Uma Biblioteca e a vontade de formar leitores.
Prof. Ms. Deisily de Quadros (FARESC)
[email protected]
Graduando Mark da Silva Floriano (FARESC)
[email protected]
Resumo:
Este artigo apresenta alguns resultados do projeto de leitura desenvolvido com crianças da
educação infantil e fundamental 1, cuja intenção é a formação de leitores, percebendo a biblioteca
como espaço de conhecimento e integração do aluno com o mundo da leitura, visando o
conhecimento literário e o interesse pela leitura desde as séries iniciais da educação. O objetivo é
formar professores capacitados para trabalhar no espaço da biblioteca, priorizando os vários
gêneros literários e desenvolvendo diversas atividades como musicalização, artes, dramaturgia,
dança e artesanato, sempre visando às possíveis interpretações do livro de literatura. A proposta
de trabalho é embasada nos estudos sobre os índices de leituras no Brasil como o Retratos da
Leitura no Brasil (2011) e Inaf (2012) e em autores que tecem reflexões sobre a importância da
leitura e da literatura e a formação do leitor, como Marta Morais da Costa e Eliana Yunes.
Palavras-chave: Formação do leitor, literatura e escola, literatura e biblioteca.
1. Introdução
“E aprender a ler, a escrever, alfabetizar-se é, antes de mais nada, aprender a ler
mundo, compreender o seu contexto, não uma manipulação mecânica de palavras ,mas
numa relaçao dinâmica que vincula linguagem e realidade“.
(Severino, Antonio Joaquim)
Atualmente, é consenso que a leitura e a literatura são de suma importância na
formação do ser humano. Muito tem se discutido a questão da leitura em congressos,
encontros, formação continuada. No entanto, percebemos que a escola ainda não tem
obtido êxito em seu grande e talvez maior desafio: formar leitores para a vida. Talvez
porque muitos professores não sejam leitores, talvez por grande parde dos cursos de
licenciatura em Letras e Pedagogia não terem em sua grade curricular uma disciplina que
1
discuta a questão da leitura de literatura, como Literatura Infantil e Juvenil, ou ainda pelo
fato de a escola utilizar os livros de literatura como pretexto para ensinar conteúdos de
variadas disciplinas.
Neste contexto, com a preocupação de formar leitores, trazemos neste artigo um
relato sobre uma experiência desenvolvida na biblioteca de uma instituição particular de
Curitiba.
2. Desenvolvimento
Pesquisas como o INAF (2012 - Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional) e
Retratos da Leitura no Brasil (2011/2012) apresentam dados pouco satisfatórios sobre a
leitura no Brasil: 75% dos brasileiros são analfabetos funcionais, ou seja, decodificam o
que leem, mas não compreendem, e 50% da população brasileira é formada por não
leitores. Destes 50% que se declaram não leitores, 50% diz não ler por falta de tempo e
14% porque não gosta de ler. Estes dados somados ao fato da maior parte dos leitores –
ainda segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil – estarem em idade escolar e de
66% dos leitores lerem livros didáticos mostram que a escola tem fracassado no seu
compromisso mais nobre: formar leitores para a vida, que ultrapassem os muros da
instituição escolar. Muito tem se falado da importância da leitura para a formação humana
em artigos, congressos, palestras e até mesmo em propagandas, bem como da afirmação
de que a leitura de um livro pode ser tão interessante e atrativa como as tecnologias. No
entanto, ainda temos o Brasil como um país de poucos leitores, especialmente de
literatura. Isso acontece, em grande parte, pela falta de formação do professor.
Despreparado, – em Curitiba, por exemplo, são poucos os cursos de Letras e Pedagogia
que oferecem em sua grade a disciplina de Literatura Infantil e Juvenil – o professor
chega em sala de aula ou na biblioteca da escola e, deparando-se com os livros de
literatura, não sabe bem ao certo o que fazer com eles. Então, reproduz o que seus
professores fizeram: trabalha, por meio da literatura, conteúdos de Língua Portuguesa e
outras disciplinas, bem como educação moral. E o texto literário deixa de existir enquanto
2
arte, encantamento, trabalho com a linguagem, fruição para tornar-se utensílio, pretexto.
“A literatura passa a ser pretexto para enfoques e abordagens que a distorcem e
mutilam”. (COSTA, 2007, p.125).
No entanto, a literatura infantil não é utensílio, trampolim para ensinar conteúdos:
envolve, simultaneamente, a razão e a emoção. Sua natureza foge ao padrão
característico da maioria dos textos em circulação social. Histórias que seduzem e
despertam o imaginário de crianças, a literatura infantil é pensamento e arte, e a leitura é
a produção de sentidos e afetividade resultante do encontro do texto literário com a
criança leitora.
Cabe à escola criar esse encontro. E aceitar o desafio de despertar no aluno o
gosto pelo texto literário é o primeiro passo a ser dado pelo professor na formação de
leitores. É pensando neste desafio que o projeto que apresentaremos a seguir vem sendo
desenvolvido.
2.1. O projeto de leitura: a biblioteca e seus encantos
Pensando nos problemas apresentados e na importância da literatura enquanto
subsídio para a formação de sujeitos críticos, autônomos, sensíveis, conhecedores de si,
do outro e do mundo, capazes de vivenciar outras realidades só possíveis por meio da
arte da palavra é que nos pareceu de extrema importância desenvolver um projeto que
possibilitasse a crianças o acesso aos textos literários. Por isso, criamos o projeto “Ler &
Cia”, que tem como foco provocar na criança a imaginação e a criação por meio do
trabalho com a literatura, em um ambiente previamente preparado para isso: a biblioteca.
