História Literária da Madeira A LAIA DE PRÓLOGO... Em 1947, tendo concluído este trabalho - que primeiramente pensei intitular «Escritores Madeirenses», - após seis anos de bosquejos e de estudos, a Vereação Municipal do Funchal - então presidida pelo Vice-Presidente em exercício Prof. José Rafael Basto Machado e tendo como Vogais os Ex.mos Srs. Dr. Henrique de Freitas, Ernesto Honorato Ferreira, Romano de Oliveira, Tenente Domingos Cardoso e José Modesto da Trindade considerando esta obra de investigação e cultura dentro das condições previstas pelas disposições do Código Administrativo, deliberou, em sessão e por unanimidade, mandar editar este trabalho. Como após dois anos nada se adiantasse no sentido de mandar publicar o livro e tendo aparecido outras edições da Câmara posteriormente ordenadas pelo Presidente efectivo, Ex.mo Sr. Dr. Óscar Baltazar Gonçalves, soube directamente de Sua Excelência que tencionava publicar primeiramente outras obras e só possivelmente mais tarde, quando tivesse disponibilidades, cuidaria deste estudo. Então como considero que algumas dessas obras em projecto de edição Camarária podem de certo modo prejudicar a primazia e originalidade do meu modesto trabalho, resolvi dispensar o compromisso da Ex.ma Vereação, e agradecendo a todos a boa-vontade e o amável acolhimento que me dispensaram, proceder desde já, sob minha responsabilidade, à publicação do primeiro volume destas Notas & Comentários para a História Literária da Madeira. Santa Clara Funchal, 2 de Agosto de 1949 Visconde do Porto da Cruz História Literária da Madeira A História Literária do Arquipélago da Madeira, especialmente nos tempos mais recuados, exige um cuidado extraordinário, não só porque escasseiam os elementos, mas também porque a documentação que se encontra é assaz deficiente e por vezes confusa. Nas consultas a que procedi, por vezes, fiquei desorientado. As «Saudades da Terra», do Doutor Gaspar Frutuoso, e as «Notas» feitas pelo Doutor Álvaro Rodrigues de Azevedo e publicadas em 1873, assim como o «Elucidário Madeirense», a «Biblioteca Lusitana» e o «Dicionário Bibliográfico», foram magníficos auxiliares, de fácil consulta. Depois as preciosas informações que me deram outros amigos, como o Tenente Coronel Alberto Artur Sarmento, o Cónego António Homem de Gouveia, o Padre Eduardo Pereira, o Dr. Ernesto Gonçalves e o Prof. Doutor José Pedro Machado, assim como as facilidades que encontrei da parte de Rui de Orneias Gonçalves na Biblioteca Municipal do Funchal e de Álvaro Manso de Sousa no Arquivo Distrital para procurar e estudar textos, foram outros tantos valiosos auxílios para este estudo que empreendi. De quanto compulsei posso concluir que, de um modo geral, a História Literária, do Arquipélago da Madeira é como que um prolongamento ou projecção do que se verificava no Continente do Reino, em especial nos tempos mais próximos do Descobrimento. O Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo, nas suas «Notas» às «Saudades da Terra», dividiu o movimento literário insular era cinco períodos. História Literária da Madeira O primeiro - que ele classificou de «aristocrático» - vai de 1420 a 1556, o segundo - nomeado como «monarquico-clerical» - de 1556 a 1706, o terceiro - de 1706 a 1820; o quarto «inter-monarquico-liberal» vai de 1820 a 1834 e finalmente o quinto que o Dr. Rodrigues de Azevedo chama «monarquico-liberal» de 1834 a 1872. Sentem-se nestas denominações as influências que actuaram no autor, por que eram elas que dominavam no tempo em que ele viveu... Mas, seguindo o estudo do Dr. Rodrigues de Azevedo, nota-se que ele não incluiu todos os intelectuais que menciona no período em que deviam aparecer, segundo a época em que desenvolveram as suas actividades, relacionando-os umas vezes pela era em que faleceram e outras pelo nascimento. Não adopta portanto um mesmo critério. Parece-me mais lógico considerar aqueles que, de uma forma ou outra, deram as suas actividades para o enriquecimento da História Literária do Arquipélago, apenas consoante a época em que apresentaram as suas produções. E quanto á divisão dos períodos também facilita mais o estudo considerar o primeiro aquele que vai de 1420 a 1820; o segundo o que vai de 1820 a 1910 e finalmente o terceiro que vai de 1910 até o presente. E para facilitar as consultas fechará este trabalho com um índice alfabético apontando os períodos em que os Escritores desenvolveram as suas actividades literárias. Deste modo parece-me que simplifica o trabalho de consulta. Os CapitãesDonatários eram no Arquipélago da Madeira verdadeiros Reis História Literária da Madeira dos seus pequenos domínios, tendo uma «Corte» de palacianos e gozando extraordinárias prerrogativas e esplendores, conto na idade-média. Verifica-se pois a projecção da vida portuguesa, nos seus diversos aspectos e consequentemente também no campo literário, tal como era no Continente do Reino. Se o «Amadis de Gaula», de Vasco de Lobeira, influiu tão fundamente na literatura do XIV século que chamou a atenção de Cervantes, não é de estranhar que em Portugal marcasse características próprias, com temas que vinham dos feitos assombrosos dos nossos heróis das Descobertas e das Conquistas... O Povo entusiasmava-se apaixonadamente pelos «romances» que enaltecem os heróis nacionais, desde a luta gigantesca de Aljubarrota, glorificando Nuno Alvares, a «Ala dos Namorados» e El-Rei da Boa Memória. E a par desses louvores encontram-se as censuras ásperas para aqueles que traíram o pensamento português na defesa da independência. Na «Corte», porém, os Poetas-Fidalgos não se desapegam da Escola Espanhola. Afastam-se mesmo do sentimento ingénuo, tradicional, das «Trovas», para seguirem directrizes estranhas. No Cancioneiro de Garcia de Resende, entre um milheiro de composições de vários Poetas desse período, caracterizado pela «Poesia palaciana», aparecem vinte e nove poesias da autoria de oito Poetas-Fidalgos do Arquipélago da Madeira: - João Gomes da Ilha, Ruy de Souza João História Literária da Madeira Gonçalves da Câmara, João de Abreu, Manuel de Noronha, Ruy Gomes, Tristão Vaz Teixeira ou Tristão das Damas e Duarte de Brito. Temos pois um grupo interessante de intelectuais com suas produções do período mais recuado da vida literária do Arquipélago, onde as influências da escola espanhola têm um notável reflexo. Diz o Dr. Rodrigues de Azevedo que o Poeta madeirense Manoel de Noronha não sofreu, como os seus contemporâneos, a actuação da literatura espanhola. O Dr. Teófilo Braga, no seu estudo sobre «Poetas Palacianos» refere-se a uns versos satíricos com que Manoel de Noronha, fazia por atingir os camaradas das lides literárias. D. António de Velasco respondeu-lhe, esforçando-se por devolver a ironia... As «Notas» à» «Saudades da Terra» referem-se este episódio e o Dr. Rodrigues, de Azevedo acentua que «o grupo dos Poetas madeirenses deste período não constitui ciclo distinto e apenas ramo do ciclo continental, porque não tem tipo próprio». Há nisto contradição evidente com afirmações anteriores e posteriores do anotador das «Saudades da Terra». Analisando as produções do Cancioneiro verifica-se que os Poetas do Arquipélago da Madeira não se afastam muito da escola dos seus camaradas continentais, o que não desmerece o seu valor. Encarando outra modalidade literária da época - as Lendas, - com o seu História Literária da Madeira fundo religioso, vamos encontrar o gérmen da prosa histórica, tão característica desse tempo, a descrever os pormenores do Descobrimento e depois as apreensões da colonização. E a rematar as tendências da Escola temos ainda os «Estudos nobiliárquicos» ou de investigação genealógica, que bem se podem considerar como elementos subsidiários para a História. Esses trabalhos de linhagistas da época não só referem os factos mas descrevem também as figuras insulares do maior destaque, alongando-se a rebuscar pelo passado até onde as raízes se firmam na vida continental. Consultando estas notas das Famílias insulanas conclui-se que no XVI século começa a declinar o poderio dos Capitães Donatários, em consequência do revigoramento e expansão do poder Real, que se esforça, cada vez mais, por cercear os privilégios dos primeiros tempos e ir transformando os descentes dos grandes Senhores do Arquipélago apenas em mandatários, íntima e directamente subordinados ao Monarca. Seguindo esta investigação verifica-se que, no reinado da D. Manuel I, nas «Cortes» madeirenses há uma acentuada preocupação de imitar especialmente os serões literários do Paço, onde os Poetas apresentavam produções mais chãs, tomando, em regra, para pretexto, os galanteios e motejos. Fora desta esfera o gosto pela literatura tende a atingir maior incremento, libertando-se das praxes palacianas. Já mesmo, anteriormente, a Universidade abrira horizontes mais largos e os estudos de humanidades, se bem que não fossem tidos como de instrução pública, facilitavam a cultura e História Literária da Madeira desenvolviam os espíritos daqueles que os seguiam. A Capitania do Porto Santo, a Capitania do Funchal e a Capitania de Machico são três «Cortes em miniatura», onde o espírito de imitação do que se passa em Lisboa se reflecte fortemente. Conhecimentos literários e cultura artística, assim como requintes de educação, deviam ser mais perfeitos no Arquipélago, porque os filhos das famílias mais distintas ou mais abastadas, depois de um estágio na Capital iam, em regra, para os mais notáveis, centros de cultura e de progresso do estrangeiro a colher os benefícios de uma instrução esmerada e progressiva. Documentos coevos, dos períodos mais remotos, - como seja uma Carta Régia de Dom Manuel I, com data de 6 de Dezembro de 1515 e ainda uma Bula do Papa Leão X - mostram que já então existia a ideia fixa de desenvolvimento intelectual no Arquipélago, organizando no Funchal um núcleo educativo. E assim mandam criar a dignidade de «Mestre Escola» na Sé, Catedral, constituindo este diploma a primeira manifestação clara a favor da instrução pública na Ilha. O gosto pelas boas letras, para aqueles que estavam em condições de as apreciar, tinha no Arquipélago madeirense as mesmas tendências e o mesmo sentido que e encontra no Reino. Vamos pois deparar no movimento literário da Madeira com as mesmas características que marcam na Capital. E assim nos surgem as poesias narrativas, de sabor cavalheiresco e as poesias amorosas, tal como se ouvem nos serões, Reais. História Literária da Madeira Em Lisboa as lendas alargam-se em volta dos temas do mar e da crença. As façanhas, ainda frescas, da Descoberta e a posição geográfica da Madeira encontram, sem dúvida, neste meio novo, um ambiente mais propício, ampliado ainda pelo facto de numerosos Cavaleiros insulanos se lançarem, sedentos de glória e de honrarias, nas lutas travadas em África e na índia, seguindo, nas naus que aportavam ao Funchal, a juntar-se às forças portuguesas que não esmoreciam no desejo de dilatar a Fé e o Império. Também na defesa das Ilhas contra os assaltos temíveis dos «Corsários», que se tornam em ameaça perigosa, os madeirenses praticavam actos de bravura que os nobilitam. Tudo isto constitui outro manancial de motivos para enriquecer os descritivos que fixam, em prosa e verso, os feitos notáveis que mais tarde, no alongar dos tempos, se projectam na tradição popular. Assim as «novelas cavalheirescas» ocupam um grande lugar nas preferências literárias do Arquipélago da Madeira, até o ponto do entusiasmo insulano ir adoptar os nomes das personagens das produções românticas, não só para os filhos e descendentes dos Povoadores, mas também para localidades. E desta forma se explica que os documentos da época venham com numerosos Lançarotes e Tristões, trazidos das novelas emotivas. Esta influência perdura ainda, sendo vulgar nos nossos dias as crianças serem vítimas inocentes dos nomes mais arrevesados dos heróis e heroínas dos romances modernos que empolgaram os Pais ou os Padrinhos. Aos nomes novelescos das produções literárias transpunham-nos para localidades— como serve de exemplo a designação de Gaula para uma das História Literária da Madeira mais ricas freguesias do Concelho de Santa Cruz, que pode bem ser uma influência do romance de Vasco de Lobeira... Analisando os costumes insulares desta época, vemos que reflectem todas as tendências e características medievas, ainda nos fins do XVI século. O romance-narrativo apresenta-se Gomo a forma preterida nas mais remotas manifestações da literatura madeirense. O Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo, ainda nas suas «Notas», visando este assunto, reproduz várias composições, que provam esta observação, e ele encontrou na tradição oral do norte da Madeira. Na página 766 das «Notas» às «Saudades da Terra» afirma que «de uma só pessoa, mulher analfabeta, da freguesia do Porto da Cruz» obtivera por dictação de memória, além de muitos outros, três «romances» que ele considerou mais característicos e que arquivou «sem correcções para lhes conservar quanto possível o timbre e o sabor próprios». Cerca de meio século passado sobre estas investigações do Dr. Rodrigues de Azevedo ainda encontrei na tradição popular outras composições com as mesmas características, o que vem provar que não sofreu mudança o gosto dos insulanos por este género literário. Tem interesse estabelecer a comparação entre os «romances» que o anotador das «Saudades da Terra» registou nos fins do século passado e aqueles que eu colhi quando procurei organizar o meu estudo sobre «Trovas & Cantigas Madeirenses» em 1923. História Literária da Madeira As três produções que seguem foram aquelas que o Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo colheu no Porto da Cruz e que são de tipo genuinamente madeirense. Dona Galdina Era um Rei: tinha três filhas, mais lindas que a prata fina; namorou-se da mais velha, que se chamava Galdina. -Bem puderas tu, Galdina sê-la minha namorada: dorme uma noite comigo tu serás mui bem pagada. - Não permita Deus do Céu, nem na Verige consagrada, sendo eu vossa filha sê-la vossa namorada. Quando El-Rei tal ouviu foi numa torre fechada: dava-lhe pedras por pão, por bebida água salgada. No cabo de sete anos, Galdina solta deixavam. Fora por aí Galdina História Literária da Madeira aonde suas irmãs estavam. - Ricas irmãs dá minha vida, a quem eu tanto amava: dai-me uma gotinha de água. que eu quero expedir minha alma. - Vai-te por aí Galdina, Galdina desgraciada. Se nosso pai tal soubesse Sete vidas nos tirava Caminha por hi Galdina onde sua mãe estava: - Rica mãe da minha vida, a quem eu tanto amava, dai-me uma gotinha de água que quero expedir minha alma. - Vai-te por aí Galdina, Galdina desgraciada; por amor de ti Galdina, sete anos de mal casada. Fora por hi Galdina onde seu pai estava: - Rico pai da minha vida, a quem eu tanto amava, História Literária da Madeira dai-me uma gatinha de água que eu quero expedir minha alma. - Correi vassalos, correi a buscar água a Galdina em garrafinhas de ouro em copos de cristal fina. Cavaleiros não chegavam, Já Galdina morta estava, toda cercada de luzes que Deus do Céu lhe mandava; uma fonte à cabeceira e a Verige lha minava... Dona Eurives Andava Dona Eurives cá e lá, em triste andar, chorando Ias suas penas, que devia de chorar. Pregunta-lhe a Sogra: - O que tendes Dona Eurives, que não vos seja de agrado? História Literária da Madeira Fala ela: - Por Deus vos peço, a vós, Sogra, por Deus vos peço rogado, que em vosso filho vindo nada lhe seja contado: que eu vou-me além, ao castelo, carpir aquele finado. A falsa da, sua Sogra, para ver., o filho vingado, tudo que a nora lhe disse tudo lhe fora contado. Trouxe ele suas esporas, tinha o cavalo selado. E foi-se ao castelo e disse: - Deus vos salve a vós, Guardas deste castelo guardado. Dizei-me que gente é essa? que carpe nesse finado, Respondem eles: São Senhoras e Donzelas, cousa de grande estado; uma carpe lo marido, outras carpem cunhado... História Literária da Madeira e também a Dona Eurives carpe lo seu bem-amado. Fala o marido: Digam-me a essa Senhora que seu amor é pagado... Entre duas facas finas seu pescoço degolado, metido entre dois pratos a seu pai será mandado... Ouviu ela e disse Matai-me, já que a meu pai eu falar-lhe não sabia: que este é que era o meu amor, que eu a vôs não vos queria... De sete filhos que tive quatro são de vós, senhor... Os vossos vestem brilhante, os outros... triste rigor.. Digam todos que aqui estão, digam todos, toda a gente, se há pior coisa no mundo do que casar mal-contente. Ora a Deus, que eu vou-me embora com meu amor, para sempre...! História Literária da Madeira Abraçou-se com o morto, morreu e foi a enterrar com ele A do Jardim do seu recreio Passeava uma Princesa, tão linda, tão engraçada, mais linda que a flôr-bela; o seu nome era Lisarda. Seus desvelos e cuidados eram do jardim as flores, que ela até li não sabia que coisa eram amores. Uma tarde, por acaso, um Príncipe à caça andava, lá nos altos sobranceiros, a par do jardim estava. Lisarda põe-lhe os olhos, tão simples, tão inocente; porém com seta de amor seu peito ferido sente. E diz: - O meu amor não tem alteza; eu vou arriscar quem sou, vou arriscar minha fama, História Literária da Madeira de amor falar-lhe vou... Responde-lhe sua Dama: - Sossegai vossa excelência Advirto que não convém arriscar a sua fama por amor de um querer-bem. Responde ele: - Esta jóia, Dama minha, de alviçara vos ofereço, que eu hei-de vir a gozar uma flor que mal conheço. Diz a Dama - Adeus, senhor Dom João, haja segredo e cautela, que eu lhe prometo ser sua essa rica flor tão bela. Ele: - Ora adeus, querida Dama, dize ao meu serafim que à noite lá terei à porta do seu jardim. Vai a Dama e fala a Princesa: História Literária da Madeira - Agora, minha Senhora, pode ficar mais segura, que logo a feliz pessoa o seu amor lhe aventura. Diz a Princesa: - Esta tarde, Dama minha, minhas jóias vou ajuntar porque à noite pretendo c'o Príncipe me ausentar. Chega, chega noite escura, dos amantes desejada, para que eu feliz alcance uma prenda, prenda amada! Chega o Príncipe: -Vós estais hi, querida d'alma, minha afeição adorada? Responde ela: - Eu cá estou, lindos meus olhos, prenda minha, prenda amada! Diz ele: - Dai-me cá os vossos braços que neles me quero ver, História Literária da Madeira para ver se apago o fogo que em meu peito sinto arder. Responde ela: -Aqui tendes los meus braços, juntamente o coração. Também me pode receber por Mulher a vossa mão. Vamos embora daqui, antes que eu seja sentida, que logo toda pessoa ignore minha fugida. Diz-lhe ele: - Montai-vos aqui, Senhora, nas ancas deste cavalo, que aqui his bem segura sem sofrer nenhum abalo. Ela, a carpir: - Mala fortuna me leva mala fortuna me guia. Não sei se me furta um Rei se homem de baixa valia. Fala ele -Calai-vos, minha Senhora, História Literária da Madeira não choreis, minha alegria, que também creio que em França mais claras águas havia. Tenho janelas e Paços, coisas de grande valia Tenho vinte e quatro Damas para vossa companhia. Tudo isto tenho pronto para Vossa Senhoria. Ela - Adeus janelas de vidros, adeus palácios reais; janelas onde eu via os venturosos cristais, Ó adeus Pai da minha alma que eu me vou p'ra terra alheia. A vossa casa, vazia, sempre p'ra mim fora cheia! Ó adeus Mãe da minha alma adeus Mãe da minha vida que hoje se ausenta de ti tua filha tão querida. Se alguém mais quiser saber História Literária da Madeira parte da minha fugida, pergunte em dia d' amores deles me vou bem ferida. Cupido vai pela serra, vai chorando, que tem dores. Vai dizendo: «viva, viva! Morra quem não tem amores». Foram estas composições que no ultimo quartel do Século passado o Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo recolheu da tradição oral do povo do norte da Madeira. Como se vê, a projecção do estilo e do sentir da escola dos tempos idos, com o seu sabor e originalidade bem característicos mantêm-se ainda na poesia popular. Por volta de 1923 quando apresentei na Associação dos Arqueólogos, a minha comunicação sobre «Trovas e Cantigas da Madeira» numa sessão de estudo presidida pelo Doutor Luís Xavier da Costa e com a assistência honrosa de Mestres entre outros, o Doutíssimo Doutor Leite de Vasconcelos, Matos Sequeira e Conde de Nova Goa, referi-me a estes «romances» e ainda a alguns outros que eu ouvira em criança a uma velha Criada que tínhamos como pessoa de Família pois que se encontrava na Casa desde os tempos da minha Trisavô materna, «romances» que nunca mais esqueci. São verdadeiras histórias populares e que pude comparar com as produções recolhidas pelo Dr. Rodrigues de Azevedo, chegando à conclusão de que se manteve o mesmo gosto, o mesmo estilo e o mesmo sentido. A história da História Literária da Madeira «Dona Olinda» obtive-a há pouco mais de seis anos, mas julgo-a muito característica, fazendo lembrar «A Nau Catarineta», História de Hermínia Andava Herminia na serra desviada dos pastores. Passa um belo passarinho falando com os seus amores. - Generoso passarinho, - a pastora assim dizia não sabes como m'alegra a tua doce harmonia! Por isso mê passarinho tu tens razão de cantar. Só eu tenho o meu amor que a mim me faz chorar. - Cala-te linda pastora não te ponhas a chorar qu' ainda não se perde o tempo do teu amor te falar, - Bem podias passarinho minha pena aliviar; debaixo de tuas asas uma carta me levar. História Literária da Madeira - Como posso, ai pastora, te fazer essa vontade? É que amores sem se verem nunca matam na saudade. - Já é tempo passarinho de saberes o direito que um amor quando se escreve logo fica satisfeito. - Eu não digo que não sigas a tua inclinação! Se pensas que és ditosa desengana-te, que não! - Olha quela já sou casado e bem me tenho arrependido; se não fosse casado nem me tinha afligido. Como fazes tanto gosto d' eu falar a teu amor. Herminia escreve uma carta que é serei portador. Escreve Herminia uma carta, escrita cum sua mão, c' uma pena que tirou História Literária da Madeira do seu pobre coração. Oh! falsão me és ingrato! Eu já te tenho encontrado à porta d' outro amor. Recebe-me esta cartinha meu querido portador. Vai-te embora passarinho Deus te leve a salvamento P`r á vista do meu amor que eu nam vejo ha muito tempo. Vai-te embora passarinho p'r'á vista do meu bem o que entre nós é passado nam se conta a mais ninguém. - Escute Dona Hermínia o que lhe vou perguntar: - o nome de seu amor p'ra quando eu lhe falar. - O seu nome é Gregório. Assim lhe has-de falar: -" Deus vos salve, Senhor, que ao parsar assim falava, aqui tendes esta carta História Literária da Madeira que vos manda la vossa amada." Recebe Gregório a carta todo cheio de alegria; perde todo lo sentido sem saber n' o que fazia! - Escuta! diz cuma foi que falastes a meu amorzinho qu' eu moro tam longe dela doze horas de caminho! - Andava mais mê amor me divertindo no prado vejo Hermínia na Serra a pastorar lo seu gado: Logo que ela m' avistou me pediu por favor que lhe trouxesse nas asas uma carta a seu amor. Como penas d' amor custam quando são do coração eu quiz-me compadecer d' ela tive compaixão. - Leva-lh' este coração com esta chave metida História Literária da Madeira que dentro dele se fecha até lo dia da partida. Volta atraz meu passarinho ouve bem no que te digo: ela que s' apronte à pressa se quizer vir ter comigo. Generoso passarinho qu' és livre de meu tormento que lindas novas sam essas com tanto contentamento. - Escute Dona Hermínia o que já vou contar que s' apronte a toda a pressa p' ra cum Oregório caminhar. E como tu, meu passarinho tivestes de mim cuidado já ficas tu convidado p'ra Io dia do noivado. Já vem Gregório, já vem, já vem dos altos da Serra; traz dois cavalos brancos parece que vai p'rá Guerra. Que já vem buscar Hermínia História Literária da Madeira destas montanhas da Serra. - Venho buscar-te Hermínia desta triste solidão qu' eu seí qu' estás disposta a viver com tanto brio. Venho te buscar Hermínia Diz-me se queres ir comigo. - Afasta-te oh Cavaleiro afasta-te mais um tanto que antes qu' eu daqui caminhe quero fazer meu pranto. - Adeus brutos animais, minha doce companhia que ouvias los meus ais a toda Ias horas do dia. Adeus altos arvoredos que minha honra guardaste das folhas foi lençóis que minhas lágrimas limpaste Campos verdes são penosos por onde eu penas passei. Já logrei o meu amor Agora descançarei...» História Literária da Madeira Lá partiram os dois amantes lá se pozeram a caminho sem levar ninguém consigo senão lo passarinho. Quem estes versos souber que los traiga na memória. Quem quizer tratar d`amores que aprenda por esta história... Não se pode dizer que é uma «famosa» poesia nem que o romance de amor é maravilhoso mas verifica-se que no gosto, no estilo e no sentimento pouco difere daqueles que o Dr, Rodrigues de Azevedo colheu, concluindo-se que o Povo guardou a tradição dos antigos romances. Ainda mais acentuadamente característica é outra história que circula nos tempos presentes, fazendo o enlevo de camponeses nas longas noites de Inverno, contada nos serões nas cozinhas de colmo onde a família se reúne... Dona Olinda Dona Olinda no seu jardim assentada com pente de ouro não mão seus cabelos penteava. Olhou para aquele mar e nele viu grande armada. O capitão que nela vinha, bem n' a comandava. - Dizei-me senhor Capitão dizei-me pela vossa alma História Literária da Madeira se o marido que Deus me deu se vem nessa vossa armada ? - Nunca vi, nem n' o conheço. Só se sinais dele tivera... - Montava um cavalo branco com sua sela amarela! - Esse matou-o um francez nas costas de Inglaterra; Mas que dareis vós senhora a quem aqui vol-o trouxera tal qual como ele era? - Trez moinhos que eu tenho todos trez a ti os dera. - Não quero vossos moinhos que são para vos sustentar. Sou vassalo de Castela não venho negociar. Mas que dareis vós senhora a quem aqui vol-o trouxera tal qual como ele era? - Trez quintas que eu tenho todas trez a ti t'as dera. História Literária da Madeira - Não quero as vossas quintas que são para vos recrear. Sou vassalo de Castela não venho p' ra qui morar. Mas que dareis vós, senhora a quem aqui vol-o trouxera tal qual como ele era? - Trez filhas que tenho todas trez a ti t' as dera. - Não quero as vossas Filhas que vos custou a crear. Sou vassalo de Castela não me venho aqui casar. Mas que dareis vós, senhora a quem aqui vol-o trouxera tal qual como ele era? - Não tenho mais que vos dar nem vós mais que pedir. - Dai-me sim vós, Senhora vosso corpinho gentil. - Meus criados e escudeiros arvorai minhas bandeiras, vinde prender Cavaleiro que vem de terras alheias. História Literária da Madeira - Vinde cá minhas trez Filhas, a do meio e a mais velha, vinde abraçar vosso Pai que vem de terra alheias. Tendes trez sinais no rosto todas trez à mesma banda, um é meu, outro é vosso outro é de quem vos ama. Esta composição mostra como chegou até os nossos dias o gosto pelas histórias cavalheirescas, no Arquipélago. Se a influência da nossa literatura se dilatou na proporção em que os nossos heróis das Descobertas e das Conquistas de além-mar iam "dilatando a fé e o Império", especialmente nesse esplendoroso século XIV, não é para estranhar que na Madeira essa mesma influência se radicasse tão fundamente, de modo a seguir com idênticas características e apenas com a diferença de um cunho particularista e regional. No século XV, muito em especial depois do assombroso reinado de El-Rei Dom João I.