UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE LINGUAGENS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM ELIZABETH CONCEIÇÃO DE ALMEIDA ALVES FANFICTION E PRÁTICAS DE LETRAMENTOS NA INTERNET CUIABÁ-MT 2014 ELIZABETH CONCEIÇÃO DE ALMEIDA ALVES FANFICTION E PRÁTICAS DE LETRAMENTOS NA INTERNET CUIABÁ-MT 2014 ELIZABETH CONCEIÇÃO DE ALMEIDA ALVES FANFICTION E PRÁTICAS DE LETRAMENTOS NA INTERNET Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos de Linguagem. Área de concentração: Paradigmas do Ensino de Línguas Orientador: Prof. Dr. Dánie Marcelo de Jesus Instituto de Linguagens CUIABÁ-MT 2014 iv v vi DEDICATÓRIA À minha querida e amada família – Robson, Isabela, Daniela e Lívia Gabriela – pelo apoio e amor incondicional, no decorrer do mestrado. Vocês estão presentes nesta pesquisa direta e indiretamente. Foram luzes constantes em minha trajetória, e isso, fez toda diferença. Desculpe-me pelos momentos em que tive que me ausentar, embora no mesmo espaço físico. A compreensão de vocês demonstrou que acreditaram em meu sonho, sempre estiveram dispostos para que o realizássemos. A meus amados pais, Alice e Dalmi, pelo incentivo constante, sobretudo pelo amor e carinho a mim dedicados, desde o ventre até o presente momento. Mesmo diante das limitações, vocês conseguiram me firmar num alicerce sólido que constituiu quem hoje eu sou. Convidaramme, com seu exemplo, a andar dentro da vida com a vida dentro de mim. A meu querido orientador, Dr. Dánie Jesus, com quem tive a oportunidade de conviver na graduação e que me incentivou a retornar para a academia, acreditou em meu potencial, aceitando-me como sua orientanda. Foram brilhantes seu empenho, incentivo, cobrança e acompanhamento ininterruptos. Realmente vivenciamos, com você, a realidade virtual nas disciplinas e na orientação. Você é luz em meu caminho. vii AGRADECIMENTOS Quero agradecer primeiramente a Deus. Permitiu minha existência e sempre me acompanha, sombra à minha direita. No decorrer da pesquisa, muitos se enveredaram comigo. Cada pessoa que Deus colocou no meu caminho contribuiu sobremaneira para meu crescimento, uma vez que, quem ingressa neste percurso energético, pode deparar com fios embaraçados, interrompidos, desgastados, entrelaçados, trançados e, para isso, a presença de amigos gerou uma substanciosa energia que sempre me auxiliou, cintilando minha vida acadêmica. Especialmente, agradeço... À Profa. Dra Maria Inês Vasconcelos Felice e Prof. Dr. Valdir Silva pelas inestimáveis contribuições ao meu trabalho no momento da Qualificação e pela participação também no momento de sua defesa. À Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso, aos funcionários e a todos os meus professores. Cada um teve sua importância em minha jornada, trazendo intensas luzes e evidenciando um nível de qualidade salutar de nosso Programa de Pós-Graduação. Aos amigos pós-graduandos, com os quais principiei essa trajetória em março de 2013, encontrando-nos nas disciplinas, nos corredores, nos eventos, nas festas, nas viagens... Foi gratificante tê-los em minha companhia. Aos amigos especiais do GELTEC, Waldinéia, Ardalla, Joana, Élidi, Tiago, pelos momentos de estudo, discussão, viagem, acolhimento, lazer... Por me demonstrarem carinho, incentivo e apoio desmedido. Minha imensa gratidão a vocês, companheiros de todas as horas. Às adolescentes que participaram da pesquisa e contribuíram gentilmente para que o estudo proposto se concretizasse e tivesse relevância. Vocês foram, realmente, formidáveis, despertando-me para a vida digital. vii i A meus irmãos de sangue e aos meus irmãos na fé, pela disposição de sempre se lembrarem de mim em suas orações, jamais esquecidas as palavras de incentivo e de refrigério. Ao Pastor Gilmar e sua esposa Luciene, por compreenderem meu propósito. Auxiliaram-me nas viagens, nas acomodações. Acima de tudo pelo carinho, orações, constantes palavras de apreço e por saber que sempre posso contar com vocês. Às diretoras e coordenadoras das escolas onde trabalho, que não mediram esforços para minha liberação. Em especial à diretora Luzineth e à coordenadora Zoraide, que investiram para que essa experiência fosse real. À Profa. e amiga Bernadeth Luiza, pelas orações e pelos momentos de diálogo sempre bemvindos à jornada da escrita de uma dissertação. ix RESUMO Nós vivemos, atualmente, em um mundo virtualizado em que os meios de comunicação e as mídias digitais têm feito parte da vivência de jovens e adolescentes. Esses usuários têm utilizado a internet para jogar, participar de bate-papo em chats e para criar histórias. Considerando esse cenário, este trabalho tem como finalidade investigar como adolescentes constituem a escrita no ambiente digital participando de comunidades on-line como o Fanfiction. A pesquisa obteve suporte teórico nos estudos de letramento (STREET, 1984, COPE; KALANTZIS, 2000, LANKSHEAR; KNOBEL, 2005, MENEZES DE SOUSA; MONTE MÓR, 2006, SOARES, 2006, TAKAKI, 2012), novos letramentos (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007, LOPES, 2010), e multiletramentos (ROJO, 2012, 2013). Sobre o conceito de cultura de participação (CHARTIER, 2009; JENKINS, 2009; SANTAELLA, 2007). No que tange à fanfiction (JENKINS, 2009; VARGAS, 2005).Estas questões de pesquisa que conduziram este trabalho: 1) Que sentidos os adolescentes dão em relação à escrita no contexto digital? 2) De que forma se desenrola o processo de escrever na fanfiction? A abordagem interpretativista foi a metodologia de pesquisa adotada com análise de diálogos gerados por meio de entrevistas com as participantes (BORTONI-RICARDO, 2009, FLICK, 2009). A partir dos temas recorrentes e categorias analisadas, os resultados podem sinalizar que o processo de escrita no ambiente digital se constitui de forma dinâmica, colaborativa permeada por valores afetivos e mediado pela tela. PALAVRAS-CHAVE: letramentos, fanfiction, escrita x ABSTRACT We live currently in a virtualized world where media and digital media have been part of the experience of young people and adolescents. These users have used the internet to play games, participate in chat chats and to create stories. Considering this scenario, this paper aims to investigate how adolescents are writing in the digital environment by participating in on-line communities, such as Fanfiction. Researches are based in theoretical studies of literacy (STREET, 1984, COPE; KALANTZIS, 2000, LANKSHEAR; KNOBEL, 2005, MENEZES DE SOUSA; MONTE MÓR, 2006, SOARES, 2006, TAKAKI, 2012), new literacies (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007, LOPES, 2010), and multiliteracies (ROJO, 2012, 2013). On the concept of participatory culture (CHARTIER, 2009; JENKINS, 2009; SANTAELLA, 2007). Regarding the fanfiction (JENKINS, 2009; VARGAS, 2005). This research questions that drove this study: 1) What meanings do teens give in relation to the writing in digital context? 2) How unfolds in the process of writing fanfiction? The interpretive approach was adopted research methodology with analysis of dialogues generated through interviews with the participants (BORTONI-RICARDO, 2009, FLICK, 2009). From the recurring themes and categories analyzed, the results could signal that the process of writing in the digital environment is composed of, collaborative dynamically permeated by affective and mediated screen values. KEYWORDS: literacies, fanfiction, writing xi SUMÁRIO FICHA CATALOGRÁFICA .................................................................................................... IV CÓPIA DA FOLHA DE ASSINATURAS ................................................................................ V DEDICATÓRIA ....................................................................................................................... VI AGRADECIMENTOS ........................................................................................................... VII RESUMO ................................................................................................................................. IX ABSTRACT .............................................................................................................................. X SUMÁRIO ................................................................................................................................ XI LIMIAR DA LUZ..................................................................................................................... 13 1 Objetivo geral ............................................................................................................... 21 2 Objetivos específicos ................................................................................................... 21 CAPÍTULO 1 - ENERGIA TEÓRICA .................................................................................... 23 1.1 Fanfiction, uma prática social a reluzir ..................................................................... 24 1.2 Letramentos e suas contribuições para a sociedade digital ....................................... 34 1.3 Autoria no contexto digital ........................................................................................ 38 CAPÍTULO 2 - FIOS CONDUTORES.................................................................................... 40 2.1 A manifestação dos fios metodológicos .................................................................... 40 2.2 A escolha do fio ......................................................................................................... 41 2.3 A luz condutora ......................................................................................................... 42 2.4 Lugar de onde emana a luz ....................................................................................... 45 2.5 A comunidade de navegadores .................................................................................. 46 2.6 Instrumentos para geração de dados ......................................................................... 47 2.7 Procedimentos de análise .......................................................................................... 49 CAPÍTULO 3 - DIÁLOGO COM OS DADOS ....................................................................... 51 3.1 Papéis de participação na fanfiction .......................................................................... 53 3.1.1 Leitora-comentarista.......................................................................................... 53 3.1.2 Leitora-fantasma ................................................................................................ 58 3.1.3 Leitora-escritora ................................................................................................ 63 3.2 Construção da escrita na fanfiction ........................................................................... 66 3.2.1 Colaboração ....................................................................................................... 67 3.2.2 Afetividade ........................................................................................................ 70 3.2.3 Participação mediada pelos suportes digitais .................................................... 76 3.3 Práticas invisíveis no ambiente educacional ............................................................. 78 3.3.1 Imersos digitalmente, mas invisíveis na escola ................................................. 79 xii Imersos digitalmente, mas emersos na escola ............................................................ 79 3.3.2 Aprendizagem para além da escola ................................................................... 82 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 86 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 95 ANEXOS ................................................................................................................................ 100 Anexo 1 – Roteiro básico de entrevista I ...................................................................... 100 Anexo 2 – Roteiro básico de entrevista II ..................................................................... 101 Anexo 3 – Síntese do tempo de duração das entrevistas ............................................... 103 Anexo 4 – Páginas acessadas pelas entrevistadas ......................................................... 104 LIMIAR DA LUZ A LUA NO CINEMA A lua foi ao cinema, passava um filme engraçado, a história de uma estrela que não tinha namorado. Não tinha porque era apenas uma estrela bem pequena, dessas que, quando apagam, ninguém vai dizer, que pena! Era uma estrela sozinha, ninguém olhava pra ela, e toda a luz que ela tinha cabia numa janela. A lua ficou tão triste com aquela história de amor que até hoje a lua insiste: — Amanheça, por favor! Paulo Leminski1 A ideia desta dissertação surgiu de minha inquietação como docente e como mãe. Como professora, nos últimos anos, percebi que meus alunos do ensino fundamental (6º ao 9º ano) pareciam se comportar de forma diferente se comparada àqueles do começo de minha carreira profissional. Mostravam-se sempre passivos às proposições de atividades. Vi-os em rodas ou em grupos com celulares, participando de redes sociais digitais, interessados em questões que fugiam dos tópicos tratados na sala de aula. À medida que a atenção aumentava pela vida virtual, mais desinteressados se revelavam nas aulas. Em minha residência, também, comecei perceber esse interesse pelo ambiente digital. Minhas filhas, com idade de 19, 16 e 13 anos, mergulhavam dia a dia no espaço cibernético. Notei, porém, que elas escreviam, produziam 1 Disponível em <http://pauloleminskipoemas.blogspot.com.br/2008/09/lua-no-cinema-paulo-leminski.html>. Acesso em 25-7-2013. 13 textos, tornando esse lugar relevante para sua vida. Questionadas sobre como a escola via seus trabalhos com a escrita, diziam que os professores não estavam interessados nesses assuntos. Imediatamente, pus-me a refletir: Será que eu agia, na qualidade de professora, da mesma forma? Será que meus alunos escreviam textos? Essas indagações me levaram a compreender que o modo como os adolescentes lidavam com a escrita era completamente diferente daquilo que a escola almejava. Diante disso, sentime impulsionada a entender como a aquisição da modalidade escrita ocorria entre jovens adolescentes na internet. Para tanto, precisava começar por determinado caminho. Por onde começar? Foi na observação da vida pulsante digital das minhas filhas que descobri fanfiction. Fanfiction é uma prática de letramento on-line. A fanfic, abreviação do termo em inglês fanfiction, ou seja, "ficção criada por fãs", que também pode ser chamada de fic ocupa-se de contos ou romances escritos por terceiros. Os autores dessas fics são chamados de fictores. Esse tipo de gênero não apresenta caráter comercial nem lucrativo, pois são escritos por fãs que se utilizam de personagens ficcionais já existentes. De acordo com Vargas (2005), no Brasil essa prática se tornou mais visível e ganhou impulso a partir de 2000, ano em que foi publicado o primeiro livro da Série Harry Potter, de J. K. Rowling. Fiquei assombrada em reconhecer que ignorava viverem elas num mundo onde escreviam em conjunto com outras pessoas de lugares diferentes do mundo. Criavam histórias, produziam sentidos que até então eu não podia imaginar. Foi com um olhar de pesquisadora que me pus a aprender com elas. Certamente a professora deveria deixar de ser a dona do saber para se situar como humilde aprendiz nesse universo. Por isso, foi necessário buscar uma compreensão sobre essa esfera de produção denominada fanfiction, deixando-me ser invadida por informações indispensáveis a aprendizes dessa cultura de escrita. Os autores de fanfiction escrevem a partir de certa afinidade que desenvolveram com personagens conhecidas através de leituras de livros, filmes, seriados, bandas. Tais personagens despertam-nos a que não se contentem em apenas ler, assistir, ouvir e passam a interagir por intermédio da produção escrita, criando e recriando histórias fictícias, agindo como autor, ainda que sem fins lucrativos. Vargas (2005) assinala que esse estilo é obscuro para a maioria da comunidade não virtual, desconhecido igualmente no meio educacional. Tais produções se circunscrevem tão apenas ao universo do aluno, pois, na sala de aula, ele só pode produzir algo que a professora solicitar, havendo aí, então, discrepância entre a agência escola e o sujeito aluno. 14 Para percorrer esse caminho, precisava de novas lentes que me iluminassem, fugindo da estrada lógica de uma ciência positivista. Na busca de alternativas, recorrerei à metáfora da luz. Etimologicamente, emana do latim lux, lucis, a significar o que ilumina o espírito. Daí claridade, brilho, fulgor, resplandecer. O estilo figurativo pretenderá externar momentos distintos vividos por mim que, simbolicamente, ora me sentia cercada de incerteza como pesquisadora, ora tomada de compreensão, diante da percepção dos dados gerados. Portanto, convido o leitor a conhecer um pouco de minha história na condição de aprendiz da escrita no contexto familiar e educacional, convencida de que a experiência pessoal é demarcadora dos contornos de minha visão de pesquisa, de ensino e de vivências do lar. A escrita teve seu nascedouro na intimidade do lar, em meio aos livros e histórias que minha família contava. Lembro-me que, ainda menina, me envolvia em casa e na escola com a escrita de bilhetes e de pequenos textos. Nessa época, já me despertava o prazer pela modalidade escrita. Como aluna, minha escolaridade começou em escola pública, aos sete anos de idade. A professora, uma vez na semana, me envolvia com as histórias infantis em sala de aula ao contá-las com bastante desprendimento. Tais histórias me atraíam como um brilho sedutor e se tornaram relevantes para apropriar-me, pouco a pouco, do processo de escrever, já que, após a leitura de pequenos textos do livro didático, criávamos histórias. Assim, sequenciou minha aprendizagem de língua portuguesa e, como muitos aprendizes dessa língua, fui assaltada de dificuldades, mas, por sentir-me envolvida com as letras e devido à afeição pela língua, dediquei-me na aquisição dessa língua. Enfatizo essa experiência por acreditar que esses momentos me preparavam para a maratona de leitura e escrita com a qual me envolveria anos mais tarde. Já na faculdade, quando cursava Letras, tive a oportunidade de refletir sobre o ensino, confrontando-me com inúmeras leituras que, aos poucos, me levaram a notar a língua não como uma noção de completude, nem como mero instrumento de comunicação, mas como algo para o qual é necessário confrontar diante das novas formas de uso da linguagem. A leitura e escrita mecanicistas foram sendo implementadas por momentos significativos de produção. Então, comecei a sonhar com a possibilidade de retornar à sala de aula como profissional da área. Já na qualidade de professora de língua portuguesa, logo após a graduação, percebi, de antemão, que estava meio perdida, sem rumo, e conseguia apenas transferir os sentidos da língua que já compunham meu imaginário. 15 Nesse começo de minha vida docente, senti-me impelida a dar aula com atividades que lançassem mão de instrumentos didáticos diferenciados, fascinada pelo ato de ensinar. Para isso, era necessário forcejar na preparação das aulas, buscando as experiências e as reflexões realizadas durante o curso de graduação. Naquela época, apesar de pontos obscuros, a exemplo de possíveis críticas por parte de colegas, entendi que as coisas na escola poderiam ser diferentes e me empenhei no ensinar, utilizando material didático como revistas, jornais, televisão, leituras e escrita no parque e aulas de campo. Essas experiências colaboraram para desvelar meu interesse pela pesquisa, pois percebi que mudanças poderiam ser feitas diante das novas experiências que emergiam no processo de ensino. Nessa narrativa sobre minhas primeiras experiências como leitora, estudante e professora de língua portuguesa, alguns aspectos chamaram minha atenção. Inquietava-me a maneira como essa geração, que acompanhou o surgimento e a popularização das novas tecnologias da computação e vivencia esse brilho sedutor contemporâneo, lida com a esfera escolar onde se pretende transmitir lições. De fato, passei a entender que, por ter crescido manuseando livros e se apropriando do ambiente virtual, essa geração está afeiçoada à velocidade e à volatilidade da informação. No entanto, a sala de aula ainda tenta se constituir como espaço homogêneo, pautado na linearidade. Nesse espaço, parece haver, de igual parte, a preocupação em cumprir o que está prescrito no currículo linear. Por conta disso, os professores se desvelam por cumprir o currículo, pois isso pode transparecer a efetivação do ensino instituído pelos meios educacionais. Nessa mesma direção, Lankshear e Knobel (2006) asseguram que as escolas estão dominadas pelo letramento convencional. São os estudantes, que vivem também em espaços fora da sala de aula, que têm se engajado com os novos letramentos. Os jovens estudantes investem o tempo livre na participação em comunidades virtuais que se socorrem de tecnologias recentes para ler, escrever, não em formato linear, pois seus textos são colaborativos, próprios de uma geração distribuída2. Além disso, outro ponto que me conduzia a essa inquietação dizia respeito às dificuldades que enfrentei em minha prática pedagógica diante das novas abordagens de letramento que abarca letramentos, novos letramentos, multiletramentos, dado que trago, 2 Segundo Lankshear e Knobel (2007, p. 9), os novos letramentos são mais "participativos", "colaborativos" e "distribuídos" do que letramentos convencionais. Ou seja, eles são menos "publicados", "individualizados", e "centralizados no autor" do que os letramentos tradicionais. Eles também são menos "especializados" do que letramentos convencionais. (Tradução nossa) 16 como minha própria experiência, a definição de alfabetização com a ação de ensinar a ler e escrever. Por outro lado, Lankshear e Knobel (2006) abordam que o conceito de alfabetização progrediu, de uma imagem relativamente estática de leitura e escrita, para uma alfabetização socializada (SOARES, 2004, 2005). Esse foco corroborou para vincar que, neste novo tempo, ser professor ainda estava arraigado ao modelo inscrito na sociedade industrial. Kellner (2002) traz à discussão o objetivo educacional da sociedade industrial cuja perspectiva era servir “como preparação para a civilização industrial e cidadania mínima numa democracia representativa passiva (...) inculcando conformidade subordinação e normalização” (KELLNER, 2002, apud SILVA, 2011, p. 155). Lankshear e Knobel (2006) também aludem à pedagogia de Paulo Freire, ao acentuarem que ler a palavra e o mundo envolve muito mais do que meramente as ideias de “decodificar e codificar escrita”. Portanto, é fundamental reconhecer que a linguagem constrói as realidades e as verdades que conhecemos (JORDÃO, 2007). É por meio dela que entendemos as realidades e constituímos nossas verdades. Em meio a essas abordagens, percebe-se que, nos últimos anos, estamos diante de novas formas de aprendizagem, algumas evidenciadas pelo mundo digital, chamadas práticas sociais de letramento. Pesquisadores (SOARES, 1998; KLEIMAN, 1995; ROJO, 2009) têm definido letramento como práticas sociais de leitura e escrita, e os eventos em que essas práticas são vivenciadas, consequentemente seus efeitos na sociedade. A escrita dentro do letramento pode igualmente ser definida como sistema simbólico e como tecnologia, utilizados em ambientes e finalidades próprias. Essas práticas podem ser valorizadas ou não, locais ou globais, hábeis a encartar ambientes sociais variados, tais como família, igreja, trabalho, escola. Já Lankshear e Knobel (2006) consideram que o conceito de letramentos é muito mais do que o ato de leitura e escrita. Apontam para diferentes modos de comunicação social com o envolvimento de uma multiplicidade de linguagens que transcendem a leitura e a escrita tradicional. De fato, os variados modos de comunicação social têm permeado os sujeitos que transitam no universo contemporâneo, estando em contato com outras semioses como sons, imagens, etc., configurando, assim, múltiplas formas de interação, como é o caso, por exemplo, da fanfiction. Daí a relevância de ressaltar a importância dos diversos letramentos, dirigindo-nos especificamente para os multiletramentos que instauram novas práticas de ler e escrever. Os 17 jovens contemporâneos têm acesso a uma vasta gama de recursos digitais, que possibilita sua participação em diferentes práticas com a possibilidade de transformar a tecnologia em algo significativo (BUZATO, 2010). Os usuários criam e recriam textos, frequentam variados ambientes simultaneamente e se valem de interações colaborativas, franqueando que suas criações circulem na internet. Nesse sentido, Rojo (2012) define multiletramentos apontando duas modalidades de multiplicidade vistas na sociedade urbana atual: a multiplicidade cultural das populações e a multiplicidade semiótica de constituição dos textos por intermédio dos quais há informação e comunicação. Tal perspectiva direciona para uma heterogeneidade das práticas sociais de leitura e escrita, e uso da língua/linguagem. Significa trabalhar com leituras múltiplas: a leitura da vida e a leitura da escola. Em outras palavras, os multiletramentos abrem espaço para o diálogo com os alunos na perspectiva de dar oportunidade a que compartilhem sobre o que fazem fora da sala de aula. Essa tentativa pode ser uma maneira interessante de conhecer o ambiente de suas produções, leituras, interações, enfim, suas práticas de letramento. Assim, a leitura da vida entremeia os ambientes escolares provocando uma deslinearidade no currículo escolar. Desse modo, textos de diferentes esferas poderão circular de maneira híbrida, e isso representa uma mudança cultural que permite, a cada pessoa, participar de produção cultural de diferentes campos, mediados pelas novas tecnologias. Diante desses jovens e adolescentes que povoam as salas de aula, que compartilham experiências, conhecimentos, medos, desejos e sonhos, arquivando habilidades avançadas relacionadas com a escrita no ambiente digital, desvelam-se diversas práticas letradas. Vale ressaltar que, dentre tais práticas, está o letramento digital. Nessa direção, Buzato (2004) aponta que o letramento digital pode ser compreendido como o conjunto de saberes que possibilita aos indivíduos contemporâneos serem participantes ativos de práticas letradas mediadas por ferramentas tecnológicas. Nessa perspectiva de construção de escrita no ambiente digital, de forma colaborativa, neste trabalho investigo o fenômeno fanfiction. O objetivo é entender melhor como o letramento digital tem sido utilizado por adolescentes fora da sala de aula e como o uso das novas tecnologias auxiliam nas estratégias de aprendizagem empregadas pelos usuários contemporâneos gerando novos estilos de ser e estar no mundo. Tal estudo será formulado através de observação e análise de adolescentes que participam de práticas sociais de letramento na esfera digital, a partir da produção da fanfiction. 