CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
KELLIANE MONTEIRO RIBEIRO
POR ENTRE MUROS: VIVÊNCIA DA SEXUALIDADE DOS ADOLESCENTES
ACOLHIDOS NA UNIDADE ELIAS CAVALCANTE DE ANDRADE EM
MARACANAÚ
FORTALEZA - CE
2014
KELLIANE MONTEIRO RIBEIRO
POR ENTRE MUROS: VIVÊNCIA DA SEXUALIDADE DOS ADOLESCENTES
ACOLHIDOS NA UNIDADE ELIAS CAVALCANTE DE ANDRADE EM
MARACANAÚ
Monografia submetida à aprovação
da coordenação do Curso de Serviço
Social do Centro de Ensino Superior
do Ceará, como requisito parcial
para a obtenção do grau de Bacharel
em Serviço Social.
Orientador: Prof. Daniel Rogers de
Sousa Ferreira, Ms.
FORTALEZA - CE
2014
KELLIANE MONTEIRO RIBEIRO
POR ENTRE MUROS: VIVÊNCIA DA SEXUALIDADE DOS ADOLESCENTES
ACOLHIDOS NA UNIDADE ELIAS CAVALCANTE DE ANDRADE EM
MARACANAÚ
Monografia como pré- requisito para
obtenção do título de Bacharel em
Serviço Social, outorgado pela
Faculdade Cearense – FAC, tendo
sido
aprovada
pela
banca
examinadora
composta
pelos
professores.
Data de Aprovação:____/____/______
BANCA EXAMINADORA
Prof. Ms. Daniel Rogers de Sousa Ferreira
Faculdades Cearenses – FAC
(Orientador)
Prof.ª Ms. Ivna de Oliveira Nunes
Prof.ª Esp. Jana Alencar Eleutério
[...]
Mas se você achar
Que eu tô derrotado
Saiba que ainda estão rolando os dados
Porque o tempo, o tempo não para
Dias sim, dias não
Eu vou sobrevivendo sem um arranhão
Da caridade de quem me detesta
A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para
Eu vejo o futuro repetir o passado
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não para
(O tempo não para, de Cazuza)
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9
2 CAPÍTULO I .................................................................................................. 12
2.1 Passo a Passo: A Metodologia da Pesquisa .......................................... 12
2.2 Vivência e Observação: Unidade de Acolhimento ................................ 13
2.3 Elias Cavalcante de Andrade: O Local da Pesquisa ............................. 15
2.4 Interlocutores e Critérios: Os Sujeitos da Pesquisa ............................. 19
3 CAPÍTULO II ................................................................................................. 22
3.1 Acolhimento Institucional no Brasil: Processo Histórico de Acolher. 22
3.2 Acolhimento Juvenil e “Panoptismo”: A Percepção do Indivíduo na
Unidade.................................................................................................... 27
3.3 Sexualidade Juvenil: Definições e Atribuições de Papeis .................... 33
4 CAPÍTULO III ................................................................................................ 38
4.1 Educar ou Cuidar: O Olhar dos Profissionais da Instituição Elias
Cavalcante de Andrade sobre a Juventude Acolhida .......................... 38
4.2 Sexualidade e Jovem Acolhido: A Vivência da Sexualidade. ............... 42
4.3 Sexualidade na Unidade Elias Cavalcante de Andrade ........................ 44
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................... 47
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 49
ANEXOS .......................................................................................................... 51
AGRADECIMENTOS
Venho aqui brevemente agradecer a todos aqueles que de alguma
forma me motivaram a sempre buscar o conhecimento e a realizar meus
sonhos e objetivos.
Primeiramente, queria agradecer à pessoa que mais amei e continuo
amando, porém não está mais presente entre nós, como matéria, mas acredito
que sempre vai estar como um espírito de luz, escutando-nos e nos
protegendo: minha mãe, Marleide Monteiro. Foi a primeira pessoa a me dar um
livro, a me ensinar a gostar de ler e a viajar no mundo dos sonhos; foi a
primeira pessoa a acreditar e instigar esses mesmos sonhos, e continuo, e
sempre continuarei a sonhar por ela, obrigada, mãe.
Em segundo lugar, ao meu pai, Virgílio Ribeiro, e à minha irmã,
Theliane Monteiro, mesmo que, às vezes, eles não entendam porque é
necessário se debruçar em um trabalho assim ou o porquê das especificações
de uma monografia, mas os agradeço por sempre estarem comigo, por
também acreditarem em mim, obrigada, pai e irmã.
Em terceiro lugar, queria agradecer à minha tia, Lucia Monteiro, e à
sua filha, minha querida e amada prima, Nicolly Monteiro, por estarem comigo
em todos os momentos da minha caminhada, às vezes triste, muitas vezes
alegre, outras tantas duvidosas, mas sempre podendo contar com elas,
obrigada as duas.
Em quarto lugar, queria agradecer os todos que conheci nessa
caminhada de quatro anos de faculdade, aos momentos de discórdia na sala,
de aflição pelo desconhecido, dos trabalhos acadêmicos imensos ou
complexos, das amizades feitas, dos professores instigantes, dos temas e
disciplinas que jamais serão esquecidos, das trocas de experiência e de
conhecimento, obrigada amigos, colegas e professores da faculdade.
Queria, em quinto lugar, agradecer às pessoas que tornaram e
tornam , a experiência no mundo da profissão de assistente social instigante
para mim: Maria Conceição Oliveira , que me apresentou a instituição
Sociedade para o Bem-Estar da Família; Luciana Marinho, minha primeira
supervisora de estágio que me proporcionou conhecer sobre a Assistência
Social inserida em uma Instituição de Acolhimento, que me deu conselhos
sobre a vida e a profissão e a todos aqueles que ontem e hoje compõem a
Unidade Elias Cavalcante de Andrade.
Queria agradecer, também, às minhas supervisoras Elisabete
Marvignier e Josefa Acioly, por me mostrarem o trabalho árduo em uma
Unidade Profissional e nunca perderem a fé na Humanidade e a todos aqueles
que compõem a Unidade Prisional CPPL III. Obrigada a todos.
Igualmente, queria agradecer ao meu orientador Daniel Rogers, por
fazer a monografia não ser tão temida como se imaginava, pelas ideias e
sugestões de autores e livros para esta pesquisa, por acreditar em mim,
obrigada, Daniel.
Por fim, gostaria de agradecer à minha banca, que contribuiu para
engrandecer as discussões acerca do tema e da minha formação profissional.
RESUMO
Este escrito teve como objetivo compreender a vivência de sexualidade para os
adolescentes/jovens acolhidos, levando em consideração a legislação e história
sobre o acolhimento institucional, bem como os próprios acolhidos e os
funcionários que compõe a Unidade de Acolhimento percebem esse processo
na vida dos adolescentes/jovens. A metodologia aqui abordada teve como
abordagem uma perspectiva qualitativa, pois essa perspectiva nos aproxima
dos problemas sociais e nos guia a lançar olhares para a realidade,
impulsionando-nos a dar respostas para esse meio. Neste trabalho esteve
presente, também, a abordagem descritiva, que teve como objetivo detalhar e
esclarecer a vivência de sexualidade para os adolescentes acolhidos, e isso só
foi possível em decorrência da coleta de dados, a qual foi efetivada através de
entrevistas não estruturadas. Para embasar as análises decorrentes do
levantamento de dados, usamos como referências tanto as legislações e
estatutos, referentes à adolescência e juventude, bem como os autores
Foucault e Louro, no que concerne à sexualidade; entre outros que
enriqueceram esta pesquisa. Diante do que foi exposto, pretendo assim levar a
discussão de que é necessário falarmos sobre sexualidade não como algo
impróprio e recluso, mas como uma etapa importante na socialização dos
indivíduos e na conquista de uma sociedade mais justa e igualitária.
Palavras-chave: Adolescente. Juventude. Acolhimento. Sexualidade.
ABSTRACT
This writing aimed to understand the experiences of sexuality for teens / young
welcomed, considering, legislation and history on institutional care and well as
welcomed own and staff that make up the Home Unit realize this process in the
lives of teens / young people. The methodology addressed here was to
approach a qualitative perspective, therefore, that prospect closer to social
problems and guide us to cast a view to reality, urging us to give answers to this
medium. This work was present the descriptive approach, which aimed to clarify
and detail the experience of sexuality for teens welcomed and this was only
possible due to data collection, which was carried through unstructured
interviews. To support the analysis resulting from the survey data, we use as
references both the laws and statutes relating to adolescence and youth, as
well as the authors Foucault and blond, with regard to sexuality; among others
that have enriched this research. Given what was found, so plan to take the
discussion that is necessary talk about sexuality not as something improper and
reclusive, but as an important step in the socialization of individuals and
achieving a more just and egalitarian society.
Keywords: Teen. Youth. Hosting. Sexuality.
9
1 INTRODUÇÃO
Em 5 de outubro de 1988, é promulgada a Constituição Federal, da
República Federativa do Brasil, sendo a sétima Constituição anunciada no país
desde a independência; esta vem ladeada de gritos por liberdade e
proclamadora de direitos, por isso sendo considerada como a Constituição
Cidadã.
Em seus 245 artigos, entre diversos capítulos e títulos, um nos
chama atenção, por incluir, quando antes tinha sido sequer tolerado discutir no
nosso país, a existência da garantia dos direitos de criança e adolescentes,
precisamente no artigo 227; quando se declara que:
é um dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança
e ao adolescente, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à
educação ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de
colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL,1988).
Doze anos depois, é promulgado, na intenção de assegurar os
direitos e deveres de crianças e adolescentes, em 13 de julho de 1990, o
Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, o qual é publicado tornando-se
uma legislação com o intuito de definir e garantir o desenvolvimento desse
público.
Contudo, ao mesmo passo em que nossa legislação dá saltos em
assegurar direitos para os jovens, o crescimento de instituições para abrigar
jovens surge na mesma proporção: em um Levantamento Nacional das
Crianças e Adolescentes em Serviços de Acolhimento elaborado pela
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e pela Secretaria Nacional de Assistência
Social (MDS/Brasil), entre 2009 e 2010, constatou-se que: no Nordeste, o
Serviço de Acolhimentos Institucional, com tempo de funcionamento entre
dezesseis a vinte anos é de 11.7% no total de 264 Unidades pesquisadas. No
Sudeste esse número é de 7,8% com tempo de funcionamento entre dezesseis
a vinte anos, no total de 1.419 Unidades pesquisadas.
O Estatuto da Criança e Adolescente (1990), ao longo dos seus
artigos, expõe como e por quanto tempo crianças e adolescentes devem
permanecer nestes programas de acolhimento, no artigo 19, inciso 2º, define
10
que uma criança ou adolescente só poderá passar dois anos nesta situação,
caso esse tempo seja extrapolado, a justificativa deve vim por meio de uma
ordem judicial. Porém, o que vemos é um número exorbitante de crianças e
adolescentes nesta situação. É o que mostra os dados (2012) do Cadastro
Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), assegurados pelo
Conselho Nacional da Justiça (CNJ) no qual aproximadamente 37.240 crianças
e adolescentes vivem acolhidos.
Esta pesquisa, no entanto, não tratará de buscar explicações para
este fenômeno da questão social, mas sim buscará entender como os
adolescentes que vivem em uma situação de acolhimento vivenciam sua
sexualidade, pois estando entre muros institucionais, guardados por regras,
normas e ordem judiciais, a dúvida presente nesta pesquisa é de como essa
parte do nosso desenvolvimento humano é vivida por eles, e essa dúvida
surgiu-me no período entre os meses de agosto de 2012 a novembro de 2013,
quando cumprindo estágio supervisionado, como cadeira obrigatória da
Faculdade Cearense, pude vivenciar e observar a vida de adolescentes que ali
se encontravam. Estes adolescentes tinham histórias de vidas dramáticas,
violentas e viviam ali por meio de ordem judicial, alguns jamais retornariam
para o seio da família biológica.
Nas primeiras semanas de estágio na Unidade, foi-me designada
conhecer sobre a Política Nacional de Assistência Social – Institucional
(PNAS), e depois conhecer um pouco sobre aqueles acolhidos, qual foi o
choque que levei logo após minha supervisora apresentar-me aquelas crianças
e adolescentes, eles me abraçavam e beijavam como se eu fosse uma parente
próximo ou uma amiga querida, e percebi que essas demonstrações de carinho
eram comoventes e ao mesmo tempo me levavam a uma reflexão de como
essas crianças e adolescentes demonstravam ser vulneráveis e carentes de
amor.