°, o intelectualismo e a literatura tomaram em Portugal um progressivo desenvolvimento. O Povo manteve o seu culto apaixonado pelos "romances", sem cuidar dos entusiasmos das influências com que se deixaram ir para escolas estranhas os Poetas-palacianos. História Literária da Madeira As paráfrases, os trocadilhos e a erudição, num estilo frio e monótono, que preferiram os letrados, não sensibilisaram a alma popular e por isso o genuíno sentimento português ali se firmem bem vincado. Assim o indicam as diversas composições, coligidas por Garcia Resende no Cancioneiro. No século XV é especialmente a História que progride, com uma forte personalidade, como evidenciam os trabalhos de Fernão Lopes e de Gomes Eanes de Azurara, embora este não conseguisse atingir o seu ante sucessor no plano a que se elevou. No reinado de Dom Duarte I.° foi verdadeiramente notável ó desenvolvimento literário em Portugal e ainda, em proporção, mais importante se revelou no Arquipélago da Madeira, onde aparece um núcleo de Poetas e de Escritores marcando uma posição de notável destaque. Sente-se, porém, no lirismo do ciclo poético da Ilha da Madeira, uma forte influência da Escola Espanhola misturada de motivos nórdicos. E' nisto que se diferenciam os intelectuais madeirenses, da maior parte dos contemporâneos e camaradas continentais. Nas suas «Notas» afirma o Dr. Rodrigues de Azevedo que o primeiro poeta insulano que foge a estas influências foi Tristão das Damas. Porém logo a seguir, na página 772 da mesma obra encontramos a transcrição de uns versos do mesmo Tristão das Damas em cuja critica o Dr. Azevedo diz que esses versos «teem um artificio e subjectivismo próprios da tradição provençal da Escola Aragoneza». E pois contraditório com o que antes afirmara, assegurando que não sofrera influências estranhas. História Literária da Madeira Nas «Notas» às Saudades de Terra o Dr. Rodrigues de Azevedo declara que o lirismo do «Ciclo Poético da Ilha da Madeira» é provocado pela influência da poesia aragonesa, conhecida em Portugal pelo casamento e relações políticas de El-Rei Dom Duarte. Esta Escola prevaleceu até a Regência do Infante D. Pedro, que seguiu o partido de Álvaro de Luna, Condestável de D. João II de Castela, contra os Infantes de Aragão. Na Escola da Madeira ainda se encontra a impressão das tradições inglesas na formosa lenda de Machim.» Vem a propósito desta lenda inglesa de Machim, deixar bem explicito que tudo o que se tem dito e escrito durante séculos, em volta de um suposto súbdito britânico de nome Robert Machim, não passa de pura e simples literatura. O tema, de facto, presta-se a fantasias românticas. Mas saindo do campo literário e do lirismo para entrar na realidade é de justiça dar o devido relevo a um estudo interessante do General Brito Rebelo que em 1894 publicou com um curioso documento onde se encontram bem expressas certas referencias a casas, em Lisboa, que em 1379 partilhavam com um tal Machico. Este documento encontrou-o o General Brito Rebelo no Arquivo da Torre do Tombo L.° 2.° de D. Fernando, fls. 42. Ora desde que entre 1379 e 1417 havia em Lisboa um Marítimo de certa categoria com o nome de Machico, porque não admitir que outro homem dessa família, ou mesmo ele, fizesse parte da frota de Zarco? E não seria esse homem que, por qualquer circunstância desse o seu nome à localidade de onde tem saído motivo para tanto lirismo? Como mais adiante se verá e como já se fez referência anterior, a fantasia do romance de Robert Machim e de Ana d' Arfet teve outras origens e outros propósitos, bem diversos das inspirações e devaneios de poetas e prosadores... História Literária da Madeira Mas voltando às «Notas» do Dr. Rodrigues de Azevedo, nos comentários ao período da Poesia palaciana e das principais figuras literárias dessa época, vemos que discorda do parecer de que o Ciclo de Poetas Madeirenses, com sua escola distinta, se destaque do Ciclo de Poetas Continentais - página 773. O Dr. Teófilo, Braga porém, não abraçou este critério e reivindicou para a Ilha da Madeira a honra e o orgulho de possuir uma Escola Literária bem definida já no seu mais remoto período literário. Seja como for o que se verifica também é que os romances, as trovas e outras manifestações literárias que se registam desde os primitivos tempos da colonização nos permitem fazer um juízo da grande cultura que havia no Arquipélago nos séculos XV e XVI, assim como da infiltração do gosto poético nos meios populares e das preferências pela poesia medieva e pelas narrativas e histórias cavalheirescas. Na tradição literária da idade média a lenda tem uma grande amplitude. Assim, seguindo-se no Arquipélago Madeirense os gostos e as ideias do Continente do Reino, as lendas encontraram, como é lógico, nas novas Ilhas descobertas no alvorecer do Século XV, um ambiente propício. Diz o Dr. Rodrigues de Azevedo que: «a lenda romantico-atlantica por excelência, o drama fantasioso da epopeia oceânica, é a lenda madeirense de Machim e de Harfet, mito sublime dessa quadra heróica das pavorosas explorações do Mar de trevas. Sem ter sido realidade positiva, como alguns pensam, é certo que o caso de Machim e d' Harfet consubstancia em toda a verdade psíquica, a fusão do espírito erótico aventuroso da idade média, com as tragédias dos descobrimentos marítimos.» História Literária da Madeira A prosa histórica, com diversas modalidades e em volta de variados motivos, desde as narrativas aos bosquejos genealógicos, tem como projecção muitas fantasias que vão entroncar-se nas lendas de fundo religioso, como podem servir de exemplos a lenda de Nossa Senhora do Monte e a «história» da fundação do Convento das Mercês, mais conhecido por Convento das Capuchinhas. Da trabalhosa e demorada investigação de elementos para abrir caminho que facilitasse chegar à História Literária do Arquipélago da Madeira no seu período mais remoto, é muito possível que tivesse ficado por analisar ou esquecesse muita coisa que mais tarde virá por outros investigadores, que encontram já este campo meio desbravado e venham a descobrir, levando-os por ventura a conclusões que presentemente não achei. Em 1923, numa Sessão de Estudo na Associação dos Arqueólogos apresentei um ligeiro esboço da vida literária do Arquipélago e das influências que nela actuaram. Mais tarde, nos números de Março e Maio de 1939, publiquei na "Revista Portuguesa" um texto sobre o mesmo tema que pode, de qualquer modo, auxiliar as tarefas da investigação. «Desde os tempos da Descoberta, na madrugada do XV Século, até o Século XVI, afluíram ás Ilhas do Arquipélago da Madeira povoadores de origens e de nacionalidades diferentes. Também os Mouros se tornaram um elemento importante de população, que perdendo o seu aspecto heterogéneo, dominada e nacionalizada pelos Portugueses, contudo aparece, em fim, com um cunho e um carácter vincadamente português, mas ao mesmo tempo com uma curiosa originalidade. História Literária da Madeira A rudeza dos costumes e dos impulsos brutais que marcam com traços fortes a meia-idade, sucedem-se as etiquetas, os galanteios e os requebros fidalgos. Assim também na literatura, que é sempre o reflexo da alma de uma época, da poesia narrativa, adstrita aos tempos bélicos, se passou à poesia discursiva, cheia de argúcias e de críticas, ou repassada de erotismos. A vida palaciana é o fulcro desta verdadeira transformação intelectual, As camadas inferiores da população, sempre afectas ao tradicionalismo não encaram com bons olhos as novas tendências que lhes levam o seu viver e o seu sentir de séculos, pretendendo até arrancar-lhes as vibrações da Alma que em trovas, em versos e canções se expande. Desta arte, suplantada na vida palaciana a poesia narrativa, esta vai refugiarse no meio popular, onde até agora, mais ou menos, se tem conservado com seus foros de poesia popular e tradicional. Ora é esta alma arreigada às tradições e aos costumes da Raça Portuguesa, que passa ao Arquipélago da Madeira e aqui, fundindo-se com as correntes estranhas, trazidas pelos povoadores de diversas procedências, dá-nos esse tipo inconfundível que caracteriza os insulanos. E seguindo esta ordem de ideias vê se que à poesia de reminiscências medievais dos Povoadores juntaram-se harmonicamente, formando um conjunto curioso, o figurado e a melopeia das composições árabes. Todos estes elementos, que constituíram o núcleo de população e da vida madeirense, formaram também a fonte de riqueza, da variedade e de colorido original que deparamos no «Folclore» do Arquipélago da Madeira e que mal se explica como ainda é tão mal conhecido e apreciado». É de justiça dar o primeiro lugar na relação dos Escritores que, de qualquer História Literária da Madeira modo, deram a sua colaboração para o desenvolvimento literário no Arquipélago, a Gonçalo Aires Ferreira. É de justiça porque logo após a chegada dos portugueses à Madeira, ele, que foi um dos companheiros mais íntimos de João Gonçalves Zarco, cuida, sem perda de tempo, de fixar numa descritiva simples mas exacta tudo quanto ele viu. Se não fossem as suas «memórias» com a narração do Descobrimento teriam talvez tomado directrizes diversas as outras produções sobre a história da Província Atlântica da Madeira. Quando começam a prosperar as novas terras portuguesas aparece com a autoridade de testemunha presencial de tudo quanto narra, esse Gonçalo Aires Ferreira que foi companheiro do Capitão João Gonçalves Zarco. Escreveu Gonçalo Aires a primeira memória sobre a geração de Zarco e a crónica relativa ao «Descobrimento da Ilha Madeira» Esta narração foi considerada, com justiça, a mais exacta descrição do feito. Diz o Padre Fernando Augusto da Silva que «Gonçalo Aires Ferreira foi o mais distinto companheiro do primeiro Descobridor, não só pela sua nobre ascendência mas ainda pela ilustração que possuía». Isto se encontra, textualmente, na página 398 do Elucidário Madeirense, na informação sobre «Ferreira (Gonçalo Ayres)». Ainda a propósito de Gonçalo Aires Ferreira e da sua descrição da Descoberta do Arquipélago lê-se nas «Saudades da Terra» do Dr. Gaspar Frutuoso, que o 6.° Capitão Donatário do Funchal, João Gonçalves da Câmara, 2.° Conde da Calheta «trazia no seu escritório o Descobrimento da História Literária da Madeira Ilha da Madeira, o mais verdadeiro que até agora se achou; o qual dizem que foi feito por Gonçalo Ayres Ferreira, que foi a descobrir a mesma Ilha com o primeiro Capitam João Gonçalves Zarco, e como este Descobrimento competia aos Capitães da mesma Ilha, eles o traziam no seu escritório como cousa hereditária de descendentes em descendentes. E sendo pedida informação desta Ilha da Madeira, de minha parte, ao Reverendo Cónego da Sé do Funchal Jerónimo Dias Leite, tendo-o ele visto em poder do dito Capitão João Gonçalves da Camara, lh' o mandou pedir a Lisboa, onde então estava, e ele o mandou trasladar pelo seu Camareiro, Lucas de Sá e lh' o mandou escrito em trez folhas de papel, da letra do dito Camareiro (porque o Descobrimento não faz missão disso) lhe mandou dizer que Gonçalo Ayres Ferreira, o qual fora um dos Creados que Zarco, primeiro Capitão, lá levara, escrevera tudo que viu com seus olhos e como não era eurioso nem homem docto, o notará com ruda minerva, sem ai composto». Este texto, que consta do trabalho do Doutor Gaspar Frutuoso, leva à conclusão de que o Manuscrito de Gonçalo Ayres Ferreira era já então considerado como a mais verdadeira e exacta descritiva do feito da Descoberta. Também a correspondência regular entre o autor das «Saudades da Terra» e o douto Cónego da Sé do Funchal, Jerónimo Dias Leite, que não só estudou as memórias de Gonçalo Ayres mas ainda as completou e ampliou, mostra que se houvesse qualquer dúvida sobre a autoria do Descobrimento, teria dito, de qualquer forma pelo menos para não firmar um erro. Ora sendo o Cónego Jerónimo Dias Leite quem fornecia ao Doutor Gaspar Frutuoso o melhor material que obtivera como fruto de constantes estudos e História Literária da Madeira investigações, para que as «Saudades da Terra» fossem um trabalho exemplar, desde que então deparasse o Cónego Leite com argumento que pudesse levantar dúvida, jamais teria sido tão preciso, E ainda as informações de Lucas de Sá, Camareiro do 2.° Conde da Calheta e 6.8 Capitão Donatário do Funchal são absolutamente precisas pondo de parte a lenda que mais tarde se formou, atribuindo a Francisco de Alça/orado a autoria da história do «Descobrimento da Ilha da Madeira». As Notas do Doutor Álvaro Rodrigues de Azevedo - páginas 352 a 366 põem de parte Francisco de Alcoforado e para melhor esclarecimento, o Escritor - página 353- apresenta o texto da Epanafora de D. Francisco Manuel de Mello, ao lado do Texto da Relation Historique, atribuída a Francisco de Alcoforado e antecedendo estes textos que facilitam a sua comparação, o Doutor Rodrigues de Azevedo explicou que o fazia: «para que de um lanço de olhos os incáutos se desiludam». Quando chegarmos à altura de nos ocuparmos de Francisco de Alcoforado farei por desenvolver o assunto transcrevendo quanto a seu respeito tenho encontrado. Mas dentro desta documentação e com os argumentos expostos não devem pois restar dúvidas de que a primeira história do Descobrimento foi da autoria de Gonçalo Ayres Ferreira. Dizem ainda as «Saudades da Terra» que era ele tão amigo e considerado de Zarco que «quando faleceu, Zarco o mandou sepultar em Nossa Senhora de Cima, na Capela-Mor, que era o jazigo que para si e sua Mulher e Filhos havia feito». História Literária da Madeira Consultando a documentação relativa ao mausoléu de Zarco conclui-se que era uma enorme urna funerária erguida em frente do Altar-Mór da Igreja de Santa Clara e tão volumosa que as Freiras não podiam, do coro seguir o Sacerdote quando celebrava a missa. Por esta razão foi removido esse sumptuoso mausoléu não se sabe para onde, pois que no Carneiro dessa Capela ainda se encontram numerosas sepulturas dos Capitães Donatários, sucessores de Zarco e as Cinzas do Descobridor, depois da remoção do sarcófago foram parar à sepultura de seu genro, Martim Mendes de Vasconcelos, marido que foi de Dona Helena Gonçalves da Câmara, que ali está, ao fundo da Igreja, com seus descendentes, havendo uma lápide tumular com inscrição. A rubrica de «Capitão da Ilha» que se encontra no Cancioneiro refere-se a João Gonçalves da Câmara, também mencionado simplesmente por João Gonçalves. Este Poeta era o filho primogénito do Descobridor e foi quem lhe sucedeu como 2.° Capitão Donatário do Funchal. Era tido como «grande motejador» e parece que dado às sátiras. O Dr. Rodrigues de Azevedo refere-se às trovas que João Gonçalves da Câmara fez a D. Francisco de Biveiro, «que andava negociando em dar uma mula e touca, tabardo e sombreiro a uma dama, que lhe os pedira, e era recado falso». Conta também que «entre outros versos contra Jorge de Oliveira, rendeiro da Chancelaria apodando-o de ter levado doze mil Reis ao Poeta Jorge de Mello por um padrão de despacho» mostra a sua veia mordaz. Nessas composições assina «João Gonçalves, Capitão». Ainda a propósito do espírito satírico do 2.° Capitão Donatário do Funchal reproduz nas «Notas» os versos que João Gonçalves da Câmara compôs, visando D. História Literária da Madeira Francisco de Biveiro, por causa dos insucessos amorosos do poeta-fidalgo. «Se se sofrer em verão eu vos tenho enculcada envençam, que vem cosida e talhada. Loba aberta alaranjada que aqui fez um bom senhor, com que irá mui bem betada, e mais vestida de côr». D. Francisco de Biveiro, que foi casado com uma neta de Zarco, deu sorte com o motejo e por sua vez compôs resposta em verso dirigindo a «João Gonçalves, Filho do Capitão». Isto vem reforçar a tese de que o Poeta do Cancioneiro era o mesmo filho de Zarco. No dizer do Padre António Cordeiro, João Gonçalves da Câmara era muito conhecido pelo «Porrinha» por trazer sempre consigo um porrete. Gaspar Frutuoso diz que foi Poeta engenhoso e guerreiro de grande valor, tendo-se notabilizado nos combates de Arzila e Ceuta. Gozava de tal prestígio que o Conde de Gijon não teve dúvidas em consentir que casasse com sua filha, Dona Maria de Noronha, que era neta de El-Rei Dom Henrique de Castela. História Literária da Madeira Foi deste casamento principesco do 2.° Capitão Donatário do Funchal que nasceu um dos mais notáveis Poetas da sua época e que figura no Cancioneiro de Garcia de Resende. Diz o Dr. Ernesto Gonçalves «que no período em que viveu João Gonçalves da Câmara fazer versos era unta prenda de educação, tal como hoje é de boa sociedade jogar o «Bridge» e que em sua opinião o espírito poético de João Gonçalves da Câmara lhe daria jus a ser considerado, quando muito, como poeta medíocre. É de João Gonçalves da Câmara esta composição que vem citada no Cancioneiro com a rubrica: O Capitão da Ilha (João Gonçalves), assim como a que primeiro transcrevi e que o anotador das «Saudades da Terra», Doutor Álvaro Rodrigues de Azevedo também apresentou. Foi-me fornecida esta composição pelo meu doutíssimo amigo Doutor José Pedro Machado, um dos intelectuais mais cultos e eruditos da nova geração. «A ora ei por perdida que passo sem na olhar, vendo-a me custa a vida que m' outra não pode dar, nem tomar. Porque se não pode achar quem tanto poder tiver, se não em quem eu disser.» Outra, também, de João Gonçalves da Câmara, talvez menos interessante que as anteriores. História Literária da Madeira «A meu ver não é culpado em ser cristão, nem erro porque bem no refertou, e mal em que lhe pesou, lh' o fizeram ser forçado. Dali lhe ficou tenção de ter mui grande cenrreira a qualquer fiel cristão, e a derradeira bem sem trégua no perdão». Os versos de Tristão Vaz Teixeira ou Tristão das Damas, que merecem a critica do Dr. Rodrigues de Azevedo nas suas «Notas», têm um cunho muito pessoal e uma curiosa e engenhosa originalidade nos trocadilhos e na finura de espírito, mostrando a elegância de dizer e a alma emotiva do 2° Capitão Donatário de Machico. «Folgo muito de vos ver, sei bem que vos quero bem, pesa-me; quanda vos vejo. com quanto dano me traz. Como pode aquisto ser, se ver-nos é, meu desejo? Mas isto é para descrer, ter, Senhora, tão grão pejo, Isto não sei o que faz, morrer muito por vos ver, nem de onde tal mal me vem, pesa-me quando Vos vejo». Estes versos figuram no Cancioneiro e mostram o valor do Poeta-fidalgo que História Literária da Madeira abrilhantou o Ciclo Poético da Ilha da Madeira. De Tristão das Damas há mais composições todas mais ou menos dentro do mesmo gosto e com a mesma orientação. «Da pena a mais pequena porque tal prazer houvesse pêro tarde me acordei, que não vivesse morrendo. meus olhos tapar vos ei. Ao menos não sentirei Cá me vejo com tal pena, o que vista mais me ordena. sem me poder remediar, que m' é forçado tapar De vos ver ou não vos vendo os olhos, por não olhar não sei certo qual quisesse, que vendo mais mal m1 ordena». Ainda outra poesia do famoso Tristão das Damas: «Se ventura me ordenasse, que vos já mui cedo visse, como queria, posto que me Deus matasse, porque tal prazer sentisse, folgaria. Folgaria por cuidar de vos ver como desejo esperando de escapar ao meu mal mortal sobejo, que não sei que me causasse porque deste mal partisse História Literária da Madeira só um dia, salvo se Deus ordenasse, que vos já mui cedo visse, como queria», Este Tristão Teixeira, Capitão Donatário de Machico, que tem representação no Cancioneiro, não se deve confundir com seu Pai, Tristão Vaz, que foi o primeiro Donatário daquela Capitania. Garcia de Resende indica-o como «um dos aventureiros que realizaram as expedições marítimas começadas no principio do século XV». A proporcionar a confusão temos os Escritores António Galvão, Damião de Góis, Padre António Cordeiro e José Soares da Silva, que mencionam o primeiro Capitão Donatário de Machico - que era Tristão Vaz, - por Tristão Vaz Teixeira. Ora isto é um erro. O apelido Teixeira pertenceu à Mulher de Tristão Vaz Dona Branca Teixeira, fidalga da Casa de Vila Real. Não é lógico que o marido fosse usar-lhe o apelido. Seus filhos, a principiar no Sucessor na Capitania e portanto o célebre Tristão das Damas, é que usaram o apelido materno. Tristão Vaz - o primeiro Capitão Donatário de Machico - tinha por brasão de armas uma Fénix em campo azul. Foi seu filho e sucessor, esse Tristão Vaz Teixeira ou Tristão Teixeira, mais conhecido por Tristão das Damas, quem juntou nas armas quarteadas uma Cruz aberta e uma flor-de-lis, provindas de sua Mãe. História Literária da Madeira Azurara nomeia-o somente por Tristão ou Tristão da Ilha. Gaspar Frutuoso, nas «Saudades da Terra», cita o testamento do primeiro Capitão Donatário de Machico, Tristão Vaz, mas não menciona o apelido Teixeira, que de facto ele não tinha nem usava. Diz ainda Frutuoso que Tristão das Damas foi guerreiro valoroso, «muito cortezão e grande dizedor, que fazia muitos motes às damas». Teve, como é natural, uma vida faustosa mas algumas vezes agitada. Morreu em Machico onde jaz sepultado na Capela de S. João da Igreja Paroquial, em cujo arco ele mandou esculpir o escudo com o seu brasão de armas: - a Fénix, a Cruz aberta e a Flor de Liz. Essa Capela foi igualmente construção sua e desde logo a destinou para mausoléu dos Capitães Donatários de Machico, Manuel de Noronha foi o 4.° filho nascido do casamento de João Gonçalves da Câmara, 2.° Capitão Donatário do Funchal, com Dona Maria de Noronha. Este neto de Zarco foi uma das figuras mais notáveis nos meios literários da sua época. Era irmão do 3.