18 Com o tempo, esse estilo tem se constituído uma realidade virtual de que os usuários contemporâneos, em sua maioria do sexo feminino, se socorrem para ler e divulgar histórias criadas por fãs sobre personagens, ficções ou qualquer outro produto cultural, pelos quais desenvolvem certo valor afetivo. Nessa trajetória, esses usuários habitam em lugares comuns onde desempenham práticas de leitura e escrita na tela. Soares (2002, p. 152) acredita que a tela, como ambiente de leitura e escrita, não apenas proporciona diferentes maneiras de apropriar-se de informação como também franqueia acesso a novos conhecimentos associados a novas práticas de ler e escrever. Nessa marcha, suscita novo letramento considerado pela autora como “um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela”. Daí a relevância no investigar, nesta pesquisa, esse fenômeno que figura ocorrer distante da agência escola, que, na sociedade contemporânea, ainda se encontra arraigada a engrenagens antigas. Sibilia (2012) afirma que a escola continua com a ideia de confinamento, própria da instituição oitocentista, alimentada por antigas tecnologias, como o quadro e o giz, permitindo que os arcaicos rigores escolares façam parte diariamente das experiências escolares. Contudo, reconhecendo essa posição interessante, é de ressaltar que muitos dos professores têm formação anterior ao advento das tecnologias digitais. A essa luz, não seria possível atribuir-lhes a culpa. Em face dessa dinâmica, procuro envolver participantes do universo digital, no caso estudantes, lançando mão de uma pesquisa qualitativa, de cunho interpretativista, na tentativa de compreender a cultura de participação na qual estão inseridos em novas maneiras de criar textos, expressando uma constante reconfiguração contemporânea. No entanto, vivemos em um país em que é recorrente ouvirmos que os jovens não gostam de ler, principalmente as leituras tradicionais sugeridas nos currículos escolares. Se bem assim, nos dias atuais, temos percebido uma alteração nessa realidade, graças às comunidades virtuais que têm dedicado horas de lazer à leitura. Não à leitura prescrita pela professora, que pouco tem que ver com seus interesses, desejos, mas leituras atrativas, envolventes, que despertam a afetividade e a autoria. Desses leitores e autores, que navegam na internet, que leem livros impressos, nascem histórias ficcionais depois de muita dedicação de tempo e fluidez de pensamento constituindo, assim, as fanfictions. Os fãs se envolvem no processo de escrita e expressam afeição por outros fãs que, de sua vez, se dedicam à produção e sedimentam a participação em um mesmo grupo de afinidade. 19 Na trilha do pensar de Jenkins (1992), os autores e leitores que produzem as fanfictions podem ser, em sua maioria, mulheres com idade que vai da pré-adolescência à idade adulta. Esses grupos são desconhecidos pela escola, que permanece apenas com as atividades de sala de aula, circunscritas às quatro paredes, anulando assim a ubiquidade de seus alunos. Tradicionalmente, a escola valoriza o aprendizado presencial. Contudo, os alunos estão aprendendo em todos os lugares, qualquer seja a circunstância, independentemente do tempo real, por força da tecnologia digital ininterrupta. Ele pode estar na sala de aula e em uma biblioteca virtual a um só tempo, mas isso ainda parece não ser tão natural nas experiências escolares. Nas palavras de Jesus (2010), faz se necessário um movimento escolar em espaços isentos de barreiras territoriais, dirimindo, assim, o estilo tradicional evidenciado pela presença do educador e do educando. Essas questões, que discuti, entremeadas por reflexões no exercício do magistério, começaram a me inquietar quanto à minha prática pedagógica que tem estado bem distante das experiências que os alunos vivenciam, fora da sala de aula, em seu contexto de vida. Pensando em todas essas indagações relacionadas com o processo de escrita, aflorou a necessidade de investigar algumas adolescentes que estão imersas no ambiente digital onde leem, escrevem, enfim, vivenciam práticas sociais de leitura e escrita. Buscando entender, alicerçada na experiência das adolescentes, a afirmação recorrente de que, em nosso país, é usual a queixa de que os jovens não sabem escrever e que não se interessam pelas práticas de escrita mais tradicionais. O que, então, colaboraria para que as adolescentes investigadas disponibilizem horas na produção de histórias ficcionais em ambientes virtuais? É com esse propósito que esta pesquisa se inscreve, inicialmente, da percepção dessas habilidades de estudantes em torno de atividades sociais que demandam usar a escrita em contextos de interação mediada pela tela. No entanto, desenvolvidas apenas em ambientes extraescolares, não reconhecidos e pouco valorizados pela escola. Por meio dessas práticas sociais, novos gêneros discursivos têm surgido advindos da necessidade de algumas comunidades se envolverem com produções das quais são fãs. Uma dessas comunidades que vivenciam o letramento digital, foco de minha pesquisa, é formada por jovens adolescentes internautas que têm demonstrado habilidades no que toca à construção de novos conhecimentos e atribuição de sentido com base no exercício de leitura e escrita digital. É, portanto, mediante esses desafios quanto à funcionalidade do letramento digital aliado à facilidade que o ambiente on-line propicia para a produção e divulgação de fanfics, 20 que investigarei, em sua maioria, jovens estudantes do sexo feminino, característica peculiar do gênero fanfiction, que se denominam leitoras, escritoras, leitoras-escritoras, leitorascomentaristas e leitora-fantasma, com o intuito de compreender melhor essa prática social, na atualidade. Mediante um olhar interpretativista, que será retomado em outro passo, este trabalho procurará responder às seguintes perguntas de pesquisa: Que sentidos os adolescentes dão à escrita no contexto digital? De que forma se desenrola o processo de produção da escrita na fanfiction? Explicito, nessa oportunidade, alguns objetivos que se revelarão importantes para a condução do estudo, buscando desenvolver melhor interpretação dos dados. 1 Objetivo geral Investigar o uso do letramento digital na formação de estudantes adolescentes em comunidades de fanfictions e compreender o processo de letramento entre adolescentes fora da sala de aula. 2 Objetivos específicos Identificar práticas sociais vivenciadas pelos participantes da pesquisa; Analisar a relação dos adolescentes com a escrita do ambiente digital; Buscar pistas que possam ser futuramente levadas para a prática na aula de Língua Portuguesa; Examinar como o ambiente digital contribui com a aprendizagem de comunidades virtuais. Comecei este estudo relatando, em rápidas passagens, meu percurso em torno de meu desassossego com minha prática pedagógica, que permitiu indagações trazendo ao leitor um reluzir do que me impulsionou a esta pesquisa envolvendo adolescentes participantes de comunidades virtuais. No primeiro capítulo, que denomino “energia teórica”, abro-me para os raios dos quais me alimento por entre as teorias que irão me guiar na compreensão e análise dos dados desta 21 pesquisa. Procuro discorrer sobre a perspectiva teórica que iluminará minha análise e meu percurso no decorrer da pesquisa. No segundo capítulo, abordarei os “fios condutores”. Procuro descrever a perspectiva metodológica adotada neste estudo. Já no terceiro capítulo, busco entender a “luminosidade da rede”, justificando a escolha do gênero fanfiction como objeto de estudo. Em seguida, apresentarei a análise dos dados coletados. Finalizo fazendo reflexões ao retomar as questões que motivaram este estudo, sabendo que esta pesquisa poderá contribuir para minha própria prática e levantar indagações para futuras pesquisas preocupadas com a efetividade dos letramentos digitais na sociedade. 22 CAPÍTULO 1 ENERGIA TEÓRICA Letramento não é pura e simplesmente um conjunto de habilidades individuais; é o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social! (SOARES, 1998, p. 72). Pode-se afirmar que a escola, a mais importante das agências de letramento, preocupa-se, não com o letramento, prática social, mas com apenas um tipo de prática de letramento, a alfabetização, o processo de aquisição de códigos (alfabético, numérico), processo geralmente percebido em termos de uma competência individual necessária para o sucesso e promoção na escola. Já outras agências de letramento, como a família, a igreja, a rua como lugar de trabalho, mostram orientações de letramento muito diferentes. (KLEIMAN, 1995, p. 20) Um campo energético3 é feito de um emaranhado de fios, e sua funcionalidade se revela na diversidade de cores, tamanhos, espessuras que, cruzando-se, dizem das belezas e variantes ainda não percebidas. Apoiada na linguagem metafórica, remeto-me ao arcabouço teórico que ilumina minhas análises, discussões e problematizações na trajetória percorrida. Assim, neste capítulo, trato especificamente da perspectiva teórica que norteia este estudo, com o objetivo de discutir uma das práticas sociais de letramento em ambiente virtual de caráter ficcional, denominada fanfiction. Para isso, os fios intrinsecamente ligados no sentido de gerar a energia desta pesquisa foram dispostos em duas vertentes: Na primeira, clareio as práticas sociais, dando ênfase a fanfiction como gênero digital, presente na 3 Campo energético é termo próprio da Física, e neste trabalho será adotado como metáfora, para explicar os meus propósitos 23 sociedade atual, e a seu papel na constituição da escrita no ambiente digital altamente absorvente para quem com ela interage. Na segunda, desfilo um panorama das linhas teóricas sobre letramentos, enfatizando o uso das tecnologias digitais que permeiam a contemporaneidade e que estão imbricadas com jovens e adolescentes imersos no ciberespaço. Por fim, discuto o conceito de autoria na sociedade contemporânea, diante das novas formas de escrever no contexto digital. É salutar destacar que esta pesquisa ingressa no campo da Linguística Aplicada, como advogam Bastos e Mattos (1993), uma vez que a ênfase dos estudos neste âmbito não é o de solucionar problemas, mas, sim, de clarificar fenômenos e também questionar o que já está posto. Entendo, assim, que este trabalho objetiva discutir, ancorado nas abordagens teóricas, como o espaço virtual tem se constituído um novo espaço de ler e escrever para as novas gerações que circulam em comunidades virtuais. 1.1 Fanfiction, uma prática social a reluzir As práticas sociais de letramento têm sido exercidas em diferentes contextos na sociedade contemporânea. Em um desses contextos, as redes sociais definidas por Allan et al. (2013, p. 97) como “estruturas dinâmicas e complexas formadas por pessoas com valores e/ou objetivos em comum, interligadas de forma horizontal e predominantemente descentralizada, cujo formato e nível de formalidade podem variar no decorrer do tempo”, é inegável a presença e o uso da tecnologia digital. É relevante destacar que o ambiente digital tem aberto ensejo à inserção dos jovens em diferentes contextos e em situações de interação, colaboração e aprendizagem, navegando pelas ondas da internet numa interatividade ininterrupta. Pensando nisso, ao dissertar sobre práticas sociais em um contexto em que é perceptível a mobilidade, a fluidez, a ubiquidade, a criação, faremos breve trilha pela fanfiction, definida por Azzari e Custódio (2013, p. 74) como “gênero [...] que engloba a escrita, a metalinguagem e o pertencimento de uma base de fãs (fandom) em meios eletrônicos”. O gênero discursivo fanfiction nasce muito antes do advento da internet. Vargas (2005) assevera que esse é um fenômeno ainda desconhecido, no Brasil, pelas instituições escolares. Diferentemente do Brasil, nos Estados Unidos, seu surgimento precede à internet. Jenkins (1992), por exemplo, afirma que fanfiction se origina do universo do fandom, junção dos termos em inglês Kingdom e fan, ou seja, reino, domínio ou lugar de fãs, também denominado “comunidade de fãs”. Conforme o autor, fandom pode ser definido como “um fenômeno 24 complexo e multidimensional que convida muitas diferentes formas de participação e níveis de engajamento” (JENKINS, 1992, p. 2) As fanfics, segundo Coppa (2006, apud MORAES, 2009), nos dias atuais, surgiram na mesma época em que os fanzines (revistas/magazines criadas por fãs) cresceram e se tornaram populares, nos Estados Unidos. Isso se deu no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, com o surgimento de seriados de TV. De acordo com a autora, Spocknália é o primeiro fanzine que trouxe fanfiction. Nesse cenário, Spocknália é vista como um “marco histórico” em razão da série de TV Jornada nas Estrelas (Star Trek), fazendo referência a um dos heróis do seriado, o doutor Spock. A circulação dos fanzines era limitada ao fandom, pois nem todos tinham acesso às revistas. No entanto, com o advento dos espaços virtuais, os fandons assumem nova configuração, passando a agregar maior número de participantes e alterando a limitação devido ao rompimento das barreiras geográficas, sociais, intelectuais. Como esclarece Vargas (2005), diante desse novo espaço de interação humana social e cultural, a internet, cresce a produção de fanfiction. Com a ampliação do número de participantes, houve maior envolvimento com essa prática, um tanto voltada para gênero ficcional científico, de onde emergiu, envolvendo fãs de diversos gêneros, tais como séries policiais, filmes, histórias em quadrinhos, livros ficcionais e videogames. Para a autora: Os fãs consumidores desses produtos encontraram na internet um instrumento poderoso para a organização do fandom e para a divulgação de seus trabalhos como autores (...) Dessa forma, a internet passou a desempenhar o papel de sociabilização e de divulgação da prática, possibilitando a multiplicação não apenas de seus participantes, mas dos temas que servem de base para ela, numa velocidade nunca antes experimentada.(VARGAS, 2005, p. 24) No Brasil, na esteira do gênero fanfiction, um dos primeiros websites hospedeiros é o Edwiges Homepage. Este website, que hospeda em torno de duzentas fanfics, exclusivamente, de Harry Potter, que segundo Vargas (2005) pode ter sido o maior impulsor da prática de escrever esse gênero no nosso país. Veja a seguir a página inicial do website Edwiges Homepage. 25 Figura 1- Cópia da página Edwiges Homepage(http://edwigeshomepage.20m.com/ficgeral.html), extraída em 4-5-2014 26 Atualmente, o maior repositório do gênero é o website fanfiction.net, que tem sua data inicial de funcionamento registrada em 1998. No momento da pesquisa, realizada em 3-52014, o site contava com um total de 10.321.444 postagens. Figura 2 - Cópia da página Fanfiction.net (www.fanfiction.net), extraída em 22-3-2014 Fanfiction.net é o website mais acessado pelas adolescentes que escrevem, leem e comentam fanfic. Abarca grande número de idiomas, facultando o acesso aos textos escritos em diferentes línguas (conforme representado na ilustração abaixo). 27 Figura 3: Tela do site fanfiction.net (www.fanfiction.net), mostrando o filtro de idiomas (extraída em 22-3-2014) Vale ainda lembrar que, além do site fanfiction.net, as adolescentes frequentam outros sites hospedeiros de fanfics (anexo 4). É significativo ressaltar que a participação nesse universo digital perpassada pelo processo de escrita evidencia a revolução do texto eletrônico. Bolter (1991, apud SOARES, 2002) compreende o espaço de escrita como “o campo físico e visual definido por uma determinada tecnologia de escrita”. Dessa forma, toda escrita está situada em determinado local, porém cada escrita requer um suporte oportuno. Alinhada a esse pensamento, Soares (2002) argumenta que, no início, a escrita tinha como base uma tábua de barro ou madeira, quando não uma pedra. Posteriormente, utilizavase o rolo de papiro ou de pergaminho. Nessa mesma linha, Chartier (2009) advoga que, por volta de 1450, era possível editar um texto, apenas escrevendo-o à mão. No entanto, uma nova maneira voltada para os tipos móveis e prensa alterou o vínculo com a escrita. Com isso, o tempo para gerar um texto é diminuído devido à indústria tipográfica, contudo os livros continuavam, segundo o autor, alinhados às mesmas estruturas indispensáveis do códex “composto de folhas dobradas, reunidas e encadernadas” (CHARTIER, 2002, p.106), que era, 28 e ainda é, a área bem restrita da página. Assim, preliminarmente, a página era de papiro, de pergaminho. Por fim, o espaço branco da folha de papel, tal como nos descreve Chartier: A leitura antiga é leitura de uma forma de livro que não tem nada de semelhante como o livro tal como o conhecemos [...] Esse livro é um rolo, uma longa faixa de papiro ou de pergaminho que o leitor deve segurar com as duas mãos para poder desenrolá-la. (CHARTIER, 2009, p. 24) Nessa sequência, Chartier (2009) relata que tanto no livro, no formato de rolo, quanto no códex é permitido que o leitor participe deixando sua escrita nos espaços dispostos em branco. Se bem assim, em todos esses suportes de leitura ainda é evidente a autoridade do texto, seja ele manuscrito seja tipográfico. O autor denomina ainda o espaço em branco, onde o leitor faz suas anotações, como “um lugar periférico com relação à autoridade” (CHARTIER, 2009, p. 88). Vejamos isso na imagem abaixo. Figura 4- Página de um exemplar de Bordeaux dos Essais (extraída de http://montaignestudies.uchicago.edu em 211-2014) 29 Nessa amostra, encontram-se evidências da participação do leitor ao observarmos a escrita do leitor nos espaços disponíveis, mas sem abandonar seu papel social historicamente ocupado que evidencia a passividade e a hierarquia existentes entre autor e leitor. Ademais, as palavras de Chartier nos levam a refletir que emergem algumas características que distinguem a leitura antiga da leitura contemporânea. Enquanto a primeira postularia limitações de leitura, como, antes do século XVIII, em que a leitura era realizada em uma postura imóvel em ambientes fechados, havia a restrição de apenas fazer comentários na margem. Ou seja, era nítida a imposição do sagrado. Já a segunda, a do contexto eletrônico, apresenta inúmeras possibilidades de intervenção na tela de forma simultânea, como os comentários aduzidos no decorrer da leitura de uma fanfic, podendo até não haver diferenciação entre autor e leitor. Detalhe de grande relevância é que, com o advento da tecnologia da internet, surge a escrita digital em um espaço oportuno, que é a tela do computador. Nesse atual ambiente de produção, há forte conexão entre a leitura e a escrita, pois elas se entrelaçam num movimento de hibridização (GARCIA CANCLINI, 2008, apud MAIA, 2013). Além disso, a cultura de escrever na tela, característica dos escritores de fanfics, encena alterações radicais quanto ao “controle da publicação” (SOARES, 2002). Enquanto um texto impresso necessita de um conselho editorial para aprovação do que será editado e publicado, a publicação na tela pode passar tão só pelo crivo do leitor. Em síntese, tudo que era fixo, sagrado e intocável passa a ser fluido, interativo e universal. Afinal, assim afirma Chartier: Com o texto eletrônico, a biblioteca universal torna-se imaginável (senão possível), sem que, para isso, todos os livros estejam reunidos em um único lugar. Pela primeira vez, na história da humanidade, a contradição entre o mundo fechado das coleções e o universo infinito do escrito perde seu caráter inelutável. (CHARTIER, 2009, p. 117) Em meio a essas mudanças descritas pelo autor, marcadas pelos traços predominantes da tecnologia digital, explora-se a ideia de desintegração daquilo que era apenas oferecido em espaços onde a presença do livro e do leitor deveriam estar diretamente vinculados, convidando-nos a repensar a convencionalidade e a organização da mente tipográfica, típica da sociedade não digital. Nessa direção, Castells (1999) define a mente tipográfica como um fundamento específico da sociedade pré-digital e a mente em rede característica da sociedade midiatizada, que cria outras formas específicas de interagir pela internet. 