Desvio de Função: o Caso da Universidade Federal de Viçosa Autoria: Marcella Cristiane Vasconcelos Ferreira, Simone Martins, Marco Aurélio Marques Ferreira, Gustavo Guimarães Avelar Oliveira RESUMO Gerenciar recursos humanos em instituições públicas é um desafio, pois a estrutura organizacional é rígida e inflexível e os cargos se tornam fechados e limitados, contribuindo, assim, para o surgimento do desvio de função que é a situação na qual o servidor exerce atividades distintas daquelas para as quais foi contratado. No presente trabalho realizou-se um estudo de caso na Universidade Federal de Viçosa com o objetivo de identificar os principais aspectos que contribuíram para o desvio de função, verificando a dimensão atual e identificando os esforços da instituição para a resolução do problema. Para tanto, foram analisados 237 casos oficializados por processo judicial. Verificou-se que apesar da existência de lei que proíbe o desvio de função, esta não foi suficiente para inibir o aparecimento de novos casos, justificados por necessidades institucionais aliadas ao desejo de desenvolvimento profissional do servidor. Percebeu-se que houve esforço da instituição para resolução dos problemas. No entanto, os dirigentes reconhecem que o quadro atual de desvios pode ser ainda mais expressivo e temem que outras ações judiciais possam ser formalizadas a qualquer momento. Nota-se que a solução para o problema está fora do alcance da instituição, pois depende de determinações governamentais e normas legais. 1. Introdução As últimas décadas foram marcadas por movimentos reformistas no Estado brasileiro provocando mudança comportamental e tendência de modernização dos processos nas instituições públicas. A partir da década 1990, com a criação do Plano Diretor e a Reforma do Estado, o Brasil passou por grandes transformações que começaram a definir princípios voltados à execução de políticas e programas estratégicos orientados a resultados, como a desburocratização, foco no cliente, uso compartilhado de informações, transparência e democratização do acesso às informações (MAGALHÃES, 2006). Esse novo cenário político e econômico, apoiado na valorização do gerencialismo, impôs às Instituições Públicas necessidades de se adaptarem a um ambiente que se mostra cada dia mais dinâmico, exigindo que estas sejam mais ágeis e eficientes. Entretanto, nota-se a falta de pessoas qualificadas e de um plano de carreira que contemple a valorização do servidor público. Atualmente, gerenciar recursos humanos em instituições públicas é um grande desafio, pois a estrutura organizacional é rígida e inflexível e os cargos se tornam fechados e limitados, contribuindo, assim, para o surgimento do desvio de função que é a situação na qual o servidor exerce atividades distintas daquelas para as quais foram contratados. O desvio de função, apesar de ser proibido por lei é considerado uma situação comum na maioria das Instituições Federais de Ensino (IFEs). Trata-se de uma situação complexa, pois as IFEs não podem solucioná-la isoladamente, já que as medidas para correção desses problemas dependem de ações governamentais e de mudanças legais. Torna-se necessária uma estrutura organizacional que contribua diretamente para a utilização eficiente dos recursos, pois em uma estrutura flexível e adaptável, os cargos serão abertos e farão trocas com o ambiente em que estão inseridos. Considerando a relevância do tema e a insipiência de pesquisas na área, optou-se por realizar uma pesquisa exploratória, um estudo de caso na Universidade Federal de Viçosa, com o propósito de identificar os principais aspectos que contribuíram para o surgimento da situação de desvio, verificando a dimensão atual e os esforços da instituição para a resolução do problema. 1 2. Referencial Teórico A evolução do homem foi determinando o modo de produzir uma infinidade de bens e serviços que satisfazem muito além de suas necessidades biológicas, e, com o advento das máquinas, principalmente a partir da Revolução Industrial, as organizações passaram a se desenvolver estruturalmente, tornando o trabalho evidentemente mais eficiente. Com o crescimento das organizações, o trabalho humano começou a ser realmente organizado. No início do século XX, surgiram os pioneiros da racionalização do trabalho, como o engenheiro americano Frederick W. Taylor, utilizando um método de organização objetiva do trabalho que obteve grande repercussão na industrialização nascente. Assim, foi institucionalizada a atividade de trabalho por meio da divisão por nível e especialização, onde a relação entre a organização, seus processos operacionais e a capacitação profissional correspondente é estabelecida pela estrutura organizacional. Conhecer a estrutura de uma instituição significa compreender a sua dinâmica, isto é, conhecer seu negócio, os resultados esperados, os riscos, os desafios, as mutações do ambiente externo e seu impacto no desempenho organizacional. O papel da estrutura organizacional consiste em preservar o equilíbrio da instituição em face das incertezas associadas às mudanças ocorridas internamente e externamente, ou seja, a estrutura se responsabiliza pela previsão e neutralização das incertezas provenientes do ambiente. Se a