º Capitão Donatário. Simão Gonçalves da Câmara, conhecido na história insular pelo «Magnifico». A rubrica do Cancioneiro menciona Manuel de Noronha como «o Filho do Capitão da Ilha da Madeira». O Dr. Teófilo Braga diz que foi pai e avô de senhoras que vieram a casar com poetas da Corte, o que não é exacto. História Literária da Madeira Rebuscando à documentação genealógica e ainda segundo as «Saudades da Terra» chega-se à conclusão de que apenas casaram duas das dez filhas ele teve dos seus dois matrimónios. Os maridos destas duas fidalgas eram de facto palacianos mas não resma as crónicas que fossem poetas. Houve, é certo, netas de Zarco quê se casaram com Poetas palacianos - uma com Duarte de Brito, outra com Ruy de Souza, uma outra com Ruy Gomes da Grã, ainda outra com João Rodrigues de Sá é finalmente a quinta com D. Luiz da Silveira. Nenhuma destas senhoras era filha de Manuel de Noronha mas sim sobrinhas, filhas dos Condes de Vila Nova de Portimão. A maior parte das poesias de Manuel de Noronha perdeu-se, infelizmente. Porém o alto mérito literário e a sua sensibilidade de Artista ficaram na tradição intimamente ligadas ao - florescimento da Escola Poética da Ilha da Madeira, de que ele foi um dos mais notáveis e fulgurantes elementos. Das poesias que chegaram até nós; posso apresentar algumas que me facultou a amabilidade do meu talentoso amigo Doutor José Pedro Machado. «De Manuel de Noronha a Dom António Valasco sobre o rifão que lhe fez» História Literária da Madeira Rifão «Antes que de chamalote fizera desse rifão ceroilas para verão. «E mais das copras farei outra loba de que ria, que seja casi tão fria como curta de solia, que vos eu já perdoei. E assim escaparei nas copras, e no rifão das calmas deste verão. «Outra à loba curta de solia que fez Dom António» «Eu vi loba de solia, que me pareceu razão não lembrar para rifão. «Da vossa barba rapada quanto é o que eu diria, eu a ei por quasi nada para a loba de solia. Dai o demo a fantasia, e toda a vossa descrição, pois a loba é tão fria que nem lembra o rifão». História Literária da Madeira - Outra poesia de Manuel de Noronha «Eu vi viúva anojada com outra tal envenção, mas com barba tão rapada nunca vi já cortesão. De morrer desejaria, e seria grã razão pois que fez loba tão fria, tendo já feito o «rifão». - E ainda esta outra, do mesmo autor «De alguns destes trovadores não quero ser ajudado, antes só com minhas dores que tão mal acompanhado. Em que me ajam por culpado, a justo m' atreveria, pois que é tão condenado o da loba de solia». São, como se verifica, todas estas poesias do mesmo gosto e estilo. É evidente que Manuel de Noronha tinha uma particular inclinação para os motejos e a sua verrina tem um cunho muito particularista, como se pode depreender desta composição: «Se tivéssemos memórias para tudo nos lembrar, na dele cem mil histórias notáveis para contar. História Literária da Madeira É de Cristo cavaleiro, muitas vezes foi zombado, por gestos, trajos, coçado, Pêro de Sousa Ribeiro». Diz a tradição que o acinte satírico de Manuel de Noronha numa viagem da Corte a Castela, fazendo ele parte da comitiva assim como a sua vitima na critica, teve como origem o facto do fidalgo atingido pelos motejos, ter aparecido com um traje pretensiosamente diverso do que era de usança e de praxe na vida do Paço. Dos Poetas que o Dr. Rodrigues de Azevedo menciona como fazendo parte no Ciclo Poético da Ilha da Madeira e do qual aparecem composições no Cancioneiro de Garcia de Resende, valorizando O movimento literário do Arquipélago, tem um certo relevo Ruy de Souza, de quem são as composições que seguem: «Não hei por cousa segura nenhum vosso bem que seja, e sei bem que nunca dura vosso mal, que muito seja. Conhecer esterro vosso é ser cousa mui geral, não ser bem nenhum bem vosso nem ser mal o vosso mal». «Sobrinho, não vos pareça que estais em Valhadoly, cá não trazem na cabeça trez varas d' azeitony. História Literária da Madeira Eu a vos pordoaria, «mas foão» não digo quem nem quem não». «Que aqui não seja defeso, a ninguém não aconteça, fiar de sua cabeça cousa de tamanho peso. Antes me aconselharia, porque não desse com tudo no chão. Se vedes como eu começo, já vos tenho respondido, que pois a morte já peço, menos mal é ser. perdido. Mas ei por glória penar, e por vida me atarmela, antes que me ver amar de outra donzela». João de Abreu é um dos Poetas madeirenses que traz composições no Cancioneiro e que tantas as «Saudades da Terra», como o Dr. Rodrigues de Azevedo citam como um dos «valores, da época. Ainda rebuscando elementos encontrei estas poesias do nosso homem do velho Ciclo Poético da Ilha da Madeira, que têm certo interesse e por onde é possível fazer um juízo crítico do valor literário. História Literária da Madeira «Qu' eu não seja para ver, tenho olhos com que vejo, que não pode ver prazer quem quer grande bem sobejo. Isto soube conhecer c' os olhos do coração, Senhora, qu' este João», «Quando entrou polo terreiro, viries todos correr, e polo Deos verdadeiro que queriam dar dinheiro polo vêr. Per que alem de vir porrym, e trazer tão más esporas, veio a horas as melhores d' Almeirim». Têm um certo sarcasmo os versos de João de Abreu, mas denotam mais cultura, mais elevação e mais espírito de crítica que a mor parte dos seus contemporâneos ilhéus. «Eu não devo de tocar nada sobre este rifão, porque quem não viu medrar, nem pode saber falar em padrão. História Literária da Madeira Pelo seu irei à mão a quem tirara barreira, que lhe não dei em cabrão, pois é cristão. e seja quita primeiro». Ruy Gomes da Grãa ou Ruy Gomes, é outro Poeta mencionado neste período e seguindo a crítica autorizada do Tenente Coronel Alberto Artur de Sarmento, teve um mérito mais de Trovador do que propriamente Poeta. Vivia num dos troços da actual Rua da Carreira, no Funchal, aproximadamente no espaço que vai do estabelecimento fotográfico do sr. Vicente Gomes da Silva à Rua de S. Francisco, então denominada Rua de Ruy da Grãa. As pessoas mais ilustres do Funchal, nesses tempos distantes do povoamento, instalavam suas moradias nestas imediações e esses locais eram designados pelos apelidos daqueles que ali residiam. Este fidalgo possuía uma Contada importante que ia desde à margem D. do Ribeiro Seco 6 se estendia para além da Praia Formosa. Casou com uma descendente de Zarco e entre os cargos importantes que desempenhou figura o de Guarda-mor da Excelente Senhora. Duarte de Brito - um dos mais brilhantes Poetas que enriquece o Ciclo Poético da Ilha da Madeira, nos tempos mais distantes do movimento literário insular, tem representação no Cancioneiro Geral. História Literária da Madeira Mereceu Duarte de Brito um especial estudo do Doutor» Teófilo Braga. No entanto, esse trabalho, como era frequente nas obras de Teófilo Braga, enferma de falta de esclarecimentos em algumas passagens. Teófilo, tendo sido um historiador especialmente literário é com frequência leviano nas suas conclusões. O Dr. José Luís de Canavial de Brito Gomes, descendente directo de Duarte de Brito, tem também um valioso trabalho de investigação literária e da actuação deste Poeta na vida madeirense. O meu grande amigo e ilustre camarada Dr. Ernesto Gonçalves - sem dúvida um dos Escritores mais eruditos e com uma elegância de linguagem muito sua - deu-me a honra de publicar no número de Junho de 1943 na «Revista Portuguesa» - de que sou Director - um admirável estudo inédito até então sobre Duarte de Brito. Com a autoridade e o brilho de Ernesto Gonçalves não podia ser mais propriamente apresentado esse Poeta envolto em certo mistério, não quanto ao seu valor literário e à sua vida no Arquipélago mas em relação à sua origem. - Que teria levado Teófilo Braga a afirmar categoricamente que Duarte de Brito, o grande Poeta do Cancioneiro de Resende era madeirense». Quando esse historiador da nossa literatura, em cujas veias corria algum sangue de gente da Ilha, considerou como morador na Madeira ou seu natural um Poeta do século XV, que fora sem dúvida inspiradíssimo e de finíssima sensibilidade, não consta que alguém se comovesse de orgulho nesta terra. Também não consta que houvesse alguém que, por simples curiosidade ao menos, procurasse ler os verses do Poeta com filial História Literária da Madeira enternecimento pelo sonho de quem, séculos atraz, aqui viveram e sonhara. Duarte de Brito ficou sempre um anónimo entre aqueles que Teófilo julgava da sua Orei e só em livros de linhagens restava o seu nome como o de um simples Morgado, avô de Morgadotes. Um Poeta desta estirpe que interessava a «políticos» e a gente enterrada, fundamente enterrada, no negócio egoísta e limitada por horizontes espirituais quase sufocantes, reduzidos pelo desprezo dos valores supremos da vida? Mas qual o motivo porque Teófilo afirmou que Duarte de Brito pertencia à Madeira? Teria ele conhecido qualquer documento em que se baseasse para fazer uma afirmação que só engrandecia a Ilha e lhe dava alta formosura de espírito? Ou a polémica poética travada entre Duarte de Brito e João Gomes, incontestavelmente madeirense, forneceria o fundamento para considerar o cantor do «Inferno dos Enamorados» como habitando a Madeira? Em qualquer caso Teófilo Braga não foi arbitrariamente fantasista. Ele tinha uma visão poética das Ilhas que lhe vinha do sangue e da beleza das novelas e romances medievais em que descobria a pureza primitiva do génio nacional. Poderia ainda ver nestas terras isoladas em pleno Oceano pátrias de Vates que lembravam obscuramente muitos antigos - e cantavam na abstracção do mar e do Céu sentindo a realidade do tempo fugir entre quimeras e neblinas de alma meditativa. Mas não foi sugestão deste género História Literária da Madeira que guiou a pena do historiador. Senão encontrou documento que tudo resolvesse com perentoria simplicidade, bastou-lhe a prova de pequenos factos que julgou suprirem a ausência de informação directa e clara de que o Poeta que aparece junto de João Gomes no Cancioneiro Geral era madeirense. Agora veremos perante factos documentados, que se reúnem como alguns «dijecta membra» dum problema, se há ou não motivo sério para ter Duarte de Brito como um dos que no século XV se passaram a esta terra ou aqui nasceram. Os livros de linhagens madeirenses inscrevem o nome de Duarte de Brito - a que chamam Duarte de Brito Pestana, o que confunde um pouco (1) - e deixaram no esquecimento qualquer menção a qualidades literárias suas. Este silêncio, contudo, explica-se facilmente. A genealogia desta Família só foi organizada no século XVII - numa época em que já estava perdida qualquer tradição que viesse sanar a falta de Garcia de Resende que não deixou no seu Cancioneiro qualquer circunstância identificadora de quem fosse Duarte de Brito. Em 1480, confiando em Henrique Henriques de Noronha, encontrava-se Duarte de Brito na Madeira - que nós cremos hoje, com Teófilo de Braga, era o próprio Poeta do Cancioneiro Geral. Teria nascido na Ilha? Ignoramo-lo. Seria Santarém a sua terra natal? Notese porém que estavam no Funchal dois irmãos seus - Pêro de Brito e Joane Mendes de Brito - o que nos permite supor um maior enraizamento na terra, com casa paterna assente na nova Província. Simples conjectura, saliente-se. ______________ (1) - Só depois de ter falecido é que o seu nome apareceu com o apelido Pestana. Tombo da Câmara Municipal do Funchal. T. 1,° —fls. 331. Arquivo Distrital. História Literária da Madeira Igualmente ignoramos quem eram seus pais. Se consultarmos Henrique Henriques de Noronha que com certa deficiência de critério foi o primeiro a elaborar a genealogia desta Família, deparamo-nos com delirante embrulhada (1). Uma vez tem-no como filho de Duarte Pestana de Brito e de Leonor Homem de Souza, neta de Zarco; outra seriam seus pais Afonso Rodrigues Alardo e Mécia de Brito Pestana, do Reino; e por fim ainda regista diversa filiação, qual é a de Mem de Brito de Oliveira e D. Helena de Vasconcelos. Como se vê este investigador de genealogia, a que pretendia sempre emprestar, segundo o estilo bem século XVIII, o mais refulgente lustre heráldico, não era mesquinho na sua exuberância. Em três pontos da sua obra, quando tomava o problema da filiação de Duarte de Brito, esquecia-se do que havia dito ou do que ia afirmar depois. Qualquer dessas filiações está errada, ou não se prova. A primeira não é certa, como veremos. A segunda constitui um puro absurdo: -Afonso Rodrigues Alardo e Mécia de Brito Pestana viveram, pelo menos, duas gerações antes do nosso Poeta e foram pais de Álvaro de Brito Pestana, partidário - de Afonso V na Batalha de Alfarrobeira, Poeta de elevada intenção moral, conhecido de João Gomes da Ilha - e talvez Tio de Duarte de Brito (2). Quanto á terceira filiação nada conseguimos adiantar. ____________ (1) — «Nobiliário Genealógico das Famílias que passaram a viver nesta Ilha da Madeira» - por Henrique Henriques de Noronha - T.« I fls. 41 a 43 Cópia da Biblioteca Municipal do Funchal. (2) - Biblioteca Lusitana de Diogo Barbosa Machado Vol. I pág. 98 Reedição 1930. História Literária da Madeira Deve ser também disparate. Afastando portanto, como manda a prudência, o problema de saber quem fossem os pais de Duarte de Brito e onde viu pela primeira vez a luz desta vida, só podemos asseverar, com documento à vista (1) que era sobrinho de Duarte Pestana a cujo nome os genealógicos posteriormente juntaram o nome Brito, fidalgo da Casa do Senhor Duque da Madeira e seu Armador-mor - e não do Reino como enlevadamente escrevia Henrique Henriques de Noronha à sombra magnífica da sua cabeleira joanina. Duarte Pestana figurava em 1470 (2) como um dos «Homens-bons» do Concelho do Funchal - a par de João Gomes, o Trovador, que veremos passados anos, a esgrimir, atirando rimas bonacheironas, com o sobrinho de seu companheiro na governança local. Que antes dessa data se encontrava na Madeira o Armador-mór, é de presumir. Reportamo-nos ao mais antigo Livro das Vereações do Município funchalense - e que é simplesmente o mais antigo dos que se salvaram da incúria ignara dos homens, do apetite das traças e da morrinha da humanidade (3). Se Duarte de Brito - assim sempre ele se assinou sem acrescentar ao seu nome o apelido Pestana, que usaram descendentes seus não era originalmente da Madeira, aqui se acharia em 1480, como indicou o genealogista da cabeleira barroca e pena de pato embebida na vaidosa tinta de ilusões nobiliárquicas. ______________ (1) - Livro das Vereações da Câmara Municipal do Funchal, 495, 1496 fls. 222 - No Arquivo Distrital. (2) - Livro das Vereações da Câmara Municipal do Funchal 1470 1471 fls. 11 V.º - No Arquivo Distrital. (3) - Poucos restam dos Livros das Vereações da C.™ Municipal do Funchal relativos ao século História Literária da Madeira Mas tudo leva a conjecturar que por essa altura ele seria muito novo e por ventura menor de 25 anos. Na época mencionada não há vestígios da sua presença nos negócios do Concelho. Só mais tarde é que participa com seus irmãos nas decisões da vida local. Veio a casar na Madeira com Dona Joana Cabral, filha de Ruy de Souza (que igualmente Teófilo viu como um dos Poetas do Cancioneiro de Resende), bisneta materna de Zarco e herdeira do Vinculo de Capela instituído por sua Mãe. Todas estas relações de parentesco, tanto sanguíneo como de afinidade, servem, na ignorância de datas precisas, para mostrar que Duarte de Brito ______________ XV. Escaparam 6, a saber: -1470-1471; 1481-1482; 1485-1486; 1418-1489; 1491-1492; 1495-1496 os quais se acham incorporados no Arquivo Distrital do Funchal. Perderam-se portanto dezenas de códices que deviam ser repositórios riquíssimos, insubstituíveis! - de informações para a História da Colonização portuguesa. O pouco que hoje conhecemos através dos que milagrosamente foram poupados faz-nos adivinhar o autêntico tesouro consumido em cinzas e pó de papel de que a estupidez escarneceu. Que mi sorte tem perseguido a espiritualidade da Madeira! Esses 6 volumes, o 1 Tomo do Tombo da C. M. F. e o seu livro velho e ainda alguns documentos avulsos que existem na Madeira e na Torre do Tombo, já dizem algo de surpreendente acerca do século XV da Ilha. E tudo isto é mínimo com certeza em comparação com o que se deixou destruir. Do primitivo Município que tinha jurisdição em toda a Ilha e fora criado pelo Infante Dom Henrique, não possuímos o menor vestígio. Tão só a referência que lhe faz o Infante. História Literária da Madeira Pestana, que, certamente, nunca veio à Madeira e de quem já falamos, era por este tempo um ancião que evergastava nos seus versos os novos costumes, - e austeramente defendia a varonilidade heróica do nosso carácter. João Gomes, que fora da Casa do Infante D. Henrique, chegara à velhice: era um «roupa-velha» - um homem antigo, que muito conhecera e trabalhara, que fizera trovas líricas e de meditação moral—e agora já adiantado em anos, tinha de pleitar, no terreiro das musas, com o fundibulário ágil, ricamente apetrechado de rimas e mestre de melodia verbal que era Duarte de Brito, contendor com perfeita ciência do seu passado e bem aceite no seu convívio. Se Duarte de Brito nasceu na Madeira, teria ido para Portugal seguir os estudos e frequentar a sua escola de Cortesão. Teria estudado o latim? Os seus versos possuem um profundo carácter de vernaculidade na linguagem, estão todos impregnados da essência portuguesa, mas há neles uma luminosidade nova que talvez viesse do conhecimento do idioma latino. E se também poetou em castelhano, assim o fez João Gomes, seu Camarada mais velho na jornada pelo país das visões líricas. Foi durante esta permanência em Portugal - se partirmos da hipótese de ser a Ilha a terra do seu nascimento - que compôs aquelas soberbas trovas quando partia dos campos de Santarém onde lhe ficara «a beldade por quem levava cheia a memória». A «vida despreocupada de dores» libertou-se na Madeira de tanto cuidado e aventura. À primeira vez que o vemos participar dos negócios da Câmara Municipal do Funchal é em 1495 (1), o que não quer dizer que antes não fosse metido nó rol dos «homens-bons» do Município cujo arquivo, ____________ (1) Livro das Vereações da C. M. F.1495-1496 fls, 67 V.º 71-73 V.º 74 V.° 213 217 V.° 221. História Literária da Madeira infelizmente está cheio de lacunas lamentáveis quanto ao período do século XV. Vê-se no livro respectivo a sua assinatura, lançada numa caligrafia muito elegante, com sóbrios sinais de abreviatura que mostram uma mão prática em escrever é gosto artístico (l). Nas poucas vereações cm que compareceu encontrou-se com João Gomes que sempre nos surge no vasto painel da vida municipal da época, acompanhado de Duarte Pestana, cuja cabeça encanecida, talvez de cabelos curtos, à moda antiga, como um Barão de Nuno Gonçalves, contrastava com o perfil do sobrinho, Poeta de longa cabeleira a ondular até os ombros. Duarte de Brito vivia na Calheta, que estava dentro da jurisdição do Funchal. Algumas vezes viria à Vila, fazendo por mar, como era costume, a longa viagem até a cabeça do Concelho. Era o sítio da sua casa em Vale de Amores nome que estamos em crer fosse ele próprio que pós, num baptismo lírico, a esse recanto da Ilha. Pelo menos tem tal topónimo o mesmo encanto de muitas das suas «comparações». Em 1496 deliberou a Câmara com o voto de João Gomes que ele partisse como seu Procurador para expor ao Rei certos negócios de proveito comum (2). Seu Tio em 1481 fizera também igual jornada com idêntica comissão. Porém desta vez parece que Duarte de Brito não aceitou a incumbência de boa vontade. O subsidio que lhe concederam os oficiais da Câmara não era suficiente para despesa tamanha - ou ele, no foro do seu orgulho, achava-o minguado para se ostentar na Corte com todas as galas de um verdadeiro embaixador. ___________ (1) - Assinou nas fls. 71 e 74-V.° Livro das Vereações 1496 (2) - Livro das Vereações do Funchal 1495-96 fls. 217-V.» História Literária da Madeira O assunto arrastou-se um pouco, até que o Juiz Ordinário - João Luís, que morara em Câmara de Lobos - lhe deu a ordem expressa, sob pena de dez cruzados, se não seguisse para Portugal no primeiro navio. Casado, conhecendo a realidade da vida, emissário de um Povo que trabalhava com duro esforço em abrir terrenos novos, levando o encargo solene duma procuração do Concelho - talvez não se esquecesse de matar saudades dos campos de Santarém que o haviam envolvido em auras sentimentais de amor e desespero. No meio dos problemas locais, de cuja defesa o investiram perante El-Rei, apareciam as sombras antigas de donas da Corte, a quem endereçara madrigais quando a sua lira era fresca e enamorada como flor de Primavera. Veio a acabar seus dias antes de 29 de Julho de 1514 (1). Estavam já no outro mundo seus companheiros, embora mais velhos, nos maviosos enlevos da poesia. Provavelmente ficou sepultado na Capela de Nossa Senhora da Estrela, na Calheta, sede do Morgadio em que nos parece que sua mulher sucedera. Abandonou o seu Vale de Amores e começara a jornada da alma escalando a montanha que, no cimo, resplandece a luz divina. Talvez o acompanhasse o canto das aves que lhe servira de guia numa aventura desta vida... Muito pouco, como se vê e o que sobre Duarte de Brito pode apurar-se dos documentos que investigamos e duma memória genealógica redigida com falso critério, o que a prejudicou. Mas o pouco que se alcança saber ajudanos a desenhar o problema nos seus traços gerais e dar-lhes consistência e __________ (1) - Obra citada de H. N. de Noronha T.» III fls, 41 História Literária da Madeira pô-lo de pé. Todas as circunstâncias que a bom título nós podemos aceitar, coincidem com os escassos elementos biográficos que conhecemos de Duarte de Brito, Poeta do Cancioneiro Geral. Se por uma questão de método e como contra-prova separarmos cm dois indivíduos, este Duarte de Brito, o da Madeira e o da Colectânea de Resende -vemo-los como contemporâneos, ambos novos nos fins do século XV, conhecidos de João Gomes da Ilha - muito ao par do seu passado e íntimos das suas relações. O Poeta seria parente de Álvaro de Brito Pestana e seguidor da sua metrificação cuidada e fluência verbal; o outro era, como se presume, sem exagero, aparentado com o Cortesão amigo de poetar. Tanta aproximação obriga-nos, espontaneamente, a identifica-los, a justapor as duas imagens que andam separadas. Nada se opõe a que se perfile honestamente esta conclusão: não há o menor elemento contraditório. Do autor do «Inferno dos Namorados» diz Diogo Barbosa Machado simplesmente que era Poeta jovial e sentencioso - o que é irrisório como crítica literária - e ignora tudo no respeitante a sua idede (1). Vê-lo, portanto, como um duplo da mesma per- sonalidade - do que vivia na Madeira e emparelhava com João Gomes, não nos parece demasia de interpretação e que possa ser condenado; antes o julgamos como sentença implícita nos factos aqui trazidos para instruir um processo que Teófilo Braga abriu há muitos anos. Recear ainda uma homonímia, como já confessamos, é prudência que roça pelo medo de concluir em face de documentos luminosos que lançam claridade nos recantos ensombrados. Viemos agora em defesa de Teófilo Braga depois de estudar velhos papeis e sentimo-nos contentes com à nossa consciência de madeirense. _____________ (1) - Obra citada V.