, concluindo-se que o
Povo guardou a tradição dos antigos romances.
Ainda mais acentuadamente característica é outra história que circula nos
tempos presentes, fazendo o enlevo de camponeses nas longas noites de
Inverno, contada nos serões nas cozinhas de colmo onde a família se reúne...
Dona Olinda
Dona Olinda no seu jardim assentada
com pente de ouro não mão seus cabelos penteava.
Olhou para aquele mar e nele viu grande armada.
O capitão que nela vinha, bem n' a comandava.
- Dizei-me senhor Capitão
dizei-me pela vossa alma
História Literária da Madeira
se o marido que Deus me deu
se vem nessa vossa armada ?
- Nunca vi, nem n' o conheço.
Só se sinais dele tivera...
- Montava um cavalo branco
com sua sela amarela!
- Esse matou-o um francez
nas costas de Inglaterra;
Mas que dareis vós senhora
a quem aqui vol-o trouxera
tal qual como ele era?
- Trez moinhos que eu tenho todos
trez a ti os dera.
- Não quero vossos moinhos
que são para vos sustentar.
Sou vassalo de Castela
não venho negociar.
Mas que dareis vós senhora
a quem aqui vol-o trouxera
tal qual como ele era?
- Trez quintas que eu tenho
todas trez a ti t'as dera.
História Literária da Madeira
- Não quero as vossas quintas
que são para vos recrear.
Sou vassalo de Castela
não venho p' ra qui morar.
Mas que dareis vós, senhora
a quem aqui vol-o trouxera
tal qual como ele era?
- Trez filhas que tenho
todas trez a ti t' as dera.
- Não quero as vossas Filhas
que vos custou a crear.
Sou vassalo de Castela
não me venho aqui casar.
Mas que dareis vós, senhora
a quem aqui vol-o trouxera
tal qual como ele era?
- Não tenho mais que vos dar
nem vós mais que pedir.
- Dai-me sim vós,
Senhora vosso corpinho gentil.
- Meus criados e escudeiros
arvorai minhas bandeiras,
vinde prender Cavaleiro
que vem de terras alheias.
História Literária da Madeira
- Vinde cá minhas trez Filhas,
a do meio e a mais velha,
vinde abraçar vosso Pai
que vem de terra alheias.
Tendes trez sinais no rosto
todas trez à mesma banda,
um é meu, outro é vosso
outro é de quem vos ama.
Esta composição mostra como chegou até os nossos dias o gosto pelas
histórias cavalheirescas, no Arquipélago.
Se a influência da nossa literatura se dilatou na proporção em que os nossos
heróis das Descobertas e das Conquistas de além-mar iam "dilatando a fé e o
Império", especialmente nesse esplendoroso século XIV, não é para
estranhar que na Madeira essa mesma influência se radicasse tão
fundamente, de modo a seguir com idênticas características e apenas com a
diferença de um cunho particularista e regional.
No século XV, muito em especial depois do assombroso reinado de El-Rei
Dom João I.°, o intelectualismo e a literatura tomaram em Portugal um
progressivo desenvolvimento.
O Povo manteve o seu culto apaixonado pelos "romances", sem cuidar dos
entusiasmos das influências com que se deixaram ir para escolas estranhas os
Poetas-palacianos.
História Literária da Madeira
As paráfrases, os trocadilhos e a erudição, num estilo frio e monótono, que
preferiram os letrados, não sensibilisaram a alma popular e por isso o
genuíno sentimento português ali se firmem bem vincado. Assim o indicam
as diversas composições, coligidas por Garcia Resende no Cancioneiro.
No século XV é especialmente a História que progride, com uma forte
personalidade, como evidenciam os trabalhos de Fernão Lopes e de Gomes
Eanes de Azurara, embora este não conseguisse atingir o seu ante sucessor
no plano a que se elevou.
No reinado de Dom Duarte I.° foi verdadeiramente notável ó
desenvolvimento literário em Portugal e ainda, em proporção, mais
importante se revelou no Arquipélago da Madeira, onde aparece um núcleo
de Poetas e de Escritores marcando uma posição de notável destaque.
Sente-se, porém, no lirismo do ciclo poético da Ilha da Madeira, uma forte
influência da Escola Espanhola misturada de motivos nórdicos. E' nisto que
se
diferenciam
os
intelectuais
madeirenses, da maior parte dos
contemporâneos e camaradas continentais.
Nas suas «Notas» afirma o Dr. Rodrigues de Azevedo que o primeiro poeta
insulano que foge a estas influências foi Tristão das Damas. Porém logo a
seguir, na página 772 da mesma obra encontramos a transcrição de uns
versos do mesmo Tristão das Damas em cuja critica o Dr. Azevedo diz que
esses versos «teem um artificio e subjectivismo próprios da tradição
provençal da Escola Aragoneza». E pois contraditório com o que antes
afirmara, assegurando que não sofrera influências estranhas.
História Literária da Madeira
Nas «Notas» às Saudades de Terra o Dr. Rodrigues de Azevedo declara que
o lirismo do «Ciclo Poético da Ilha da Madeira» é provocado pela influência
da poesia aragonesa, conhecida em Portugal pelo casamento e relações
políticas de El-Rei Dom Duarte. Esta Escola prevaleceu até a Regência do
Infante D. Pedro, que seguiu o partido de Álvaro de Luna, Condestável de D.
João II de Castela, contra os Infantes de Aragão. Na Escola da Madeira ainda
se encontra a impressão das tradições inglesas na formosa lenda de
Machim.» Vem a propósito desta lenda inglesa de Machim, deixar bem
explicito que tudo o que se tem dito e escrito durante séculos, em volta de
um suposto súbdito britânico de nome Robert Machim, não passa de pura e
simples literatura. O tema, de facto, presta-se a fantasias românticas. Mas
saindo do campo literário e do lirismo para entrar na realidade é de justiça
dar o devido relevo a um estudo interessante do General Brito Rebelo que
em 1894 publicou com um curioso documento onde se encontram bem
expressas certas referencias a casas, em Lisboa, que em 1379 partilhavam
com um tal Machico. Este documento encontrou-o o General Brito Rebelo
no Arquivo da Torre do Tombo L.° 2.° de D. Fernando, fls. 42.
Ora desde que entre 1379 e 1417 havia em Lisboa um Marítimo de certa
categoria com o nome de Machico, porque não admitir que outro homem
dessa família, ou mesmo ele, fizesse parte da frota de Zarco?
E não seria esse homem que, por qualquer circunstância desse o seu nome à
localidade de onde tem saído motivo para tanto lirismo? Como mais adiante
se verá e como já se fez referência anterior, a fantasia do romance de Robert
Machim e de Ana d' Arfet teve outras origens e outros propósitos, bem diversos das inspirações e devaneios de poetas e prosadores...
História Literária da Madeira
Mas voltando às «Notas» do Dr. Rodrigues de Azevedo, nos comentários ao
período da Poesia palaciana e das principais figuras literárias dessa época,
vemos que discorda do parecer de que o Ciclo de Poetas Madeirenses, com
sua escola distinta, se destaque do Ciclo de Poetas Continentais - página 773.
O Dr. Teófilo, Braga porém, não abraçou este critério e reivindicou para a
Ilha da Madeira a honra e o orgulho de possuir uma Escola Literária bem
definida já no seu mais remoto período literário. Seja como for o que se
verifica também é que os romances, as trovas e outras manifestações
literárias que se registam desde os primitivos tempos da colonização nos
permitem fazer um juízo da grande cultura que havia no Arquipélago nos
séculos XV e XVI, assim como da infiltração do gosto poético nos meios
populares e das preferências pela poesia medieva e pelas narrativas e
histórias cavalheirescas.
Na tradição literária da idade média a lenda tem uma grande amplitude.
Assim, seguindo-se no Arquipélago Madeirense os gostos e as ideias do
Continente do Reino, as lendas encontraram, como é lógico, nas novas Ilhas
descobertas no alvorecer do Século XV, um ambiente propício.
Diz o Dr. Rodrigues de Azevedo que: «a lenda romantico-atlantica por
excelência, o drama fantasioso da epopeia oceânica, é a lenda madeirense de
Machim e de Harfet, mito sublime dessa quadra heróica das pavorosas
explorações do Mar de trevas. Sem ter sido realidade positiva, como alguns
pensam, é certo que o caso de Machim e d' Harfet consubstancia em toda a
verdade psíquica, a fusão do espírito erótico aventuroso da idade média, com
as tragédias dos descobrimentos marítimos.»
História Literária da Madeira
A prosa histórica, com diversas modalidades e em volta de variados motivos,
desde as narrativas aos bosquejos genealógicos, tem como projecção muitas
fantasias que vão entroncar-se nas lendas de fundo religioso, como podem
servir de exemplos a lenda de Nossa Senhora do Monte e a «história» da
fundação do Convento das Mercês, mais conhecido por Convento das
Capuchinhas.
Da trabalhosa e demorada investigação de elementos para abrir caminho que
facilitasse chegar à História Literária do Arquipélago da Madeira no seu
período mais remoto, é muito possível que tivesse ficado por analisar ou
esquecesse muita coisa que mais tarde virá por outros investigadores, que
encontram já este campo meio desbravado e venham a descobrir, levando-os
por ventura a conclusões que presentemente não achei.
Em 1923, numa Sessão de Estudo na Associação dos Arqueólogos apresentei
um ligeiro esboço da vida literária do Arquipélago e das influências que nela
actuaram. Mais tarde, nos números de Março e Maio de 1939, publiquei na
"Revista Portuguesa" um texto sobre o mesmo tema que pode, de qualquer
modo, auxiliar as tarefas da investigação. «Desde os tempos da Descoberta,
na madrugada do XV Século, até o Século XVI, afluíram ás Ilhas do
Arquipélago da Madeira povoadores de origens e de nacionalidades
diferentes.
Também os Mouros se tornaram um elemento importante de população, que
perdendo o seu aspecto heterogéneo, dominada e nacionalizada pelos
Portugueses, contudo aparece, em fim, com um cunho e um carácter
vincadamente português, mas ao mesmo tempo com uma curiosa
originalidade.
História Literária da Madeira
A rudeza dos costumes e dos impulsos brutais que marcam com traços fortes
a meia-idade, sucedem-se as etiquetas, os galanteios e os requebros fidalgos.
Assim também na literatura, que é sempre o reflexo da alma de uma época,
da poesia narrativa, adstrita aos tempos bélicos, se passou à poesia discursiva, cheia de argúcias e de críticas, ou repassada de erotismos. A vida
palaciana é o fulcro desta verdadeira transformação intelectual, As camadas
inferiores da população, sempre afectas ao tradicionalismo não encaram com
bons olhos as novas tendências que lhes levam o seu viver e o seu sentir de
séculos, pretendendo até arrancar-lhes as vibrações da Alma que em trovas,
em versos e canções se expande.
Desta arte, suplantada na vida palaciana a poesia narrativa, esta vai refugiarse no meio popular, onde até agora, mais ou menos, se tem conservado com
seus foros de poesia popular e tradicional. Ora é esta alma arreigada às
tradições e aos costumes da Raça Portuguesa, que passa ao Arquipélago da
Madeira e aqui, fundindo-se com as correntes estranhas, trazidas pelos
povoadores de diversas procedências, dá-nos esse tipo inconfundível que
caracteriza os insulanos. E seguindo esta ordem de ideias vê se que à poesia
de reminiscências medievais dos Povoadores juntaram-se harmonicamente,
formando um conjunto curioso, o figurado e a melopeia das composições
árabes.
Todos estes elementos, que constituíram o núcleo de população e da vida
madeirense, formaram também a fonte de riqueza, da variedade e de colorido
original que deparamos no «Folclore» do Arquipélago da Madeira e que mal
se explica como ainda é tão mal conhecido e apreciado».
É de justiça dar o primeiro lugar na relação dos Escritores que, de qualquer
História Literária da Madeira
modo, deram a sua colaboração para o desenvolvimento literário no
Arquipélago, a Gonçalo Aires Ferreira.
É de justiça porque logo após a chegada dos portugueses à Madeira, ele, que
foi um dos companheiros mais íntimos de João Gonçalves Zarco, cuida, sem
perda de tempo, de fixar numa descritiva simples mas exacta tudo quanto ele
viu.
Se não fossem as suas «memórias» com a narração do Descobrimento teriam
talvez tomado directrizes diversas as outras produções sobre a história da
Província Atlântica da Madeira. Quando começam a prosperar as novas
terras portuguesas aparece com a autoridade de testemunha presencial de
tudo quanto narra, esse Gonçalo Aires Ferreira que foi companheiro do
Capitão João Gonçalves Zarco. Escreveu Gonçalo Aires a primeira memória
sobre a geração de Zarco e a crónica relativa ao «Descobrimento da Ilha
Madeira» Esta narração foi considerada, com justiça, a mais exacta descrição
do feito.
Diz o Padre Fernando Augusto da Silva que «Gonçalo Aires Ferreira foi o
mais distinto companheiro do primeiro Descobridor, não só pela sua nobre
ascendência mas ainda pela ilustração que possuía». Isto se encontra,
textualmente, na página 398 do Elucidário Madeirense, na informação sobre
«Ferreira (Gonçalo Ayres)».
Ainda a propósito de Gonçalo Aires Ferreira e da sua descrição da
Descoberta do Arquipélago lê-se nas «Saudades da Terra» do Dr. Gaspar
Frutuoso, que o 6.° Capitão Donatário do Funchal, João Gonçalves da
Câmara, 2.° Conde da Calheta «trazia no seu escritório o Descobrimento da
História Literária da Madeira
Ilha da Madeira, o mais verdadeiro que até agora se achou; o qual dizem que
foi feito por Gonçalo Ayres Ferreira, que foi a descobrir a mesma Ilha com o
primeiro Capitam João Gonçalves Zarco, e como este Descobrimento
competia aos Capitães da mesma Ilha, eles o traziam no seu escritório como
cousa hereditária de descendentes em descendentes. E sendo pedida
informação desta Ilha da Madeira, de minha parte, ao Reverendo Cónego da
Sé do Funchal Jerónimo Dias Leite, tendo-o ele visto em poder do dito
Capitão João Gonçalves da Camara, lh' o mandou pedir a Lisboa, onde então
estava, e ele o mandou trasladar pelo seu Camareiro, Lucas de Sá e lh' o
mandou escrito em trez folhas de papel, da letra do dito Camareiro (porque o
Descobrimento não faz missão disso) lhe mandou dizer que Gonçalo Ayres
Ferreira, o qual fora um dos Creados que Zarco, primeiro Capitão, lá levara,
escrevera tudo que viu com seus olhos e como não era eurioso nem homem
docto, o notará com ruda minerva, sem ai composto».
Este texto, que consta do trabalho do Doutor Gaspar Frutuoso, leva à
conclusão de que o Manuscrito de Gonçalo Ayres Ferreira era já então
considerado como a mais verdadeira e exacta descritiva do feito da
Descoberta.
Também a correspondência regular entre o autor das «Saudades da Terra» e
o douto Cónego da Sé do Funchal, Jerónimo Dias Leite, que não só estudou
as memórias de Gonçalo Ayres mas ainda as completou e ampliou, mostra
que se houvesse qualquer dúvida sobre a autoria do Descobrimento, teria
dito, de qualquer forma pelo menos para não firmar um erro.
Ora sendo o Cónego Jerónimo Dias Leite quem fornecia ao Doutor Gaspar
Frutuoso o melhor material que obtivera como fruto de constantes estudos e
História Literária da Madeira
investigações, para que as «Saudades da Terra» fossem um trabalho
exemplar, desde que então deparasse o Cónego Leite com argumento que
pudesse levantar dúvida, jamais teria sido tão preciso, E ainda as informações de Lucas de Sá, Camareiro do 2.° Conde da Calheta e 6.8 Capitão
Donatário do Funchal são absolutamente precisas pondo de parte a lenda que
mais tarde se formou, atribuindo a Francisco de Alça/orado a autoria da
história do «Descobrimento da Ilha da Madeira».
As Notas do Doutor Álvaro Rodrigues de Azevedo - páginas 352 a 366 põem de parte Francisco de Alcoforado e para melhor esclarecimento, o
Escritor - página 353- apresenta o texto da Epanafora de D. Francisco
Manuel de Mello, ao lado do Texto da Relation Historique, atribuída a
Francisco de Alcoforado e antecedendo estes textos que facilitam a sua
comparação, o Doutor Rodrigues de Azevedo explicou que o fazia: «para
que de um lanço de olhos os incáutos se desiludam».
Quando chegarmos à altura de nos ocuparmos de Francisco de Alcoforado
farei por desenvolver o assunto transcrevendo quanto a seu respeito tenho
encontrado.
Mas dentro desta documentação e com os argumentos expostos não devem
pois restar dúvidas de que a primeira história do Descobrimento foi da
autoria de Gonçalo Ayres Ferreira.
Dizem ainda as «Saudades da Terra» que era ele tão amigo e considerado de
Zarco que «quando faleceu, Zarco o mandou sepultar em Nossa Senhora de
Cima, na Capela-Mor, que era o jazigo que para si e sua Mulher e Filhos
havia feito».
História Literária da Madeira
Consultando a documentação relativa ao mausoléu de Zarco conclui-se que
era uma enorme urna funerária erguida em frente do Altar-Mór da Igreja de
Santa Clara e tão volumosa que as Freiras não podiam, do coro seguir o
Sacerdote quando celebrava a missa.
Por esta razão foi removido esse sumptuoso mausoléu não se sabe para onde,
pois que no Carneiro dessa Capela ainda se encontram numerosas sepulturas
dos Capitães Donatários, sucessores de Zarco e as Cinzas do Descobridor,
depois da remoção do sarcófago foram parar à sepultura de seu genro,
Martim Mendes de Vasconcelos, marido que foi de Dona Helena Gonçalves
da Câmara, que ali está, ao fundo da Igreja, com seus descendentes, havendo
uma lápide tumular com inscrição.
A rubrica de «Capitão da Ilha» que se encontra no Cancioneiro refere-se a
João Gonçalves da Câmara, também mencionado simplesmente por João
Gonçalves. Este Poeta era o filho primogénito do Descobridor e foi quem lhe
sucedeu como 2.° Capitão Donatário do Funchal. Era tido como «grande
motejador» e parece que dado às sátiras. O Dr. Rodrigues de Azevedo
refere-se às trovas que João Gonçalves da Câmara fez a D. Francisco de
Biveiro, «que andava negociando em dar uma mula e touca, tabardo e
sombreiro a uma dama, que lhe os pedira, e era recado falso». Conta também
que «entre outros versos contra Jorge de Oliveira, rendeiro da Chancelaria
apodando-o de ter levado doze mil Reis ao Poeta Jorge de Mello por um
padrão de despacho» mostra a sua veia mordaz.
Nessas composições assina «João Gonçalves, Capitão». Ainda a propósito
do espírito satírico do 2.° Capitão Donatário do Funchal reproduz nas
«Notas» os versos que João Gonçalves da Câmara compôs, visando D.
História Literária da Madeira
Francisco de Biveiro, por causa dos insucessos amorosos do poeta-fidalgo.
«Se se sofrer em verão
eu vos tenho enculcada
envençam,
que vem cosida e talhada.
Loba aberta alaranjada
que aqui fez um bom senhor,
com que irá mui bem betada,
e mais vestida de côr».
D. Francisco de Biveiro, que foi casado com uma neta de Zarco, deu sorte
com o motejo e por sua vez compôs resposta em verso dirigindo a «João
Gonçalves, Filho do Capitão».
Isto vem reforçar a tese de que o Poeta do Cancioneiro era o mesmo filho de
Zarco.
No dizer do Padre António Cordeiro, João Gonçalves da Câmara era muito
conhecido pelo «Porrinha» por trazer sempre consigo um porrete.
Gaspar Frutuoso diz que foi Poeta engenhoso e guerreiro de grande valor,
tendo-se notabilizado nos combates de Arzila e Ceuta.
Gozava de tal prestígio que o Conde de Gijon não teve dúvidas em consentir
que casasse com sua filha, Dona Maria de Noronha, que era neta de El-Rei
Dom Henrique de Castela.
História Literária da Madeira
Foi deste casamento principesco do 2.° Capitão Donatário do Funchal que
nasceu um dos mais notáveis Poetas da sua época e que figura no
Cancioneiro de Garcia de Resende.
Diz o Dr. Ernesto Gonçalves «que no período em que viveu João Gonçalves
da Câmara fazer versos era unta prenda de educação, tal como hoje é de boa
sociedade jogar o «Bridge» e que em sua opinião o espírito poético de João
Gonçalves da Câmara lhe daria jus a ser considerado, quando muito, como
poeta medíocre.
É de João Gonçalves da Câmara esta composição que vem citada no
Cancioneiro com a rubrica: O Capitão da Ilha (João Gonçalves), assim como
a que primeiro transcrevi e que o anotador das «Saudades da Terra», Doutor
Álvaro Rodrigues de Azevedo também apresentou. Foi-me fornecida esta
composição pelo meu doutíssimo amigo Doutor José Pedro Machado, um
dos intelectuais mais cultos e eruditos da nova geração.
«A ora ei por perdida
que passo sem na olhar,
vendo-a me custa a vida
que m' outra não pode dar,
nem tomar.
Porque se não pode achar
quem tanto poder tiver,
se não em quem eu disser.»
Outra, também, de João Gonçalves da Câmara, talvez menos interessante
que as anteriores.
História Literária da Madeira
«A meu ver não é culpado
em ser cristão, nem erro
porque bem no refertou,
e mal em que lhe pesou,
lh' o fizeram ser forçado.
Dali lhe ficou tenção
de ter mui grande cenrreira
a qualquer fiel cristão,
e a derradeira
bem sem trégua no perdão».
Os versos de Tristão Vaz Teixeira ou Tristão das Damas, que merecem a
critica do Dr. Rodrigues de Azevedo nas suas «Notas», têm um cunho muito
pessoal e uma curiosa e engenhosa originalidade nos trocadilhos e na finura
de espírito, mostrando a elegância de dizer e a alma emotiva do 2° Capitão
Donatário de Machico.
«Folgo muito de vos ver,
sei bem que vos quero bem,
pesa-me; quanda vos vejo.
com quanto dano me traz.
Como pode aquisto ser,
se ver-nos é, meu desejo?
Mas isto é para descrer,
ter, Senhora, tão grão pejo,
Isto não sei o que faz,
morrer muito por vos ver,
nem de onde tal mal me vem,
pesa-me quando Vos vejo».
Estes versos figuram no Cancioneiro e mostram o valor do Poeta-fidalgo que
História Literária da Madeira
abrilhantou o Ciclo Poético da Ilha da Madeira. De Tristão das Damas há
mais composições todas mais ou menos dentro do mesmo gosto e com a
mesma orientação.
«Da pena a mais pequena
porque tal prazer houvesse
pêro tarde me acordei,
que não vivesse morrendo.
meus olhos tapar vos ei.
Ao menos não sentirei
Cá me vejo com tal pena,
o que vista mais me ordena.
sem me poder remediar,
que m' é forçado tapar
De vos ver ou não vos vendo
os olhos, por não olhar
não sei certo qual quisesse,
que vendo mais mal m1 ordena».