Com um ano convivendo e aprendendo neste espaço institucional,
pois estava finalizando a cadeira de estágio supervisionado e para tanto era
necessário elaborar um projeto de intervenção na instituição que estagiava,
pus-me a refletir sobre tudo que vivenciei e observei neste tempo, e cheguei à
conclusão de que, diante de várias regras, normas, obrigações escolares,
passeios, e conversas com os adolescentes me levaram a elaborar oficinas
11
socioeducativas voltadas ao tema diversidade sexual 1, pois ora um dos
maiores impasses e diversas rodas de conversas com os adolescentes tinha
como pano de fundo o tema sexualidade.
Assim, este Trabalho de Conclusão de Curso nada mais é do que a
continuação de um projeto que me levou a refletir sobre como adolescentes
vivenciam a sexualidade dentro de uma unidade de acolhimento; desse modo
pretendo analisar a vivência de sexualidade dos jovens porque eles eram os
que mais tinham facilidade e vinham conversar comigo sobre o assunto. Aqui
abordarei, também, a visão de três funcionários sobre a vivência da
sexualidade dentro da unidade, e a abordagem com eles se deu pelo motivo de
estes últimos serem os mais receptíveis ao diálogo e às mudanças.
O primeiro capítulo esclarecerá o qual a metodologia usada na
presente pesquisa; o que é unidade de acolhimento; onde se localiza a
pesquisa e os sujeitos da pesquisa. O segundo capítulo tratará sobre
acolhimento institucional no Brasil e no Ceará; sobre acolhimento e a definição
de ―panoptismo‖; e sobre as definições de sexualidade juvenil. Por fim o
terceiro capítulo tratará das análises das entrevistas.
1
Um tema com várias definições que vai para além da relação sexual; envolve relações
sociais, culturais, nacionalidades, pertencimentos de grupos, entre outros fatores. Porém em
uma abordagem rápida pode ser entendida como: ―Diversidade - São as distintas
possibilidades de expressão e vivência social das pessoas, dadas por aspectos de orientação
sexual, gênero, sexo, faixa etária, raça/cor, etnia, pessoa com deficiência, entre outros‖. Por
Kelly Kotlinski, Diretora executiva e Assessora em Gênero e Direitos Humanos - Coturno de
Vênus. Ativista lésbico-feminista, Graduanda do curso de Gestão em Políticas Públicas da
UNIEURO-Brasília. Co-coordenadora do Fórum de Mulheres do Distrito Federal, fórum ligado à
Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB).
12
2 CAPÍTULO I
2.1 Passo a Passo: A Metodologia da Pesquisa
Acerca do que venho discutindo, na intenção de analisar a vivência
da sexualidade dos acolhidos, a escolha da opção metodológica do presente
trabalho direciona-se para uma abordagem qualitativa, pois ela tem significativa
aproximação com a realidade social e as ciências sociais. A pesquisa
qualitativa situa, geralmente, sua contribuição à pesquisa social na renovação
do olhar lançado sobre os problemas sociais e sobre os mecanismos
profissionais e institucionais de sua gestão. Visando à modificação da
percepção dos problemas e também da avaliação dos programas e serviços.
(GROULX, 2010, p. 96).
Sendo a pesquisa qualitativa uma ―argamassa‖ que
Envolve o estudo do uso e a coleta de uma variedade de materiais
empíricos- estudo de caso; experiência pessoal; introspecção; história
de vida; entrevistas, artefatos; textos e produções culturais; textos
observacionais, históricos, interativos e visuais – que descrevem
momentos e significados rotineiros e problemáticos na vida dos
individuo (DENZIN E LINCOLN, 2006, p. 17).
Nada mais claro que fazer uso dessa abordagem para realizar minha
pesquisa social, a qual será uma pesquisa descritiva que visa detalhar e
esclarecer como os adolescentes acolhidos compreendem a sexualidade,
sendo assim minha coleta de dados será em campo. Segundo Beaud e Weber:
A pesquisa de campo não se parece em nada com o exercício escolar.
[...] Ela supõe o emprego de certo número de ―qualidades pessoais‖,
aquelas de que se precisa em qualquer relação social um pouco
imprevista como, por exemplo, a capacidade de entrar em relação com
pessoas desconhecidas pertencentes a outros meios sociais [...] A
principal dessas qualidades é o interesse por outrem ou a curiosidade
que cada um manifesta de acordo com seu próprio temperamento; o
essencial é que isso seja visível e que se estabeleça um contato com
os pesquisados (2007, p. 22).
No decorrer da execução da pesquisa, a coleta de dados se refere,
segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 165), ―a uma etapa da pesquisa em que
se inicia a aplicação dos instrumentos elaborados e das técnicas selecionadas,
a fim de se efetuar a coleta dos dados previstos‖.
13
Com vários métodos e procedimentos acerca do levantamento de
dados, a opção escolhida no presente trabalho dera-se pelo método de
entrevistas que consiste em:
A entrevista é um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma
delas obtenha informações a respeito de determinado assunto,
mediante uma conversação de natureza profissional. É um
procedimento utilizado na investigação social, para a coleta de dados
ou para ajudar no diagnostico ou no tratamento de um problema social
(MARCONI E LAKATOS, 2003, p.195).
Assim a entrevista é necessária neste trabalho, pois será a partir dos
dados dela eu que retirarei as informações necessárias para a minha pesquisa,
já que para MARCONI e LAKATOS (2003, p. 196) ―Alguns autores consideram
a entrevista como o instrumento por excelência da investigação social‖.
Apropriar-me-ei assim de um dos objetivos que consiste o método
de entrevista, que será aquele que dispõem definições ou explicações, sobre
opiniões de determinados fatos, ou seja, conhecer o que as pessoas pensam
sobre determinado assunto.
Existe, pois, vários tipos de como se fazer uma entrevista, contudo
usarei o método da entrevista despadronizada ou não estruturada (MARCONI e
LAKATOS, 2003, p. 197) que consiste em perguntas abertas, que deixam o
participante livre para responder e dependendo da situação ou momento podese mudar de caminho na entrevista.
2.2 Vivência e Observação: Unidade de Acolhimento
Em 2009 foi lançada uma cartilha: Orientações técnicas: serviços de
acolhimento para crianças e adolescentes, que traz o significado de
acolhimento como sendo: ―Um espaço de proteção provisório e excepcional,
destinado a crianças e adolescentes privados da convivência familiar e que se
encontram em situação de risco pessoal ou social ou que tiveram seus direitos
violados‖ (BRASIL, 2009). Definição esta que encontra-se disposta no artigo
101, inciso 1º, do Estatuto da criança e adolescente, ECA: ―O acolhimento
institucional e o acolhimento familiar são medidas provisórias e excepcionais
[...]‖.
14
Desse modo, esse espaço de proteção e medida refere-se a
indivíduos ou famílias com relações afetivas rompidas, o serviço de
acolhimento tende então a oferecer privacidade, moradia, integridade física e
psicológica e etc. Todos esses serviços são prestados pela Proteção Social
Especial (PSE) desde 2012, que se destina aos sujeitos ou grupos familiares,
cujos direitos foram violados ou sofrem violência de alguma forma. A PSE atua
de forma a proteger o ser humano; suas ações podem ser tidas como alta ou
media complexidade, sendo o acolhimento institucional de alta complexidade,
pois as crianças ou adolescentes acolhidos passaram por situações de
violência física, psicológica, sexual, abandono, maus-tratos, exploração, entre
outras violações de direitos.
O acolhimento institucional pode vir a ser de cunho público-estatal,
organização não governamental, ou entidades filantrópicas, com participação
do Estado, garantidas por leis como: Estatuto da Criança e do Adolescente,
Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, Política Nacional de
Assistência Social. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistencial e pelo
Ministério do Desenvolvimento social e Combate à Fome (SOUZA, 2012).
O acolhimento institucional é a forma de proteção do Estado que se
faz necessária, muitas vezes, para a criança ou adolescente, para que estes
não venham sofrer com violências que prejudique sua integridade física e
psicológica, cometida, geralmente, nos espaço familiar.
No país, existem 51,3% de Unidades de acolhimento referentes à
proteção a crianças e adolescentes; em 5.565 municípios, existem 1.517
unidades de acolhimento institucional, quantidades pequenas segundo o Censo
SUAS, sendo que sua maioria se encontra localizadas nas áreas urbanas, com
um total de 94,7% das Unidades (BRASIL, 2012.)
As porcentagens de Unidades de acolhimento por região são:
sudeste, com 52,1%, sul, com 22,9%, nordeste, com 12,1%, centro-oeste com
9,1% e norte, com 3,7% das Unidades, verifica-se a região norte é a com
menor porcentagem, ou seja,
muitas crianças e adolescentes ficam
desamparadas por esse serviço. (BRASIL, 2012).
Quanto ao tipo de Unidades de acolhimento, a porcentagem maior é
do acolhimento institucional para criança e adolescentes com 69,4%, sendo
que 30,7% das outras Unidades dividindo-se por: casa lar, casa lar em aldeia,
15
casa de passagem, republica, residência inclusiva e outros. Estas Unidades de
acolhimento dividem-se por Unidades não governamentais com 66,4% (no total
de 2.897 equipamentos), governamentais municipais com 31,8% (no total de
1.388 equipamentos) e governamentais estaduais com 1,7% (no total de 75
equipamentos). Dados estes todos, do Censo SUAS de 2012 (BRASIL, 2012).
Em uma dessas Unidades de acolhimento, tive minha primeira
aproximação com o objeto de estudo desta pesquisa; como dito anteriormente,
por ocasião da cadeira de estágio supervisionado do curso de Serviço Social
da Faculdade Cearense, comecei um estágio na Unidade Professor Elias
Cavalcante de Andrade e lá me deparei com adolescentes acolhidos. Os
adolescentes eram mais comunicativos e dialogavam mais comigo, lembro-me
de uma conversa que tive com eles certa manhã quando estávamos sentados
na área de um dos chalés da unidade: - Tia Kelly, ele (apontando para um dos
adolescentes) pega o C.S por trás. Logo a declaração foi seguida por risos e a
negação por parte dos ―acusados‖ na história. Na maioria das vezes, as
conversas dos adolescentes giravam em torno da sexualidade, e isso foi
gerando curiosidade em mim.
Na primeira oficina sobre sexualidade e a orientação sexual2, que fiz
no projeto de intervenção, os adolescentes que participaram disseram que
esses temas nunca tinham sido abordados, e os adolescentes não sabiam o
que realmente queria dizer orientação sexual ou diversidade sexual, enfim
percebi que se o tema sexualidade fosse abordado em um diálogo aberto a
opiniões, nas rodas de conversas frequentes que existe na instituição, o
respeito à integridade e à dignidade do outro seria mais fácil de ser instaurada.
2.3 Elias Cavalcante de Andrade: O Local da Pesquisa
Em Maracanaú-Ce, a mais ou menos 33 km de distância de
Fortaleza-Ce, na localidade de Mucunã-Ce, em uma parte rural da cidade,
localiza-se a Sociedade para o Bem-Estar da Família e nas suas dependências
abrigando vinte e duas crianças, até o fechamento desta pesquisa, localiza-se
2
Orientação sexual, segundo o manual de comunicação LGBTT, definisse como a capacidade
de sentir emoção, atração sexual e afetiva por pessoas do mesmo sexo, sexo diferente ou por
mais de um gênero. Disponível em: <http://www.abglt.org.br/docs/ManualdeComunicacaoLGBT
.pdf>.
16
a unidade de acolhimento Elias Cavalcante de Andrade, aqui trataremos
justamente de conhecer um pouco mais sobre este espaço.
A Sociedade Para o Bem-estar da Família, Sobef, foi criada em 20
de fevereiro de 1989, em Guaiúba-Ce, primeiramente com o nome de
Sociedade para o Bem-Estar da Família Guaiubana, com a finalidade da
diminuição da mortalidade infantil. O papa João Paulo II reconheceu-a como
entidade católica e concedeu uma ―Benção Apostólica‖ a todos que a
compunha.
A
internacionais
entidade
para
o
recebe
auxílio
cumprimento
de
de
organizações
suas
atividades
nacionais
voltadas
e
ao
desenvolvimento humano, tendo em 1992 recebido o registro do Conselho
Nacional de Assistência Social, CNAS. Porém foi apenas em 1994 que
realmente adotou o nome que hoje têm.