estrutura organizacional é muito rígida como nas organizações projetadas tradicionalmente e nas instituições públicas, as tarefas são rigorosamente definidas e divididas em trabalhos de rotina, e os cargos são fixos, permanentes e fechados. A hierarquia de autoridade é a principal forma de controle e de tomada de decisão, existindo um grande volume de regras. Segundo Chiavenato (2004), se a estrutura é flexível e adaptável, como nas empresas contemporâneas, as tarefas são freqüentemente redefinidas para se ajustarem às necessidades dos empregados e ambientais e os cargos são maleáveis e abertos, com elevado índice de interação com o ambiente que o circunda. A autoridade baseia-se mais na especialidade que na hierarquia e a tomada de decisão é descentralizada, existindo poucas regras. Desse modo, a estrutura organizacional possui uma função social dentro de determinado contexto tecnológico, desde que posiciona indivíduos no tempo e no espaço. O tipo de estrutura escolhido exerce considerável influência sobre o comportamento dos indivíduos (LOBOS, 1979, p.43). Além disso, a qualidade da estrutura contribui diretamente para a utilização eficiente dos recursos. A estrutura de uma organização é fundamentalmente baseada em tarefas, sendo estas distribuídas entre diversas unidades funcionais e níveis hierárquicos para o alcance de objetivos comuns das instituições. A tarefa é definida por Gil (1994) como atividades individualizadas e rotineiras que são executadas por ocupantes de cargo, constituindo a menor unidade possível dentro da divisão do trabalho em uma instituição. Pontes (1990, p.26) define tarefa como atividade executada por um indivíduo que ocupa determinado cargo. A função surge quando as tarefas suficientes se acumulam para justificar o emprego de um trabalhador. Assim, a função é um agregado de deveres, tarefas e responsabilidades que requerem os serviços de um indivíduo (ZIMPECK, 1992, p.40). As funções que são semelhantes em sua natureza e requisitos são chamadas de cargo, definido como o posto ocupado pelo trabalhador na estrutura organizacional. Chiavenato (2004) o conceitua como composição de todas as atividades desempenhadas por uma pessoa, que podem ser englobadas em um todo unificado e que figura em certa posição formal do organograma da instituição, sendo que para a pessoa o cargo constitui uma das maiores fontes de expectativas e de motivação na organização. De acordo com a com a Lei nº. 11.091, de 12 2 de janeiro de 2005, no setor público cargo é um conjunto de atribuições e responsabilidades previstas na estrutura organizacional que são cometidas a um servidor. Assim, pode-se perceber que os cargos compõem os meios pelos quais a organização aloca e utiliza os seus recursos humanos para alcançar objetivos organizacionais por meio de suas estratégias. 2.1. Desenho e enriquecimento de cargos Como dito anteriormente, todas as atividades desenvolvidas pela organização para o alcance de seus objetivos gravitam em torno dos cargos, o que justifica a importância das organizações procederem ao desenho de cargos, dimensionando, estruturando e combinando os cargos em unidades e departamentos. O desenho de cargos envolve a especificação do conteúdo do cargo, os métodos de trabalho, as relações com os demais cargos e as recompensas para cada cargo no sentido de atender as necessidades dos empregados e da organização, ou seja, define quais e quantos cargos são necessários para a organização desempenhar suas atividades e atingir seus objetivos. Segundo Chiavenato (1999, p.162), desenhar um cargo significa “definir o conteúdo do cargo (conjunto de tarefas ou atribuições que o ocupante deverá desempenhar); os métodos e processos de trabalho (como as tarefas deverão ser desempenhadas); a responsabilidade (quem é o superior imediato); a autoridade (quem são os seus subordinados)”. O desenho de cargos é extremamente importante, pois define o grau de responsabilidade ou de liberdade concedido ao ocupante na instituição, onde pode determinar se o cargo oferece compromisso pessoal com o negócio ou se amarra o indivíduo a condições humilhantes ou a regras burocráticas. Os cargos na área privada, não são estáveis, nem definitivos, estão sempre em inovação e mudança para se adaptarem às contínuas transformações que envolvem a organização. Tais transformações desatualizam rapidamente o conteúdo e a estrutura dos cargos, e por isso, tem-se a necessidade de redesenhar os mesmos frequentemente. É importante observar que os funcionários também sofrem mudanças, eles aprendem novas habilidades, desenvolvem atitudes e enriquecem o seu comportamento frente ao trabalho que executam, e isto também deve ser levado em consideração para atualização dos cargos. Nas instituições públicas percebe-se muitas amarras, seus cargos são mantidos rígidos e elas não preparam seus ocupantes para atender as novas demandas resultantes de um ambiente dinâmico, impondo dificuldades a inovações. Para que as organizações possam acompanhar as transformações, é necessário um desenho de cargos dinâmico, que permita a adaptação do cargo ao potencial de desenvolvimento pessoal do ocupante, feita por meio do enriquecimento de cargos. Para Chiavenato (2004, p.200) enriquecer um cargo significa