Ainda outra poesia do famoso Tristão das Damas:
«Se ventura me ordenasse,
que vos já mui cedo visse,
como queria,
posto que me Deus matasse,
porque tal prazer sentisse,
folgaria.
Folgaria por cuidar
de vos ver como desejo
esperando de escapar
ao meu mal mortal sobejo,
que não sei que me causasse
porque deste mal partisse
História Literária da Madeira
só um dia,
salvo se Deus ordenasse,
que vos já mui cedo visse,
como queria»,
Este Tristão Teixeira, Capitão Donatário de Machico, que tem representação
no Cancioneiro, não se deve confundir com seu Pai, Tristão Vaz, que foi o
primeiro Donatário daquela Capitania.
Garcia de Resende indica-o como «um dos aventureiros que realizaram as
expedições marítimas começadas no principio do século XV».
A proporcionar a confusão temos os Escritores António Galvão, Damião de
Góis, Padre António Cordeiro e José Soares da Silva, que mencionam o
primeiro Capitão Donatário de Machico - que era Tristão Vaz, - por Tristão
Vaz Teixeira.
Ora isto é um erro. O apelido Teixeira pertenceu à Mulher de Tristão Vaz Dona Branca Teixeira, fidalga da Casa de Vila Real.
Não é lógico que o marido fosse usar-lhe o apelido. Seus filhos, a principiar
no Sucessor na Capitania e portanto o célebre Tristão das Damas, é que
usaram o apelido materno. Tristão Vaz - o primeiro Capitão Donatário de
Machico - tinha por brasão de armas uma Fénix em campo azul. Foi seu
filho e sucessor, esse Tristão Vaz Teixeira ou Tristão Teixeira, mais
conhecido por Tristão das Damas, quem juntou nas armas quarteadas uma
Cruz aberta e uma flor-de-lis, provindas de sua Mãe.
História Literária da Madeira
Azurara nomeia-o somente por Tristão ou Tristão da Ilha.
Gaspar Frutuoso, nas «Saudades da Terra», cita o testamento do primeiro
Capitão Donatário de Machico, Tristão Vaz, mas não menciona o apelido
Teixeira, que de facto ele não tinha nem usava.
Diz ainda Frutuoso que Tristão das Damas foi guerreiro valoroso, «muito
cortezão e grande dizedor, que fazia muitos motes às damas».
Teve, como é natural, uma vida faustosa mas algumas vezes agitada.
Morreu em Machico onde jaz sepultado na Capela de S. João da Igreja
Paroquial, em cujo arco ele mandou esculpir o escudo com o seu brasão de
armas: - a Fénix, a Cruz aberta e a Flor de Liz.
Essa Capela foi igualmente construção sua e desde logo a destinou para
mausoléu dos Capitães Donatários de Machico,
Manuel de Noronha foi o 4.° filho nascido do casamento de João
Gonçalves da Câmara, 2.° Capitão Donatário do Funchal, com Dona Maria
de Noronha.
Este neto de Zarco foi uma das figuras mais notáveis nos meios literários da
sua época. Era irmão do 3.º Capitão Donatário. Simão Gonçalves da Câmara,
conhecido na história insular pelo «Magnifico».
A rubrica do Cancioneiro menciona Manuel de Noronha como «o Filho do
Capitão da Ilha da Madeira». O Dr. Teófilo Braga diz que foi pai e avô de
senhoras que vieram a casar com poetas da Corte, o que não é exacto.
História Literária da Madeira
Rebuscando à documentação genealógica e ainda segundo as «Saudades da
Terra» chega-se à conclusão de que apenas casaram duas das dez filhas ele
teve dos seus dois matrimónios.
Os maridos destas duas fidalgas eram de facto palacianos mas não resma as
crónicas que fossem poetas.
Houve, é certo, netas de Zarco quê se casaram com Poetas palacianos - uma
com Duarte de Brito, outra com Ruy de Souza, uma outra com Ruy Gomes
da Grã, ainda outra com João Rodrigues de Sá é finalmente a quinta com D.
Luiz da Silveira.
Nenhuma destas senhoras era filha de Manuel de Noronha mas sim
sobrinhas, filhas dos Condes de Vila Nova de Portimão.
A maior parte das poesias de Manuel de Noronha perdeu-se, infelizmente.
Porém o alto mérito literário e a sua sensibilidade de Artista ficaram na
tradição intimamente ligadas ao - florescimento da Escola Poética da Ilha da
Madeira, de que ele foi um dos mais notáveis e fulgurantes elementos.
Das poesias que chegaram até nós; posso apresentar algumas que me
facultou a amabilidade do meu talentoso amigo Doutor José Pedro Machado.
«De Manuel de Noronha a Dom António Valasco sobre o rifão que lhe fez»
História Literária da Madeira
Rifão
«Antes que de chamalote
fizera desse rifão
ceroilas para verão.
«E mais das copras farei
outra loba de que ria,
que seja casi tão fria
como curta de solia,
que vos eu já perdoei.
E assim escaparei
nas copras, e no rifão
das calmas deste verão.
«Outra à loba curta de solia que fez Dom António»
«Eu vi loba de solia,
que me pareceu razão
não lembrar para rifão.
«Da vossa barba rapada
quanto é o que eu diria,
eu a ei por quasi nada
para a loba de solia.
Dai o demo a fantasia,
e toda a vossa descrição,
pois a loba é tão fria
que nem lembra o rifão».
História Literária da Madeira
- Outra poesia de Manuel de Noronha
«Eu vi viúva anojada
com outra tal envenção,
mas com barba tão rapada
nunca vi já cortesão.
De morrer desejaria, e seria grã razão pois que fez loba tão fria, tendo já feito
o «rifão».
- E ainda esta outra, do mesmo autor
«De alguns destes trovadores
não quero ser ajudado,
antes só com minhas dores
que tão mal acompanhado.
Em que me ajam por culpado,
a justo m' atreveria,
pois que é tão condenado
o da loba de solia».
São, como se verifica, todas estas poesias do mesmo gosto e estilo.
É evidente que Manuel de Noronha tinha uma particular inclinação para os
motejos e a sua verrina tem um cunho muito particularista, como se pode
depreender desta composição:
«Se tivéssemos memórias para tudo nos lembrar, na dele cem mil histórias
notáveis para contar.
História Literária da Madeira
É de Cristo cavaleiro, muitas vezes foi zombado, por gestos, trajos, coçado,
Pêro de Sousa Ribeiro».
Diz a tradição que o acinte satírico de Manuel de Noronha numa viagem da
Corte a Castela, fazendo ele parte da comitiva assim como a sua vitima na
critica, teve como origem o facto do fidalgo atingido pelos motejos, ter
aparecido com um traje pretensiosamente diverso do que era de usança e de
praxe na vida do Paço.
Dos Poetas que o Dr. Rodrigues de Azevedo menciona como fazendo parte
no Ciclo Poético da Ilha da Madeira e do qual aparecem composições no
Cancioneiro de Garcia de Resende, valorizando O movimento literário do
Arquipélago, tem um certo relevo Ruy de Souza, de quem são as
composições que seguem:
«Não hei por cousa segura
nenhum vosso bem que seja,
e sei bem que nunca dura
vosso mal, que muito seja.
Conhecer esterro vosso
é ser cousa mui geral,
não ser bem nenhum bem vosso
nem ser mal o vosso mal».
«Sobrinho, não vos pareça
que estais em Valhadoly,
cá não trazem na cabeça
trez varas d' azeitony.
História Literária da Madeira
Eu a vos pordoaria,
«mas foão»
não digo quem nem quem não».
«Que aqui não seja defeso, a ninguém não aconteça, fiar de sua cabeça cousa
de tamanho peso.
Antes me aconselharia,
porque não
desse com tudo no chão.
Se vedes como eu começo,
já vos tenho respondido,
que pois a morte já peço,
menos mal é ser. perdido.
Mas ei por glória penar,
e por vida me atarmela,
antes que me ver amar
de outra donzela».
João de Abreu é um dos Poetas madeirenses que traz composições no
Cancioneiro e que tantas as «Saudades da Terra», como o Dr. Rodrigues de
Azevedo citam como um dos «valores, da época.
Ainda rebuscando elementos encontrei estas poesias do nosso homem do
velho Ciclo Poético da Ilha da Madeira, que têm certo interesse e por onde é
possível fazer um juízo crítico do valor literário.
História Literária da Madeira
«Qu' eu não seja para ver,
tenho olhos com que vejo,
que não pode ver prazer
quem quer grande bem sobejo.
Isto soube conhecer
c' os olhos do coração,
Senhora, qu' este João»,
«Quando entrou polo terreiro,
viries todos correr,
e polo Deos verdadeiro
que queriam dar dinheiro
polo vêr.
Per que alem de vir porrym,
e trazer tão más esporas,
veio a horas
as melhores d' Almeirim».
Têm um certo sarcasmo os versos de João de Abreu, mas denotam mais
cultura, mais elevação e mais espírito de crítica que a mor parte dos seus
contemporâneos ilhéus.
«Eu não devo de tocar
nada sobre este rifão,
porque quem não viu medrar,
nem pode saber falar em padrão.
História Literária da Madeira
Pelo seu irei à mão
a quem tirara barreira,
que lhe não dei em cabrão,
pois é cristão.
e seja quita primeiro».
Ruy Gomes da Grãa ou Ruy Gomes, é outro Poeta mencionado neste
período e seguindo a crítica autorizada do Tenente Coronel Alberto Artur de
Sarmento, teve um mérito mais de Trovador do que propriamente Poeta.
Vivia num dos troços da actual Rua da Carreira, no Funchal,
aproximadamente no espaço que vai do estabelecimento fotográfico do sr.
Vicente Gomes da Silva à Rua de S. Francisco, então denominada Rua de
Ruy da Grãa.
As pessoas mais ilustres do Funchal, nesses tempos distantes do
povoamento, instalavam suas moradias nestas imediações e esses locais
eram designados pelos apelidos daqueles que ali residiam.
Este fidalgo possuía uma Contada importante que ia desde à margem D. do
Ribeiro Seco 6 se estendia para além da Praia Formosa. Casou com uma
descendente de Zarco e entre os cargos importantes que desempenhou figura
o de Guarda-mor da Excelente Senhora.
Duarte de Brito - um dos mais brilhantes Poetas que enriquece o Ciclo
Poético da Ilha da Madeira, nos tempos mais distantes do movimento
literário insular, tem representação no Cancioneiro Geral.
História Literária da Madeira
Mereceu Duarte de Brito um especial estudo do Doutor» Teófilo Braga. No
entanto, esse trabalho, como era frequente nas obras de Teófilo Braga,
enferma de falta de esclarecimentos em algumas passagens. Teófilo, tendo
sido um historiador especialmente literário é com frequência leviano nas
suas conclusões.
O Dr. José Luís de Canavial de Brito Gomes, descendente directo de Duarte
de Brito, tem também um valioso trabalho de investigação literária e da
actuação deste Poeta na vida madeirense.
O meu grande amigo e ilustre camarada Dr. Ernesto Gonçalves - sem dúvida
um dos Escritores mais eruditos e com uma elegância de linguagem muito
sua - deu-me a honra de publicar no número de Junho de 1943 na «Revista
Portuguesa» - de que sou Director - um admirável estudo inédito até então
sobre Duarte de Brito. Com a autoridade e o brilho de Ernesto Gonçalves
não podia ser mais propriamente apresentado esse Poeta envolto em certo
mistério, não quanto ao seu valor literário e à sua vida no Arquipélago mas
em relação à sua origem.
- Que teria levado Teófilo Braga a afirmar categoricamente que Duarte de
Brito, o grande Poeta do Cancioneiro de Resende era madeirense».
Quando esse historiador da nossa literatura, em cujas veias corria algum
sangue de gente da Ilha, considerou como morador na Madeira ou seu
natural um Poeta do século XV, que fora sem dúvida inspiradíssimo e de
finíssima sensibilidade, não consta que alguém se comovesse de orgulho
nesta terra. Também não consta que houvesse alguém que, por simples
curiosidade ao menos, procurasse ler os verses do Poeta com filial
História Literária da Madeira
enternecimento pelo sonho de quem, séculos atraz, aqui viveram e sonhara.
Duarte de Brito ficou sempre um anónimo entre aqueles que Teófilo julgava
da sua Orei e só em livros de linhagens restava o seu nome como o de um
simples Morgado, avô de Morgadotes.
Um Poeta desta estirpe que interessava a «políticos» e a gente enterrada,
fundamente enterrada, no negócio egoísta e limitada por horizontes
espirituais quase sufocantes, reduzidos pelo desprezo dos valores supremos
da vida?
Mas qual o motivo porque Teófilo afirmou que Duarte de Brito pertencia à
Madeira?
Teria ele conhecido qualquer documento em que se baseasse para fazer uma
afirmação que só engrandecia a Ilha e lhe dava alta formosura de espírito?
Ou a polémica poética travada entre Duarte de Brito e João Gomes,
incontestavelmente madeirense, forneceria o fundamento para considerar o
cantor do «Inferno dos Enamorados» como habitando a Madeira? Em
qualquer caso Teófilo Braga não foi arbitrariamente fantasista.
Ele tinha uma visão poética das Ilhas que lhe vinha do sangue e da beleza
das novelas e romances medievais em que descobria a pureza primitiva do
génio nacional. Poderia ainda ver nestas terras isoladas em pleno Oceano
pátrias de Vates que lembravam obscuramente muitos antigos - e cantavam
na abstracção do mar e do Céu sentindo a realidade do tempo fugir entre
quimeras e neblinas de alma meditativa. Mas não foi sugestão deste género
História Literária da Madeira
que guiou a pena do historiador. Senão encontrou documento que tudo
resolvesse com perentoria simplicidade, bastou-lhe a prova de pequenos
factos que julgou suprirem a ausência de informação directa e clara de que o
Poeta que aparece junto de João Gomes no Cancioneiro Geral era
madeirense.
Agora veremos perante factos documentados, que se reúnem como alguns
«dijecta membra» dum problema, se há ou não motivo sério para ter Duarte
de Brito como um dos que no século XV se passaram a esta terra ou aqui
nasceram. Os livros de linhagens madeirenses inscrevem o nome de Duarte
de Brito - a que chamam Duarte de Brito Pestana, o que confunde um pouco
(1)
- e deixaram no esquecimento qualquer menção a qualidades literárias
suas. Este silêncio, contudo, explica-se facilmente. A genealogia desta
Família só foi organizada no século XVII - numa época em que já estava
perdida qualquer tradição que viesse sanar a falta de Garcia de Resende que
não deixou no seu Cancioneiro qualquer circunstância identificadora de
quem fosse Duarte de Brito. Em 1480, confiando em Henrique Henriques de
Noronha, encontrava-se Duarte de Brito na Madeira - que nós cremos hoje,
com Teófilo de Braga, era o próprio Poeta do Cancioneiro Geral.
Teria nascido na Ilha? Ignoramo-lo. Seria Santarém a sua terra natal? Notese porém que estavam no Funchal dois irmãos seus - Pêro de Brito e Joane
Mendes de Brito - o que nos permite supor um maior enraizamento na terra,
com casa paterna assente na nova Província. Simples conjectura, saliente-se.
______________
(1) - Só depois de ter falecido é que o seu nome apareceu com o apelido Pestana. Tombo da Câmara
Municipal do Funchal. T. 1,° —fls. 331. Arquivo Distrital.
História Literária da Madeira
Igualmente ignoramos quem eram seus pais. Se consultarmos Henrique
Henriques de Noronha que com certa deficiência de critério foi o primeiro a
elaborar a genealogia desta Família, deparamo-nos com delirante
embrulhada (1). Uma vez tem-no como filho de Duarte Pestana de Brito e de
Leonor Homem de Souza, neta de Zarco; outra seriam seus pais Afonso
Rodrigues Alardo e Mécia de Brito Pestana, do Reino; e por fim ainda
regista diversa filiação, qual é a de Mem de Brito de Oliveira e D. Helena de
Vasconcelos. Como se vê este investigador de genealogia, a que pretendia
sempre emprestar, segundo o estilo bem século XVIII, o mais refulgente
lustre heráldico, não era mesquinho na sua exuberância.
Em três pontos da sua obra, quando tomava o problema da filiação de Duarte
de Brito, esquecia-se do que havia dito ou do que ia afirmar depois.
Qualquer dessas filiações está errada, ou não se prova.
A primeira não é certa, como veremos. A segunda constitui um puro
absurdo: -Afonso Rodrigues Alardo e Mécia de Brito Pestana viveram, pelo
menos, duas gerações antes do nosso Poeta e foram pais de Álvaro de Brito
Pestana, partidário - de Afonso V na Batalha de Alfarrobeira, Poeta de
elevada intenção moral, conhecido de João Gomes da Ilha - e talvez Tio de
Duarte de Brito (2). Quanto á terceira filiação nada conseguimos adiantar.
____________
(1) — «Nobiliário Genealógico das Famílias que passaram a viver nesta Ilha da Madeira» - por
Henrique Henriques de Noronha - T.« I fls. 41 a 43 Cópia da Biblioteca Municipal do Funchal.
(2) - Biblioteca Lusitana de Diogo Barbosa Machado Vol. I
pág. 98 Reedição 1930.
História Literária da Madeira
Deve ser também disparate. Afastando portanto, como manda a prudência, o
problema de saber quem fossem os pais de Duarte de Brito e onde viu pela
primeira vez a luz desta vida, só podemos asseverar, com documento à vista
(1)
que era sobrinho de Duarte Pestana a cujo nome os genealógicos
posteriormente juntaram o nome Brito, fidalgo da Casa do Senhor Duque da
Madeira e seu Armador-mor - e não do Reino como enlevadamente escrevia
Henrique Henriques de Noronha à sombra magnífica da sua cabeleira
joanina. Duarte Pestana figurava em 1470
(2)
como um dos «Homens-bons»
do Concelho do Funchal - a par de João Gomes, o Trovador, que veremos
passados anos, a esgrimir, atirando rimas bonacheironas, com o sobrinho de
seu companheiro na governança local.
Que antes dessa data se encontrava na Madeira o Armador-mór, é de
presumir.
Reportamo-nos ao mais antigo Livro das Vereações do Município
funchalense - e que é simplesmente o mais antigo dos que se salvaram da
incúria ignara dos homens, do apetite das traças e da morrinha da
humanidade (3). Se Duarte de Brito - assim sempre ele se assinou sem
acrescentar ao seu nome o apelido Pestana, que usaram descendentes seus não era originalmente da Madeira, aqui se acharia em 1480, como indicou o
genealogista da cabeleira barroca e pena de pato embebida na vaidosa tinta
de ilusões nobiliárquicas.
______________
(1) - Livro das Vereações da Câmara Municipal do Funchal, 495,
1496 fls. 222 - No Arquivo Distrital.
(2) - Livro das Vereações da Câmara Municipal do Funchal 1470
1471 fls. 11 V.º - No Arquivo Distrital.
(3) - Poucos restam dos Livros das Vereações da C.™ Municipal do Funchal relativos ao século
História Literária da Madeira
Mas tudo leva a conjecturar que por essa altura ele seria muito novo e por
ventura menor de 25 anos.
Na época mencionada não há vestígios da sua presença nos negócios do
Concelho. Só mais tarde é que participa com seus irmãos nas decisões da
vida local. Veio a casar na Madeira com Dona Joana Cabral, filha de Ruy de
Souza (que igualmente Teófilo viu como um dos Poetas do Cancioneiro de
Resende), bisneta materna de Zarco e herdeira do Vinculo de Capela
instituído por sua Mãe. Todas estas relações de parentesco, tanto sanguíneo
como de afinidade, servem, na ignorância de datas precisas, para mostrar que
Duarte de Brito
______________
XV. Escaparam 6, a saber: -1470-1471; 1481-1482; 1485-1486; 1418-1489; 1491-1492; 1495-1496
os quais se acham incorporados no Arquivo Distrital do Funchal. Perderam-se portanto dezenas de
códices que deviam ser repositórios riquíssimos, insubstituíveis! - de informações para a História da
Colonização portuguesa. O pouco que hoje conhecemos através dos que milagrosamente foram
poupados faz-nos adivinhar o autêntico tesouro consumido em cinzas e pó de papel de que a
estupidez escarneceu. Que mi sorte tem perseguido a espiritualidade da Madeira! Esses 6 volumes,
o 1 Tomo do Tombo da C. M. F. e o seu livro velho e ainda alguns documentos avulsos que existem
na Madeira e na Torre do Tombo, já dizem algo de surpreendente acerca do século XV da Ilha. E
tudo isto é mínimo com certeza em comparação com o que se deixou destruir. Do primitivo
Município que tinha jurisdição em toda a Ilha e fora criado pelo Infante Dom Henrique, não possuímos o menor vestígio.
Tão só a referência que lhe faz o Infante.
História Literária da Madeira
Pestana, que, certamente, nunca veio à Madeira e de quem já falamos, era
por este tempo um ancião que evergastava nos seus versos os novos
costumes, - e austeramente defendia a varonilidade heróica do nosso
carácter.
João Gomes, que fora da Casa do Infante D. Henrique, chegara à velhice: era
um «roupa-velha» - um homem antigo, que muito conhecera e trabalhara,
que fizera trovas líricas e de meditação moral—e agora já adiantado em
anos, tinha de pleitar, no terreiro das musas, com o fundibulário
ágil,
ricamente apetrechado de rimas e mestre de melodia verbal que era Duarte
de Brito, contendor com perfeita ciência do seu passado e bem aceite no seu
convívio. Se Duarte de Brito nasceu na Madeira, teria ido para Portugal
seguir os estudos e frequentar a sua escola de Cortesão. Teria estudado o
latim? Os seus versos possuem um profundo carácter de vernaculidade na
linguagem, estão todos impregnados da essência portuguesa, mas há neles
uma luminosidade nova que talvez viesse do conhecimento do idioma latino.
E se também poetou em castelhano, assim o fez João Gomes, seu Camarada
mais velho na jornada pelo país das visões líricas. Foi durante esta
permanência em Portugal - se partirmos da hipótese de ser a Ilha a terra do
seu nascimento - que compôs aquelas soberbas trovas quando partia dos
campos de Santarém onde lhe ficara «a beldade por quem levava cheia a
memória». A «vida despreocupada de dores» libertou-se na Madeira de tanto
cuidado e aventura. À primeira vez que o vemos participar dos negócios da
Câmara Municipal do Funchal é em 1495 (1), o que não quer dizer que antes
não fosse metido nó rol dos «homens-bons» do Município cujo arquivo,
____________
(1) Livro das Vereações da C. M. F.1495-1496 fls, 67 V.º 71-73 V.º 74 V.° 213 217 V.° 221.
História Literária da Madeira
infelizmente está cheio de lacunas lamentáveis quanto ao período do século
XV. Vê-se no livro respectivo a sua assinatura, lançada numa caligrafia
muito elegante, com sóbrios sinais de abreviatura que mostram uma mão
prática em escrever é gosto artístico
(l).