A Sociedade Para o Bem-estar da Família foi idealizada por Cleilson
Martins Gomes3 idealizador e ex-presidente da instituição; o qual dividiu a
instituição em três Unidades:
 CEI – Laura Gomes da Costa, que foi inaugurada em 17 de
março de 1996 e atende crianças de um ano e seis meses a três anos e onze
meses, bem como suas famílias residentes em Guaiúba-Ce, com intuito de
desenvolver habilidades cognitivas das crianças, alfabetização, reforço
alimentar, inclusão produtivas para a família e educação infantil.
 Pólo de Atendimento Cleilson Martins Gomes, que foi
inaugurado em 10 de outubro de 2007, atendendo crianças e adolescente de
sete a dezessete anos de idade, bem como suas famílias residentes do bairro
Mucunã-Ce,
com
o
intuito
de
realizar
atividades
socioeducativas,
como: Escolinha de Futebol, Curso de Informática/Inclusão Digital, Escola de
Dança e Sala de Leitura, visando a sua inserção na sociedade e no mercado
de trabalho, bem como no desenvolvimento de relações familiares e
comunitárias.
3
Graduado Bacharel em Teologia pela Faculdade Internacional, concluiu os estudos em
Abreviaturas Braille, pela The Henley School for The BLIND, de Illinois, Estados Unidos tendo
militado na execução e assessoramento de Políticas Sociais e aprimoramento nesta área por
cursos, bolsa e capacitações em parcerias com a Unicef, BEMFAM, CPAIMC (Salvador - BA),
bem como participou de eventos na representação de Ongs e na militância da Política de
Assistência no Brasil.
Ao nos deixar, estava na presidência do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente de Guaiúba (COMDICA) e do Conselho Estadual de Assistência Social – CEAS.
Iniciou o curso de Serviço Social em 2007, tendo cursado quatro semestres. Faleceu na noite
de 17 de Março de 2009, dia em que se comemorava o aniversário de emancipação do
município de Guaiúba (www.sobef.org.br.).
17
 Instituto Professor Elias Cavalcante de Andrade, que foi
inaugurado em 28 de dezembro de 2012, atendendo vinte crianças e
adolescentes com idades de sete a dezessete anos de Maracanaú-Ce e de
Fortaleza em situação de vulnerabilidade social4 e que precisam de
acolhimento institucional, bem como estabelece a Política de Assistência Social
(PNAS) e pelo Sistema Único de Assistência SUAS. O trabalho desenvolvido
na Unidade é voltado para a reintegração dessas crianças e adolescentes à
sociedade, com educação, saúde, lazer, cultura, alimentação e vestuário. O
Instituto conta com equipe multidisciplinar com: Assistente Social; Psicóloga;
Educadores Sociais; Cozinheira;
Auxiliares de serviços gerais;
Motorista;
Professora de Reforço Escolar;
Auxiliar Administrativo, conta ainda com
estrutura de 5 chalés com 2 quartos cada, 1 Sala para ―Fortalecimento do
Ensino Formal‖, 1 brinquedoteca, 1 refeitório, 1 campo de futebol society, 1
sala para coordenação, 1 cozinha com despensa, 1 almoxarifado, 1 lavanderia.
Foi neste instituto que ocupa as dependências da Sociedade Para o
Bem-Estar da família, que fica localizada no Bairro Mucunã-CE, em
Maracanaú-Ce, que desenvolveu-se a presente pesquisa. Desde janeiro de
2014, a prefeitura de Maracanaú-Ce assumiu a responsabilidade de coordenar
a instituição que acolhe em suas dependências vinte e duas crianças entre
doze e dezesseis anos de idade.
Segundo a coordenadora da Proteção Social Especial, Andrea
Esmeraldo Câmara5, foi necessária a intervenção do Município de MaracanaúCE na gestão da Unidade:
A SOBEF sempre teve convênio regionalizado, em torno da localidade,
com Pacatuba, Fortaleza, Guaiúba... o Estado dando suporte. Com o
tempo foi perdendo-se convênio, já que a coordenação da instituição
estava implantando maiores projetos no Polo de atendimento Cleilson
Martins Gomes, e como o polo configura-se como uma Política de
Proteção Básica e o abrigo como uma Política Social Especial, a
instituição não poderia concorrer a projetos e editais por apresentar
duas modalidades de Proteção.
Em setembro de 2013, a SOBEF enviou um documento a Prefeitura de
Maracanaú-CE e ao Poder Judiciário emitindo o fim da Unidade de
Acolhimento; o Poder Judiciário mandou a imediata transferência das
Crianças e Adolescentes Acolhidos para outras Unidades, logo o
4
Sobre vulnerabilidade social não há um definição concreta, contudo a PNAS aponta que
alguns fatores são causadores da mesma, como: pobreza, violência, negligência, problemas
discriminatórios e outros mais . Ver mais em:
<http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/protecaobasica/Orientacoes%20Tecnicas%20sobre%
20o%20PAIF%20-%20Tipificacao.pdf/view>. Acesso em: 24 set. 2014,11:00:00.
18
Governo do Estado foi acionado, pois havia crianças e adolescentes de
outras regiões do Ceará.
A Prefeitura começou uma negociação com o Governo do Estado para
a Unidade continuar a funcionar, o Governo então se comprometeu a
repassar recursos financeiros à instituição SOBEF, mas mesmo assim
a instituição não queria ter seus colaboradores à frente do abrigo,
então a Prefeitura de Maracanaú-CE assumiu a parte de Gestão, a
parte Técnica e a Realização de Convênios possibilitando a
permanência da Unidade, pois a Prefeitura entendeu que as Crianças e
Adolescentes ali Acolhidos sofreriam com Transferências e Mudanças
de Localidade (INFORMAÇÃO VERBAL6)
Em janeiro de 2014, a Prefeitura assumiu a instituição e tem o
compromisso até 31 de Dezembro de 2014 para com a Unidade; A
coordenadora informou ainda que a Prefeitura esta em negociações com o
Governo do Estado para a permanência da Unidade, porém no momento não
tem como afirmar nenhuma posição.
Alguns dessas vinte e duas crianças e adolescentes, já passaram
mais de uma década nas dependências da unidade, ou seja, infância e
adolescência foram vividas e estão sendo vividas de forma institucional, de
alguma forma aprisionada e será nesse contexto que nosso objetivo se faz
presente no intuito de analisar de que forma a sexualidade é vivida neste
espaço.
Durante meu estágio, vi muitos adolescentes se rebelaram por
estarem vivendo acolhidos, muitos não compreendem o porquê de terem sidos
violados em seus direitos e de se encontrarem naquela situação, contudo de
forma visual e, por vezes explosiva, isso era perceptível, de modo que, em sua
maioria, os adolescentes não aceitavam o fato de terem tantas regras para seu
desenvolvimento, lembro-me de uma conversar com alguns meninos da
unidade, quando estávamos assistindo um canal de esporte:
— o jogo do Ceará vai ser esse final de semana, eu vou! É diferente
assistir o jogo de dentro do estádio.
— Tia, a senhora vai a jogos?! (os adolescentes me olhavam
perplexos).
— Vou! Acho legal! Gosto de ir a estádios.
— Nós nunca fomos em um... me leva, tia, prometo que não saio de
perto da senhora.
— Eu não tenho autorização de levá-los para lugar nenhum, bem que
gostaria, vocês iriam amar, é divertido, mas não posso, não faço
parte da família acolhedora e não tenho autorização...não posso. –
ooh tia... égua a gente não pode sair daqui!
6
Entrevista concedida em 7 de setembro de 2014, às 09:00h da manhã.
19
Eles sabiam que eu não poderia levá-los, mas sempre que se
interessavam por algo pediam-nos para levá-los, contudo só os indivíduos que
faziam parte do programa Família Acolhedora é que tinham autorização para
levá-los da Unidade nos finais de semana, feriados e férias. O programa tem
como finalidade oferecer há essas crianças e adolescentes afastados da
família biológica uma reaproximação familiar com intuito de criar laços afetivos
e comunitários, bem como:
cuidado individualizado da criança ou do adolescente, proporcionado
pelo atendimento em ambiente familiar; a preservação do vínculo e do
contato da criança e do adolescente com a sua família de origem, salvo
determinação judicial em contrário; o fortalecimento dos vínculos
comunitários da criança e do adolescente, favorecendo o contato com
a comunidade e a utilização da rede de serviços disponíveis;a
preservação da história da criança ou do adolescente, contando com
registros e fotografias organizados, inclusive, pela família acolhedora; e
preparação da criança e do adolescente para o desligamento e retorno
à família de origem, bem como desta última para o mesmo.
permanente comunicação com a Justiça da Infância e da Juventude,
informando à autoridade judiciária sobre a situação das crianças e
adolescentes atendidos e de suas famílias (Plano Nacional de
Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à
Convivência Familiar e Comunitária- Brasília/DF Dezembro de 2006).
Contudo, o programa Família Acolhedora, que deveria estar
presente em todas as Unidades de Acolhimento, não deve ser comparado com
uma adoção:
É uma modalidade de acolhimento diferenciada, que não se enquadra
no conceito de abrigo em entidade, nem no de colocação em família
substituta, no sentido estrito. As famílias acolhedoras estão vinculadas
a um Programa, que as seleciona, prepara e acompanha para o
acolhimento de crianças ou adolescentes indicados pelo Programa.
(PLANO NACIONAL DE PROMOÇÃO, PROTEÇÃO E DEFESA DO
DIREITO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES À CONVIVÊNCIA
FAMILIAR E COMUNITÁRIA, 2006).
2.4 Interlocutores e Critérios: Os Sujeitos da Pesquisa
Um dos primeiros critérios que usei para entrevistar os adolescentes
acolhidos foi o fator idade; para se entender quem é adolescente como bem
explica o Estatuto da Criança e Adolescente, ECA: ―[...] adolescente aquele
entre doze e dezoito anos de idade‖. Portanto, na Unidade Elias Cavalcante de
Andrade, existem dezenove adolescentes, sendo treze adolescentes do sexo
masculino, com idades entre doze a dezesseis anos de idade, havendo entres
20
eles adolescentes de etnia branca, negra e com tempo de permanência na
Unidade variado.
Por que entrevistar os meninos e não meninas? Os meninos sempre
foram mais comunicativos e sempre conversavam mais abertamente sobre sua
sexualidade, portanto acreditei ser mais cômodo fazê-los sujeitos da minha
pesquisa. Sendo que ao longo da história entre homem e mulher, o ser
masculino é sempre posto como aquele que deve ter maiores tendências
sexuais, como o ser “coragem e viril‖ (CECCARELLI, 1998), portanto neste
trabalho tentarei verificar como a sexualidade é vivida para jovens do sexo
masculino nesta sociedade em que:
O trajeto que leva o menino da posição masculina à masculinidade resultado de um longo percurso que se constrói em um espaço político
e social, através de diversos rituais e provas de iniciação – é
extremamente complexo, e o fantasma de não a alcançar é uma
presença constante (1998, p. 49-56).
Nossos jovens são ensinados desde cedo a terem a masculinidade
como essência de suas características, contudo a definição de masculino ou
feminino deveria aplicar-se apenas em características biológicas e não supor
ou tendenciar a identidades sexuais.
Paulo Roberto Ceccarelli, psicólogo e psicanalista, em seu artigo A
Construção da Masculinidade, tenta nos explicar como essa masculinidade
vem sendo definida ao longo da história:
poucas palavras condensam conteúdos tão pesados e tão difíceis de
precisar quanto masculino e feminino. Falar, como se faz
frequentemente, em ―características femininas‖, como a graça, ou
―masculinas‖, como a coragem, é ater-se a definições tautológicas,
limitadas a um sistema binário que repete indefinidamente, ainda que
de formas variadas, as mesmas cópias (1998, p. 49-56).
[...]
Isto se torna particularmente claro nos adolescentes: entre os meninos
é comum a fantasia de que se um deles tem na relação homossexual o
papel passivo, é ―mulher‖; entre as meninas, a homossexual não é
comparada a um homem. A distinção entre duas modalidades
identificatórias que frequentemente aparecem superpostas pode ajudar
na compreensão desta dinâmica: de um lado, o sentimento que se
estabelece bem cedo e que se traduz por: ―eu sou menino‖ ou ―eu sou
menina‖; de outro lado, o sentimento, bem mais complexo, cuja
dinâmica só se completará na adolescência, que se traduz por ―eu sou
7
masculino‖ ou ―eu sou feminina (1998, p. 49-56).
7
‖.In Percurso, São Paulo, Vol. 19, p. 49-56, 1998.