° l pág. 710 História Literária da Madeira Quanto necessita a Ilha que a sua alma culta desvende a formosa face poética—e de uma profunda lição de orgulho e de compreensão de si própria a todos os que nela nasceram. A doença da Madeira é, antes de tudo, de espírito. Acorda-la até encontrar a sua verdade é o que pretendemos. Os versos de Duarte de Brito, escritos no XV século - «O Campos de Santarém» - com as suas respectivas notas da colectânea Poetas do Cancioneiro Geral, são aqueles que reproduzimos, graças ao ilustre Professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Doutor Álvaro Júlio da Costa Pimpão. Ó Campos de Santarém Ó campos de Santarém O' ventura malfadada, lembranças tristes de mira, cabo de toda crueza! onde começou sem fim, O' memorea retrocada desesperança sem bem. em dôr de minha tristeza ! Ó gran beldade por quam levo cheia a memores, 0' desejo sem folgança (2) com tal cuidado que tem tristura de meu folgar! a morte volta com grorea (1) Õ' querer de meu pesar, do meu descanço tardança O vida desesperada do meu coração cadeia! de dores e sentimento! O' vida sem esperança, O' lembrança de tormentos de tristezas toda cheia ! qu' em pesares és tornada! História Literária da Madeira Vi as Serras descobertas História Literária da Madeira O' coração lastimado de meus males com tristuras cujo mal nunca se sente! que tão longe és presente vi todas minhas folguras (5) de quem és tam apartado, de tristeza ser cobertas. que te presta ser lembrado D' esperanças vi desertas de quem sempre desejar minhas groreas sem vitória, faz de força teu cuidado com suspiros mui espertas de vontade com chorar (3) as lembranças da memória. Como aquele que sentindo vai a morte quando vem, Vi meu triste pensamento que demostra o mal que tem d' esperar desesperado, com grã dor e descobrindo, com suspiros meu cuidado assi eu, de vós partindo, com lágrimas meu tormento. desejo da minha vida! Meu raivoso (6), sentimento vejo vir após mim vindo que, calando, encobria, a morte que me convida. mil rezes, com desalento, meu chorar o descobria. Polas mui ásperas vias, de tristezas caminhando Polas mui grandes montanhas vi meu mal meu bem matando caminho do meu pesar, dar fim minhas alegrias. nam cessando de caminhar Todas minhas fantasias com dor de dores tamanhas, minhas penas refrescando (4) todas minhas entranhas o triste fim de meus dias sem fogo s' iam queimando; sem vos ver mo vio mostrando. e nas terras mui estranhas História Literária da Madeira a morte ando buscando. História Literária da Madeira Com meus cabelos cobria a mim todo com pesar; Com lagrimas de tristura em ver-me sem vos me via de minhas coitas (7) raivosas mais de vontade chorar. vi as frores e as rosas perder todas as frescura». Com meu mal assi andando, Os campos com as verduras de me ver assi perdido, com as sombras graciosas como cousa sem sentido, se tornavam amarguras andava sempre chorando. de mil raivas (8) espantosas. A morte menosprezando, mais que vida desejava; meu desejo vigiando Por (9) ver morrer meus espantos suspirava me confortar. feias bestas me seguiam, e os matos reteniam coro as vozes de seus prantos. Assi me levando ventura, Davam aves gritos tantos, com desatino, perdido, minhas querelas (10) dobraram neste caminho vestido onde os meus quebrantos coberto de gran tristura em lágrimas se banhavam. meu chorar com amargura, com voz triste, mui cansada chorarei em quanto dura Meu caminho se seguiu, minha dor nunca minguava minha pena s' esforçava contra mim mais cada dia. minha estiva jornada. História Literária da Madeira História Literária da Madeira em meu triste pensamento, Pois que meu bem como vento a memoria por tormento trespassando (11) assi por mim, ficará desta lembrança, o meu mal dura sem fim em mim, triste porque sente ser meu mal sem esperança. __________________________ (1) - «Com tal cuidado que tem a morte volta com grorea» isto é: com prazer e tristeza à mistura. (2) - «folgança» prazer. (3) - A ideia parece ser esta: - de nada prestada ao coração ser lembrado de quem não pode, com suas lágrimas, deixar de desejar seu cuidado. (4) - Curiosa imagem: refrescar as penas, ou seja traze-las pela imaginação a seu primitivo viço. (5) - Folguras, ou folganças. (6) - Raivoso, quer dizer, desesperado. (7) - Coita, ou pena mágoa. (8) - raivas, quer dizer desesperos (9) - por em vez de para (10) – querelas ou queixas (11) - trespassando quer dizer: passando através História Literária da Madeira Apesar de todas estas buscas e de muitas outras feitas especialmente pelo Prof. Dr. José Luís de Canavial de Brito Gomes, descente de Duarte de Brito, para se identificar com certeza se fora o Duarte de Brito, de Vale de Amores e amigo de João Gomes da Ilha, ou o Pai deste, - que no dizer do Doutor Brito Gomes era também Duarte de Brito, - o autor destes versos que transcrevemos, a poesia é original e primorosa de sensibilidade e de forma. Para o ponto de vista deste estudo o que há é um Duarte de Brito que nos fins do XV século fez versos que figuram no Cancioneiro, e que esses versos merecem um especial relevo na sua citação, que o Poeta teve íntima ligação com a Madeira, nela tendo nascido - caso seja o Filho - ou nela se houvesse finado somente - se foi o Pai. O Dr. José Luís de Canavial de Brito Gomes opina que podia bem ter sido o pai, o poeta dos «Campos de Santarém» dada as suas idas com a Corte àquela terra Ribatejana. Outro Poeta madeirense que têm representação no Cancioneiro Geral e que é considerado como um dos mais notáveis intelectuais da sua época, foi João Gomes, que pertenceu à Casa do Infante e amigo e quem sabe ser orientador! - do Poeta Duarte de Brito. Os seus versos são impregnados de lirismo e têm um sentido profundo e moral. Como se verifica com outros autores desta época algumas destas composições foram escritas em língua castelhana. Embora fosse muito mais velho que Duarte de Brito manteve com ele larga polémica literária, deglandeando-se no campo das musas sem recear o génio eruptivo e a pujança do adversário, já então considerado como Poeta de História Literária da Madeira muito valor. João Gomes da Ilha morreu em 1495, no Funchal, tendo deixado o seu nome cheio de prestígio, não só pelo muito que lidou as letras, mas também pela larga colaboração que teve no Governo do Arquipélago, naqueles tempos recuados. As suas poesias, que foram reunidas por Garcia de Resende no Cancioneiro, são provas do génio poético de João Gomes, mais conhecido no Reino por João Gomes da Ilha. «De Johã Gomez da Ylha» Queria saber Se é a querida onde vive razão, a fim do proveito, se na intenção, se só no direito se em bem fazer. é constituída. Se em bem querer Se é na medida a quem bem me quer do dar galardão se a quem me der se na punição eu corresponder. da alma perdida Se em bem falar, E por apreender se em bem sentir onde razão está, se em comedir a quem se mais dá em qualquer obrar. amo conhecer. Em exercitar Se c mais o poder, o que justo for, se mais a virtude, se é no senhor, se mais no vulgar. História Literária da Madeira História Literária da Madeira assim na saúde Se é aumentai como no doer. se deminuida, Se é por si vida E donde procede se cousa mortal. razão por efeito, e sé do defeito Se rege por si, razão se despede. ou se é regida, ou é mais querida ou se se desmede aqui que ali. contra desmedido, ou no arruído Se é mais no y em parte concede. do que é no g, se tem a b c, Se é cousa viva se tem quiz ou qui. em vida somente, ou se é vivente E quanto s' estende nó que vida priva em sua doutrina, e quanto ensina, Se é sensitiva se tudo s' aprende. em são animal, se racional, Tam bem se reprende se vegetativa. quem dela não usa e se sua musa Se tem natural sua arte defende. razão seu sujeito, se d' outro respeito Bem saber queria artificial. em qual destas vive, para que se alive História Literária da Madeira minha fantasia. História Literária da Madeira A quem me dissesse razão é tal cousa, Se na cortesia e em quem repousa da livre vontade, saber me fizesse. se pela verdade Em quanto pudesse tomar melhoria. eu o serviria por tal via Rezam a fadários que satisfizesse. não sei se resiste, nem sei se consiste Pelo qual me enclino em dois adversários. aos Trovadores, especuladores, Ou aos contrários que me dêem ensino. s' ordena com uma ou tem part' alguma No que determino em alguns desvarios. aprender, se posso, com graça do nosso Porque me parece, um só Deus e Trino. Segundo que entendo, Cabo que nada compreendo E mande-me quem donde razão falece. ensino me der, cá no que quizer, E no que carece saiba que me tem. eu me desatino, desejo ser dino, Ensine-me bem ver onde permanece. onde vive razão, por vista visão segundo convém. História Literária da Madeira Cantiga do Condel-Mór Servir um não deixaria e em vós é ordenar por mal que me já viesse, que viver possa contente. por que ser não poderia que outrem prazer me desse Pelo qual não deixaria servir um, mas o pudesse, Mas em vós está somente pois que ser não poderia meu prazer e meu pesar, que outrem prazer me desse. Glosa de João Gomes da ilha a esta cantiga Senhora Dona Maria, Nem me podeis pena dar em caso que eu podesse mais que meu coração sente, servir uma não deixaria e em vós é ordenar por mal que me já viesse. que viver possa contente. Nem dano que me fizesse, D' amar um não me desvia dama, vossa Senhoria mal que tenha nem tivesse, por que ser não poderia pelo qual não deixaria que outrem prazer me desse. servir um mas o pudesse. Nem vontade me consente Lembrança se vos prouvesse dalguma bem desejar, terdes de mim, bem seria, mas em vós está somente pois que ser não poderia meu prazer e meu pesar. que outtrem prazer me dessa. História Literária da Madeira De João Gomes da Ilha Yo os dy my libertad, que my libertad os diessè la vuestra quedo con vos ordeno my voluntad. syn part alguna me quedar, y teneys dos, Ho fue de necesidad yo ninguna. Senora, ho quiso Dios, ho Ia fortuna, que tuviessedes vos Myrando vuestra beldad dos, nel primero que la viesse, yo ninguna. Confissão de João Gomes da Ilha João Mourato, meu senhor, onde virdes meu desterro espero que me sejais sabes em tudo trautear, mais dos mais especiais amigo d'onra bem merecedor sem nenhum erro. . mais inteiro trovador do que posso declarar. Espero de vós socorro, espero de vós ajuda Eu vos tenho por amigo e por que cedo concruda, verdadeiro e não de jogo, o que de num não se muda pelo qual sei consigo me faz que a vos m' açorro. que aceitareis meu rogo. Sei que vos confessareis Espero que me socorrais pelo ano, e seus dias, História Literária da Madeira História Literária da Madeira vós de niim aceitareis E a morte lhe desejo três pecados, que sabeis mais cedo que possa ser, que condenaram Maneias, e o demo nele vejo, e hei gram prazer sobejo, E a vosso confessor, quando a ela posso ver. dos que os vossos disserdes, sereis dos meus relator, O terceiro, conclusão, e term' eis por servidor, vos direi que sou tão forte quando me servir quiserdes. amador por condição, que não sinto contrição Vós direis que sou casado nem receio minha morte. e que quero bem a casada, sendo d'amor tão forçado Nem d' alma não sou lembrado que não sento por pecado nem de razão nem de fama, ela ser de mini amada. nem é outro meu cuidado salvante ser namorado Nem me posso conhecer, daquela casada Dama. se não tão sujeito dela, que cuido que padecer, e atraz padecer morrer Requerereis a pehdença, devo suportar por ela. para mim vereis quejanda, que não prive bem querença, E o pecado segundo que toda minha femença lhe direis que meu sentido é fazer quanto amor manda. não se funda nem me fundo se não sempre neste mundo O padre pode mandar querer mal a seu marido. quanto m'ele mandar queira, mas não seja desamar, História Literária da Madeira História Literária da Madeira ante me mande matar por outra qualquer maneira. das que Deus fez, nem fazer pela qual vivo penando. Se me mandar jejuar FIM dizei que por jejum quando não posso cobrar Se quer reze orações a vista de quem pesar tos mandar, dizei que bem, me dá, e prazer nenhum. mas serem muitas paixões, danos e tribulações Se que vele vos disser, que meu coração sustem. dizei que velo cuidando na mais formosa mulher Sa vos mandar que esmole, gaste-se tanto dinheiro tiver, mas que esfole, figure com que me console ser servidor verdadeiro. De João Gomes da Ilha a Ruy Moniz Serdes são bom me seria, por que dum ou de dois tais como vos me curaria. Que dum cravo sois doente, meu senhor, isto me foi dito, Quanto mais dum que me tem tal cravo seja maldito, le cor de moy» travessado, pois em vossa dor consente. cansou-se dum apartado, e mui longo querer bem. Dizem me que vos curais por solorgia. Por vezes fogo lhe ponho de bem amar, porem como me desponho. mas não vale a desamar, vos curardes me curar. João Gomes da Ilha fé, pena de namorado, Eu vi no tempo passado com despreços apedrado afirmar-se por verdade por que mór paixão me dêem. catividade de grado Em cativeiro nj' enfronho, ser inteira liberdade: sem resgatar, qual não para baratear mas por certo meu motivo é a que servo risonho, e contra quem te cativa, mas deva de chorar. ledo forro sempre viva que te livra de cativo. João Gomes De João Gomes O passado sem presente, pois que foi, ser não se tolhe, De quanto sois descontente, pois que Deus todo potente senhor, não sentir evito, este poder não recolhe. mas do que vós sois contrito sou eu por contra contente. Os feitos de Gudrafé de Bulhão nos fazem crêr, A cousa que divulgais que o que foi e não é, que vos doía, ser nichel não pode ser. por nichil a sentiria, qual do que mais vos queixais De João Gomes Ilha He meu mal tão trancadente, acho que grosseria... que em comer não labyto, nem de dormir me guarito, Por que em mim se contem mas sofro como valente. História Literária da Madeira História Literária da Madeira O mais que vos gastais somente por esperar bem gastaria nem me lhe desavergonho, dobrado e dobraria por me não desesperar. no valor do que gabais, cuidando que sararia, De João Gomes da Ilha Não me pesa, pois retém E' o seu certificado na saúde vosso lado, no que foi de bem a mal por quem meu nojo passado o presente vai passado fez presente por deseem. o porvir, é papal-sal. O que sinto não disponho Mudanças devante a ré por calar, não m' espanto de as vêr, pois o que foi, e não é monta mais que de não ser». Razoes de João Comes, Procurador de Nuno Pereira por parte do cuidado contra o suspirar Metem aceso cuidado Cuidado paixão ordena, amores com triscas cuidado nunca descança, de pensamento forçado cuidado redobra pena, com fogo desesperado, cuidado nunca s' amança, com suspiros faz faiscas. cuidado sempre tem lena. História Literária da Madeira os suspiros e gemidos História Literária da Madeira segundo sempre senti. como faiscas s' apagam com descanço dos sentidos O cuidado que concruda a quem são atribuídos, em gemidos e suspiros porque suspirando pagam. com esperança s' ajuda, pois tem descansos a giros Mas um cuidado mui vive em que seus males remuda. nascido no coração do triste amador passivo, Sua à dita Senhora é um cabo de paixão qual mais não sofre cativo. Dama de grã formosura espelho das outras damas, Quem sofre cuidado tal linda, honesta figura, sem topar algum romanso dama da melhor ventura sofre fadiga mortal, das que são e teem tamaa. e paixão tão desigual que não dá nenhum descanço. Deve vossa Senhoria julgar o crime cuidado A pena que é mais fera por pena de namorado, na vida de bem amar suspiros por fantasia. cuidado que persevera, quanto mais se o cuidar De João Gomes é no que se desespera, Toda bem aventurança E assim concluo que passada não é memória, o cuidado só por si e faz com lembrança é pena que não tem se havermos presente groria. nem guarida em queste, História Literária da Madeira História Literária da Madeira E assim quem for Tome Não folgo por que penais, meta a mio, se sabe ler, cá me seria e o que foi e não é a de vilania, verá não deixar de ser. por que me semelhais quem d' amores aporfia. De João Gomes Como eu, que hei d' alguém Por serdes quem pena sente, trabalho sem ser pensado, qual demostra vos escrito, são sem ferrar encravado, de confortar-me não quito manco e magro porem. «mon cor' em seu mal presente. Sempre rincho e preponho soportar pena de meu desejar, vós a fruto de medronhõ me podes bem apodar. Trovas de João Gomes por parte do cuidado Senhor Condel-Mór cuidais, sem concluir, por fazerdes muitas cobras, e trovar e mais trovar com mil graças que falais, mal vos vejo descernir que não encalmeais cuidado suspiros dar. outras verdadeiras obras. Onde vós virdes desejo, Mas com falar e falar que desejo deva ser, História Literária da Madeira História Literária da Madeira posto que seja sobejo, Cuidado é de tal raça suspiros podereis ter. ou nascimento, que se não sofre de graça, Causa desisto provar e quem s' apoia mal caça, é divulgada, nosa por barlavento. se deleite é desejar, quanto mais ser desejada: Vos quizestes desfazer esta não podeis negar. no mal que faz o cuidado, e quereis-m' encarecer E vos suspirar meteis o suspirar, a gemer, em caso de varonia, e o mal deles cansado. e suspirar defendeis e que seja vos quereis Mas a verdade falar, de Pedro quer de Maaia. pois não enpolgua, deve-se confessar O galante por quem ama qu' este vosso suspirar se desvela nunca quebra nem amolgua. com cuidado, e por fama poderá suspirar dama, Pelo qual desenganai por quem seu sentido vela quem vos trouxe esta questão, e vossa teima deixai, Misturastes os cuidados mas saib' ele que vos cai d' amores de sal vagina em estreita obrigação, nesses vossos rezoados Por lhe dardes desenganos os meus não tendes gostados do que faz, nem sabes sua doutrina. e conheça seus enganos confessando-nos os danos que cuidado sempre traz. História Literária da Madeira De João Gomes a Dom João Porque lhe foi dito que sendo ele ausente de onde o feito se tratava, que a parte do cuidado não ia bem e com elas lhe mandou outras que oferecesse por parte do cuidado. Senhor Dom João, Senhor, pelo mal que procuramos. de mim e mais que de mim vos mau hei por servidor E segundo me parece, vosso, em um tal tenor, a quanto entender pude, que não m' abata zimzim, o Caudel-Mór favorece suspiros e prevalece Tam bem para contrejar em guias que não cojicrude. contra quem vos contrejardes, tudo me podes mandar, E que tenhais rezoado e do serviço d' açúcar, por copras mui triunfantes, se me na Ilha mandardes. dou-m' ao demo entregado que vos achei recusado A'cerca do que compre ser e mais dez consoantes. falando por retrocado vi quem não quizera ver Pelo qual senhor convém cento e tantas copras ler que estas ofereçais, dos suspiros e cuidado. se vos parecerem bem, a quem pertença ou tem E somos procuradores, o feito que procurais. e tão mal nos concertamos que já somos autores E se mais houver mister e morrem nossos favores Vossa Mercê m'o escreva História Literária da Madeira quer aqui quer onde estiver: no que se fizer mister, porei a força que deva Copras que João Gomes dá por últimas razões suas Lembrança me faz cuidar sempre dura bem amando. no que o cuidado manda, cuidado em imaginar O' tu gentil terço pelo faz cuidar e descuidar, colar de minh' esperança, porque andando desanda. tu descuras sete-estrelo tu demoras cotuvelo, Cuidado mil vezes gira d' onde dor não faz mudança. em quanto faz e desfaz, d' um s' afirma, não se tira, Quem te poderá vestir quanto mais d' amor se ira, com viva paixão d' amores, des que no coração jaz. que te mais possa despir, salvo se em ti sentir Da lembrança do passado suspirar ou desfavores. com desejo do futuro em o tear do cuidado Porque sim do suspirar se tece mui restorçado é desejo descoberto, terço pelo verde escuro, cuidado de simular faz sofrer e soportar O qual se neste sentido sobre certo e não certo. dispõe-se temporisando, nunca se gasta servindo E assim convém que seja rompe-se asinha fingindo sentido de graves tiros, História Literária da Madeira História Literária da Madeira vida que viver esteja, As quais partes concluindo sofrer que morte deseja por fim do que digo e sento, ou cuidado sem suspiros. amores sempre servindo, suas raivas encobrindo, Sentido com desejar seu mortal afafamento: em que esperança cabe é cheio de suspirar Achei que com suspirar dum desejo tão doçar mil vezes desabafei que mui docemente sabe achei-me em só cuidar, e calar e reportar, Tal saber não me cativa n que já nunca descancei. em dá pena sem descanço mas minhas paixões alivia Sua à dita Senhora por fim de dá-me limbo em que vivia seu rezoado de doçar cuidado manso. Estas de fino retrós Aquele cuidado esquivo madeixas de meu sentido que não dá mais que sofrer razões de que me despido, no coração cativo dama recomendo a vós. no qual eu morrendo vivo em grado de bem-querer: Vossa mercê as comprenda e desponha Este tal me vence e lega como quem preito apagua este todo mal me cata, o cuidado da contenda este nunca m' assossega devulgando por peçonha este sempre me trasfigura os suspiros por triagua. d' amores, no fim me mata. História Literária da Madeira História Literária da Madeira Cantiga sua que dá em fim Os amores conservando destas por parte do cuidado em aceso fogo vivo maginas desesperando Cuidado depois que és triste cuidado cativo. no coração por certo cuidado és Depois que aceso és suspiros não no coração, ala fé cuidado és Cuidado tude cuidado suspiros não. contigo fazes penar de sentimento forçado, De João Gomes que não deixas suspirar. Queres outras sobre-vistas Es tão feito o revés quem cercou ter cá Anibal por condição nos poz dois evangelistas que sempre cuidado és ambos por um principal. suspiros não. Se por segundo não é No coração teu inferno que nunca se pode crer, és assim como pecado, por inteiro como é és perdido no eterno, fez também Portugal ser. és em coração tomado. De João Gomes Não tu inventuros és O bem nunca se consome, a solução, pecados são nemigalha, depois que cuidado és quem com vícios presume no coração. faz alicerces de palha. História Literária da Madeira História Literária da Madeira Devemos haver por fé Vós me fareis que remonte e que bem não pode ser, o mais alto aeimento mais do que foi e sempre é como garça falcoada, e será, se deve crer. ou me fareis que tresmonte, como de acossamento Resposta de João Gomes a faz um servo de levada. Duarte de Brito Ca me provais duas provas O vosso udo e meudo mais fortes que diamantes, me rompe pela relingua assim claras de entender, vem o treu cá tão sanhudo que ressurgindo das covas que meu masto com seu tudo, as cientes trespassantes as não possam compreender. já vai fora de relingua. Os pregos deixam a quilha, De João Gomes da Ilha por ser muito velha relha, mas o irmão davangelha Tal é vosso parecer, me salva com calçadilha. vossa formusura tanta, siso, bondade, saber, Outra Resposta de João Gomes quanto nem quanta. Assim perfeita vos fez quem por nós morreu na Cruz, que de todas fareis pez e trevas e de vós História Literária da Madeira De Dom Rodrigo de Castro e Fernão da Silveira e João Fogaça a João Gomes da Ilha porque viram um cavalo com umas alacaladas e souberam que era seu e que era vindo ele da Ilha Pelas vossas alacaladas Ora sem nenhum receio, soubemos qu' éreis chegado, por noss' amor e respeito, as quais não sejam mostradas, nos dizei do noss' arreio, mas caladas, se foi na Ilha comfeito por não ser de vós falado. com' afeito. Que desta terra o zombar Que vos juramos pardez, é tão bravo e tão forte, que vos não veio d' alem; que quem dele escapar que tal feição de jaez dá de passar pela morte. não se traz de Treme-cem. Resposta de João Gomes da Ilha pelos consoantes Pois vos parecem erradas as tenções de meu cuidado, Por um parecer alheio e por trovas mui delgadas mais que quantos vi perfeito, bem trovadas, meu jaez formoso ou feio sou por vós desenganado. foi na Ilha contrafeito de seu geito. Em vos me quero louvar, mas o que pena suporte, A' guisa de Miquinez posto que de motejar, a fôr de mouro focem, eu seja onze por sorte. das onças passa de dez todas mocicas dagem História Literária da Madeira Não nasceu na Madeira João Rodrigues de Sá, que nas «Saudades da Terra» vem mencionado como um dos Poetas da época, que casou com uma bisneta de Zarco, filha dos Condes de Vila Nova de Portimão. O Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo apresentou-o como fazendo parte dos Poetas palacianos, mais ou menos com ligações com a Ilha. Este João Rodrigues de Sá foi pessoa de alta categoria pois aparece, em determinada altura, investido no cargo de Alcaide Mór do Porto. O Tenente-Coronel Alberto Artur de Sarmento tem certas dúvidas se teria ou não nascido na Madeira, mas que por estas paragens andou e se ligou a vida insular parece ser certo. Dom Luís da Silveira, Conde de Sortelha, foi casado com Dona Maria de Noronha, descendente de Gonçalves Zarco. Foi considerado Poeta palaciano. O Tenente-Coronel Alberto Artur de Sarmento diz que D. Luís da Silveira não teve o valor de outros Poetas deste ciclo. Desde 1420 a 1566 - que é um dos períodos estabelecidos pelo Dr. Rodrigues de Azevedo, como sendo a primeira fase da Literatura Madeirense - depara-se com um número considerável de Poetas e Escritores de certo relevo. Em 1520 era Provedor de Defuntos e Ausentes no Funchal, Lourenço Vaz da Gama Pereira, que já anteriormente se fixara na Madeira com sua mulher, Dona Branca Homem de Gouveia. Foi nesse ano de 1520 e desse casamento História Literária da Madeira que nasceu um rapaz que mais tarde se notabilizou como jurisconsulto e Escritor - o Dr. António da Gama. Revelou muito precocemente o seu talento e em 1537 iniciava a sua vida universitária em Coimbra, distinguindo-se como um dos mais inteligentes escolares de Leis. Barbosa Machado afirma que «foi o melhor discípulo do célebre Professor Doutor Gonçalo Vaz Pinto, considerado então como o melhor Jurisconsulto. Depois de se doutorar em Coimbra foi o Doutor António da Gama frequentar a Universidade de Bolonha onde á sua notabilidade fez com que o convidassem com insistência para que entrasse para o Corpo Docente daquele afamadíssimo Instituto. Foi então que El-Rei Dom João III o chamou a Lisboa e o nomeou Lente da Universidade de Coimbra. Mas como eram necessários na Corte o seu saber e a sua inteligência, o Monarca determinou que viesse para Lisboa, tendo então ascendido aos mais altos cargos no Paço. A «Biblioteca Lusitana» menciona os seus trabalhos mais notáveis. A sua obra-prima foi escrita em latim. Os seus trabalhos literários tiveram numerosas edições, saindo a última 140 anos após o seu falecimento. Essa obra denomina-se: «De Juribus quibus Lusitanum Imperium in África, índia ac Guinea. Decisiones supremi regni Lusitaniae». Este trabalho foi também editado em Cremona, na Antuérpia, em Frankfurt e em Veneza. Tanto no estrangeiro como no País foi o Doutor António da Gama considerado com um dos principais Professores de Leis da sua época. Em 30 de Março de 1595 faleceu em Lisboa, com 75 anos de idade, dos quais 40 passou na Corte portuguesa, este homem eminente que foi Um dos madeirenses mais ilustres e que maior brilho deu à literatura insulana. História Literária da Madeira Foi sepultado na Igreja de Santo Eloy onde existia uma lápide tumular com honrosa inscrição. Frei Diogo de Medina pertenceu à Ordem de S. Bento e são muito escassos os dados que a seu respeito se apuram. Dedicou-se muito a assuntos regionais e estudou a vida de personagens em evidência no seu tempo. Escreveu, com o seu próprio punho, o Tomo 1.