30 Com base nessa constatação, fica evidente a necessidade de considerarmos a geração internet como criadora de sentido, devido ao processo fluido de leitura e escrita. Diante disso, é importante observar que essa geração tem se tornado engajada e protagonista dessa nova sociedade. Dentro dessa perspectiva, Monte Mór (2008) salienta que, nesse sistema de redes suscitado na sociedade digital, há uma expansão da forma de comunicação advinda da mente tipográfica para maneiras bem próprias de comunicação e criação, parecendo ser desnecessária a manutenção da linearidade em uma sociedade em rede. No tocante à linearidade e a deslinearidade, é possível fazer referência a duas das formas arquetípicas da escrita em épocas distintas. Tradicionalmente, nas décadas de 1930 e 1940, as jovens cultivavam a produção da escrita em diários onde registravam, de forma íntima e secreta, todos os acontecimentos e sentimentos que invadiam suas vivências diárias. Era uma escrita cronológica, linear, privada, individual e mantida em casa, às vezes até trancada com chaves, tratada como confidencial. Em relação às novas gerações, observa-se uma forma composicional de diários com elementos que permitem variadas reacentuações possibilitadas pela tecnologia digital. Mediante as redes sociais, as adolescentes escrevem seus diários, mas de forma interativa, plural, semiótica, valendo-se de diversos aplicativos como o Instagram, Facebook, Twitter, WhatsApp, Tumblr, demonstrando grande flexibilidade no uso das habilidades de ler, escrever e transitar em ambientes multimodais. Tal se deve à tecnologia de conexão contínua que, segundo Santaella, (2007, p. 200) “é constituída por uma rede móvel de pessoas e de tecnologias nômades que operam em espaços físicos não contíguos”. Esses espaços, conceituados pela autora como “espaços intersticiais”, repletos de mídias tecnológicas emergentes, permitem uma conexão e comunicação móvel e contínua. Têm se tornado potencializadores de diários fluidos e híbridos, rompendo a linearidade dos diários estáticos, únicos e conservadores como indica Chartier (2009) ao afirmar que: Com o texto eletrônico, enfim, parece estar ao alcance de nossos olhos e de nossas mãos um sonho muito antigo da humanidade, que se poderia resumir em duas palavras, universalidade e interatividade. (CHARTIER, 2009, p. 134) Evidentemente, não se pode negar que os jovens participam de inúmeras práticas sociais em ambientes que favorecem o exercício da escrita, ainda que fora da escola. Nesse andar, manifestam evidências de que estão aprendendo, mesmo distantes do conteúdo estanque e dos 31 livros didáticos, que parecem não fazer sentido para essa geração que lida com os recursos disponibilizados pelas tecnologias atuais. Em decorrência desse movimento de jovens em práticas de letramento, têm emergido estudos sobre questões que permeiam o gênero fanfiction. Pesquisadores vêm se dedicado a investigar essa reconfiguração da vida social devido à inserção e ao uso das novas tecnologias. Conquanto não sejam recorrentes os estudos relacionados com a fanfiction, já temos pesquisas, no meio acadêmico, que têm colaborado para entendermos como esse fenômeno vem contribuindo no processo de leitura, escrita e divulgação das fanfics. Moraes (2009) utilizou uma homepage de um website que hospeda fanfictions para investigar como leitores e escritores desse estilo constituem uma comunidade discursiva, mesmo não constituindo um grupo acadêmico. A pesquisadora lançou mão da perspectiva de gêneros textual e digital para análise da homepage e pôde constatar que a leitura e a escrita de fanfictions representam práticas de letramento pela dinâmica de os fãs utilizarem essas habilidades para criar e difundir histórias ficcionais em ambientes virtuais, espaços em que são organizadas comunidades discursivas que agregam fanfics em websites lidas on-line por outros fãs. Vargas (2011), de sua vez, investigou slash, subgênero de fanfiction, que abarca histórias em que os personagens são envolvidos em uma ficção erótica/romântica, pertencentes, quase sempre, ao mesmo sexo — masculino — sendo, a autora, do sexo feminino. O perfil dos leitores das histórias slash, baseadas na série Harry Potter, tanto no Brasil quanto no exterior, é feminino. Após análise de uma fic slash, a pesquisa conclui, abordando a adição de aspectos femininos aos protagonistas masculinos. Intento é aproximálos aos ideais românticos femininos. Possivelmente, a amizade e a harmonia na relação é que têm atraído as mulheres para esse estilo de escrita. Esse pode ser um dado importante para inferir como as mulheres se percebem na relação amorosa. A autora expõe ainda que, através dessa modalidade escrita em que a mulher desvela suas fantasias sexuais recorrendo-se de ficções eróticas, ela pode não estar falando apenas de si, mas de um nicho maior e possivelmente construído não por vozes isoladas, mas por grupos de afinidade. Na pesquisa de Waggoner (2012), centrada na cultura de fanfiction on-line, baseada em histórias relacionadas com fandons de televisão, a fanfiction representa, essencialmente, a forma de expansão da escrita em que o autor apresenta sua própria interpretação. O autor contrasta que o acesso às histórias já não é limitado a um público específico, como ocorria com os fanzines, pois, com o advento da internet, há maior participação da comunidade internauta, não mais havendo um público distinto. O autor conclui, ainda, que a fanfiction se 32 reveste de muitas subculturas dentro de sua cultura maior, para que mais pessoas possam interagir e encontrar uma comunidade para expressar seus significados diferentes e identidades. Vale lembrar que o termo subculturas remete a produções dentro do universo ficcional que retrata, por exemplo, histórias consideradas marginais, a exemplo do slash que aborda relacionamentos amorosos com personagens do mesmo sexo. Os estudos de Peter Güldenpfennig (2011) problematizam a ideia sobre ser criativo utilizando análise de fanfiction, uma vez que muitos podem negar ao fã de ficção certos atributos criativos, classificando tais produções como derivados, parecendo ter menos valor que a produção de origem. As produções tidas por derivadas são aquelas criadas com base em outra fanfic. Após a análise, o pesquisador concluiu que a fanfic se torna mais criativa quando vista como uma contrapartida para a criação de uma outra história ficcional. Esse aspecto causou surpresa para o pesquisador por acreditar que a criatividade se limitava à ideia do texto original, nunca como parte de outra história de ficção engendrada por um fã. Observando toda essa movimentação em torno das práticas sociais apresentadas nas investigações sobre fanfiction, é que Jenkins (2009) sinaliza que o raiar de novas tecnologias assegura um entusiasmo democrático para abrir ensejo a que um número maior de usuários criem e circulem mídias. Vemos descortinar, por meio desses interessantes estudos, uma participação efetiva de comunidades em espaços propiciadores de produção expandindo e descentralizando o conceito de autoria. Atentar para essa realidade é que faz com que aflore o tema desta pesquisa. Isso se dá na busca de uma reflexão sistemática de minha ação em sala de aula, na qualidade de docente, diante dos sujeitos que vivem papéis efetivos de autores e leitores na sociedade contemporânea. Segundo Zavam (2007), para essa geração Internet e Ensino, “Estar no espaço virtual significa existir, ser reconhecido na e pela sociedade nem que seja somente a digital”, já que, no mais das vezes, em sala de aula, são invisíveis. Por essa razão, buscaremos discutir e analisar a escrita no ambiente digital, lugar relevante para jovens e adolescentes que se apropriam de letramentos e lidam com muito mais fluência (ROJO, 2012) como os recursos midiáticos do que nós, tornando-se capazes de pensar e agir na sociedade contemporânea. 33 1.2 Letramentos e suas contribuições para a sociedade digital Nesta seção desfiarei teorizações que, de certa forma, possibilitam reflexões sobre os insumos trazidos no decorrer deste estudo sobre fanfiction. A globalização tecnológica gera variadas demandas com relação à dinâmica da sociedade. Para averiguar a legitimidade dessas mudanças e visualizar maneiras de agir, necessário se faz observar o pano de fundo histórico que ganha destaque nos debates acadêmicos que buscam enfatizar os novos letramentos emergentes na sociedade contemporânea. Cumpre ressaltar que a sociedade digital da oportunidade ao contato com variadas e simultâneas formas de “interação humana; inúmeras maneiras de ler, interpretar e agenciar no mundo” (TAKAKI, 2012, p. 5). Nesse contexto, indispensável é apontar alguns conceitos de letramentos. Inicialmente, é essencial, nesse percurso teórico, entender a definição de letramento, conforme vincam Street (1984); Cope e Kalantizis (2000); Lankshear e Knobel (2005); Menezes de Sousa, Monte Mór (2006); Soares (2006), Takaki (2012). Para esses pesquisadores, o conceito de letramento se reporta a um processo ininterrupto que caracteriza variadas habilidades e conhecimentos; agrega práticas sociais que abarcam usos heterogêneos de leitura, escrita e outros estilos de linguagens, entre elas a digital. Já no âmbito de letramentos, Soares (2002) sugere que a pluralização da palavra se dá pela necessidade de reconhecer que o surgimento de diversificados tipos de tecnologia de escrita geram variados letramentos. Com a instalação das novas tecnologias, há uma mobilização orbitando as práticas sociais, tornando-as mais complexas. Ainda consoante a autora: Na verdade, essa necessidade de pluralização da palavra letramento e, portanto, do fenômeno que ele designa já vem sendo reconhecida internacionalmente, para designar diferentes efeitos cognitivos, culturais e sociais em função ora dos contextos de interação com a palavra escrita, ora em função de variadas e múltiplas formas de interação com o mundo – não só a palavra escrita, mas também a comunicação visual, auditiva, espacial. (SOARES, 2002, p. 155, 156). Convém ainda ressaltar, perseguindo o pensar de Lopes (2010), que, mais recentemente, os estudos atinentes a letramentos passaram a acrescentar outras práticas sociais não voltadas unicamente para o texto escrito, expandindo para conceitos mais abrangentes que considerem, 34 de igual parte outras práticas de construção de sentido tais como letramentos radiofônicos, televisivos, digitais, entendidos como novos letramentos. Alinhados a esse pensamento, Lankshear e Knobel (2007) denominam esses eventos como novos letramentos, pelo fato de vivermos em uma sociedade marcada pela digitalidade. Para os autores, digitalidade sinaliza para a maneira técnica, ou seja, a condição dada pelo computador de modificar. “textos, sons, cores”. No entanto, é necessário um novo pensamento, uma nova forma de agir diante das tecnologias avançadas. Ainda no mesmo rumo dos autores O mundo contemporâneo apresenta diferenças consideráveis comparativamente a trinta anos atrás, e essa diferença tem aumentado. Muito dessa mudança está relacionado ao desenvolvimento de novas tecnologias interconectadas e de novas formas de fazer coisas e de novos modos de elas serem viabilizadas por essas tecnologias. Mais e mais, o mundo tem se alterado em função de as pessoas explorarem palpites e “visões” do que seja possível, dado o potencial das tecnologias digitais e das redes eletrônicas. [...] (LANKSHEAR; KNOBEL, 2007; p. 10, apud MAIA, 2013; p. 67-68) Com base nessa constatação, inegavelmente, um dos grandes desafios é entender os novos letramentos digitais como práticas sociais. Pensando nisso, Lopes (2010) explica tal fenômeno como um ambiente de romper paradigmas e de ampliar, de forma infinita, maneiras de relacionar-se socialmente, desfazendo as fronteiras tradicionais. Esse autor assevera ainda que os novos letramentos digitais apontam para uma realidade de maior participação entre as pessoas com a possibilidade de uma construção colaborativa de significados. Diante desse cenário, convém mencionar que, com o romper das novas tecnologias, a digitalidade, segundo Duboc (2012), constitui um componente arrojado dos dias atuais e não presente no dia a dia dos sujeitos dos anos 1970 impulsionando uma alteração considerável na forma como as pessoas agem diante do processo de aquisição e construção de conhecimento. Novas estratégias e habilidades emergem nas sociedades contemporâneas caracterizada pela digitalidade, colaboração, participação, comunicação e negociação. Tais aspectos, mediados por todo um aparato digital, tem aportado novas configurações para o sujeito atual que passa a expressar, nos contextos em que estão inseridos, construções outras e participações sociais, promovendo, assim, agenciamento, nova atitude, novo ethos. (KNOBEL; LANKSHEAR, 2007, apud DUBOC, 2012). Nessa mesma linha, Monte Mór (2013, p. 10) define agência como uma nova maneira de o indivíduo agir, sendo identificada, à medida que toma iniciativa, havendo, assim, autoprodução de conhecimento que expressa efeitos de desprendimento e emancipação. Na 35 visão da autora, podemos perceber que agência remete ao sentido de promoção e construção de uma cidadania engajada e ativa. Esclarecimento similar é proposto por Jordão (2010, p.423), que caracteriza agência na perspectiva contemporânea, referindo-se à ação fundamentada “no processo discursivo de construção de sentidos, na produção e estabelecimento de discursos que definem e categorizam pessoas, ideias, conhecimentos e formas de conhecer”. No entender da autora, desenvolver agenciamento é poder participar na formulação “de construção de sentidos e representações do mundo”. Agência, assim interpreto, está intrinsecamente ligada à emergência de saber agir, desenvolver iniciativa, construir diferentes definições, também podendo representar a ampliação de possibilidade de autoprodução de conhecimento mediante uma sociedade que lida com a cultura de participação. Considerando que essa cultura de participação envolve principalmente o ciberespaço, definido por Santaella (2007, p. 178) como “espaço de virtualidade, feito de bytes e de luzes”, e que tem como principal peculiaridade apresentar ambientes em que os sujeitos podem relacionar-se, tornam-se mais evidentes os novos modos de comunicação. Segundo a autora, no entanto, há a necessidade de um engajamento ativo desse determinado participante nesse ambiente que encarta principalmente informação consubstanciada em linguagens hipermidiáticas, linguagens mistas, híbridas, escorregadias, feitas de misturas de textos, linhas, sinais, gráficos, tabelas, imagens, ruídos, sons, músicas e vídeos (SANTAELLA, 2007, p. 178). Tudo isso nos aclara que, diante do surgimento do ciberespaço, mediante a crescente demanda do universo digital, o conceito de espaço, onde os jovens e adolescentes estabelecem ritmos acelerados de cooperação e colaboração estimulados por um meio altamente fluido, tornou-se premente, principalmente em razão da propagação inusitada das ferramentas móveis (SANTAELLA, 2007). Nesse viés, um dos espaços cunhados pela autora é o de hipermobilidade que tem, como características, as práticas sociais, marca intrínseca de uma sociedade em rede. Na era digital, diante das manifestações das tecnologias móveis, tornou-se possível o contato com pessoas mediante encontros reais coordenados por interfaces móveis. Nesse momento, faz-se necessário pontuar uma das práticas sociais que aflorou nesse novo espaço midiático da cultura digital denominada fanfiction, assim definida por Lankshear e Knobel: 36 Fanfiction – ou "fanfic" para seus aficionados – é o nome dado à prática, onde os devotos de alguns meios de comunicação ou fenômeno literário como um programa de TV, filme ou livro, escrevem histórias baseadas em seus personagens (PLOTZ 2000, p. 1). Além das três categorias de catalisador para fanfic, narrativas de fãs baseadas em enredos de videogame e personagens também estão crescendo em popularidade. A maioria das fanfics é escrita como narrativa, embora songfic e poetryfic também sejam formas populares e algumas fanfictions são feitas como desenhos de mangá e animações. (LANKSHEAR; KNOBEL, 2006, p.109, tradução nossa)4 O que se pode destacar, ancorada nessa lúcida definição dos autores, é que fanfiction tem se constituído, diante da emergência da cultura digital, importante gênero, por força do uso das tecnologias interativas. Observando toda essa movimentação em meio às tecnologias interativas, é que Marcuschi e Xavier (2010) sinalizam que os gêneros digitais, marcas fortíssimas dos novos letramentos, eclodem em ambientes virtuais. Suas observações exploram a perspectiva de gênero como modos sociais de organização e demonstrações peculiares da vida cultural. Justapondo-se a este ponto de vista, Erickson (1997, apud MARCUSCHI, 2010) afirma que, conforme um ambiente virtual, gênero é um modelo de participação advinda de aspectos individuais, sociais e técnicos latentes em um estado usual de comunicação. Nessa perspectiva, fanfiction arregimenta esse status de gêneros digitais porque constitui estilo caracterizado pela prevalência de movimentos sociais em espaços ciberespaciais que não mais exigem uma presença estática ainda sustentada pela escola convencional (JESUS, 2007). No contexto da sociedade digital, fanfiction é um dos letramentos que emergiram da necessidade cada vez mais intensa de uma geração que não se restringe apenas ao que lhe é ofertado, mas que procura participar de plataformas colaborativas, exercendo papéis de leitores, escritores, comentaristas, nas quais todos têm algo a contribuir, e assumindo, assim, uma postura ativa de agenciamento. Outro aspecto da noção de gênero que também podemos retratar, nas histórias criadas por fãs, é o gênero discursivo. Rojo (2013) salienta que: 4 Fanfiction – or ‘fanfic’ to its aficionados – is the name given to the practice where devotees of some media or literary phenomenon like a TV show, movie, or book write stories based on its characters (Plotz 2000: 1). In addition to the three categories of catalyst for fanfic, fan narratives based on vídeo games plotlines and characters are also increasing in popularity. Most fanfic is written as narrative, although songfic and poetryfic are also popular forms and some fanfictions are carried as manga drawings and animations (LANKSHEAR & NOBEL, 2006, p.109). 37 Esses ‘novos escritos’ obviamente dão lugar a novos gêneros discursivos, quase diariamente [...]. E isso se dá porque hoje dispomos de novas tecnologias e ferramentas de ‘leitura e escrita’, que convocando novos letramentos, configuram os enunciados/textos em sua multissemiose ou em sua multiplicidade de modos de significar” (ROJO, 2013, p. 20). Ainda segundo Bakhtin (2003), ao comunicarmos, utilizamos enunciados, que são sempre concebidos, com base nos gêneros discursivos elaborados mediante as necessidades de interações sociais, visto que “[...] cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2003, p. 262) Ao pensarmos em gênero discursivo, podemos, claramente visualizar uma fanfic, uma vez que nasce de uma necessidade de interação social de fãs emergentes na contemporaneidade. Os escritores de fanfic constroem a escrita num dado tempo e lugar mobilizados pelo surgimento das mídias digitais. 1.3 Autoria no contexto digital As comunidades virtuais, formadas por fãs escritores, construtores de sentido, têm instaurado na sociedade contemporânea uma reflexão quanto à autoria. Silva (2013) afirma que “há muito a noção de autoria está em colapso; a emergência de novas tecnologias veio aumentar esse processo” (SILVA, 2013, p. 98). A autora ainda salienta que o advento das tecnologias, na contemporaneidade, tem contribuído com essa mudança, pois à medida que a interação entre as pessoas e o acesso à internet começaram a se desprender, muitos jovens e adolescentes têm a oportunidade de participar de eventos de letramentos utilizando a escrita no contexto digital. Dentre esses ambientes, fanfiction desponta como uma cultura de escrita na internet em que “o acesso à distribuição de massa muda a experiência de autoria” (VARGAS, 2011, p.29). A essa luz, um debate é introduzido: o que é um autor? Foucault, em seu célebre texto O que é um autor?, traz um aspecto da função autor: “característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade” (FOUCAULT, 2009, p. 274). Esse perfil partilhado nos leva a pensar que um autor era aquele que expressava um discurso representativo de determinada sociedade com seus valores em detrimento da cultura estabelecida. Santaella (2007) ilustra que a função do autor não é global. Constata-se que houve momentos na história em que os textos eram reconhecidos segundo sua antiguidade. Ainda 38 segundo ela, apenas no final do século XVIII é que se criaram regras para delimitar os direitos de autoria e edição concernentes à propriedade dos textos. Definir o que é autor é tarefa complexa. Contudo, as tecnologias que nos circundam tornam insustentável essa noção de autoria elucidada anteriormente e fundamentada no controle de produção, edição e circulação, mediante as modificações bastante exploradas pela instauração da revolução digital que “nublam as fronteiras entre produtores e consumidores, emissores e receptores” (SANTAELLA, 2007 p. 79). Além disso, a autora pondera que outra reflexão que demanda repensar a ideia de autoria é a interatividade, que potencializa a escrita colaborativa, marca indissociável do usuário contemporâneo. Nota-se que a interatividade, que tem engajado um público de jovens e adolescentes em trabalhos colaborativos, nesse novo processo de criação, em ambientes virtuais, propicia, segundo Domingues (apud SANTAELLA, 2007, p. 79), propriedades que permitem acesso não linear a variados textos, estar presente em espaços não demarcados, participar de grupos virtuais fortalecendo interações por meio de imersão em espaços de mobilidade que hospedam uma complexidade de usuários e navegarem em espaços inventivos. Em meio a esses espaços coexistem, de forma imbricada, produtor e consumidor, autor e leitor num engajamento ativo, diante das interfaces que quebram a hegemonia da autoria tradicional e individual. Tudo isso não deixa dúvida quanto à necessidade de desconstrução da ideia de autoria fixa, já que, na escrita de fanfic, não se estabelece um único autor. Há uma junção de comentários que vão compondo a escrita colaborativa. A produção textual é híbrida, criada por pessoas de lugares diferentes, mas em constante conexão. Acredito que esse espaço digital, que garante a autoria de histórias ficcionais, redimensiona os papéis dos jovens e adolescentes para um protagonismo voltado às ações mais colaborativas com a integração de semioses, próprias de uma sociedade midiatizada. Mas, especificamente, reconheço a importância dos diversos letramentos que permeiam este estudo e que se recrutam cada vez mais novos fãs participantes. Neste capítulo, com a finalidade de esclarecer ao leitor, discuti a energia teórica que tem subsidiado esta pesquisa. A seguir, apresento os fios condutores, norteadores metodológicos que conduzem à análise. 39 CAPÍTULO 2 FIOS CONDUTORES O professor pesquisador não se vê apenas como um usuário de conhecimento produzido por outros pesquisadores, mas se propõe também a produzir conhecimentos sobre seus problemas profissionais, de forma a melhorar sua prática. Para isso ele se mantém aberto a novas ideias e estratégias. (BORTONI-RICARDO, 2009, p.46) Neste capítulo, entreabro comentários sobre a abordagem metodológica que baliza esta pesquisa, a prática da fanfiction, os participantes e as formas de interação, além dos procedimentos para geração e análise dos dados. Parto do pressuposto de que não há como observar o mundo alheio às práticas sociais e significativas vigentes. Valho-me de lentes interpretativistas, pois minha finalidade não é descobrir leis universais alicerçadas em dados estatísticos, mas pesquisar minuciosamente uma situação específica e compará-la à outra. 2.1 A manifestação dos fios metodológicos Ao nos envolvermos em uma pesquisa, enveredamos por um mundo complexo onde estão entrelaçados diversos fios. Dependendo do fio que escolhemos para tentar compreender o caminho que percorreremos, nesse entrelaçamento, essa caminhada poderá nos conduzir a lugares de conforto ou de desconforto, de experiências adaptativas e fascinantes ou instigantes. Essa escolha perpassa pelas intenções do pesquisador. Nesse andar, o pesquisador dialoga com variadas possibilidades de fazer pesquisa tornando visíveis aquelas que facilitarão a melhor compreensão e escolha do fio. Então, inscrevo-me na condição do pesquisador que está imerso no ambiente pesquisado e, por isso, não poderei adotar um papel neutro e distanciado em meus contatos com as pessoas a serem entrevistadas. Dessa forma, é de peculiar importância perfilhar uma metodologia que leve em consideração não somente o levantamento de hipótese para a construção de um modelo, assim 40 como a perspectiva positivista. Julgo pertinente a interpretação dos dados coletados, por meio do universo pesquisado, pois noto que a abordagem qualitativa se identifica com a complexidade e o contexto estudado. Conforme esta discussão, vale destacar que o foco da pesquisa qualitativa está no perceber e interpretar como os indivíduos constroem significados e concebem o mundo assentado em suas próprias realidades, já que estão inseridos em fenômenos sociais e conferem sentidos conforme sua vivência. Nesse viés, Flick (2009) relata que um dos pontos de vista essenciais da pesquisa qualitativa se inclina para a seleção apropriada de métodos e teorias pertinentes que não objetivam testar situações artificiais geradas em laboratórios, mas, sim, eventos e interações entre pessoas em seu cotidiano. 