Assunto Especial – Doutrina
A Legitimidade da Desaposentação e a Polêmica Restituição dos Valores do Benefício
Desaposentação Através de Mandado de Segurança
CÁSSIA BERTASSONE DA SILVA
Especialista em Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho e Direito Previdenciário
pela Universidade Anhanguera/Uniderp, Advogada Associada no Escritório Ramos-Araújo Advogados.
RESUMO: Objetiva-se demonstrar que a concessão da desaposentação, cumulada com nova aposentadoria, pode ser melhor satisfeita por meio da ação especial de mandado de segurança, tendo
em vista a existência de prova pré-constituída documental, ausência de necessidade de dilação
probatória, e insistente negativa da Autarquia Previdenciária que resulta em um direito líquido e certo
ao impetrante.
PALAVRAS-CHAVE: Desaposentação; mandado; segurança.
ABSTRACT: The objective is to demonstrate that the award of desaposentação, combined with new
retirement, can be better met through the special action of injunction in view of the existence of pre-made documentary proof, no evidence of necessity of grace, and persistent negative Authority of
Social Security which results in a clear legal right to the complainant.
KEYWORDS: Desaposentação; warrant; security.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Desaposentação; 1.1 Do direito à desaposentação; 1.2 Da desnecessidade
de previsão legal; 1.3 Da viabilidade atuarial; 1.4 Da ausência de violação ao princípio da isonomia;
1.5 Da possibilidade de desfazimento do ato concessório da aposentadoria; 1.6 Da ausência de obrigatoriedade na restituição dos valores percebidos anteriormente à desaposentação; 2 Do mandado
de segurança; 2.1 Requisitos do mandado de segurança; 3 Mandado de segurança para garantir a
desaposentação; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
Atualmente, nos Juizados Especiais Federais do Espírito Santo, uma
ação de desaposentação demanda pelo menos dois anos apenas para se
proferir uma sentença. Os inúmeros mecanismos processuais para garantir
celeridade processual, tais como tramitação preferencial de idosos e tutela
antecipada, já não demonstram efetividade diante da sobrecarga dos Juizados Especiais. É fato comprovado pela prática da advocacia que as ações da
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Justiça comum nos ritos ordinários acabam por resultar em um provimento
jurisdicional mais célere que nos Juizados Especiais.
Contudo, perante o Juizado Especial Federal, a competência para julgar causas dessa natureza com valor da causa até sessenta salários-mínimos
é absoluta, não havendo como se optar por uma tramitação perante a Justiça
Federal comum.
Entretanto, especificamente tratando-se de desaposentação, a prova é
pré-constituída, ou seja, puramente documental apresentada com a petição
inicial. Em regra, não há oitiva de testemunhas, nem prova pericial, daí,
pois, a possibilidade de impetração de um mandado de segurança.
A Autarquia Previdenciária negará o pedido de desaposentação. Com
a negativa surge o direito líquido e certo do impetrante, e a restrição injustificada imposta pela Autarquia.
Assim, um processo que pelo Juizado Especial demandaria pelo menos dois anos apenas em primeira instância, com a impetração de um mandado de segurança se resume em dois anos, aproximadamente, até o trânsito em julgado.
A justificativa para a análise que se seguirá é simples: a imensa maioria do segurados que possuem direito a desaposentação já são idosos e não
podem aguardar uma tutela jurisdicional a ser prestada somente cinco anos
após o ajuizamento de sua ação. Eles necessitam de urgência e o rito especial do mandado de segurança pode lhes garantir esta celeridade.
1 DESAPOSENTAÇÃO
1.1 DO DIREITO À DESAPOSENTAÇÃO
A aposentadoria constitui direito personalíssimo, sob o qual não se
admite transação ou transferência a terceiros. Contudo, isso não significa
que ela seja um direito indisponível do segurado. Conforme explica Roberto
Luis Luchi Demo, “a aposentadoria, a par de ser um direito personalíssimo
[...], é ontologicamente direito disponível, por isso direito subjetivo e patrimonial decorrente da relação jurídico-previdenciária”1.
Assim, o instituto da desaposentação seria essa desistência ou renúncia expressa do segurado à aposentadoria concedida.
1
DEMO, Roberto Luiz Luchi. Aposentadoria. Direito disponível. Desaposentação. Indenização ao sistema
previdenciário. Revista de Previdência Social, n. 263, a. XXVI, p. 887, out. 2002.