° do Registo Geral da Câmara Municipal do Funchal fazendo ali interessantes assentos sobre coisas relativas à vida insulana. Embora não haja a certeza de ter nascido na Madeira, aqui passou a sua vida e aqui morreu. Mas tão acendrado regionalismo só o podia ter um madeirense. O apelido Moniz anda ligado no Arquipélago, desde o século XV, com o de Menezes. Tanto as Saudades da Terra como o Elucidário notam que Vasco Moniz de Menezes teve solar no Caniço e era filho de um grande fidalgo, Henrique Moniz, Alcaide Mór de Silves e casado com Dona Inês de Menezes. Quando o meu amigo e ilustre Escritor Doutor José Pedro Machado teve a amabilidade de me fornecer preciosos elementos, que ele descobrira, enviou-me, para o meu estudo, uma série de poesias de Ruy Moniz, por pertencer ao número dos Poetas madeirenses. Nas investigações a que procedi ainda não achei dados concretos que identifiquem esta personagem ligada à vida madeirense, mas tudo leva a crer que tinha suas raízes na Madeira. História Literária da Madeira De Ruy Moniz «Crede verdadeiramente De meu mal cura ninguém, assim sou com dor aflito, triste desaventurado, que me gasta meu espírito nem quem amo tem cuidado em o sentir certamente. de quanto dano me vem. O cravo de que falais Mantenho-me no que sonho cada um dia por espaçar, me dá por Santa Maria como quer que meu sonhar mór pena do que pensais, se torna cuidar no gronho nem eu dizer poderia. mais que nojos afastar». Ainda esta composição de Ruy Moniz, em resposta, como a anterior a outra que lhe tinham dirigido. «Minha chaga é tão razente, e não viveis enganado, que quando me curam grito que me pes mal a meu grado tão alto, que sou desdito por amores vos detém. ousadas bem feiamente. Havíeis como o cegonho, Não queira Deus que sintais se medrar o que eu sentia, quiserdes ou despertar, quando m' o judeu metia cá por Deus se m' apeçonho, dois ferros quentes mortais, é por não querer peitar». que alma m' estremecia. «Por que não sou eloquente, Pois que trabalhais por quem meus pesares não repito História Literária da Madeira História Literária da Madeira a vós o homem precito Pois do que mais vos convém por amores claramente. vos vejo pouco lembrado, deixo vos, homem coitado, Cansai, já que não cansais, vou me caminho d' Ourem. desta porfia, porque mais vos compriria, Queria vos por com conho, pois com trovar não cegais, por mudar cegar-vos Santa Luzia. um mortal acutelar, e um olhar vos tristonho em um doce conversar». E ainda mais esta do mesmo Poeta, «Mandam me de paciente Aquela que vos pertem comer de cote um palmito, me traz assim derreado, ou cordela de cabrito, que com nojos sou tornado peor que forçadamente. mais cão que Matusalem. Suporto tormentos quais Como morto sou medonho não sofreria no olhar, por ser são por grã quantia já não sou para prestar, d' ouro nem d' outros metais de ser ledo m' avergonho nem de pedras de valia. mais que outrem de furtar». História Literária da Madeira Francisco d' Alcoforado é o nome de um dos Escudeiros do Infante Dom Henrique e que tomou parte no empreendimento de Zarco para a descoberta do Arquipélago da Madeira. Foi atribuída a este Francisco de Alcoforado a autoria de um relato onde apresentava, como facto verídico, a fantasia literária do romance amoroso de Roberto Machim e Ana d' Harfet, que, em seu dizer teriam sido, casual e involuntariamente, os primeiros a chegar à Madeira. Em 1671 apareceu editada em Paris uma tradução, com o título de «Relation Historique» atribuindo-se o texto original, escrito em português, a Francisco de Alcoforado. O escritor D. Francisco Manuel de Melo, por razões que se devem prender com interesses e conveniências da política internacional e nacional dessa época, afirmava estar de posse de um manuscrito de Francisco de Alcoforado e que ele, D. Francisco Manuel guardava cuidadosamente e com certo mistério. Não faltou quem atribuísse a manobra do tal misterioso escrito na posse de D. Francisco Manuel de Melo, aos ingleses, a quem muito naturalmente convinha não só pôr em duvida o feito da Descoberta do Arquipélago da Madeira pelos Portugueses, mas também chamar a britânicos possíveis direitos de posse das novas Ilhas, pela razão de ter sido Robert Machim, inglês portanto, o que, antes de nenhum outro, chegara a estas paragens, e assim assegurava à Inglaterra, pelo menos, a possibilidade de discussão de primazia e de posse. E tanta esta hipótese parece oferecer certo fundamento, que em 1675 aparece a mesma tradução em inglês com o título, bem significativo das intenções, «The first discovery of the Island of Madeira». História Literária da Madeira Nas Notas às Saudades da Terra vem a contradita fundamentada em argumentos de tal modo explícita que não pode deixar dúvidas de que apenas um documento apócrifo aparece em jogo. A avaliar pelo estudo dos textos e pela comparação dos factos, pelas datas e pelo estilo e ainda por outros detalhes; conclui-se que a hipotética história do Descobrimento de Alcoforado é obra apócrifa e que a «Relation Historique» não passa de uma tradução da Epanafora de Dom Francisco Manuel de Melo. Assim a razão de que o relato se baseia num manuscrito cuidadosa e misteriosamente guardado, que de Francisco de Alcoforado fora para a posse de D. Francisco Manuel não encontra alicerces, caindo como um castelo de cartas. O escritor britânico Edgir Prestage consagrou as suas actividades intelectuais especialmente a assuntos portugueses. E' um Escritor honestíssimo e de grande autoridade, tendo a par de um acendrado amor à verdade histórica uma inteligência magnífica que lhe permite chegar a conclusões precisas. Edagar Prestage escreveu um magnífico estudo sobre D. Francisco Manuel de Melo. Em determinada altura desse trabalho, referindo-se a uma viagem de D, Francisco Manuel, de Lisboa para o Brasil com escala pelo Funchal, descreve a frota das 36 naus que aportaram a Madeira em 21 de Abril de 1655, em uma das quais ia D. Francisco Manuel, refere-se textualmente nestes termos: - «A estada na Madeira, de quase um mês, devia ter sido agradável ao Escritor porque lhe proporcionava ocasião de apreciar as belezas naturais da Ilha, não só por ter sido ocupada pelo seu ascendente João Gonçalves Zarco, que veio a ser Capitão da Ilha e fundador do Funchal, mas porque um ano antes ele próprio historiava na 3.ª Epanaphora o suposto descobrimento pelos amantes fugidos Robert Machim e Ana d' Harfet». História Literária da Madeira É o próprio escritor britânico, Edgar Prestage, que honestamente classifica de «suposto descobrimento» o que serviu de base para a «Relation Historique». Há, contudo, um pequeno lapso no relato de Edgar Prestage, que foi mais leal para com o valor e os feitos dos portugueses, do que o seu briografado, que aceitou a lenda de Machim dando-lhe com o seu concurso foros de exactidão histórica, que não tem razões nem fundamento. A lenda de Machim é um fruto de divagações românticas de literatos, aproveitada habilmente para fins que vão além das esferas da simples literatura. O lapso que registo em Edgar Prestage é quanto à descendência de Zarco ir até D. Francisco Manuel de Melo. O Dr. Rodrigues de Azevedo refuta também essa passagem. D. Francisco Manoel de Melo não pode descender, pelo menos por varonia legítima, do I Capitão Donatário do Funchal, visto que Rui Gonçalves da Câmara, que foi casado com Dona Maria de Bettencourt, não teve desta senhora qualquer geração. Rui Gonçalves da Câmara era irmão dos Escritores e Padres Jesuítas Luís e Martim Gonçalves da Câmara. Também Zarco não foi «Capitão da Ilha», como diz Prestage, mas Capitão Donatário do Funchal, havendo ao tempo mais duas Capitanias no Arquipélago - uma em Machico e outra na Ilha do Porto Santo. Mas voltando à lenda de Machim temos que na 3.ª Epanaphora, Dom Francisco Manuel ocupou-se da Descoberta da Madeira com a fluência e a riqueza da sua prosa e o realce com que destacava figuras e factos, indo por vezes até os exageros fantasiosos, se bem que engenhosamente apresentados. História Literária da Madeira O Escritor cuidou mais da forma literária e do sentido romântico da obra do que de considerar a responsabilidade da verdadeira história. E' certo que já anteriormente outros escritores tinham explorado o tema da lenda de Machim. O que merece áspera censura foi ter o Escritor dado foros de veracidade ao que ele bem devia saber que não passava de uma fantasia e servir-se ainda da afirmação menos exacta de possuir «preciosamente guardado um manuscrito de Francisco de Alcoforado, companheiro de Zarco», em que narrava como verdadeiro o episódio. A «Relation Historique», assim como a tradução editada em inglês, não devem ser atribuídas a D. Francisco de Manuel de Melo, além de tudo porque este Escritor, Militar e Diplomata dos mais distintos, que foi, morreu em 1666, portanto antes do aparecimento dessa fraude literária e histórica. Mas se as culpas da fraude propriamente dita não pertencem a Dom Francisco Manuel, o facto de ela ter tomado vulto a ponto de afectar a verdade histórica, com prejuízo do brio português, é da responsabilidade do Escritor não só pela sua afirmativa imaginosa do manuscrito mas ainda pelos foros de exactidão que firmou com o seu nome a lenda de Machim. Existiu na Biblioteca de Madrid um manuscrito que era atribuído a Francisco de Alcoforado, relativo à História da Descoberta da Madeira. Seria aquele o que serviu de base para a «Relation Historique»? Esse manuscrito, fosse embora apócrifo, tinha por todos os motivos um grande valor, mas durante a dominação dos «Vermelhos» em Espanha desapareceu num incêndio, como tantas outras preciosidades insubstituíveis que a loucura desse período inutilizou. História Literária da Madeira Ao que me informam, o meu amigo e ilustre camarada nas letras, Dr. João Franco Machado numa viagem de estudo que fez a Madrid, antes da «dominação Vermelha» tinha fotografado o manuscrito atribuído a Francisco de Alcoforado, conservando dele as provas fotográficas que é quanto hoje se pode haver e sendo isso portanto um elemento precioso. Mas neste caso do manuscrito de Madrid há que considerar se será ou não aquele a que se referia Dom Francisco Manuel, que o tinha guardado com grande mistério.. A avaliar pelo que tenho estudado, seja ou não, e sendo embora apócrifo, tem contudo interesse. É das «Notas» às «Saudades da Terra» o seguinte texto, que tem início ao fim da página 352, sob o título de «Francisco Alcoforado». - «Temos presente a «Relation Historique» acima citada, impressa em Paris, no ano de 1671, como obra de Francisco Alcoforado. Ultimamente a Ex.ma Sr.ª D. Maria de Oliveira, desta cidade, a mandou reimprimir, na fé de que era o primordial monumento da história do Descobrimento da Ilha da Madeira. E sê-lo-ia, com efeito, se tivera por autor um dos companheiros de Zargo, como se diz que Alcoforado foi: então estaria irreprimivelmente provado o caso de Machim, e o como a noticia dele trouxe cá os nossos portugueses; porque tudo nesse folheto se acha minuciosamente relatado. Mas a boa fé dessa ilustre Senhora, como a de muitas outras pessoas, foi ludibriada: tal escrito não é, não pode ser de Alcoforado; não passa de contra feição da Epanaphora de Mello; é uma mera fraude, e tão boçal que figurando-se aí ser Alcoforado dos da expedição de Zargo, no ano de 1420, não obstante, aí aparece Alcoforado a referir-se à cidade do Funchal, a qual só em 1508, por carta de D. Manuel, cidade foi, como adiante se verá; a aludir à Ásia de João de Barros, cuja primeira Década só foi dada ao prelo História Literária da Madeira em 1552; a duvidar do incêndio das matas virgens da Madeira, a respeito do qual não podia deixar de saber se o houve, ou não: e em fim a falar pelo estilo seiscentista do aprimorado Melo! - Fora mister que Francisco Alcoforado vivesse uns bons duzentos anos. e que só ao cabo deles escrevesse, para que se dissesse, e pela frase com que lá está, o que da Relation Historique consta. Para que de um lance de olhos os encantos se desiludam, aí vão confrontados dois trechos paralelos. Texto da Epanafora primeira Década da Ásia, antepondo a esta fundação a de outras Passou-se logo ao Funchal, porque duas igrejas. Da mesma sorte é para embarcações, força que duvide do incêndio que eram, como dissemos, os Ilhéus ele afirma que durou sete anos por mais acomodados, que a costa; & toda a Ilha. Ao que, parece, parecendo-lhe pela abundância de implicam os bosques, que sempre agua & formosura do vale dos nela permaneceram, dos quais há funchos, este sitio mui idóneo de tantos anos se cortam madeiras, povoação, deu nele princípio à para fabricas dos assucres. reparo das Cidade do Funchal, que em breve fez ilustre; cujo primeiro altar Texto da Relation Historique ofereceu a Deus sua mulher Constança Rodrigues, matrona On passa en suite au Funchal, piedosíssima, debaixo do orago & parece que comme nous 1' avons patrocínio dit, ses petites isles estoient plus de Santa Catarina Mártir. Contra o que (não tão bem propres informado costuma) vaisseaux que les cotes, et cette escreveu João Barros, em sua situation leur poroissant, à cause como pour la sureté des História Literária da Madeira História Literária da Madeira de l`abundance des eaux et de la Barros, moins bien informe a cet beauté de lá vallée, tres-propre à y egard que le costume, preposant fonder ils lla fondation de deux autres eglises commencèrent à y batir la ville de à celle-ci. Cette méprise me fait Funchal, qui devint illustre en peu douter de V embrasement qu' il de temps, et de laquelle le premier affirme avoir dure sept ans en cette autel par isle, auquel semblent contredire les le grands boi's qui y ont toujours patronage de Sainte Catheríne, demeuré, quoy qu' on en ait coupé contre ce qu' à ecrit Jean de une une fut Constance offert colomie, à Rodrigues, Dieu sous grande quantité depuis plusieurs années, pour servir aux moulins à sucre. A Relation Historíque é toda assim: tradução da Epanaphora... falseada no nome do autor. No ano de 1675 apareceu esta mesma fraude reproduzida em Londres, no idioma inglês. A evidência dela, se não desconceitua, pelo menos não abona a lenda de Machim. Fique-se, pois, a Relation Histotique reduzida ao que é; e, em pena, hajamo-la por excluída dos escritos a consultar para a história do Descobrimento destas Ilhas». «Monarquico-clerical» chamou o Dr. Rodrigues de Azevedo ao segundo período da divisão da História Literária que ele estabeleceu para a Madeira, de 1556 a 1706. É evidente que o espírito «liberal» da época não podia deixar de exercer influência sobre o Escritor. História Literária da Madeira Bastará reproduzir o seu conceito sobre os autores monásticos desse tempo para se compreender quanto as ideias, então em voga, actuaram no Dr. Azevedo. Nas suas «Notas» às «Saudades da Terra», na página 779 diz: - «Das supracitadas obras dos autores monásticos só temos presente a «Gramática» do Padre Manuel Alvares; quase todas ficaram manuscritas e são hoje perdidas; mas bastam os títulos delas para se reconhecer que há quase totalidade eram místicas e estéreis aos progressos do espírito humano». Este juízo é bastante leviano e pouco próprio para um Escritor da categoria e com as responsabilidades do Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo. Bastavamlhe os títulos para se pronunciar sobre as obras! Nem é sério nem aceitável tal sistema de crítica. Pelo simples facto de serem livros da autoria de Escritores eclesiásticos era forçoso, que fossem obras místicas. E mesmo que o fossem era isso motivo para diminuir o seu valor? É lamentável! O anotador da Obra do Dr. Gaspar Frutuoso pôs-se assim em cheque, deixando-se dominar apenas pelo facciosismo das suas ideologias, como era então «moeda corrente». Daqui a sua destrambelhada critica. Dentro desta ordem de ideias tudo quanto o Dr. Rodrigues de Azevedo considerou «místico» estava de antemão condenado. Não admitia que dentro do misticismo existisse qualquer beleza intelectual nem méritos literários. As opiniões pessoais do crítico não devem sobrepor-se à realidade. A corrente literária que se verifica de 1566 a 1706 sofreu a influência da tradição grecoromana do renascimento, que deslumbrou os Escritores e lhes deu um revigoramento brilhante. História Literária da Madeira Poetas e Prosadores, entusiasmados esforçavam-se por celebrizar os feitos dos Heróis que, paralelamente, vão dilatando a Fé e o Império até aos confins da Terra. Os Escritores do Arquipélago da Madeira, firmes nos seus sentimentos patrióticos e cristãos, acompanham a corrente da época a par dos camaradas do Reino que se orgulham da colaboração dos Ilhéus, que também entram nos grandes empreendimentos «por mares nunca dantes navegados», e em «lutas esforçadas». As façanhas dos Portugueses maravilham o mundo e daqui um justo orgulho nacional. Reconhecem-nos méritos inegáveis de descobridores e de colonizadores, levando e radicando a civilização crista a Povos remotos. É a força da Fé dos Portugueses de antanho que firma a grandeza do Império. É o misticismo, desses nautas audaciosos e desses guerreiros destemidos, que engrandece a Nação e glorifica a Raça. Não há motivo para estranhar que as obras literárias traduzam os sentimentos então dominantes. Foi pois o misticismo que civilizou os novos mundos que Portugal deu ao mundo. Tudo quanto se passava no Reino se reflectia na vida do Arquipélago destas portuguesíssimas Ilhas Atlânticas. Desta forma a corrente literária do Século teria actuado na Madeira. Mais alto que todas as criticas e que todas as paixões facciosas, temos os poetas que as investigações puseram à vista, com as suas realidades justificadas e documentadas a dizer o que foi a verdade histórica. História Literária da Madeira O Doutor Gaspar Frutuoso, muito embora tivesse nascido nos Açores e só casualmente passasse no Funchal, deu um notável contingente para o estudo da História do Arquipélago da Madeira, assim como para a crítica do movimento literário insulano nos séculos XV e XVI. Era natural da Ilha de São Miguel e foi um dos valores intelectuais mais notáveis da sua época. As suas investigações e os resultados a que chegou deram--lhe uma formidável autoridade sobre as coisas dos tempos idos, no amanhecer do século maravilhoso das façanhas dos Portugueses. Nasceu em 1552 mas começou a notabilizar-se como literato erudito só por volta de 1590. Era filho de Família nobre e rica. Desde muito novo que manifestou os seus dotes de inteligência e o amor ao estudo. Cursou a Universidade de Salamanca com distinção. De regresso a Portugal esteve em Braga e depois em Lisboa onde instaram para que aceitasse um Bispado. Dotado de um espírito modesto, de verdadeiro cristão, o Doutor Gaspar Frutuoso recusou sistematicamente aceitar as altas dignidades da Igreja, para que era chamado, escolhendo apenas a modéstia de paroquiar a vila da Ribeira Grande, vivendo dentro do seu dever de Padre e aferrado ao estudo. Foi da modéstia da sua vida na Ribeira Grande que ele escreveu esse verdadeiro monumento da História e do movimento literário das Ilhas Adjacentes -«Saudades da Terra». História Literária da Madeira Ainda hoje esta obra é o mais rico repositório de dados essenciais à História do Arquipélago da Madeira, nos períodos mais chegados à Descoberta. Tudo quanto é possível ainda hoje reconstituir sobre a vida, as figuras e os factos dos séculos XV e XVI, na Madeira e no Porto Santo, deve-se às investigações e aos escritos deste clérigo erudito e virtuoso. Tanto os Arquivos como os cronistas são insuficientes para se concretizar o que foram as épocas primitivas da colonização da Madeira. Na sua grande obra - que dividiu em seis volumes - o Doutor Gaspar Frutuoso visou os Arquipélagos Portugueses do Atlântico Açores, Madeira e Cabo Verde, e ainda o Arquipélago Espanhol das Canárias. Com isenção e com palavras de louvor ele próprio se refere ao valioso concurso que lhe prestou o Cónego da Sé do Funchal Jerónimo Dias Leite, pois que foi este clérigo quem lhe facultou a narrativa de Gonçalo Aires Ferreira com o Descobrimento de Arquipélago da Madeira, o que lhe permitiu, com as anotações e complementos do Cónego Dias Leite, formar juízos perfeitos. Foi no 2.º livro das «Saudades da Terra» - publicado em 1873 com as «Notas» do Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo - que o Doutor Gaspar Frutuoso se ocupou em especial e com desenvolvimento em estudar a vida do Arquipélago da Madeira. Das referências que o Doutor Gaspar Frutuoso faz, nesse manuscrito do século XVI, a António Galvão sobre o seu «Tratado de todos os História Literária da Madeira Descobrimentos», pode concluir-se que em 1560 este livro se encontraria sem dificuldade, pois fora impresso em Lisboa em 1563, tendo consultado o autor das «Saudades da Terra». Note-se que António Galvão não faz afirmações sobre o Arquipélago da Madeira, limitando-se a relatar a versão dos factos. No volume publicado pelo Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo, as primeiras 310 páginas das «Saudades da Terra» compreendem o texto original do Doutor Gaspar Frutuoso, tendo esse trabalho cinquenta capítulos. É pois no livro 2.