DIÁRIO DO AÇO
A
ESPECIAL
JUÁ - A ZONA BOÊMIA
notícia da instalação da
Usiminas atraiu para
Ipatinga milhares de
homens de todas as partes do
país. Os operários que trabalharam na montagem da empresa
tiveram de conviver com a falta
de planejamento para alojar os
novos moradores e a infraestrutura precária do lugarejo.
A consequência foi a ocupação desordenada, barracos
de tábuas foram se amontoando no Centro, transformando
o local em uma grande e perigosa favela. Nesse ambiente floresceu a famosa “rua do Juá”,
nome pelo qual era conhecida
também a “rua Araxá”, zona
boêmia do distrito de Ipatinga.
O Juá era um beco com esgoto a céu aberto, onde o lixo
se amontoava em toda a sua extensão, e as pessoas – inclusive
crianças – circulavam em meio
aos porcos que transitavam livremente pelo local.
Os homens solteiros, e até
os casados – que vieram sem as
famílias, pela falta de condição
de trazê-las –, viravam presas fáceis da prostituição que se instalou na rua Araxá.
Foi nesse ambiente que ocorreu grande parte da história noturna da cidade de Ipatinga,
nas décadas de 1960 e 1970.
A rua Araxá foi marcada
por tragédias pessoais e sociais.
As batidas policiais, o toque
de recolher, as prisões e os espancamentos aterrorizavam os
frequentadores do local e também as mulheres e os proprie-
6
Domingo, 24 de março de 2013
tários dos estabelecimentos.
Porém, no outro dia tudo era
esquecido, e ao cair da noite começava tudo de novo.
Ao entrar na rua já se via
o primeiro boteco: o Bar do
Gaúcho. O proprietário viera para trabalhar como operador de guindaste na Usiminas,
mas vislumbrou ali uma oportunidade maior de ganhar dinheiro. Comprou um barraco
de madeira no Juá e o equipou
com mesas e cadeiras na frente; nos fundos, alguns cômodos serviam de quartos para serem utilizados pelas mulheres.
A tarefa de coordenar o movimento dos quartos coube a
“Lea”, mulher bastante experiente em prostituição. Havia
a “Inês”, morena de altura me-
O Juá era um beco com esgoto a céu aberto, onde o lixo se amontoava em toda a sua extensão
PERSONAGEM DA HISTÓRIA
CAPÍTULO I
diana, corpo esbelto e bem distribuído, também com experiência no ramo. “Maria Luiza”,
gaúcha, vinda das margens das
estradas, trazia um sotaque diferente, que era mais um atrativo para os frequentadores.
“Dinha”, a mais nova, corpo
saudável de menina-moça –
mais menina que mulher –, era
muito delicada e destaque entre os fregueses.
Continuando pela rua, encontravam-se vários botecos
sem mulheres fixas, frequentados pelas que se aventuravam
na rua à procura de parceiros,
arriscando-se a serem assaltadas. Elas eram portadoras de
todo tipo de doenças venéreas
e sem condições de tratamento.
ZARIFE SELIM DE SALLES
Zarife Selim de Salles, filha de Selim José de Salles
e Canuta Rosa de Oliveira
Barbosa, nasceu em Santana do Paraíso, no dia 13 de
julho de 1942, e veio com
a família para Ipatinga em
1950. Viúva de Jonas Barbosa, é mãe de três filhos: Jonas, Cláudia Regina e Ana
Flávia.
Zarife não queria saber de
estudar, mas fez o curso primário na escola rural que o
pai abriu. Depois, foi para o
Colégio Angélica (Coronel
Fabriciano) e acabou se formando professora em Caratinga (1963). Veio trabalhar
em Ipatinga, na Escola Manoel Izídio e no Júlia Kubitschek.
Após casar-se com Jonas
Barbosa, trabalhou como
auxiliar de diretora na Escola Nacif Selim de Salles, no
bairro Canaã.
O câncer fez com que Zarife se aposentasse. A amiga
Clara insistiu para que praticasse orações, mas ela não
acreditava muito que aquilo
pudesse diminuir ou resolver os sofrimentos terríveis
trazidos pela doença.
“Todavia, minha amiga
insistiu em rezar por mim.
Com isso, eu ia à sua casa
todos os dias, fingindo que
gostava. Acabei indo à Igreja
Católica, do bairro Horto, e
participei de cultos da Renovação Carismática. Pedi então a Deus pela minha cura.
Após trinta e quatro exames,
foi constatada a cura.
Em 1985, eu fazia análise com o Dr. Zé Mol, porque
a doença tinha me deixado
com a cabeça bem embaralhada. Nesse período, escrevi uma carta para meus pais,
que já haviam falecido, e eu
mesma dei a resposta. Essa
carta saiu poeticamente. Foi
aí que comecei a minha carreira de escritora. Esta carta faz parte do meu primeiro livro, ‘Luz que Brilhou nas
Trevas’, que foi escrito baseado na carta e na minha conversão para a Igreja Católica.
Posteriormente, escrevi:
Sementes de Vida; Maria
Mulher; Um Homem Chamado José; Mistério, Razão e
Fé; A Essência do Pensamento, volumes 1 e 2. Esses três
últimos livros são baseados
em filosofia, pois eu fiz um
curso de Filosofia Curta. Depois desse curso de Filosofia,
parti para Pedagogia e hoje
sou pedagoga.
Em 1984, fundamos a Farmacinha do Horto, onde doamos remédios para os pobres.”
Zarife nasceu em Santana
do Paraíso e se mudou para
Ipatinga em 1950
CAUSOS E CURIOSIDADES
CLUBE DO GARFO E O “FILA-BOIA”
Segundo relato de Elias Correa (foto), um dos
componentes da Comissão Pró-Emancipação de Ipatinga, na década de 1960 a vida na cidade era muito
difícil, um desconforto total. Quando chovia, não dava
nem para sair de casa, a rua virava um barro só. Também tinha o incômodo de presenciar a matança de
animais no meio da rua: porcos, galinhas, etc.
Como na época não tinha nenhuma opção de lazer, foi fundado o “Clube do Garfo”. A função do clube era propiciar a integração das famílias que aqui
moravam.
A cada domingo a turma almoçava na casa de uma
família integrante do clube. Era uma reunião das pessoas que tinham maior interesse por Ipatinga e maior
expressão na comunidade. No meio da turma só foi
aceito um “fila-boia”. Era o Romero dos Santos Vale,
também membro da Comissão Pró-Emancipação,
que não era casado, mas participava de todos os almoços.
GUARDANAPO DE PEÃO
O principal tira-gosto servido nos bares do Juá era
aquele pedaço de frango que era frito na gordura que
chegava a fazer aniversário naquelas panelas utilizadas durante vários dias, sem que pudessem ter algum contato com as águas do ribeirão Ipanema. Ao
pegar um daqueles pedaços, a gordura acumulada
neles saía pingando pelo chão e deixava a mão do
sujeito toda engordurada.
Em frente a quase todos os bares do Juá havia
um poste de iluminação (foto), que à época era feito de madeira e que normalmente ficava todo ensebado.
Quando alguém estranho ao local percebia aquela imundície no poste, ao indagar, sempre alguém tinha que explicar que aquilo era o “guardanapo de
peão”. Ao comer aquele frango engordurado, e na
falta de água ou de um papel para limpar as mãos, o
peão tinha que esfregá-las no poste, para tirar pelo
menos um pouco da gordura.
Download

JUÁ - A ZONA BOÊMIA CAPÍTULO I