21
Assim, entrevistei quatro adolescentes, jovens rapazes com idades
entre quinze e dezessete anos: negros, estudantes do ensino fundamental e
médio; dois deles fazem cursos profissionalizantes. Entrevistei também três
funcionários, aqueles que ao longo do meu estágio aparentaram ser mais
receptíveis ao diálogo, na intenção de verificar como eles pensam a respeito da
discussão e vivência de sexualidade para os jovens acolhidos.
Estas entrevistas foram gravadas, com a permissão e assinatura do
termo de livre esclarecimento, pela da coordenadora da Unidade, por se
tratarem de adolescentes em poder judicial, contudo no momento que
entrevistava os adolescentes deixava claro para os mesmos que logo após a
transcrição das entrevistas, o conteúdo seria apagado e os funcionários
entrevistados também assinaram um termo de livre esclarecimento, bem como
a mesma explicação passada aos adolescentes; as entrevistas foram
realizadas de forma individual, em uma das salas da Unidade de acolhimento,
com duração mínima de quinze minutos.
Por fim, essas entrevistas serão então comparadas, analisadas
sobre o ponto de vista de todos os interlocutores, da forma que no final desta
discussão-reflexiva seja possível apreender sobre como a vivência da
sexualidade
contribui
adolescentes acolhido.
para
o
desenvolvimento
social
e
psíquico
de
22
3 CAPÍTULO II
3.1 Acolhimento Institucional no Brasil: Processo Histórico de Acolher.
Ao tratarmos do início da história de atendimento a crianças e jovens
abandonados, no Brasil, nos deparamos com práticas ligadas à Igreja Católica
e poucas políticas públicas voltadas a esta questão, é o caso da roda dos
expostos ou roda dos excluídos, criada no século XX, definida como ―primeiro
programa de assistencialismo a criança‖ (MARCILIO, 1997), funcionava como
uma assistência a mães que não poderiam criar seus filhos, abandonados.
Assim, geralmente nas Santas Casas de Misericórdia, eram deixados em um
compartimento fixado na parede das Santas casas e acionado por uma
campainha para que uma freira viesse rodá-lo e pegar a criança (práticas
relatadas nas Santas Casas de Misericórdia de São Paulo, Rio de Janeiro e
Salvador).
Com o passar dos anos, essa prática de atender as crianças
abandonados foi sendo extinta, pois as Santas Casas de Misericórdia não
tinham mais recursos para atendê-los, nesse momento a forma de praticar
assistência aos menores passou por uma reformulação de ideologia, mediante
a qual o Poder Público se inseriu como responsável perante a estes indivíduos
(MARCILIO, 1997). De maneira que, em 1927, é promulgado o Código Juiz de
Melo Matos, conhecido como Código de Menores, segundo o qual a
preocupação não era atuar sobre o que levava a famílias abandonarem suas
crianças e jovens, ou tão pouco protegê-los, mas sim ser simplesmente
intervencionista.
Alguns dos artigos8 do Código de 1927 9(Decreto lei nº 17.943 A de
12 de outubro de 1927) nos sujeitam a reflexões:
Art. 2º Toda creança de menos de dous annos do idade entregue a
criar, ou em ablactação ou guarda, fóra da casa dos paes ou
responsaveis, mediante salario, torna-se por esse facto objecto da
vigilancia da autoridade publica, com o fim de lhe proteger a vida e a
saude.
8
Trechos reproduzidos conforme as convenções linguísticas da Língua Portuguesa vigente na
época. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DPL/DPL5083im
pressao.htm>.
9
Revogado pela Lei nº 6.697, de 1979.
23
Art. 3º Essa vigilância comprehende: toda pessoa que tenha uma
creança lactante ou uma ou varias creanças em ablactação ou em
guarda, entregue aos seus cuidados mediante salario; os escriptorios
ou agentes de informações que se occupem de arranjar collocação a
creanças para criação, ablactação ou guarda (BRASIL, 1926).
Destarte, as crianças e jovens abandonados tinham neste código a
primazia de esta em constante vigilância, d acordo com o cuidado era voltado
não ao desenvolvimento humano ou a proteção e garantia de direitos, mas sim
em como estes indivíduos cresceriam sob o olhar da autoridade pública ,ou
seja, era um código voltado apenas a intervir e não procurar soluções contra as
situações de abandono.
Alguns anos mais tarde é criado o Serviço de Assistência ao Menor,
em 1941, que se volta mais a sistema de repreensão contra o jovens do que à
proteção:
Art. 1º O Instituto Sete de Setembro, criado pelo decreto nº
21.548, de 13 de junho de 1932, e reorganizado pelo decreto-lei
n. 1.797, de 23 de novembro de 1939, fica transformado em
Serviço de Assistência a Menores (S. A. M.), diretamente
subordinado ao Ministro da Justiça e Negócios Interiores e
articulado com o Juízo de Menores do Distrito Federal.
Art. 2º O S. A. M. terá por fim:
a) sistematizar e orientar os serviços de assistência a menores
desvalidos e delinquentes, internados em estabelecimentos
oficiais e particulares;
b) proceder à investigação social e ao exame médicopsicopedagógico dos menores desvalidos e delinquentes [...]
Em 1979, é criado um novo Código de Menores, ao contrário das
leis anteriores o código sistematiza que é necessário criar centros educacionais
voltados a estas crianças e jovens abandonados, contudo a ideia de situação
irregular e de repressão contra jovens e crianças abandonados continua
presente neste período.
Decreto Lei nº 6.697 de 10 de outubro de 1979:
Art. 9º As entidades de assistência e proteção ao menor serão
criadas pelo Poder Público, segundo as diretrizes da Política
Nacional do Bem-Estar do Menor, e terão centros especializados
destinados à recepção, triagem e observação, e à permanência
de menores.
§ 1º O estudo do caso do menor no centro de recepção, triagem
e observação considerará os aspectos social, médico e
psicopedagógica, e será feito no prazo médio de três meses.
24
§ 2º A escolarização e a profissionalização do menor serão
obrigatórias nos centros de permanência.
Até então o menor abandonado era visto como uma criança ou
jovem sem direitos, em razão do que esse processo de desenvolvimento
humano na fase da adolescência não era levando em consideração, e o Poder
Público tinha a obrigação de vigiá-lo e repreender, situação esta que mudará
apenas com o advento da Constituição Federal de 1988, a qual, pela primeira
vez, falará em proteção a estes indivíduos:
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocálos a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
Contudo,
é
apenas
em 1990
que
estes
indivíduos serão
assegurados e terão seus direitos e deveres garantidos em lei com a
promulgação do Estatuto da Criança e Adolescente, ECA. Esta legislação tem
como princípio norteador que a criança e adolescente são pessoas em
processo de desenvolvimento, portadores de direitos e merecem proteção
integral (ECA,1990).
O ECA(1990) também estabelece a política de Acolhimento
Institucional e define os sujeitos para cada modalidade, até então crianças e
jovens em centro educacionais eram vistos como infratores de alguma regra,
(não havia a distinção clara entre menores infratores e vitimas de violência ou
negligencia), No artigo 90 do estatuto esclarece, que:
As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das
próprias unidades, assim como pelo planejamento e execução de
programas de proteção e sócio-educativas destinados a crianças e
adolescentes, segue então dos seus incisos primeiro ao sétimo as
recomendações para estas unidades em regime de: inciso primeiro:
Orientação e apoio sócio- familiar; inciso segundo: Apoio sócioeducativo em meio aberto; inciso terceiro: Colocação familiar; inciso
quarto Acolhimento institucional; inciso quinto Liberdade – Assistida;
inciso sexto: Semi-liberdade e por fim inciso sétimo internação (ECA,
1990).
Estabelece ainda quando as medidas de proteção são aplicadas a
crianças e adolescentes no seu artigo 98, quando esclarece que
25
As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis
sempre que os direitos reconhecidos nesta lei forem ameaçados ou
violados: I por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II por
falta, omissão ou abuso dos pais e responsáveis; III em razão de sua
conduta (ECA, 1990)
Ainda segundo o ECA (1990), as entidades de acolhimento
institucional devem seguir princípios visando o desenvolvimento desses
indivíduos, tais como, afirmados no artigo 92:
I preservação dos vínculos familiares e promoção da reintegração
familiar; II integração em família substituta, quando esgotados os
recursos de manutenção na família natural ou extensa; III
atendimento personalizado e em pequenos grupos; IV
desenvolvimento de atividades em regime de co-educação; V não
desmembramento de grupo de irmãos; VI evitar, sempre que
possível, a transferência para outras entidades de crianças e
adolescentes abrigadas; VII participação na vida da comunidade
local; VIII preparação gradativa para o desligamento; IX participação
de pessoas da comunidade no processo educativo.
Segundo o Levantamento Nacional das Crianças e Adolescentes em
Serviços de Acolhimento elaborado pela Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) e
pela Secretaria Nacional de Assistência Social (MDS/Brasil) entre 2009 e 2010,
estabeleceu-se que 2.624 Crianças e Adolescentes estivessem em Serviço de
Atendimento Institucional (SAI), em 1.157 municípios.
As maiores regiões apontadas com número de SAI e Crianças e
Adolescentes acolhidos foram o Nordeste com 264 SAI e 3.710 crianças e
adolescentes acolhidos e Sudeste com 1419 SAI e 21.730 Crianças e
adolescentes acolhidos.
Quanto à natureza do SAI ser governamental ou não governamental,
o Nordeste aparece com 84,8 % de instituições privadas, 15,2 % de instituição
pública no total264 Unidades pesquisadas. O Sudeste aparece com 69,6% de
instituições privadas, 30,4% de instituição pública no total 1.074 Unidades
pesquisadas.
Quanto ao sexo das crianças e adolescentes acolhidos, o Nordeste
aparece com 46,1% do sexo Feminino e 53,9% do sexo masculino no total
3.710 crianças e adolescentes pesquisados. O Sudeste aparece com 47,6% do
sexo feminino e 52,3% do sexo masculino no total de 21.730 crianças e
adolescentes pesquisados.
26
Segundo os dados (2012) do Cadastro Nacional de Crianças e
Adolescentes Acolhidos (CNCA), assegurado pelo Conselho Nacional da
Justiça (CNJ), existem atualmente no país cerca de 2.008 unidades de
acolhimento (cadastradas), na quais aproximadamente 37.240 crianças e
adolescentes vivem acolhidos.
Os dados ainda revelam que São Paulo apresenta maior percentual
de crianças e jovens acolhidos (8.485), depois aparece Minas Gerais com
(5.574), Rio de Janeiro (4.422), Rio grande do Sul com 3.802 e Paraná com
2.943. Os dados de 2012 ainda revelaram que 19.641 de crianças e
adolescentes acolhidos são do sexo masculino, quanto que 17.599 são do sexo
feminino.
Segundo o Relatório da Infância e Juventude do Conselho Nacional
do Ministério Público de 2013, foram apresentados os seguintes números
quanto aos Serviços de Acolhimento Institucional no Nordeste: 228 SAI com
capacidade de 5.429 Ceará crianças e adolescentes, no total de 3.379
atendimentos; O Ceará apareceu como portador de 32 SAI, no total de 838
crianças e adolescentes acolhidos no total de 669 atendimentos.
Sendo que, em fevereiro de 2012, o Ceará foi apontado pelo CNJ
como o terceiro do Nordeste e 11º do país em número de instituições de
acolhimento, no qual 676 crianças e adolescentes viviam nesta situação, sendo
que 359 eram acolhidos em unidades credenciadas.
A modalidade de Acolhimento Institucional segue parâmetros
regidos pela Resolução Conjunta CNAS/CONANDA10 nº 1 de 18 de junho de
200911, que estabelece:
Abrigo para pequenos grupos é uma modalidade de acolhimento
institucional onde suas características devem se aproximar de uma
residência, ser localizada dentro da comunidade e oferecer um
ambiente acolhedor, geralmente atende vinte (20) crianças e
adolescentes, com dependências separadas para meninos e
meninas; È possível nestes locais receberem crianças e adolescentes
em acolhimento emergencial, seja durante o dia ou noite, é
necessário haver um estudo sobre cada situação do acolhido e
10
Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), tem como competências: aprovar,
convocar, zelar, normatizar, regular e divulgar a política nacional de Assistência social( ver
mais na lei8742/1993). Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda)
criada em 12 de outubro de 1991 têm como competência elaborar, zelar e dá apoio há
programas, normas e políticas de atendimento a crianças e adolescentes. (ver mais a Lei nº
8242 de 12 de outubro de 1991).