2.2 A escolha do fio Esta pesquisa pressupõe que, ao investigar situações em que o ser humano está inserido, faz-se forçoso situá-lo em um contexto social e cultural, além da possibilidade de depararmos com imprevistos e mudanças que possam ocorrer no andar da pesquisa (BORTONIRICARDO, 2009). Sendo assim, acredito que, para compreender melhor a fanfiction na qual se entrelaçam vários fios, é necessário invadir esse espaço e tornar-se parte dele. Mas como definir a pesquisa qualitativa e por que utilizá-la? Segundo Flick (2009), a pesquisa qualitativa é utilizada devido à sua relevância quanto ao estudo das relações sociais e à pluralização das esferas da vida. Relevância esta relacionada com a complexidade do ser humano. Em geral, vivemos em uma sociedade heterogênea e permeada por indivíduos complexos, o que faz surgirem novos padrões de interpretação, uma vez que as metodologias que primam por hipóteses focadas em modelos teóricos que deverão ser testados (FLICK, 2009) já não são viáveis quando se aborda contextos sociais nos estudos. Ainda para Bortoni-Ricardo (2009), embrenhar-se na pesquisa qualitativa é demonstrar interesse por um processo que ocorre em determinado espaço e pensar na perspectiva de como os sujeitos envolvidos o entendem nesse determinado contexto social, dentre eles fanfiction. Para entender e interpretar essas práticas sociais emergentes na atualidade, recorro à abordagem interpretativista de fazer pesquisa. Tal abordagem passou a ser relevante no estudo das ações sociais e, consequentemente, na significação que essas ações conferem aos atores imersos no letramento digital. 41 Cabe ressaltar que o paradigma interpretativista de pesquisa veio à tona como uma reação ao paradigma positivista, que privilegia a razão analítica, buscando explicações causais mediante reações lineares entre fenômenos. Em virtude desse novo panorama contemporâneo, não podemos nos deter a apenas estudos teóricos, uma vez que as novas relações sociais exigem outra dinamicidade de estudos pautados em experiências práticas devido à mudança social que se acelera e, consequentemente, irrompem novos contextos e perspectivas sociais (FLICK, 2009, p. 21). Nesse âmbito, a tarefa do paradigma interpretativista, abarca, consoante Erickson (1990), métodos e práticas utilizados na pesquisa qualitativa como pesquisa etnográfica, observação participante, estudo de caso, interacionismo simbólico, pesquisa fenomenológica e construtivista. Como afirma Bortoni-Ricardo (2009), não têm pretensão em desvendar leis universais baseadas em dados estatísticos homogêneos, porém estudar minuciosamente determinado fenômeno para assim compará-lo com outras realidades. Sob o olhar interpretativista, fio condutor deste estudo, trabalharei com a geração de dados e com uma diversidade de recursos empíricos. Assim, acompanharei quatro adolescentes que participam de práticas sociais com ênfase em fanfiction, fazendo-o por meio de entrevistas. Para isso, reporto-me a Flick (2009), que nos orienta a utilizarmos esse método de geração de dados, a fim de tornar claro o que os sujeitos a serem entrevistados supostamente revelarão. Assevera ainda que questões de pesquisa mal formuladas, trarão risco de incompreensão por parte do pesquisador, mediante a tentativa de interpretar inúmeros dados. Com este panorama inicial, quanto ao direcionamento do estudo proposto, é oportuno, então, pincelarmos algumas luzes que conduzirão a pesquisa e seus termos metodológicos. 2.3 A luz condutora Na atualidade, a internet tem sido valioso meio de comunicação e socialização de diferentes comunidades que, em qualquer parte do mundo, podem conectar-se e interagir das mais variadas formas. O interessante a destacar é que, nessa cultura de participação, definida por Jenkins (1992) como “um novo estilo de consumo” e entendida, segundo Lévy (2008), como “novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores”, são constituídas comunidades fortemente midiatizadas. Nesse espaço, configura-se, em meio ao mundo globalizado, um universo oceânico de informações e emergem grupos que leem e produzem “sobre as afinidades de interesses, de 42 conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca, tudo isso independentemente das proximidades geográficas e das filiações institucionais” (LÉVY, 2008, p. 127). Tais ambientes se tornam locais privilegiados para leitura, produção e comentários de fãs, engajadas no letramento digital. Nas imagens a seguir, empreendo uma descrição do fanfiction.net visando mostrar ao leitor como é organizado o website: Figura 5: Página Inicial do fanfiction.net (www.fanfiction.net) - extraída em 3-5-2014’ Figura 6: Resultado de uma pesquisa por Categorias e os vários fandons relacionados, no site fanfiction.net (www.fanfiction.net), extraída em 3-5-2014 43 Figura 7: Fanfics relacionadas ao fandom Naruto, no site fanficion.net (www.fanfiction.net), extraída em 35-2014 Figura 8: Conteúdo de uma fanfic acessada no site fanfiction.net(www.fanfiction.net), extraída em 3-5-2014 44 2.4 Lugar de onde emana a luz O espaço por onde percorre a luz e pelo qual esta pesquisa vem caminhando é um universo real e virtual. Real, uma vez que, segundo estudo realizado por Rheingold (2000), participam de comunidades virtuais sujeitos que compartilham produções específicas subjacentes da vida cotidiana. Os participantes desse ambiente leem livros, assistem a filmes, a série televisiva, curtem revista em quadrinho, anime, videogame, bandas, entre outros, que servem de base para produção de histórias ficcionais que são postadas em sites específicos. No entanto, há também os escritores que produzem fanfictions advindas de leitura on-line, figurando assim os navegadores-autores. Tais comunidades virtuais são “comunidades de prática” (WEGNER, 1998). Pode-se entender como prática um evento sempre social que ocorre em contextos históricos específicos. Estes contextos são arquitetados pelos atores que deles participam, responsáveis por seu desenvolvimento, manutenção, permanência ou desaparecimento. Nesses espaços, os usuários expõem, de forma espontânea, suas percepções, produções, opiniões, experiências e compartilham nesse ambiente que pode ser entendido, então, “como um local de construção de uma “inteligência coletiva” em potencial” (LÉVY, 2008). As comunidades aliadas, por exemplo, em torno da Banda Super Junior5, expressam algo em comum, coletivo, que é o fato de serem fãs do mesmo estilo de música, e os seguidores que leem ou escrevem fanfiction sobre a banda criam uma ficção quase sempre com um ar romântico ou de amizade com um dos personagens que fascina os seguidores. Consoante Vargas (2005), é básico entender que os sujeitos que dispõem de meios, informações e disponibilizam de tempo para partilhar em uma comunidade virtual, representam nova elite pró-ativa que permeia a sociedade contemporânea e que abarcam saberes que os diferencia dos navegadores da Web 1.06, que utilizavam a rede para checar informações. 5 Super Junior (em coreano: 슈퍼주니어; Syupeo Junieo) é uma famosa boy band da Coreia do Sul produzida por Lee Soo-man e criada pela empresa SM Entertainment, em 2005. Inicialmente, o grupo estreou com 12 integrantes, no dia 6 de novembro de 2005, no programa da SBS, Inkigayo, com o single "Twins (Knock Out)". No dia 23 de maio de 2006, a SM anunciou a adição de um novo integrante, Kyuhyun. Os 13 membros originais são: Leeteuk (líder), Heechul, Han Geng, Yesung, Kangin, Shindong, Sungmin, Eunhyuk, Donghae, Siwon, Ryeowook, Kibum e Kyuhyun. Há também outros dois integrantes, um chinês e um canadense, ambos parte do subgrupo Super Junior-M: Zhou Mi e Henry, respectivamente.<disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Super_Junior, acesso em 20-3-2014> 6 Conforme Moita Lopes (2010), “O mundo da Web 1.0, pode ser entendido como aquele no qual a tela do computador era um lugar de consumo ou a ser consumido pelo usuário”. Já na Web 2.0 “opera-se sob uma outra lógica: a da participação, a da colaboração, a da inteligência coletiva e a da possibilidade de intensificação das relações sociais nas wikis, espaços de afinidades, fanfiction, etc. 45 Pautada nessa dinâmica social, ante os avanços da leitura e da produção escrita vivenciada por adolescentes em comunidades virtuais, associadas à prática da fanfiction, que fornece aos usuários dessa prática um maior sentido de competência (empowerment), dou continuidade descrevendo esses sujeitos que têm abraçado essas novas maneiras de construir sentidos. Partilham eles de gostos comuns, expressam novas maneiras de construir relacionamentos com os outros e de agir no mundo contemporâneo. 2.5 A comunidade de navegadores Desfilo agora os sujeitos que interagem nessa emergente prática social e que se aglutinam em ambientes virtuais, partilhando leituras, escritas, opiniões, sem barreiras geográficas. Para fins de esclarecimento, acrescento que as participantes da pesquisa são assim identificadas: A1, A2, A3 e A4. A registrar que A se remete a Adolescente, ao passo que numeral é atribuído de acordo com a ordem das entrevistas. A sigla P indica a fala do Pesquisador. A1 é aluna do nono ano do ensino fundamental em uma escola particular, tem 13 anos, tornou-se leitora de fanfiction desde os onze anos, mas não lia com muita frequência. Na atualidade, lê mais regularmente e prefere as histórias que narram ficções sobre as bandas Super Junior e SNSD (Girls’ Generation)7. A maior fanfiction lida foi em forma de suspense, abrangendo vinte capítulos. A história foi criada por uma escritora, ou seja, não é uma história baseada em original. Segundo a aluna, esse estilo de leitura é atrativo e envolvente por isso. Agora é uma leitora assídua. Já fez amizades pela leitura on-line e fala que conquistou uma amiga que passou a ser sua unnie — amiga mais velha, a merecer respeito. Considera-se leitora-comentarista, visto que, além de ler, faz comentários nas histórias que avalia como interessantes. A2 tem dezesseis anos e cursa o ensino médio em escola pública. Afirma que participa da comunidade de leitores de fantictions desde os onze anos e começou suas leituras com histórias baseadas em animes8 (Naruto, Death Note). Atualmente lê fanfics fundamentadas em Girls' Generation (em coreano: 소녀시대; So Nyeo Shi Dae) é um girl group pop sul-coreano formado pela SM Entertainment em 2007. Elas são conhecidas no Japão como Shoujo Jidai (em japonês: 少女時代) e também são chamadas como SoShi (소시) ou SNSD por seus fãs, ambas as formas abreviadas do nome do grupo em coreano. O grupo é formado por nove garotas: Taeyeon, Jessica, Sunny, Tiffany, Hyoyeon, Yuri, Sooyoung, Yoona e Seohyun. <disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/SNSD, acesso em 20-3-2014> 8 Anime é um termo que define os desenhos animados de origem japonesa e também os elementos relacionados com estes desenhos. No Japão, anime se refere a animação em geral. O anime é tradicionalmente desenhado à mão. Porém, com o 7 46 bandas (Super Júnior), anime (Naruto), série (Sobrenatural), livros (Sherlock Holmes, Percy Jackson), etc. A estudante, além de ler, faz comentários nas histórias do site Anime Spirit. Ao longo das leituras no ambiente virtual, tem feito amizade com pessoas de sua própria cidade, Cuiabá-MT, e de outras localidades, como São Paulo, Curitiba, Canadá. Lembra que já leu fanfiction com até sessenta e oito capítulos, inspirada no livro Harry Potter. A adolescente A3, com dezenove anos, cursa o nível superior em universidade pública. Dedica-se à prática de leitura de fanfiction desde os catorze anos e suas leituras preferidas são comédias, romances, dramas baseados em mangás9, como Naruto ou One Piece. Esse estilo de leitura chama sua atenção devido aos enredos, tidos por interessantes. Considera-se uma leitora-fantasma, em razão de sua prática de entrar nos sites hospedeiros de fanfictions apenas para ler, sem tecer comentários. A4, também é aluna universitária, na rede pública e tem dezenove anos. Leitoraescritora de fanfiction. Seu interesse pela leitura de fanfiction se desenvolveu desde os treze anos. O que lhe chamou atenção nesse estilo literário foram as histórias que versavam assuntos pertinentes às suas bandas preferidas. Lê, então, histórias vinculadas às bandas, em especial Super Junior. Já escreveu cinco histórias e publicou em sites específicos como Nyah! e fanfiction.net. A última história postada agrupa cinquenta capítulos. Informa, ainda, que participa de mais duas categorias: comentarista e beta-reader (lê e faz correções necessárias nas histórias). Passo a desvelar os passos seguidos para a geração de dados. 2.6 Instrumentos para geração de dados A pesquisa qualitativa, conforme Flick (2009), vai além de lançar mão apenas de uma entrevista narrativa ou da utilização de um questionário. O autor afiança que essa concepção nos orienta que desenvolvimento dos recursos tecnológicos de animação, principalmente a partir da década de 1990, muitos animes passaram a ser produzidos em computadores. Os temas abordados nos animes são bem variados (dramas, ficção, terror, aventura, psicologia, romance, comportamento, mitologia, etc.). Outra importante característica dos animes atuais é a ocorrência de elementos tecnológicos nos enredos das histórias. O anime faz muito sucesso no Japão e em vários países do mundo, incluindo o Brasil. As animações são elaboradas para o cinema, televisão e revistas em quadrinhos. Disponível em <http://www.suapesquisa.com/o_que_e/ anime.htm>, acesso em 20-3-2014. 9 Mangá é o nome dado às histórias em quadrinhos de origem japonesa. A palavra surgiu da junção de outros dois vocábulos: man, que significa involuntário, e gá, imagem (マンガ, na grafia japonesa). Os mangás se diferenciam dos quadrinhos ocidentais não só pela sua origem, mas principalmente por se utilizar de uma representação gráfica completamente própria. <disponível em http://mangasjbc.uol.com.br/o-que-e-manga/, acesso em 20/03/2014> 47 as teorias não devem ser aplicadas ao sujeito que está sendo estudado, mas sim ‘descobertas’ e formuladas no trabalho com o campo e com os dados empíricos ali encontrados. (FLICK, 2009, p. 96) Daí a necessidade de utilizarmos um instrumento apropriado ao tema em estudo na fase de geração de dados com uma formulação concreta, a fim de tornar claro o que os sujeitos a serem entrevistados supostamente revelarão. Flick (2009) descortina algumas orientações quanto ao uso de entrevista, uma das bases da metodologia qualitativa. Assina que as perguntas sejam respondidas pelo sujeito entrevistado com liberdade e que esse instrumento de pesquisa não deve ter, como objetivo, descobertas de conceitos teóricos. Intuito é aproximar-se da vivência dos indivíduos. Adverte ainda que, na entrevista, deve-se fazer o esforço de se socorrer de uma linguagem acessível aos entrevistados, e não de termos científicos. Assim, utilizarei de entrevista com intuito de criar diálogos a fim de obter informações vindas dos sujeitos participantes da pesquisa, que se dedicam a ler e escrever histórias ficcionais por terem desenvolvido laços afetivos com personagens oriundas de narrativas da cultura popular. Em consonância com a metodologia qualitativa e com a premissa de entrar nesse universo de fãs, apadrinho-me com um roteiro, conforme propõe Flick (2009), com vista a entrevistar adolescentes que se tornaram leitoras e escritoras de tela, recorrendo desse modo ao uso intensivo das mídias digitais, como novas luzes contemporâneas. O roteiro – conforme os Anexos 1 e 2, constando a contextualização e o questionário – foi empregado para o primeiro e segundo contatos com as adolescentes, hábil a gerar dados e a concretizar as duas entrevistas com as quatro garotas participantes de fanfiction. Ainda para a coleta de dados com as adolescentes, fiz gravação por celular, netbook e o aplicativo WhatsApp, acentuando, assim, a importância da tecnologia digital para esta pesquisa. Cabe ressaltar que os excertos aparecerão no corpus da análise e foram mantidos de acordo com a transcrição das falas das adolescentes. Apresentam-se em itálico e aspados. Finalmente, as entrevistas foram transcritas, totalizando 2h51min23s de duração, conforme quadro apresentado no Anexo 3. 48 2.7 Procedimentos de análise Buscando atender o objetivo desta pesquisa e perceber o universo das leitoras e escritoras do ambiente virtual, fanfiction, que adquirem marcas singulares da comunidade de fãs, parto agora para esmiuçar os passos que seguirei durante a análise dos dados. Considerando, portanto, a necessidade de conhecer melhor o sentido desse fenômeno, procurei aproximar-me informalmente das garotas que o vivenciam utilizando entrevistas informais, para tentar depreender que expectativas direcionavam tal participação. BortoniRicardo (2009) descreve que, nesse processo, “o pesquisador é parte do mundo que ele pesquisa”. Por meio da entrevista, podemos ter acesso às informações e a importantes relatos de experiências que ressoam modos de ser e estar na esfera digital, apoiadas pelas tecnologias. Refletem um regime de participação virtual inovador em redes globais de comunicação presentes na sociedade contemporânea, pautada num estilo de vida com atitudes proativas capaz de gerar relacionamentos e conhecimentos imbricados com o prazer de ler e escrever histórias ficcionais. Com esse panorama e com a tentativa de clarear apontamentos relacionados com o letramento digital, mergulhei em meus dados, investindo tempo, revisitando anotações até entender os estilos ou estéticas exclusivos da comunidade estudada. Para desenvolver o ensaio dedicado a esquadrinhar os dados gerados, foram empregados critérios, baseados em entrevista a exemplo da técnica para análise de dados que têm como característica, segundo Flick (2009, p. 161, 162), facilitar a coleta de dados e a comparabilidade das informações coletadas no percurso do estudo. Pensando dessa forma, podemos desencadear, pela análise, possíveis categorias que se estabelecem no decurso da participação na prática de letramento, advinda de uma sociedade midiatizada e leitora de fanfiction. Esse desencadeamento permeia a metodologia interpretativista que, segundo BortoniRicardo (2009), nesse paradigma, diferente do positivista que denota maior objetividade do pesquisador, tecendo assim uma observação neutra, o pesquisador trabalha com o pressuposto da reflexividade10 e é membro participante do estudo proposto. Não há, dessa forma, uma análise de fatos culturais totalmente objetiva. 10 Segundo Bortini-Ricardo (2009) “o pressuposto da reflexibilidade aponta que a pesquisa qualitativa aceita o fato de que o pesquisador é parte do mundo que ele pesquisa” 49 Para o procedimento da análise dos dados, transcrevi as quatro entrevistas, numerandoas cronologicamente Por exemplo: Entrevista 1, em 2-2-2013; Entrevista 2, em 2-2-2013, e assim subsequentemente. Em seguida foi feita a análise de cada entrevista com vista a identificar os temas mais recorrentes nas falas das adolescentes acerca de fanfiction e a escrita na internet. Segundo King e Horrocks (2010, apud ZOLIN-VESZ, 2012), uma análise temática abrange três concepções. A primeira compreende a seleção do pesquisador sobre o que considerar, descartar e analisar nas falas dos entrevistados; a segunda implica observar com que frequência há repetições. Já a última focaliza que os temas não devem ser semelhantes. Alicerçada nessas percepções, foi possível pinçar três temas intitulados como subseção 1, subseção 2, subseção 3. Após a identificação dos temas, dediquei-me mais uma vez às entrevistas, com um foco analítico, dando atenção às falas e permitindo que alguns elementos nas falas, com frequências relativas, me conduzissem à identificação das categorias mais relevantes para o estudo (BORTONI-RICARDO, 2009). Por fim, centrei o foco no diálogo com os dados, observando a relevância da fanfiction e da escrita on-line para as participantes da pesquisa. Neste capítulo, apresentei ao leitor os pressupostos metodológicos que subsidiaram este estudo, bem como esclareci brevemente como o letramento digital, que tem sido incorporado nas atividades extraescolares de jovens e adolescentes, tem sido apropriado por esses sujeitos que abraçam as novidades tecnológicas associadas à internet e se envolvem em práticas sociais permeadas por estilos diferentes de ler e escrever. No próximo capítulo, descrevo os resultados com base na análise das entrevistas geradas no decurso do trabalho, as quais trazem elementos relevantes que sustentam a minha interpretação e que contribuirão para possíveis conclusões e implicações tendentes à prática pedagógica. 50 CAPÍTULO 3 DIÁLOGO COM OS DADOS O Constante Diálogo Há tantos diálogos Diálogo com o ser amado o semelhante o diferente o indiferente o oposto o adversário o surdo-mudo o possesso o irracional o vegetal o mineral o inominado Diálogo consigo mesmo com a noite os astros os mortos as ideias o sonho o passado o mais que futuro Escolhe teu diálogo e tua melhor palavra ou teu melhor silêncio. Mesmo no silêncio e com o silêncio dialogamos. Carlos Drummond de Andrade, in 'Discurso da Primavera' 11' Neste capítulo, apresento e discuto os dados gerados no decorrer das entrevistas realizadas com as adolescentes. Para desenvolver a análise, utilizo como filtro analítico trabalhos de pesquisadores como Chartier (2009), Henry Jenkins (2009), Lankshear e Knobel (2006), Rojo (2009, 2012, 2013), Sibilia (2012) e Vargas (2005). 11 Disponível em <http://www.algumapoesia.com.br/drummond/drummond19.htm>. Acesso em 12-8-2013. 51 É salutar ressaltar que estes autores têm desenvolvido pesquisas centradas em práticas sociais emergentes na contemporaneidade. Assim, eles possuem seus construtos teóricos que abarcam estudos associados a uma nova mentalidade que perpassa pelos novos letramentos que circulam na contemporaneidade. Para desenvolver a análise dos dados, procedi à leitura das transcrições das entrevistas com A1, A2, A3 e A4, com vista a identificar os temas gerados e, a partir deles, chegar às categorias de análise predominantes nas falas e vivências de adolescentes participantes da pesquisa. Estas categorias constituem, por igual, elementos que acredito serem centrais para uma definição do letramento no ambiente digital, caracterizado principalmente pela versatilidade, fluidez, colaboração com o real exercício de práticas de leitura e escrita. Para tanto, baseio-me na linguagem figurativa, utilizando-me da metáfora da luz, pois acredito que, ao buscar compreender as relações sociais por meio da geração de dados pelos diálogos, vivencio momentos de incertezas e de claridade. Na sequência, passo a descrever e analisar as categorias e para isso lanço mão das perguntas de pesquisa mostradas na introdução tendentes a atingir os objetivos deste estudo: Que sentidos os adolescentes dão à escrita no contexto digital? De que forma se desenrola o processo de produção da escrita na fanfiction? Buscando responder a estas duas questões e para que o leitor possa compreender as diversas categorias que aflorarem, ajudo-me das subseções que seguem. A primeira subseção, intitulada “Papéis de Participação na Fanfiction”, apoia-se na primeira pergunta de pesquisa e se concentra em observar a relevância da escrita para a geração imersa na leitura e escrita digital. Já na segunda subseção, denominada “Construção da Escrita Fanfiction”, amparada pela segunda pergunta de pesquisa: – De que forma se desenrola o processo de produção da escrita na fanfiction? –, busco compreender como os usuários que habitam a fanfiction participam do processo da escrita on-line. Mostro, na terceira subseção, “Práticas Invisíveis no Ambiente Educacional”, ainda perpassando pela segunda pergunta de pesquisa: – De que forma se desenrola o processo de produção da escrita na fanfiction? –, uma discussão sobre como os alunos aprendem, fora do ambiente formal de ensino. 