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De acordo com Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista
Lazzari: “[...] a desaposentação é o direito do segurado ao retorno à atividade remunerada, com desfazimento da aposentadoria por vontade do titular,
para fins de aproveitamento do tempo de filiação em contagem para nova
aposentadoria, no mesmo ou em outro regime previdenciário”2.
Na Carta Magna não há vedação à desaposentação. Na legislação
específica da Previdência Social tampouco existe dispositivo proibitivo da
renúncia aos direitos previdenciários. Existe apenas um ditame no decreto
regulamentador, o que se pode afirmar inconstitucional, posto que limita
direito quando a lei não o fez. É patente que um decreto, norma subsidiária que é, não pode restringir a aquisição de um direito do aposentado,
prejudicando-o.
O que prevalece no sistema previdenciário brasileiro é a ausência de
norma proibitiva, tanto no tocante à desaposentação quanto no que tange
à nova contagem de tempo referente ao período utilizado na aposentadoria
renunciada.
No caso, por ausência de expressa proibição legal, subsiste a permissão, posto que a limitação da liberdade individual deve ser tratada explicitamente, não podendo ser reduzida ou diminuída por omissão.
Alguns princípios basilares do Estado brasileiro também coadunam
com o instituto da desaposentação. A exemplo, entendimento de Felipe
Epaminondas de Carvalho, que explica que o instituto da desaposentação
objetiva “uma melhor aposentadoria do cidadão para que este benefício
previdenciário se aproxime, ao máximo, dos princípios da dignidade da
pessoa humana e do mínimo existencial, refletindo o bem-estar social”3.
O objetivo principal da desaposentação é possibilitar a aquisição de
benefícios mais vantajosos no mesmo ou em outro regime previdenciário.
Isso acontece pela continuidade laborativa do segurado aposentado
que, em virtude das contribuições vertidas após a aposentação, pretende
obter novo benefício em condições melhores, em função do novo tempo
contributivo.
Não se trata, portanto, de tentativa de cumulação de benefícios, e sim
do cancelamento de uma aposentadoria e o posterior início de outra, ambas
baseadas em contribuição do segurado.
2
3
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. 7. ed. São
Paulo: LTr, 2006. p. 509.
CARVALHO, Felipe Epaminondas de. Desaposentenção: uma luz no fim do túnel. Disponível em: <http://:www.
forense.com.br/Artigos/Autor/FelipeCarvalho/desaposen-tacao.html>. Acesso em: 12 abr. 2011.
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1.2 DA DESNECESSIDADE DE PREVISÃO LEGAL
A ausência de previsão legal e a vedação estipulada no art. 18,
§ 2º, da Lei nº 8.213/1991 não é óbice para a concretização do direito à
desaposentação. A Autarquia Federal, por vezes, tenta invocar o princípio
da legalidade para repudiar a desaposentação. Contudo, muito embora à
Administração Pública somente seja possível fazer o que a lei determina, ao
administrado tudo é possível, desde que não vedado por lei.
O princípio da legalidade, na mesma medida em que consiste em
uma prerrogativa do Poder Público, impondo os ditames legais aos administrados, traduz-se em evidente restrição, pois a Administração Pública somente poderá impor as restrições que estejam efetivamente previstas em lei.
Neste sentido, Di Pietro resume dizendo que “em decorrência disso, a
Administração Pública não pode, por simples ato administrativo [como um
regulamento], conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou
impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei”4.
A vedação no sentido da impossibilidade da desaposentação é que
deveria constar expressamente em lei. A sua autorização é presumida, desde que não sejam violados outros preceitos legais ou constitucionais. No
caso, não se vislumbra qualquer empecilho expresso no ordenamento jurídico pátrio.
Igualmente posiciona-se Hamilton Antônio Coelho, ao afirmar que:
Não bastasse, invocar o princípio da legalidade para deixar de reconhecer
um direito público individual [à desaposentação] é relegar a um segundo
plano os interesses do administrado; é elevar o referido princípio a um patamar que não ostenta o de sobrepor os direitos e garantias fundamentais
outorgados pelo soberano Poder Constituinte de 1988 ao cidadão brasileiro,
como, exempli gratia, o de que “ninguém será obrigado afazer alguma coisa
senão em virtude de lei”, inscrito no inciso II do art. 5º da Lei Maior da Federação Brasileira.5
Nesse passo, inexistindo no nosso ordenamento jurídico vigente lei
que proíba o desfazimento de aposentadoria regularmente deferida, impossível cogitar de indeferimento por conveniência e oportunidade da administração ou mesmo em razão de ausência de autorização legal, pois a renúncia de um direito que integrou o patrimônio de seu titular não clama por
ilógicos e injurídicos pressupostos.