11
Conselho Nacional do Ministério Público. Relatório da Infância e Juventude – Resolução nº
71/2011
27
favorecer a relação familiar e comunitária entre os mesmos; os
educadores geralmente trabalham em turnos fixos para ter uma maior
estabilidade nas rotinas e no contato com as crianças e adolescentes.
(BRASIL, 2009)
Casa-lar é uma modalidade de acolhimento institucional, na qual um
educador reside (sendo que a casa não é sua) desenvolvendo seus trabalhos
com até dez(10) crianças ou adolescentes; tende a oferecer um serviço
próximo ao ambiente familiar, levando em consideração os princípios do ECA e
visando ao fortalecimento de vínculos sociais e a reintegração da criança e
adolescente a família de origem ou substituta.
Casa de passagem é uma modalidade de acolhimento institucional,
como o próprio nome sugere, de pouca duração, na qual se realiza um estudo
da situação visando à reinserção do indivíduo à família ou a um acolhimento
institucional, é mais voltado a adultos, em vista de algum problema social.
3.2 Acolhimento Juvenil e “Panoptismo”: A Percepção do Indivíduo na
Unidade
A história de Acolhimento Institucional no Brasil vem desde os
primórdios do Código de menores de 1979 e tendo maior visibilidade e
definições com o ECA em 1990, apresentando diferentes mobilidades e
sujeitos característicos de cada Acolhimento. O que vimos foi expressivamente
o número maciço de jovens institucionalizados, isso nos faz refletir sobre o que
representa esse acolhimento juvenil.
Entretanto, antes, quero esclarecer que abordei tanto a categoria
adolescente, que compreende a faixa etária de doze a dezoito anos, enquanto
a categoria juventude/jovem que compreende a faixa etária de quinze a vinte e
nove anos de idade. Na abordagem sociológica que Abramo (1997) nos traz,
jovem ou juventude, abrange uma noção e uma categoria de análise social,
onde a vida esta passando por um período de transição, com momentos de
―socialização‖ e integração com os indivíduos que compõem sua realidade
social, sendo de fato o período em que aquele jovem se constituíra um ―sujeito
social‖ com deveres e direitos perante o restante da sociedade.
Durante algumas décadas, esse período de transição foi temido pela
sociedade brasileira, pois: ―A juventude apareceu então como a categoria
portadora da possibilidade de transformação profunda: e para a maior parte da
28
sociedade, portanto, condensava o pânico da revolução‖ (ABRAMO, 1997).
Uma vez que, para muitos, os jovens sempre estavam relacionados a algum
tipo de conflito ou problema social12, não possibilitando enxergar que esses
mesmos jovens poderiam ser criadores de direitos ou de inovações na
sociedade.
Sendo assim, recentemente, ouvimos falar sobre a criação do
Estatuto da Juventude, instituído em 5 de agosto de 2013, o qual define a faixa
etária jovem entre quinze a vinte e nove anos de idade e explicadamente
engloba, no seu artigo primeiro, inciso segundo:
Aos adolescentes com idade entre 15 (quinze) e 18 (dezoito) anos
o
aplica-se a Lei n 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança
e do Adolescente, e, excepcionalmente, este Estatuto, quando não
conflitar com as normas de proteção integral do adolescente.
Sobre este Estatuto e sua definição de juventude, Jorge BarrientosParra (2004) nos esclarece não só, que para além da definição e conceituação
de juventude abordada pela sociologia, é necessário levar em consideração os
―aspectos sociológicos, psicológicos, estatísticos, jurídicos, filosóficos, e
antropológicos (...) para uma melhor compreensão dessa categoria tão rica
quanto heterogênea‖.
Ao conversamos com esses jovens acolhidos, levando em
consideração
todas
essas
conceptualizações
sobre
esse
período
de
desenvolvimento humano, para entender o que significava acolhimento para
eles e o que representava aqueles muros, deparamo-nos com as seguintes
afirmações:
Adolescente I: ―
―[...] é minha moradia! Estou aqui há três anos, isso aqui significa
muita coisa(risos), significa que (pausa) eu vou ter que completar minha idade
e fazer estágio, e daqui que vai sair o meu futuro‖.
Adolescente II
―[...] morar aqui dentro é muito difícil (pausa) ah! porque tem que
obedecer as regras, acordar no horário certo, ah! entre outras coisas. Estou
aqui há cinco anos, acho que hoje aqui está bem melhor que no começo‖.
12
A esse respeito, ver Abramo 1997.
29
Destarte, quando analisamos a maioria dessas afirmações podemos
incluir a definição de panoptismo ou ―dispositivos disciplinares‖, maquinárias ou
espaços vigiados que tendem a observar os sujeitos que os compõem, que
Foucault nos traz, para analisarmos como é crescer por entre muros de forma
institucional: ―Esse espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus
pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores
movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos registrados‖
(FOUCAULT, 1987).
Foucault não foi o primeiro a falar sobre o panoptismo, mas sim
Jeremy Bentham, filósofo e jurista, idealizou a construção panóptica afim de
―projetar uma instituição disciplinar perfeita‖. Contudo usarei as definições de
Foucault para panoptismo por acreditar que suas análises combinam com as
afirmações e a construção física de acolhimento juvenil.
O Panóptico funciona como uma espécie de laboratório de poder.
Graças a seus mecanismos de observação, ganha em eficácia e em
capacidade de penetração no comportamento dos homens; um
aumento de saber vem se implantar em todas as frentes do poder,
descobrindo objetos que devem ser conhecidos em todas as
superfícies onde este se exerça (FOUCAULT, 1987).
Foucault descreve a figura do Panóptico como:
na periferia uma construção em anel; no centro uma torre; esta é
vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel;
a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando
toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o
interior, correspondendo ás janelas da torre; outra, que dá para o
exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta
então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um
louco, um doente, um condenado, um operário ou um escolar. Pelo
efeito da contraluz, pode-se perceber da torre, recortando-se
exatamente sobre a claridade, as pequenas silhuetas cativas nas
celas da periferia. Tantas jaulas, tantos pequenos teatros, em que
cada ator esta sozinho, perfeitamente individualizado e
constantemente visível (1987, p.165).
As análises de Foucault sobre o Panóptico casam com as
afirmações de alguns dos jovens quando estes foram indagados acerca de
como era viver no acolhimento institucional. Nas suas falas, estão presentes as
queixas às regras, normas e ao desconforto de sempre estar-se sentido
vigiados. Levando em consideração a característica da Unidade; descreverei a
primeira vez que adentrei a instituição: uma grande construção retangular
30
rodeada de árvores abriga a Instituição Sobef; Na entrada existe um
estacionamento com um chão de areia e pedrinhas, alguns passos a frente
pisos de cerâmica e duas salas: nas quais se dividem em uma sala de reuniões
e projeto e dentro da sala maior destina-se a funções pedagógicas e culturais;
ao lado dessas, salas banheiros femininos e masculinos; em frente, um campo
de futebol; atrás: salas de leituras, projetos, dança e cursos profissionalizantes,
tudo isso refere-se ao polo de lazer.
Ao sair destas salas existe um caminho curto e reto, ladeado de
flores silvestres, que nos leva ao grande muro colorido com frases e desenhos,
encravado nele um pequeno portão preto, aqui fica a unidade de acolhimento
Elias Cavalcante de Andrade: casa de vinte e três acolhidos13. Ao adentrar,
avistamos um corredor na nossa frente com várias salas (do lado esquerdo
existem três salas também): sala de reunião, sala de vídeo, almoxarifado, sala
de brinquedoteca, sala de reforço escolar, sala de atendimento individualizado,
sala da coordenação (aqui quero descrever com maiores detalhes, pois passei
grande parte do meu estágio nesta sala: é uma sala climatizada, com banheiro,
três mesas, dois computadores, uma máquina de impressão e xérox, algumas
cadeiras dispostas, um armário com livros e outros dois que geralmente
ficavam trancados - um com os prontuários dos acolhidos e documentos
oficiais da instituição e outro em que ficavam os prontuários de antigos
acolhidos e presentes - estes presentes seriam entregues nos dias do
aniversário de cada acolhido; o que eu achava de interessante reflexão, o que,
muitas vezes, levou-me a refletir. Eram as duas grandes janelas de vidro, uma
era em frente aos chalés dos acolhidos, eu não sabia se éramos nós, dali de
dentro, os observados ou eram os de fora).
Ao fundo do corredor, existe um portão de grades pretas e uma
singela pracinha cinco chalés coloridos, sendo um chalé reservado aos
educadores/cuidadores sociais: nele existe uma sala com uma grande mesa de
madeira retangular e dois grandes bancos de madeira, ao lado duas salas: uma
sala onde existem armários com cadeados nos quais os pertences dos
acolhidos são guardados e um banheiro; na outra sala, grandes armários
embutidos na parede, sem cadeados, sem portas, em que ficam as peças de
vestuário e calçado dos acolhidos;
13
Na época em que entrei existiam 23 acolhidos.
31
Os quatro chalés restantes apresentam a mesma característica: uma
sala, com televisão e bancos de madeira, dois quartos com beliches e um
banheiro; os chalés das meninas ficam separados dos meninos, e um só pode
passar para o outro lado com permissão dos educadores/cuidadores sociais. À
primeira vista, se chegarmos pela manhã há pouca movimentação, apenas nos
damos contas dos vinte e três ―moradores‖ na hora do almoço, é quando os
acolhidos chegam da escola ou dos cursos. Eles precisam tomar banho e
entrar na fila do almoço, duas filas, de um lado os meninos, do menor para o
maior; e, do outro, na mesma ordem, as meninas; é nesse momento que
percebo que a fila dos acolhidos se forma em um corredor, e este corredor
finaliza em um refeitório. Nele, há um grande balcão de granito, com talhares e
pratos postos em cima, e por uma porta ao lado era possível ver a grande
cozinha em estilo industrial; seis grandes mesas e bancos de madeiras
dispostas em pares de lado e em frente um das outras, uma pia ao fundo e em
frente a mesma um banheiro compunha a visão geral do espaço. Por tamanho
e sexo eram dispostos os acolhidos, suas refeições já haviam sido postas nos
pratos e aguardavam apenas que os eles se sentassem, contudo antes de
começarem a comer era necessário orar; terminada a refeição um a um pedia
permissão para levantar e colocar o prato no balcão, voltava-se à mesa até que
os vinte e três acolhidos tivessem terminado. Aqueles que não fossem para a
escola, ou não fossem para o reforço escolar à tarde, deveriam retornar aos
seus chalés e se manter lá até a hora do café da tarde. Tanto nos corredores,
quanto no refeitório existem câmeras de vigilância, o monitor fica ali mesmo,
dentro da sala da coordenação.
Goffman aprofunda nossa visão sobre a forma de viver dentro de
uma instituição, quando esclarece que:
Uma instituição total pode ser definida como uma local de residência e
trabalho onde um grande número de indivíduos com situação
semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável
período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente
administrada (GOFFMAN, 1961).
Esta definição se relaciona com as definições aqui abordadas sobre
Acolhimento Institucional e todas as leis que administram suas dependências.
Goffman esclarece que dentro das instituições totais, algumas relações ou
32
momentos do interno vão sendo perdidos ao longo do tempo passado na
instituição:
[...] se e quando ele voltar para o mundo, é claro que outras perdas são
irrecuperáveis e podem ser dolorosamente sentidas como tais. Pode
não ser possível recuperar, em fase posterior do ciclo vital, o tempo
não empregado no progresso educacional ou profissional (GOFFMAN,
1961).
Sendo que, na unidade pesquisada, o fato de a mesma oferecer um
reforço escolar (um dever como entidade ligada aos princípios do ECA, aos
planos de política de Assistência social e todas às outras diretrizes que
normatizam o funcionamento de uma unidade de acolhimento), buscando a
melhoria de um presente e futuro para o jovem acolhido, pode ser representada
na fala de um dos funcionários entrevistados, sobre a forma de educar e como
os jovens acolhidos enxergam, a qual esclarece que a motivação em passar
algo para esse jovem ou levar em consideração o fato de se viver acolhido por
tanto tempo vai desmotivando-o:
Funcionário I
[...] aqui a gente se preocupa em tentar passar algo para eles, mas
eles não assimilam [...] um jovem aqui passou na olimpíada de
matemática (demonstrou orgulho) mas acabou desistindo, isso vai
fazendo a gente desistir também, eles não dão muito valor ao que
têm.