Nas poucas vereações cm que
compareceu encontrou-se com João Gomes que sempre nos surge no vasto
painel da vida municipal da época, acompanhado de Duarte Pestana, cuja
cabeça encanecida, talvez de cabelos curtos, à moda antiga, como um Barão
de Nuno Gonçalves, contrastava com o perfil do sobrinho, Poeta de longa
cabeleira a ondular até os ombros. Duarte de Brito vivia na Calheta, que
estava dentro da jurisdição do Funchal. Algumas vezes viria à Vila, fazendo
por mar, como era costume, a longa viagem até a cabeça do Concelho. Era o
sítio da sua casa em Vale de Amores nome que estamos em crer fosse ele
próprio que pós, num baptismo lírico, a esse recanto da Ilha. Pelo menos tem
tal topónimo o mesmo encanto de muitas das suas «comparações».
Em 1496 deliberou a Câmara com o voto de João Gomes que ele partisse
como seu Procurador para expor ao Rei certos negócios de proveito comum
(2).
Seu Tio em 1481 fizera também igual jornada com idêntica comissão.
Porém desta vez parece que Duarte de Brito não aceitou a incumbência de
boa vontade. O subsidio que lhe concederam os oficiais da Câmara não era
suficiente para despesa tamanha - ou ele, no foro do seu orgulho, achava-o
minguado para se ostentar na Corte com todas as galas de um verdadeiro
embaixador.
___________
(1) - Assinou nas fls. 71 e 74-V.° Livro das Vereações 1496
(2) - Livro das Vereações do Funchal 1495-96 fls. 217-V.»
História Literária da Madeira
O assunto arrastou-se um pouco, até que o Juiz Ordinário - João Luís, que
morara em Câmara de Lobos - lhe deu a ordem expressa, sob pena de dez
cruzados, se não seguisse para Portugal no primeiro navio. Casado,
conhecendo a realidade da vida, emissário de um Povo que trabalhava com
duro esforço em abrir terrenos novos, levando o encargo solene duma
procuração do Concelho - talvez não se esquecesse de matar saudades dos
campos de Santarém que o haviam envolvido em auras sentimentais de amor
e desespero. No meio dos problemas locais, de cuja defesa o investiram
perante El-Rei, apareciam as sombras antigas de donas da Corte, a quem
endereçara madrigais quando a sua lira era fresca e enamorada como flor de
Primavera.
Veio a acabar seus dias antes de 29 de Julho de 1514 (1). Estavam já no outro
mundo seus companheiros, embora mais velhos, nos maviosos enlevos da
poesia.
Provavelmente ficou sepultado na Capela de Nossa Senhora da Estrela, na
Calheta, sede do Morgadio em que nos parece que sua mulher sucedera.
Abandonou o seu Vale de Amores e começara a jornada da alma escalando a
montanha que, no cimo, resplandece a luz divina. Talvez o acompanhasse o
canto das aves que lhe servira de guia numa aventura desta vida... Muito
pouco, como se vê e o que sobre Duarte de Brito pode apurar-se dos
documentos que investigamos e duma memória genealógica redigida com
falso critério, o que a prejudicou. Mas o pouco que se alcança saber ajudanos a desenhar o problema nos seus traços gerais e dar-lhes consistência e
__________
(1) - Obra citada de H. N. de Noronha T.» III fls, 41
História Literária da Madeira
pô-lo de pé. Todas as circunstâncias que a bom título nós podemos aceitar,
coincidem com os escassos elementos biográficos que conhecemos de
Duarte de Brito, Poeta do Cancioneiro Geral. Se por uma questão de método
e como contra-prova separarmos cm dois indivíduos, este Duarte de Brito, o da Madeira e o da Colectânea de Resende -vemo-los como
contemporâneos, ambos novos nos fins do século XV, conhecidos de João
Gomes da Ilha - muito ao par do seu passado e íntimos das suas relações. O
Poeta seria parente de Álvaro de Brito Pestana e seguidor da sua
metrificação cuidada e fluência verbal; o outro era, como se presume, sem
exagero, aparentado com o Cortesão amigo de poetar. Tanta aproximação
obriga-nos, espontaneamente, a identifica-los, a justapor as duas imagens
que andam separadas. Nada se opõe a que se perfile honestamente esta
conclusão: não há o menor elemento contraditório. Do autor do «Inferno dos
Namorados» diz Diogo Barbosa Machado simplesmente que era Poeta jovial
e sentencioso - o que é irrisório como crítica literária - e ignora tudo no
respeitante a sua idede
(1).
Vê-lo, portanto, como um duplo da mesma per-
sonalidade - do que vivia na Madeira e emparelhava com João Gomes, não
nos parece demasia de interpretação e que possa ser condenado; antes o
julgamos como sentença implícita nos factos aqui trazidos para instruir um
processo que Teófilo Braga abriu há muitos anos. Recear ainda uma
homonímia, como já confessamos, é prudência que roça pelo medo de
concluir em face de documentos luminosos que lançam claridade nos
recantos ensombrados. Viemos agora em defesa de Teófilo Braga depois de
estudar velhos papeis e sentimo-nos contentes com à nossa consciência de
madeirense.
_____________
(1) - Obra citada V.° l pág. 710
História Literária da Madeira
Quanto necessita a Ilha que a sua alma culta desvende a formosa face
poética—e de uma profunda lição de orgulho e de compreensão de si própria
a todos os que nela nasceram.
A doença da Madeira é, antes de tudo, de espírito.
Acorda-la até encontrar a sua verdade é o que pretendemos.
Os versos de Duarte de Brito, escritos no XV século - «O Campos de
Santarém» - com as suas respectivas notas da colectânea Poetas do
Cancioneiro Geral, são aqueles que reproduzimos, graças ao ilustre Professor
da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Doutor Álvaro Júlio da
Costa Pimpão.
Ó Campos de Santarém
Ó campos de Santarém
O' ventura malfadada,
lembranças tristes de mira,
cabo de toda crueza!
onde começou sem fim,
O' memorea retrocada
desesperança sem bem.
em dôr de minha tristeza !
Ó gran beldade por quam
levo cheia a memores,
0' desejo sem folgança (2)
com tal cuidado que tem
tristura de meu folgar!
a morte volta com grorea (1)
Õ' querer de meu pesar,
do meu descanço tardança
O vida desesperada
do meu coração cadeia!
de dores e sentimento!
O' vida sem esperança,
O' lembrança de tormentos
de tristezas toda cheia !
qu' em pesares és tornada!
História Literária da Madeira
Vi as Serras descobertas
História Literária da Madeira
O' coração lastimado
de meus males com tristuras
cujo mal nunca se sente!
que tão longe és presente
vi todas minhas folguras (5)
de quem és tam apartado,
de tristeza ser cobertas.
que te presta ser lembrado
D' esperanças vi desertas
de quem sempre desejar
minhas groreas sem vitória,
faz de força teu cuidado
com suspiros mui espertas
de vontade com chorar (3)
as lembranças da memória.
Como aquele que sentindo
vai a morte quando vem,
Vi meu triste pensamento
que demostra o mal que tem
d' esperar desesperado,
com grã dor e descobrindo,
com suspiros meu cuidado
assi eu, de vós partindo,
com lágrimas meu tormento.
desejo da minha vida!
Meu raivoso (6), sentimento
vejo vir após mim vindo
que, calando, encobria,
a morte que me convida.
mil rezes, com desalento,
meu chorar o descobria.
Polas mui ásperas vias,
de tristezas caminhando
Polas mui grandes montanhas
vi meu mal meu bem matando
caminho do meu pesar,
dar fim minhas alegrias.
nam cessando de caminhar
Todas minhas fantasias
com dor de dores tamanhas,
minhas penas refrescando (4)
todas minhas entranhas
o triste fim de meus dias
sem fogo s' iam queimando;
sem vos ver mo vio mostrando.
e nas terras mui estranhas
História Literária da Madeira
a morte ando buscando.
História Literária da Madeira
Com meus cabelos cobria
a mim todo com pesar;
Com lagrimas de tristura
em ver-me sem vos me via
de minhas coitas (7) raivosas
mais de vontade chorar.
vi as frores e as rosas
perder todas as frescura».
Com meu mal assi andando,
Os campos com as verduras
de me ver assi perdido,
com as sombras graciosas
como cousa sem sentido,
se tornavam amarguras
andava sempre chorando.
de mil raivas (8) espantosas.
A morte menosprezando,
mais que vida desejava;
meu desejo vigiando
Por (9) ver morrer meus espantos
suspirava me confortar.
feias bestas me seguiam,
e os matos reteniam
coro as vozes de seus prantos.
Assi me levando ventura,
Davam aves gritos tantos,
com desatino, perdido,
minhas querelas (10) dobraram
neste caminho vestido
onde os meus quebrantos
coberto de gran tristura
em lágrimas se banhavam.
meu chorar com amargura,
com voz triste, mui cansada
chorarei em quanto dura
Meu caminho se seguiu,
minha dor nunca minguava
minha pena s' esforçava
contra mim mais cada dia.
minha estiva jornada.
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
em meu triste pensamento,
Pois que meu bem como vento
a memoria por tormento
trespassando (11) assi por mim,
ficará desta lembrança,
o meu mal dura sem fim
em mim, triste porque sente
ser meu mal sem esperança.
__________________________
(1) - «Com tal cuidado que tem a morte volta com grorea» isto é: com prazer e tristeza à mistura.
(2) - «folgança» prazer.
(3) - A ideia parece ser esta: - de nada prestada ao coração ser lembrado de quem não pode, com
suas lágrimas, deixar de desejar seu cuidado.
(4) - Curiosa imagem: refrescar as penas, ou seja traze-las pela imaginação a seu primitivo viço.
(5) - Folguras, ou folganças.
(6) - Raivoso, quer dizer, desesperado.
(7) - Coita, ou pena mágoa.
(8) - raivas, quer dizer desesperos
(9) - por em vez de para
(10) – querelas ou queixas
(11) - trespassando quer dizer: passando através
História Literária da Madeira
Apesar de todas estas buscas e de muitas outras feitas especialmente pelo
Prof. Dr. José Luís de Canavial de Brito Gomes, descente de Duarte de
Brito, para se identificar com certeza se fora o Duarte de Brito, de Vale de
Amores e amigo de João Gomes da Ilha, ou o Pai deste, - que no dizer do
Doutor Brito Gomes era também Duarte de Brito, - o autor destes versos que
transcrevemos, a poesia é original e primorosa de sensibilidade e de forma.
Para o ponto de vista deste estudo o que há é um Duarte de Brito que nos
fins do XV século fez versos que figuram no Cancioneiro, e que esses versos
merecem um especial relevo na sua citação, que o Poeta teve íntima ligação
com a Madeira, nela tendo nascido - caso seja o Filho - ou nela se houvesse
finado somente - se foi o Pai.
O Dr. José Luís de Canavial de Brito Gomes opina que podia bem ter sido o
pai, o poeta dos «Campos de Santarém» dada as suas idas com a Corte
àquela terra Ribatejana.
Outro Poeta madeirense que têm representação no Cancioneiro Geral e que é
considerado como um dos mais notáveis intelectuais da sua época, foi João
Gomes, que pertenceu à Casa do Infante e amigo e quem sabe ser orientador!
- do Poeta Duarte de Brito.
Os seus versos são impregnados de lirismo e têm um sentido profundo e
moral. Como se verifica com outros autores desta época algumas destas
composições foram escritas em língua castelhana.
Embora fosse muito mais velho que Duarte de Brito manteve com ele larga
polémica literária, deglandeando-se no campo das musas sem recear o génio
eruptivo e a pujança do adversário, já então considerado como Poeta de
História Literária da Madeira
muito valor. João Gomes da Ilha morreu em 1495, no Funchal, tendo deixado o seu nome cheio de prestígio, não só pelo muito que lidou as letras,
mas também pela larga colaboração que teve no Governo do Arquipélago,
naqueles tempos recuados. As suas poesias, que foram reunidas por Garcia
de Resende no Cancioneiro, são provas do génio poético de João Gomes,
mais conhecido no Reino por João Gomes da Ilha.
«De Johã Gomez da Ylha»
Queria saber
Se é a querida
onde vive razão,
a fim do proveito,
se na intenção,
se só no direito
se em bem fazer.
é constituída.
Se em bem querer
Se é na medida
a quem bem me quer
do dar galardão
se a quem me der
se na punição
eu corresponder.
da alma perdida
Se em bem falar,
E por apreender
se em bem sentir
onde razão está,
se em comedir
a quem se mais dá
em qualquer obrar.
amo conhecer.
Em exercitar
Se c mais o poder,
o que justo for,
se mais a virtude,
se é no senhor,
se mais no vulgar.
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
assim na saúde
Se é aumentai
como no doer.
se deminuida,
Se é por si vida
E donde procede
se cousa mortal.
razão por efeito,
e sé do defeito
Se rege por si,
razão se despede.
ou se é regida,
ou é mais querida
ou se se desmede
aqui que ali.
contra desmedido,
ou no arruído
Se é mais no y
em parte concede.
do que é no g,
se tem a b c,
Se é cousa viva
se tem quiz ou qui.
em vida somente,
ou se é vivente
E quanto s' estende
nó que vida priva
em sua doutrina,
e quanto ensina,
Se é sensitiva
se tudo s' aprende.
em são animal,
se racional,
Tam bem se reprende
se vegetativa.
quem dela não usa
e se sua musa
Se tem natural
sua arte defende.
razão seu sujeito,
se d' outro respeito
Bem saber queria
artificial.
em qual destas vive,
para que se alive
História Literária da Madeira
minha fantasia.
História Literária da Madeira
A quem me dissesse
razão é tal cousa,
Se na cortesia
e em quem repousa
da livre vontade,
saber me fizesse.
se pela verdade
Em quanto pudesse
tomar melhoria.
eu o serviria
por tal via
Rezam a fadários
que satisfizesse.
não sei se resiste,
nem sei se consiste
Pelo qual me enclino
em dois adversários.
aos Trovadores,
especuladores,
Ou aos contrários
que me dêem ensino.
s' ordena com uma
ou tem part' alguma
No que determino
em alguns desvarios.
aprender, se posso,
com graça do nosso
Porque me parece,
um só Deus e Trino.
Segundo que entendo,
Cabo
que nada compreendo
E mande-me quem
donde razão falece.
ensino me der,
cá no que quizer,
E no que carece
saiba que me tem.
eu me desatino,
desejo ser dino,
Ensine-me bem
ver onde permanece.
onde vive razão,
por vista visão
segundo convém.
História Literária da Madeira
Cantiga do Condel-Mór
Servir um não deixaria
e em vós é ordenar
por mal que me já viesse,
que viver possa contente.
por que ser não poderia
que outrem prazer me desse
Pelo qual não deixaria
servir um, mas o pudesse,
Mas em vós está somente
pois que ser não poderia
meu prazer e meu pesar,
que outrem prazer me desse.
Glosa de João Gomes da ilha a esta cantiga
Senhora Dona Maria,
Nem me podeis pena dar
em caso que eu podesse
mais que meu coração sente,
servir uma não deixaria
e em vós é ordenar
por mal que me já viesse.
que viver possa contente.
Nem dano que me fizesse,
D' amar um não me desvia
dama, vossa Senhoria
mal que tenha nem tivesse,
por que ser não poderia
pelo qual não deixaria
que outrem prazer me desse.
servir um mas o pudesse.
Nem vontade me consente
Lembrança se vos prouvesse
dalguma bem desejar,
terdes de mim, bem seria,
mas em vós está somente
pois que ser não poderia
meu prazer e meu pesar.
que outtrem prazer me dessa.
História Literária da Madeira
De João Gomes da Ilha
Yo os dy my libertad,
que my libertad os diessè
la vuestra quedo con vos
ordeno my voluntad.
syn part alguna
me quedar, y teneys dos,
Ho fue de necesidad
yo ninguna.
Senora, ho quiso Dios,
ho Ia fortuna, que tuviessedes vos
Myrando vuestra beldad
dos,
nel primero que la viesse,
yo ninguna.
Confissão de João Gomes da Ilha
João Mourato, meu senhor,
onde virdes meu desterro
espero que me sejais
sabes em tudo trautear,
mais dos mais especiais amigo
d'onra bem merecedor
sem nenhum erro. .
mais inteiro trovador
do que posso declarar.
Espero de vós socorro,
espero de vós ajuda
Eu vos tenho por amigo
e por que cedo concruda,
verdadeiro e não de jogo,
o que de num não se muda
pelo qual sei consigo
me faz que a vos m' açorro.
que aceitareis meu rogo.
Sei que vos confessareis
Espero que me socorrais
pelo ano, e seus dias,
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
vós de niim aceitareis
E a morte lhe desejo
três pecados, que sabeis
mais cedo que possa ser,
que condenaram Maneias,
e o demo nele vejo,
e hei gram prazer sobejo,
E a vosso confessor,
quando a ela posso ver.
dos que os vossos disserdes,
sereis dos meus relator,
O terceiro, conclusão,
e term' eis por servidor,
vos direi que sou tão forte
quando me servir quiserdes.
amador por condição,
que não sinto contrição
Vós direis que sou casado
nem receio minha morte.
e que quero bem a casada,
sendo d'amor tão forçado
Nem d' alma não sou lembrado
que não sento por pecado
nem de razão nem de fama,
ela ser de mini amada.
nem é outro meu cuidado
salvante ser namorado
Nem me posso conhecer,
daquela casada Dama.
se não tão sujeito dela,
que cuido que padecer,
e atraz padecer morrer
Requerereis a pehdença,
devo suportar por ela.
para mim vereis quejanda,
que não prive bem querença,
E o pecado segundo
que toda minha femença
lhe direis que meu sentido
é fazer quanto amor manda.
não se funda nem me fundo
se não sempre neste mundo
O padre pode mandar
querer mal a seu marido.
quanto m'ele mandar queira,
mas não seja desamar,
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
ante me mande matar
por outra qualquer maneira.
das que Deus fez, nem fazer
pela qual vivo penando.
Se me mandar jejuar
FIM
dizei que por jejum
quando não posso cobrar
Se quer reze orações
a vista de quem pesar
tos mandar, dizei que bem,
me dá, e prazer nenhum.
mas serem muitas paixões,
danos e tribulações
Se que vele vos disser,
que meu coração sustem.
dizei que velo cuidando
na mais formosa mulher
Sa vos mandar que esmole,
gaste-se tanto dinheiro
tiver, mas que esfole,
figure com que me console
ser servidor verdadeiro.
De João Gomes da Ilha a Ruy
Moniz
Serdes são bom me seria,
por que dum ou de dois tais
como vos me curaria.
Que dum cravo sois doente,
meu senhor, isto me foi dito,
Quanto mais dum que me tem
tal cravo seja maldito,
le cor de moy» travessado,
pois em vossa dor consente.
cansou-se dum apartado,
e mui longo querer bem.
Dizem me que vos curais
por solorgia.
Por vezes fogo lhe ponho de bem
amar,
porem como me desponho.
mas não vale a desamar,
vos curardes me curar.
João Gomes da Ilha
fé, pena de namorado,
Eu vi no tempo passado
com despreços apedrado
afirmar-se por verdade
por que mór paixão me dêem.
catividade de grado
Em cativeiro nj' enfronho,
ser inteira liberdade:
sem resgatar,
qual não para baratear
mas por certo meu motivo
é a que servo risonho,
e contra quem te cativa,
mas deva de chorar.
ledo forro sempre viva
que te livra de cativo.
João Gomes
De João Gomes
O passado sem presente,
pois que foi, ser não se tolhe,
De quanto sois descontente,
pois que Deus todo potente
senhor, não sentir evito,
este poder não recolhe.
mas do que vós sois contrito
sou eu por contra contente.
Os feitos de Gudrafé
de Bulhão nos fazem crêr,
A cousa que divulgais
que o que foi e não é,
que vos doía,
ser nichel não pode ser.
por nichil a sentiria,
qual do que mais vos queixais
De João Gomes Ilha
He meu mal tão trancadente,
acho que grosseria...
que em comer não labyto,
nem de dormir me guarito,
Por que em mim se contem
mas sofro como valente.
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
O mais que vos gastais
somente por esperar
bem gastaria
nem me lhe desavergonho,
dobrado e dobraria
por me não desesperar.
no valor do que gabais,
cuidando que sararia,
De João Gomes da Ilha
Não me pesa, pois retém
E' o seu certificado
na saúde vosso lado,
no que foi de bem a mal
por quem meu nojo passado
o presente vai passado
fez presente por deseem.
o porvir, é papal-sal.
O que sinto não disponho
Mudanças devante a ré
por calar,
não m' espanto de as vêr,
pois o que foi,
e não é monta mais que de não
ser».
Razoes de João Comes, Procurador de Nuno Pereira por parte do
cuidado contra o suspirar
Metem aceso cuidado
Cuidado paixão ordena,
amores com triscas
cuidado nunca descança,
de pensamento forçado
cuidado redobra pena,
com fogo desesperado,
cuidado nunca s' amança,
com suspiros faz faiscas.
cuidado sempre tem lena.
História Literária da Madeira
os suspiros e gemidos
História Literária da Madeira
segundo sempre senti.
como faiscas s' apagam
com descanço dos sentidos
O cuidado que concruda
a quem são atribuídos,
em gemidos e suspiros
porque suspirando pagam.
com esperança s' ajuda,
pois tem descansos a giros
Mas um cuidado mui vive
em que seus males remuda.
nascido no coração
do triste amador passivo,
Sua à dita Senhora
é um cabo de paixão
qual mais não sofre cativo.
Dama de grã formosura
espelho das outras damas,
Quem sofre cuidado tal
linda, honesta figura,
sem topar algum romanso
dama da melhor ventura
sofre fadiga mortal,
das que são e teem tamaa.
e paixão tão desigual
que não dá nenhum descanço.
Deve vossa Senhoria
julgar o crime cuidado
A pena que é mais fera
por pena de namorado,
na vida de bem amar
suspiros por fantasia.
cuidado que persevera,
quanto mais se o cuidar
De João Gomes
é no que se desespera,
Toda bem aventurança
E assim concluo que
passada não é memória,
o cuidado só por si
e faz com lembrança
é pena que não tem se
havermos presente groria.
nem guarida em queste,
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
E assim quem for Tome
Não folgo por que penais,
meta a mio, se sabe ler,
cá me seria
e o que foi e não é
a de vilania,
verá não deixar de ser.
por que me semelhais
quem d' amores aporfia.
De João Gomes
Como eu, que hei d' alguém
Por serdes quem pena sente,
trabalho sem ser pensado,
qual demostra vos escrito,
são sem ferrar encravado,
de confortar-me não quito
manco e magro porem.
«mon cor' em seu mal presente.
Sempre rincho e preponho
soportar
pena de meu desejar,
vós a fruto de medronhõ
me podes bem apodar.
Trovas de João Gomes por parte do cuidado
Senhor Condel-Mór cuidais,
sem concluir,
por fazerdes muitas cobras,
e trovar e mais trovar
com mil graças que falais,
mal vos vejo descernir
que não encalmeais
cuidado suspiros dar.
outras verdadeiras obras.