4
5
DI PIETRO, Maria Sylvia. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p. 68.
COELHO, Hamilton Antônio. Desaposentação: um novo instituto?. Revista do Tribunal de Contas do Estado de
Minas Gerais, n. 1, a. XVIII, 2000. Disponível em: <http://200.236.186.67:8080/tribunal_contas/2000/01/sumario?next=5>. Acesso em: 10 dez. 2010.
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Da mesma forma manifesta-se o Judiciário, em repulsa à alegada ausência de permissivo legal à desaposentação:
Ilegítima e ilegal a recusa do INSS em acolher o requerimento de renúncia
à aposentadoria formulado pelo autor. Se ninguém é obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, não está o autor impedido pela lei de renunciar a um beneficio previdenciário. Por outro lado, a
administração está adstrita a agir dentro dos estritos critérios da legalidade,
dentre outros (art. 37 da CF). Assim, somente dispositivo legal expresso poderia impedir o autor de exercer seu direito de renúncia. Não há óbice algum
a que o autor renuncie legitimamente ao benefício que lhe foi concedido e
tenha reconhecido a seu favor o direito à iniciativa privada nos moldes de
sua postulação.6
Conforme expressamente reconhece Di Pietro, a extinção do ato
administrativo pode ocorrer pela renúncia, extinguindo-se “os efeitos do
ato porque o próprio beneficiário abriu mão de uma vantagem de que
desfrutava”7. Aduz Hely Lopes Meirelles, reconhecendo a possibilidade
de renúncia, que a “exigência de permissivo legal expresso somente surge
quando se trata de abdicação por parte da própria Administração Pública, e
não do administrado”8.
Não se pode alegar ausência de previsão legal para o exercício das
prerrogativas inerentes à liberdade da pessoa humana, pois cabe a esta,
desde que perfeitamente capaz, julgar a condição mais adequada para sua
vida, de ativo ou inativo, aposentado ou não aposentado. O princípio da
dignidade da pessoa humana repulsa tamanha falta de bom senso, sendo
por si só fundamento para a reversibilidade plena do benefício.
Por fim, acerca do impedimento constante no § 2º do art. 18 da Lei
nº 8.213/1991, sua constitucionalidade já está sendo alvo de discussão perante o Supremo Tribunal Federal, com manifestação expressa do Ministro
Marco Aurélio, conforme recentemente divulgado:
É triste, mas é isso mesmo: o trabalhador alcança a aposentadoria, mas não
pode usufruir do ócio com dignidade, sem decesso no padrão de vida. Ele
retorna à atividade e, o fazendo, torna-se segurado obrigatório. Ele está compelido por lei a contribuir, mas contribui para nada, ou melhor dizendo,
para muito pouco: para fazer apenas jus ao salário-família e à reabilitação. A
disciplina e a remessa à lei são para a fixação de parâmetros, desde que não
6
7
8
Brasil. São Paulo, Vara da Justiça Federal em Campinas. Direito à desaposentação. Renúncia à aposentadoria
por tempo de serviço, para utilização do período em contagem recíproca. Ação ordinária. Processo nº
92.0604427-3. Elidio Ramires vs. INSS. Juiz Nelson Bernardes de Souza. Sentença de 6 de abril de 1993.
LTr – Revista da Previdência Social, v. 204, a. XXI, p. 116, nov. 1997.
DI PIETRO, Maria Sylvia. Op. cit., p. 68.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 23. ed. São Paulo: Malheiros. p. 153.