52 3.1 Papéis de participação na fanfiction Nesta subseção, assinalo algumas representações que caracterizam os participantes do gênero discursivo fanfic. Entre as categorias que me chamaram a atenção nesse processo de leitura e escrita no contexto da alta modernidade (SILVA, 2013) e de novos paradigmas estão: 3.1.1 Leitora-comentarista Essa categoria é representada por adolescentes, na maioria do sexo feminino, que leem e participam colaborativamente da escrita ao postar comentários depois da leitura de cada capítulo. Ao expressar suas opiniões utilizando-se de comentários, as adolescentes dão um feedback constante acerca da postagem lida, conforme exemplificam as respostas a seguir mostradas: Excerto 1 E: E você já leu fanfictions baseadas em histórias já existentes, bandas?Quais você já leu? A1: Eu já li fanfics baseadas em bandas. E: Quais bandas? A1: Ah eu li uma do Super Junior sobre Bandas Coreanas. E: As pessoas que escrevem gostam de ler comentários, porque os comentários, segundo elas, ajudam a refletir sobre o que escrevem. O que você acha disso? A1: “E as escritoras, inclusive quando elas recebem comentários, elas costumam melhorar a escrita delas.” (Entrevista 5, em 27-10-2013) Excerto 2 P: “A leitura dessas ficções te incentivou a ler outros livros?” A2: “Bastante.” P: “Quais por exemplo?” A2: “As Crônicas do Gelo e do Fogo, Crônicas de Nárnia, a maioria dos livros de ficção.” P: “Você participa da fanfiction de que forma: lendo, escrevendo, comentando...” A2: “Lendo e comentando no twitter. Em qualquer lugar que dê para conversar com as autoras, comento.” 53 P: “Conversa com as autoras em outros sites, então?” A2: “Sim, principalmente no twitter que é mais fácil de comentar. Toda hora, qualquer hora, elas estão presentes, fica mais fácil.” P: “Elas estão sempre on-line?” A2: “(...) Até umas cinco horas da madrugada.” P: “E quando há comentários elas se sentem valorizadas também?” A2: “Sim, alguém reconhece o esforço que ela fez para conseguir passar emoções, sentimentos e situações (...) e alguém entender pelo menos o ponto de vista dela.” (Entrevista 6,em 28-10-2013) Pelas respostas, é salutar identificar que essas adolescentes têm participado de eventos de letramentos e neles desempenhado papel de atores sociais “Lendo e comentando no twitter. Em qualquer lugar que dê para conversar com as autoras comento.”, afirma A2. Como registra Almeida (2013), nos dias atuais a juventude se agrupa em “comunidades especializadas”, desempenhando papéis de atores sociais em consórcio com outros jovens com os quais convivem, por meio de fanfictions. Tais papéis, de acordo com o relato da Adolescente 2, são exercidos em diferentes contextos eletrônicos, como “no twitter”, ambiente com estrutura dinâmica, infiltrado por uma variedade de linguagens que parecem evidenciar interações multimodais, havendo conexão entre a leitura, escrita e imagens em uma comunicação ininterrupta “Toda hora qualquer hora elas estão presentes.” As relações demandadas pelos artefatos digitais e alinhadas à estrutura on-line, com um poder extraordinário de acesso ubíquo, como relatado pela Adolescente 2, parece diferenciar da leitura antiga apontada por Chartier (2009), em que o leitor mantinha sua passividade, apesar de deixar sua escrita nos espaços em branco, no entanto, tidos, como periféricos. Já a leitora-comentarista evidencia uma ressignificação dessa leitura, podendo, a qualquer momento, interferir na tela, postando comentários simultâneos à leitura, pois “em qualquer lugar que dê para conversar com as autoras, comento”. Dessa maneira, tal categoria patenteou um elemento importante na escrita contemporânea, constituída no espaço eletrônico, onde não parece ser predominante a imposição do sagrado e a hierarquia existente entre autor e leitor, mas, sim, uma maleabilidade e abertura para que o leitor intervenha no próprio conteúdo (CHARTIER, 2002), ao tecer comentários no decorrer da leitura de uma fanfic. 54 Em vista dessas diferentes configurações e novas demandas contemporâneas, figura ficar mais clara a confirmação de que as adolescentes pesquisadas têm experimentado nesse território virtual, onde constroem sentidos participando de comunidades de fãs como a fanfiction, de atividades que remetem a uma interação horizontal reforçada pela existência de uma estrutura midiática instantânea. Nessa interação, acessível e horizontal, parece ser lícito exibirmos a natureza contraditória da escola, em que a hierarquia ainda é bastante observada no decorrer das aulas. Ainda que assim, o relato da Adolescente 2 sinaliza uma atuação no ambiente digital que parece contribuir de tal forma que “fica mais fácil” a construção de sentidos entre elas, por estarem sempre disponíveis. Além disso, pelo que observamos na análise, esse mundo digital faculta aos jovens a interação, a colaboração, a aprendizagem e a inserção no ambiente ficcional, como sintetizam as respostas a seguir da leitora-comentarista: Excerto 3 P: A leitura dessas ficções te incentivou a ler outros livros?” A2: “Bastante.” P: “Quais por exemplo?” A2: “As Crônicas do Gelo e do Fogo, Crônicas de Nárnia, a maioria dos livros de ficção.” (Entrevista 6, em 28-10-2013) Ao mesmo tempo em que as participantes enveredam pela leitura on-line, há também o despertar para a leitura de livros de ficção impressos, pois passam, segundo A2, a lê-los “Bastante”, associados ao prazer pela leitura de fanfictions tais com: “As Crônicas do Gelo e do Fogo, Crônicas de Nárnia, a maioria dos livros de ficção”. Tal experiência é significativa para que as envolvidas consigam apropriar-se de elementos das histórias e, por sua vez, participar comentando, entreabrindo, assim, diálogos que parecem contribuir com a escrita desenvolvida no ambiente digital. Em geral, observo uma preocupação da leitora-comentarista em estar sempre on-line, “Sim, principalmente no twitter”. Esse movimento, típico de uma geração midiatizada, pode facilitar que as adolescentes, mediante os comentários dos amigos, gerem feedback (TAPSCOTT, 2010) e expressões de apreço como forma de evidenciar a importância do outro na interação on-line “Sim, alguém reconhece o esforço que ela fez para conseguir passar emoções, sentimentos e situações.” 55 Arrisco-me até a considerar que os comentários figuram trazer contribuição para chegar a um nível de agência postulada por Monte Mór (2013, p. 10): “então identificada como liberdade e emancipação – poderia significar outra forma de prática relevante e engajamento ativo em fazer alguma coisa”12 . Acredito que, ao postarem comentários como relatado pela adolescente A2, no excerto 2, as participantes de fanfiction se engajam num movimento ativo de autoria, tornando possível o agenciamento, pois, ao comentarem à medida que leem os capítulos de uma história estão contribuindo com a escrita. A agência da leitora-comentarista é perceptível no observar que lida com textos inscritos nas diversas práticas sociais ao transitar pelos variados ambientes da era digital. Os novos letramentos constituídos por vários estudos presentes na contemporaneidade, como vimos na discussão teórica que postula os diferentes usos da linguagem, dando relevância à digitalidade, têm trazido aos jovens oportunidades de se empenhar, com a predominância da mídia digital conhecida como “twitter” citado por A2, em práticas letradas que viabilizam uma participação mais aberta, menos verticalizada “em qualquer lugar que dê para conversar com as autoras comento.” e possivelmente menos supervisionada, devido às concessões da era digital como colaboração, distribuição, autoria, sinalizando, assim, agenciamento. Na medida em que as adolescentes compartilham práticas semelhantes à fanfiction, que permitem a comunicação e a interação, fazendo emergir suas percepções e valores ao ler, comentar e escrever fanfics, tais papéis podem favoravelmente capacitá-las a desempenhar habilidades tendentes a corroborar o exercício de autoria. Isso ocorre mediante todo um aparato digital, reconceituando o sujeito passivo que amplia sua visão de mundo “Lendo e comentando” pela influência de novos letramentos, imbuídos de agência. Além disso, as participantes, alimentadas nesses tempos contemporâneos por uma lógica de não linearidade e com menos austeridade, parecem lidar com a liberdade para criar, mesmo sem a presença do professor. É possível notar que elas, com a prática de comentários, assumem uma atitude de emancipação sabendo trabalhar com a escrita colaborativa para criar e recriar, seja nos fazeres ou nos dizeres. Esse efeito parece ficar mais claro consoante a resposta da A1 no excerto 1. Identifiquei também na fala da Adolescente 1 a capacidade de reconhecer, no outro, o seu potencial “[...] elas costumam melhorar a escrita delas”, influenciando-se mutuamente 12 “then identified as freedom and emancipation – could mean another form of relevant practice and active engagement in doing something” (tradução nossa) 56 pelos comentários. Percebo que essa avidez colaborativa pode ser pautada no que elucida Jenkins (2009, p. 340): “Os fãs rejeitam a ideia de uma versão definitiva produzida, autorizada e regulada por algum conglomerado. Em vez disso, idealizam um mundo onde todos nós podemos participar da criação e circulação de mitos culturais fundamentais”. Nessa perspectiva, suponho que as entrevistadas, no que concerne à participação ativa na escrita digital, têm idealizado e simultaneamente participado do processo de construção colaborativa pautadas nas manifestações culturais que circulam em seus contextos de vida. Nesse sentido, a leitura de fanfiction, como uma dessas manifestações, situadas nos domínios das novas tecnologias e que estão no cenário de vida das adolescentes, além de oferecer a oportunidade de se expressar através da leitura e escrita, torna-se um ambiente amigável, de mutualidade e de variadas formas de participação, como exemplifica o depoimento a seguir: Excerto 4: A2: “Sim, alguém reconhece o esforço que ela fez para conseguir passar emoções, sentimentos e situações [...] e alguém entender pelo menos o ponto de vista dela.”(Entrevista 6, em 28-10-2013) Ainda sobre a resposta dessa entrevistada, quando usa o sintagma “alguém reconhece o esforço que ela fez”, percebo que ela julga o comentário enriquecedor para o input e output dessa escritora, uma vez que esse item corrobora para a produção e a autoria. Considero interessante salientar que a categoria leitora-comentarista, estimulada pela conexão e interação ininterruptas, como a adolescente A2 se refere “Sim, principalmente no twitter que é mais fácil de comentar. Toda hora qualquer hora elas estão presentes”, assume caráter representativo no contexto da escrita num meio com fluidez, pois as adolescentes estão sempre on-line e acessíveis . Assim, na contemporaneidade, com a amplitude da internet e a democratização do ciberespaço, as leitoras-comentaristas têm um âmbito ampliado de ações por meio dos artefatos tecnológicos podendo transportar ideias, além do seu espaço geográfico, ao projetar suas vozes, postando comentários em ambientes de interação e comunicação avançada pelo acesso à internet. Dessa forma, uma nova ética (ROJO, 2012) é instaurada contrapondo o paradigma do texto antigo que tinha como base tecnologias à semelhança de tábua de barro, de madeira ou de pedra, mais tarde o rolo de papiro ou de pergaminho (SOARES, 2005). Já por volta de 1450 (CHARTIER, 2009), a edição do texto escrito à mão, que, mesmo a partir da indústria 57 tipográfica, continuavam com idêntica estrutura do códex, ou seja, a junção de folhas encadernadas ainda dominadas pela autoridade do autor. Trata-se então, de uma ética que consegue transpor o sentido de propriedade e possibilita que novos participantes tenham o direito de se inserir no mundo da autoria utilizando diálogos colaborativos que contribuem para a escrita de fanfics, publicadas em sites próprios. De imediato, é possível pensar que as comentaristas sobressaem nesse cenário interativo de construção de fanfiction ao possibilitar, com seu feedback, a instauração de uma prática de escrita eletrônica ancorada na colaboração, ganhando, assim, uma plasticidade, característica de uma sociedade que rompe com a estrutura clássica de produção e de autoria. 3.1.2 Leitora-fantasma Leitora-fantasma é a denominação utilizada por leitoras de fanfic que parecem não participar de nenhum outro evento nesse universo habitado por adolescentes que se comunicam instantaneamente. Nessa categoria, apresento a descrição da leitora-fantasma utilizando seu próprio discurso (A3) e o entendimento da A4 quanto ao papel que desempenha a leitora analisada. Essa análise, por meio dos diálogos, revelou pistas para que pudéssemos melhor compreender prováveis papéis vivenciados pela leitora-fantasma. Algumas respostas das entrevistadas são as seguintes: Excerto 5 P: “Você se considera que tipo de leitora?” A3: “Leitora-fantasma. Omissa, só lê.” P: “O que seria leitora-fantasma?” A3: “São leitoras omissas que só leem não comentam; só leem a história e o autor fica sem saber se leu ou não. Fantasma.” A3: “Fantasma porque não tem nenhuma participação nenhum envolvimento.” P: “Quando você está lendo a fanfic na internet, você visita outros sites?” A3: “Sim.” P: “Normalmente, você visita que tipos de sites, quando está lendo?” A3: “Redes sociais, Facebook, Tumblr...” (Entrevista7, em 28-10-2013) 58 Excerto 6 P: “Você já conheceu leitora- fantasma?” A4: “Fantasma? muitas (risos).” P: “Você disse que é leitora, comentarista e escritora, você poderia definir a leitora-fantasma?” A4: “Leitora-fantasma é aquela que nunca aparece pra comentar (risos).” A4: “E você só vê que ela visualizou, mas comentar mesmo jamais.” (Entrevista 8, em 6-11-2013) Nota-se pois, aparentemente, o descrédito em relação à validade da participação da leitora-fantasma no universo ficcional, “Leitora-fantasma. Omissa só lê”, pois há uma construção representativa sobre os participantes “Leitora-fantasma é aquela que nunca aparece pra comentar (risos)”. Assim como em toda comunidade constituída no ambiente digital, e especificamente na fanfiction, fazer comentário parece-me refletir um elemento que confirma a aproximação das participantes e elucida uma ligação afetiva entre elas. Ao que figura, a frequente interação entre os membros da fanfiction faz com que haja uma ampliação na confiabilidade, tornando evidente quanto a autora se sente à vontade diante dos comentários. Já a falta deles parece denotar uma quebra de “regra” social da comunidade. Esse infringir representa estar perceptível na fala da própria leitora-fantasma ao afirmar: “[…] só leem a história e o autor fica sem saber se leu ou não. Fantasma.” É importante que atentemos a que, no processo colaborativo de escrita, todos os participantes têm oportunidades semelhantes e espaço para empenhar-se em responsabilidades, tendo voz e vez brotadas de uma relação de apoio mútuo de forma mais equânime e democrática, tendo em vista a possibilidade de novas experiências e atuação na esfera digital (IBIAPINA, 2008 apud, PINHEIRO, 2013). Diante disso, afigura-nos que a leitora-fantasma, na condição de participante do universo ficcional, gera certo desconforto na relação, uma vez que ela é visualizada pela autora A4 “E você só vê que ela visualizou, mas comentar mesmo jamais”, contudo não cumpre seu papel na constituição da escrita em razão da ausência dos comentários sobre a história lida. As leitoras-fantasmas, do ponto de vista das adolescentes, devem postar comentários, pois esse recurso também confere aos autores de fanfics maior troca de informações e dados que resultariam em uma escrita mais elaborada, participativa e colaborativa, como mostrados nos recortes dos excertos 5 e 6. 59 Excerto 5 A3: “Fantasma porque não tem nenhuma participação nenhum envolvimento.” (Entrevista 7,em 28-10-2013) Excerto 6 A4: “E você só vê que ela visualizou, mas comentar mesmo jamais.” (Entrevista 8, em 6-11-2013) Como observado nos diálogos acima, as afirmações figuram sugerir que há uma preferência da leitora-fantasma em apenas ler os textos virtuais. No entanto, ler fanfic online convida a promover práticas sociais de letramentos, pois, no decorrer das leituras, as leitoras interagem com uma multiplicidade de linguagens em espaços multimodais que exigem uma postura mais contemporânea na maneira de ler e escrever. Retomo aqui um excerto da leitora-fantasma que explicita a participação em eventos de letramentos: Excerto 7 P: “Quando você está lendo a fanfic na internet, você visita outros sites?” A3: “Sim.” P: “Normalmente você visita que tipos de sites, quando está lendo?” A3: “Redes sociais, Facebook, Tumblr...” (Entrevista 7, em 28-10-2013) Acredito que essa característica de visitar outros ambientes aponta também uma ampliação de letramentos para multiletramentos que têm como âncora, conforme Rojo (2012), a interatividade, a colaboração, a transgressão das relações de propriedade, quebrando paradigmas quanto ao poder estabelecido: “eles são híbridos, fronteiriços, mestiços (de linguagens, modos, mídias e culturas)” (ROJO, 2012 p. 23). A natureza dessa ampliação, que se passa com a leitora-fantasma, parece, a nosso ver, estar presente nos deslocamentos feitos, somados à leitura de fanfics, ao afirmar que ela, não apenas lê, mas visita paralelamente “Redes sociais, Facebook, Tumblr...”, o que pode remeter à variedade de semioses presente no território virtual, realçando, assim, a leitura híbrida permeada por uma tecnologia síncrona. 60 Essas novas práticas de letramento têm possibilitado, nos dias atuais, a manipulação de textos de diferentes linguagens, nesse transitar pelas mídias digitais, diante de uma conexão simultânea, em que os textos contemporâneos circulam de maneira não linear. Para tanto, temos que considerar que os dispositivos de comunicação síncrona permitem participar de eventos marcados por uma comunicação em tempo real que faculta aos sujeitos uma percepção de grupo, de comunidade (SOUZA, 2012), como se pode perceber no fanfiction. Observa-se que, nesse ambiente de leitura, há uma instantaneidade e versatilidade oferecidas pelo meio digital. Assim, é de crer que o entrelaçamento das redes permite que as adolescentes se constituam como participantes de eventos de letramentos. Posso inferir que a fala do diálogo de A3 que remete ao movimento entre “Facebook, Tumblr...” parece se coadunar com o pensamento de Takaki (2012, p. 74), quando diz “A presença da tecnologia vem estimular deslocamentos múltiplos e simultâneos num meio altamente fluido”. Nesse mesmo sentido, Rojo (2012) afirma sobre a leitura no meio digital percebida não como linear, e o leitor não apenas como um espectador, já que realiza escolhas e toma decisões. Nesse constante deslocamento da entrevistada A3 “fanfic, redes sociais, facebook, tumblr”, ocorrem evidências de agenciamento, por parte da leitora-fantasma, no sentido de saber agir, desenvolver iniciativa. Evidência de uma geração que participa de diferentes letramentos fora da escola, entidade que parece ver a virtualidade dos alunos apenas como entretenimento. Isso porque há uma tendência em afirmar que os jovens acessam a internet tão só para brincar. Parece-me que, na esfera escolar, o aluno é, ainda, mero espectador. A geração que cresceu inserida em ambiente digital certamente não tem se agradado em ficar sentada em fila, estrutura padrão do sistema tradicional, e com a posição de um “discípulo” (SIBÍLIA, 2010), que destoa do modelo das relações sociais das comunidades atuais (SANTAELLA, 2007). Para esta nossa geração, a fluidez e a virtualidade dessas comunidades, que não estão inseridas nas escolas, afiguram-se representar apenas diversão, porém, para os participantes que estão acostumados com a virtualidade, estudo e diversão estão imbricados. Até aqui, diante dessas falas suscitadas por pesquisadores, é possível intuir que as leitoras mencionadas na categoria leitora-fantasma enveredam, nesse acesso irrestrito das redes sociais, por um movimento de interatividade, reinventando não apenas a maneira de ler, mas também de escrever, por ocupar uma posição que revela seu potencial de interagir com uma complexidade de mensagens no espaço ciberespacial que abre seu processo ativo de criação. (LÉVY, 1994). 61 Dessa forma, mesmo sendo apontadas por A3 como “[...] leitoras omissas que só leem não comentam só leem a história e o autor fica sem saber se leu ou não […]”, consoante Pierre Lévy (1994), esse traço indica ser possível considerar que a leitora-fantasma desencadeia um processo de leitura e escrita no ambiente virtual. Afinal, atua, no decorrer da leitura, não de forma inerte, porém manuseando as ferramentas digitais e percorrendo em outros locais na rede e tendo a possibilidade de diversificar suas ações agindo como um letrado digital. Esses jovens letrados digitalmente estão integrados em uma sociedade, onde ainda prevalecem as formas tradicionais de letramento e alfabetização entendidos como a aquisição da tecnologia da escrita, ou seja, o indivíduo domina o processo de decodificação dos sinais gráficos (SOARES, 1998). No entanto, tal aquisição não é entendida como uma prática cultural de leitura. Diante dessa realidade, mediante o surgimento das novas tecnologias e o crescente aumento na utilização dos artefatos digitais, os jovens contemporâneos têm se apropriado de habilidades de leitura e escrita diferentes dos modos tradicionais de letramento e alfabetização. Esse processo de mudanças insere, no contexto atual, o letrado que conjectura alterações na maneira de ler e escrever, passando a ter uma visão além dos limites dos códigos, sinais verbais e não verbais (XAVIER, 2005) , podendo dominar inúmeros gêneros digitais surgidos, ditados pelas novas demandas sociais. Infiro que essa geração, com acesso ao mundo da internet, ainda está inserida em uma escola com a mentalidade de educação centrada no conteúdo fornecido pelo professor. No “velho modelo”, adequado à Era Industrial, o professor era o detentor do conhecimento e deveria transmiti-lo ao aluno, com a responsabilidade de anotar e reproduzi-lo nas provas tal qual tinha ouvido do “sábio” (TAPSCOTT, 2010). Portanto, essa realidade tem sido enxergada pelos alunos, da geração digital, como arcaica e se posicionam como caçadores de informações ao navegarem, com facilidade, em variados ambientes, para informar-se, criar, recriar , utilizar ativamente o que a web disponibiliza para seus usuários. Assim, além de utilizarem a rede de computadores para descobrir respostas sozinhos, com desenvoltura, os jovens circulam, nesses ambientes virtuais, para aprender, produzir, ensinar, conversar, ampliar as relações sociais. Essas modificações percebidas na maneira de agir dessa geração, no entanto, parecem acontecer fora do espaço escolar, e especialmente na internet, lugar que realmente os excita e os aceita como protagonistas e letrados digitais. 62 3.1.3 Leitora-escritora Essa categoria de leitora-escritora inscrito na cultura de participação fanfiction, “típica de uma geração que rompe com os paradigmas de receptores passivos” (VARGAS, 2005, p. 18), dedica-se a escrever fanfics devido à necessidade de estender seus fortes laços afetivos com bandas, seriados ou a partir de leitura de ficções preexistentes. Essas ficções são escritas, de forma voluntária, por fãs, exigindo tempo, energia e dedicação, como mostrado nos excertos a seguir: Excerto 8 P: “Como você conheceu fanfiction?” A4: “Conheci através do k-pop.” P: “O que seria k-pop?” A4: “ Ah é música pop coreana, Korea pop.” P: “Então você escreve mais baseada em personagens de bandas?” A4: “Super Júnior (risos). Super Júnior (risos) é claro.” P: “Todas as suas fanfics são baseadas em bandas?” A4: “Hum hum”. P: “Isso por que você tem admiração por essa Banda?” A4: “É (risos) tem algo a ver (risos).” P: “Você participa desse gênero há quanto tempo?.” A4: “Nossa, há dois anos (risos). Lendo, escrevendo, comentando.” P: “Você já escreveu quantas fanfics?” A4: “Sete. (risos).” P: “Você que é escritora, você acha importante os comentários nas fanfics?” A4: “Perfeito, dá ânimo pra continuar.” (Entrevista 8, em 6-11-2013) Percebo nesses excertos indícios de apreço e aventura, que despertam na escritora o exercício de autoria sustentada pelo surgimento de novas tecnologias que “nublam as fronteiras entre produtores e consumidores, emissores e receptores”. (SANTAELLA, 2007, p. 79). Ainda segundo a autora, a venerabilidade do autor, e assim como a centralidade hierárquica autor-leitor, está também comprometida diante da liberdade conquistada pelos jovens, rompendo as barreiras do confinamento, tendo a oportunidade de mudar o conceito de autoria. 