Onde vós virdes desejo,
Mas com falar e falar
que desejo deva ser,
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
posto que seja sobejo,
Cuidado é de tal raça
suspiros podereis ter.
ou nascimento,
que se não sofre de graça,
Causa desisto provar
e quem s' apoia mal caça,
é divulgada,
nosa por barlavento.
se deleite é desejar,
quanto mais ser desejada:
Vos quizestes desfazer
esta não podeis negar.
no mal que faz o cuidado,
e quereis-m' encarecer
E vos suspirar meteis
o suspirar, a gemer,
em caso de varonia,
e o mal deles cansado.
e suspirar defendeis
e que seja vos quereis
Mas a verdade falar,
de Pedro quer de Maaia.
pois não enpolgua,
deve-se confessar
O galante por quem ama
qu' este vosso suspirar
se desvela
nunca quebra nem amolgua.
com cuidado, e por fama
poderá suspirar dama,
Pelo qual desenganai
por quem seu sentido vela
quem vos trouxe esta questão,
e vossa teima deixai,
Misturastes os cuidados
mas saib' ele que vos cai
d' amores de sal vagina
em estreita obrigação,
nesses vossos rezoados
Por lhe dardes desenganos
os meus não tendes gostados
do que faz,
nem sabes sua doutrina.
e conheça seus enganos
confessando-nos os danos
que cuidado sempre traz.
História Literária da Madeira
De João Gomes a Dom João
Porque lhe foi dito que sendo ele ausente de onde o feito se tratava, que a
parte do cuidado não ia bem e com elas lhe mandou outras que oferecesse
por parte do cuidado.
Senhor Dom João, Senhor,
pelo mal que procuramos.
de mim e mais que de mim
vos mau hei por servidor
E segundo me parece,
vosso, em um tal tenor,
a quanto entender pude,
que não m' abata zimzim,
o Caudel-Mór favorece
suspiros e prevalece
Tam bem para contrejar
em guias que não cojicrude.
contra quem vos contrejardes,
tudo me podes mandar,
E que tenhais rezoado
e do serviço d' açúcar,
por copras mui triunfantes,
se me na Ilha mandardes.
dou-m' ao demo entregado
que vos achei recusado
A'cerca do que compre ser
e mais dez consoantes.
falando por retrocado
vi quem não quizera ver
Pelo qual senhor convém
cento e tantas copras ler
que estas ofereçais,
dos suspiros e cuidado.
se vos parecerem bem,
a quem pertença ou tem
E somos procuradores,
o feito que procurais.
e tão mal nos concertamos
que já somos autores
E se mais houver mister
e morrem nossos favores
Vossa Mercê m'o escreva
História Literária da Madeira
quer aqui quer onde estiver:
no que se fizer mister,
porei a força que deva
Copras que João Gomes dá por últimas razões suas
Lembrança me faz cuidar
sempre dura bem amando.
no que o cuidado manda,
cuidado em imaginar
O' tu gentil terço pelo
faz cuidar e descuidar,
colar de minh' esperança,
porque andando desanda.
tu descuras sete-estrelo
tu demoras cotuvelo,
Cuidado mil vezes gira
d' onde dor não faz mudança.
em quanto faz e desfaz,
d' um s' afirma, não se tira,
Quem te poderá vestir
quanto mais d' amor se ira,
com viva paixão d' amores,
des que no coração jaz.
que te mais possa despir,
salvo se em ti sentir
Da lembrança do passado
suspirar ou desfavores.
com desejo do futuro
em o tear do cuidado
Porque sim do suspirar
se tece mui restorçado
é desejo descoberto,
terço pelo verde escuro,
cuidado de simular
faz sofrer e soportar
O qual se neste sentido
sobre certo e não certo.
dispõe-se temporisando,
nunca se gasta servindo
E assim convém que seja
rompe-se asinha fingindo
sentido de graves tiros,
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
vida que viver esteja,
As quais partes concluindo
sofrer que morte deseja
por fim do que digo e sento,
ou cuidado sem suspiros.
amores sempre servindo,
suas raivas encobrindo,
Sentido com desejar
seu mortal afafamento:
em que esperança cabe
é cheio de suspirar
Achei que com suspirar
dum desejo tão doçar
mil vezes desabafei
que mui docemente sabe
achei-me em só cuidar,
e calar e reportar,
Tal saber não me cativa n
que já nunca descancei.
em dá pena sem descanço
mas minhas paixões alivia
Sua à dita Senhora por fim de
dá-me limbo em que vivia
seu rezoado
de doçar cuidado manso.
Estas de fino retrós
Aquele cuidado esquivo
madeixas de meu sentido
que não dá mais que sofrer
razões de que me despido,
no coração cativo
dama recomendo a vós.
no qual eu morrendo vivo
em grado de bem-querer:
Vossa mercê as comprenda
e desponha
Este tal me vence e lega
como quem preito apagua
este todo mal me cata,
o cuidado da contenda
este nunca m' assossega
devulgando por peçonha
este sempre me trasfigura
os suspiros por triagua.
d' amores, no fim me mata.
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
Cantiga sua que dá em fim
Os amores conservando
destas por parte do cuidado
em aceso fogo vivo
maginas desesperando
Cuidado depois que és
triste cuidado cativo.
no coração
por certo cuidado és
Depois que aceso és
suspiros não
no coração,
ala fé cuidado és
Cuidado tude cuidado
suspiros não.
contigo fazes penar
de sentimento forçado,
De João Gomes
que não deixas suspirar.
Queres outras sobre-vistas
Es tão feito o revés
quem cercou ter cá Anibal
por condição
nos poz dois evangelistas
que sempre cuidado és
ambos por um principal.
suspiros não.
Se por segundo não é
No coração teu inferno
que nunca se pode crer,
és assim como pecado,
por inteiro como é
és perdido no eterno,
fez também Portugal ser.
és em coração tomado.
De João Gomes
Não tu inventuros és
O bem nunca se consome,
a solução,
pecados são nemigalha,
depois que cuidado és
quem com vícios presume
no coração.
faz alicerces de palha.
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
Devemos haver por fé
Vós me fareis que remonte
e que bem não pode ser,
o mais alto aeimento
mais do que foi e sempre é
como garça falcoada,
e será, se deve crer.
ou me fareis que tresmonte,
como de acossamento
Resposta de João Gomes a
faz um servo de levada.
Duarte de Brito
Ca me provais duas provas
O vosso udo e meudo
mais fortes que diamantes,
me rompe pela relingua
assim claras de entender,
vem o treu cá tão sanhudo
que ressurgindo das covas
que meu masto com seu tudo,
as cientes trespassantes
as não possam compreender.
já vai fora de relingua.
Os pregos deixam a quilha,
De João Gomes da Ilha
por ser muito velha relha,
mas o irmão davangelha
Tal é vosso parecer,
me salva com calçadilha.
vossa formusura tanta,
siso, bondade, saber,
Outra Resposta de João Gomes
quanto nem quanta.
Assim perfeita vos fez
quem por nós morreu na Cruz,
que de todas fareis pez
e trevas e de vós
História Literária da Madeira
De Dom Rodrigo de Castro e Fernão da Silveira e João Fogaça a João
Gomes da Ilha porque viram um cavalo com umas alacaladas e
souberam que era seu e que era vindo ele da Ilha
Pelas vossas alacaladas
Ora sem nenhum receio,
soubemos qu' éreis chegado,
por noss' amor e respeito,
as quais não sejam mostradas,
nos dizei do noss' arreio,
mas caladas,
se foi na Ilha comfeito
por não ser de vós falado.
com' afeito.
Que desta terra o zombar
Que vos juramos pardez,
é tão bravo e tão forte,
que vos não veio d' alem;
que quem dele escapar
que tal feição de jaez
dá de passar pela morte.
não se traz de Treme-cem.
Resposta de João Gomes da Ilha pelos consoantes
Pois vos parecem erradas
as tenções de meu cuidado,
Por um parecer alheio
e por trovas mui delgadas
mais que quantos vi perfeito,
bem trovadas,
meu jaez formoso ou feio
sou por vós desenganado.
foi na Ilha contrafeito
de seu geito.
Em vos me quero louvar,
mas o que pena suporte,
A' guisa de Miquinez
posto que de motejar,
a fôr de mouro focem,
eu seja onze por sorte.
das onças passa de dez
todas mocicas dagem
História Literária da Madeira
Não nasceu na Madeira João Rodrigues de Sá, que nas «Saudades da Terra»
vem mencionado como um dos Poetas da época, que casou com uma bisneta
de Zarco, filha dos Condes de Vila Nova de Portimão.
O Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo apresentou-o como fazendo parte dos
Poetas palacianos, mais ou menos com ligações com a Ilha.
Este João Rodrigues de Sá foi pessoa de alta categoria pois aparece, em
determinada altura, investido no cargo de Alcaide Mór do Porto.
O Tenente-Coronel Alberto Artur de Sarmento tem certas dúvidas se teria ou
não nascido na Madeira, mas que por estas paragens andou e se ligou a vida
insular parece ser certo.
Dom Luís da Silveira, Conde de Sortelha, foi casado com Dona Maria de
Noronha, descendente de Gonçalves Zarco.
Foi considerado Poeta palaciano. O Tenente-Coronel Alberto Artur de
Sarmento diz que D. Luís da Silveira não teve o valor de outros Poetas deste
ciclo.
Desde 1420 a 1566 - que é um dos períodos estabelecidos pelo Dr.
Rodrigues de Azevedo, como sendo a primeira fase da Literatura Madeirense
- depara-se com um número considerável de Poetas e Escritores de certo
relevo.
Em 1520 era Provedor de Defuntos e Ausentes no Funchal, Lourenço Vaz da
Gama Pereira, que já anteriormente se fixara na Madeira com sua mulher,
Dona Branca Homem de Gouveia. Foi nesse ano de 1520 e desse casamento
História Literária da Madeira
que nasceu um rapaz que mais tarde se notabilizou como jurisconsulto e
Escritor - o Dr. António da Gama.
Revelou muito precocemente o seu talento e em 1537 iniciava a sua vida
universitária em Coimbra, distinguindo-se como um dos mais inteligentes
escolares de Leis. Barbosa Machado afirma que «foi o melhor discípulo do
célebre Professor Doutor Gonçalo Vaz Pinto, considerado então como o
melhor Jurisconsulto. Depois de se doutorar em Coimbra foi o Doutor
António da Gama frequentar a Universidade de Bolonha onde á sua
notabilidade fez com que o convidassem com insistência para que entrasse
para o Corpo Docente daquele afamadíssimo Instituto.
Foi então que El-Rei Dom João III o chamou a Lisboa e o nomeou Lente da
Universidade de Coimbra. Mas como eram necessários na Corte o seu saber
e a sua inteligência, o Monarca determinou que viesse para Lisboa, tendo
então ascendido aos mais altos cargos no Paço. A «Biblioteca Lusitana»
menciona os seus trabalhos mais notáveis. A sua obra-prima foi escrita em
latim. Os seus trabalhos literários tiveram numerosas edições, saindo a
última 140 anos após o seu falecimento. Essa obra denomina-se: «De Juribus
quibus Lusitanum Imperium in África, índia ac Guinea. Decisiones supremi
regni Lusitaniae». Este trabalho foi também editado em Cremona, na
Antuérpia, em Frankfurt e em Veneza. Tanto no estrangeiro como no País
foi o Doutor António da Gama considerado com um dos principais
Professores de Leis da sua época. Em 30 de Março de 1595 faleceu em
Lisboa, com 75 anos de idade, dos quais 40 passou na Corte portuguesa, este
homem eminente que foi Um dos madeirenses mais ilustres e que maior
brilho deu à literatura insulana.
História Literária da Madeira
Foi sepultado na Igreja de Santo Eloy onde existia uma lápide tumular com
honrosa inscrição.
Frei Diogo de Medina pertenceu à Ordem de S. Bento e são muito escassos
os dados que a seu respeito se apuram.
Dedicou-se muito a assuntos regionais e estudou a vida de personagens em
evidência no seu tempo.
Escreveu, com o seu próprio punho, o Tomo 1.° do Registo Geral da Câmara
Municipal do Funchal fazendo ali interessantes assentos sobre coisas
relativas à vida insulana.
Embora não haja a certeza de ter nascido na Madeira, aqui passou a sua vida
e aqui morreu. Mas tão acendrado regionalismo só o podia ter um
madeirense.
O apelido Moniz anda ligado no Arquipélago, desde o século XV, com o de
Menezes. Tanto as Saudades da Terra como o Elucidário notam que Vasco
Moniz de Menezes teve solar no Caniço e era filho de um grande fidalgo,
Henrique Moniz, Alcaide Mór de Silves e casado com Dona Inês de
Menezes. Quando o meu amigo e ilustre Escritor Doutor José Pedro
Machado teve a amabilidade de me fornecer preciosos elementos, que ele
descobrira, enviou-me, para o meu estudo, uma série de poesias de Ruy
Moniz, por pertencer ao número dos Poetas madeirenses. Nas investigações
a que procedi ainda não achei dados concretos que identifiquem esta
personagem ligada à vida madeirense, mas tudo leva a crer que tinha suas
raízes na Madeira.
História Literária da Madeira
De Ruy Moniz
«Crede verdadeiramente
De meu mal cura ninguém,
assim sou com dor aflito,
triste desaventurado,
que me gasta meu espírito
nem quem amo tem cuidado
em o sentir certamente.
de quanto dano me vem.
O cravo de que falais
Mantenho-me no que sonho
cada um dia
por espaçar,
me dá por Santa Maria
como quer que meu sonhar
mór pena do que pensais,
se torna cuidar no gronho
nem eu dizer poderia.
mais que nojos afastar».
Ainda esta composição de Ruy Moniz, em resposta, como a anterior a outra
que lhe tinham dirigido.
«Minha chaga é tão razente,
e não viveis enganado,
que quando me curam grito
que me pes mal a meu grado
tão alto, que sou desdito
por amores vos detém.
ousadas bem feiamente.
Havíeis como o cegonho,
Não queira Deus que sintais
se medrar
o que eu sentia,
quiserdes ou despertar,
quando m' o judeu metia
cá por Deus se m' apeçonho,
dois ferros quentes mortais,
é por não querer peitar».
que alma m' estremecia.
«Por que não sou eloquente,
Pois que trabalhais por quem
meus pesares não repito
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
a vós o homem precito
Pois do que mais vos convém
por amores claramente.
vos vejo pouco lembrado,
deixo vos, homem coitado,
Cansai, já que não cansais,
vou me caminho d' Ourem.
desta porfia,
porque mais vos compriria,
Queria vos por com conho,
pois com trovar não cegais,
por mudar
cegar-vos Santa Luzia.
um mortal acutelar,
e um olhar vos tristonho
em um doce conversar».
E ainda mais esta do mesmo Poeta,
«Mandam me de paciente
Aquela que vos pertem
comer de cote um palmito,
me traz assim derreado,
ou cordela de cabrito,
que com nojos sou tornado
peor que forçadamente.
mais cão que Matusalem.
Suporto tormentos quais
Como morto sou medonho
não sofreria
no olhar,
por ser são por grã quantia
já não sou para prestar,
d' ouro nem d' outros metais
de ser ledo m' avergonho
nem de pedras de valia.
mais que outrem de furtar».
História Literária da Madeira
Francisco d' Alcoforado é o nome de um dos Escudeiros do Infante Dom
Henrique e que tomou parte no empreendimento de Zarco para a descoberta
do Arquipélago da Madeira.
Foi atribuída a este Francisco de Alcoforado a autoria de um relato onde
apresentava, como facto verídico, a fantasia literária do romance amoroso de
Roberto Machim e Ana d' Harfet, que, em seu dizer teriam sido, casual e
involuntariamente, os primeiros a chegar à Madeira.
Em 1671 apareceu editada em Paris uma tradução, com o título de «Relation
Historique» atribuindo-se o texto original, escrito em português, a Francisco
de Alcoforado. O escritor D. Francisco Manuel de Melo, por razões que se
devem prender com interesses e conveniências da política internacional e
nacional dessa época, afirmava estar de posse de um manuscrito de
Francisco de Alcoforado e que ele, D. Francisco Manuel guardava
cuidadosamente e com certo mistério.
Não faltou quem atribuísse a manobra do tal misterioso escrito na posse de
D. Francisco Manuel de Melo, aos ingleses, a quem muito naturalmente
convinha não só pôr em duvida o feito da Descoberta do Arquipélago da
Madeira pelos Portugueses, mas também chamar a britânicos possíveis
direitos de posse das novas Ilhas, pela razão de ter sido Robert Machim,
inglês portanto, o que, antes de nenhum outro, chegara a estas paragens, e
assim assegurava à Inglaterra, pelo menos, a possibilidade de discussão de
primazia e de posse. E tanta esta hipótese parece oferecer certo fundamento,
que em 1675 aparece a mesma tradução em inglês com o título, bem
significativo das intenções, «The first discovery of the Island of Madeira».
História Literária da Madeira
Nas Notas às Saudades da Terra vem a contradita fundamentada em
argumentos de tal modo explícita que não pode deixar dúvidas de que apenas
um documento apócrifo aparece em jogo.
A avaliar pelo estudo dos textos e pela comparação dos factos, pelas datas e
pelo estilo e ainda por outros detalhes; conclui-se que a hipotética história do
Descobrimento de Alcoforado é obra apócrifa e que a «Relation Historique»
não passa de uma tradução da Epanafora de Dom Francisco Manuel de
Melo. Assim a razão de que o relato se baseia num manuscrito cuidadosa e
misteriosamente guardado, que de Francisco de Alcoforado fora para a posse
de D. Francisco Manuel não encontra alicerces, caindo como um castelo de
cartas.
O escritor britânico Edgir Prestage consagrou as suas actividades intelectuais
especialmente a assuntos portugueses. E' um Escritor honestíssimo e de
grande autoridade, tendo a par de um acendrado amor à verdade histórica
uma inteligência magnífica que lhe permite chegar a conclusões precisas.
Edagar Prestage escreveu um magnífico estudo sobre D. Francisco Manuel
de Melo. Em determinada altura desse trabalho, referindo-se a uma viagem
de D, Francisco Manuel, de Lisboa para o Brasil com escala pelo Funchal,
descreve a frota das 36 naus que aportaram a Madeira em 21 de Abril de
1655, em uma das quais ia D. Francisco Manuel, refere-se textualmente
nestes termos: - «A estada na Madeira, de quase um mês, devia ter sido
agradável ao Escritor porque lhe proporcionava ocasião de apreciar as
belezas naturais da Ilha, não só por ter sido ocupada pelo seu ascendente
João Gonçalves Zarco, que veio a ser Capitão da Ilha e fundador do Funchal,
mas porque um ano antes ele próprio historiava na 3.ª Epanaphora o suposto
descobrimento pelos amantes fugidos Robert Machim e Ana d' Harfet».
História Literária da Madeira
É o próprio escritor britânico, Edgar Prestage, que honestamente classifica
de «suposto descobrimento» o que serviu de base para a «Relation
Historique».
Há, contudo, um pequeno lapso no relato de Edgar Prestage, que foi mais
leal para com o valor e os feitos dos portugueses, do que o seu briografado,
que aceitou a lenda de Machim dando-lhe com o seu concurso foros de
exactidão histórica, que não tem razões nem fundamento.
A lenda de Machim é um fruto de divagações românticas de literatos,
aproveitada habilmente para fins que vão além das esferas da simples
literatura.
O lapso que registo em Edgar Prestage é quanto à descendência de Zarco ir
até D. Francisco Manuel de Melo. O Dr. Rodrigues de Azevedo refuta
também essa passagem. D. Francisco Manoel de Melo não pode descender,
pelo menos por varonia legítima, do I Capitão Donatário do Funchal, visto
que Rui Gonçalves da Câmara, que foi casado com Dona Maria de
Bettencourt, não teve desta senhora qualquer geração. Rui Gonçalves da
Câmara era irmão dos Escritores e Padres Jesuítas Luís e Martim Gonçalves
da Câmara. Também Zarco não foi «Capitão da Ilha», como diz Prestage,
mas Capitão Donatário do Funchal, havendo ao tempo mais duas Capitanias
no Arquipélago - uma em Machico e outra na Ilha do Porto Santo.
Mas voltando à lenda de Machim temos que na 3.ª Epanaphora,
Dom Francisco Manuel ocupou-se da Descoberta da Madeira com a
fluência e a riqueza da sua prosa e o realce com que
destacava figuras e factos, indo por vezes até os exageros
fantasiosos, se bem que engenhosamente apresentados.
História Literária da Madeira
O Escritor cuidou mais da forma literária e do sentido romântico da obra do
que de considerar a responsabilidade da verdadeira história. E' certo que já
anteriormente outros escritores tinham explorado o tema da lenda de
Machim. O que merece áspera censura foi ter o Escritor dado foros de
veracidade ao que ele bem devia saber que não passava de uma fantasia e
servir-se ainda da afirmação menos exacta de possuir «preciosamente
guardado um manuscrito de Francisco de Alcoforado, companheiro de
Zarco», em que narrava como verdadeiro o episódio.
A «Relation Historique», assim como a tradução editada em inglês, não
devem ser atribuídas a D. Francisco de Manuel de Melo, além de tudo
porque este Escritor, Militar e Diplomata dos mais distintos, que foi, morreu
em 1666, portanto antes do aparecimento dessa fraude literária e histórica.
Mas se as culpas da fraude propriamente dita não pertencem a Dom
Francisco Manuel, o facto de ela ter tomado vulto a ponto de afectar a
verdade histórica, com prejuízo do brio português, é da responsabilidade do
Escritor não só pela sua afirmativa imaginosa do manuscrito mas ainda pelos
foros de exactidão que firmou com o seu nome a lenda de Machim.
Existiu na Biblioteca de Madrid um manuscrito que era atribuído a Francisco
de Alcoforado, relativo à História da Descoberta da Madeira. Seria aquele o
que serviu de base para a «Relation Historique»?
Esse manuscrito, fosse embora apócrifo, tinha por todos os motivos um
grande valor, mas durante a dominação dos «Vermelhos» em Espanha
desapareceu num incêndio, como tantas outras preciosidades insubstituíveis
que a loucura desse período inutilizou.
História Literária da Madeira
Ao que me informam, o meu amigo e ilustre camarada nas letras, Dr. João
Franco Machado numa viagem de estudo que fez a Madrid, antes da
«dominação Vermelha» tinha fotografado o manuscrito atribuído a Francisco
de Alcoforado, conservando dele as provas fotográficas que é quanto hoje se
pode haver e sendo isso portanto um elemento precioso. Mas neste caso do
manuscrito de Madrid há que considerar se será ou não aquele a que se
referia Dom Francisco Manuel, que o tinha guardado com grande mistério..
A avaliar pelo que tenho estudado, seja ou não, e sendo embora apócrifo,
tem contudo interesse.
É das «Notas» às «Saudades da Terra» o seguinte texto, que tem início ao
fim da página 352, sob o título de «Francisco Alcoforado».
- «Temos presente a «Relation Historique» acima citada, impressa em Paris,
no ano de 1671, como obra de Francisco Alcoforado. Ultimamente a Ex.ma
Sr.ª D. Maria de Oliveira, desta cidade, a mandou reimprimir, na fé de que
era o primordial monumento da história do Descobrimento da Ilha da
Madeira. E sê-lo-ia, com efeito, se tivera por autor um dos companheiros de
Zargo, como se diz que Alcoforado foi: então estaria irreprimivelmente
provado o caso de Machim, e o como a noticia dele trouxe cá os nossos
portugueses; porque tudo nesse folheto se acha minuciosamente relatado.