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se mitigue o que é garantido constitucionalmente. O segurado tem, em patrimônio, o direito à satisfação da aposentadoria tal como calculada no ato da
jubilação. E, retornando ao trabalho, volta a estar filiado e a contribuir, sem
que se possa cogitar de limitação sob o ângulo de benefícios. Por isso, não se
coaduna com o disposto no art. 201 da Constituição Federal a limitação do
§ 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/1991 que, em última análise, implica nefasto
desequilíbrio na equação ditada pelo Diploma Maior.9
O posicionamento do Ministro Marco Aurélio já demonstra entendimento a ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o que
dispõe o § 11 do art. 201 da Constituição Federal, em que “os ganhos habituais do empregado, a qualquer titulo, serão incorporados ao salário para
efeitos de contribuição previdenciária e consequentemente repercussão em
benefício, nos casos e forma da lei”10.
O Ministro Marco Aurélio afirmou que, assim como o trabalhador
que, após aposentado, retorna à atividade tem ônus de contribuir, a Previdência Social tem o dever de, em contrapartida, assegurar-lhe os benefícios
próprios, levando em consideração as novas contribuições feitas, para que
ele possa voltar ao ócio com dignidade, a partir de novo cálculo. Nas palavras do Ministro Marco Aurélio,
essa conclusão não resulta na necessidade de declarar-se inconstitucional
o § 2º do art. 18 da Lei nº 8.213/1991, mas emprestar-lhe alcance consentâneo com a Carta Federal, ou seja, no sentido de afastar a duplicidade de
benefício, mas não o novo cálculo de parcela previdenciária que deva ser
satisfeita.11
Portanto, demonstra-se, mais uma vez, a ausência de impedimento ao
segurado aposentado do seu direito à desaposentação.
1.3 DA VIABILIDADE ATUARIAL
Outra argumentação da Autarquia Federal para negar o direito do
segurado à desaposentação é a inexistência de viabilidade atuarial. Contudo, tal argumento também não prospera. Isso porque o segurado já goza
de benefício jubilado dentro das regras vigentes, atuarialmente definidas,
presumindo-se que, nesse momento, o sistema previdenciário somente fará
desembolsos frente a esse beneficiário, sem o recebimento de qualquer cotização, essa já feita durante o período passado.
9
10
11
Notícia publicada no site do STF, em 16 de setembro de 2010, intitulada: “Suspenso julgamento sobre
recálculo de benefício de aposentadas que voltaram a trabalhar”. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/
portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=161743&caixaBusca=N>. Acesso em: 10 dez. 2010.
Idem.
Idem.
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Todavia, caso o beneficiário continue a trabalhar e contribuir, essa
nova cotização gerará excedente atuarialmente imprevisto, que certamente
poderia ser utilizado para a obtenção de novo benefício, abrindo-se mão do
anterior de modo a utilizar-se do tempo de contribuição passado. Daí vem o
espírito da desaposentação, que é a renúncia do benefício anterior em prol
de outro melhor.
Não há que se falar em princípio da solidariedade, no qual o aposentado que volta a trabalhar contribuiu sem que haja nenhuma contraprestação do sistema previdenciário em razão disso. A receita imprevista acrescida ao sistema previdenciário deverá ser revertida ao aposentado empregado
caso assim deseje, com a concessão de novo benefício, nos termos do art.
201, § 11, da Constituição Federal.
1.4 DA AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Outra questão a se ressaltar é a inexistência de violação ao princípio
da isonomia frente aos segurados que adiaram a aposentadoria até alcançar
o benefício pleno.
Fato é que o sistema previdenciário público brasileiro é financiado
pelo regime de repartição simples, além de adotar planos de benefícios que
seguem, em regra, a dinâmica do benefício definido, no qual a prestação
não tem correlação exata com as contribuições.
Ademais, um segurado por, voluntariamente, postergar sua aposentadoria por tempo indefinido, por questões pessoais, nem por isso poderia
impor tal adiamento para todos os seus pares, sob a alegação de violação ao
princípio da isonomia. Seria também evidente absurdo declarar que todos
devam, necessariamente, receber o benefício de aposentadoria automaticamente, ao preencher os requisitos legais.
Sempre haverá segurados que terão condições mais vantajosas que
outros, e o sistema previdenciário brasileiro possui exemplos dos mais variados: segurados com recolhimentos elevados em período fora da média de
cálculo de salário-de-benefício frente a outros com recolhimentos elevados
justamente dentro do período básico de cálculo; ou o segurado que falece
após 20 anos de contribuição, mas já com a qualidade de segurado perdida,
frente aos dependentes do segurado que somente exerceu a atividade por
um único dia, falecendo devido a um acidente de qualquer natureza.