O principal objetivo do trabalho é fazer com que os livros sejam visitados,
fomentando a vontade de ler na criança e no jovem. Para tanto, é preciso ensinar a eles
comportamentos leitores, como o modo de se portar no ambiente da biblioteca: para que
serve um ambiente como este, como encontrar um livro, como manuseá-lo, o que fazer
neste espaço de leitura. A intenção é tornar a biblioteca um espaço íntimo e acolhedor,
fazendo com que o leitor iniciante a visite por vontade própria no presente e, mais tarde,
quando for adulto.
3
Atuando com 300 crianças e adolescentes desde o maternal até o ensino médio,
oriundos de várias classes socioeconômicas, em um colégio particular de Curitiba, iniciamos o
projeto com a revitalização da biblioteca e do acervo, de modo a tornar o espaço e os
livros mais atrativos para o público leitor em questão. Então, com isso, definimos horários
semanais para que cada turma visitasse a biblioteca como uma aula extracurricular. Neste
espaço de leitura, os frequentadores participam de várias atividade como contação de
história, rodas de leitura, trabalhos com poesia, produção de texto e de cartazes, criação
de cenários, oficinas de teatro e de artes, jogos que estimulem a leitura e a alfabetização
entre outros.
A proposta é que a biblioteca seja um local divertido e livre de todo tipo de
preconceito: o frequentador deste espaço poderá ler o que desejar e, pouco a pouco, será
desafiado a percorrer livros para leitores em estágio mais avançado de leitura. Com isso,
observamos
que
a
biblioteca,
antes
vazia,
passou
a
ser
frequentada
por
aproximadamente 200 leitores por semana, que leem desde os clássicos da literatura até
os livros de literatura contemporânea. O empréstimo de livros é realizado semanalmente,
dando a possibilidade de se ler uma quantidade maior de livros, e a criança pode ficar
com eles durante uma semana. São realizados cerca de 150 empréstimos por semana.
Consideramos este trabalho de extrema importância para formar leitores críticos e
criativos, capazes de resolver problemas, que compreendam melhor a si mesmos, o outro
e o mundo a sua volta. Desse modo, colocamos em sintonia os três componentes da
literatura: autor, leitor e texto. “O autor, ao construir o texto de imaginação em linguagem
criativa, propõe ao leitor um desafio e um contrato” (COSTA, 2007, p. 65). E, desafiado
pelo texto literário, não é apenas a imaginação do leitor que é acionada: recursos
cognitivos como a atenção, a memória, o esforço mental, a vontade, a disponibilidade, o
estabelecimento de relações, a seleção e as inferências também são. E são essas
inferências que contribuirão para a atribuição de um significado ao texto.
Desse modo, é o leitor que irá colaborar para a atribuição de um sentido ao texto.
O entendimento deste se dará a partir do repertório de experiências vividas, ouvidas,
imaginadas ou lidas que o leitor possui. Assim, é o leitor que dá vida ao livro, iluminando-o
com uma nova interpretação e sendo por ele iluminado, ampliando o seu repertório de
4
leitura, o seu repertório de vida.
Considerações finais
O projeto apresentado tem dado bons resultados: a biblioteca tem sido mais
visitada e livros mais emprestados. Acreditamos que isso se deve ao trabalho que vem
sendo desenvolvido com os alunos na tentativa de mostrar que a literatura é o acesso a
outros mundos que só podemos conhecer por meio da arte da palavra.
Os alunos, mais que ouvintes, são convidados a interagir com o texto, tornando-se
capazes de projetar suas imaginações e suas curiosidades, bem como seus limites. A
preferência e a escolha dos alunos são respeitadas, pois acreditamos que, como afirma
Eliana Yunes (2002, p. 26): “não se vai sozinho ao encontro, não se vai nu, mas com toda
a carga de memória que se tem e das próprias experiências”. Nosso aluno já apresenta
um repertório de leitura e é preciso partir dele para que novos desafios sejam lançados e
leituras mais instigantes e consistentes sejam realizadas.
Pensamos na literatura como uma leitura prazerosa e não imposta pelo professor,
que será um mediador, auxiliando os alunos na escolha de seus livros, de suas histórias,
na tentativa de criar autonomia e desenvolver na criança um comportamento leitor. Assim,
a escola tem como fundamento a formação de leitores, cabendo a ela inserir a criança no
mundo de encantamento que a literatura traz.
Desta forma, a escola, enquanto instituição social, e os professores, enquanto
agentes da leitura e mediadores, são responsáveis pela promoção do crescimento do
leitor,
seja pelo contato com muitos e variados temas de leitura, seja quanto ao formato
da escrita literária, seja, ainda, pelo compartilhamento e pela discussão de idéias
com o uso da argumentação sólida e coerente. (COSTA, 2007, p.10).
E, neste sentido, acreditamos, por fim, ser de grande valia a formação de mais
profissionais que possam ser mediadores de leitura – esta é a nossa pretensão,
5
estendendo nosso projeto a outros locais de Curitiba –, principalmente em locais
considerados de risco social, em que as crianças e os jovens têm pouco ou nenhum
contato com os livros de literatura, na tentativa de torná-los perigosamente mais
humanos.
Referências
COSTA, Marta Morais da. Metodologia do ensino da literatura infantil. Curitiba: IBPEX,
2007.
FREIRE, PAULO. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez Editora, 1889.
YUNES, Eliana (org.). Pensar a leitura: complexidade. Rio de Janeiro: PUCRIO, 2002.
6
Download

Uma biblioteca e a vontade de formar leitores