Goffman ainda analisa que dentro das instituições totais, as pessoas
responsáveis pela manutenção da instituição esclarecem a aqueles que ali
serão internados que há regras e obrigações, sendo assim a convivência entre
ambos pode ser de revolta ou de completa submissão. Um dos jovens
entrevistados afirma como é viver perante as regras da instituição:
Adolescente I: ―As regras e normas daqui, eu enxergo como difícil
(pausa) não concordo, mas não falo para ninguém o que me chateia, só saio
reclamando (pausa) até porque eles não escutam quando a gente reclama‖.
Ao mesmo tempo em que isso pode ser uma característica das
instituições totais: a forma de passar regras e não aceitar discordâncias; o fato
de estas instituições funcionarem como maquinarias panópticas, nas quais a
observação em todas as formas dá o poder de moldar o comportamento dos
33
homens, elucida a insatisfação de alguns dos jovens com as imposições da
unidade.
Essa insatisfação com as regras e normas da instituição, pode ser
compreendida porque ―Provavelmente alguém que nunca tenha estado numa
situação semelhante de desamparo pode compreender a humilhação de quem
tem competência física para fazer alguma coisa, mas não tem autoridade para
isso‖ (GOFFMAN, 2008).
Ao passo que esses jovens não aceitam, por discordar de algumas
regras e, por vezes, não demonstrarem opinião, denota outra faceta
das instituições totais que parecem funcionar apenas como depósitos
de internados [...]têm objetos e produtos com que trabalhar, mais tais
objetos e produtos são pessoas[...] como uma instituição total
funciona mais ou menos com um estado, sua equipe dirigente sofre
um pouco com os problemas enfrentados pelos governantes
(GOFFMAN, 1961).
3.3 Sexualidade Juvenil: Definições e Atribuições de Papeis
O que viria a ser sexualidade? Atualmente esta pergunta tem
respostas bem complexas, seja pela liberdade sexual apregoada hoje em
dia,seja por padrões conservadores da normativa heterossexual não serem as
únicas respostas a esta indagação.
Para Guacira Lopes Louro (2000), a sexualidade não é assim tão
―fácil‖ de ser definida; a autora explica que a sexualidade é formada por uma
complexa interação entre ―raça, etnia, geração, nacionalidade‖ e tanto das
transformações sociais que ―regulam‖ cada momento histórico de cada
sociedade. Notavelmente as relações sexuais e as definições dadas a elas são
complexas e cada vez mais ramificadas e tecnológicas, vejamos o exemplo
que Louro nos traz:
Conectados pela Internet, sujeitos estabelecem relações
amorosas que desprezam dimensões de espaço, de tempo, de
gênero, de sexualidade e estabelecem jogos de identidade
múltipla nos quais o anonimato e a troca de identidade são
frequentemente utilizados (KENWAY, 1998). Embaladas pela
ameaça da AIDS e pelas possibilidades cibernéticas, práticas
sexuais virtuais substituem ou complementam as práticas face a
face (LOURO, 2000).
34
Já para os organizadores do Manual de Comunicação LGBT, a
sexualidade tem referencias culturais que acabam sendo inseridas nas
relações de afeto e prazer; sendo que é necessário levar essa discussão para
a sociedade em geral:
Sexualidade: Refere-se às elaborações culturais sobre os
prazeres e os intercâmbios sociais e corporais que
compreendem desde o erotismo ,o desejo e o afeto, até noções
relativas à saúde, à reprodução, ao uso de tecnologias e ao
exercício do poder na sociedade. As definições atuais da
sexualidade abarcam, nas ciências sociais, significados, ideias,
desejos, sensações, emoções, experiências, condutas,
proibições, modelos e fantasias que são configurados de modos
diversos em diferentes contextos sociais e períodos históricos.
Trata-se, portanto, de um conceito dinâmico que vai
evolucionando e que está sujeito a diversos usos, múltiplas e
contraditórias interpretações e que se encontra sujeito a debates
e a disputas políticas.
Podemos compreender, assim, que atualmente a sexualidade deixou
de ser assunto reservado ou sequer comentado, para ter dimensões sociais,
políticas e históricas e que a cada geração existe uma transformação sobre sua
definição. Cada ser humano possui uma identidade sexual, seja como se
relaciona, seja uma sexualidade vivida com uma pessoa do mesmo sexo, ou de
outro sexo, com duas pessoas ou com nenhuma 14; contudo ao afirmar essa
identidade sexual o sujeito torna-se pertencente a um grupo (LOURO, 2000) e
sendo assim cada afirmação terá o peso da dimensão de assumir sua
sexualidade perante os indivíduos da sociedade pertencente, seja ela mais
conservadora, seja mais aberta às transformações sociais.
Os discursos sobre sexualidade evidentemente continuam se
modificando e se multiplicando. Outras respostas e resistências, novos
tipos de intervenção social e política são inventados. Atualmente,
renovam-se os apelos conservadores, buscando formas novas,
sedutoras e eficientes de interpelar os sujeitos (especialmente a
juventude) e engajá-los ativamente na recuperação de valores e de
práticas tradicionais (LOURO, 2000).
Isso por que ao longo de nossa história a sexualidade foi vivida e
tratada de diferentes formas, no contexto social de cada época, ora pouco
comentada ou explicada aos jovens, ora sistematizada e temida pela avalanche
14
Ver mais em LOURO, Guacira Lopes (2000).
35
da AIDS e agora propagada, transmitida, preventiva15, no advento de uma
maior liberdade de expressão:
A evidência da sexualidade na mídia, nas roupas, nos shoppingcenters, nas músicas, nos programas de TV e em outras múltiplas
situações experimentadas pelas crianças e adolescentes vêm
alimentando o que alguns chamam de "pânico moral". No centro das
preocupações estão os pequenos (LOURO, 2000).
O jovem, sempre se escuta falar, é o futuro de uma nação e para
tanto é de fato primordial, sempre que possível, estabelecer normas e regras
para regular sua vida em sociedade, seja a forma que se relaciona
socialmente, seja sexual; seja na forma de tornar-se homem, seja na da graça
da feminilidade. Então, o que é necessário é explicar e educar desde cedo
sobre este tema, a nova forma que a sexualidade assumir nos dias atuais e
voltar ao Estatuto da Juventude, como comenta Barrientos-Parra (2004):
a sexualidade aparece como um direito garantido, desde que: ―quais
são os direitos dos jovens? [...] o direito a uma vida digna, à saúde,
ao pleno desenvolvimento biopsicossocial e espiritual, o que incluiu
aceso à educação, ao trabalho à cultura, à recreação, à plena
participação social e política, à informação, inclusive a relacionada
com a sexualidade [...]
Assim explicado, analisamos que, de fato, quando Louro nos remete
a que a sexualidade é ―moldada‖ para quem somos e para a sociedade que
vivemos, é perceptível que, ao longo de nossa vida, principalmente em nossa
juventude, são criadas estratégias para regular nossa vida sexual:
Na medida em que a sociedade se tornou mais e mais preocupada
com as vidas de seus membros — pelo bem da uniformidade moral, da
prosperidade econômica; da segurança nacional ou da higiene e da
saúde — ela se tornou cada vez mais preocupada com o
disciplinamento dos corpos e com as vidas sexuais dos indivíduos
(LOURO, 2000).
Ao tratar da sexualidade para a adolescência ou para os jovens, fica
claro
que
muito
das
ideias
moralistas
são
deixadas
de
lado
na
contemporaneidade de nossa sociedade:
Assim como a adolescência, a educação sexual é uma invenção
contemporânea [...] pouco a pouco, a preocupação social se deslocou
15
Ver mais O Corpo Educado: Pedagogias da Sexualidade (LOURO, 2000).
36
para os conhecimentos e as atitudes sexuais dos adolescentes, ao
mesmo tempo em que a autonomia amorosa destes últimos aumentava
e a influência moral religiosa se reduzia (BOZON, 2004).
Tendo feito estas anotações explicativas sobre a sexualidade,
observamos o que dois dos adolescentes acolhidos falam sobre isso e suas
percepções de acordo com sua orientação sexual:
Adolescente I
―Sobre sexualidade? Posso falar? (risos) para mim é fazer sexo; sou
virgem não, perdi antes de vim para cá, muito antes, mas faço aqui dentro
também, faço sexo com uma mulher‖.
Adolescente II
Sexualidade? (pausa) ah! sei lá tem que se prevenir, é saúde (pausa)
fazer sexo (risos); não sou mais virgem, perdi a virgindade aqui
(pausa) antes eu namorava e a gente arranjou camisinha (pausa),
gosto mais de meninos, porque (pausa) eles são mais seguros que as
meninas.
A heterossexualidade e a homossexualidade são duas palavras
idealizadas por Karl Kertbeny 1824-1882, um austro-húngaro nascido na
cidade de Viena, que depois de uma experiência pessoal, resolver estudar
sobre a homossexualidade, segundo ele: ―por um Interesse antropológico
combinado com um senso de justiça e a uma preocupação pelos Direitos do
Homem‖16.
Para Louro (2000), estes termos foram usados ao logo dos séculos
para conceituar os comportamos e as ―identidades sexuais‖ dos indivíduos,
sendo que neste processo as palavras e, por conseguinte os comportamentos
advindos dela tornaram-se opostos e radicais na sociedade.
Enquanto que aqueles que se assumem homossexuais sofrem
preconceitos na sociedade em que vivem, os heterossexuais têm que assumir
cada vez mais sua postura de virilidade:
Isto se torna particularmente claro nos adolescentes: entre os meninos
é comum a fantasia de que se um deles tem na relação homossexual o
papel passivo, é ―mulher‖; entre as meninas, a homossexual não é
comparada a um homem. A distinção entre duas modalidades
identificatórias que frequentemente aparecem superpostas pode ajudar
na compreensão desta dinâmica: de um lado, o sentimento que se
16
Disponível em: <http://karl-maria-ketbeny.blogspot.com.br/2006/03/origem-da-palavrahomossexual.html>.
37
estabelece bem cedo e que se traduz por: ―eu sou menino‖ ou ―eu sou
menina‖; de outro lado, o sentimento, bem mais complexo, cuja
dinâmica só se completará na adolescência, que se traduz por ―eu sou
masculino‖ ou ―eu sou feminina (1998)17.
[...] Toda forma assumida de sexualidade que se distingue da
heterossexualidade é desvalorizada e considerada diferente da opinião
sobre sexo imposta como modelo único. Estamos diante de um modelo
político de gestão dos corpos e dos desejos. E os homens que querem
viver sexualidades não heterocentradas são estigmatizados como não
sendo homens normais (SCHPUN, 2004)18.
Em Barbosa e Parker (1999), os autores evidenciam que, por
ocasião das diversas mudanças que vêm ocorrendo nas relações sociais, o
status de homem e, por conseguinte sua definição, vem sendo estabelecidos e
preservados por ―mecanismos de controle social‖, pois:
[...] uma reflexão sobre o que era ser homem na medida em que as
representações hegemônicas da masculinidade estabelecem uma
dicotomia entre ser homem e ser homossexual [...] ser homem não está
em conflito com fazer sexo com outros homens, contanto que se
preservem os ―papéis masculinos‖ adequados (VÁRIOS AUTORES,
1999).
Sendo assim nossa sexualidade, atualmente, é discutida, avaliada,
regulada, normatizada; nossos jovens têm várias ferramentas ao seu dispor
para compreender sobre sexualidade, contudo isto ainda é tratado com
ressalva, como Louro nos traz, ou é tratado como tabu dentro de Instituições,
como relata uma funcionária: ―- acho que os equipamentos responsáveis pelas
instituições não aceitam isso, queira não queira isso é tabu‖. Contudo, é
necessário se falar e debater sobre essa parte importante de nosso
desenvolvimento humano, não para normatizar ou impor ―identidades sexuais‖,
mas para esclarecer, compreender e aprender sobre elas.
17
18
In: Percurso, São Paulo, Vol. 19, p. 49-56, 1998.
Ver mais em SCHPUN, Monica Raisa (2004).
38
4 CAPÍTULO III
4.1 Educar ou Cuidar: O Olhar dos Profissionais da Instituição Elias
Cavalcante de Andrade sobre a Juventude Acolhida
Neste Capítulo, tratarei objetivamente das entrevistas e das análises
que pudemos fazer ante aquilo declarado pelos participantes; contudo, como
de praxe desta pesquisa, traremos o significado das palavras-chave deste
tópico: Educar e Cuidar.