Mas a boa fé dessa ilustre Senhora, como a de muitas outras pessoas, foi
ludibriada: tal escrito não é, não pode ser de Alcoforado; não passa de contra
feição da Epanaphora de Mello; é uma mera fraude, e tão boçal que
figurando-se aí ser Alcoforado dos da expedição de Zargo, no ano de 1420,
não obstante, aí aparece Alcoforado a referir-se à cidade do Funchal, a qual
só em 1508, por carta de D. Manuel, cidade foi, como adiante se verá; a
aludir à Ásia de João de Barros, cuja primeira Década só foi dada ao prelo
História Literária da Madeira
em 1552; a duvidar do incêndio das matas virgens da Madeira, a respeito do
qual não podia deixar de saber se o houve, ou não: e em fim a falar pelo
estilo seiscentista do aprimorado Melo! - Fora mister que Francisco
Alcoforado vivesse uns bons duzentos anos. e que só ao cabo deles
escrevesse, para que se dissesse, e pela frase com que lá está, o que da
Relation Historique consta. Para que de um lance de olhos os encantos se
desiludam, aí vão confrontados dois trechos paralelos.
Texto da Epanafora
primeira Década da Ásia, antepondo a esta fundação a de outras
Passou-se logo ao Funchal, porque
duas igrejas. Da mesma sorte é
para
embarcações,
força que duvide do incêndio que
eram, como dissemos, os Ilhéus
ele afirma que durou sete anos por
mais acomodados, que a costa; &
toda a Ilha. Ao que, parece,
parecendo-lhe pela abundância de
implicam os bosques, que sempre
agua & formosura do vale dos
nela permaneceram, dos quais há
funchos, este sitio mui idóneo de
tantos anos se cortam madeiras,
povoação, deu nele princípio à
para fabricas dos assucres.
reparo
das
Cidade do Funchal, que em breve
fez ilustre; cujo primeiro altar
Texto da Relation Historique
ofereceu a Deus sua mulher
Constança
Rodrigues,
matrona
On passa en suite au Funchal,
piedosíssima, debaixo do orago &
parece que comme nous 1' avons
patrocínio
dit, ses petites isles estoient plus
de
Santa
Catarina
Mártir. Contra o que (não tão bem
propres
informado
costuma)
vaisseaux que les cotes, et cette
escreveu João Barros, em sua
situation leur poroissant, à cause
como
pour
la
sureté
des
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
de l`abundance des eaux et de la
Barros, moins bien informe a cet
beauté de lá vallée, tres-propre à y
egard que le costume, preposant
fonder
ils
lla fondation de deux autres eglises
commencèrent à y batir la ville de
à celle-ci. Cette méprise me fait
Funchal, qui devint illustre en peu
douter de V embrasement qu' il
de temps, et de laquelle le premier
affirme avoir dure sept ans en cette
autel
par
isle, auquel semblent contredire les
le
grands boi's qui y ont toujours
patronage de Sainte Catheríne,
demeuré, quoy qu' on en ait coupé
contre ce qu' à ecrit Jean de
une
une
fut
Constance
offert
colomie,
à
Rodrigues,
Dieu
sous
grande
quantité
depuis
plusieurs années, pour servir aux
moulins à sucre.
A Relation Historíque é toda assim: tradução da Epanaphora... falseada no
nome do autor. No ano de 1675 apareceu esta mesma fraude reproduzida em
Londres, no idioma inglês. A evidência dela, se não desconceitua, pelo
menos não abona a lenda de Machim. Fique-se, pois, a Relation Histotique
reduzida ao que é; e, em pena, hajamo-la por excluída dos escritos a
consultar para a história do Descobrimento destas Ilhas».
«Monarquico-clerical» chamou o Dr. Rodrigues de Azevedo ao segundo
período da divisão da História Literária que ele estabeleceu para a Madeira,
de 1556 a 1706.
É evidente que o espírito «liberal» da época não podia deixar de exercer
influência sobre o Escritor.
História Literária da Madeira
Bastará reproduzir o seu conceito sobre os autores monásticos desse tempo
para se compreender quanto as ideias, então em voga, actuaram no Dr.
Azevedo.
Nas suas «Notas» às «Saudades da Terra», na página 779 diz: - «Das
supracitadas obras dos autores monásticos só temos presente a «Gramática»
do Padre Manuel Alvares; quase todas ficaram manuscritas e são hoje
perdidas; mas bastam os títulos delas para se reconhecer que há quase
totalidade eram místicas e estéreis aos progressos do espírito humano».
Este juízo é bastante leviano e pouco próprio para um Escritor da categoria e
com as responsabilidades do Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo. Bastavamlhe os títulos para se pronunciar sobre as obras! Nem é sério nem aceitável
tal sistema de crítica. Pelo simples facto de serem livros da autoria de
Escritores eclesiásticos era forçoso, que fossem obras místicas. E mesmo que
o fossem era isso motivo para diminuir o seu valor? É lamentável!
O anotador da Obra do Dr. Gaspar Frutuoso pôs-se assim em cheque,
deixando-se dominar apenas pelo facciosismo das suas ideologias, como era
então «moeda corrente». Daqui a sua destrambelhada critica.
Dentro desta ordem de ideias tudo quanto o Dr. Rodrigues de Azevedo
considerou «místico» estava de antemão condenado. Não admitia que dentro
do misticismo existisse qualquer beleza intelectual nem méritos literários. As
opiniões pessoais do crítico não devem sobrepor-se à realidade. A corrente
literária que se verifica de 1566 a 1706 sofreu a influência da tradição grecoromana do renascimento, que deslumbrou os Escritores e lhes deu um
revigoramento brilhante.
História Literária da Madeira
Poetas e Prosadores, entusiasmados esforçavam-se por celebrizar os feitos
dos Heróis que, paralelamente, vão dilatando a Fé e o Império até aos
confins da Terra.
Os Escritores do Arquipélago da Madeira, firmes nos seus sentimentos
patrióticos e cristãos, acompanham a corrente da época a par dos camaradas
do Reino que se orgulham da colaboração dos Ilhéus, que também entram
nos grandes empreendimentos «por mares nunca dantes navegados», e em
«lutas esforçadas». As façanhas dos Portugueses maravilham o mundo e
daqui um justo orgulho nacional.
Reconhecem-nos méritos inegáveis de descobridores e de colonizadores,
levando e radicando a civilização crista a Povos remotos.
É a força da Fé dos Portugueses de antanho que firma a grandeza do
Império. É o misticismo, desses nautas audaciosos e desses guerreiros
destemidos, que engrandece a Nação e glorifica a Raça. Não há motivo para
estranhar que as obras literárias traduzam os sentimentos então dominantes.
Foi pois o misticismo que civilizou os novos mundos que Portugal deu ao
mundo.
Tudo quanto se passava no Reino se reflectia na vida do Arquipélago destas
portuguesíssimas Ilhas Atlânticas. Desta forma a corrente literária do Século
teria actuado na Madeira. Mais alto que todas as criticas e que todas as
paixões facciosas, temos os poetas que as investigações puseram à vista, com
as suas realidades justificadas e documentadas a dizer o que foi a verdade
histórica.
História Literária da Madeira
O Doutor Gaspar Frutuoso, muito embora tivesse nascido nos Açores e só
casualmente passasse no Funchal, deu um notável contingente para o estudo
da História do Arquipélago da Madeira, assim como para a crítica do
movimento literário insulano nos séculos XV e XVI.
Era natural da Ilha de São Miguel e foi um dos valores intelectuais mais
notáveis da sua época.
As suas investigações e os resultados a que chegou deram--lhe uma
formidável autoridade sobre as coisas dos tempos idos, no amanhecer do
século maravilhoso das façanhas dos Portugueses.
Nasceu em 1552 mas começou a notabilizar-se como literato erudito só por
volta de 1590. Era filho de Família nobre e rica. Desde muito novo que
manifestou os seus dotes de inteligência e o amor ao estudo.
Cursou a Universidade de Salamanca com distinção. De regresso a Portugal
esteve em Braga e depois em Lisboa onde instaram para que aceitasse um
Bispado. Dotado de um espírito modesto, de verdadeiro cristão, o Doutor
Gaspar Frutuoso recusou sistematicamente aceitar as altas dignidades da
Igreja, para que era chamado, escolhendo apenas a modéstia de paroquiar a
vila da Ribeira Grande, vivendo dentro do seu dever de Padre e aferrado ao
estudo.
Foi da modéstia da sua vida na Ribeira Grande que ele escreveu esse
verdadeiro monumento da História e do movimento literário das Ilhas
Adjacentes -«Saudades da Terra».
História Literária da Madeira
Ainda hoje esta obra é o mais rico repositório de dados essenciais à História
do Arquipélago da Madeira, nos períodos mais chegados à Descoberta. Tudo
quanto é possível ainda hoje reconstituir sobre a vida, as figuras e os factos
dos séculos XV e XVI, na Madeira e no Porto Santo, deve-se às investigações e aos escritos deste clérigo erudito e virtuoso.
Tanto os Arquivos como os cronistas são insuficientes para se concretizar o
que foram as épocas primitivas da colonização da Madeira.
Na sua grande obra - que dividiu em seis volumes - o Doutor Gaspar
Frutuoso visou os Arquipélagos Portugueses do Atlântico Açores, Madeira e
Cabo Verde, e ainda o Arquipélago Espanhol das Canárias.
Com isenção e com palavras de louvor ele próprio se refere ao valioso
concurso que lhe prestou o Cónego da Sé do Funchal Jerónimo Dias Leite,
pois que foi este clérigo quem lhe facultou a narrativa de Gonçalo Aires
Ferreira com o Descobrimento de Arquipélago da Madeira, o que lhe
permitiu, com as anotações e complementos do Cónego Dias Leite, formar
juízos perfeitos.
Foi no 2.º livro das «Saudades da Terra» - publicado em 1873 com as
«Notas» do Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo - que o Doutor Gaspar
Frutuoso se ocupou em especial e com desenvolvimento em estudar a vida
do Arquipélago da Madeira.
Das referências que o Doutor Gaspar Frutuoso faz, nesse manuscrito do
século XVI, a António Galvão sobre o seu «Tratado de todos os
História Literária da Madeira
Descobrimentos», pode concluir-se que em 1560 este livro se encontraria
sem dificuldade, pois fora impresso em Lisboa em 1563, tendo consultado o
autor das «Saudades da Terra». Note-se que António Galvão não faz afirmações sobre o Arquipélago da Madeira, limitando-se a relatar a versão dos
factos.
No volume publicado pelo Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo, as primeiras
310 páginas das «Saudades da Terra» compreendem o texto original do
Doutor Gaspar Frutuoso, tendo esse trabalho cinquenta capítulos.
É pois no livro 2.° da autoria do douto açoreano que ele faz «A História das
Ilhas do Porto Santo, Madeira, Desertas e Selvagens», desde a Descoberta de
Zarco.
É um estudo detalhado, que se pode considerar como uma magnífica crónica
do Arquipélago, feito com cuidado e tomando muito em consideração o
testemunho de Gonçalo Aires Ferreira, assim como as anotações e
ampliações feitas pelo Cónego Jerónimo Dias Leite.
Uma figura muito notável que se ligou intimamente com a vida e o
intelectualismo madeirense foi o Bispo D. Jerónimo Barreto. Nasceu em
Braga em 1543 e era de nobre ascendência. Em 1572, quando foi designado
para Bispo do Funchal, ainda não tinha atingido a idade exigida pelas Leis
Canónicas para tal investidura e por isso teve de aguardar o mês de Outubro
de 1574 para assumir o governo da sua Diocese. Foi sempre absolutamente
recto e honestíssimo. Possuía uma vasta erudição, tendo-se formado em
Teologia na Universidade de Coimbra, onde revelou o seu talento e aprumo
moral.
História Literária da Madeira
Organizou e publicou as Leis Canónicas das «Constituições Diocesanas» que
foram impressas em Lisboa, em 1585, formando, um volume de 187 páginas.
A Diocese do Funchal passou a reger-se desde então por essas regras. A obra
do Bispo D. Jerónimo Barreto revela o alto grau de inteligência e o muito
saber do prestigioso Prelado, o acerto dos critérios e a rigidez da sua Alma.
Começaram a vigorar as regras das «Constituições Diocesanas» em 18 de
Outubro de 1578. O Bispo do Funchal D. Jerónimo Barreto foi pessoa muito
ilustrada, que deu à vida literária da sua época no Arquipélago uma curiosa
orientação. Faleceu em 1589, em pleno vigor da vida, durante uma estadia
que fez no Algarve.
Simão Nunes Cardoso escreveu uma memória que intitulava «Relação do
Saco que os franceses fizeram na Ilha da Madeira no ano de 1566».
Nos capítulos XLIV e XLV das «Notas» do Dr. Rodrigues de Azevedo vem
a descrição desse assalto à mão armada, levado a efeito por piratas franceses,
useiros e vezeiros nestas barbaras «façanhas», assim como se regista da parte
de britânicos e mouros, também. O Dr. Rodrigues de Azevedo opina que a
Relação de Simão Nunes Cardoso deve ter sido copiada pelo Cónego
Jerónimo Dias Leite para a remeter ao Doutor Gaspar Frutuoso, para os
Açores. O que interessa é registar o relato de um Escritor madeirense que em
bom estilo, claro e detalhado, deixou a história da tragédia desse assalto dos
Corsários franceses, que assolaram o Arquipélago, deixando uma triste
lembrança, assinalada pelo sangue inocente que derramaram e pelas
violências praticadas contra uma população pacífica e indefesa, nesse ano de
1566.
História Literária da Madeira
Simão Nunes Cardoso pertencia, sem dúvida à nobre Família dos Cardosos
de Gaula, na Capitania de Machico, pois nessa época não eram conhecidos
no Arquipélago outros Cardosos.
É de crer que o Cónego Dias Leite tivesse extraído do manuscrito o que
aproveitou para as suas notas para a História da Madeira.
Analisando os dois capítulos das «Notas» do Dr. Rodrigues de Azevedo
verifica-se que ha menos detalhes no relato das violências exercidas pelos
franceses na parte sul do Funchal, ao passo que da banda do norte, onde
Simão Nunes Cardoso então se encontrava e onde deve ter sido testemunha
presencial, o pormenor vai até as minúcias, descritas com uma precisão e
tanto ao vivo que mostram bem terem sido escritas por quem muito de perto
as verificou. Pelo relato de Simão Nunes Cardoso sabe-se que António de
Carvalhal, Francisco Lomelino e António de Freitas organizaram na
Capitania de Machico forças para socorrerem os vencidos do Funchal, mas
os funchalenses não só mandaram recusar esse socorro mas insistiram para
que os da Capitania de Machico moderassem mais os seus ímpetos
guerreiros, que bem podiam agravar a situação. Em quanto decorriam estas
conversas um desalento covarde e a falta de iniciativa, para uma possível resistência, permitiam aos Corsários franceses o domínio absoluto da sede da
principal Capitania do Arquipélago.
A rivalidade entre a Capitania do Funchal e a Capitania de Machico vinha de
longe, pois que já no tempo de Tristão das Damas, 2.° Capitão Donatário de
Machico, havia esforçado propósito de suplantar com o brilho e com o
espírito esmerado dos serões literários da «Corte de Machico» os saraus do
Capitão do Funchal.
História Literária da Madeira
Tristão das Damas, o Poeta do Cancioneiro, teria, por ventura, depois das luz
idas cavalgadas, que organizava na sede dos seus domínios, festas no seu
«Paço» onde repetia a sua «Corte» as famosas produções literárias, as trovas
e madrigais que lhe granjearam renome.
Tem interesse a descrição do assalto dos piratas franceses, que escreveu
Simão Nunes Cardoso e ainda por esse documento se pode avaliar da poosa
das faculdades do Escritor.
«Aos 3 dias de Outubro do ano de 1566, véspera do seráfico
São Francisco, aportaram a esta Ilha da Madeira três poderosos
galeões da França, onde vinham por todos mil soldados
arcabuzeiros, fora outra gente do mar, com tenção de saquear a
cidade do Funchal, pela fama que de sua riqueza soava: e
porque no porto dela não ousaram desembarcar, foram deitar
ancora na Praia Formosa, uma légua abaixo do Funchal, que
terá como que um quarto de légua de área, e tem a terra tão alta
que ainda que sejam naturais não podem subir senão pela rocha,
por caminho estreito e perigoso e os estrangeiros com piloto de
terra.
Vinha por Capitão destes Corsários Monsieur de Maluc, gascão
de nação, e eles vinham apercebidos para o efeito que tiveram;
desembarcaram sem resistência alguma, porque não havia
suspeita que queriam cometer a cidade, pois não havia guerra
entre a França e Portugal...»
O primeiro choque, entre os assaltantes e os defensores do Funchal, deu-se
História Literária da Madeira
próximo da Igreja de S. Pedro, onde o Capitão Francisco Gonçalves da
Câmara lhes saiu a tolher a marcha, combatendo mais de uma hora, mas
devido à falta de elementos para resistência e ao número tão elevado de
inimigos, bem apetrechados, aproveitando o feliz acaso de ter sido ferido o
Chefe dos Corsários, o que estabeleceu certo alarme entre os assaltantes,
recuou e foi entrincheirar-se na Fortaleza de S. Lourenço.
Nessa altura também as Freiras do Convento de Santa Clara saíram com a
Cruz a levantada e sem impedimento seguiram para o Curral levando
consigo o Guardião, Frei Baltazar Curado.
É que os franceses se haviam convencido de que os portugueses dispunham
de forças, emboscadas na cerca do Convento, o que os levou a seguirem
outra directriz.
O grande fulcro da luta tornou-se a Fortaleza de S. Lourenço onde os
assaltantes, segundo Simão Nunes Cardoso «abrem brecha pela janela da
sala da banda de S. Francisco».
Parece que foi Gaspar Correia «homem fidalgo e rico» quem
feriu mortalmente o Chefe Corsário. Mas, retomando a narrativa
de Simão Nunes Cardoso, vê-se que «tomada a cidade
levantaram no mesmo dia e instante por Capitão Geral a Fabião
de Maluc, de idade de 20 anos, irmão do Capitão morto: que,
como alguns dizem, um deles era Visconde de Pompadour ou
de Pompada».
Gaspar Frutuoso menciona que os franceses «mataram na entrada da cidade,
História Literária da Madeira
tal ficaram de posse dela, quase duzentos portugueses e dos seus morreram
cincoenta e o Capitão-Mór».
A seguir à tomada do Funchal foi o assalto aos templos, aos palácios e às
casas, onde podiam pilhar matando os habitantes e cometendo actos de
selvajaria. Demoraram-se os franceses onze dias na Madeira e quando
levantaram ferro levaram como escravos numerosos portugueses que foram
depois vender no Mediterrâneo!
Segundo o relato do Escritor verifica-se o contraste das atitudes, sendo
heróica a defesa do norte ao passo que no sul se regista covardia e inacção.
Pode talvez haver nisto um pouco de parcialismo e de rivalidade da
Capitania de Machico a que pertencia Simão Nunes Cardoso.
Mas seja como for é incontestável pelo que se aprende na curiosa narração
do fidalgo Escritor, que foi terrível o assalto e o saque do Funchal pelos
Corsários franceses.
Foi ainda este relato de Simão Nunes Cardoso que forneceu a Gaspar
Frutuoso, por meio do Cónego da Sé do Funchal, Jerónimo Dias Leite, os
elementos precisos com que depois organizou a circunstanciada descritiva
das «Saudades da Terra».
O Padre Francisco de Castro, Doutor em Teologia pela Universidade de
Évora, nasceu no Funchal e segundo a «Biblioteca Lusitana», Barbosa
Machado apresenta-o como um dos mais celebrados e eruditos oradores
sagrados do seu tempo. Inocêncio assegura, no «Dicionário Bibliográfico»,
História Literária da Madeira
que os sermões do Padre Doutor Francisco de Castro são bastante raros. Em
1656 foi publicada uma oração sobre «a Visitação da Madre de Deus»,
impressa em Rochelle, onde se pode admirar a elegância sóbria do estilo, a
riqueza de vocábulos e a eloquência do ilustre clérigo madeirense.
Tristão Gomes de Castro nasceu na Madeira em 1543. Barbosa Machado
menciona, na «Biblioteca Lusitana», dois trabalhos deste escritor «Argonautica da Cavalaria», e «Façanhas de Lesmundo».
Parece que Tristão Gomes de Castro descendia do célebre João Gomes da
Ilha, o Trovador e Poeta do Cancioneiro, trazendo de seu antepassado o culto
pelas boas letras.
A obra de Tristão Gomes de Castro ficou inédita na maior parte. Tinha
apenas 68 anos de idade quando faleceu, na sua -terna natal, em 1611.
O Padre Leão Henriques nasceu na Ponta do Sol, na Ilha da Madeira. Era
de nobre ascendência, visto que era parente dos Câmaras, por ser filho de
Dona Filipa de Noronha.
Pertenceu à Companhia de Jesus.
Estudou em Coimbra e depois em Paris, onde conviveu com Santo Inácio de
Loyola, de quem foi amigo.
O seu valor, o seu saber e a sua inteligência brilhante levaram-no a
desempenhar na sua Ordem os mais altos cargos. Foi o primeiro Reitor da
Universidade de Évora, Confessor do Cardeal Rei Dom Henrique de
História Literária da Madeira
Portugal e Delegado junto da Cúria Romana. A grande erudição e o talento
excepcional deste descendente de Gonçalves Zarco permitiram-lhe que fosse
considerado como uma das maiores figuras da intelectualidade da sua época.
Teve um grande relevo na vida do País, como homem eminente, intelectual e
escritor.
Faleceu em Lisboa no dia 8 de Abril de 1589.
O Padre Luís de Morais publicou em 1621 um trabalho interessante:
«Pregação e Beatificação de S. Francisco Xavier».
Barbosa Machado tem para este Padre Jesuíta madeirense palavras bem
elogiosas, referindo-se à sua obra literária.
O livro sobre S. Francisco Xavier foi incluído na relação das Festas em
honra do grande Apostolo das índias. O Padre Fernando Augusto da Silva
também enaltece o valor deste madeirense, que faleceu em 1622.
O Cónego Jerónimo Dias Leite foi um estudioso e um investigador
incansável.
Segundo o Padre Fernando Augusto da Silva, Jerónimo Dias Leite, em 1572
«era Cónego de meia prebenda» e em 1500 estava nomeado para a Sé,
Catedral do Funchal. Os seus estudos para a História do Arquipélago tiveram
um grande valor. Ele próprio escreve que o manuscrito de Gonçalo Aires
Ferreira sobre o Descobrimento foi a principal fonte de elementos para os
seus trabalhos.
História Literária da Madeira
O Doutor Gaspar Frutuoso teve com o Cónego Dias Leite aturada
correspondência, confessando que dele recebera os Tombos das Câmaras da
Ilha da Madeira que muito facilitaram as suas investigações. Em outro texto
das «Saudades da Terra» o Doutor Gaspar Frutuoso diz que foi o Cónego
Jerónimo Dias Leite quem «recopilou» o manuscrito de Gonçalo. Aires
Ferreira para lh' o remeter com as necessárias correcções e ampliações.