Dentro de uma complexa rede de proteção social, é inevitável que
alguns venham a ter vantagens maiores que outros. A ideia é que algum
grau de justiça formal deva existir dentro de qualquer sistema, isto é, a aplicação das normas de modo idêntico para todos – algo inerente à ideia de
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legalidade. Mesmo que eventualmente algumas regras sejam injustas em
situações particulares, melhor é aplicá-las uniformemente para todos, pois a
imprevisibilidade das regras seria injustiça maior.
Ainda que um segurado venha a obter uma vantagem maior frente a
outro, na situação inicialmente apontada, não há como apontar tal circunstância como impedimento à desaposentação. A possibilidade jurídica existe
para todos, e não se pode impedir para pretensão legítima sob a alegação de
que outrem não seria beneficiado por sua inércia. É da essência do Direito
não amparar aqueles que permanecem inertes. Dormientibus non succurrit
jus.
Não se podem negar pretensões legítimas de uma pessoa sob a alegação de vantagem sobre as demais, sob pena de denegar a prestação jurisdicional na maioria das lides apresentadas em juízo.
Por fim, tal situação não é um impedimento à desaposentação, mas
sim um argumento extra para a urgente necessidade de regulamentação da
matéria, permitindo que todos possam se beneficiar sem depender da iniciativa individual frente ao Judiciário. O argumento aqui apresentado implicaria negar prestações legítimas sob alegação de que nem todos vão ao
Judiciário.
1.5 DA POSSIBILIDADE DE DESFAZIMENTO DO ATO CONCESSÓRIO DA APOSENTADORIA
A desaposentação e concessão de nova aposentadoria também não
violam o ato jurídico perfeito, que não poderia ser alterado unilateralmente.
Sem dúvida, a questão previdenciária é abarcada por tal conclusão, já
que a garantia ao ato jurídico perfeito que materializa a aposentadoria tem
claro propósito de assegurar a manutenção da prestação devida ao segurado, em razão de seu mister durante anos.
A denegação das prerrogativas do ato jurídico perfeito certamente
contraria a segurança jurídica, valor adotado pelo ordenamento pátrio e
evidentemente internalizado na Lei Maior, por meio de diversas garantias
externadas em todo seu texto.
O aposentado ver-se-ia em situação de eterna insegurança jurídica
caso seu benefício pudesse ser revisto a qualquer momento, em especial
quando da revisão dos requisitos de elegibilidade previdenciários, os quais
são frequentemente alterados, em virtude de questões atuariais.
Todavia, como ensina Wladimir Novaes Martinez, ressaltando a viabilidade da desaposentação:
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[...] O ordenamento jurídico se subordina à Carta Magna, e esta assegura a
liberdade de trabalho, vale dizer, a de permanecer prestando serviços ou não
(até depois da aposentação). Deste postulado fundamental deflui a liberdade
de escolher o instante de se aposentar ou não fazê-lo. Ausente essa diretriz,
o benefício previdenciário deixa de ser libertador do homem para se tornar
o seu cárcere.12
Sem embargo da necessária garantia ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido, não podem tais prerrogativas constitucionais compor impedimentos ao livre exercício do direito. A normatização constitucional visa,
com tais preceitos, a assegurar que direitos não sejam violados, e não limitar
a fruição dos mesmos. O entendimento em contrário viola frontalmente o
que se busca na Lei Maior.
Segurança jurídica, de modo algum, significa a imutabilidade das relações sobre as quais há a incidência da norma jurídica, mas sim a garantia
da preservação do direito, o qual pode ser objeto de renúncia por parte de
seu titular em prol de situação mais benéfica.
Sem dúvida, o ato jurídico perfeito, à semelhança do direito adquirido, é uma garantia individual, mas a vedação constitucional à sua exclusão
não impede o acerto de relações jurídicas no sentido da melhor adequação
aos princípios fundamentais da Carta Magna pátria.
Nunca é demais lembrar que a Constituição adota como objetivo
fundamental a construção de uma sociedade justa e solidária (art. 3º), o
que certamente restaria prejudicado com a existência tranquila de regra que
permita tamanho desrespeito aos direitos dos segurados, sem a menor legitimidade para tanto.