63 Ao participarem de práticas de letramento, como fanfiction, as adolescentes exercem o exercício de autoria tornando sua voz ativa ao agir no universo ficcional escrevendo histórias colaborativas e fazendo-as circular com a marca dos fãs participantes da produção. Na verdade, são várias vozes que ressoam em uma mesma história. Com relação à autoria, Foucault (2009) assevera que o autor não é apenas parte do discurso, mas atua com certa representatividade da sociedade em que está inserido para caracterizá-la. Dessa maneira, as ações da leitora-escritora forcejam por assinalar sinais do modo de existência de uma geração com maior interação, melhorada pelas tecnologias que orbitam na sociedade por ela habitada. Seguindo essa linha, a fala da entrevistada A4 no excerto 8, denotando sua apreciação por uma banda que ela conheceu lendo fanfic, sobre a qual escreve suas histórias ficcionais, acessada na tela do computador, parece marcar as transformações ocorridas do antigo rolo à leitura do texto eletrônico. É nessa paisagem que se projeta a leitora-escritora, que não necessita se deslocar geograficamente para conhecer uma banda, por força da abertura provocada pela internet e pela possibilidade de desenvolver letramentos. Tal oportunidade de estar em lugares, independentemente da distância geográfica, exibe peculiaridades, no líquido mundo moderno (BAUMAN, 2004), devido à variedade virtual, que entreabre a criação, a escrita mesmo sem a necessidade de estar face a face, prevalecendo o que a internet propicia nos dias atuais que é a existência de espaços variados de atividades. (CASTELLS, 2007). Esse processo de mudanças pode sugerir que, no mundo ciberespacial, os jovens evidenciam ações mais aguçadas no processo de escrita devido ao fato de eles poderem conviver com uma fluência de informações e comunicação geridas pela mobilidade aumentada, exponencialmente, graças ao acesso à internet, não exigindo um deslocamento do lugar de onde residem. A geografia inovadora da internet, permeada pelo espaço híbrido, entendido como a junção do espaço físico ao ambiente digital, pois, para ingressar na rede não necessariamente há a necessidade de “sair” de um contexto para outro (SANTAELLA, 2007, p. 219) em razão dos equipamentos móveis, parece ainda não ter aflorado na escola formal e nas ações corriqueiras de sala de aula, ao fazerem demarcações do espaço real e virtual, nos quais as ações são idealizadas. 64 O modelo de escola formal, nessa nova configuração de produção, acaba desvalorizando a capacidade dos discentes que absorvem uma proporção, cada vez maior, de habilidades em torno de uma série de ligações estabelecidas pelas novas representações territoriais que marcam a presença de fanfiction. É nesse contexto de universo ficcional, onde a adolescente afirma ter conhecido a banda coreana ao ler fanfiction, que se caracteriza o letramento da web. Denota-se o que Jenkins (2009) advoga sobre fãs: Os fãs sempre foram os primeiros a se adaptar às novas tecnologias de mídia: a fascinação pelos universos ficcionais muitas vezes inspira novas formas de produção cultural(...). Os fãs são o segmento mais ativo do público das mídias, aquele que se recusa a simplesmente aceitar o que recebe, insistindo no direito de se tornar um participante pleno. (JENKINS, 2009, p. 188) Nesse viés de adaptação dos fãs às novas tecnologias, é possível afirmar que circulam, no universo contemporâneo digital, produções ficcionais, como exposto no exemplo em que a escritora A4 afirma participar de fanfiction “há dois anos [...].Lendo, escrevendo, comentando” como novas práticas de letramento, vivenciadas por jovens e adolescentes no ciberespaço que se relacionam a diversas semioses ensejadas pelos artefatos digitais. Nesse sentido, quero acrescentar que a fã escritora, que participa plenamente das variadas possibilidades de produção cultural, recorre à linguagem musical, bastante evidente, em uma geração multimidiática, para escrever suas histórias. Isso envolve, é claro, a capacidade de discernir o valor das diferenciadas semioses fontes de produção nas ferramentas sociais eletrônicas. Os jovens contemporâneos incorporam, em sua vivência, uma ligação entre os mundos “artístico/expressivo” (ALMEIDA E PAIS, 2012, p.9), ao utilizarem imagens, textos, sons, vídeos e passam a customizar (TAPSCOTT, 2010), ou seja, personalizar um determinado produto com as suas características. Diante disso, lanço mão da pergunta: Nesse cenário ficcional atual, movimentado pela Web 2.0, como seria qualificado o jovem contemporâneo? Segundo Gómez Cruz (2008, p. 202, apud LOPES, 2010, p. 400), esse jovem é denominado de “prosumidor”, remetendo não mais à dicotomia entre produtor e consumidor, mas a um novo processo de constituição da escrita como acentua Lopes (2010, p. 400): “um processo que explica a inteligência coletiva em um espaço de afinidades comuns que orientam as ações dos participantes, ou seja, seus propósitos de ações comuns” 65 As comunidades virtuais eletrônicas pressupõem transpor a linha que delimita produtores e consumidores e se voltam para navegar em espaços digitais que lhes dê condições favoráveis para criação baseada em interesses comuns, aprimorados, justamente, pelas ações dos participantes que dão ensejo a que o grupo floresça na constituição da escrita, como podemos perceber nos fragmentos retirados do excerto 8: Excerto 8 P: “Você que é escritora, você acha importante os comentários nas fanfics?” A4: “Perfeito, dá ânimo pra continuar.” (Entrevista 8, em 6-11-2013) Por meio dessa interação, mediada pelos comentários, a escritora nos possibilita inferir que a inteligência coletiva a auxilia a superar o pressentimento de estar sozinha no novo modo de produção. Contudo, de que forma essas ações de apoiar os participantes podem estar presentes na constituição da escrita no ambiente digital? Creio que, ao afirmar em uma fanfic “dá ânimo pra continuar”, a escritora se justapõe ao que salienta Lopes (2010), estabelecendo uma relação de colaboração entre leitor e escritor na produção da história que circula na internet. Ao afirmar que os comentários dão ânimo para prosseguir na escrita, a Adolescente 4 parece estabelecer a justaposição com a visão de Lopes (2010), já que os comentários conferem uma proximidade entre leitor e escritor e cooperam para a produção da fanfiction. Os jovens que se aglutinam em torno de redes de interação para criar histórias, ajudando uns aos outros, espontaneamente, pressupõem uma percepção menos individualizada de produção e, à medida que criam em conjunto, sem lugares fixos, como a escola, insere-se uma nova conjuntura que cria oportunidades para que os indivíduos se apropriem dos novos letramentos, produzindo e fazendo transitar em ambientes virtuais inúmeras fanfics construídas colaborativamente e compartilhadas, sinalizando uma composição de mistura e hibridizações. (SANTAELLA, 2007, p. 128) 3.2 Construção da escrita na fanfiction Considerando os objetivos desta pesquisa, outro tema que merece atenção se refere ao percurso trilhado para a construção da escrita por uma geração imersa em bits. Os fãs se enveredam pelo universo ficcional e escrevem histórias, sem fins lucrativos, que são 66 distribuídas on-line. Nesse ambiente, eles gozam de certa liberdade de fazer análises e, sobretudo, repensam, escrevem e expressam, com espontaneidade e desenvoltura, suas ideias, gerando comentários que contribuem com a escrita. Sendo assim, nesta subseção, analiso categorias imbricadas no processo de escrever fanfic. 3.2.1 Colaboração Em um contexto de conexão, leitura, produção e interação ininterruptas, no qual as informações se agregam em velocidade cibernética, o que se percebe na categoria colaboração é o envolvimento que torna possível o diálogo e a autoria. Nesse ambiente, as relações não são imparciais, uma vez que suscitam, nos participantes, a autoestima e possibilita o exercício de autoria. De acordo com as respostas coletadas, os comentários são prioritários na produção de fanfics, como evidenciados nos excertos a seguir: Excerto 9 P: “Você nunca postou uma fanfic completa?” A4: “Só one shot, só de um capítulo.” P: “Você postar capítulo por capítulo tem um por quê”? Qual seria?” A4: “Não terminou de escrever o próximo capítulo (risos).” P: “Você acha que seria só isso?” A4: “Na verdade, vou escrevendo a história, conforme os comentários, então, não tem como postar tudo.” P: “Então os comentários servem para dar uma energia para o escritor”? A4: “A história vai de acordo com eles (risos).” (Entrevista 8, em 6-11-2013) Excerto 10 P: “Os autores gostam que façam comentários?” A2: “Sim. Dessa forma, estamos avaliando. Às vezes, elas são inseguras demais com a escrita, elas precisam de alguém para falar que está bom para continuar escrevendo. Tem muitas garotas que abandonam as fanfics, por causa disso: porque não têm ninguém para comentar não têm ninguém para falar: “Nossa, como essa história é legal! É tão interessante! Escreve mais. Então elas acabam abandonando.” (Entrevista 6, em 28-10-2013) 67 Nesses excertos, pude perceber que, no processo da produção de escrita na fanfiction, no que diz respeito à elaboração do texto, há uma expectativa quanto às intervenções provenientes dos comentários de A4 “A história vai de acordo com eles”, uma vez que, nesse perfil de atividade, o processo colaborativo está intimamente concatenado à constituição da escrita. No escrever uma fanfic, parece haver uma conexão por meio da interação e do trabalho associado ao grupo. Desse modo, as adolescentes rompem com antigos paradigmas de autoria, desmistificando a ideia do autor como o possuidor do que diz, já que, ao tomar a palavra, passa a falar a linguagem, e não o autor (SANTAELLA, 2007). Essas adolescentes, a partir das opiniões, promovem a linguagem, pois a autoria se torna híbrida, isenta de padronização. Dessa maneira, o que sobressai é a produção ganhando conotação no universo ficcional. Adiciono, a esta discussão inicial, a fala em que a participante A4 expõe explicitamente que, para ela, os comentários explicitam um valor contundente no trajeto da criação “Na verdade vou escrevendo a história conforme os comentários então não tem como postar tudo”. No exemplo, há indício de que a autoria é construída com base em uma relação, colaborativa e não possessiva. Soma-se a esse exemplo a afirmação da A2 no trecho abaixo: Excerto 11 P: “Mas algumas escritoras fazem alterações na escrita da fanfic?” A2: “Sim, tanto que é normal você entrar em uma fanfic e ver alguém falando: ‘ah, essa parte aqui, eu que contribuí’, e também tem leitoras que pede para fazer a correção do português dizendo: ‘olha essa frase está legal, você podia colocar assim’, e as autoras sempre agradecem; elas falam: ‘ nossa, obrigada, é sempre bom ter alguém para colaborar’. As autoras agradecem pelas ideias.” P: “Mas algumas autoras mudam tanto a gramática quanto o enredo?” A2: “Sim, geralmente as leitoras comentam e a escritora dialoga com as amigas sobre os comentários no sentido de incluir na história.” (Entrevista 9, em 14-32013) Nesse sentido, a escrita, como um exercício colaborativo e participativo, converge para uma diferente função do autor nas palavras de A2 “[...] tanto que é normal você entrar em uma fanfic e ver alguém falando:” ah, essa parte aqui, eu que contribuí”. Essa visão parece 68 corroborar o que afirma Azzari e Custódio (2013), atrelando a função do autor ao nascimento do leitor como um indivíduo que se envolve com uma diversidade de leituras, acrescida de debates e criações, que podem viabilizar sua atuação como protagonista “[...] geralmente as leitoras comentam e a escritora dialoga com as amigas sobre os comentários no sentido de incluir na história.” Além disso, chamo a atenção para o fato de A2 deixar transparecer que considera o comentário como um leque de possibilidades para que a leitora e comentarista se alinhe à sua produção, havendo então a promoção do protagonismo ao afirmar “A história vai de acordo com eles (risos)”. Com base, ainda no excerto que aduzo da leitora-comentarista “Dessa forma estamos avaliando. Às vezes elas são inseguras demais com a escrita elas precisam de alguém para falar que está bom para continuar escrevendo”, pode parecer que as participantes da pesquisa tenham agregado suas práticas sociais, mediadas pelas correntes eletrônicas, à escrita colaborativa, indicando, assim, que a escrita na fanfiction exige que novas habilidades sejam instauradas. Observo que a entrevistada, no que concerne à escrita colaborativa, tenciona esclarecer que a habilidade de comentar é determinante na construção conjunta e participativa de fanfics, podendo-se enxergar uma diferente paisagem no processo de criação no mundo digital. Nessa dimensão, Lopes (2010) argumenta: Os novos letramentos digitais, como práticas sociais [...] envolvem a participação colaborativa de atores sociais localizados sócio-histórico-culturalmente na construção conjunta de significados. (LOPES, 2010, p. 398) À luz dos diálogos analisados, parece ser possível considerar a construção conjunta de significados, característica da sociedade contemporânea, fenômeno que revela um movimento que parece desordenar a linearidade à hierarquia, pois no espaço digital autor e leitor interagem intensamente como afirma A2: “Nossa, como essa história é legal! É tão interessante! Escreve mais”, gerando textos em uma rede de significados. Nesse sentido, Chartier (2002, p. 25) ressalta que, no espaço digital, há a escrita coletiva em que o leitor pode intervir no conteúdo, como observamos no papel da comentarista. Enfatiza esse autor que o texto eletrônico, território flexível, expansivo, permite engajamento, não o isolamento, pois se alimenta das ideias e opiniões, na perspectiva de melhorar seu desempenho na escrita. 69 Articulando a premissa de engajamento, e não de isolamento com a dinâmica ainda instaurada em muitos ambientes escolares, tal como aponta Tapscott (2010), em que é premente a prática “faça sozinho”, a participante parece admitir que o paradigma de aprendizado individual pode soar estranho para os sujeitos intimamente imersos no território virtual, crescidos no ambiente de colaboração, criação e participação, levando em consideração que: “Tem muitas garotas que abandonam as fanfics, por causa disso: porque não têm ninguém para comentar, não tem ninguém para falar […] Então, elas acabam abandonando”. Diante dessa fala da Adolescente 2, figura ser de central interesse dessa geração a cumplicidade com a escrita colaborativa, o que faz compreender que, neste comentário, há indícios de que o ambiente digital parece ser um local de apoio mútuo, e os usuários são impulsionados a prosseguir diante das contribuições dos leitores. Nesse norte, compreendo que as escolas contemporâneas necessitam de uma nova postura, um novo ethos diante de uma sociedade híbrida em que as relações são fluidas em todas as suas esferas, pois, à luz de Sibilia (2010), os habitantes dos universos escolares estão bem diferentes daqueles que a frequentaram em épocas passadas, tendo esse espaço como o meio prevalecente de socialização. Já as novas gerações se socorrem de novas maneiras de comunicar, colaborar, ávidas para contribuir com suas experiências nas comunidades das quais participam. 3.2.2 Afetividade Importante fato a salientar, nesse cenário em que fios se entrecruzam propagando um crescimento contínuo e veloz de acesso midiático, é a conquista de amizades on-line. Segundo Santaella (2013), um dos nutrientes das redes é a afeição, e que é no mundo digital que as pessoas conseguem se relacionar melhor, podendo até se tornar geradoras de informações. É justamente pela rede que os jovens criam novas formas de significado pelas interações sociais que emergem nesse ambiente maleável, de fluxo interativo (TAKAKI, 2012). Esses participantes partilham que, nesse meio eletrônico digital, conquistam amizades on-line que, depois de certo tempo de contato e socialização, construídos a partir de interesses específicos, podem tornar-se presenciais. Ao indagar as adolescentes que irradiam a virtualidade digital, algumas respostas me chamaram a atenção: 70 Excerto 12 P: “E você tem também nessa prática de ler fanfiction, uma amiga mais próxima?” A1: “A Unnie é uma amiga que eu conheci no Twitter.” P: “Então você tem uma Unnie?” A1: “Sim.” P: “O que significa Unnie?” A1: “Unnie é um título coreano usado quando você tem muita intimidade com uma menina.” P: “Essa menina, essa garota precisa ter mais idade ou a mesma idade? Qual é a característica dela?” A1: “Quando você diz que é Unnie sua é uma pessoa mais velha e você tem que ter muita liberdade para você chamá-la de Unnie.” P: (...) A sua Unnie mora onde?” A1: “Ela mora em Belém do Pará.” P: “E como que você faz para ter contato com a sua Unnie?” A1: “Eu converso com ela pelo WhatsApp, pelo Twitter, pelo Skype e pelo Facebook.” (Entrevista 5, em 27-10-2013) Excerto 13 P: “Você fez amizades com outras pessoas através dessa leitura?” A2: “Sim, tem bastante.” P: “Você pode citar algumas e de onde são?” A2: “Tem uma de Cuiabá, uma do Pará, duas de Mato Grosso do Sul, Uma de Curitiba, outra de Cuiabá, duas de São Paulo e uma do Canadá.” (Entrevista 6, em 28-10-2013) Excerto 14 P: “Você já fez amizades com outras pessoas lendo fanfics?” A4: “(risos) Já (risos).” P: “Essas amizades são construídas através do próprio relacionamento via internet?” A4: “Sim. (sorrindo) Demora para conhecer mas quando conhece... (risos).” P: “Vocês se identificam pelo nome ou nickname também?” A4: “Depois que conhece, sabe onde está, vira pelo nome mesmo e marcamos até 71 encontro (risos).” (Entrevista 8, em 6-11-2013) Conforme representado nas respostas acima mencionadas, há também nessa comunidade a construção de pares que se tornam bem próximos, por meio de contatos mediados pela navegação na web como certifica A1 “A Unnie é uma amiga que eu conheci no Twitter”, onde navegadores autores, comentaristas e leitores elucidam pontos em comum aglutinados em torno da fanfiction. Vargas (2005), em análise desse universo ficcional, assinala que, nesse evento, há “sobretudo comunhão com outras pessoas que desfrutem dessas atividades como eles, ou seja, fãs do mesmo original e da mesma prática, de forma que possam se sentir acolhidos em suas necessidades” (VARGAS, 2005, p. 70). Essa prerrogativa da autora parece ser reforçada com a fala da Adolescente 1 “Unnie é um título coreano usado quando você tem muita intimidade com uma menina.” Nesse raciocínio, Jenkins (2009) advoga que a internet abarca oportunidade para construção de laços sociais, pelo viés das comunidades virtuais e na utilização de ferramentas sociais eletrônicas com alto grau de conectividade entre os jovens. O diálogo de A1 “A Unnie é uma amiga que eu conheci no Twitter” configura colaborar com a visão de Jenkins (2009), já que o uso da internet e de seus aplicativos parecem fomentar laços afetivos. Ao mesmo tempo, a propagação de fanfiction tende a evidenciar ligações recíprocas entre usuários que só se conhecem utilizando recursos computacionais que facilitam a comunicação no território geográfico da internet. (JENKINS, 2003) Quando a Adolescente 2 se vale da afirmação: “Tem uma de Cuiabá, uma do Pará, duas de Mato Grosso do Sul, uma de Curitiba, outra de Cuiabá, duas de São Paulo e uma do Canadá”, procura demarcar que suas amigas realmente estão dispersas geograficamente, ao participarem de eventos da cultura popular utilizando as mídias. No entanto, elas canalizam essa estrutura, também, para criar laços afetivos. Para Augusto (2012), as comunidades virtuais, como fanfictions, têm como alicerce a afinidade, e seus participantes se agregam baseados nos mesmos interesses. O autor ainda aponta que, mesmo separados no espaço geográfico, esses grupos são atraídos pelos movimentos sociais no ciberespaço. Surge, neste enfoque, a premissa de que a afetividade entre pares navegadores perpassa pela inexistência de barreira geográfica entre os fãs de fanfiction. A relação entre autor, leitor e comentarista, nesse cenário interativo, é demarcada pela participação ativa e a “capacidade de construir relacionamentos de confiança com pessoas fora de círculos sociais tradicionais” (TAPSCOTT, 2010, p. 239, 240), como exemplificam os diálogos da A1 do excerto 12: 72 Excerto 12 A1: “Quando você diz que é Unnie sua, é uma pessoa mais velha e você tem que ter muita liberdade para você chamá-la de Unnie.” A1: “Ela mora em Belém do Pará.” (Entrevista 5, em 27-1-/2013) Pelo que se observa nesse trecho, A1, ao longo do percurso no ambiente digital, procurou criar engajamento com garotas mais experientes acrescido de uma intimidade que parece ser refinada no decorrer das interações “é uma pessoa mais velha e você tem que ter muita liberdade para você chamá-la de Unnie” e ao mesmo tempo estabelecida diante de uma cultura digital que lida com a mobilidade ininterrupta. Esse ritmo instituído pelas novas formas de movimentação on-line permite deslocamentos sem prerrogativas de distância “mora em Belém do Pará.” Na dimensão dos multiletramentos, definido no capítulo inicial deste estudo, Rojo (2012) acredita que tal perspectiva direciona para uma heterogeneidade das práticas sociais de leitura e escrita e uso da língua/linguagem. Acredito poder identificar nos diálogos que, no convívio social on-line, por meio de diferentes recursos midiáticos, as entrevistadas parecem estar sempre lincadas não apenas nos sites hospedeiros de fanfiction, como também transitam em outros ambientes virtuais na constituição de vínculos sociais significativos. Nesse sentido, na “Era da Internet” (CASTELLS, 2001), torna-se fundamental compreendermos que a rede expande de maneira vantajosa os laços sociais por conta da evolução dos meios tecnológicos, não limitando a vivência social a um único tipo de ação. Para melhor entendermos essa interação, observemos as falas a seguir, do excerto 12: Excerto 12 P: “E como que você faz para ter contato com a sua Unnie?” A1: “Eu converso com ela pelo WhatsApp, pelo Twitter, pelo Skype e pelo Facebook.” (Entrevista 5, em 27-10-2013) Na fala relatada pela entrevistada, vemos a presença de vários canais de comunicação num fluxo dinâmico de práticas sociais. Esse fenômeno parece exemplificar a afirmativa de Jenkins (2009) de que, no contexto atual e com o surgimento de novas tecnologias e do poder de participação se instala a cultura de convergência, mudando o padrão de circulação de 73 conteúdo por um canal peculiar e passa a fluir por meio de uma multiplicidade de acessos que recorrem à mídia corporativa e à cultura participativa. Essa visão sugere a força das transformações tecnológicas, que, a dependerem de variados sistemas de mídias, interconectados por serviços de difusão de dados em larga escala, comumente conhecidos como banda larga13, sustenta afinidades e socialização – como a relatada por A1: “eu converso com ela” – nesse espaço de múltiplas formas de comunicação utilizando dispositivos digitais mantendo-se conectadas “pelo WhatsApp, pelo Twitter, pelo Skype e pelo Facebook”. Ora, é inevitável perceber a importância desses dispositivos, uma vez que é uma tendência muito comum dessa geração se aventurar por galáxias (CASTELLS, 2001) que adornam o universo digital. Vimos assim que uma das características mostradas pelas fãs navegadoras é sua capacidade de criar laços afetivos lidando com as redes sociais. Contudo, segundo Bauman (2004), essa escolha pela afinidade pode se enfraquecer, esmorecer e até se deteriorar se não houver investimentos em ações diárias para reafirmá-las e, para isso, paulatinamente deve haver um zelo no sentido de preservá-la saudável. O autor faz essa ressalva porque habitamos um mundo líquido moderno (BAUMAN, 2004), que tem certa aversão a tudo que é permanente, ajustando-se à instantaneidade, podendo ser diluída e restaurada a qualquer momento. Para Santaella, essa liquidez tende a aumentar, dado que, com os estudos atinentes à cultura da mobilidade, novos aspectos afloram, como “presença mediada, telepresença, ubiquidade, presença ausente”, podendo afetar heranças antigas sobre a nossa vida fixa (SANTAELLA, 2007, p. 18) Convém retomar que, na observação dos dados, percebemos que, à medida que aumenta a familiaridade, ancorada no mundo eletrônico digital, as participantes sentem a necessidade de encontros presenciais. Tomemos como exemplo as falas abaixo do excerto 14: Excerto 14 P: “Essas amizades são construídas através do próprio relacionamento via internet?” A4: “Sim. (sorrindo) Demora para conhecer mas quando conhece... (risos).” P: “Vocês se identificam pelo nome ou nickname também?” A4: “Depois que conhece, sabe onde está, vira pelo nome mesmo e marcamos até 13 A recomendação I.113 do setor de Padronização da UIT define banda larga como a capacidade de transmissão que é superior àquela da primária do ISDN a 1.5 ou 2 Megabits por segundo. O Brasil ainda não tem uma regulamentação que indique qual é a velocidade mínima para uma conexão ser considerada de banda larga. (Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Banda_larga>. acesso em 23-01-2014) 74 encontro (risos).” (Entrevista 8, em 6-11-2013) Depreendemos da fala de A4 “[...] Demora para conhecer mas quando conhece... (risos)” que os adolescentes em rede buscam interagir. Para Don Tapscott (2010), “Essa é a geração de relacionamento”. O uso da afirmação da Adolescente 4 [...] “mas quando conhece” parece designar uma afetividade bem acalorada que colabora para respaldar a constituição dos fãs navegadores. Sem dúvida, fanfiction tem emergido como um gênero que possibilita aos fãs engajarem-se em vínculos afetivos on-line que se ampliam para o presencial, nas palavras de A4 “Depois que conhece, sabe onde está, vira pelo nome mesmo e marcamos até encontro (risos)”. O efeito dessas opções estampadas em torno da fanfiction, para Vargas (2005), acaba por chamar atenção quanto à demanda de socialização e da afeição experimentada pela juventude, ao participar de comunidades virtuais. Esses dados podem contribuir com o influente pensamento de Howard Rheingold, em seu livro Virtual Communities (1993 apud, CASTELLS, 2007), ao abraçar com veemência o gerar de um novo modelo de comunidade com um perfil de habitantes que se reuniriam online, tal como a fanfiction, edificados, com muito afinco, no entorno dos mesmos interesses. Assim, os participantes encontram no contato com outros, apoiados em laços afetivos, a possibilidade de estender os diálogos para uma interação face a face como exemplificados no excerto: Excerto 15 P: “Você já teve algum encontro face a face com a sua Unnie?” A2: “Sim, já encontramos várias vezes. Fomos ao shopping, ao mercado, na universidade em que ela estuda, na minha escola...” P: “Poderia falar um pouco sobre o encontro?” A2: “No encontro assistimos filme, tiramos fotos, comemos juntas, sorrimos bastante, brincamos, conversamos sobre nós, sobre as fanfics que lemos e escrevemos, sobre as bandas...” (Entrevista 10, em 3-5-2014) Nesse sentido, como já pontuado neste trabalho, a afetividade é uma característica das comunidades imersas em tecnologia digital. Cada usuário cria uma maneira de uso da rede e passa a atuar criando conteúdo, vivenciando uma gama de experiências e decide com quem 75 coabitar, como afirma a A2 “Sim, já encontramos várias vezes”. Essa posição da adolescente também parece ser o que apadrinha Lúcia Santaella, quando a autora assegura que na rede, de acordo com o que cada usuário opta fazer, é incessante o desejo de permitir-se conhecer (SANTAELLA, 2013). Do mesmo modo, Castells (2007), discorrendo sobre laços sociais, indica que os sujeitos idealizam suas redes on-line e off-line, sobretudo ancoradas no que lhes despertam interesse e empatia. 