Capítulo 27 – “O Liberalismo Contemporâneo” Liberalismo social Uma das conquistas do liberalismo clássico é o ideal do Estado não intervencionista, que deixa o mercado livre para sua autorregulação. Trata-se do Estado minimalista. No entanto, no século XX, surgiram tendências que podemos chamar de liberalismo de esquerda, socialismo liberal ou liberalsocialismo, o que pode parecer uma extravagância pela ambiguidade de sentido ao unir conceitos contraditórios, inconciliáveis: o livre mercado e o controle estatal da economia. As extremas desigualdades sociais levaram alguns a admitir que a ênfase na economia livre deveria ser atenuada, a fim de possibilitar a igualdade de oportunidades e auxiliar o crescimento da individualidade. Após a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, a década de 1930 foi marcada pela depressão econômica. A crise do modelo capitalista desencadeou a experiência totalitária na Alemanha e na Itália. Outros países, como Inglaterra e Estados Unidos, buscaram soluções diferentes que pudessem evitar tanto o perigo do nazismo como a tentação do comunismo. Para saber mais O século XX viveu a contradição dos ideais de liberdade em confronto com duas guerras mundiais, o horror dos campos de concentração nazistas e stalinistas, a explosão das bombas atômicas no Japão e os atos terroristas das mais diversas orientações políticas e religiosas. A crescente globalização acelerou os movimentos migratórios dos países pobres para os mais ricos, acirrando os sentimentos de xenofobia. O Estado de bem-estar social Desde o início do séc XX, a Inglaterra já vinha implantando medidas assistenciais, como seguro nacional de saúde e sistema fiscal progressivo. Mas foi nas décadas de 1920 e 1930 que o Estado interveio na produção e distribuição de bens, com forte tendência em direção ao Welfare State (Estado de bem-estar social). Nos anos de 1940, considerava-se que qualquer cidadão teria direito a emprego, seguro contra invalidez, doença, proteção na Velhice, licença-maternidade, aposentadoria, o que fez aumentar significativamente a rede de serviços sociais garantidos pelo Estado. John Maynard Keynes (1883-1946) economista e filósofo inglês, ofereceu a base teórica do Welfare state. Propôs medidas de intervenção do Estado a fim de garantir a regulação da economia, com investimentos para empresas e pleno emprego. O keynesianismo influenciou a implantação do Welfare state, que marcou a economia mundial após a crise de 1929 e a recuperação dos países devastados pela Segunda Grande Guerra. A partir da década de 1970, sua teoria foi rejeitada pelo neoliberalismo nascente. Atualmente, no final da primeira década do século XXI, a intervenção estatal na economia está de volta, diante da crise do sistema financeiro mundial, tendência que alguns denominam de neokeynesianismo. Liberalismo de esquerda Na Itália fascista floresceram teorias que visavam desencadear movimentos de cunho popular (e não burguês) e resgatar os ideais socialistas, embora adaptando-os ao liberalismo, daí o nome liberalismo de esquerda. Em vez de se oporem simplesmente ao marxismo, extraíam dele os elementos positivos, repudiando, sobretudo, a concepção revolucionária de Marx. Norberto Bobbio Norberto Bobbio (1909-2004) – jurista e filósofo – iniciou sua atividade e reflexão política em 1942. Criticava a injustiça presente no mundo capitalista e o estado de não liberdade dos países em que foi implantado o socialismo real. Paradoxos da democracia moderna: A necessidade crescente de os governos recorrerem a especialistas (tecnocracia); A ampliação e a complexificação da máquina estatal (burocracia); A existência de grandes organizações (sejam empresariais ou estatais) que impedem as condições objetivas de exercício democrático; A predominância da sociedade de massa, que torna o indivíduo apático, muito distante do caráter ativo exigido pela verdadeira cidadania. Segundo Bobbio, o governo democrático é uma policracia – o poder irradia-se por toda a sociedade civil, entendida como o conjunto das organizações não estatais na esfera das relações entre indivíduos e grupos. O Estado é o ponto de encontro da diversidade e do embate das forças mediante as quais se concretiza o pacto social. Defende a democratização da vida social como um todo, estendendo os mecanismos de discussão e livre decisão para setores como trabalho, educação, lazer, vida doméstica. Neoliberalismo As teorias de intervenção estatal começaram a dar sinais de desgaste em razão das frequentes dificuldades dos Estados em arcar com as responsabilidades sociais assumidas. Aumento do déficit público, crise fiscal, inflação e instabilidade social tornaram-se justificativas fortes para limitar a ação assistencial do Estado. Desde a década de 1940, alguns teóricos, como o austríaco Friedrich vom Hayek (1899-1992), defendiam o retorno às medidas do livre mercado. Hayek, antikeynesiano por excelência, acusava o Estado previdenciário de paternalista, referindo-se à “miragem da justiça social”. Os neoliberais retomaram o ideal do Estado minimalista cuja ação restringe-se a policiamento, justiça e defesa nacional. Neoliberalismo – solução ou problema? Os liberais regozijaram-se com a derrocada do socialismo após a queda do muro de Berlim e contrapuseram ao fracasso da economia planejada do “socialismo real” o pretenso sucesso da economia de mercado. O lado sombrio é parte integrante da condição de sua expansão: a) a colonização da América do século XVI ao XVIII; b) o imperialismo na África e Ásia no século XIX; c) a implantação das multinacionais nos países não desenvolvidos no século XX; d) os acordos do Fundo Monetário Internacional (FMI) com os países mais pobres, transformando-os em eternos devedores, descapitalizados para o pagamento dos juros da dívida. Esses laços de dependência econômica resultaram em recorrente dependência política. Os países emergentes, como o Brasil, sofrem perversa concentração de renda, apesar da ligeira melhoria dos índices de desenvolvimento social a partir da primeira década do século XXI. Em decorrência, nas regiões de pobreza, não há como evitar as migrações, a marginalização de jovens e velhos, os surtos inflacionários reprimidos por recessão longa e dolorosa. Como se vê, o capitalismo é um bom produtor de riqueza, mas um mau distribuidor dela. Como contraponto da evolução tecnológica, a destruição do meio ambiente e o desequilíbrio ecológico ameaçam a qualidade de vida no planeta, revelando a lógica da economia capitalista em que o interesse privado geralmente não coincide com o bem coletivo. A crise financeira mundial A partir de 2007, teve início uma crise financeira mundial, desencadeada pelo aquecimento do mercado imobiliário das agências financiadoras norte-americanas. Aliada às dívidas decorrentes da guerra do Iraque, a crise extrapolou os limites dos Estados Unidos, afetando a economia mundial. Para não finalizar Como disse Bobbio, o capitalismo é o estado da injustiça, pois de desigualdade, e o socialismo real configurou-se como o da não liberdade. Daí ser preciso descobrir como conciliar a igualdade de oportunidades com a liberdade, ou seja, como unir socialismo e democracia. Entre os extremos do laissez-faire e do estatismo, devem existir fórmulas as mais variadas e inteligentes de controle da economia. Todas essas crises podem significar a exigência de novas estruturas políticas, sociais e econômicas que permitam a gestão dos patrimônios público e privado, de maneira a impedir privilégios ou exploração e proporcionar iguais oportunidades de trabalho e de acesso aos bens produzidos pela sociedade. Para o funcionamento adequado seriam necessários mecanismos políticos que assegurassem o prevalecimento de valores coletivos sobre os individuais.