O entendimento da Carta Magna presume a análise teleológica de
seus dispositivos, sendo a mera aplicação literal das regras constitucionais
algo demasiadamente incompleto, pois o preceito legal nunca reproduzirá
com perfeição a norma jurídica, a qual somente será alcançada com as ferramentas fornecidas pela hermenêutica jurídica. Interpretar-se uma garantia
constitucional em contrariedade àqueles que seriam os beneficiários de tal
garantia é evidente equívoco.
Como afirmou o Relator, Juiz Araken Marins, não obstante a louvável
vedação a priori da reversibilidade do benefício como proteção dada ao
segurado, “há que se distinguir a renúncia pura e simples, da renúncia que
possui, também, a natureza de opção e que permite ao segurado obter uma
vantagem em sua fonte de sobrevivência”13.
12
13
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São Paulo: LTr, 1999. p. 82.
Brasil. TRT 5ª R., AC 133529/CE, 98.05.09283-6.
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Isto é, desde que a renúncia tenha objetivos que se coadunam com o
ideal previdenciário, não há razão técnica ou legal para impedimento.
Nesse sentido, decidiu-se que a renúncia à aposentadoria “não implica renúncia ao próprio tempo de serviço que serviu de base para a concessão do benefício, pois se trata de direito incorporado ao patrimônio do
trabalhador, que dele pode usufruir dentro dos limites legais”14.
Enfim, as garantias constitucionais, entre elas a inviolabilidade do ato
jurídico perfeito, têm como destinatários os indivíduos que delas possam
usufruir em seu proveito, sendo distorção flagrante da norma constitucional
qualquer tentativa de utilizá-la em sentido contrário aos interesses daqueles
que são objeto de sua proteção.
1.6 DA AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE NA RESTITUIÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS ANTERIORMENTE À
DESAPOSENTAÇÃO
É bom que se destaque ainda que não há que se falar em restituição
dos valores recebidos anteriormente à desaposentação.
Para o adequado deslinde da questão é bom que se evidencie as duas
espécies de desaposentação, isto é, aquela feita no mesmo regime previdenciário e outra resultante do intento de averbação de tempo de contribuição
em outro regime previdenciário.
Naturalmente, como o segurado visa ao benefício posterior, somente
agregará ao cálculo o tempo de contribuição obtido a posteriori, sem invalidar o passado. A desaposentação não se confunde com a anulação do ato
concessório do benefício, por isso não há que se falar em efeito retroativo
do mesmo, cabendo tão somente sua eficácia ex nunc.
A exigência da restituição de valores recebidos dentro do mesmo regime previdenciário implica obrigação desarrazoada, pois se assemelha ao
tratamento dado em caso de ilegalidade na obtenção da prestação previdenciária, o que obviamente não é o caso. O benefício antigo, enquanto em
vigência, era legal e devido.
A desaposentação em mesmo regime previdenciário é, em verdade,
um mero recálculo do valor da prestação em razão das novas cotizações do
segurado.
Ressalta-se ainda a irrepetibilidade das verbas alimentares, segundo
o qual se enquadra os benefícios previdenciários, conforme pacificamente
reconhece a jurisprudência.
14
Brasil. TRT 5ª R., AC 0404738-1, 6ª T., Rel. Juiz Wellington Mendes de Almeida, DJ 16.09.1998, p. 156.
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2 DO MANDADO DE SEGURANÇA
O mandado de segurança é ação constitucional prevista no art. 5º,
LXIX e LXX, com vistas a garantir a efetivação dos direitos e interesses individuais e coletivos diante do arbítrio estatal. Atualmente é regulado pelos
ditames da Lei nº 12.016/2009, possuindo ainda aplicação subsidiária do
Código de Processo Civil.
Em linhas gerais, conceder-se-á mandado de segurança para proteger
direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data,
quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade
pública ou agente de pessoa jurídica no exercício das atribuições do Poder
Público.
Assim, pode-se extrair que o mandado de segurança representa garantia posta à disposição do cidadão para a proteção das suas liberdades em
face do arbítrio estatal.
2.1 REQUISITOS DO MANDADO DE SEGURANÇA
O primeiro requisito é o ato da autoridade da qual emanou a suposta
lesão a direito do impetrante. Isso porque o remédio constitucional não é
adequado para impugnar lei em tese (Súmula nº 266 do STF), haja vista não
consistir em meio de controle abstrato de normas.
Hely Lopes Meirelles definiu lapidarmente o ato de autoridade, ao
afirmar que ele corresponde a toda manifestação ou omissão do Poder Público ou de seus delegados, no desempenho de suas funções e que traz em
si alguma carga de decisão, e não apenas mera execução.