O Dr. Rodrigues de Azevedo possuiu um manuscrito do Cónego Dias Leite
com a «História do Descobrimento da Madeira e da descendência
nobilíssima dos seus valorosos Capitães».
Teria sido esse manuscrito cópia do que ele remeteu em 1590 a Gaspar
Frutuoso»? A Biblioteca Municipal do Funchal possui também um
manuscrito do Cónego Jerónimo Dias Leite.
Esse documento tem particular interesse para a História da Madeira e parte
dele já foi publicado.
Troilo de Vasconcelos da Cunha era filho do Governador Capitão General
da Madeira, Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha. Nasceu no Funchal em
1654 e ainda muito novo, já firmava os seus créditos de talentoso, sendo
escritor e poliglota.
Fez os estudos teológicos e especializou-se em latim e grego.
Escreveu «O Espelho do Invisível», onde se revela como Poeta e Filosofo de
larga envergadura. Inocêncio salienta «a sua pureza de estilo». Fugiu da
Escola Gongórica, então dominante, na vida literária. Refere o Padre
História Literária da Madeira
Fernando Augusto da Silva que Troilo da Cunha «trasladou para vernáculo o
poema latino Justino, com o nome de Justino Lusitano e deixou muitas composições inéditas em verso».
Distinguiu-se como escritor erudito e faleceu em Lisboa em idade avançada.
Frei Damião das Chagas nasceu no Funchal e Barbosa Machado menciona
que «escreveu uma obra ascética em dois volumes, que não chegou a ser
publica».
Intitulava-se esse livro: «Tratado Espiritual» e deve pertencer ao número
daquelas obras de quem o Dr. Rodrigues de Azevedo dizia, que só pelo
título, «eram misticas e estéreis ao espírito», irritando o seu anticlericalismo. Este Frei Damião das Chagas era Monge Arrabido e gozava na
sua Ordem de grande fama de virtuoso e erudito. Veio a falecer no seu
Convento, no Continente do Reino, no ano de 1600.
Frei Remigio de Assunção pertencia a famílias aristocráticas e descendia de
Gonçalo de Freitas, tendo nascido em Santa Cruz, na Capitania de Machico.
A obra literária deste Clérigo tinha um grande valor, pelo que a «Biblioteca
Lusitana» dá um enorme relevo às produções literárias deste madeirense
ilustre. Escreveu em português e em latim.
Foi Geral do Mosteiro de Alcobaça e Deputado da Inquisição em Coimbra.
Os
seus
trabalhos
mais
notáveis
foram
«Aforismos
Espirituais»,
«Commentarium in Regulam S. Benedicti» e «Commen-tarium in Psalmus».
História Literária da Madeira
Este clérigo, fidalgo e escritor madeirense, impôs-se sempre pelas suas
virtudes e pela sua erudição verdadeiramente notável.
A sua contribuição para o engrandecimento literário da Madeira merece
menção. Morreu em 1654.
António Teixeira de Mendonça escreveu o «Livro das Gerações do Reino
de Portugal».
Barbosa Machado diz, na «Biblioteca Lusitana», que «era natural da Ilha da
Madeira».
Nas buscas a que procedi não me foi dado ir mais longe, mas pelos apelidos,
que ainda hoje são vulgares no Porto da Cruz e Machico, inclino-me a que
pertencesse a família com raízes na Capitania de Machico.
O motivo e o estilo da obra estão bem dentro de uma corrente desse período.
Manuel Tomás nasceu era 1585, em Guimarães.
Era orador e Escritor muito distinto.
Foi o seu poema épico «A Insulana» que o ligou tão intimamente à História
da Madeira. A maior parte dos 80 anos de existência de Manuel Tomas
passou-os na Madeira. Mereceu-lhe especial interesse a lenda de Machim e
seguindo o progressivo desenvolvimento insular, descreveu as figuras e os
feitos mais notáveis do Arquipélago, conseguindo dar relevo à História da
portuguesíssima Ilha da Madeira.
História Literária da Madeira
«A Insulana» foi primitivamente impressa na Flandres em 1635. As
influências gongóricas incidem fortemente no trabalho do Escritor. No
entanto tem a perfeita arte de dizer, fantasia rica, imaginação fértil e engenho
nos conceitos, com um fundo moral muito característico. Teve uma grande
influência nos Escritores da sua época e sobre os da época seguinte.
Francisco José Freire considerava «A Insulana» como uma verdadeira
epopeia de grande valor. Enferma a obra, porém, de excessiva minúcia nos
detalhes e em relatos extensos. Se a «Phenix Luzitania» é uma obra de
fôlego, a «Insulana» é incontestavelmente a obra-prima de Manuel Tomas.
Na «Biblioteca Lusitana», Inocêncio Francisco da Silva refere que foi no dia
10 de Abril de 1665 que se deu o crime de homicídio que vitimou Manuel
Tomas.
O Dr. Rodrigues de Azevedo quis atribuir o atentado a motivos políticos
ligados à intriga da vida regional da época. O Padre Fernando da Silva,
comentando o bárbaro assassinato deste velho de 80 anos escreveu, a
propósito do parecer do Dr. Rodrigues de Azevedo: - «não sabemos em que
razões se fundou o ilustre Professor para fazer ía.1 afirmativa, nem como se
matou um homem, e de mais octogenário, por causa de acontecimentos que
se deram três anos e meio depois do seu assassinato». Estes acontecimentos
referiam-se ao movimento contra o Governador Capitão General D.
Francisco de Mascarenhas, que tomou posse do seu cargo em 28 de
Novembro de 1665 e que era malquisto no Arquipélago. Na Biblioteca
Municipal do Funchal existe um exemplar de «A Insulana», de Manuel
Tomas. Ao alto da 5.a página depara-se com esta nota:
História Literária da Madeira
- «Manuel Tomas ao que lêr»
«O que se lêr neste Poema da Insulana que não seja
conforme crê e ensina a Santa Igreja de Roma, só e
verdadeira Igreja, confesso por erro e desde agora
conhecendo minha ignorância o retracto, e dou por
não dito e protesto que tudo escrevi com pureza de
animo, e minha intenção é mui conforme em tudo
«com as Determinações da Santa Madre Igreja
Romana, Concílios e Decretos dos Padres Santos, a
cuja censura todas minhas obras humildemente
sujeito.
Manoel Tomaz».
Depois, na página 15, depara-se com esta «advertência»:
«Alguns escritores nossos brevissimamente contam este
Descobrimento da Ilha, sem tratar da causa e noticia principal
dela se teve, pela perda do inglez Machim, como na verdade o
tratam as Relações dos primeiros Descobridores que
seguimos; e porque fizemos menção dos versos que se
acharam na sepultura da sua amada Ana d' Harfet, me pareceu
bem que vão aqui por não poderem ir em o seu lugar na
margem do livro. Deles não se acharam mais que estes quatro
Dísticos, nos de mais pedia o Templo de que se trata no
verso, que se perderam; nihil temporis efficere non possit».
«Hie iacet in duro veneranda Britana Sepulchro Ana Harfet:
História Literária da Madeira
gelidis iam bene nota plagis. Haec reliquos omnes sprevit
generosa Britanos Me solum sponsum, malit habere Machim,
Heu quos vera fides in amore liganerat unó, Fluctibus eiectos,
terra inimica capit, Ecce iacet linens cálido sino sanguine
corpus Unde mihi (quae me sic amat) uxor erit».
«Na de Machim se poseram depois estes dois versos:
«Hoc túmulo Machjnirs adest expulsus iniquis Casíbus a
Pátria, creduli sorte peremptus».
Como se vê Manuel Tomas deixa-se ir enlevado a colaborar na lenda
fantasiosa da aventura de Machim e de Harfet, dando-lhe foros de
verdadeira.
«A Insulana» tem «dez livros», como diz o próprio autor - página 16. No 2.º
livro é que dá largo curso à lenda de Machim, falando de João de Amores,
Piloto Castelhano que confidenciaria a Zarco a posição da Ilha. Mas ainda
mais que a fantasia de que tinham sido os companheiros de Machim, presos
pelos Mouros, que tinham feito chegar até os portugueses a notícia da
formosa Ilha da Eterna Primavera, havia no Poema de Manuel Tomas o
entusiasmo romântico da aventura amorosa dos amantes Machim e Ana d'
Harfet.
«Teve na Corte vários pretendentes, que a seu querer renderam
liberdades umas secretas, e outras aparentes que são varias de
amor as qualidades corno a Pandôra graças, acidentes lhe
ofereciam de amantes mil vontades, mas só Machim, de todos
escolhido, foi pêra ser da dama mais querido».
História Literária da Madeira
Depois de descrever a paixão contrariada que teve como epilogo a fuga de
Inglaterra num frágil batel com o propósito de alcançarem a costa francesa,
mas que a tempestade atirou sem governo para o mar alto onde derivaram
longos dias até que aportaram a uma Ilha de arvoredos seculares, refere-se ao
alvoroço com que desembarcaram e se ficaram na Ilha enlevados como num
Paraíso.
«Aqui Machim com Ana em doce glória esquecia do Mar a
dura guerra, a seus amores dando larga história, na praia, na
Ribeira, vale e serra os companheiros com maior memória da
terra pêra a Nau, da Nau à terra iam e vinham alegres e
aumentavam as glórias que na terra os dois gozavam».
Depois são versos a descrever as belezas da Ilha, o encanto do mar de anil e
a súbita tempestade que arrebatou de novo a Nau com os companheiros,
ficando em terra Machim com Ana de Harfet, que morre nos braços do seu
amante.
«Trez vezes em carro de Phaethonte
Cynthis cercou dos Céus o altivo muro, e outras trez no
antípoda horisonte se mostrou com a lux formoso e puro, em
quanto a Dama deu silêncio à-morte e deste paroxismo forte e
duro, tornando a alma a seu Creador Eterno dormio de morte o
sono sempiterno».
«A Insulana» é pois um Poema da tragédia atlântica, fundamentado na lenda
de Machim. E' um desses livros que avolumaram a fantasia, dando-lhe foros
de verdade, sobre a primeira descoberta da Madeira por uns legendário
História Literária da Madeira
britânicos, o que não tem consistência histórica mas que serviu de motivo
para enriquecer a literatura regional.
Frei Afonso da Ilha, era natural da Madeira, pertenceu à Ordem de S,
Francisco e publicou em 1543 um dos tais livros título: - «Tesouro de
Virtudes» - deve ter causado ao Dr. Rodrigues de Azevedo aquela irritação
anti-religiosa, característica da época.
Muito embora o Dr. Rodrigues de Azevedo tivesse escrito que «dessas obras
de Escritores eclesiásticos bastam os títulos delas para se reconhecer que
eram na quase totalidade místicas e estéreis aos progressos do espírito
humano», o certo é que o elemento eclesiástico deu um maravilhoso
contingente intelectual e literário para essa época e mesmo o «Tesouro de
Virtudes» de Frei Afonso da Ilha cujo nome exacto era Afonso da Costa
tinha tal valor que alguns anos após a morte do Autor foi traduzida em
língua italiana.
O Padre Luís Gonçalves da Câmara era filho do 4.º Capitão Donatário do
Funchal, João Gonçalves da Câmara e de sua mulher, D. Leonor de Vilhena,
da Casa dos Condes de Tarouca.
Desde jovem revelou notáveis dotes de inteligência e uma a cendrada
vocação para a vida religiosa.
Durante o período que frequentou a Universidade de Paris, os Mestres
consideraram-no como o melhor discípulo de latim, grego e hebraico.
Quando regressou a Portugal trazia já grande fama de sabedor e inteligente e
História Literária da Madeira
por isso El-Rei D. João III o nomeou para Lente da Universidade de
Coimbra. Ao mesmo tempo a Companhia de Jesus, onde tinha entrado em 2
de Abril de 1546, designava-o para exercer os cargos mais altos da sua
organização. Durante a sua estadia em Roma conviveu com Santo Inácio de
Loyola, fundador da Ordem.
Foi escolhido para Mestre e Confessor de El-Rei Dom Sebastião.
Não era orador mas escrevia com natural elegância e um cunho muito
interessante. Escreveu o «Diário das Acções de St. Inácio de Loyola» e
«Pratica a El-Rei D. João III sobre o Colégio de Coimbra», obras que estão
na Crónica da Companhia de Jesus. Morreu novo, em 1575.
O Padre Martim Gonçalves da Câmara era irmão do célebre Padre Luís
Gonçalves da Câmara e também nasceu no Funchal. Desempenhou altos
cargos na Governação Pública no século XVI e usufrui de privilégios e
prestígio no País. Foi Reitor da Universidade de Coimbra, Ministro de ElRei Dom Sebastião e Escrivão da Puridade, que era o cargo mais importante
dessa época. A intriga política fê-lo cair no desagrado do Monarca e então o
poderoso Padre Gonçalves da Câmara, Doutor em Filosofia e o homem mais
prestigioso desse tempo, recolheu ao Convento dos Jesuítas onde consagrou
o resto da sua vida a estudos religiosos e literários, falecendo em S. Roque
de Lisboa. As «Saudades da Terra» não se referem a este intelectual,
diplomata e político que foi verdadeiramente notável.
O Padre Manuel Alvares era natural da Vila da Ribeira Brava, onde nasceu
em Junho de 1526.
História Literária da Madeira
Em 1546 entrou para a Companhia de Jesus. Foi um dos mais notáveis
latinistas da sua época, tendo-se especializado também em línguas orientais.
Entre as suas produções literárias sobressai uma obra, que particularmente o
notabilizou: De Institutione Grammatica» - cuja 1.ª edição saiu em Lisboa
em 1572. Esta gramática foi considerada como a melhor, não só em Portugal
mas também no estrangeiro, tendo havido edições em treze idiomas diversos.
No dizer do Escritor britânico, Edgard Prestage a Gramática do Padre
Manuel Alvares teve mais de 400 edições. O Conselheiro José Silvestre
Ribeiro, no seu «Curso de Literatura Portuguesa» elogia calorosamente o
ilustre e douto Jesuíta madeirense. O seu saber e o seu talento privilegiado,
assim como a vastidão da sua obra literária, deram-lhe um grande prestígio.
Exerceu na sua Ordem altos cargos e finou-se em Évora no dia 30 de
Dezembro de 1583.
Durante a sua vida esforçou-se sempre por bem servir a sua Pátria e honrar a
Ilha onde nasceu e à qual consagrou devotado amor.
Dom Sebastião de Morais, foi outro Jesuíta ilustre, que nasceu no Funchal
em 1534. A sua inteligência e a sua cultura tornaram-n1 o uma figura de
grande destaque na sua época.
Foi Provincial da Companhia de Jesus e Visitador das Províncias Italianas.
El-Rei Dom Manuel I encarregou-o de acompanhar sua neta, a Princesa D.
Maria, na viagem para Parma.
Tanto o Papa como o Geral dos Jesuítas tinham em alta conta os grandes
méritos deste escritor madeirense.
História Literária da Madeira
Em 1587 o Papa Xisto V confiou-lhe a Diocese de Funay, que foi a primeira
Diocese criada no Japão, não tendo tomado posse porque a morte o
surpreendeu em Moçambique, no dia 19 de Agosto de 1588, quando ia em
viagem para o Japão. A obra literária de D. Sebastião de Morais é muito
valiosa. Os estudos teológicos que deixou são notáveis. Escreveu também,
em italiano, «Vita e morte delia Sereníssima Maria de Porto-gallo» que era
neta de El-Rei Dom Manuel I e foi Princesa de Parma.
Há várias edições das obras de D. Sebastião de Morais - algumas foram
feitas em Bolonha, em Madrid e Roma.
Este Bispo e Jesuíta muito ilustre honrou as letras pátrias e a fama que criou
pelo seu saber e pelo seu prestígio e a contribuição que deu para a vida
literária da época contribuem para o prestígio madeirense.
Frei Gregório Baptista, que nasceu no Funchal nos fins do século XVI,
notabilizou-se como Escritor e Orador Sagrado. Foi Frade franciscano na
Província da Catalunha.
Mais tarde, encontrando-se na cidade brasileira da Baía, passou para a
Ordem dos Beneditinos, mas regressou depois aos franciscanos.
Foi Lente de Escritura e Examinador das Ordens Militares.
O Dicionário Bibliográfico enumera os seus sermões. O Dr. Álvaro
Rodrigues de Azevedo informa que são deste Escritor dois tomos com
«Anotações aos Evangelhos». Do mesmo autor são uns volumes com vários
sermões e um livro; «Completas da Vida de Cristo», publicado em 1623.
História Literária da Madeira
A Biblioteca Lusitana menciona também duas obras de Frei Gregório
Baptista, escritas em latim e publicadas em 1621 e 1683.
Não encontrei registo sobre a data do seu falecimento mas é de crer que se
houvesse finado depois de 1640.
Através das suas obras verifica-se a poderosa inteligência de que era dotado
e a vasta cultura que possuía.
Diziam os contemporâneos que Frei Gregório Baptista escrevia com grande
facilidade.
As orações sagradas que chegaram até nós demonstram grande erudição.
O Padre Manuel Constantino, Doutor pela Universidade de Coimbra e
Doutor em Teologia pela Universidade de Salamanca, nasceu na Ilha da
Madeira e distinguiu-se como um dos mais notáveis escritores do seu tempo.
Tendo fixado residência em Roma não tardou em se tornar conhecido como
uma das inteligências mais fulgor antes, conquistando a admiração e o
respeito de altas personagens da Cúria.
O seu saber, o seu carácter e a sua vasta cultura deram lugar a ser convidado
para Professor da Universidade de Sapiência e ali brilhou como homem de
invulgar erudição.
A Biblioteca Lusitana menciona como obras deste Escritor madeirense: «Oratio in funere Philippi II», Roma 1599; «De profectione Pontificis in
Ferraricus Civitatem» Roma 1598; «História de Origine et principio ataque
História Literária da Madeira
vita omnium regnum Luzitaniae» - Roma 1601; «In funere Seraphinae
Portugalia Joannis Brigantiae Ducis filiae» Roma 1604; «Gratulatio de S.
Pontif. Paulus V» Roma 1607; «Votum primum ad S. S. Virgi-nem pro
salute Scipionis Cardinalis» Roma 1610. - Ainda em Roma em 1599, tinha já
escrito e publicado a História da descoberta da Madeira, mas em língua
latina, obra que ele intitulou «Insular Materide».
A propósito deste trabalho do Padre Manuel Constantino diz o Dr. Rodrigues
de Azevedo que «D. Francisco Manuel de Melo, no intróito da Epanaphora
III, sem indicar o título da obra, nem lugar, nem o ano da impressão, o que
mostra que não a viu, designa o autor pelo nome de Manuel Clemente, no
que, atentas aquelas omissões, não merece crédito; diz mais, que o livro fora
dedicado à Santidade de Clemente VII, mas nisto há erro manifesto, talvez
tipográfico, porque à data da publicação dele o Papa era Clemente VIII; e
finalmente acrescenta que o autor era Doutor e tinha sido já Pregador de trez
Pontifices em Roma».
Padre António Veloso de Lira, segundo o IV Fernando Augusto da Silva,
«foi um dos mais distintos madeirenses do Século -XVII».
Nasceu na freguesia da Calheta, em 14 de Junho de 1616 e descendia de
Família nobre.
Foi aluno da Universidade de Salamanca onde estava a outorar-se em
Teologia quando eclodiu em Lisboa a Revolução Nacional de 1640, que pôs
termo à dominação castelhana hamando o Duque de Bragança para ocupar o
Trono de Portugal com o nome de D. João IV.
História Literária da Madeira
António Veloso de Lira fez com que os camaradas portugueses que
frequentavam a Universidade Espanhola regressassem a Portugal e se
alistassem nas fileiras das forças da Restauração.
No livro «Cousas leves e Pesadas» - do grande Camilo de Castelo Branco
vem uma interessante referência a este facto, no capítulo sobre «Estudantes
portugueses em Salamanca».
O Dr. Rodrigues de Azevedo apresenta o Doutor Veloso de Lira como
Cónego da Sé e Governador do Bispado do Funchal.
Este ilustre madeirense escreveu: «As antiguidades da Ilha da Madeira».
Em 1643 publicou em Lisboa um livro muito interessante «Espelho de
Luzitanos», de que saiu a 2.ª edição em 1753. Vários trabalhos da sua autoria
são de menor importância.
Os seus escritos acusam a influência da Escola Gongoríca, mas atestam a
extraordinária inteligência e a magnífica cultura de que era dotado este
Escritor.
O grande Alexandre Herculano referiu-se ao Cónego Doutor Veloso de Lira
com palavras elogiosas, fazendo dos seus trabalhos vários extractos no
«Panorama».
Barbosa Machado anotou, a propósito das obras deste ilustre madeirense,
que deixou os seguintes inéditos: «Política Christiana», «Stella Matutina in
Médio nebulao, «Philosophia muta», «Zodiacus Ecclesiae» «Domus
História Literária da Madeira
Sapientiae», «Glosa sobre os Evangelhos» e «Antiguidades da Ilha da
Madeira». Apesar da crítica do Dr. Rodrigues de Azevedo, acusando de
misticismo os escritores religiosos desta época, as obras deste madeirense
desmentem o facciosismo do Dr. Azevedo.
O Padre Francisco de Valhadolid, nasceu no Funchal em 1640.
O Dr. Rodrigues de Azevedo pouca importância lhe liga. Designa-o como
«Compositor de Solfas de Igreja» e «na Sé, Mestre ou Cantor de Capela, aí
fundada pelo Bispo D. Jorge de Lemos, cerca de 1588».
Mas Barbosa Machado, na Biblioteca Lusitana, salienta os méritos do
Escritor e músico madeirense.
Joaquim de Vasconcelos no seu estudo «Músicos Portugueses» dá-lhe o
maior relevo. O Padre Francisco de Valhadolid viveu a maior parte da sua
existência em Lisboa, onde faleceu em 17 de Julho de 1700, ficando
sepultado na Igreja de Santos o Velho.
Á data da sua morte trabalhava uma obra «Mistérios da Musica, assim
prática como especulativa».
Frei António da Visitação, nasceu no Funchal no ano de 1546.
Foi Escritor de mérito. Barbosa Machado classificou os seus trabalhos como
«elegantíssimos»,
O Dr. Rodrigues de Azevedo, porém, não liga grande importância a este
Monge Carmelita, opinando que as suas composições não foram impressas.
História Literária da Madeira
Frei António da Visitação desempenhou altos cargos na sua Ordem e foi
considerado como um dos melhores latinistas. Os seus sermões eram
afamados. Deixou vários «Poemas» e interessantes «Orações Sagradas».
Faleceu em 13 de Outubro de 1606.
O Doutor Daniel da Costa, segundo Gaspar Frutuoso, foi «médico de Sua
Majestade, pessoa nobre, de grandes letras e virtudes, residente na cidade do
Funchal.
O trabalho literário que lhe deu mais celebridade foi a Biografia de Dom
Luís de Figueiredo e Lemos, VIII Bispo do Funchal».
E' um trabalho interessante, porque deixa bem traçado o retrato desse
Prelado que teve uma notável actuação na vida do Arquipélago.
No meu entender peca por demasiado louvaminhar o biografado.