3.2.3 Participação mediada pelos suportes digitais Essa categoria estabelece novas e inúmeras formas de leitura emergentes nas mídias contemporâneas. Inegavelmente, uma delas é a leitura na tela. Soares (2002, p.152) acredita que a tela, como ambiente de leitura e escrita, não apenas proporciona diferentes maneiras de apropriar-se de informação como também acesso a novos conhecimentos associados a novas práticas de ler e escrever, suscitando um novo letramento considerado pela autora “um novo estado ou condição para aqueles que exercem práticas de escrita e de leitura na tela”. Da mesma forma, diz Xavier (2005, p. 135) que o usuário precisa tornar-se letrado levando em conta a evolução nas interfaces de leitura e escrita. Isso “[...] pressupõe assumir mudanças nos modos de ler e escrever os códigos e sinais verbais e não verbais, como imagens e desenhos, se compararmos às formas de leitura e escrita feitas no livro, até porque o suporte sobre o qual estão os textos digitais é a tela, também digital.” Essa constatação se verifica na fala das adolescentes entrevistadas que transitam nesse artefato de leitura. Excerto 16 P: “E onde você lê as fanfics? Em casa, no computador, no celular, impresso.” A3: “Principalmente no celular ou no tablet?” P: “Mas você lê direto da internet ou você baixa?” A3: “Direto da internet, nunca baixei”. P: “Então, sempre direto do site?” A3: “É”. P: “Então nunca baixou nem imprimiu para fazer leitura?” A3: “Não”. (Entrevista 7, em 28-10-2013) 76 Excerto 17 P: “Você lê e escreve fanfic no celular, no computador, em casa, na Universidade. Qual é o seu ambiente de leitura e escrita?” A4: “Em casa, no computador apenas (risos).” P: “Você lê todas on-line ou você baixa para ler depois?” A4: “On-line.” P: “Só on-line?” A4: “Só on-line.” (Entrevista 8, em 27-10-2013) Excerto 18 P: “Quando você está lendo, você visita outros sites da internet ou só lê?” A2: “Eu visito outros sites porque...” P: “Sai da tela, vai para outra ou fica só na tela?” A2: “Não, eu leio, aí eu converso no Twitter, eu mexo no Facebook ou vou assistir algum filme”. P: “Volta pra ler depois?” A2: “Hum hum.” (Entrevista 6, em 28-10-2013) Nos excertos, 16, 17 e 18, as adolescentes parecem expressar que a tela do computador se torna espaço de leitura e produção. Especificamente ao retratarem suas experiências de leitura e escrita “no celular ou no tablet, no computador”, as adolescentes parecem validar o que explica Lopes (2010) ao relatar que esse ambiente – a tela – se torna um ambiente de produção, e não apenas espaço onde se encontram informações. O autor argumenta, ainda, que esses suportes se tornam espaços de variados encontros com outros sujeitos que desempenham diferentes papéis sociais. No que se refere aos letramentos, Lankshear e Knobel (2006) pontuam que essa é uma abordagem contemporânea que transcende a leitura e a escrita tradicional. Trata-se de um contexto com uma nova forma de ação, em consonância com as novas tecnologias, em que a leitura se concretiza, conforme A3 “Principalmente no celular ou no tablet”. Do mesmo modo, Chartier (2009, p. 137) sugere que, para certas demandas, a leitura no papel já não condiz com algumas realidades. “A composição na tela, a transmissão ao leitor, a recepção, a leitura e o armazenamento na memória informática são efetuados sem que em 77 nenhum momento haja inscrição em papel”. Mediante essa realidade, é natural que as entrevistadas leiam “Só on-line”, pois cresceram em meio aos novos recursos midiáticos, sendo esses recursos utilizados para uma condição diferente de leitura e produção. Nessa mesma linha, Vargas (2005) postula que, embora as antigas gerações considerem a leitura na tela “desmotivante”, as adolescentes leitoras, escritoras e comentaristas de fanfiction demonstram ter o hábito de ler, na tela, histórias fictícias pelas quais demonstram admiração, conforme aclarado nos diálogos da Adolescente 4, no excerto 17. Esses leitores de tela refletem um pensamento, já disseminado por Chartier (2009, p. 13), no sentido de que a leitura na tela causa uma quebra sequencial do texto, as fronteiras deixam de ser tão visíveis assim como no livro que termina seu fluxo dentro de sua encadernação ou de sua capa. Ainda na mesma esfera eletrônica, esse leitor pode ter a possibilidade de embaralhar e entrecruzar outros ambientes como confirma a Adolescente 2 “Eu leio aí eu converso no Twitter, eu mexo no Facebook ou vou assistir algum filme”. Todas essas escolhas parecem querer reforçar a dinâmica instaurada pelos novos letramentos que indicam marcas de colaboração, distribuição, fluidez, hibridismo, agência e autoria. Considero interessante salientar que essas adolescentes, diferentes da geração com a mente tipográfica centrada na mídia impressa, e que ainda está arraigada ainda ao formato de leitura linear, “legítima”, manuseiam diferentes ferramentas “Twitter [...] Facebook [...] assistir algum filme”. Em reforço, circulam e marcam presença em variados eventos de multiletramentos, intensificando vertiginosamente o acesso à tecnologia digital onde os textos irrompem da tela para uma área que resplandece (CHARTIER, 2002). Em virtude das novas configurações mediadas pelas atuais tecnologias que reformulam as ações dos sujeitos que delas participam, podemos salientar a presença de uma geração dispersa e distribuída que vivencia uma diversidade de letramentos tornando possível o leitor reinventar modos de ler e escrever, como afirma A2 no excerto 18. Suponho ser importante compreendermos que, ao lerem na tela, os participantes, no âmbito da internet, sinalizam uma mobilidade isenta de limites que propicia relações sociais com pessoas com as quais integram na sociedade contemporânea. 3.3 Práticas invisíveis no ambiente educacional Esta subseção objetiva apresentar algumas considerações, em decorrência do advento da cibercultura, marcadas pela participação das adolescentes em possíveis processos de aprendizagem, associados ao uso da internet. O avanço tecnológico encarta uma diferente 78 noção de tempo e espaço até então desconhecida. É nessa nova ordem que os jovens, mediados pela comunicação ubíqua, vivenciam diferentes possibilidades de interação, trazendo uma nova configuração de aprender. 3.3.1 Imersos digitalmente, mas invisíveis na escola Os jovens e adolescentes têm intitulado uma nova dinâmica na chamada Geração Internet ou Geração Y14. Eles interagem com várias mídias e se deleitam com a tecnologia participando de práticas sociais em que há comunicação, criação, aprendizagem, colaboração e distribuição. Inegavelmente, são várias as práticas de letramentos emergentes, a exemplo da fanfiction, nas quais os jovens se engajam com muito mais fluência com os novos dispositivos, tecnologias e ferramentas digitais. Souza (2012, p. 14) acredita, porém, que a escola não reconhece várias dessas práticas de letramento: “Permanece, portanto uma ‘invisibilidade’ em torno das atividades sociais realizadas pelos jovens que demandam ler, escrever e falar”. Nesse sentido, pude identificar que as respostas das adolescentes entrevistadas, usadas para compor percepções de alunos que nutrem a dinâmica de participar de fanfiction, são ainda desconhecidas na esfera escolar. Tal invisibilidade pode ser observada nos diálogos abaixo: Excerto 19 P: “E na escola você tem colegas que lê fanfictions?” A1: “Eu tenho duas.” P: “Elas são leitoras, escritoras, são comentaristas qual é a categoria delas?” A1: “Uma é leitora e comentarista e outra é só leitora.” P: “E os professores nunca perceberam essa melhora em você ou já perceberam e te elogiaram?” 14 Indivíduos nascidos entre janeiro de 1977 e dezembro de 1997. (TOMPSCOTT, 2010, p. 27). Com o mundo relativamente estável, eles cresceram em uma década de valorização intensa da infância, com internet, computador e educação mais sofisticada que as gerações anteriores. Ganharam autoestima e não se sujeitam a atividades que não fazem sentido em longo prazo. Sabem trabalhar em rede e lidam com autoridades como se eles fossem um colega de turma. (Revista Galileu, ed 219, out.2009. Disponível em <http://revistagalileu.globo.com/Revista/Galileu/0,,EDG87165-7943-219,00GERACAO+Y.html>Acesso em 22-03-2014) Enquanto grupo crescente, tem se tornado o público-alvo das ofertas de novos serviços e na difusão de novas tecnologias. As empresas desses segmentos visam a atender essa nova geração de consumidores, que constitui um público exigente e ávido por inovações. Preocupados com o meio ambiente e as causas sociais, têm um ponto de vista diferente das gerações anteriores, que viveram épocas de guerras e desemprego. (Wikipédia.org, Disponível em < https://pt.wikipedia.org/wiki/Geração_Y> Acesso em 22-03-2014)- 79 A1: “Sim, minha professora de Português disse que teve uma época que eu tinha melhorado, que estava começando a melhorar minha leitura.” P: “Mas não perguntou o que você estava fazendo para melhorar?” A1: ”Não.” P: “Só disse que você melhorou?” A1: “Hum hum.” (Entrevista 5, em 27-10-2013) Excerto 20 P: “Quando você estudava no ensino fundamental, algum professor sabia que você lia fanfic?” A3: “Não.” P “Nunca ninguém perguntou o que você lia fora da escola?” A3: “Não, ninguém dos professores.” (Entrevista 7, em 28-10-2013) Excerto 21 P: “Quando você estudava no ensino médio você já lia fanfic. Algum professor ficou sabendo que você era leitora e escritora de fanfic?” A4: “Não.” P: “Nunca ninguém ficou sabendo?” A4: “Nunca.” P: “Nunca nenhum professor perguntou sobre o que você lia fora da sala de aula?” A4: “Nunca se interessaram pelo que eu lia (risos).” (Entrevista 8, em 6-11-2013) Interpretando as respostas das adolescentes, vejo implícita a ideia daquilo que a escola preconiza como leitura válida, na fala de A4: “Nunca se interessaram pelo que eu lia (risos)”, pois o sistema educacional ainda tenta engendrar, em torno das atividades escolares, a leitura de obras canônicas, não considerando, leitura legítima, o material produzido pela indústria cultural mesmo sendo consumidos e recriados pelos jovens contemporâneos. (CHARTIER, 2009) Suponho ser essencial considerar que, provavelmente as adolescentes não leem com frequência e interesse o que está prescrito no currículo linear construído aleatoriamente ao que acontece fora dos muros escolares. Assim, presumo que, em tempos atuais, em que os alunos ressignificam sua prática de leitura, usando a internet, no entanto sem a presença do professor, como revela A3 “Não, ninguém dos professores”, já se pode representar uma desnaturalização 80 de algo tão arraigado de que na escola é que se aprende. Assim, além dessa imagem cristalizada da instituição formal que parece estar sendo posta em crise, parece tornar possível também refletir sobre o mito que afirma que “o jovem não lê”. Esses jovens contemporâneos parecem refletir o pensamento de Sibilia (2010, p. 47), ao afirmar que na atualidade, em todo lugar, cintilam sujeitos diferentes que expressam “novos modos de ser e estar no mundo que emergem e se desenvolvem respondendo às exigências da contemporaneidade, ao mesmo tempo em que contribuem para gerar e forçar tais características”. A afirmativa da autora me remeteu ao comentário de A1: “Sim minha professora de Português disse que teve uma época que eu tinha melhorado, que estava começando a melhorar minha leitura”, que ressalta ter obtido avanços lendo fanfic, novo modo de ler e escrever no mundo contemporâneo. No entanto, observa-se na prática que a apropriação dos letramentos, que habilita o sujeito a inferir sentidos e a exercer interações com os gêneros digitais presentes no ciberespaço, tem sido desvalorizada pelo universo formal de ensino (DIAS, 2012). Essa percepção, pode-se observar nas falas do excerto 21. A prática de poder ler e compartilhar as minúcias de um livro, através da fanfiction, e perceber que outras pessoas complementam as lacunas do texto com seus comentários, auxiliando na construção da escrita através da interação com outro fã, é recorrente entre os jovens. Ao mesmo tempo, os fãs escritores de fanfiction se queixam da falta de envolvimento por parte dos professores que, segundo A4 “Nunca ninguém ficou sabendo” “Nunca” demonstraram interesse em saber sobre o que os alunos liam em outros momentos. Alinhada ao pensamento de uma nova postura da instituição escolar, Sibilia (2010) sugere que o ambiente escolar poderia, em vez de “prisão”, entendida como um lugar estagnado, adequar-se a um modelo universal, interligada em uma rede eletrônica sem fios, tendo assim a possibilidade de cada um conectar-se livre e espontaneamente no momento oportuno. Dessa forma, mediante a interação ininterrupta dos corpos que nela habitam e que distante dos muros da escola circulam nas nuvens lendo, escrevendo e comentando fanfics, como afirma a A1 sobre suas colegas de sala de aula que estão engajadas também nessa comunidade “Uma é leitora e comentarista e outra é só leitora”, os alunos poderiam ter um tom de expectativa relacionado com suas produções na internet. Azzari e Custódio (2013), ao postularem sobre esse novo perfil dos alunos que apresentam uma vida multifacetada, sugerem que as escolas pensem em transpor o gênero fanfiction para a prática escolar. No entanto, para isso é necessária a desconstrução de 81 discursos cristalizados para que haja uma visão do aluno não como um sujeito passivo representado na afirmação de A3 “Não, ninguém dos professores”, ao responder a pergunta sobre as práticas de letramento trazidas de suas vivências, mas como “um construtor e colaborador das criações conjugadas na era das linguagens líquidas” (AZZARI E CUSTÓDIO, 2013, p. 74) 3.3.2 Aprendizagem para além da escola Vive-se um momento social e histórico em que o advento do computador e a Web 2.0 indicam novas formas de aprender, falar, fazer e de estar presente no mundo contemporâneo. Em tempos de computação ubíqua, os jovens reconfiguram novas construções e participações em eventos de letramento. Segundo Lankshear e Knobel (2006, p. 30), as escolas ainda estão dominadas pelo letramento convencional e são os estudantes que vivem também em espaços fora da sala de aula que têm se engajado com os novos letramentos, como exemplificam os excertos a seguir: Excerto 22 P: “E você acha que com a leitura de fanfics você melhorou um pouco sua leitura, sua escrita? Você aprendeu palavras novas? Você conseguiu algum aprendizado?” A1: “Eu comecei a melhorar a minha leitura. A minha escrita melhorou bastante, foi o que mais melhorou.” P: “Melhorou a leitura e a escrita?” A1: “A leitura. Quando eu leio em voz alta, eu leio de uma forma mais adequada, eu leio melhor e de uma forma que dê de entender, uma forma boa.” P: “E os professores nunca perceberam essa melhora em você ou já perceberam e te elogiaram?” A1: “Sim. Minha professora de Português disse que teve uma época que eu tinha melhorado.” P: “Mas não perguntou o que você estava fazendo para melhorar?” A1: “Não.” (Entrevista 5, em 27-10-2013) Excerto 23 P: “Você considera que sua escrita e leitura melhoraram lendo fanfiction?” 82 A2: “Sim, bastante.” P: “O que você acha que melhorou?” A2: “A gramática melhora, a forma de organizar as ideias na hora de você escrever algum texto, a introdução, como você faz pra levar da introdução até o final do capítulo, sem deixar nada meio maçante e sim mais envolvente. Até que aprendi bastante coisa.” (Entrevista 6, em 28-10-2013) Nesse sentido, parece-me que as alunas, em seus depoimentos, admitem a importância da fanfiction no processo de aprender, “Eu comecei a melhorar a minha leitura. A minha escrita melhorou bastante, foi o que mais melhorou”, mesmo distante do ensino formal. Essa afirmação parece colaborar com o que pontua Jenkins (2006), ao inferir que, na atualidade, há aprendizagem fora dos espaços educacionais, num processo de participação em ambientes de dedicação, criatividade, em torno da cultura popular. O autor postula que os alunos têm se apropriado de aprendizagem, mesmo distantes das práticas escolares canonizadas. Ampliam, assim, seus conhecimentos, pelo rompimento das barreiras geográficas e pela fluidez demandadas pelas novas configurações que hoje circulam na sociedade, conforme a fala da A2 no excerto 23. Em vista dessas novas configurações, Sibilia (2010, p. 195) justifica que o mundo contemporâneo é caracterizado por uma interação on-line mais contínua “pois a ubiquidade do dispositivo permite que cada um se conecte quando está em condições de participar, o que nem sempre acontece nas salas de aulas comuns”. A prova disso é a afirmação de A2, que sinaliza ter aprendido “bastante” com a leitura e a escrita de fanfiction, que ocorre, sobretudo, em meio não institucional. Em conformidade com Sibilia (2010), essa mobilidade, conexão e a ausência de confinamento, podem estar sendo mais favoráveis para a aprendizagem para além da escola, como afirmam os diálogos abaixo da Adolescente 4. Excerto 24 P: “Você acredita que depois que se tornou leitora escritora você teve algum avanço na sua escrita e leitura?” A4: “Sim, avancei. Eu percebo que quando paro de escrever começo a cair.” P: “No decorrer de suas leituras e escritas, na escola, algum professor percebeu que você avançou?” A4: “(risos) Professor falou que minha nota tinha aumentado na redação.” 83 (Entrevista 8, em 6-11-2013) Intui-se que as alunas, embora participem de práticas de escrita, distantes do ensino formal, parecem apresentar sinais de avanço, pela superabundância da leitura e escrita na internet, diante da fala da Adolescente 4 “[...] Professor falou que minha nota tinha aumentado na redação”. Como se pode observar, as adolescentes pesquisadas agregam saberes através de elementos característicos do meio digital ao circularem pela internet. Esses dados podem sugerir que a aprendizagem não está relacionada exclusivamente com o processo linear prescrito nos currículos escolares, pois, mesmo que a professora não tenha aparentemente percebido, o avanço da aluna pode ter sido devido à relevância de sua participação na leitura e escrita colaborativa no ambiente digital. Dessa forma, assim como a lâmpada elétrica trouxe mudança de costumes para as pessoas que viveram no tempo em que emergiu essa tecnologia, a contemporaneidade e as mudanças provocadas pela fluidez nas relações sociais têm imprimido características que devem ser observadas com atenção pela esfera escolar. Contudo, no ambiente familiar, essas mudanças parecem estar sendo notadas e incentivadas pelos pais. Podemos perceber isso no exemplo a seguir: Excerto 25 P: “E a sua família sabe que você é leitora e escritora de fanfic?” A4: “Sabe. (risos)”. P: “E eles te apoiam nessa prática de ler e escrever?” A4: “Meu pai quer que eu seja escritora (risos).” P: “Escritora de livros?” A4: “Livros mesmo.” Nesse excerto, A4 expressa satisfação em ser apoiada pelo pai “Meu pai quer que eu seja escritora (risos)”, explicitando a necessidade de reconhecimento nesse espaço que demanda flexibilidade, nova mentalidade. Agindo assim, o pai parece querer ressaltar a importância da leitura e da escrita entendendo essa prática como algo positivo e necessário para o desenvolvimento das habilidades de ler e escrever no ambiente ciberespacial. No entanto, esse novo ritmo, como inferido do extrato, parece concorrer para que haja uma tentativa de os ambientes escolares lançarem mão das velhas práticas. Essa visão parece assumir contornos do que postulam Lankshear e Knobel (2006) ao chamarem atenção para o 84 fato de que as escolas utilizam, sim, a tecnologia, preservando, no entanto os mesmos objetivos e rotinas. Na visão dos autores, a escola, por exemplo, tem utilizado algumas tecnologias como o datashow, o computador, no entanto apenas para reproduzir o que já vinha fazendo no quadronegro. Para que haja uma mudança nesse perfil, é necessário um “novo ethos”, que aponta para novas práticas, novos valores e uma nova postura. (LANKSHEAR E KNOBEL, 2007, apud MARSARO, 2013). Em período de computação ininterrupta, eclodem novas configurações sociais como fanfiction, gênero desconhecido nas instituições escolares. Tendo contribuído com a habilidade escrita, pode emergir como uma oportunidade para que alunos se expressem mediante a escrita colaborativa. No próximo capítulo, procuro discutir minhas considerações finais, intentando mostrar as limitações e os avanços desta pesquisa. Nesse caminho passo igualmente a responder as perguntas de pesquisa. 