° da autoria do douto açoreano que ele faz «A História das Ilhas do Porto Santo, Madeira, Desertas e Selvagens», desde a Descoberta de Zarco. É um estudo detalhado, que se pode considerar como uma magnífica crónica do Arquipélago, feito com cuidado e tomando muito em consideração o testemunho de Gonçalo Aires Ferreira, assim como as anotações e ampliações feitas pelo Cónego Jerónimo Dias Leite. Uma figura muito notável que se ligou intimamente com a vida e o intelectualismo madeirense foi o Bispo D. Jerónimo Barreto. Nasceu em Braga em 1543 e era de nobre ascendência. Em 1572, quando foi designado para Bispo do Funchal, ainda não tinha atingido a idade exigida pelas Leis Canónicas para tal investidura e por isso teve de aguardar o mês de Outubro de 1574 para assumir o governo da sua Diocese. Foi sempre absolutamente recto e honestíssimo. Possuía uma vasta erudição, tendo-se formado em Teologia na Universidade de Coimbra, onde revelou o seu talento e aprumo moral. História Literária da Madeira Organizou e publicou as Leis Canónicas das «Constituições Diocesanas» que foram impressas em Lisboa, em 1585, formando, um volume de 187 páginas. A Diocese do Funchal passou a reger-se desde então por essas regras. A obra do Bispo D. Jerónimo Barreto revela o alto grau de inteligência e o muito saber do prestigioso Prelado, o acerto dos critérios e a rigidez da sua Alma. Começaram a vigorar as regras das «Constituições Diocesanas» em 18 de Outubro de 1578. O Bispo do Funchal D. Jerónimo Barreto foi pessoa muito ilustrada, que deu à vida literária da sua época no Arquipélago uma curiosa orientação. Faleceu em 1589, em pleno vigor da vida, durante uma estadia que fez no Algarve. Simão Nunes Cardoso escreveu uma memória que intitulava «Relação do Saco que os franceses fizeram na Ilha da Madeira no ano de 1566». Nos capítulos XLIV e XLV das «Notas» do Dr. Rodrigues de Azevedo vem a descrição desse assalto à mão armada, levado a efeito por piratas franceses, useiros e vezeiros nestas barbaras «façanhas», assim como se regista da parte de britânicos e mouros, também. O Dr. Rodrigues de Azevedo opina que a Relação de Simão Nunes Cardoso deve ter sido copiada pelo Cónego Jerónimo Dias Leite para a remeter ao Doutor Gaspar Frutuoso, para os Açores. O que interessa é registar o relato de um Escritor madeirense que em bom estilo, claro e detalhado, deixou a história da tragédia desse assalto dos Corsários franceses, que assolaram o Arquipélago, deixando uma triste lembrança, assinalada pelo sangue inocente que derramaram e pelas violências praticadas contra uma população pacífica e indefesa, nesse ano de 1566. História Literária da Madeira Simão Nunes Cardoso pertencia, sem dúvida à nobre Família dos Cardosos de Gaula, na Capitania de Machico, pois nessa época não eram conhecidos no Arquipélago outros Cardosos. É de crer que o Cónego Dias Leite tivesse extraído do manuscrito o que aproveitou para as suas notas para a História da Madeira. Analisando os dois capítulos das «Notas» do Dr. Rodrigues de Azevedo verifica-se que ha menos detalhes no relato das violências exercidas pelos franceses na parte sul do Funchal, ao passo que da banda do norte, onde Simão Nunes Cardoso então se encontrava e onde deve ter sido testemunha presencial, o pormenor vai até as minúcias, descritas com uma precisão e tanto ao vivo que mostram bem terem sido escritas por quem muito de perto as verificou. Pelo relato de Simão Nunes Cardoso sabe-se que António de Carvalhal, Francisco Lomelino e António de Freitas organizaram na Capitania de Machico forças para socorrerem os vencidos do Funchal, mas os funchalenses não só mandaram recusar esse socorro mas insistiram para que os da Capitania de Machico moderassem mais os seus ímpetos guerreiros, que bem podiam agravar a situação. Em quanto decorriam estas conversas um desalento covarde e a falta de iniciativa, para uma possível resistência, permitiam aos Corsários franceses o domínio absoluto da sede da principal Capitania do Arquipélago. A rivalidade entre a Capitania do Funchal e a Capitania de Machico vinha de longe, pois que já no tempo de Tristão das Damas, 2.° Capitão Donatário de Machico, havia esforçado propósito de suplantar com o brilho e com o espírito esmerado dos serões literários da «Corte de Machico» os saraus do Capitão do Funchal. História Literária da Madeira Tristão das Damas, o Poeta do Cancioneiro, teria, por ventura, depois das luz idas cavalgadas, que organizava na sede dos seus domínios, festas no seu «Paço» onde repetia a sua «Corte» as famosas produções literárias, as trovas e madrigais que lhe granjearam renome. Tem interesse a descrição do assalto dos piratas franceses, que escreveu Simão Nunes Cardoso e ainda por esse documento se pode avaliar da poosa das faculdades do Escritor. «Aos 3 dias de Outubro do ano de 1566, véspera do seráfico São Francisco, aportaram a esta Ilha da Madeira três poderosos galeões da França, onde vinham por todos mil soldados arcabuzeiros, fora outra gente do mar, com tenção de saquear a cidade do Funchal, pela fama que de sua riqueza soava: e porque no porto dela não ousaram desembarcar, foram deitar ancora na Praia Formosa, uma légua abaixo do Funchal, que terá como que um quarto de légua de área, e tem a terra tão alta que ainda que sejam naturais não podem subir senão pela rocha, por caminho estreito e perigoso e os estrangeiros com piloto de terra. Vinha por Capitão destes Corsários Monsieur de Maluc, gascão de nação, e eles vinham apercebidos para o efeito que tiveram; desembarcaram sem resistência alguma, porque não havia suspeita que queriam cometer a cidade, pois não havia guerra entre a França e Portugal...» O primeiro choque, entre os assaltantes e os defensores do Funchal, deu-se História Literária da Madeira próximo da Igreja de S. Pedro, onde o Capitão Francisco Gonçalves da Câmara lhes saiu a tolher a marcha, combatendo mais de uma hora, mas devido à falta de elementos para resistência e ao número tão elevado de inimigos, bem apetrechados, aproveitando o feliz acaso de ter sido ferido o Chefe dos Corsários, o que estabeleceu certo alarme entre os assaltantes, recuou e foi entrincheirar-se na Fortaleza de S. Lourenço. Nessa altura também as Freiras do Convento de Santa Clara saíram com a Cruz a levantada e sem impedimento seguiram para o Curral levando consigo o Guardião, Frei Baltazar Curado. É que os franceses se haviam convencido de que os portugueses dispunham de forças, emboscadas na cerca do Convento, o que os levou a seguirem outra directriz. O grande fulcro da luta tornou-se a Fortaleza de S. Lourenço onde os assaltantes, segundo Simão Nunes Cardoso «abrem brecha pela janela da sala da banda de S. Francisco». Parece que foi Gaspar Correia «homem fidalgo e rico» quem feriu mortalmente o Chefe Corsário. Mas, retomando a narrativa de Simão Nunes Cardoso, vê-se que «tomada a cidade levantaram no mesmo dia e instante por Capitão Geral a Fabião de Maluc, de idade de 20 anos, irmão do Capitão morto: que, como alguns dizem, um deles era Visconde de Pompadour ou de Pompada». Gaspar Frutuoso menciona que os franceses «mataram na entrada da cidade, História Literária da Madeira tal ficaram de posse dela, quase duzentos portugueses e dos seus morreram cincoenta e o Capitão-Mór». A seguir à tomada do Funchal foi o assalto aos templos, aos palácios e às casas, onde podiam pilhar matando os habitantes e cometendo actos de selvajaria. Demoraram-se os franceses onze dias na Madeira e quando levantaram ferro levaram como escravos numerosos portugueses que foram depois vender no Mediterrâneo! Segundo o relato do Escritor verifica-se o contraste das atitudes, sendo heróica a defesa do norte ao passo que no sul se regista covardia e inacção. Pode talvez haver nisto um pouco de parcialismo e de rivalidade da Capitania de Machico a que pertencia Simão Nunes Cardoso. Mas seja como for é incontestável pelo que se aprende na curiosa narração do fidalgo Escritor, que foi terrível o assalto e o saque do Funchal pelos Corsários franceses. Foi ainda este relato de Simão Nunes Cardoso que forneceu a Gaspar Frutuoso, por meio do Cónego da Sé do Funchal, Jerónimo Dias Leite, os elementos precisos com que depois organizou a circunstanciada descritiva das «Saudades da Terra». O Padre Francisco de Castro, Doutor em Teologia pela Universidade de Évora, nasceu no Funchal e segundo a «Biblioteca Lusitana», Barbosa Machado apresenta-o como um dos mais celebrados e eruditos oradores sagrados do seu tempo. Inocêncio assegura, no «Dicionário Bibliográfico», História Literária da Madeira que os sermões do Padre Doutor Francisco de Castro são bastante raros. Em 1656 foi publicada uma oração sobre «a Visitação da Madre de Deus», impressa em Rochelle, onde se pode admirar a elegância sóbria do estilo, a riqueza de vocábulos e a eloquência do ilustre clérigo madeirense. Tristão Gomes de Castro nasceu na Madeira em 1543. Barbosa Machado menciona, na «Biblioteca Lusitana», dois trabalhos deste escritor «Argonautica da Cavalaria», e «Façanhas de Lesmundo». Parece que Tristão Gomes de Castro descendia do célebre João Gomes da Ilha, o Trovador e Poeta do Cancioneiro, trazendo de seu antepassado o culto pelas boas letras. A obra de Tristão Gomes de Castro ficou inédita na maior parte. Tinha apenas 68 anos de idade quando faleceu, na sua -terna natal, em 1611. O Padre Leão Henriques nasceu na Ponta do Sol, na Ilha da Madeira. Era de nobre ascendência, visto que era parente dos Câmaras, por ser filho de Dona Filipa de Noronha. Pertenceu à Companhia de Jesus. Estudou em Coimbra e depois em Paris, onde conviveu com Santo Inácio de Loyola, de quem foi amigo. O seu valor, o seu saber e a sua inteligência brilhante levaram-no a desempenhar na sua Ordem os mais altos cargos. Foi o primeiro Reitor da Universidade de Évora, Confessor do Cardeal Rei Dom Henrique de História Literária da Madeira Portugal e Delegado junto da Cúria Romana. A grande erudição e o talento excepcional deste descendente de Gonçalves Zarco permitiram-lhe que fosse considerado como uma das maiores figuras da intelectualidade da sua época. Teve um grande relevo na vida do País, como homem eminente, intelectual e escritor. Faleceu em Lisboa no dia 8 de Abril de 1589. O Padre Luís de Morais publicou em 1621 um trabalho interessante: «Pregação e Beatificação de S. Francisco Xavier». Barbosa Machado tem para este Padre Jesuíta madeirense palavras bem elogiosas, referindo-se à sua obra literária. O livro sobre S. Francisco Xavier foi incluído na relação das Festas em honra do grande Apostolo das índias. O Padre Fernando Augusto da Silva também enaltece o valor deste madeirense, que faleceu em 1622. O Cónego Jerónimo Dias Leite foi um estudioso e um investigador incansável. Segundo o Padre Fernando Augusto da Silva, Jerónimo Dias Leite, em 1572 «era Cónego de meia prebenda» e em 1500 estava nomeado para a Sé, Catedral do Funchal. Os seus estudos para a História do Arquipélago tiveram um grande valor. Ele próprio escreve que o manuscrito de Gonçalo Aires Ferreira sobre o Descobrimento foi a principal fonte de elementos para os seus trabalhos. História Literária da Madeira O Doutor Gaspar Frutuoso teve com o Cónego Dias Leite aturada correspondência, confessando que dele recebera os Tombos das Câmaras da Ilha da Madeira que muito facilitaram as suas investigações. Em outro texto das «Saudades da Terra» o Doutor Gaspar Frutuoso diz que foi o Cónego Jerónimo Dias Leite quem «recopilou» o manuscrito de Gonçalo. Aires Ferreira para lh' o remeter com as necessárias correcções e ampliações. O Dr. Rodrigues de Azevedo possuiu um manuscrito do Cónego Dias Leite com a «História do Descobrimento da Madeira e da descendência nobilíssima dos seus valorosos Capitães». Teria sido esse manuscrito cópia do que ele remeteu em 1590 a Gaspar Frutuoso»? A Biblioteca Municipal do Funchal possui também um manuscrito do Cónego Jerónimo Dias Leite. Esse documento tem particular interesse para a História da Madeira e parte dele já foi publicado. Troilo de Vasconcelos da Cunha era filho do Governador Capitão General da Madeira, Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha. Nasceu no Funchal em 1654 e ainda muito novo, já firmava os seus créditos de talentoso, sendo escritor e poliglota. Fez os estudos teológicos e especializou-se em latim e grego. Escreveu «O Espelho do Invisível», onde se revela como Poeta e Filosofo de larga envergadura. Inocêncio salienta «a sua pureza de estilo». Fugiu da Escola Gongórica, então dominante, na vida literária. Refere o Padre História Literária da Madeira Fernando Augusto da Silva que Troilo da Cunha «trasladou para vernáculo o poema latino Justino, com o nome de Justino Lusitano e deixou muitas composições inéditas em verso». Distinguiu-se como escritor erudito e faleceu em Lisboa em idade avançada. Frei Damião das Chagas nasceu no Funchal e Barbosa Machado menciona que «escreveu uma obra ascética em dois volumes, que não chegou a ser publica». Intitulava-se esse livro: «Tratado Espiritual» e deve pertencer ao número daquelas obras de quem o Dr. Rodrigues de Azevedo dizia, que só pelo título, «eram misticas e estéreis ao espírito», irritando o seu anticlericalismo. Este Frei Damião das Chagas era Monge Arrabido e gozava na sua Ordem de grande fama de virtuoso e erudito. Veio a falecer no seu Convento, no Continente do Reino, no ano de 1600. Frei Remigio de Assunção pertencia a famílias aristocráticas e descendia de Gonçalo de Freitas, tendo nascido em Santa Cruz, na Capitania de Machico. A obra literária deste Clérigo tinha um grande valor, pelo que a «Biblioteca Lusitana» dá um enorme relevo às produções literárias deste madeirense ilustre. Escreveu em português e em latim. Foi Geral do Mosteiro de Alcobaça e Deputado da Inquisição em Coimbra. Os seus trabalhos mais notáveis foram «Aforismos Espirituais», «Commentarium in Regulam S. Benedicti» e «Commen-tarium in Psalmus». História Literária da Madeira Este clérigo, fidalgo e escritor madeirense, impôs-se sempre pelas suas virtudes e pela sua erudição verdadeiramente notável. A sua contribuição para o engrandecimento literário da Madeira merece menção. Morreu em 1654. António Teixeira de Mendonça escreveu o «Livro das Gerações do Reino de Portugal». Barbosa Machado diz, na «Biblioteca Lusitana», que «era natural da Ilha da Madeira». Nas buscas a que procedi não me foi dado ir mais longe, mas pelos apelidos, que ainda hoje são vulgares no Porto da Cruz e Machico, inclino-me a que pertencesse a família com raízes na Capitania de Machico. O motivo e o estilo da obra estão bem dentro de uma corrente desse período. Manuel Tomás nasceu era 1585, em Guimarães. Era orador e Escritor muito distinto. Foi o seu poema épico «A Insulana» que o ligou tão intimamente à História da Madeira. A maior parte dos 80 anos de existência de Manuel Tomas passou-os na Madeira. Mereceu-lhe especial interesse a lenda de Machim e seguindo o progressivo desenvolvimento insular, descreveu as figuras e os feitos mais notáveis do Arquipélago, conseguindo dar relevo à História da portuguesíssima Ilha da Madeira. História Literária da Madeira «A Insulana» foi primitivamente impressa na Flandres em 1635. As influências gongóricas incidem fortemente no trabalho do Escritor. No entanto tem a perfeita arte de dizer, fantasia rica, imaginação fértil e engenho nos conceitos, com um fundo moral muito característico. Teve uma grande influência nos Escritores da sua época e sobre os da época seguinte. Francisco José Freire considerava «A Insulana» como uma verdadeira epopeia de grande valor. Enferma a obra, porém, de excessiva minúcia nos detalhes e em relatos extensos. Se a «Phenix Luzitania» é uma obra de fôlego, a «Insulana» é incontestavelmente a obra-prima de Manuel Tomas. Na «Biblioteca Lusitana», Inocêncio Francisco da Silva refere que foi no dia 10 de Abril de 1665 que se deu o crime de homicídio que vitimou Manuel Tomas. O Dr. Rodrigues de Azevedo quis atribuir o atentado a motivos políticos ligados à intriga da vida regional da época. O Padre Fernando da Silva, comentando o bárbaro assassinato deste velho de 80 anos escreveu, a propósito do parecer do Dr. Rodrigues de Azevedo: - «não sabemos em que razões se fundou o ilustre Professor para fazer ía.1 afirmativa, nem como se matou um homem, e de mais octogenário, por causa de acontecimentos que se deram três anos e meio depois do seu assassinato». Estes acontecimentos referiam-se ao movimento contra o Governador Capitão General D. Francisco de Mascarenhas, que tomou posse do seu cargo em 28 de Novembro de 1665 e que era malquisto no Arquipélago. Na Biblioteca Municipal do Funchal existe um exemplar de «A Insulana», de Manuel Tomas. Ao alto da 5.a página depara-se com esta nota: História Literária da Madeira - «Manuel Tomas ao que lêr» «O que se lêr neste Poema da Insulana que não seja conforme crê e ensina a Santa Igreja de Roma, só e verdadeira Igreja, confesso por erro e desde agora conhecendo minha ignorância o retracto, e dou por não dito e protesto que tudo escrevi com pureza de animo, e minha intenção é mui conforme em tudo «com as Determinações da Santa Madre Igreja Romana, Concílios e Decretos dos Padres Santos, a cuja censura todas minhas obras humildemente sujeito. Manoel Tomaz». Depois, na página 15, depara-se com esta «advertência»: «Alguns escritores nossos brevissimamente contam este Descobrimento da Ilha, sem tratar da causa e noticia principal dela se teve, pela perda do inglez Machim, como na verdade o tratam as Relações dos primeiros Descobridores que seguimos; e porque fizemos menção dos versos que se acharam na sepultura da sua amada Ana d' Harfet, me pareceu bem que vão aqui por não poderem ir em o seu lugar na margem do livro. Deles não se acharam mais que estes quatro Dísticos, nos de mais pedia o Templo de que se trata no verso, que se perderam; nihil temporis efficere non possit». «Hie iacet in duro veneranda Britana Sepulchro Ana Harfet: História Literária da Madeira gelidis iam bene nota plagis. Haec reliquos omnes sprevit generosa Britanos Me solum sponsum, malit habere Machim, Heu quos vera fides in amore liganerat unó, Fluctibus eiectos, terra inimica capit, Ecce iacet linens cálido sino sanguine corpus Unde mihi (quae me sic amat) uxor erit». «Na de Machim se poseram depois estes dois versos: «Hoc túmulo Machjnirs adest expulsus iniquis Casíbus a Pátria, creduli sorte peremptus». Como se vê Manuel Tomas deixa-se ir enlevado a colaborar na lenda fantasiosa da aventura de Machim e de Harfet, dando-lhe foros de verdadeira. «A Insulana» tem «dez livros», como diz o próprio autor - página 16. No 2.º livro é que dá largo curso à lenda de Machim, falando de João de Amores, Piloto Castelhano que confidenciaria a Zarco a posição da Ilha. Mas ainda mais que a fantasia de que tinham sido os companheiros de Machim, presos pelos Mouros, que tinham feito chegar até os portugueses a notícia da formosa Ilha da Eterna Primavera, havia no Poema de Manuel Tomas o entusiasmo romântico da aventura amorosa dos amantes Machim e Ana d' Harfet. «Teve na Corte vários pretendentes, que a seu querer renderam liberdades umas secretas, e outras aparentes que são varias de amor as qualidades corno a Pandôra graças, acidentes lhe ofereciam de amantes mil vontades, mas só Machim, de todos escolhido, foi pêra ser da dama mais querido». História Literária da Madeira Depois de descrever a paixão contrariada que teve como epilogo a fuga de Inglaterra num frágil batel com o propósito de alcançarem a costa francesa, mas que a tempestade atirou sem governo para o mar alto onde derivaram longos dias até que aportaram a uma Ilha de arvoredos seculares, refere-se ao alvoroço com que desembarcaram e se ficaram na Ilha enlevados como num Paraíso. «Aqui Machim com Ana em doce glória esquecia do Mar a dura guerra, a seus amores dando larga história, na praia, na Ribeira, vale e serra os companheiros com maior memória da terra pêra a Nau, da Nau à terra iam e vinham alegres e aumentavam as glórias que na terra os dois gozavam». Depois são versos a descrever as belezas da Ilha, o encanto do mar de anil e a súbita tempestade que arrebatou de novo a Nau com os companheiros, ficando em terra Machim com Ana de Harfet, que morre nos braços do seu amante. «Trez vezes em carro de Phaethonte Cynthis cercou dos Céus o altivo muro, e outras trez no antípoda horisonte se mostrou com a lux formoso e puro, em quanto a Dama deu silêncio à-morte e deste paroxismo forte e duro, tornando a alma a seu Creador Eterno dormio de morte o sono sempiterno». «A Insulana» é pois um Poema da tragédia atlântica, fundamentado na lenda de Machim. E' um desses livros que avolumaram a fantasia, dando-lhe foros de verdade, sobre a primeira descoberta da Madeira por uns legendário História Literária da Madeira britânicos, o que não tem consistência histórica mas que serviu de motivo para enriquecer a literatura regional. Frei Afonso da Ilha, era natural da Madeira, pertenceu à Ordem de S, Francisco e publicou em 1543 um dos tais livros título: - «Tesouro de Virtudes» - deve ter causado ao Dr. Rodrigues de Azevedo aquela irritação anti-religiosa, característica da época. Muito embora o Dr. Rodrigues de Azevedo tivesse escrito que «dessas obras de Escritores eclesiásticos bastam os títulos delas para se reconhecer que eram na quase totalidade místicas e estéreis aos progressos do espírito humano», o certo é que o elemento eclesiástico deu um maravilhoso contingente intelectual e literário para essa época e mesmo o «Tesouro de Virtudes» de Frei Afonso da Ilha cujo nome exacto era Afonso da Costa tinha tal valor que alguns anos após a morte do Autor foi traduzida em língua italiana. O Padre Luís Gonçalves da Câmara era filho do 4.º Capitão Donatário do Funchal, João Gonçalves da Câmara e de sua mulher, D. Leonor de Vilhena, da Casa dos Condes de Tarouca. Desde jovem revelou notáveis dotes de inteligência e uma a cendrada vocação para a vida religiosa. Durante o período que frequentou a Universidade de Paris, os Mestres consideraram-no como o melhor discípulo de latim, grego e hebraico. Quando regressou a Portugal trazia já grande fama de sabedor e inteligente e História Literária da Madeira por isso El-Rei D. João III o nomeou para Lente da Universidade de Coimbra. Ao mesmo tempo a Companhia de Jesus, onde tinha entrado em 2 de Abril de 1546, designava-o para exercer os cargos mais altos da sua organização. Durante a sua estadia em Roma conviveu com Santo Inácio de Loyola, fundador da Ordem. Foi escolhido para Mestre e Confessor de El-Rei Dom Sebastião. Não era orador mas escrevia com natural elegância e um cunho muito interessante. Escreveu o «Diário das Acções de St. Inácio de Loyola» e «Pratica a El-Rei D. João III sobre o Colégio de Coimbra», obras que estão na Crónica da Companhia de Jesus. Morreu novo, em 1575. O Padre Martim Gonçalves da Câmara era irmão do célebre Padre Luís Gonçalves da Câmara e também nasceu no Funchal. Desempenhou altos cargos na Governação Pública no século XVI e usufrui de privilégios e prestígio no País. Foi Reitor da Universidade de Coimbra, Ministro de ElRei Dom Sebastião e Escrivão da Puridade, que era o cargo mais importante dessa época. A intriga política fê-lo cair no desagrado do Monarca e então o poderoso Padre Gonçalves da Câmara, Doutor em Filosofia e o homem mais prestigioso desse tempo, recolheu ao Convento dos Jesuítas onde consagrou o resto da sua vida a estudos religiosos e literários, falecendo em S. Roque de Lisboa. As «Saudades da Terra» não se referem a este intelectual, diplomata e político que foi verdadeiramente notável. O Padre Manuel Alvares era natural da Vila da Ribeira Brava, onde nasceu em Junho de 1526. História Literária da Madeira Em 1546 entrou para a Companhia de Jesus. Foi um dos mais notáveis latinistas da sua época, tendo-se especializado também em línguas orientais. Entre as suas produções literárias sobressai uma obra, que particularmente o notabilizou: De Institutione Grammatica» - cuja 1.