Segundo o Conselho Nacional de Assistência Social, CNAS, na
resolução de nº 9, de 15 de abril de 2014, esclarece que entidades,
instituições, projetos ou quaisquer outros serviços efetuados pelo Sistema
Único de Assistência Social, SUAS, podem ter como terminologia para o
trabalho social, tanto: cuidador, orientador ou educador social, assim define as
funções19 dos mesmos:
O cuidador social tem como algumas funções:
a) desenvolver atividades de cuidados básicos essenciais para a vida
diária e instrumentais de autonomia e participação social dos
usuários, a partir de diferentes formas e metodologias, contemplando
as dimensões individuais e coletivas; b) desenvolver atividades para o
acolhimento, proteção integral e promoção de autonomia e
autoestima dos usuários; c) atuar na recepção dos usuários
possibilitando uma ambiência acolhedora; e) apoiar os usuários no
planejamento e organização de sua rotina diária; entre outras
funções.
O orientador ou educador social tem como algumas funções:
a) desenvolver atividades socioeducativas e de convivência e
socialização visando à atenção, defesa e garantia de direitos e
proteção aos indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade
e,ou, risco social e pessoal, que contribuam com o fortalecimento da
função protetiva da família; b) desenvolver atividades instrumentais e
registro para assegurar direitos, (re) construção de autonomia,
autoestima, convívio e participação social dos usuários, a partir de
diferentes formas e metodologias, contemplando as dimensões
individuais e coletivas, levando em consideração o ciclo da vida e
ações intergeracionais; c) assegurar a participação social dos
usuários em todas as etapas do trabalho social; d) apoiar e
desenvolver atividades de abordagem social e busca ativa; e) atuar
na recepção dos usuários possibilitando ambiência acolhedora; entre
outras funções.
19
Para maior aprofundamento ver resolução nº 9, de 15 de abril de 2014.
39
Sobre a atividade de cuidador social dentro da instituição, os
funcionários entrevistados, relataram que:
[...] a gente educa e cuida na verdade; educa porque passo
conhecimento para eles e cuida porque gostamos deles,
conversamos com eles (Funcionário I). [...] Cuidamos porque
conversamos, damos conselhos; mostramos as regras para eles e
pedimos que as cumpram, mas é difícil, temos que ser ao mesmo
tempo conselheiros e colegas, por ainda ser adolescentes, né?
(Funcionário II).
Ao resgatar meu diário de campo, produzido no período de estágio,
percebo que as afirmações sobre o cuidar que os funcionários relataram,
distorcem das queixas e indignações dos adolescentes acolhidos, por meio das
quais os acolhidos acreditavam que o fato de os funcionários passarem ordens
e regras, sem ouvi-los ou deixarem emitir opiniões, era mais uma forma de
punição do que de cuidado.
No que concerne à parte de educação, pudemos antes fazer um
adendo com as análises de Freire sobre educação, visto que sua tese consistia
em ensinar para os setores rejeitados socialmente, de acordo com aquilo que
era de seu cotidiano, mas fazendo-os entender que tudo era e podia ser ligado
ao sistema vigente e apreendendo assim com o que estava disposto no seu
dia-a-dia (MELO, 2003). Muito foi conquistado até então, atualmente está em
discussão a sociologia da educação ou ―sociologia educacional‖ (TOSCANO,
2010), que percebe a educação como um processo no qual estão intricados as
gerações e os valores culturais, e será através da desta educação que a
sociedade terá as condições de sociabilidade e de projetos sociais ou
desenvolvimentistas.
[...] a importância do papel da educação no processo de socialização
do ser humano, dado que o homem não é ‖naturalmente‖ social, mas
esta sociabilidade é projetada, inculcada nele por meio cultural, que
vai explorar as potencialidades, as virtualidades- estas sim,
especificamente humanas- do jovem ser que se prepara para
participar da vida do grupo (2010, p. 40).
Como esse processo de educar é percebido pelos funcionários da
instituição? E mais, como educar sobre sexualidade? Essas foram algumas das
40
perguntas que nortearam as entrevistas direcionadas aos funcionários, e em
suas afirmações eles averbaram que (informação verbal)20:
Educar (pausa) educar hoje é vivenciar um pouco do ser humano,
acolhido ou não [...] educar é cuidar do essencial para as pessoas,
educar é muito difícil! Muitas vezes, o profissional não tem interesse
de investigar e tentar saber o porquê o jovem não assimilar o que
está sendo passado [...] aqui a gente se preocupa em tentar passar
algo para eles, mas eles não assimilam [...] um jovem aqui passou na
olimpíada de matemática, mas acabou desistindo, isso vai fazendo a
gente desistir também, eles não dão muito valor ao que tem
(Funcionário I). [...] Educamos porque passamos as regras, as
normas que tem que ser cumpridas [...] aqui eles não querem aceitar
as normas, não querem obedecer, não sei qual o futuro deles, mas
aqui é a casa deles (Funcionário II).
Será que esses jovens têm toda a responsabilidade e culpa por ―não
assimilaram‖ ou não cumprirem regras? Nas declarações podemos perceber
que os adolescentes são responsabilizados por aquilo que não funciona; ao
longo do estágio percebi que era esta visão que a maioria dos funcionários
tinha, os jovens tinham que obedecer às regras e tudo poderia fluir
naturalmente, contudo muitos esqueciam que esses mesmos adolescentes
estavam em fase de descobertas e iniciando um amadurecimento, eram
necessários mais diálogos e não apenas exposição de ordens e regras.
Ao longo da entrevista, indaguei sobre educação sexual, se os
funcionários conversavam com os adolescentes sobre isso, como era a
abordagem em relação a este assunto, pelo que declararam que:
[...] não tem acompanhamento, teve uma palestra uma vez, só isso;
não há demonstrações de carinhos ou afeto de funcionário para eles
ou entre eles, por isso a rebeldia. (Funcionário I) [...]a instituição fez
uma palestra sobre isso, mas eles não perguntam muito não, sobre
isso não! (risos) acho que tem que conversar, só para orientar.
Arrisco-me, aqui, a declarar que uma das entrevistas me chamou
bastante atenção, pelo fator de sinceridade e consciência que esta funcionaria
relatou sobre a sexualidade dentro da unidade:
é difícil, difícil para o jovem vivenciar a sexualidade aqui dentro, mais
eu falo que aqui dentro não pode. Tipo aqui é a casa deles, é tipo
irmão deles; mas não sei como lidar com isso. Acho supernormal,
mas aqui dentro [...] puxa! Eu não sei lidar ainda com essas
20
Informações concedidas pelos funcionários nas entrevistas realizadas durante a pesquisa.
41
situações, acho que os equipamentos responsáveis pelas instituições
não aceitam isso, queira não queira isso é tabu (Funcionária III).
Esta afirmação nos possibilitar indagar diversas hipóteses: lidar com
o quê? O fato de esses jovens terem uma vida sexual ativa dentro da
instituição? O fato de os equipamentos judiciais, bem como as legislações e
estatutos que monitoram a Unidade de acolhimento não se pronunciarem sobre
isso? São muitas as indagações, e acredito que a resposta mais viável e mais
lógica é conversar, manter diálogo com esses jovens e não tratar esse assunto,
sexualidade, como um tabu, um ente inexistente ou escondido.
Ante ao que foi exposto, faz-se necessário explicar que a educação,
seja ela no seu nível formal, de aprender a ler, escrever, fazer contas, seja no
nível de orientar e informar sobre, aqui abordado, sexualidade; é necessário
entendermos que a educação só se faz presente a partir de uma socialização,
ou seja:
socialização, neste sentido, pode ser definida como o processo
sociopsicológico que objetiva a formação da personalidade individual,
através da interação social com os outros indivíduos e grupos.
Quando esta socialização adquire caráter de franca intencionalidade
e se faz através de processos formais, socialmente sancionados,
falamos em educação (TOSCANO, 2010).
Observamos que algumas declarações afirmam que há um
desinteresse por parte dos acolhidos no que concerne à educação, e em
nenhum momento das entrevistas ou ao longo do meu estágio, os funcionários
não se perguntaram sobre o porquê deste desinteresse, não procuraram
estabelecer conexões para entender estes jovens, como dito antes, partindo
apenas de ordens e regras e esperando os acolhidos obedecê-las sem
ressalvas; sabendo que a maioria desses acolhidos, vieram para a unidade por
terem sido violados em seus direitos e sofrido abusos, parte desse
―desinteresse‖ estudantil pode ser:
[...] para muitos psicólogos, o processo de socialização da criança
inicia-se já no período de aleitamento; outros vão mais longe e chegam
a vê-lo a partir da vida intrauterina. Mesmo sem considerarmos como
primordial a importância desta fase pré-natal, temos que levar em conta
que já aí existem fatores condicionantes de atitudes e comportamentos
da mais alta importância (TOSCANO, 2010, p. 110).
42
4.2 Sexualidade e Jovem Acolhido: A Vivência da Sexualidade.
Como apresentado anteriormente, falamos sobre sexualidade, sobre
juventude e acolhimento institucional. Neste tópico, trataremos das declarações
de quatro adolescentes, com idades entre quinze e dezessete anos, da
instituição pesquisada, para analisarmos como tudo exposto até agora é
vivenciado na prática.
Adolescente I:
Sobre educação sexual aqui não tem conversa, só conversei com a
coordenadora, mas tudo que ela falou eu já sabia; eu converso com
meus amigos. Sobre sexualidade? Posso falar? – risos- para mim é
fazer sexo, sou virgem não, perdi antes de vim para cá, muito antes;
mas faço aqui dentro também, faço sexo com uma mulher!
Adolescente II:
Sobre minha sexualidade, não sinto preconceito, já conversei com
alguns funcionários e aí eles me dão orientação. Sexualidade? [...] ah
sei lá tem que se prevenir, é saúde [...], fazer sexo – risos- antes eu
namorava e a agente arranjou camisinha [...] gosto mais de meninos
porque[...] eles são mais seguros que as meninas.
Nestas duas declarações fica possível perceber que os jovens
acolhidos estabelecem pouco diálogo com os funcionários e/ou responsáveis
por eles, quando pretendem conversar sobre sexualidade. Foucault (1988)
esclarece que, depois do século XVII, vivemos uma época de discursos sobre
sexo, contudo esses discursos ora eram ilícitos, de zombaria ou insultos, ora
eram tidos como valorização e com isso suas regras de decência para falar
sobre sexo. Esse mesmo autor explica também que existiam os ―silêncios
absolutos‖ ao tratar de sexo quando esse assunto cai no meio de ―pais e filhos,
educadores e alunos, patrões e serviçais‖.
Será que essas conceptualizações ainda persistem no século XXI?
Diante do exposto pelos jovens, há de se perceber que os ―silêncios absolutos‖
deram lugar a pouca orientações, neste caso, entre cuidadores e acolhidos,
deixando, muitas vezes, esta conversa por parte dos jovens entre eles
mesmos. A adolescência ou a juventude é uma etapa da vida na qual
procuramos respostas e onde procuramos nos encaixar, bem como é a etapa
da vida em que a sexualidade se desenvolve mais aparentemente; contudo os
funcionários da Unidade, muitas vezes, não sabem lidar com isso: Como
43
conversar? Como aconselhar? Algumas vezes acompanhei de perto essas
inquietações, alguns relataram que viam apenas crianças ali, e esse tipo de
conversa ou prática não deveria existir, contudo nossa legislação é uma das
mais brandas quando o assunto é o consentimento legal para começar a vida
sexual ou manter relações sexuais.
Sendo assim esclarecemos que a idade de consentimento legal para
manter relações sexuais varia de acordo com a nação: no Brasil a idade de
consentimento21 para relações sexuais é de quatorze (14) anos de idade, se
assim for permitido pela pessoa; quando for inferior a esta idade é considerado
estupro de vulnerável; na Espanha a idade de consentimento22 é de treze (13)
anos para manter relações sexuais, algo que é condenável para os países que
fazem parte da Europa, para o qual se estuda a possibilidade de aumentar a
idade para quinze (15) anos em todo continente; nos Estados Unidos da
América, a idade de consentimento 23 varia conforme os Estados, em sua
maioria a idade permitida por lei para manter relações sexuais é de dezesseis
(16) anos de idade, já em alguns, só é permitido a partir dos dezoito (18) anos
de idade.
Até aqui, vimos que funcionários e adolescentes, quando indagados
sobre sexualidade, relataram apenas prática de sexo e não as dimensões que
envolvem a sexualidade, como: afeto, carinho, atenção, atração; talvez a falta
destas palavras nas declarações, devido à rotina que os acolhidos levam
dentro deste espaço, acredito que regras e normas devam existir, para
organizar tempo e atividades, contudo muitos deste adolescentes estão há
anos entre esses muros e é necessário um pouco mais de diálogo, de atenção
para o ser humano e não o ser institucionalizado.