Francisco de Sousa, é apontado nas «Notas» do Dr. Rodrigues de Azevedo
como natural do Funchal.
O Elucidário Madeirense menciona que no ano de 1877 se publicou na
cidade de Ponta Delgada, Ilha de S. Miguel, um opúsculo com o seguinte
título: «Tratado das Ilhas Novas e do descobrimento delas e outras coisas.
Feito por Francisco de Sousa, Feitor de El-Rei nosso Senhor na Capitania da
cidade do Funchal, na Ilha da Madeira e natural da dita Ilha e dos
portugueses que foram de Viana e das Ilhas dos Açores a povoar a Terra
Nova Ao bacalhau... Ano do Senhor 1570».
História Literária da Madeira
Deste folheto saiu uma 2.ª edição, em Ponta Delgada, no ano de 1884.
A edição de 1877- a primeira - teve apenas um cento de livros, todos
numerados.
Na Biblioteca Municipal do Funchal existe o n.8 49 desta edição, que eu tive
ocasião de ler e analisar.
É curiosa esta nota que traz esse livro - «Imprimiram-se unicamente CEM
exemplares e todos levam nesta página o competente número, os quais serão
distribuídos pelas principais Bibliotecas da Europa e da América».
Numa das passagens, mais ou menos fantasiosas, o autor refere-se a factos
muito adulterados da história dos descobrimentos, quase que entrando no
campo da lenda, para não dizer de uma fantasia que toca as raias do
inverosímil.
Referindo-se Francisco de Sousa aos feitos heróicos, que relaciona, fala
«sobre a gente da Nação Portuguesa que está em uma grande Ilha, que nela
foram ter no tempo da perdição das Espanhas, que há trezentos e tantos anos,
em que reinava El-Rei Dom Roderico».
Extrai do texto alguns trechos para se apreciar o estilo e o espírito do
Escritor. «As Ilhas de Santa Cruz dos Reis Magos, S. Tomé, Bom Jesus, S.
Brandão, Santa Clara, Da Graça e a de S. Francisco das Sete Cidades»
merecem pormenores curiosos do autor, que depois, no seu entusiasmo
meticuloso do descritivo diz que «a oeste da Ilha da Madeira 65 ou 70
légoas» está a tal ilha famosa onde entende que há encantamento.
História Literária da Madeira
Depois, historiando, assevera que «no tempo que se perderam as Espanhas,
que reinava El-Rei Dom Roderico que vai para quatro centos anos, que com
as secas se despovoaram as gentes e pereceram com a grande esterilidade e
da entrada dos Mouros, como mais largamente se trata nas Escrituras
antigas, por a qual causa do Porto de Portugal os mareantes e homens
fidalgos tendo noticia que para o Poente havia terra que até então não fora
descoberta, somente pelas informações dos antigos e dos Espíritos tinham
dela informação, determinaram de se embarcarem em sete naus com toda sua
Família e de irem correndo ao Ponente, confiados na misericórdia de Nosso
Senhor navegaram e pola altura do Porto que está a 41 graus correram tanto
que foram para barlavento das Ilhas dos Açores, que inda não eram
descobertas, e foram aportar na Ilha de S, Francisco que está pela altura».
Finaliza Francisco de Sousa a sua fantástica narrativa com um «Roteiro»
jeito por João Afonso Francês que no dizer do escritor está numa das Ilhas
Novas. A fechar a obra há um mapa bastante primitivo.
Frei Francisco da Madre de Deus, professou na Ordem de S. Francisco em
1613 e viveu no Convento da vila de Santa Cruz.
Escreveu um livro místico com uma elevação e beleza de estilo
verdadeiramente notáveis!
Possuía uma grande erudição e cultivou as boas letras com esmero. Diz a
Crónica que exerceu o modesto cargo de Guardião do seu Mosteiro.
Naquele remanso da vida de Santa Cruz teve a facilidade de dar largas às
suas tendências literárias.
História Literária da Madeira
Belchior de Teive, mereceu ao anotador das «Saudades da Terra» apenas
uma nota lacónica, dizendo que era natural do Funchal, Lente da
Universidade de Coimbra, do Conselho de Filipe III.
Este Belchior de Teive foi pessoa de grande importância. Em 1581 regia na
Universidade de Salamanca uma Cadeira de Direito.
Nasceu no Funchal em 1575 e ainda estudante já granjeara fama de
extraordinariamente inteligente.
Em 1621 escreveu a «Genealogia da Casa de Lerna». Já em 1607 fora
convidado por Filipe 11 para ser um dos seus quatro Ouvidores, ascendendo
mais tarde à categoria de Conselheiro Privado do Soberano.
Muitas obras dessa época mencionam Belchior de Teive como sendo um dos
homens mais preponderantes e de maior valor no seu tempo.
D. Filipe II confiou-lhe o posto Militar de Adiantado de Castela. Foi também
General da Armada Real e Superintendente. Exerceu o alto Cargo de Alcaide
do Crime e da Chancelaria de Valhadolid. Mais tarde foi ainda Presidente da
Casa dos Alcaides.
Esteve como Superintendente Geral da Fazenda Publica em Portugal,
desfrutando do maior prestígio.
Barboza Machado menciona Belchior de Teive como Genealogista distinto.
Era descendente de uma nobre Família da Ribeira Brava e nos seus
antepassados apareciam figuras notáveis. Seu Avô, Diogo de Teive,
instituirá um morgadio.
História Literária da Madeira
Presume-se que este nobre augustal de Filipe II tenha morrido depois de
1621, pois que nesta data mencionam as crónicas o seu nome como
Conselheiro Privado do Monarca. Como escritor foi notável. Serviu os Reis
Espanhóis visto que, ao tempo eram eles também Reis de Portugal.
Frei João Pinto da Victoria, nasceu na Madeira no fim do século XVI e
viveu a maior parte da sua existência em Espanha, porque tendo professado
muito novo na Ordem dos Carmelitas e entrado num convento em Espanha
ali ficou, tendo desempenhado vários cargos importantes, como fosse o de
Provincial de Aragão e o de Visitador da Andaluzia.
Dedicou-se à literatura e Barbosa Machado menciona o seu nome como o de
um Escritor Sagrado de altos méritos.
Como pregador também se notabilizou.
Em 1612 publicou a «Vida del Fr. Juan Sanz» e em 1616 «Jerarchia
Carmelitana». Faleceu em Valência no ano de 1631.
Inácio Spínola de Castro Menezes, vem citado no «Elucidário
Madeirense» como Escritor com qualidades, tendo conseguido certo renome
na sua época.
Descendia de Famílias aristocráticas.
A «Biblioteca Lusitana» diz que nasceu no Funchal e que escreveu «Nove
Diálogos em Castelhano».
Manoel Ribeiro Neto, era formado em Direito pela Universidade de
História Literária da Madeira
Coimbra e escreveu um volume, em latim, que denominou «Comentários de
Direito Civil». Escreveu também várias alegações de Direito Canónico.
Barbosa Machado considera-o natural de Angra, mas há evidente equívoco
pelo facto de Ribeiro Neto ter sido Cónego na Catedral dessa cidade. E'
indubitável que o Dr. Ribeiro Neto nasceu no Funchal nos fins do século
XVI e depois de ter feito os preparatórios na sua cidade natal foi para a
Universidade e de lá para os Açores.
São da sua autoria: «Alegações de Direito sobre as meias Conesias do
Funchal», «Ofícios que tachou o Cabido» e «Explicação do Previlégio de um
Altar no Funchal».
Estes estudos foram publicados num volume em 1660. Muito embora tivesse
passado a maior parte da sua vida nos Açores nunca apartou da Madeira o
seu interesse, como bem o provam os seus trabalhos literários. Como
Jurisconsulto foi reputado como um dos mais notáveis do seu tempo. Era um
estudioso e como característica dos seus trabalhos salienta-se a
meticulosidade com que analisava os assuntos de que se ocupava.
Faleceu em 1681.
Fr. Francisco de Santa Teresa, é outro religioso madeirense que se
distinguiu como Escritor.
Nasceu no Funchal e professou, muito novo ainda, na Ordem dos
Carmelitas. Escreveu um estudo bastante curioso, em língua latina,
«Alphabetum Teologicum». Finou-se no Funchal em 1698.
História Literária da Madeira
O Cónego Pedro Correia Barbosa, da Sé do Funchal, foi um dós mais
notáveis pregadores dos fins do século XVÍ e começos do século XVII.
Em 1699 publicou um estudo sobre «Santo António». Foi Governador da
Diocese e Vigário Geral do Funchal.
Henrique Henriques de Noronha, teve fama de grande genealogista.
Nasceu em Câmara de Lobos no dia 1 de Março de 1667. Os estudos de
linhagens e de carácter histórico mereceram-lhe especial interesse e os
intelectuais do seu tempo citam-no como um dos homens mais eminentes da
época. Escreveu o «Nobiliário Genealógico de Famílias Madeirenses», que é
uma vasta obra de investigação e estudo, se bem que por vezes enferme um
tanto de entusiasmos fantasistas que exageram as realidades. Escreveu
também «Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Composição da História
da Diocese do Funchal».
Sucedeu no Morgadio a seu Tio Inocêncio de Bettencourt da Câmara e foi
Sócio da Academia Real de História Portuguesa.
Barbosa Machado tem para ele palavras elogiosas e António Caetano de
Sousa faz-lhe as mais lisonjeiras referencias na «História Genealógica da
Casa Real Portuguesa».
O «Nobiliário Genealógico» foi escrito em três volumes. O Dr. Rodrigues
de Azevedo considerou-o como «a primeira autoridade em genealogia».
Como literato tem de facto valor, pelo que se depreende dos estudos
históricos.
História Literária da Madeira
O «Elucidário Madeirense» diz que existia na extinta Casa dos Condes de
Torre-Bela, ainda há um quarto de século, um magnífico retrato a óleo do
Escritor Henrique Henriques de Noronha que pertencia a essa ilustre
Família, cuja representação legitima está hoje no Tenente de Cavalaria
António da Câmara Leme de França Dória, por parte de sua Mãe.
Baltazar Dias, foi Poeta c cego. Nasceu na Madeira nos fins do Século XV.
O meu amigo e ilustre camarada Dr.: Ernesto Gonçalves deu a este cultor
das letras pátrias o maior brilho, com a elegância inconfundível da sua pena,
num artigo publicado em Julho de 1942 na «Revista Portuguesa», da minha
modesta direcção. A propósito deste poeta confirma Ernesto Gonçalves que
ele foi «cego e pobre. Teria ele vindo ao mundo sem a luz dos olhos?»
Na história da Literatura Baltazar Dias ficou mencionado como «Poeta
popular» mas é incontestável a avaliar das suas produções, que tinha
conhecimentos literários adquiridos talvez de algum clérigo sabedor.
«Em qualquer lagar da Madeira - não se sabe onde, nem há o menor vestígio
documental que nos permita uma presunção documentada - nasceu Baltazar
Dias».
«Ele aprendeu as formas e os temas poéticos que eram um dos elementos da
atmosfera espiritual da Ilha».
Dominava a redondilha: musicalmente um trinado de frauta enlevada no sol
e no lar; plasticamente uma mão cheia de água fresca e límpida... As
tradições medievais andavam nas almas.
História Literária da Madeira
Lendas de Santos e gestos de Paladinos, amores desventurados, mágoas, de
exílio, visões de peregrinos - tudo isto ficou no espírito de Baltazar Dias e
foi a matéria lírica da sua poesia.
O Poeta madeirense é um belo representante do sentimento medievo. «A
corrente humanista só o roçou episodicamente em ligeiríssima e superficial
influência».
Num requerimento que dirigiu a El-rei Dom João 111 para publicar os seus
autos e trovas, declara que é a Ilha da Madeira a terra de sua naturalidade
«Cantou vidas de Santos, que animou na técnica gótica dos seus autos;
celebrou feitos de heróis portugueses, como Dom João de Castro; riu dos
disparates da época e da variedade das mulheres...
As suas produções têm patriotismo, sentido romântico e um curioso
misticismo.
«Ó Madre de Deu benigno
Ó Santa Domina mea,
e fonte de piedade,
ó Virgem gratia plena
Arca de Santa Trindade
em quem a alma recreia,
de onde o Verbo Divino
dai remédio à minha pena
trouxe essa humanidade!
pois que morro em terra alheia!»
Agora outras trovas repassadas do misticismo desse belo Poeta popular.
Madre de misericórdia,
«Salve, Senhora benigna,
paz da nossa gran discórdia,
História Literária da Madeira
História Literária da Madeira
dos pecadores mãesinha,
Ora pois, nossa Advogada,
vida, doçura e concórdia!
amparo da Cristandade,
volve os de piedade
Spés nostra, a ti invocamos,
a mim, Virgem consagrada
salva-nos da escura treva,
pois que és nossa liberdade.
a Ti, Senhora, chamamos,
desterrados filhos de Eva,
Dá-me, Senhora, virtudes
a Ti, Virgem, suspiramos.
contra todos meus inimigos
pois que és nossa saudade
A Ti, gemendo e chorando,
eu te rogo queime ajudes
em agueste lagrimoso
nos temores e perigos.
vale, sem nenhum repôso,
sempre Virgem, a Ti chamamos
Roga, Tu, por mira, Senhora
que és noss.0 prazer e gôzo.
ó Santa Madre de Deus
a quem minha Alma adora
pois és Rainha dos Céus
e dos Anjos Superiora»,
A propósito deste Poeta diz o Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo que
«Baltazar Dias, contemporâneo de Dom Sebastião, cego e poeta que compôs
vários autos dramáticos, à semelhança de Gil Vicente, uns sacros e outros
profanos, cujos títulos constam da Biblioteca de Barbosa Machado e do
Dicionário do sr. Inocêncio F. da Silva».
São gerais os louvores ao Poeta cego que tão belo concurso deu para o
engrandecimento da Literatura da Madeira. No entanto o Dr. Rodrigues de
Azevedo referindo-se, com o seu sectarismo lamentável, ao período de
História Literária da Madeira
Escritores que ele denomina de «clericais», diz que «esta sucinta resenha de
Escritores deste período demonstra a infecundidade da instrução clerical e
Jesuíta».
Mas a verdade é que os Jesuítas estabeleceram-se na Madeira em 1570 e
durante quase um século e meio prepararam, com êxitos bem evidentes, a
educação da mocidade. Dessa educação, que o Dr. Rodrigues de Azevedo
procurou apoucar e abertamente condenou, vejam-se os resultados exactos
na série de homens eminentes que se distinguiram, impondo-se pelo seu
valor e pelo seu saber devidamente disciplinado e orientado por esses
educadores ainda hoje inigualáveis que prepararam tantas forças e tantos
elementos para o engrandecimento de Portugal. O espírito da época era
naturalmente místico mas nem por isso decadente. O próprio Dr. Rodrigues
de Azevedo é forçado a reconhecer e enaltecer o valor de dois Frades
Franciscanos, quatro Jesuítas, um Beneditino e um Ar rábido, filhos desta
Ilha maravilhosa da Madeira e educados dentro dos tais princípios que o
Escritor diz serem infecundos! E a juntar ao número dos onze Religiosos que
pela «educação Jesuítica» tanto se distinguiram aponta também o mesmo
Autor Sacerdotes Seculares que formam um núcleo valioso: dois historiadores, um historiador e poeta, um poeta épico, numerosos oradores
sagrados, um compositor e crítico musical. E não teriam os outros, que nem
professaram nem seguiram a vida eclesiástica, recebido igualmente a mesma
«educação Jesuítica», por isso que nesse século e meio eram os Jesuítas que
ministravam a educação aos Madeirenses? Mas voltando ao Poeta popular
Baltazar Dias, o «Elucidário Madeirense» diz que «vagamente consta que
nasceu em Santana e presume-se que tenha passado uma parte considerável
da sua vida no Continente do Reino, onde faleceu em ano que não se pode
determinar».
História Literária da Madeira
Barbosa Machado na «Biblioteca Lusitana» afirmou que «foi um dos
célebres poetas que floresceram no reinado de El-Rei D. Sebastião,
principalmente na composição de autos, com a circunstância de ser cego de
nascimento».
Parte das obras de Baltazar Dias tiveram grande divulgação em várias
edições. Essas obras eram impregnadas de forte sentimentalismo nacional,
um orgulhoso sentido patriótico, que é como que vibração eterna da alma
popular que através dos séculos vai, de geração em geração, repetindo esses
versos que lhe devem soar como um eco distante que virá do Passado a
prolongar-se pelo Futuro no gosto e na sensibilidade da Raça!
Inocêncio menciona as seguintes composições de Baltazar Dias:
Auto de St.º Aleixo - edições de 1613, 1616, 1638, 1749 e 1791.
Auto de El-Rei Salomão - edição de 1613.
Auto da Paixão de Cristo – metrificado - edição de 1613.
Auto da Feira da Ladra - edição de 1613.
Auto de Santa Catarina Virgem Mártir - edições de 1610, 1038, 1659, 1727,
1786.
Auto da Malícia das Mulheres - edição de 1640, 1793.
Auto do Nascimento de Cristo - edição de 1665.
Conselhos para bem casar - edições de 1638, 1659, 1680.
História da Imperatriz Porcina, mulher do Imperador Lodonio de Roma edição de 1660.
Trovas de arte maior sobre a Morte de D. João de Castro.
Tragédia do Marquez de Mantua - edição 1665
História Literária da Madeira
Estas edições bastam como Índice do sucesso que teve este Poeta popular.
A partir dos fins do século XVII a instrução pública, e a cultura literária
tomaram maior incremento. Diz o Dr. Rodrigues de Azevedo que «abundam
escritores seculares e do clero secular, o que principalmente devemos à
influência das ideias, literatura e instituições literárias da França, desde Luís
XIV, que foram os predilectos modelos seguidos em Portugal, mormente no
reinado de D. João V até meado do século».
E na sua senha anti-religiosa continua, explicando que «os principais
factores da secularização da instrução pública foram: - a instituição de
muitas academias, especialmente a Academia Real de História e a Academia
Ulisiponense; o estabelecimento de Teatros em Lisboa; a reacção antiJesuita; a administração do Marquez de Pombal e as providências subsequentes».
Seguindo «as providências subsequentes» da administração pombalina o Dr.
Rodrigues de Azevedo vai citando as Academias, os Botequins, os Teatros e
a reacção anti-Jesuitica.
Se entrarmos no comentário verdadeiramente justo podemos dizer que as
Academias se multiplicaram até se banalizarem, não tanto pela quantidade
mas especialmente pela qualidade. Os trabalhos dali saídos eram
verdadeiramente fúteis, na maior parte e consequentemente inúteis. Além
disso iam confundindo e anarquizando os valores literários e a maior parte
dos intelectuais vieram a ser vitimas desta circunstância. Os Botequins ascendentes dos Cafés - devem ter contribuído para ampliar as
consequências nefastas da obra das Academias.
História Literária da Madeira
A reacção anti-Jesuitica, tirando à Companhia as suas atribuições educadoras
não podia deixar de trazer resultados negativos, na Arte, nas Letras e na
Política, que traduzia o sentimento nacional, trazendo os erros tremendos dos
Séculos XVIII e XIX.
No Arquipélago da Madeira, como é fácil de concluir-se, esta ordem de
ideias teve ampla repercussão. Principiou pela reforma do Seminário do
Funchal.
Apareceram depois as inevitáveis Academias: - «Assembleia dos Únicos do
Funchal» - com preocupações instrutivas - e a «Arcádia Funchalense», - de
carácter politico.
Em 1770 já o Funchal tinha o «Teatro Grande», próximo da Fortaleza de S.
Lourenço, o qual ardeu em 1801 e foi reedificado com noventa camarotes
nas suas quatro ordens e com trezentos lugares de plateia. Mas em 1832 foi
este edifício demolido.
Por Lei de 6 de Novembro de 1772 foram criadas no Arquipélago várias
Escolas Públicas.
O Dr. Rodrigues de Azevedo diz que «a instrução pública na Ilha da Madeira
despia a aparência lacitura que vinha do ensino Jesuítico e fradesco e tomava
aspecto mais ridente e festivo».
No entanto, anteriormente, o Dr. Rodrigues de Azevedo diz também que
«saíram da Madeira estudantes, com bases magnificas, que se notabilizaram
nas Universidades portuguesas e estrangeiras».
História Literária da Madeira
Foge-lhe pois, sem querer, «a boca para a verdade», esquecendo o
facciosismo e a paixão sectária.
A História é a lição dos factos e estes quando se fixam para o Futuro devem
representar a verdade, com imparcial exactidão.
Seguindo os comentários das «Notas» do Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo,
depois de atacar o ensino dos Jesuítas, esquece-se do que disse e comenta
que «os anos que decorreram até 1820 foram de estacionamento senão de
decadência para a instrução em geral, na Ilha da Madeira».
Aqui temos outra vez o Escritor em evidente contradição consigo mesmo.
Não vale pois a pena entrar no comentário.
O cuidado do dizer, que tudo abastardou neste período na vida literária e que
bem se pode definir por cultismo, representando um sintoma de decadência,
aparece, pois, como resultado do que o Dr. Azevedo quis apresentar como
benefício por estar livre da educação Jesuítica...
Os vícios literários do século XVII incidiram nefastamente sobre metade do
século XVIII.
A influência francesa teve uma acção intensa no estilo, na elegância da frase
e até no sentimentalismo romântico dos Escritores portugueses, se bem que
por vezes levasse a exageros enviados de decadentísmo doentio, que pára
muitos pode ter um encanto mórbido.
Os grandes Mestres da Literatura Grega e Romana voltaram a aparecer
História Literária da Madeira
inspirando e orientando os «Árcades». Mas as rivalidades não tardam a
prejudicar a expansão das novas correntes literárias.
Quem ler «Os Burros» de José Agostinho de Macedo tem uma ideia do que
seria a confusão da vida política e literária daquela época, porque através do
espírito crítico e verrinoso do inteligente e culto Frade Graciano, sente-se a
verdade flagrante dos seus juízos.
Os Escritores líricos ficaram subordinados aos satíricos, que não os
poupam...
Nicolau Tolentino é um exemplo.
Ele descreveu, melhor que nenhum outro, esse período transitório da vida
Literária no País.
No Arquipélago da Madeira sente-se bem acentuadamente a influência da
literatura francesa. Os escritores madeirenses vão talvez mais longe e mais
exageradamente que os colegas continentais, tanto na prosa como na poesia.
O Arquipélago da Madeira deu sempre um grande contingente na
representação da vida nacional, afirmando os seus fundamentos,
portugueses. Na Literatura também é notável o número de Escritores, Poetas
e Jornalistas madeirenses que dão o seu concurso para o enriquecimento
literário.
O Dr. Nicolau Francisco Xavier da Silva, considerado como um dos
homens mais eruditos da sua época, nasceu no Funchal, na freguesia de
História Literária da Madeira
Santa Maria Maior, no Século XVII. Era formado em Cânones pela
Universidade de Coimbra.
Doutorou-se em 1725 ficando a reger Cadeira.
Mais tarde veio para Lisboa onde se notabilizou no foro e como Escritor. Em
1724 publicou «Puro e afectuoso Sacrifício». Foi membro da Academia Real
de História, tendo-lhe sido confiado o estudo e publicação da «História das
Inquirições» que não chegou a completar porque a morte o surpreendeu em
17 de Agosto de 1754.