ª edição saiu em Lisboa em 1572. Esta gramática foi considerada como a melhor, não só em Portugal mas também no estrangeiro, tendo havido edições em treze idiomas diversos. No dizer do Escritor britânico, Edgard Prestage a Gramática do Padre Manuel Alvares teve mais de 400 edições. O Conselheiro José Silvestre Ribeiro, no seu «Curso de Literatura Portuguesa» elogia calorosamente o ilustre e douto Jesuíta madeirense. O seu saber e o seu talento privilegiado, assim como a vastidão da sua obra literária, deram-lhe um grande prestígio. Exerceu na sua Ordem altos cargos e finou-se em Évora no dia 30 de Dezembro de 1583. Durante a sua vida esforçou-se sempre por bem servir a sua Pátria e honrar a Ilha onde nasceu e à qual consagrou devotado amor. Dom Sebastião de Morais, foi outro Jesuíta ilustre, que nasceu no Funchal em 1534. A sua inteligência e a sua cultura tornaram-n1 o uma figura de grande destaque na sua época. Foi Provincial da Companhia de Jesus e Visitador das Províncias Italianas. El-Rei Dom Manuel I encarregou-o de acompanhar sua neta, a Princesa D. Maria, na viagem para Parma. Tanto o Papa como o Geral dos Jesuítas tinham em alta conta os grandes méritos deste escritor madeirense. História Literária da Madeira Em 1587 o Papa Xisto V confiou-lhe a Diocese de Funay, que foi a primeira Diocese criada no Japão, não tendo tomado posse porque a morte o surpreendeu em Moçambique, no dia 19 de Agosto de 1588, quando ia em viagem para o Japão. A obra literária de D. Sebastião de Morais é muito valiosa. Os estudos teológicos que deixou são notáveis. Escreveu também, em italiano, «Vita e morte delia Sereníssima Maria de Porto-gallo» que era neta de El-Rei Dom Manuel I e foi Princesa de Parma. Há várias edições das obras de D. Sebastião de Morais - algumas foram feitas em Bolonha, em Madrid e Roma. Este Bispo e Jesuíta muito ilustre honrou as letras pátrias e a fama que criou pelo seu saber e pelo seu prestígio e a contribuição que deu para a vida literária da época contribuem para o prestígio madeirense. Frei Gregório Baptista, que nasceu no Funchal nos fins do século XVI, notabilizou-se como Escritor e Orador Sagrado. Foi Frade franciscano na Província da Catalunha. Mais tarde, encontrando-se na cidade brasileira da Baía, passou para a Ordem dos Beneditinos, mas regressou depois aos franciscanos. Foi Lente de Escritura e Examinador das Ordens Militares. O Dicionário Bibliográfico enumera os seus sermões. O Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo informa que são deste Escritor dois tomos com «Anotações aos Evangelhos». Do mesmo autor são uns volumes com vários sermões e um livro; «Completas da Vida de Cristo», publicado em 1623. História Literária da Madeira A Biblioteca Lusitana menciona também duas obras de Frei Gregório Baptista, escritas em latim e publicadas em 1621 e 1683. Não encontrei registo sobre a data do seu falecimento mas é de crer que se houvesse finado depois de 1640. Através das suas obras verifica-se a poderosa inteligência de que era dotado e a vasta cultura que possuía. Diziam os contemporâneos que Frei Gregório Baptista escrevia com grande facilidade. As orações sagradas que chegaram até nós demonstram grande erudição. O Padre Manuel Constantino, Doutor pela Universidade de Coimbra e Doutor em Teologia pela Universidade de Salamanca, nasceu na Ilha da Madeira e distinguiu-se como um dos mais notáveis escritores do seu tempo. Tendo fixado residência em Roma não tardou em se tornar conhecido como uma das inteligências mais fulgor antes, conquistando a admiração e o respeito de altas personagens da Cúria. O seu saber, o seu carácter e a sua vasta cultura deram lugar a ser convidado para Professor da Universidade de Sapiência e ali brilhou como homem de invulgar erudição. A Biblioteca Lusitana menciona como obras deste Escritor madeirense: «Oratio in funere Philippi II», Roma 1599; «De profectione Pontificis in Ferraricus Civitatem» Roma 1598; «História de Origine et principio ataque História Literária da Madeira vita omnium regnum Luzitaniae» - Roma 1601; «In funere Seraphinae Portugalia Joannis Brigantiae Ducis filiae» Roma 1604; «Gratulatio de S. Pontif. Paulus V» Roma 1607; «Votum primum ad S. S. Virgi-nem pro salute Scipionis Cardinalis» Roma 1610. - Ainda em Roma em 1599, tinha já escrito e publicado a História da descoberta da Madeira, mas em língua latina, obra que ele intitulou «Insular Materide». A propósito deste trabalho do Padre Manuel Constantino diz o Dr. Rodrigues de Azevedo que «D. Francisco Manuel de Melo, no intróito da Epanaphora III, sem indicar o título da obra, nem lugar, nem o ano da impressão, o que mostra que não a viu, designa o autor pelo nome de Manuel Clemente, no que, atentas aquelas omissões, não merece crédito; diz mais, que o livro fora dedicado à Santidade de Clemente VII, mas nisto há erro manifesto, talvez tipográfico, porque à data da publicação dele o Papa era Clemente VIII; e finalmente acrescenta que o autor era Doutor e tinha sido já Pregador de trez Pontifices em Roma». Padre António Veloso de Lira, segundo o IV Fernando Augusto da Silva, «foi um dos mais distintos madeirenses do Século -XVII». Nasceu na freguesia da Calheta, em 14 de Junho de 1616 e descendia de Família nobre. Foi aluno da Universidade de Salamanca onde estava a outorar-se em Teologia quando eclodiu em Lisboa a Revolução Nacional de 1640, que pôs termo à dominação castelhana hamando o Duque de Bragança para ocupar o Trono de Portugal com o nome de D. João IV. História Literária da Madeira António Veloso de Lira fez com que os camaradas portugueses que frequentavam a Universidade Espanhola regressassem a Portugal e se alistassem nas fileiras das forças da Restauração. No livro «Cousas leves e Pesadas» - do grande Camilo de Castelo Branco vem uma interessante referência a este facto, no capítulo sobre «Estudantes portugueses em Salamanca». O Dr. Rodrigues de Azevedo apresenta o Doutor Veloso de Lira como Cónego da Sé e Governador do Bispado do Funchal. Este ilustre madeirense escreveu: «As antiguidades da Ilha da Madeira». Em 1643 publicou em Lisboa um livro muito interessante «Espelho de Luzitanos», de que saiu a 2.ª edição em 1753. Vários trabalhos da sua autoria são de menor importância. Os seus escritos acusam a influência da Escola Gongoríca, mas atestam a extraordinária inteligência e a magnífica cultura de que era dotado este Escritor. O grande Alexandre Herculano referiu-se ao Cónego Doutor Veloso de Lira com palavras elogiosas, fazendo dos seus trabalhos vários extractos no «Panorama». Barbosa Machado anotou, a propósito das obras deste ilustre madeirense, que deixou os seguintes inéditos: «Política Christiana», «Stella Matutina in Médio nebulao, «Philosophia muta», «Zodiacus Ecclesiae» «Domus História Literária da Madeira Sapientiae», «Glosa sobre os Evangelhos» e «Antiguidades da Ilha da Madeira». Apesar da crítica do Dr. Rodrigues de Azevedo, acusando de misticismo os escritores religiosos desta época, as obras deste madeirense desmentem o facciosismo do Dr. Azevedo. O Padre Francisco de Valhadolid, nasceu no Funchal em 1640. O Dr. Rodrigues de Azevedo pouca importância lhe liga. Designa-o como «Compositor de Solfas de Igreja» e «na Sé, Mestre ou Cantor de Capela, aí fundada pelo Bispo D. Jorge de Lemos, cerca de 1588». Mas Barbosa Machado, na Biblioteca Lusitana, salienta os méritos do Escritor e músico madeirense. Joaquim de Vasconcelos no seu estudo «Músicos Portugueses» dá-lhe o maior relevo. O Padre Francisco de Valhadolid viveu a maior parte da sua existência em Lisboa, onde faleceu em 17 de Julho de 1700, ficando sepultado na Igreja de Santos o Velho. Á data da sua morte trabalhava uma obra «Mistérios da Musica, assim prática como especulativa». Frei António da Visitação, nasceu no Funchal no ano de 1546. Foi Escritor de mérito. Barbosa Machado classificou os seus trabalhos como «elegantíssimos», O Dr. Rodrigues de Azevedo, porém, não liga grande importância a este Monge Carmelita, opinando que as suas composições não foram impressas. História Literária da Madeira Frei António da Visitação desempenhou altos cargos na sua Ordem e foi considerado como um dos melhores latinistas. Os seus sermões eram afamados. Deixou vários «Poemas» e interessantes «Orações Sagradas». Faleceu em 13 de Outubro de 1606. O Doutor Daniel da Costa, segundo Gaspar Frutuoso, foi «médico de Sua Majestade, pessoa nobre, de grandes letras e virtudes, residente na cidade do Funchal. O trabalho literário que lhe deu mais celebridade foi a Biografia de Dom Luís de Figueiredo e Lemos, VIII Bispo do Funchal». E' um trabalho interessante, porque deixa bem traçado o retrato desse Prelado que teve uma notável actuação na vida do Arquipélago. No meu entender peca por demasiado louvaminhar o biografado. Francisco de Sousa, é apontado nas «Notas» do Dr. Rodrigues de Azevedo como natural do Funchal. O Elucidário Madeirense menciona que no ano de 1877 se publicou na cidade de Ponta Delgada, Ilha de S. Miguel, um opúsculo com o seguinte título: «Tratado das Ilhas Novas e do descobrimento delas e outras coisas. Feito por Francisco de Sousa, Feitor de El-Rei nosso Senhor na Capitania da cidade do Funchal, na Ilha da Madeira e natural da dita Ilha e dos portugueses que foram de Viana e das Ilhas dos Açores a povoar a Terra Nova Ao bacalhau... Ano do Senhor 1570». História Literária da Madeira Deste folheto saiu uma 2.ª edição, em Ponta Delgada, no ano de 1884. A edição de 1877- a primeira - teve apenas um cento de livros, todos numerados. Na Biblioteca Municipal do Funchal existe o n.8 49 desta edição, que eu tive ocasião de ler e analisar. É curiosa esta nota que traz esse livro - «Imprimiram-se unicamente CEM exemplares e todos levam nesta página o competente número, os quais serão distribuídos pelas principais Bibliotecas da Europa e da América». Numa das passagens, mais ou menos fantasiosas, o autor refere-se a factos muito adulterados da história dos descobrimentos, quase que entrando no campo da lenda, para não dizer de uma fantasia que toca as raias do inverosímil. Referindo-se Francisco de Sousa aos feitos heróicos, que relaciona, fala «sobre a gente da Nação Portuguesa que está em uma grande Ilha, que nela foram ter no tempo da perdição das Espanhas, que há trezentos e tantos anos, em que reinava El-Rei Dom Roderico». Extrai do texto alguns trechos para se apreciar o estilo e o espírito do Escritor. «As Ilhas de Santa Cruz dos Reis Magos, S. Tomé, Bom Jesus, S. Brandão, Santa Clara, Da Graça e a de S. Francisco das Sete Cidades» merecem pormenores curiosos do autor, que depois, no seu entusiasmo meticuloso do descritivo diz que «a oeste da Ilha da Madeira 65 ou 70 légoas» está a tal ilha famosa onde entende que há encantamento. História Literária da Madeira Depois, historiando, assevera que «no tempo que se perderam as Espanhas, que reinava El-Rei Dom Roderico que vai para quatro centos anos, que com as secas se despovoaram as gentes e pereceram com a grande esterilidade e da entrada dos Mouros, como mais largamente se trata nas Escrituras antigas, por a qual causa do Porto de Portugal os mareantes e homens fidalgos tendo noticia que para o Poente havia terra que até então não fora descoberta, somente pelas informações dos antigos e dos Espíritos tinham dela informação, determinaram de se embarcarem em sete naus com toda sua Família e de irem correndo ao Ponente, confiados na misericórdia de Nosso Senhor navegaram e pola altura do Porto que está a 41 graus correram tanto que foram para barlavento das Ilhas dos Açores, que inda não eram descobertas, e foram aportar na Ilha de S, Francisco que está pela altura». Finaliza Francisco de Sousa a sua fantástica narrativa com um «Roteiro» jeito por João Afonso Francês que no dizer do escritor está numa das Ilhas Novas. A fechar a obra há um mapa bastante primitivo. Frei Francisco da Madre de Deus, professou na Ordem de S. Francisco em 1613 e viveu no Convento da vila de Santa Cruz. Escreveu um livro místico com uma elevação e beleza de estilo verdadeiramente notáveis! Possuía uma grande erudição e cultivou as boas letras com esmero. Diz a Crónica que exerceu o modesto cargo de Guardião do seu Mosteiro. Naquele remanso da vida de Santa Cruz teve a facilidade de dar largas às suas tendências literárias. História Literária da Madeira Belchior de Teive, mereceu ao anotador das «Saudades da Terra» apenas uma nota lacónica, dizendo que era natural do Funchal, Lente da Universidade de Coimbra, do Conselho de Filipe III. Este Belchior de Teive foi pessoa de grande importância. Em 1581 regia na Universidade de Salamanca uma Cadeira de Direito. Nasceu no Funchal em 1575 e ainda estudante já granjeara fama de extraordinariamente inteligente. Em 1621 escreveu a «Genealogia da Casa de Lerna». Já em 1607 fora convidado por Filipe 11 para ser um dos seus quatro Ouvidores, ascendendo mais tarde à categoria de Conselheiro Privado do Soberano. Muitas obras dessa época mencionam Belchior de Teive como sendo um dos homens mais preponderantes e de maior valor no seu tempo. D. Filipe II confiou-lhe o posto Militar de Adiantado de Castela. Foi também General da Armada Real e Superintendente. Exerceu o alto Cargo de Alcaide do Crime e da Chancelaria de Valhadolid. Mais tarde foi ainda Presidente da Casa dos Alcaides. Esteve como Superintendente Geral da Fazenda Publica em Portugal, desfrutando do maior prestígio. Barboza Machado menciona Belchior de Teive como Genealogista distinto. Era descendente de uma nobre Família da Ribeira Brava e nos seus antepassados apareciam figuras notáveis. Seu Avô, Diogo de Teive, instituirá um morgadio. História Literária da Madeira Presume-se que este nobre augustal de Filipe II tenha morrido depois de 1621, pois que nesta data mencionam as crónicas o seu nome como Conselheiro Privado do Monarca. Como escritor foi notável. Serviu os Reis Espanhóis visto que, ao tempo eram eles também Reis de Portugal. Frei João Pinto da Victoria, nasceu na Madeira no fim do século XVI e viveu a maior parte da sua existência em Espanha, porque tendo professado muito novo na Ordem dos Carmelitas e entrado num convento em Espanha ali ficou, tendo desempenhado vários cargos importantes, como fosse o de Provincial de Aragão e o de Visitador da Andaluzia. Dedicou-se à literatura e Barbosa Machado menciona o seu nome como o de um Escritor Sagrado de altos méritos. Como pregador também se notabilizou. Em 1612 publicou a «Vida del Fr. Juan Sanz» e em 1616 «Jerarchia Carmelitana». Faleceu em Valência no ano de 1631. Inácio Spínola de Castro Menezes, vem citado no «Elucidário Madeirense» como Escritor com qualidades, tendo conseguido certo renome na sua época. Descendia de Famílias aristocráticas. A «Biblioteca Lusitana» diz que nasceu no Funchal e que escreveu «Nove Diálogos em Castelhano». Manoel Ribeiro Neto, era formado em Direito pela Universidade de História Literária da Madeira Coimbra e escreveu um volume, em latim, que denominou «Comentários de Direito Civil». Escreveu também várias alegações de Direito Canónico. Barbosa Machado considera-o natural de Angra, mas há evidente equívoco pelo facto de Ribeiro Neto ter sido Cónego na Catedral dessa cidade. E' indubitável que o Dr. Ribeiro Neto nasceu no Funchal nos fins do século XVI e depois de ter feito os preparatórios na sua cidade natal foi para a Universidade e de lá para os Açores. São da sua autoria: «Alegações de Direito sobre as meias Conesias do Funchal», «Ofícios que tachou o Cabido» e «Explicação do Previlégio de um Altar no Funchal». Estes estudos foram publicados num volume em 1660. Muito embora tivesse passado a maior parte da sua vida nos Açores nunca apartou da Madeira o seu interesse, como bem o provam os seus trabalhos literários. Como Jurisconsulto foi reputado como um dos mais notáveis do seu tempo. Era um estudioso e como característica dos seus trabalhos salienta-se a meticulosidade com que analisava os assuntos de que se ocupava. Faleceu em 1681. Fr. Francisco de Santa Teresa, é outro religioso madeirense que se distinguiu como Escritor. Nasceu no Funchal e professou, muito novo ainda, na Ordem dos Carmelitas. Escreveu um estudo bastante curioso, em língua latina, «Alphabetum Teologicum». Finou-se no Funchal em 1698. História Literária da Madeira O Cónego Pedro Correia Barbosa, da Sé do Funchal, foi um dós mais notáveis pregadores dos fins do século XVÍ e começos do século XVII. Em 1699 publicou um estudo sobre «Santo António». Foi Governador da Diocese e Vigário Geral do Funchal. Henrique Henriques de Noronha, teve fama de grande genealogista. Nasceu em Câmara de Lobos no dia 1 de Março de 1667. Os estudos de linhagens e de carácter histórico mereceram-lhe especial interesse e os intelectuais do seu tempo citam-no como um dos homens mais eminentes da época. Escreveu o «Nobiliário Genealógico de Famílias Madeirenses», que é uma vasta obra de investigação e estudo, se bem que por vezes enferme um tanto de entusiasmos fantasistas que exageram as realidades. Escreveu também «Memórias Seculares e Eclesiásticas para a Composição da História da Diocese do Funchal». Sucedeu no Morgadio a seu Tio Inocêncio de Bettencourt da Câmara e foi Sócio da Academia Real de História Portuguesa. Barbosa Machado tem para ele palavras elogiosas e António Caetano de Sousa faz-lhe as mais lisonjeiras referencias na «História Genealógica da Casa Real Portuguesa». O «Nobiliário Genealógico» foi escrito em três volumes. O Dr. Rodrigues de Azevedo considerou-o como «a primeira autoridade em genealogia». Como literato tem de facto valor, pelo que se depreende dos estudos históricos. História Literária da Madeira O «Elucidário Madeirense» diz que existia na extinta Casa dos Condes de Torre-Bela, ainda há um quarto de século, um magnífico retrato a óleo do Escritor Henrique Henriques de Noronha que pertencia a essa ilustre Família, cuja representação legitima está hoje no Tenente de Cavalaria António da Câmara Leme de França Dória, por parte de sua Mãe. Baltazar Dias, foi Poeta c cego. Nasceu na Madeira nos fins do Século XV. O meu amigo e ilustre camarada Dr.: Ernesto Gonçalves deu a este cultor das letras pátrias o maior brilho, com a elegância inconfundível da sua pena, num artigo publicado em Julho de 1942 na «Revista Portuguesa», da minha modesta direcção. A propósito deste poeta confirma Ernesto Gonçalves que ele foi «cego e pobre. Teria ele vindo ao mundo sem a luz dos olhos?» Na história da Literatura Baltazar Dias ficou mencionado como «Poeta popular» mas é incontestável a avaliar das suas produções, que tinha conhecimentos literários adquiridos talvez de algum clérigo sabedor. «Em qualquer lagar da Madeira - não se sabe onde, nem há o menor vestígio documental que nos permita uma presunção documentada - nasceu Baltazar Dias». «Ele aprendeu as formas e os temas poéticos que eram um dos elementos da atmosfera espiritual da Ilha». Dominava a redondilha: musicalmente um trinado de frauta enlevada no sol e no lar; plasticamente uma mão cheia de água fresca e límpida... As tradições medievais andavam nas almas. História Literária da Madeira Lendas de Santos e gestos de Paladinos, amores desventurados, mágoas, de exílio, visões de peregrinos - tudo isto ficou no espírito de Baltazar Dias e foi a matéria lírica da sua poesia. O Poeta madeirense é um belo representante do sentimento medievo. «A corrente humanista só o roçou episodicamente em ligeiríssima e superficial influência». Num requerimento que dirigiu a El-rei Dom João 111 para publicar os seus autos e trovas, declara que é a Ilha da Madeira a terra de sua naturalidade «Cantou vidas de Santos, que animou na técnica gótica dos seus autos; celebrou feitos de heróis portugueses, como Dom João de Castro; riu dos disparates da época e da variedade das mulheres... As suas produções têm patriotismo, sentido romântico e um curioso misticismo. «Ó Madre de Deu benigno Ó Santa Domina mea, e fonte de piedade, ó Virgem gratia plena Arca de Santa Trindade em quem a alma recreia, de onde o Verbo Divino dai remédio à minha pena trouxe essa humanidade! pois que morro em terra alheia!» Agora outras trovas repassadas do misticismo desse belo Poeta popular. Madre de misericórdia, «Salve, Senhora benigna, paz da nossa gran discórdia, História Literária da Madeira História Literária da Madeira dos pecadores mãesinha, Ora pois, nossa Advogada, vida, doçura e concórdia! amparo da Cristandade, volve os de piedade Spés nostra, a ti invocamos, a mim, Virgem consagrada salva-nos da escura treva, pois que és nossa liberdade. a Ti, Senhora, chamamos, desterrados filhos de Eva, Dá-me, Senhora, virtudes a Ti, Virgem, suspiramos. contra todos meus inimigos pois que és nossa saudade A Ti, gemendo e chorando, eu te rogo queime ajudes em agueste lagrimoso nos temores e perigos. vale, sem nenhum repôso, sempre Virgem, a Ti chamamos Roga, Tu, por mira, Senhora que és noss.0 prazer e gôzo. ó Santa Madre de Deus a quem minha Alma adora pois és Rainha dos Céus e dos Anjos Superiora», A propósito deste Poeta diz o Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo que «Baltazar Dias, contemporâneo de Dom Sebastião, cego e poeta que compôs vários autos dramáticos, à semelhança de Gil Vicente, uns sacros e outros profanos, cujos títulos constam da Biblioteca de Barbosa Machado e do Dicionário do sr. Inocêncio F. da Silva». São gerais os louvores ao Poeta cego que tão belo concurso deu para o engrandecimento da Literatura da Madeira. No entanto o Dr. Rodrigues de Azevedo referindo-se, com o seu sectarismo lamentável, ao período de História Literária da Madeira Escritores que ele denomina de «clericais», diz que «esta sucinta resenha de Escritores deste período demonstra a infecundidade da instrução clerical e Jesuíta». Mas a verdade é que os Jesuítas estabeleceram-se na Madeira em 1570 e durante quase um século e meio prepararam, com êxitos bem evidentes, a educação da mocidade. Dessa educação, que o Dr. Rodrigues de Azevedo procurou apoucar e abertamente condenou, vejam-se os resultados exactos na série de homens eminentes que se distinguiram, impondo-se pelo seu valor e pelo seu saber devidamente disciplinado e orientado por esses educadores ainda hoje inigualáveis que prepararam tantas forças e tantos elementos para o engrandecimento de Portugal. O espírito da época era naturalmente místico mas nem por isso decadente. O próprio Dr. Rodrigues de Azevedo é forçado a reconhecer e enaltecer o valor de dois Frades Franciscanos, quatro Jesuítas, um Beneditino e um Ar rábido, filhos desta Ilha maravilhosa da Madeira e educados dentro dos tais princípios que o Escritor diz serem infecundos! E a juntar ao número dos onze Religiosos que pela «educação Jesuítica» tanto se distinguiram aponta também o mesmo Autor Sacerdotes Seculares que formam um núcleo valioso: dois historiadores, um historiador e poeta, um poeta épico, numerosos oradores sagrados, um compositor e crítico musical. E não teriam os outros, que nem professaram nem seguiram a vida eclesiástica, recebido igualmente a mesma «educação Jesuítica», por isso que nesse século e meio eram os Jesuítas que ministravam a educação aos Madeirenses? Mas voltando ao Poeta popular Baltazar Dias, o «Elucidário Madeirense» diz que «vagamente consta que nasceu em Santana e presume-se que tenha passado uma parte considerável da sua vida no Continente do Reino, onde faleceu em ano que não se pode determinar». História Literária da Madeira Barbosa Machado na «Biblioteca Lusitana» afirmou que «foi um dos célebres poetas que floresceram no reinado de El-Rei D. Sebastião, principalmente na composição de autos, com a circunstância de ser cego de nascimento». Parte das obras de Baltazar Dias tiveram grande divulgação em várias edições. Essas obras eram impregnadas de forte sentimentalismo nacional, um orgulhoso sentido patriótico, que é como que vibração eterna da alma popular que através dos séculos vai, de geração em geração, repetindo esses versos que lhe devem soar como um eco distante que virá do Passado a prolongar-se pelo Futuro no gosto e na sensibilidade da Raça! Inocêncio menciona as seguintes composições de Baltazar Dias: Auto de St.