O discurso do poder sobre o sexo (FOUCAULT, 1988) do que é
permitido ou não fazer, com quem ou quando, ainda tem raízes fortes quando
nos deparamos com alguns trechos da fala dos adolescentes, como
reproduzido a seguir:
[...] Sexualidade, o que significa? Ter relações sexuais com uma
pessoa. Não sou mais virgem, mas só transei lá fora, aqui tenho uma
21
Ver mais a legislação: Lei nº 12.015, de 7 de Agosto de 2009.
Disponível em: <http://www.patrialatina.com.br/editorias.php?idprog=109f71393ae349ba1c51
f38d8781c525&cod=12372>.
23
Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2014-nov-18/eua-processos-podem-diferenciaridade-consentimento>.
22
44
namorada, mas a gente não transa, rola uns amasso, mas a gente
não transa porque ela não quer – risos - ela diz que não quer por
respeito a uma funcionaria aqui, que ela têm como mãe, ela deve
conversar com ela sobre essas coisas.(adolescente III) ou [...]Já
conversei sobre isso- sexualidade - com alguns funcionários; tem uns
que entendem uns que não entendem. Já transei sim, aqui dentro e lá
fora também [...] com um menino, acho normal gosta de meninos.
Alguns fazem só por fazer mesmo, eu gosto (Adolescente IV).
De fato isso nada mais é do que a história da sexualidade ocidental,
em que, de acordo com Foucault (1988, p. 81), existe a:
Instância da regra - O poder seria essencialmente, aquilo que dita a
lei, no que diz respeito ao sexo. O que significa, em primeiro lugar,
que o sexo fica reduzido, por ele, a regime binário: licito e ilícito,
permitido e proibido. Em seguida que o poder prescreve ao sexo uma
―ordem‖, que funciona, ao mesmo tempo, como forma de
intangibilidade: o sexo se decifra a partir de uma relação com a lei. E,
enfim, que o poder age pronunciando a regra: o domínio do poder
sobre o sexo seria efetuado através da linguagem, ou melhor, por um
ato de discurso que criaria, pelo próprio fato de se enunciar, um
estado de direito. Ele fala e faz-se a regra. A forma pura do poder se
encontraria na função do legislador [...]
Esses adolescentes aprenderam que o sexo lhe aparece como uma
válvula de escape, de modo que alguns funcionários sabem que fazem, mas
não têm coragem de conversar com os acolhidos sobre isso, e onde e quando
há atração e o desejo ―faz-se a regra‖. A verdade é que minhas observações
me levaram a analisar que como há falta de afeto entre eles, falta de empatia, a
sexualidade se restringiu ao sexo e a um sexo meramente banal.
4.3 Sexualidade na Unidade Elias Cavalcante de Andrade
A instituição pesquisada foi a Unidade Elias Cavalcante de Andrade,
foi lá que falamos com os quatro jovens e os três funcionários, como já citado
anteriormente, sabemos que a Unidade tem a gestão de vários órgãos e segue
determinadas diretrizes e obedece ao judiciário. Apresenta as características
tanto de uma máquina panóptica como de uma instituição total, sendo assim, a
questão norteadora deste trabalho: como nesse ambiente os jovens vivenciam
sua sexualidade?
Os funcionários pesquisados declaram, diversas vezes, que a
instituição era despreparada para tratar sobre o assunto da sexualidadeadolescente acolhido, como podemos perceber:
45
A instituição, do meu ponto de vista, é despreparada [...] vou te dá o
exemplo de um adolescente aqui, ele sai e transa com outros
meninos e fala obscenidade para todo mundo, relata mesmo, acaba
sendo banal [...] não tem acompanhamento, teve uma palestra uma
vez e só isso. [...] para eles sexualidade é normal! Sem limites, não
respeitam a opção sexual do outro, discriminam [...] na verdade não
existe limite (Funcionário I).
Contudo, esta declaração suscita dúvidas: o que é a ―instituição‖,
quem faz a ―instituição‖? Parece-me que estamos falando apenas da instituição
como muros e salas, esquecendo que cada funcionário tem um papel
importante no amadurecimento e desenvolvimento destes jovens, como dito e
repetido diversas vezes nesta pesquisa é necessário um diálogo entre os
sujeitos que compõem a Unidade Elias Cavalcante de Andrade, é necessário
entender esses jovens e fazê-los compreender seu papel na sociedade.
Os adolescentes, sempre me pareceram, ao longo do estágio,
inclinados a conversar e serem ouvidos, sempre acreditei que a convivência
entre adolescentes e funcionários eram de diálogos, contudo ao longo do
estágio e ao longo da pesquisa, deparei-me com adolescentes retraídos, que
falavam superficialmente aquilo que viviam. Sobre a vivência de sexualidade na
instituição, afirmaram:
Aqui é normal falar sobre isso entre nós; com os funcionários eles
não vão entender. Aqui é normal fazer sexo [...] todos não; mas
sabem sobre isso (os acolhidos). Eu só faço sexo quando tô afim [...]
ela gosta de mim, mas só faço quando tô com desejo.(adolescente I).
E [...] Aqui dentro é difícil rolar muita coisa, por que tem muita gente,
mas rola escondido [...] fizemos teste de DSTs uma vez [...] fiquei
muito nervoso, mas deu negativo. Hoje é fácil conversar com os
funcionários sobre isso e eles nos passam conhecimento. [...] quando
eu sair daqui quero casar [...] com um homem e ter filhos
(Adolescente II).
Nas legislações que controlam,
monitoram, definem, zelam,
fiscalizam essas instituições, não existem resolução ou artigos abordando o
fator sexualidade ou sua vivência nas dependências destas instituições, fica
claro, portanto, que a discussão acerca desse tema precisa ser abordada, nem
que seja minimamente, pois ao contrário, o despreparo declarado nas
entrevistas, seja por falta de palestras ou debates na instituição, seja por
orientações escassas de funcionários, a sexualidade será vista como um
assunto recluso e indiscutível.
46
Ao
entrevistar
um
dos
adolescentes,
o
qual
se
declarou
homossexual, fiquei curiosa e perguntei a ele sobre o preconceito, pois me
vieram lembranças das oficinas socioeducativas que realizei no estágio, no
momento que o tema homossexualidade era debatido, piadas e palavras
ofensivas surgiam contra esta orientação sexual; o adolescente afirmou que
não sentia este tipo de preconceito e admitiu que tivesse apenas ouvido
piadas, contudo não analisa isso como preconceito.
Assim, atualmente, apesar de ocorrer intolerância por certo grupo de
indivíduos na sociedade, devido à orientação sexual, mas explicitamente em
relação à homossexualidade, é comum percebermos que os jovens que
assumem sua sexualidade sentem segurança para fazê-lo; isso vem ocorrendo
desde
o
século
XX,
quando
tanto
os
cientistas
descartaram
a
homossexualidade como doença, como os grupos de defesa dos direitos gays
e lésbicas se articularam politicamente.
Para finalizar este trabalho, citarei a declaração de uma das
funcionárias entrevistadas, talvez isso seja um relato representativo do que
outras Unidades de acolhimento possam também passar; é difícil tratar de
sexualidade, mesmos nos dias atuais, com informação, prevenção e tantos
outros meios que diariamente são lançadas na mídia por organizações de
saúde, e essa tarefa torna-se mais difícil quando inserida em uma instituição,
contudo é necessário um diálogo aberto e propostas concretas, para um maior
esclarecimento para os jovens, principalmente os acolhidos, acerca da
sexualidade, sobre o que vai para além do sexo, como afeto, empatia, amor,
sentimentos que talvez tenha sido negados ainda muito cedo, mas que podem
ser recuperados a partir de um diálogo franco e racional.
Funcionário III:
È difícil, difícil para o jovem vivenciar a sexualidade aqui dentro [...]
Acho que ainda tem que trabalhar o respeito do adolescente para o
outro. Eles soltam piadinhas, tipo: olha o ―viadinho’; precisa trabalhar
o respeito, tem jovem que vivencia a sexualidade como semvergonhice e não aceita a orientação dos outros, mas tem outros que
aceita. Aqui rola muito preconceito, tem jovem que não dá valor ao
corpo, nome, aparência, para ela ali é uma necessidade. Acho que
tem que se valorizar como ser humano, eles não pensam que isso é
importante, acho que tem que trabalhar esse lado, para uns é só
usar, sem carinho, seco.
47
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao pensar sobre minha monografia, eu sempre me lembrava das
oficinas socioeducativas que havia feito na Unidade Elias Cavalcante de
Andrade, como requisito na disciplina de estágio, que era sobre diversidade
sexual. Até o momento em que iniciei esta pesquisa, imaginava que se isso
não seria um tema dispensável, pois eu ficava me interpelando: é uma dúvida
minha, uma preocupação minha, mas ela é importante para a sociedade, no
que eu, como futura assistente social, poderia intervir? o Serviço Social tem
competência nessa área? Essas dúvidas me torturavam.
Ao longo do processo, descobri que é um assunto de máxima
importância para a construção de nossa sociedade e de uma construção mais
igualitária, uma vez que essas categorias - jovens e sexualidade - aparecem
juntas como direito no Estatuto da juventude, onde nosso código de Ética (
código de ética das assistentes sociais, conforme se declara no artigo 4º:
―Empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, incentivando o
respeito à diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à
discussão das diferenças‖.
Contudo, sobre as normas que regulam as entidades acolhedoras e
as leis que a amparam é necessário mais conversa, é necessário pensar no
jovem não somente como um sujeito sob vigilância e amparo da justiça, mas
também como um sujeito social em pleno desenvolvimento humano,
considerando, inclusive, que a sexualidade faz parte de amadurecimento
humano, mas para tanto é necessário um diálogo aberto para isso.
Como aponta Bozon (2004), em seu estudo sobre a Sociologia da
Sexualidade, em alguns países da Europa, essa educação sexual faz parte do
cotidiano dos jovens, pois existe a necessidade de educar para além das
regras morais:
Na maior parte dos países europeus, a educação sexual diz respeito
a uma questão mais social do que moral ou política. Ela tem como
objetivo a formação equilibrada da personalidade e um aprendizado
das relações, de acordo com os princípios de igualdade nas relações
entre os sexos.
Tanto mais se faz necessário hoje esclarecer essa questão, tenod
em vista que nossos jovens, nossos adolescentes, iniciam a vida sexual muito
48
precocemente, eles não precisam pensar em casamento para terem relações
sexuais com o outro, e, como visto em algumas declarações dos jovens
acolhidos, existe também a vontade ou curiosidade de se relacionar com
alguém do mesmo sexo; por tudo isso se verifica que é indispensável, sim, um
diálogo mais aberto sobre estas questões, é necessário que as políticas
públicas voltadas aos sujeitos acolhidos visualizem essa parte do acolhimento,
a qual por enquanto é vista com tabu, como uma funcionária declarou e que
percebemos assim também.
A sexualidade forma parte integral da personalidade de cada um. É
uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode
ser separado de outros aspectos da vida. A sexualidade não é
sinônimo de coito e não se limita à presença ou não do orgasmo.
Sexualidade é muito mais do que isso, é a energia que motiva
encontrar o amor, contato e intimidade, e se expressa na forma de
sentir, na forma de as pessoas tocarem e serem tocadas.
A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e
interações e tanto a saúde física como a mental. Se a saúde é um
direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser
considerada como um direito humano básico‖.24
Enfim, as perguntas que me instigaram, hoje, estão respondidas e
me abriram a mente para acreditar que para nós, assistentes sociais, e todos
aqueles que trabalham com sujeitos acolhidos ou jovens, faz-se necessário ter
a capacidade de perceber que a sexualidade é importante nos anos que
antecedem à vida adulta e que com ela formam-se identidades para a
construção de uma sociedade mais igualitária.
24
Organização Mundial da Saúde, 1975.
49
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juventude no Brasil. – Revista Brasileira de Educação, nº 6; - São Paulo,
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SCHPUN, Mônica Raisa (org.). Masculinidades. São Paulo: Boitempo,
Editorial: Santa Cruz do Sul, Edunise, 2004.
51
ANEXOS
ANEXO A – Declaração de Autorização de Pesquisa
52
ANEXO B – Carta de Encaminhamento
53
ANEXO C – Termo de Consentimento para Adolescentes Acolhidos
54
ANEXO D – Termo de Consentimento
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