85 CONSIDERAÇÕES FINAIS “Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido." (Guiomar de Grammont) Este estudo advém de certas indagações na qualidade de docente e de mãe, a propósito da participação de adolescentes em eventos de letramento mediados pelas tecnologias digitais no contexto contemporâneo. Para tanto, percorri diversos caminhos em que a luz ora se fazia presente, ora se ofuscava diante das experiências, preocupações, indagações e da expectativa de transitar por espaços ainda não conhecidos e frequentados por mim na mídia digital. A realização desta pesquisa me exigiu algumas superações, como a de aceitar o acesso às mídias digitais de minhas filhas como momentos intensos de claridade, realçados pela participação em um movimento significativo como fanfiction, já que alimentava certo preconceito com as pessoas que tinham a prática de estar nesse transitar ininterrupto digital contemporâneo. Também tive que me munir de uma abertura pessoal sincera para a aceitação e vivência nesse universo ficcional que me era totalmente desconhecido, obscuro, que, no entanto, se reveste de elementos de grande importância, como os laços afetivos, a prática de fazer leitura em diversificados suportes não escolares, comentários, produção de histórias, enfim, um exercício de liberdade pessoal que demanda tempo e dedicação. É nesse contexto que se inscreve este trabalho por me sentir estimulada no pesquisar fanfiction que abarca um crescente número de usuários, principalmente do sexo feminino, que utilizam as novas mídias com acesso a ambientes virtuais altamente versáteis. Faz-se mister atentar ao fato de que esse público – leitor, comentarista e escritor – não pode ser considerado apenas receptor e consumidor de entretenimento, mas, protagonista por meio de práticas letradas no universo digital. 86 Para ingressar e conhecer o universo das participantes, foi necessário percorrer uma trajetória compondo, assim, o corpus desta pesquisa. No primeiro capítulo, retratei o limiar da luz, ou seja, expressei como emanou a ideia da pesquisa, apresentei o conceito de fanfiction e a relevância de um trabalho pormenorizado acerca de adolescentes que compartilham dessa produção ficcional, criam possibilidades de expansão de horizontes pessoais associados a leituras prazerosas que entreabrem a coautoria. Se bem assim, sem a obrigatoriedade das tarefas escolares do dia a dia. No segundo capítulo, dediquei-me exclusivamente à energia teórica que me alimentou com diferentes olhares sobre a temática retratada. Procurei percorrer a trajetória da escrita perpassando pela escrita, da antiga à contemporânea, levando em conta fanfiction. (CHARTIER, 2009). Nesse contexto teórico, procurei balizar minha pesquisa nos estudos de letramento, novos letramentos e multiletramentos, dialogando com Street (1984); Cope e Kalantizis (2000); Lankshear e Knobel (2005); Menezes de Sousa, Monte Mór (2006); Soares (2006), Rojo (2012), Takaki (2012), somados a outros. Passamos para o terceiro capítulo, fios condutores que me conduziram e me iluminaram, passo a passo, no processo de geração de dados seguindo um viés interpretativista. Mais ainda. Nortearam-me num entendimento qualitativo por força de sua relevância no estudar fenômenos sociais, facilitando a análise da interação entre os sujeitos da pesquisa. E por fim, os fios condutores me auxiliaram no diálogo com os dados, explicitados no último capítulo em que apresentei categorias de análise construídas no decorrer da pesquisa, na busca de compreender e responder às seguintes perguntas: Que sentidos os adolescentes dão à escrita no contexto digital? De que forma se desenrola o processo de produção da escrita na fanfiction? Essas inquietações me movem a refletir como as adolescentes, que estão inseridas em práticas de letramentos, vão se apropriando da escrita de forma significativa e colaborativa. Por outro lado, como professora e pesquisadora, a prática de construção da escrita, permeada pelas tecnologias digitais, me leva a perguntar: o que o professor vem apresentando, para usar a escrita como ferramenta de letramento, está em sintonia com esses adolescentes do século XXI? À luz do entendimento das adolescentes, parece que ainda há um distanciamento entre as novas formas de escrever, suscitadas no contexto digital, com o que vem sendo trabalhado no contexto escolar. Isto porque afirmam em suas falas que os professores desconhecem suas 87 práticas letradas em ambiente digital. Desse modo, vejo que a escrita na esfera escolar destoa com os adolescentes deste século. Diante desse panorama, neste capítulo, busco responder às questões de pesquisa e desfilar minhas percepções, ancoradas no diálogo com usuários de novas tecnologias computacionais, sempre no intuito de compreender melhor como o letramento digital tem contribuído, de forma consistente, na formação de adolescentes. Pelo que pudemos perceber, em relação à primeira pergunta, que investiga os sentidos dados pelas adolescentes quanto à escrita no fanfiction, o processo de escrever é marcado pelo fato de estarem inseridas no contexto de personagens e universos ficcionais dos quais se tornam fãs. Como vimos, nos diálogos das entrevistadas figura predominar, em suas leituras, uma diversidade de literatura popular, assim como bandas de músicas coreanas tornando essa trajetória de leitura de forma híbrida e não linear, a requererem uma competência semiótica de cada uma das adolescentes (SANTAELLA, 2007) que promovem a autoria por meio destas leituras citadas pelas Adolescentes A1, A2, A3 e A4: “Percy Jackson (risos) é claro. As Crônicas do Gelo e do Fogo, Crônicas de Nárnia, a maioria dos livros de ficção”. Também por intermédio de “[...] séries, livros, mangás, alguns filmes.”, “Super Junior e Bandas Coreanas”. Nesse norte, é possível perceber que a escrita na fanfiction se torna significativa para esses sujeitos por serem estimulados naturalmente, por suas leituras imbuídas de diversas semioses, a produzir histórias em ambiente virtual, precedidos de alegria e cumplicidade por fazer parte de uma comunidade que compartilha suas paixões associadas à leitura e escrita prazerosa que entretém, contudo, em torno do qual se agrupam para arriscar no exercício de autoria, ainda que demande trabalho e horas de empenho. O trecho da fala das adolescentes esclarece sobre algumas regras necessárias para a postagem de fanfic, demonstrando que esse estilo, apesar de ser vivenciado por jovens e adolescentes, não deixa de ter suas próprias marcas, fazendo do ambiente ciberespacial um espaço onde são desenvolvidas certas competências que, infelizmente, a escola tradicional aparenta não ser capaz de inculcar (SIBILIA, 2012), atreladas à importância que a escrita parece promover nesses corpos contemporâneos: Excerto 26 P: “E no site tem algum critério, tem alguma regra sobre a postagem ou não?” A2: “[...] não pode fazer plágio […] Fazer classificação de idade. Geralmente nos 88 sites pede muito isso. A Raissa escrevia e a beta dela era a Ana. Todas as autoras que escrevem, que eu conheço, são betas de alguma amiga.” (Entrevista 6, em 28-10-2013) Excerto 27 P: “Para a fanfic ser postada tem alguma regra ou você apenas escreve e já pode postar em seguida?” A4: “[...] tem que passar pela revisão primeiro, senão ela (fanfic) fica deletada (risos).” (Entrevista 8, em 6-11-2013) Por meio dessas interações, parece que as adolescentes vão tornando o ambiente digital um ambiente propício para uma escrita que interpele as configurações antigas de produção exercida pela prática de escrita no papel (SOARES, 2002). No entanto, como conciliar a estrutura escolar com a estrutura midiatizada? Para Jesus (2010), faz-se necessário um movimento escolar em espaços isentos de barreiras territoriais, dirimindo, assim, o estilo tradicional evidenciado pela presença do educador e do educando. Sabemos também que não é fácil levar em conta, na escola, as diversas vozes que habitam e que experimentam inúmeras práticas de letramento no ambiente on-line. De outro modo, observar esses movimentos de escrita na rede, diga-se de passagem, pode nos encorajar e colaborar para nos provocar uma sensibilidade às vivências trazidas pelos estudantes que emergem e se de desenvolvem em resposta às demandas da contemporaneidade (SIBILIA, 2012). Com relação à segunda pergunta “De que forma se desenrola o processo de produção da escrita na fanfiction?”, foi possível perceber, ao considerar os temas que emergiram dos comentários das entrevistadas, que está intimamente atrelada à forma como elas lidavam com a tecnologia digital. Ao acompanhar o percurso das adolescentes, trilhando o caminho da escrita em espaços onde a luz se faz presente, pois escrevem, leem e comentam na tela do computador, pudemos observar alguns indícios da constituição da escrita. O primeiro se refere ao recurso colaborativo e participativo utilizado pelas participantes com a finalidade de criar histórias ficcionais em ambiente virtual. Parece-me que esse exercício revela um engajamento com relação à escrita, como apontam diversas pesquisas 89 (AZZARI; CUSTÓDIO, 2013; PINHEIRO, 2013) que retratam a colaboração como um processo compartilhado, ativo, conjunto e de apoio mútuo. Estimar a escrita de outros e colaborar com comentários que auxiliarão na constituição da escrita de fanfics, parece ser algo estimulante, mesmo tendo que passar por rígidas correções antes de publicar uma história como afirma A4 “tem que passar pela revisão primeiro, senão ela (fanfic) fica deletada” Como educadora, reconheço minha dificuldade de lidar com esses jovens que trazem para a sala de aula suas experiências de vida, mas que não se coadunam com uma mentalidade voltada para um ensino pautado num currículo linear, taxando-os sempre de uma “geração que não quer nada com os estudos”. Nesse atual ambiente, parece que não é o conteúdo que impulsiona a atenção dessa geração, mas suas práticas letradas e colaborativas que deveriam trazer à tona esse conteúdo. É irônico pensar que esse exercício colaborativo de escrita, como nova maneira de criar e estar no mundo, ao que parece, tem de se defrontar com as premissas tradicionais de produção no ambiente escolar. É provável que, ainda, na esfera escolar, o único leitor seja o próprio professor com um olhar de regulação de resultados, e não de colaboração e contribuição, percebendo seu aluno como um reprodutor, espectador ou consumidor de um ensino formal pautado na linearidade, e não como um criador de sentidos. Outra característica condizente com as participantes da pesquisa é a forma como interagem, leem, escrevem e comentam, sendo a tela, do computador, do tablet, do celular ou a do iPhone a principal mediadora do gênero fanfiction. Essa prática é abundante entre os adolescentes que navegam diuturnamente e que têm a tela como uma das ferramentas com real significação no desenrolar da escrita no meio digital. Então surgiu a reflexão: de que forma conduzo minha prática docente perante as novas tecnologias presentes nas práticas sociais dos alunos que não utilizam papel? Muitas foram as lições. Como professora, apesar de ter tentado, algumas vezes, lançar mão das novas tecnologias em sala de aula, tive a percepção que continuava reproduzindo os mesmos objetivos e rotinas (LANKSHEAR; KNOBEL, 2006), ainda que utilizando aparelhos iluminados, mas de forma obscura. Fazia-os sem novas práticas de letramento, sem um novo ethos, mesmo diante de alunos detentores de diversas semioses e práticas letradas, valendo-se de artefatos digitais desvalorizados e não permitidos em sala de aula. Acredito que, através desta investigação, tenha aprendido, mediada pela pesquisa interpretativista, a ver as adolescentes com um olhar mais analítico, podendo observá-las em suas práticas sociais e entender que elas poderiam me ensinar com vista a ponderar minha 90 prática. Isso sem desmerecer a relevância do contexto histórico em que elas vivem, onde cada detalhe observado teria relevância na busca de superação das minhas limitações, como professora da rede pública de ensino, interposta com uma nova cultura contemporânea. Tenho, então, novos olhares sobre o ambiente digital e não negligencio mais as tecnologias Importante fato a salientar, no processo de pesquisa, é que pude me dedicar aos estudos dos letramentos, que reconhecem diferentes modos de produção e tipos de tecnologias de escrita não lineares, como fanfiction, priorizando novas formas de letramento, que vão além das mídias impressas, considerando também “a comunicação visual, auditiva, espacial (SOARES, 2002, p. 156). Em acréscimo, destaco os multiletramentos, presentes na vivência das entrevistadas, que apontam para uma heterogeneidade de linguagens já citadas no corpus do trabalho. Tais estudos, acredito, foram fundamentais para que eu ampliasse minhas percepções quanto ao envolvimento das adolescentes em múltiplas práticas de letramentos embutidas na sociedade contemporânea. A compreensão dos letramentos também me ajudou a repensar em uma nova configuração para minha prática pedagógica e para a escola. Entendo que, no caso, não é necessário apenas que eu desenvolva eventos de letramentos, mas que se permita aos alunos exporem suas práticas sociais baseadas no contexto digital. Vejo a escola como uma importante agência de letramento. Se bem assim, encontra-se, ainda, dominada pelas velhas práticas escolares, socorrendo-se de antigas tecnologias como o giz, o papel, pouco significativas para uma geração imersa na escrita digital. Isso não significa que a instituição escolar deve abandonar essas tecnologias, muito úteis, em determinados contextos, mas ressignificá-las, integrando-as a outras semioses, tendo em vista os avanços tecnológicos e o agenciamento dos alunos, que, distante da escola, estão sempre engajados em alguma atividade. Ainda, no papel de mãe, passei a observar o cotidiano de minhas filhas e de suas amigas, podendo entrevistá-las e ter a oportunidade de me colocar bem próxima delas. Percebi quão pouco as conhecia e compreendia. Parece-me que, antes, as via apenas como “viciadas” na tela iluminada, sendo a rotina de estarem constantemente conectadas, lendo, escrevendo e transitando na web 2.0 algo invisível, destituída de significado para mim. No entanto, pelo fato de me aproximar da pesquisa qualitativa, que tem como relevância os estudos das relações sociais (FLICK, 2009), pude constatar que as adolescentes participavam de um evento de letramento pelo qual interagiam com inúmeras pessoas e que investiam o tempo de lazer em leituras on-line, escreviam colaborativamente histórias ficcionais e construíam amizades com fãs navegadores de diferentes partes do mundo. Nossa! Que surpresa! 91 O entendimento de quão limitada era minha concepção do caráter dos jovens contemporâneos, que alicerçados em suas próprias necessidades, desenvolvem inúmeras maneiras de criar, distribuir, moldar, remoldar textos na tela, foi um dos importantes momentos de desvelamento no sentido de valorizar o outro, independentemente de sua idade e de suas experiências que, até antes da pesquisa, eram banalizadas por mim, em sala de aula e em minha residência. Dentre as inúmeras maneiras como as adolescentes A1, A2, A3 e A4, participantes da pesquisa, agem no contexto digital, através da geração de dados, pude identificar temas e chegar a algumas categorias que foram emergindo, nas falas, e que expressam os papéis que desempenham na comunidade virtual da qual participam. Vejamo-los em seguida: TEMA CATEGORIAS Papéis de participação na fanfiction Leitora-comentarista Leitora-fantasma Leitora-escritora Construção da escrita na fanfiction Colaboração Afetividade Participação mediada pelos suportes digitais Práticas invisíveis no ambiente educacional Imersos digitalmente, mas invisíveis na escola Aprendizagem para além da escola Diante desse quadro, no que diz respeito à prática pedagógica, não basta apenas refletir sobre fanfictions, literatura digital que vem somando adeptos na atualidade. Acredito seja preciso revisitar minha própria prática, ingressar, por meio dos letramentos que os alunos já possuem, não menosprezando a eles ou tecendo-lhes críticas, em ações que validem, ampliem e potencializem sua interação, participação, criação, permitindo que agenciem, sob a valia dos novos letramentos. Tais percepções encenam expectativa positiva, pontos de luz, que podem ser refletidos nas ações da professora. Em vista das escolas, suponho ser urgente repensar seu papel no mundo contemporâneo como lugar fundante menos individualizado, menos homogêneo, com regras e normas mais fluidas. As práticas sociais invadem o cotidiano dos alunos, e parece ser essencial que as escolas valorizem e envolvam nas práticas escolares os letramentos que hoje circulam na sociedade, notadamente em meio aos jovens contemporâneos. Isso requer que a escola amplie sua visão de ensinar e aborde novas práticas de leitura e escrita, uma vez que em seu ambiente 92 estão alunos, a exemplo das participantes desta pesquisa, que são leitoras, escritoras, utilizam apenas a tela para ler e escrever. Nesse sentido, ao dissertar sobre o papel da escola e dos professores em um contexto marcado pela mídia digital, Rojo (2012) reconhece que a virtualidade não aponta apenas para o entretenimento, mas pode contribuir para que os alunos, que se valem de diversas mídias, gerem significados, revelem e desenvolvam papéis sociais na sociedade em que estão inseridos. Quanto às limitações, ao longo da pesquisa pude depreender que, na condição de professora, me sentia incomodada em ter que me situar como aprendiz diante das adolescentes, pois até então ignorava o contexto de aprendizagem do qual participavam e não via como válidas as novas tecnologias nas quais se encontravam imersas. Essa atitude, por sua vez, fincada devido aos discursos postulados pelo ensino formal e assumidos por mim, como “detentora do conhecimento”, angustiava-me, pois as via apenas com a performance do aluno-discípulo. Com relação à experiência de pesquisadora, esse quadro reverbera, mais uma vez, porque foram vários os momentos de angústia diante dos apontamentos no sentido de refacção, condição não muito vivenciada por uma professora de Língua Portuguesa. Além disso, acredito que poderia ter participado com mais afinco do fenômeno fanfiction, lendo mais histórias, comentando, escrevendo colaborativamente, enfim, acompanhando e vivenciando com mais eficiência essa prática social. Projetando perspectivas para possíveis trajetórias em torno de fanfiction, pois, certamente, esse é um campo atraente e ainda pouco explorado, recomendo então, para estudos futuros, tomar conhecimento das produções que se passam às margens do que estamos acostumados a consumir ou, ao menos a observar a presença deles na vida dos jovens contemporâneos. Se possível, também, esquadrinhar o universo alternativo, tema recorrente nas falas das adolescentes, sendo esse um universo muito utilizado por elas na escrita ficcional. Outro tema que me chamou atenção no contato com fanfiction e acredito ser pertinente pesquisar é a pouca participação dos garotos nesse gênero. No decorrer das entrevistas as adolescentes mencionam alguns adolescentes masculinos que leem, no entanto um número ínfimo, nesse universo. Penso que esta pesquisa que representa apenas um recorte do gênero fanfiction, presente na vida de uma geração ansiosa em compartilhar suas produções, pode assinalar caminhos, oferecer conhecimentos, assim como pode trazer pontos de luz ou de escuridão sobre adolescentes que leem e interagem dinamicamente com outros fãs. Esperamos ter lançado 93 faíscas significativas sobre fanfiction, prática fortemente flexível e instigante, que possam servir de base para que a temática aqui abordada seja futuramente aprofundada, expandida, aperfeiçoada. Termino este trabalho trazendo à memória toda a minha trajetória como pesquisadora iniciante, por onde entrelaçaram inúmeros fios, alimentando-me com leituras, discussões, afetos, saberes, tensões, provocações, enfim, inúmeras possibilidades permeadas por luzes, trovões, relâmpagos, que pouco a pouco me auxiliaram nessa experiência fascinante com participantes do mundo virtual denominado fanfiction. Assim, penso que este percurso abre oportunidades de transitar por outros ambientes, porém com outros brilhos, outros sentidos, outros temores. Assim, prossigo cheia de esperança para novos desafios e percursos. No entanto acreditando que sempre poderei me defrontar com a luz ou com a escuridão. Nesse caminho, reconheço a escuridão como a que vemos nas telas dos dispositivos digitais, identificada como descanso de tela. Momento em que as cores se anulam e o brilho não está visível, mas seu provedor continua realizando operações. 94 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLAN, L. M. et al, Crescer em Rede – Um guia para promover a formação continuada de professores para adoção de tecnologias digitais no contexto educacional. Salvador: Instituto Crescer para a Cidadania. Disponível em <http://institutocrescer.org.br/cresceremrede/ download/ Crescer_em_Rede_PDF.pdf>. Acesso em 8-1-2014. ALMEIDA, E. M. Vidding na Cultura Otaku. In: ROJO, R. (org.) Escol@ Conectada – os multiletramentos e as TICs. 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Cuiabá: UFMT, 2012. 99 ANEXOS Anexo 1 – Roteiro básico de entrevista I Data da entrevista: Local da entrevista: Duração da entrevista: Entrevistador: Sexo do entrevistado: Idade do entrevistado: Peculiaridades ocorridas na entrevista. 100 Anexo 2 – Roteiro básico de entrevista II 1. Como conheceu as fanfics? 2. Você tem lido fanfiction ultimamente?Como conheceu as fanfics? 3. Você participa desse gênero como? Lendo, escrevendo, comentando... 4. Você acha importante fazer comentários? Pode explicar? 5. As autoras gostam que façam comentários? 6. A leitura das fanfics o incentivou a ler outras literaturas? Pode citar alguns? 7. As histórias que você lê são baseadas em originais? Quais? 8. Você prefere ler quais histórias? 9. Elas são postadas em quais sites? 10. Quais desses sites você prefere acessar? 11. Para as fanfics serem postadas, é necessário alguma correção? 12. Há regras, então, para postar? Você lembra de algumas? 13.Quem faz as correções. Você conhece alguma? 14. As pessoas que escrevem tem um nome específico? 15. Qual gênero você prefere ler? 16. Você lê de que maneira, capítulo por capítulo? 17. Onde você costuma ler fanfics? 18. Geralmente você lê histórias com quantos capítulos? 19. Você fez amizades com outras pessoas lendo fanfics? 20. Como você faz contato com as amigas? 21. Você acredita que sua leitura e escrita melhoraram depois que começou a ler? 22. Algum professor(a) sabe que você lê fanfic ou já perguntou sobre o que você lê fora da escola? 23. Você tem colegas que estuda com você que participa dessa prática? 24. Você faz outras leituras? 25. Quando está lendo , você visita outros ambientes na internet ou só lê? 26. Você já leu fanfic postada por garotos? Eles utilizam os mesmos sites? 28. Para você qual a importância dos comentários na escrita de fanfiction? 29. Você lembra de algum comentário que você já fez em uma fanfic? Poderia falar um pouco sobre ele? 30. É natural as autoras aceitarem os comentários e mudarem a escrita alterando alguma coisa que ela escreveu? 101 31. E algumas escritoras fazem alterações na escrita da fanfic? 32. Quanto ao enredo a história, há sugestão de alguma alteração? Elas alteram? 33. Algumas autoras mudam tanto a gramática quanto o enredo? 34. Então os comentários podem ajudar no desenvolvimento, podem fazer com que a escritora mude alguma coisa na história? 35. Como as pessoas que fazem comentários são citadas na história? 36. Você já teve alguns encontros face a face com sua unnie? 37. Poderia falar um pouco sobre o encontro? 102 Anexo 3 – Síntese do tempo de duração das entrevistas Entrevista Data Participante Tempo de duração 1 1-2-2013 A1 6’13” 2 2-2-2013 A2 7’40” 3 2-2-2013 A3 6’10” 4 6-3-2013 A4 7’50” 5 27-10-2013 A1 30’33” 6 28-10-2013 A2 38’59” 7 28-10-2013 A3 30’43” 8 06-11-2013 A4 30’25” 9 14-3-2014 A2 7’48” 10 3-5-2014 A2 5’02” TEMPO TOTAL 103 2:51’23” Anexo 4 – Páginas acessadas pelas entrevistadas Social Spirit (antigo Anime Spirit) (www.socialspirit.com.br) – Acesso em 22-3-2014 104 Fanfic Addiction (www.fanficaddiction.com.br) – Acesso em 22-3-2014 105 Fanfiction.net (www.fanfiction.net) – Acesso em 22-3-2014 106 Nyah! Fanfiction (www.fanfiction.com.br) – Acesso em 22-3-2014 107 Lollipopfics.com.br (www.lollipopfics.com.br) – Acesso em 22-3-2014 108 Fanfic Obsession (fanficobsession.com.br) – Acesso em 22-3-2014 109 , Floreios e Borrões (fanfic.potterish.com) - Acesso em 22-3-2014 110