O sentido amplo do vocábulo “autoridade” para fins de impetração
é revelado pelo art. 1º, § 1º, da Lei nº 12.016/2009, que dispõe no sentido
de que
equiparam-se às autoridades para fins desta lei, os representantes ou órgãos
de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas, bem
como os dirigentes de pessoa jurídica ou as pessoas naturais no exercício
de atribuições do Poder Público, somente no que disser respeito a essas atribuições.
O segundo requisito do mandado de segurança é a existência de direito líquido e certo, ou seja, aquele que se mostra claro e passível de demonstração por documentos.
Direito líquido e certo, portanto, é aquele cuja existência se reputa indene de dúvidas, porquanto passível de ser demonstrada documentalmente
pela prova pré-constituída que deve, salvo exceções contidas no art. 6º,
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§ 1º, da Lei nº 12.016/2009, acompanhar a petição inicial. Haverá direito
líquido e certo quando os fatos aduzidos na inicial puderem ser comprovados por documentos independentemente da complexidade das questões.
O último requisito é a ilegalidade ou abuso do poder. Considera-se
ilegal o ato praticado em contrariedade com o direito. Dentro desse conceito, deve-se entender abrangida a inconstitucionalidade, eis que não só os
atos que ofendem a lei, mas também aqueles que contrariam a Constituição
podem ser objeto de controle por meio do mandado de segurança.
Verifica-se a ilegalidade ou o abuso de poder quando haja lei que
impeça a prática do ato de autoridade ou a determine, no caso de omissão;
quando o ato de autoridade é praticado com usurpação de competência ou,
ainda, quando não observar os princípios insculpidos no art. 37 da Constituição Federal, quais sejam: legalidade, isonomia, moralidade, publicidade
e eficiência, conforme ensina Elpídio Donizetti15.
Por fim, destaca-se que a ilegalidade ou o abuso de poder constituem condição específica da ação de mandado de segurança. Mas, não é
a existência da ilegalidade ou abuso de poder em si a condição específica
da ação, mas sim a possibilidade de se evidenciar dita ilegalidade desde
logo por meio de prova documental pré-constituída, tal como ocorre com o
direito líquido e certo.
Com efeito, a contrariedade ao direito deve ser demonstrada de plano
por meio de prova pré-constituída, sem a necessidade de dilação probatória, sob pena de o feito ser extinto sem resolução do mérito.
3 MANDADO DE SEGURANÇA PARA GARANTIR A DESAPOSENTAÇÃO
Postos tais argumentos, para que surja o direito à impetração do mandado de segurança, faz-se necessário primeiro a negativa da Autarquia Federal. A Autarquia Federal negará o pedido de desaposentação sob qualquer dos fundamentos insustentáveis anteriormente demonstrados. Com
essa negativa surge o direito líquido e certo do segurado aposentado.
Contudo, este necessita ainda da prova documental que subsidiará o
seu pedido. O segurado precisa provar: que é aposentado (juntando carta de
concessão e memória de cálculo, bem como o extrato do último pagamento
do benefício); e que, mesmo após a aposentação, continuou trabalhando e
vertendo contribuições ao INSS (junta-se, por exemplo, a carteira de trabalho assinada após a aposentação e extratos de salários-de-contribuição após
a aposentação).
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DONIZETTI, Elpídio. Ações constitucionais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 27.
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Caso o impetrante pretenda que, no mesmo ato que lhe conceda a desaposentação, também lhe seja concedida a nova aposentadoria calculada
sobre todos os períodos contributivos, principalmente após a antiga aposentação, faz-se necessário provar de início que faz jus ao novo benefício, juntando inclusive simulação de concessão da nova aposentadoria, calculada
com base nos salários-de-contribuição vertidos após a antiga aposentação,
demonstrando assim que o novo benefício lhe será mais benéfico do que o
antigo.
De posse da negativa da Autarquia Federal e dos documentos suprarrelacionados, o segurado aposentado terá prazo de 120 dias para impetrar o mandado de segurança, conforme determina o art. 23 da Lei nº
12.016/2009.