Foi a Colecção Real de História que publicou a sua admirável «Oração de
Agradecimento à Academia Real».
Era categorizado bibliófilo e a sua Biblioteca foi adquirida por El-Rei D.
José I para base da Biblioteca Real, visto que a antiga Biblioteca dos
Monarcas ardera no terramoto de 1755.
Francisco João de Vasconcelos de Bettencourt, era membro da famosa
«Academia dos Únicos do Funchal». Era homem com ilustração e a sua
prosa enfermava daquele cultismo que se tornou característico.
Em 15 de Maio de 1746 proferiu um discurso, que foi publicado nessa
ocasião e do qual o Dr. Rodrigues de Azevedo inseriu longo trecho nas
«Notas». É uma prosa com preocupações de estilo mas caindo em
pormenores enfatuados, num orgulho exuberante e no fundo sem fundo de
mais que vaidade.
História Literária da Madeira
António José de Jesus Lamedo, foi autor do Índice Alfabético dos Tombos
da Câmara do Funchal, onde desempenhava o cargo de Guarda-livros. O
autógrafo deste trabalho, ao tempo que o Dr. Rodrigues de Azevedo
escreveu as suas «Notas» às «Saudades da Terra», estava nos Arquivos
Municipais.
Esta obra contém a súmula de todos os diplomas registados nos livros do
Município, relativos a 1794. Este trabalho tem importância para a História
do Arquipélago.
Presume-se que Lamedo tenha sido vítima de doença que o impossibilitou de
trabalhar nesse ano de 1794, porque os subsequentes aditamentos são de
outra caligrafia. Veio a falecer em 24 de Maio de 1797.
Francisco de Vasconcelos Coutinho, formou-se em Cânones e era filho de
Lourenço de Matos Coutinho e de Dona Mariana de Ornelas e Vasconcelos.
Diz o Dr. Azevedo que «fez sonetos à morte de D. Pedro II, e um elogio
dramático em honra do Governador Capitão General da Madeira, D. João de
Saldanha da Gama». Investigando acerca deste elogio dramático chegou à
conclusão de que ele teve lugar quando o Governador, findo o período do
seu mandato, regre sava a Lisboa. O desempenho foi confiado às Freiras de
Santa Clara e eram interlocutores: a Corte, a Ilha, a Saudade, a Religião, a
Justiça e a Fama!
Não deixa de ter originalidade incumbir as Monjas Clarissas da interpretação
do elogio-dramático.
Inocêncio cita este Poeta no «Dicionário Bibliográfico», mencionando as
História Literária da Madeira
suas obras: «Efeitos de um arrependimento», «Feudo do Parnaso» - que o
autor dedicou a El-Rei Dom João V - e «Hecatombe Métrica», publicadas
em Lisboa em 1729 è 1773.
Francisco Alvares de Nóbrega, mais conhecido pro «Camões Pequeno»,
nasceu na vila de Machico em 1772 segundo o Dr. Rodrigues de Azevedo e
segundo seu sobrinho, Januário Justiniano de Nóbrega, em 1773.
Começou a vida como empregado de um estabelecimento comercial no
Funchal e tendo revelado sua vocação poética e invulgar inteligência, o
Patrão facilitou a sua entrada no Seminário, onde poucos anos se demorou
porque tendo composto umas poesias satíricas que atingiam o Bispo do
Funchal, Dom José da Costa Torres, este Prelado expulsou-o do Seminário e
envolveu-o num processo como mação, resultando ser condenado a ir
cumprir pena no Limoeiro, em Lisboa.
Inocêncio tem no «Dicionário Bibliográfico» a opinião de que «este Poeta a
quem não se podem negar felizes disposições de talento natural para a
Poesia, não seguiu escola determinada porque dos seus versos uns recordam
a maneira de Bocage, outros a de Francisco Manuel. Nos Sonetos houve
poucos entre nós que o igualassem, não sendo o próprio Bocage, que neste
género de composição jamais conheceu rival. A linguagem de Nóbrega,
posto que não abundante em demasia, é pura e correcta; os versos são em
geral fluentes e harmoniosos. Era digno, sem dúvida, de melhor sorte».
Este parecer de Inocêncio, sempre exigente e insatisfeito, tem o maior valor.
Na Revista «O Instituto», o Dr. Jaime Moniz publicou poesias e notas
biográficas do Camões Pequeno.
História Literária da Madeira
Em 1804 publicou um volume de Poesias, que denominou «Rimas» e de que
em 1850 seu sobrinho, Januário Justiniano de Nóbrega, fez sair uma 2.a
edição. Tinha várias obras manuscritas que foram queimadas pela
Inquisição, após a sua morte.
Atacou-o na prisão o terrível mal da lepra, parece que por contagio de outro
preso, e então, sabendo que a sua desgraça não tinha remédio, estando em
casa do livreiro Manuel José Moreira Pinto Baptista, em Lisboa, suicidou-se
ingerindo laudano. Tomou Francisco Alvares de Nóbrega esta resolução
desesperada em 1806, contando apenas 34 anos de idade.
Da segunda vez que foi enclausurado dirigiu a El-Rei uma súplica de
libertação, em quinze sonetos tão eloquentes que o Monarca o mandou logo
sair do Cárcere. Mas ao tempo já a lepra o vitimava. Estoicamente ele
próprio preparou a sua mortalha e a Camara-ardente; cercou-se dos seus
livros preferidos e dos seus manuscritos, ingerindo então o veneno que o
levou ao sono eterno.
Era sem duvida um grande Poeta e um espírito invulgar pela inteligência e
pelo aprumo moral.
Mote: - «Tristes lembranças, da passada glória».
Versos: - de Francisco Alvares de Nóbrega.
Lembro-me que uma vez quando cruzava
através desta gárrula fontinha,
encontrei a suave Enalia minha,
que neste sítio à sombra repousava.
História Literária da Madeira
Com a tenra mão, que eu meigo lhe beijava,
aqui me deu a linda flor, que tinha
pregada na felpuda, alva roupinha,
que tão mimosa e ao natural lhe estava.
Funesto encontro! e que inda me lembrasses!
Porque me não passaste da memória,
assim como o Céu quis que então passasses?
Venha mais esta dita transitória,
de lágrimas sem fim regai-me as faces,
tristes lembranças da passada glória...
Do livro «Rimas», 2.a edição de 1850, que traz um magnífico prólogo do
editor, Januário justiniano de Nóbrega.
Soneto
A' Pátria do Autor (1)
Na fralda de dois íngremes rochedos,
que levantam ao Céu fronte orgulhosa,
existe de Machim a vila Idosa,
povoada de escassos arvoredos!
Pelo meio, alisando alvos penedos,
____________________
(1) — O Camões Pequeno era natural de Machico. Este soneto é um expressivo daquela vila.
História Literária da Madeira
desce extensa Ribeira preguiçosa;
porém tão crespa na estação chuvosa
que aos incolas infunde espanto e medos.
As margens dela, em hora atenuada
vi a primeira luz do sol sereno,
em pobre, sim, mas paternal morada.
Aos trabalhos me afiz desde pequeno,
o abrigo deixei da Pátria amada
e vim ser infeliz noutro terreno...
O Dr. João Francisco Lopes Rocha, nasceu no Funchal em 1747 e teve
parte activa na política madeirense, pois que sendo mação reagiu contra as
disposições do Bispo da Madeira que se opunha à colaboração de um
sacerdote, e para mais Cónego da Sé, nas sociedades secretas, já condenadas
pela Igreja e pelo Estado Português.
Era formado em Teologia pela Universidade de Coimbra.
Como Escritor era distinto.
Numa exposição dirigida ao Ministro José Seabra da Silva, evidência a sua
inteligência e a sua arte de dizer.
Essa verdadeira peça literária foi publicada em 1820 no «Campeão
Português», órgão dos «liberais».
História Literária da Madeira
Apesar de tudo, o Cónego Dr. Lopes Rocha desempenhou o cargo de
Governador do Bispado e morreu em 8 de Maio de 1820, sem ver triunfar os
seus ideais políticos.
O Dr. Viturio Lopes Rocha, era irmão do Cónego e nasceu também no
Funchal em 1752.
Doutorou-se em Matemática na Universidade de Coimbra, onde foi Lente,
desde 1777.
Era muito ilustrado e inteligente.
Depois da reforma na Universidade, veio fixar se no Funchal, onde morreu.
Diogo Vieira de Touvar e Albuquerque, é apresentado pelo Padre
Fernando Augusto da Silva como autor de um notável trabalho económico e
literário que ele denominou «Descrição Política e Económica da Ilha da
Madeira», ficando pronto este estudo em 1807.
Manoel António de Azevedo Henriques, aparece no «Dicionário
Bibliográfico Português» como Autor de um trabalho que publicou em 1778;
intitulado «Reino de Deus ou Reino de Portugal» - Panegírico Funchalense.
Este opúsculo tem apenas quatro páginas, o que não impediu o Autor de o
oferecer a Suas Majestades a Rainha Dona Maria I e Dom Pedro III.
Francisco João Roscio, celebrizou-se como Engenheiro, Militar e Escritor.
Nasceu na Madeira em 1740 e terminou o Curso na Academia Militar em
1762, em Lisboa. Fez parte da comissão de Engenheiros encarregados de
História Literária da Madeira
demarcarem os limites na fronteira sul do Brasil. Foi Governador do Estado
de S. Pedro do Sul, onde se opôs à invasão das tropas espanholas comandadas pelo General Marquez de Sobremontes, assegurando ao País mais de 200
léguas quadradas.
Os seus trabalhos literários eram valiosos, especialmente os estudos de
carácter científico. O «Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos e
Construtores Português», de Sousa Viterbo, faz-lhe uma larga referência na
página 477 e nas seguintes.
Faleceu no Brasil em 1805.
Luís Beltrão de Gouveia e Almeida, foi Governador e Capitão General da
Madeira. Escreveu um trabalho que revela profundo estudo sobre as
possibilidades de desenvolvimento do Arquipélago da Madeira.
Quando as forças britânicas ocuparam a Madeira em 1813, o General
Gordon, julgando-se senhor de terra conquistada, quis intrometer-se
arbitrariamente na Governação Pública do Arquipélago, no que foi
contrariado pelo Governador Capitão General. Tendo o General Gordon
mandado enforcar um soldado inglês que assassinara um sargento da sua
nacionalidade, o Governador Beltrão de Almeida protestou contra essa deliberação que era atentatória das Leis portuguesas e por isso exigiu
satisfações. Um português desta têmpera não podia convir, com tamanha
independência, aos interesses estrangeiros. Em 1814 o Governador Beltrão
de Almeida «-morria inesperadamente e repentinamente»... Então o General
inglês Gordon teve a veleidade de querer chamar a si o Governo do
Arquipélago! Foi sepultado o Governador Capitão General na Capela do
Santíssimo da Sé, Catedral do Funchal.
História Literária da Madeira
Frei Manuel Rodrigues, nasceu no Funchal em 25 de Novembro de 1695 e
muito novo foi viver para o Brasil onde se encontrava seu tio, o Capitão
Manuel Neto. Cursou o Seminário e em 1715 tendo ido para a vida militar
seguia para a Colónia do Sacramento. Em 1719 professava na Ordem de S.
Francisco. Viajou em toda a América latina acabando por vir fixar-se em
Lisboa, onde morreu nos fins do século XVIII, tendo-se notabilizado como
Escritor e como Orador. Tanto Inocêncio da Silva como Barbosa Machado
referem-se a este curioso intelectual madeirense «de vida aventurosa».
A principal obra literária de Frei Manuel Rodrigues foi «Oração Fúnebre na
Morte de El-Rei D. João V». Inocêncio e Barbosa Machado referem-se aos
trabalhos literários deste Frade com elogio.
O Dr. António Roiz Ciebra, nasceu na Madeira no começo do. Século
XVIII. Em 1760 escreveu «Narração Cirúrgica de um Carbúnculo maligno
que com facilidade se curou na cara».
Era médico e Escritor e prestou serviços no Hospital do Funchal,
O Dr. Julião Fernandes da Silva, nasceu no Funchal em 1723, cursou
medicina em Coimbra e escreveu um livro, «Exame de Sangradores», que
vem nomeado no «Dicionário Bibliográfico Português».
Na página 787 das «Notas» do Dr. Rodrigues de Azevedo lê-se que «o
médico funchalense, cujo nome ignoramos, autor da obra que tem o
frontispício seguinte: - Carta Crítica sobre o método curativo dos Médicos
funchalenses – MDCCLXl - é livro de 310 páginas de oitavo na última das
quais vem a data - Madeira 7 Setembro 1775 - e fecha com a assinatura por
História Literária da Madeira
iniciais : I. F. D. S.. Esta obra é curiosa e até útil, não só à escola médica
deste Arquipélago mas também aos costumes da época. A ortografia fónica e
a agressiva dicção desta carta denunciam ser produção de algum afoito
inovador da escola de Luís António de Verney».
Inocêncio Francisco da Silva não conseguiu também decifrar a significação
das iniciais, nem consequentemente, o nome do Escritor.
Foi o Conselheiro Dr. Manuel José Vieira quem identificou o autor da
«Carta Crítica».
No espólio do Dr. Mourão Pita descobriu o Conselheiro Vieira um
manuscrito e um volume com o mesmo trabalho já impresso. No manuscrito
vem o nome do Dr. Julião Fernandes da Silva como autor da obra, ao passo
que no livro, já impresso apenas estão as iniciais /. F. D. S.
Comparando os textos verificou o Conselheiro que a obra era a mesma. No
manuscrito há mais uma carta laudatória dirigida ao Escritor pelo Frade
Franciscano Frei João de S. José, com a data de 28 de Agosto de 1755 e
escrita no extinto convento de S. Francisco da Cidade.
A identificação da «Carta Crítica» teve um particular interesse para a
História Literária da Madeira.
Francisco Manuel de Oliveira, nasceu no Funchal no segundo quartel do
Século XVIII e Inocêncio menciona-lhe as seguintes obras: «Escolha de
Poesias Orientais» - publicado em Lisboa em 1793 - «Colecção Poética» Lisboa 1794,
- «Oração na Inauguração do Seminário do Funchal», -
História Literária da Madeira
«Ensaio Poético sobre a Harmonia do Mundo», - Lisboa 1805, - «Princípios
Elementares da língua inglesa - Lx.a 1809 - etc.
Como Poeta foi, medíocre. O Elucidário Madeirense refere-se a este Escritor
e diz que morreu em 1818.
Concluída a parte que neste estudo diz respeito propriamente à História
Literária do Arquipélago da Madeira, parece de justiça mencionar ainda
aqueles valores que, embora indirectamente, de qualquer modo contribuíram
para o prestígio e divulgação da intelectualidade madeirense.
Temos assim D. Diogo Pinheiro, que foi o primeiro Bispo desta Diocese do
Funchal.
Foi uma grande figura da Ordem de Cristo, tendo ascendido ao grau de Dom
Prior e Vigário de Tomar. Interessou-se pelo seu Bispado e como
Conselheiro de El-Rei Dom Manuel I. pude trazer à vida madeirense grandes
benefícios. Em 1483 escreveu o «Manifesto da Inocência do Duque de
Bragança, Dom Fernando 11».
Faleceu em 1526 ficando sepultado na Capela-mor de Santa Maria dos
Olivais, em Tomar.
João de Barros, que nasceu em 1496 e faleceu em 1570, na Década da sua
obra «Ásia», refere-se ao Descobrimento da Madeira. Nas «Notas» às
«Saudades da Terra» encontra-se referência ao cronista Damião de Góis século XVI - como um dos mais antigos escritores que se ocuparam da
Descoberta da Madeira.
História Literária da Madeira
António de Abreu, do Arco da Calheta, foi grande navegador e guerreiro
sob o comando do famoso Afonso de Albuquerque. Tendo descoberto as
Molucas no regresso de uma viagem que fez desde Sumatra até um
continente até então desconhecido e que ele, em 1530, designou por Nova
Java num mapa, daí se conclui, pelas latitudes e longitudes, que é a Austrália. Esse mapa é um documento valioso.
António Galvão, escreveu, em 1550, «Tratado dos Descobrimentos antigos
e modernos» e aí se refere à Descoberta da Madeira, merecendo por isso
referência do Dr. Gaspar Frutuoso.
Dom Fernando de Távora, foi o V? Bispo do Funchal e era amigo de ElRei D. Sebastião. Foi grande orador e escreveu os «Comentários ao
Evangelho de S. João».
O Padre António Vieira, a quem é atribuída a autoria da obra intitulada
«Arte de Furtar», a avaliar pelo que se deduz das referências à vida
madeirense entre 1624 e 1634, leva a crer que estava a par das actividades
insulanas ou seguiu de perto os factos que se deram nesse período no
Arquipélago.
Nos «Luziadas», imortal obra do glorioso Poeta Luís de Camões, a Madeira
mereceu ao grande épico esses belos; versos da 5.a Estância do Canto V.:
«Passamos a grande Ilha da Madeira,
que do muito arvoredo assi se chama;
das que nós povoamos a primeira,
mas célebre por nome, que por fama;
História Literária da Madeira
mas nem por ser do mundo a derradeira,
se lhe avantajam quantas Vénus ama;
antes, sendo esta sua, se esquecera,
de Cypro, Qnido, Paphos Cythera».
Estes versos do imortal Camões apareceram em 1572 século e meio após a
Descoberta da Ilha.
Gomes Eanes de Azurara, na «Crónica do Descobrimento e Conquista da
Guiné», refere-se à Madeira, escrevendo a história dos acontecimentos da
época com notável precisão.
Frei Rafael de Jesus, em 1679 publicou em Lisboa «Castriosto Luzitano»
onde narra a vida heróica de João Fernandes Vieira, madeirense, defensor e
restaurador de Pernambuco.
Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha, pai do Poeta e Escritor Troilo de
Vasconcelos da Cunha, foi Governador Capitão General da Madeira em
1651 e compôs poesias diversas a que se refere Barbosa Machado.
Padre António Cordeiro, era natural dos Açores, autor de várias obras que
escreveu em português e em latim.
Foi o autor da «História Insulana».
Era membro graduado da Companhia de Jesus. No que se refere à Madeira
na sua «História Insulana» tem grande interesse. A sua actividade literária
desenvolveu-se especialmente a partir de 1672.
História Literária da Madeira
José António Ferreira Brandão, traduziu para português a famosa obra do
Escritor britânico Major: «The life of Prince Henry of Portugal».
D. José de Sousa de Castelo Branco, foi nomeado em 1697 Bispo do
Funchal. A Biblioteca Lusitana menciona que se dedicou a estudos
genealógicos, tendo deixado algumas obras, que Barbosa Machado enumera.
D. Frei Joaquim de Menezes Ataíde, Foi Bispo do Funchal e muito
talentoso, tendo sido Escritor e orador sagrado de muito valor.
Exerceu o cargo de Cronista do Infantado e teve o título de Arcebispo de
Meliapôr.
Foi igualmente amador e compositor de música. O Dicionário Bibliográfico
tem para este Prelado as mais lisonjeiras referências.
A intriga política da Madeira fez com que se ausentasse desgostoso da Ilha.
Paulo Dias de Almeida, escreveu em 1817 «Descrição da Ilha da Madeira
em geral e de cada uma das suas freguesias, vilas e lugares em particular;
suas produções, número de fogos e seus habitantes e estado actual das suas
fortificações. Era Engenheiro e levantou a planta geral da Ilha da Madeira no
começo do Século XIX. Envolveu-se em contendas políticas que o levaram
ao exílio.
D. Mateus de Abreu Pereira, nasceu na Madeira em 1756 e foi Bispo de S.
Paulo, no Brasil, para cuja independência muito trabalhou. Num volume
«Direito Civil e Eclesiástico» de Mendes de Almada, encontram-se
referências ao valor e saber deste Prelado.
História Literária da Madeira
António de Carvalho de Almeida, estudou e organizou uma colecção de
produtos naturais madeirenses em 1784.
As «Saudades da Terra» referem-se a Diogo Gomes de Sintra que sendo
navegador escreveu as Memórias das suas viagens, no Século XV, e nelas
faz referências à Descoberta da Madeira.
História Literária da Madeira
Relação de Escritores Estrangeiros que publicaram estudos sobre a Madeira,
de 1420 a 1820.
- Luigi Cadamosto, Itália, 1507. Trad. portug. 1812. «Colecção de Noticias para
História & Geografia»,
- Alemanio Fini, Itália, 1574, «Descrittione della Isola d' illa Madera, scritta nella
lingua latina, del Conte Giulio Landi».
- Monquet, Inglês, 1601.
- Norborough, Ingl., 1669 «Yoyage to the Straits of Magellan».
- Barbot, Ingl. 1681, Churehill's Collection».
- John Ovington, 1696, Ingl., «A voyage to Suratt in the year 1689».
- Sawaire, Franc., 1721. «Description Nautique des Açores»
- D. H. Sloane, Irland. 1725. «A voyage to the Islands Madeira, Barbados, Jamaica
&».
- Thom. Nichols, Ingl. 1745. «Astley's General Collection of Voyages and
Traveis».
- Dr. Thom. Heberden, lngl. 1763. «Observations of immersions and emersions of
Jupiter's first Satellite made at Funchal, in Madeira- ».
- J. Banks, Ingl. 1768. No relatório da 1.ª expedição de Cook ocupou-se da Flora
madeirense.
- Robins, Ingl. 1774, Bot. Maderense.
- Dr. Fotkergill, lngl. 1775. «On consumptien medical observations».
- De Bory, Franc. 1776. «Histoire et Memoires de 1' Academie Royale des
Sciences par lan 1772».
- Downe, Ingl. 1776. Flora of Madeira.
- J. Reinhold Forster, Alem. Estud. Bot. 1787.
- William Johnston, Ingl. 1788. Geo-Hydrographic survy of the Isle of Madeira.
- Dr. J. J. de Orquigny, Franc. 1789. Flore de Madére.
- James Bruce, Ingl. 1791.
- G. George Forster, Alem. 1787. «Plantae
Atlanticae», 1797, «Herbarum
Australe».
- Maria Riddell, Ingl 1792. Critic.
- J. Adams, Ingl. 1801. «A Guide to Madeira with an account of the climate».
- Robert Brown, Ingl. 1802. «Physicalische Beschreibung der Canarichen
(col. civon Buch) Inseln».
- Lieutenant Colonel Roberts, Ingl. 1802, «Plan of the Island of Porto Santo».
- U. G. Benet, lngl. 1811, E Sketc of the geology of Madeira.
- Dr. William Gourlay, Ingl. 1811. «Observations on the Natural History, Climate
and diseases of Madeira during a period of eighteen years».
- Chetien Smith, Norveg. 1815 «Narratfve of an expedition to explore the
(col. civon Buch) River Zaire».
- C. Fred. Philippe de Martins -Alem. 1817, Flora.
- Leopold von Buch - Alem. 1818, «Narrative of an Expedition to explore the River
Zaire in 1861 under the direction of Capitain J. K. Tukey».
- William Mudge – 1820, Ing. A survy of the Island of Porto Santo.
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História Literária da Madeira - Vol. I