º Aleixo - edições de 1613, 1616, 1638, 1749 e 1791. Auto de El-Rei Salomão - edição de 1613. Auto da Paixão de Cristo – metrificado - edição de 1613. Auto da Feira da Ladra - edição de 1613. Auto de Santa Catarina Virgem Mártir - edições de 1610, 1038, 1659, 1727, 1786. Auto da Malícia das Mulheres - edição de 1640, 1793. Auto do Nascimento de Cristo - edição de 1665. Conselhos para bem casar - edições de 1638, 1659, 1680. História da Imperatriz Porcina, mulher do Imperador Lodonio de Roma edição de 1660. Trovas de arte maior sobre a Morte de D. João de Castro. Tragédia do Marquez de Mantua - edição 1665 História Literária da Madeira Estas edições bastam como Índice do sucesso que teve este Poeta popular. A partir dos fins do século XVII a instrução pública, e a cultura literária tomaram maior incremento. Diz o Dr. Rodrigues de Azevedo que «abundam escritores seculares e do clero secular, o que principalmente devemos à influência das ideias, literatura e instituições literárias da França, desde Luís XIV, que foram os predilectos modelos seguidos em Portugal, mormente no reinado de D. João V até meado do século». E na sua senha anti-religiosa continua, explicando que «os principais factores da secularização da instrução pública foram: - a instituição de muitas academias, especialmente a Academia Real de História e a Academia Ulisiponense; o estabelecimento de Teatros em Lisboa; a reacção antiJesuita; a administração do Marquez de Pombal e as providências subsequentes». Seguindo «as providências subsequentes» da administração pombalina o Dr. Rodrigues de Azevedo vai citando as Academias, os Botequins, os Teatros e a reacção anti-Jesuitica. Se entrarmos no comentário verdadeiramente justo podemos dizer que as Academias se multiplicaram até se banalizarem, não tanto pela quantidade mas especialmente pela qualidade. Os trabalhos dali saídos eram verdadeiramente fúteis, na maior parte e consequentemente inúteis. Além disso iam confundindo e anarquizando os valores literários e a maior parte dos intelectuais vieram a ser vitimas desta circunstância. Os Botequins ascendentes dos Cafés - devem ter contribuído para ampliar as consequências nefastas da obra das Academias. História Literária da Madeira A reacção anti-Jesuitica, tirando à Companhia as suas atribuições educadoras não podia deixar de trazer resultados negativos, na Arte, nas Letras e na Política, que traduzia o sentimento nacional, trazendo os erros tremendos dos Séculos XVIII e XIX. No Arquipélago da Madeira, como é fácil de concluir-se, esta ordem de ideias teve ampla repercussão. Principiou pela reforma do Seminário do Funchal. Apareceram depois as inevitáveis Academias: - «Assembleia dos Únicos do Funchal» - com preocupações instrutivas - e a «Arcádia Funchalense», - de carácter politico. Em 1770 já o Funchal tinha o «Teatro Grande», próximo da Fortaleza de S. Lourenço, o qual ardeu em 1801 e foi reedificado com noventa camarotes nas suas quatro ordens e com trezentos lugares de plateia. Mas em 1832 foi este edifício demolido. Por Lei de 6 de Novembro de 1772 foram criadas no Arquipélago várias Escolas Públicas. O Dr. Rodrigues de Azevedo diz que «a instrução pública na Ilha da Madeira despia a aparência lacitura que vinha do ensino Jesuítico e fradesco e tomava aspecto mais ridente e festivo». No entanto, anteriormente, o Dr. Rodrigues de Azevedo diz também que «saíram da Madeira estudantes, com bases magnificas, que se notabilizaram nas Universidades portuguesas e estrangeiras». História Literária da Madeira Foge-lhe pois, sem querer, «a boca para a verdade», esquecendo o facciosismo e a paixão sectária. A História é a lição dos factos e estes quando se fixam para o Futuro devem representar a verdade, com imparcial exactidão. Seguindo os comentários das «Notas» do Dr. Álvaro Rodrigues de Azevedo, depois de atacar o ensino dos Jesuítas, esquece-se do que disse e comenta que «os anos que decorreram até 1820 foram de estacionamento senão de decadência para a instrução em geral, na Ilha da Madeira». Aqui temos outra vez o Escritor em evidente contradição consigo mesmo. Não vale pois a pena entrar no comentário. O cuidado do dizer, que tudo abastardou neste período na vida literária e que bem se pode definir por cultismo, representando um sintoma de decadência, aparece, pois, como resultado do que o Dr. Azevedo quis apresentar como benefício por estar livre da educação Jesuítica... Os vícios literários do século XVII incidiram nefastamente sobre metade do século XVIII. A influência francesa teve uma acção intensa no estilo, na elegância da frase e até no sentimentalismo romântico dos Escritores portugueses, se bem que por vezes levasse a exageros enviados de decadentísmo doentio, que pára muitos pode ter um encanto mórbido. Os grandes Mestres da Literatura Grega e Romana voltaram a aparecer História Literária da Madeira inspirando e orientando os «Árcades». Mas as rivalidades não tardam a prejudicar a expansão das novas correntes literárias. Quem ler «Os Burros» de José Agostinho de Macedo tem uma ideia do que seria a confusão da vida política e literária daquela época, porque através do espírito crítico e verrinoso do inteligente e culto Frade Graciano, sente-se a verdade flagrante dos seus juízos. Os Escritores líricos ficaram subordinados aos satíricos, que não os poupam... Nicolau Tolentino é um exemplo. Ele descreveu, melhor que nenhum outro, esse período transitório da vida Literária no País. No Arquipélago da Madeira sente-se bem acentuadamente a influência da literatura francesa. Os escritores madeirenses vão talvez mais longe e mais exageradamente que os colegas continentais, tanto na prosa como na poesia. O Arquipélago da Madeira deu sempre um grande contingente na representação da vida nacional, afirmando os seus fundamentos, portugueses. Na Literatura também é notável o número de Escritores, Poetas e Jornalistas madeirenses que dão o seu concurso para o enriquecimento literário. O Dr. Nicolau Francisco Xavier da Silva, considerado como um dos homens mais eruditos da sua época, nasceu no Funchal, na freguesia de História Literária da Madeira Santa Maria Maior, no Século XVII. Era formado em Cânones pela Universidade de Coimbra. Doutorou-se em 1725 ficando a reger Cadeira. Mais tarde veio para Lisboa onde se notabilizou no foro e como Escritor. Em 1724 publicou «Puro e afectuoso Sacrifício». Foi membro da Academia Real de História, tendo-lhe sido confiado o estudo e publicação da «História das Inquirições» que não chegou a completar porque a morte o surpreendeu em 17 de Agosto de 1754. Foi a Colecção Real de História que publicou a sua admirável «Oração de Agradecimento à Academia Real». Era categorizado bibliófilo e a sua Biblioteca foi adquirida por El-Rei D. José I para base da Biblioteca Real, visto que a antiga Biblioteca dos Monarcas ardera no terramoto de 1755. Francisco João de Vasconcelos de Bettencourt, era membro da famosa «Academia dos Únicos do Funchal». Era homem com ilustração e a sua prosa enfermava daquele cultismo que se tornou característico. Em 15 de Maio de 1746 proferiu um discurso, que foi publicado nessa ocasião e do qual o Dr. Rodrigues de Azevedo inseriu longo trecho nas «Notas». É uma prosa com preocupações de estilo mas caindo em pormenores enfatuados, num orgulho exuberante e no fundo sem fundo de mais que vaidade. História Literária da Madeira António José de Jesus Lamedo, foi autor do Índice Alfabético dos Tombos da Câmara do Funchal, onde desempenhava o cargo de Guarda-livros. O autógrafo deste trabalho, ao tempo que o Dr. Rodrigues de Azevedo escreveu as suas «Notas» às «Saudades da Terra», estava nos Arquivos Municipais. Esta obra contém a súmula de todos os diplomas registados nos livros do Município, relativos a 1794. Este trabalho tem importância para a História do Arquipélago. Presume-se que Lamedo tenha sido vítima de doença que o impossibilitou de trabalhar nesse ano de 1794, porque os subsequentes aditamentos são de outra caligrafia. Veio a falecer em 24 de Maio de 1797. Francisco de Vasconcelos Coutinho, formou-se em Cânones e era filho de Lourenço de Matos Coutinho e de Dona Mariana de Ornelas e Vasconcelos. Diz o Dr. Azevedo que «fez sonetos à morte de D. Pedro II, e um elogio dramático em honra do Governador Capitão General da Madeira, D. João de Saldanha da Gama». Investigando acerca deste elogio dramático chegou à conclusão de que ele teve lugar quando o Governador, findo o período do seu mandato, regre sava a Lisboa. O desempenho foi confiado às Freiras de Santa Clara e eram interlocutores: a Corte, a Ilha, a Saudade, a Religião, a Justiça e a Fama! Não deixa de ter originalidade incumbir as Monjas Clarissas da interpretação do elogio-dramático. Inocêncio cita este Poeta no «Dicionário Bibliográfico», mencionando as História Literária da Madeira suas obras: «Efeitos de um arrependimento», «Feudo do Parnaso» - que o autor dedicou a El-Rei Dom João V - e «Hecatombe Métrica», publicadas em Lisboa em 1729 è 1773. Francisco Alvares de Nóbrega, mais conhecido pro «Camões Pequeno», nasceu na vila de Machico em 1772 segundo o Dr. Rodrigues de Azevedo e segundo seu sobrinho, Januário Justiniano de Nóbrega, em 1773. Começou a vida como empregado de um estabelecimento comercial no Funchal e tendo revelado sua vocação poética e invulgar inteligência, o Patrão facilitou a sua entrada no Seminário, onde poucos anos se demorou porque tendo composto umas poesias satíricas que atingiam o Bispo do Funchal, Dom José da Costa Torres, este Prelado expulsou-o do Seminário e envolveu-o num processo como mação, resultando ser condenado a ir cumprir pena no Limoeiro, em Lisboa. Inocêncio tem no «Dicionário Bibliográfico» a opinião de que «este Poeta a quem não se podem negar felizes disposições de talento natural para a Poesia, não seguiu escola determinada porque dos seus versos uns recordam a maneira de Bocage, outros a de Francisco Manuel. Nos Sonetos houve poucos entre nós que o igualassem, não sendo o próprio Bocage, que neste género de composição jamais conheceu rival. A linguagem de Nóbrega, posto que não abundante em demasia, é pura e correcta; os versos são em geral fluentes e harmoniosos. Era digno, sem dúvida, de melhor sorte». Este parecer de Inocêncio, sempre exigente e insatisfeito, tem o maior valor. Na Revista «O Instituto», o Dr. Jaime Moniz publicou poesias e notas biográficas do Camões Pequeno. História Literária da Madeira Em 1804 publicou um volume de Poesias, que denominou «Rimas» e de que em 1850 seu sobrinho, Januário Justiniano de Nóbrega, fez sair uma 2.a edição. Tinha várias obras manuscritas que foram queimadas pela Inquisição, após a sua morte. Atacou-o na prisão o terrível mal da lepra, parece que por contagio de outro preso, e então, sabendo que a sua desgraça não tinha remédio, estando em casa do livreiro Manuel José Moreira Pinto Baptista, em Lisboa, suicidou-se ingerindo laudano. Tomou Francisco Alvares de Nóbrega esta resolução desesperada em 1806, contando apenas 34 anos de idade. Da segunda vez que foi enclausurado dirigiu a El-Rei uma súplica de libertação, em quinze sonetos tão eloquentes que o Monarca o mandou logo sair do Cárcere. Mas ao tempo já a lepra o vitimava. Estoicamente ele próprio preparou a sua mortalha e a Camara-ardente; cercou-se dos seus livros preferidos e dos seus manuscritos, ingerindo então o veneno que o levou ao sono eterno. Era sem duvida um grande Poeta e um espírito invulgar pela inteligência e pelo aprumo moral. Mote: - «Tristes lembranças, da passada glória». Versos: - de Francisco Alvares de Nóbrega. Lembro-me que uma vez quando cruzava através desta gárrula fontinha, encontrei a suave Enalia minha, que neste sítio à sombra repousava. História Literária da Madeira Com a tenra mão, que eu meigo lhe beijava, aqui me deu a linda flor, que tinha pregada na felpuda, alva roupinha, que tão mimosa e ao natural lhe estava. Funesto encontro! e que inda me lembrasses! Porque me não passaste da memória, assim como o Céu quis que então passasses? Venha mais esta dita transitória, de lágrimas sem fim regai-me as faces, tristes lembranças da passada glória... Do livro «Rimas», 2.a edição de 1850, que traz um magnífico prólogo do editor, Januário justiniano de Nóbrega. Soneto A' Pátria do Autor (1) Na fralda de dois íngremes rochedos, que levantam ao Céu fronte orgulhosa, existe de Machim a vila Idosa, povoada de escassos arvoredos! Pelo meio, alisando alvos penedos, ____________________ (1) — O Camões Pequeno era natural de Machico. Este soneto é um expressivo daquela vila. História Literária da Madeira desce extensa Ribeira preguiçosa; porém tão crespa na estação chuvosa que aos incolas infunde espanto e medos. As margens dela, em hora atenuada vi a primeira luz do sol sereno, em pobre, sim, mas paternal morada. Aos trabalhos me afiz desde pequeno, o abrigo deixei da Pátria amada e vim ser infeliz noutro terreno... O Dr. João Francisco Lopes Rocha, nasceu no Funchal em 1747 e teve parte activa na política madeirense, pois que sendo mação reagiu contra as disposições do Bispo da Madeira que se opunha à colaboração de um sacerdote, e para mais Cónego da Sé, nas sociedades secretas, já condenadas pela Igreja e pelo Estado Português. Era formado em Teologia pela Universidade de Coimbra. Como Escritor era distinto. Numa exposição dirigida ao Ministro José Seabra da Silva, evidência a sua inteligência e a sua arte de dizer. Essa verdadeira peça literária foi publicada em 1820 no «Campeão Português», órgão dos «liberais». História Literária da Madeira Apesar de tudo, o Cónego Dr. Lopes Rocha desempenhou o cargo de Governador do Bispado e morreu em 8 de Maio de 1820, sem ver triunfar os seus ideais políticos. O Dr. Viturio Lopes Rocha, era irmão do Cónego e nasceu também no Funchal em 1752. Doutorou-se em Matemática na Universidade de Coimbra, onde foi Lente, desde 1777. Era muito ilustrado e inteligente. Depois da reforma na Universidade, veio fixar se no Funchal, onde morreu. Diogo Vieira de Touvar e Albuquerque, é apresentado pelo Padre Fernando Augusto da Silva como autor de um notável trabalho económico e literário que ele denominou «Descrição Política e Económica da Ilha da Madeira», ficando pronto este estudo em 1807. Manoel António de Azevedo Henriques, aparece no «Dicionário Bibliográfico Português» como Autor de um trabalho que publicou em 1778; intitulado «Reino de Deus ou Reino de Portugal» - Panegírico Funchalense. Este opúsculo tem apenas quatro páginas, o que não impediu o Autor de o oferecer a Suas Majestades a Rainha Dona Maria I e Dom Pedro III. Francisco João Roscio, celebrizou-se como Engenheiro, Militar e Escritor. Nasceu na Madeira em 1740 e terminou o Curso na Academia Militar em 1762, em Lisboa. Fez parte da comissão de Engenheiros encarregados de História Literária da Madeira demarcarem os limites na fronteira sul do Brasil. Foi Governador do Estado de S. Pedro do Sul, onde se opôs à invasão das tropas espanholas comandadas pelo General Marquez de Sobremontes, assegurando ao País mais de 200 léguas quadradas. Os seus trabalhos literários eram valiosos, especialmente os estudos de carácter científico. O «Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos e Construtores Português», de Sousa Viterbo, faz-lhe uma larga referência na página 477 e nas seguintes. Faleceu no Brasil em 1805. Luís Beltrão de Gouveia e Almeida, foi Governador e Capitão General da Madeira. Escreveu um trabalho que revela profundo estudo sobre as possibilidades de desenvolvimento do Arquipélago da Madeira. Quando as forças britânicas ocuparam a Madeira em 1813, o General Gordon, julgando-se senhor de terra conquistada, quis intrometer-se arbitrariamente na Governação Pública do Arquipélago, no que foi contrariado pelo Governador Capitão General. Tendo o General Gordon mandado enforcar um soldado inglês que assassinara um sargento da sua nacionalidade, o Governador Beltrão de Almeida protestou contra essa deliberação que era atentatória das Leis portuguesas e por isso exigiu satisfações. Um português desta têmpera não podia convir, com tamanha independência, aos interesses estrangeiros. Em 1814 o Governador Beltrão de Almeida «-morria inesperadamente e repentinamente»... Então o General inglês Gordon teve a veleidade de querer chamar a si o Governo do Arquipélago! Foi sepultado o Governador Capitão General na Capela do Santíssimo da Sé, Catedral do Funchal. História Literária da Madeira Frei Manuel Rodrigues, nasceu no Funchal em 25 de Novembro de 1695 e muito novo foi viver para o Brasil onde se encontrava seu tio, o Capitão Manuel Neto. Cursou o Seminário e em 1715 tendo ido para a vida militar seguia para a Colónia do Sacramento. Em 1719 professava na Ordem de S. Francisco. Viajou em toda a América latina acabando por vir fixar-se em Lisboa, onde morreu nos fins do século XVIII, tendo-se notabilizado como Escritor e como Orador. Tanto Inocêncio da Silva como Barbosa Machado referem-se a este curioso intelectual madeirense «de vida aventurosa». A principal obra literária de Frei Manuel Rodrigues foi «Oração Fúnebre na Morte de El-Rei D. João V». Inocêncio e Barbosa Machado referem-se aos trabalhos literários deste Frade com elogio. O Dr. António Roiz Ciebra, nasceu na Madeira no começo do. Século XVIII. Em 1760 escreveu «Narração Cirúrgica de um Carbúnculo maligno que com facilidade se curou na cara». Era médico e Escritor e prestou serviços no Hospital do Funchal, O Dr. Julião Fernandes da Silva, nasceu no Funchal em 1723, cursou medicina em Coimbra e escreveu um livro, «Exame de Sangradores», que vem nomeado no «Dicionário Bibliográfico Português». Na página 787 das «Notas» do Dr. Rodrigues de Azevedo lê-se que «o médico funchalense, cujo nome ignoramos, autor da obra que tem o frontispício seguinte: - Carta Crítica sobre o método curativo dos Médicos funchalenses – MDCCLXl - é livro de 310 páginas de oitavo na última das quais vem a data - Madeira 7 Setembro 1775 - e fecha com a assinatura por História Literária da Madeira iniciais : I. F. D. S.. Esta obra é curiosa e até útil, não só à escola médica deste Arquipélago mas também aos costumes da época. A ortografia fónica e a agressiva dicção desta carta denunciam ser produção de algum afoito inovador da escola de Luís António de Verney». Inocêncio Francisco da Silva não conseguiu também decifrar a significação das iniciais, nem consequentemente, o nome do Escritor. Foi o Conselheiro Dr. Manuel José Vieira quem identificou o autor da «Carta Crítica». No espólio do Dr. Mourão Pita descobriu o Conselheiro Vieira um manuscrito e um volume com o mesmo trabalho já impresso. No manuscrito vem o nome do Dr. Julião Fernandes da Silva como autor da obra, ao passo que no livro, já impresso apenas estão as iniciais /. F. D. S. Comparando os textos verificou o Conselheiro que a obra era a mesma. No manuscrito há mais uma carta laudatória dirigida ao Escritor pelo Frade Franciscano Frei João de S. José, com a data de 28 de Agosto de 1755 e escrita no extinto convento de S. Francisco da Cidade. A identificação da «Carta Crítica» teve um particular interesse para a História Literária da Madeira. Francisco Manuel de Oliveira, nasceu no Funchal no segundo quartel do Século XVIII e Inocêncio menciona-lhe as seguintes obras: «Escolha de Poesias Orientais» - publicado em Lisboa em 1793 - «Colecção Poética» Lisboa 1794, - «Oração na Inauguração do Seminário do Funchal», - História Literária da Madeira «Ensaio Poético sobre a Harmonia do Mundo», - Lisboa 1805, - «Princípios Elementares da língua inglesa - Lx.a 1809 - etc. Como Poeta foi, medíocre. O Elucidário Madeirense refere-se a este Escritor e diz que morreu em 1818. Concluída a parte que neste estudo diz respeito propriamente à História Literária do Arquipélago da Madeira, parece de justiça mencionar ainda aqueles valores que, embora indirectamente, de qualquer modo contribuíram para o prestígio e divulgação da intelectualidade madeirense. Temos assim D. Diogo Pinheiro, que foi o primeiro Bispo desta Diocese do Funchal. Foi uma grande figura da Ordem de Cristo, tendo ascendido ao grau de Dom Prior e Vigário de Tomar. Interessou-se pelo seu Bispado e como Conselheiro de El-Rei Dom Manuel I. pude trazer à vida madeirense grandes benefícios. Em 1483 escreveu o «Manifesto da Inocência do Duque de Bragança, Dom Fernando 11». Faleceu em 1526 ficando sepultado na Capela-mor de Santa Maria dos Olivais, em Tomar. João de Barros, que nasceu em 1496 e faleceu em 1570, na Década da sua obra «Ásia», refere-se ao Descobrimento da Madeira. Nas «Notas» às «Saudades da Terra» encontra-se referência ao cronista Damião de Góis século XVI - como um dos mais antigos escritores que se ocuparam da Descoberta da Madeira. História Literária da Madeira António de Abreu, do Arco da Calheta, foi grande navegador e guerreiro sob o comando do famoso Afonso de Albuquerque. Tendo descoberto as Molucas no regresso de uma viagem que fez desde Sumatra até um continente até então desconhecido e que ele, em 1530, designou por Nova Java num mapa, daí se conclui, pelas latitudes e longitudes, que é a Austrália. Esse mapa é um documento valioso. António Galvão, escreveu, em 1550, «Tratado dos Descobrimentos antigos e modernos» e aí se refere à Descoberta da Madeira, merecendo por isso referência do Dr. Gaspar Frutuoso. Dom Fernando de Távora, foi o V? Bispo do Funchal e era amigo de ElRei D. Sebastião. Foi grande orador e escreveu os «Comentários ao Evangelho de S. João». O Padre António Vieira, a quem é atribuída a autoria da obra intitulada «Arte de Furtar», a avaliar pelo que se deduz das referências à vida madeirense entre 1624 e 1634, leva a crer que estava a par das actividades insulanas ou seguiu de perto os factos que se deram nesse período no Arquipélago. Nos «Luziadas», imortal obra do glorioso Poeta Luís de Camões, a Madeira mereceu ao grande épico esses belos; versos da 5.a Estância do Canto V.: «Passamos a grande Ilha da Madeira, que do muito arvoredo assi se chama; das que nós povoamos a primeira, mas célebre por nome, que por fama; História Literária da Madeira mas nem por ser do mundo a derradeira, se lhe avantajam quantas Vénus ama; antes, sendo esta sua, se esquecera, de Cypro, Qnido, Paphos Cythera». Estes versos do imortal Camões apareceram em 1572 século e meio após a Descoberta da Ilha. Gomes Eanes de Azurara, na «Crónica do Descobrimento e Conquista da Guiné», refere-se à Madeira, escrevendo a história dos acontecimentos da época com notável precisão. Frei Rafael de Jesus, em 1679 publicou em Lisboa «Castriosto Luzitano» onde narra a vida heróica de João Fernandes Vieira, madeirense, defensor e restaurador de Pernambuco. Bartolomeu de Vasconcelos da Cunha, pai do Poeta e Escritor Troilo de Vasconcelos da Cunha, foi Governador Capitão General da Madeira em 1651 e compôs poesias diversas a que se refere Barbosa Machado. Padre António Cordeiro, era natural dos Açores, autor de várias obras que escreveu em português e em latim. Foi o autor da «História Insulana». Era membro graduado da Companhia de Jesus. No que se refere à Madeira na sua «História Insulana» tem grande interesse. A sua actividade literária desenvolveu-se especialmente a partir de 1672. História Literária da Madeira José António Ferreira Brandão, traduziu para português a famosa obra do Escritor britânico Major: «The life of Prince Henry of Portugal». D. José de Sousa de Castelo Branco, foi nomeado em 1697 Bispo do Funchal. A Biblioteca Lusitana menciona que se dedicou a estudos genealógicos, tendo deixado algumas obras, que Barbosa Machado enumera. D. Frei Joaquim de Menezes Ataíde, Foi Bispo do Funchal e muito talentoso, tendo sido Escritor e orador sagrado de muito valor. Exerceu o cargo de Cronista do Infantado e teve o título de Arcebispo de Meliapôr. Foi igualmente amador e compositor de música. O Dicionário Bibliográfico tem para este Prelado as mais lisonjeiras referências. A intriga política da Madeira fez com que se ausentasse desgostoso da Ilha. Paulo Dias de Almeida, escreveu em 1817 «Descrição da Ilha da Madeira em geral e de cada uma das suas freguesias, vilas e lugares em particular; suas produções, número de fogos e seus habitantes e estado actual das suas fortificações. Era Engenheiro e levantou a planta geral da Ilha da Madeira no começo do Século XIX. Envolveu-se em contendas políticas que o levaram ao exílio. D. Mateus de Abreu Pereira, nasceu na Madeira em 1756 e foi Bispo de S. Paulo, no Brasil, para cuja independência muito trabalhou. Num volume «Direito Civil e Eclesiástico» de Mendes de Almada, encontram-se referências ao valor e saber deste Prelado. História Literária da Madeira António de Carvalho de Almeida, estudou e organizou uma colecção de produtos naturais madeirenses em 1784. As «Saudades da Terra» referem-se a Diogo Gomes de Sintra que sendo navegador escreveu as Memórias das suas viagens, no Século XV, e nelas faz referências à Descoberta da Madeira. História Literária da Madeira Relação de Escritores Estrangeiros que publicaram estudos sobre a Madeira, de 1420 a 1820. - Luigi Cadamosto, Itália, 1507. Trad. portug. 1812. «Colecção de Noticias para História & Geografia», - Alemanio Fini, Itália, 1574, «Descrittione della Isola d' illa Madera, scritta nella lingua latina, del Conte Giulio Landi». - Monquet, Inglês, 1601. - Norborough, Ingl., 1669 «Yoyage to the Straits of Magellan». - Barbot, Ingl. 1681, Churehill's Collection». - John Ovington, 1696, Ingl., «A voyage to Suratt in the year 1689». - Sawaire, Franc., 1721. «Description Nautique des Açores» - D. H. Sloane, Irland. 1725. «A voyage to the Islands Madeira, Barbados, Jamaica &». - Thom. Nichols, Ingl. 1745. «Astley's General Collection of Voyages and Traveis». - Dr. Thom. Heberden, lngl. 1763. «Observations of immersions and emersions of Jupiter's first Satellite made at Funchal, in Madeira- ». - J. Banks, Ingl. 1768. No relatório da 1.ª expedição de Cook ocupou-se da Flora madeirense. - Robins, Ingl. 1774, Bot. Maderense. - Dr. Fotkergill, lngl. 1775. «On consumptien medical observations». - De Bory, Franc. 1776. «Histoire et Memoires de 1' Academie Royale des Sciences par lan 1772». - Downe, Ingl. 1776. Flora of Madeira. - J. Reinhold Forster, Alem. Estud. Bot. 1787. - William Johnston, Ingl. 1788. Geo-Hydrographic survy of the Isle of Madeira. - Dr. J. J. de Orquigny, Franc. 1789. Flore de Madére. - James Bruce, Ingl. 1791. - G. George Forster, Alem. 1787. «Plantae Atlanticae», 1797, «Herbarum Australe». - Maria Riddell, Ingl 1792. Critic. - J. Adams, Ingl. 1801. «A Guide to Madeira with an account of the climate». - Robert Brown, Ingl. 1802. «Physicalische Beschreibung der Canarichen (col. civon Buch) Inseln». - Lieutenant Colonel Roberts, Ingl. 1802, «Plan of the Island of Porto Santo». - U. G. Benet, lngl. 1811, E Sketc of the geology of Madeira. - Dr. William Gourlay, Ingl. 1811. «Observations on the Natural History, Climate and diseases of Madeira during a period of eighteen years». - Chetien Smith, Norveg. 1815 «Narratfve of an expedition to explore the (col. civon Buch) River Zaire». - C. Fred. Philippe de Martins -Alem. 1817, Flora. - Leopold von Buch - Alem. 1818, «Narrative of an Expedition to explore the River Zaire in 1861 under the direction of Capitain J. K. Tukey». - William Mudge – 1820, Ing. A survy of the Island of Porto Santo.