Importante destacar que, muito embora a negativa venha por decisão do chefe da agência do INSS local, o mandado de segurança deve ser
impetrado contra o gerente executivo do INSS, conforme regimento interno
aprovado pela Portaria nº 296, de 9 de dezembro de 2009, do Ministério da
Previdência Social, indicando em seu art. 167, I, alínea a, que às gerências
executivas compete, entre outras atribuições, “supervisionar as agências da
Previdência Social sob sua jurisdição, nas atividades de reconhecimento
inicial, manutenção, recurso e revisão de direitos aos recebimentos de benefícios previdenciários e assistenciais”.
Isso porque a autoridade coatora para fins de mandado de segurança
é aquela que pratica o ato ou que tenha poderes para anulá-lo. No caso, é o
gerente executivo a autoridade competente para deferimento, indeferimento, suspensão e cancelamento do benefício.
Impetrado o mandado de segurança, o juiz determinará a oitiva da
autoridade coatora, para que preste esclarecimentos, bem como a Procuradoria Federal e o Ministério Público Federal, tudo conforme determina o art.
7º da Lei nº 12.016/2009.
O impetrante, por vezes já idoso, fará jus à tramitação prioritária
do processo, nos termos do art. 71 da Lei nº 10.741/2003, e ainda poderá
requerer liminar para concessão da nova aposentadoria, caso se trate de
desaposentação no mesmo regime previdenciário, tendo em vista eventual
prejuízo que estará sofrendo com a diferença entre o seu atual benefício e
o benefício futuro, levando-se em consideração, ainda, que o impetrante,
caso possua idade avançada e problemas de saúde, provavelmente não verá
o resultado final da ação.
A antecipação do provimento jurisdicional, nesse caso, resultará na
efetividade da ação ao segurado, que provavelmente não mais possui tempo
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para esperar o trânsito em julgado, lembrando-se, ainda, que se trata de verba de natureza alimentar que demanda iminente decisão jurisdicional para
garantir a dignidade ao segurado para usufruir do ócio sem prejuízo de seu
sustento ou de sua família.
O mandado de segurança, por sua própria natureza e nos termos
da legislação, seguirá percurso processual mais ágil que os procedimentos
ordinários, ou mesmo os de competência dos juizados, pois possui prova
pré-constituída, e os prazos para manifestações das partes são reduzidos,
destacando, ainda, prazo para o próprio juiz proferir decisão.
Assim, resta claro que, em alguns casos, a ação especial do mandado
de segurança serve melhor aos segurados do que as ações de rito ordinário
ou dos Juizados Especiais. No caso da desaposentação, conseguindo o impetrante toda a documentação para subsidiar o seu pedido, o mandado de segurança é, sem dúvida, a arma processual mais eficaz para garantir o seu direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme visto, o instituto da desaposentação é pacífico em nosso
ordenamento, o segurado aposentado que tiver vertido contribuição ao sistema previdenciário após a sua aposentação terá direito líquido e certo à
desaposentação.
Contudo, a busca por tal direito, diante da sobrecarga do sistema judiciário, se torna enfadonha, e o detentor de tal direito, por vezes, nem verá
o resultado final de sua busca.
As atuais armas processuais para garantir celeridade aos processos
não mais repercutem da forma como foram idealizadas, tramitação especial
ao idoso e tutela antecipada em um Juizado Especial Federal já não resultam
em efetividade.
As varas comuns estão menos sobrecarregadas do que os Juizados Especiais Federais, principalmente devido à competência absoluta destes para
julgar ações com valores inferiores a sessenta salários-mínimos.
Assim, ao segurado aposentado que precisa com urgência de sua desaposentação, o mandado de segurança é sua melhor opção. Contudo, nesse caso, a negativa da Autarquia Federal é necessária para que surja o direito
líquido e certo do impetrante.
Entretanto, tal fato é superado pela tramitação especial do mandado
de segurança, especificamente tratando-se de desaposentação, pois a prova
é pré-constituída, ou seja, puramente documental, apresentada com a petição inicial, não havendo necessidade de oitiva de testemunhas.
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Por isso a imensa maioria do segurados que possuem direito à desaposentação já podem comemorar, pois por meio do mandado de segurança
a tutela jurisdicional será eficaz e célere.
REFERÊNCIAS
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do INSS mais rapidamente através do mandado de segurança. Rio de Janeiro:
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MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. 4. ed. São
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MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública,
mandado de injunção, habeas data. 12. ed. São Paulo: RT, 1983.
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