reorganização e ampliação do cargo para proporcionar adequação ao ocupante no sentido de aumentar a satisfação intrínseca através do acréscimo de variedade, autonomia, identidade com as tarefas e retroação. O enriquecimento do cargo torna-se uma maneira prática e viável para a adequação permanente do cargo ao crescimento profissional do ocupante, pois ele aumenta deliberadamente os objetivos, responsabilidades e desafios das tarefas do cargo para ajustá-las às características do funcionário. Não obstante, ele também funciona como um meio de trazer maior significado ao trabalho, inovação, além de oferecer oportunidades significativas de satisfação das necessidades humanas mais elevadas (CHIAVENATO, 2004). Segundo Chiavenato (1999), existem dois tipos de enriquecimento de cargos: o horizontal, que varia tarefas com a mesma complexidade e responsabilidade entre os cargos do mesmo nível, aumentando a variedade do cargo; e o vertical, que adiciona tarefas mais 3 complicadas ou atribuições administrativas do cargo como planejamento, organização e controle, e busca maiores responsabilidades, aumentando a complexidade do cargo. À medida que o funcionário se desenvolve e aprende novas coisas, as tarefas mais simples e conhecidas do cargo são eliminadas, e vão sendo adicionadas tarefas gradativamente mais complexas, acompanhando o desenvolvimento profissional do indivíduo. Percebe-se que o enriquecimento de cargos oferece elevada motivação intrínseca e melhoria das condições de trabalho, aumento da produtividade, desempenho de alta qualidade e satisfação no trabalho, e, redução das taxas de rotatividade e de absenteísmo do pessoal (CHIAVENATO, 2004). Entretanto, é importante observar que apesar dos aspectos positivos e motivacionais, o enriquecimento de cargos pode eventualmente trazer conseqüências indesejáveis, pois pode provocar sensação de ansiedade e de angústia nas pessoas e até o sentimento de serem exploradas pela organização. 2.2. Descrição e análise de cargos Cada cargo exige certas competências do seu ocupante para que seja bem desempenhado e tais competências variam conforme o cargo, o nível hierárquico e a área de atuação. Assim, para melhor definição dos cargos de uma organização é realizada a descrição de cargos, que consiste num processo de determinar os elementos ou fatos que compõem a natureza de um cargo e que o tornam distinto de todos os outros existentes na organização, sendo um retrato simplificado do conteúdo, tarefas, deveres e de suas principais responsabilidades (ZIMPECK, 1992). O formato comum de uma descrição de cargos inclui o título do cargo, o sumário das atividades a serem desempenhadas e as principais responsabilidades do cargo, podendo incluir as relações de comunicação com outros cargos. A partir da descrição de cargos, é feita a análise de cargos, determinante dos requisitos físicos e mentais que o ocupante deve possuir, as responsabilidades que o cargo lhe impõe e as condições em que o trabalho deve ser feito. Para Pontes (1990, p.26) a análise de cargos é o estudo que se faz para coligir informações sobre as tarefas componentes do cargo e as especificações exigidas do seu ocupante. Já no que tange as especificações do cargo, constituem uma descrição detalhada dos requisitos qualificativos necessários ao ocupante para poder desempenhar adequadamente o cargo, além das responsabilidades envolvidas e das suas condições de trabalho, incluindo as habilidades, traços pessoais e as características individuais que o trabalhador precisa para alcançar um desempenho satisfatório (PONTES, 1990). Nota-se a importância de aplicar um programa de descrição e análise de cargos, pois esse produz subsídios para o recrutamento e seleção de pessoas, para a identificação das necessidades e elaboração de programas de treinamento, para o planejamento de força de trabalho, para a avaliação de cargos, de desempenho e dos critérios de salários (CHIAVENATO, 2004). Após a descrição e análise dos cargos faz-se a classificação dos cargos, tendo como principal propósito identificar as diferenças e semelhanças encontradas, permitindo sistematizá-los e hierarquizá-los em grupos de cargos afins, formando um plano racional que facilita o trabalho da divisão salarial. Este processo resulta da identificação dos cargos que pertencem a uma ou outra categoria funcional e, dentro desta, a uma categoria salarial específica. 2.3. Administração de cargos e salários Para um eficiente sistema de administração de salários é necessário que se tenha boa descrição e análise de cargos, da qual resulta a fixação de salários coerentes. Em uma organização cada cargo tem seu valor, e só se pode remunerar com justeza e equidade os 4 ocupantes de um cargo se for conhecido o valor desse em relação aos demais cargos da organização, além de analisá-los perante o mercado. Sabe-se que ao longo do tempo pode ocorrer descompasso entre as necessidades da organização, dos funcionários e a realidade do mercado e que as questões referentes à remuneração compreendem um grande problema entre empregadores e empregados. Em decorrência disto, aparecerem problemas sob diversas formas, tais como: faltas e atrasos, desmotivação, não cumprimento de prazos, paralisações, manifestações de insatisfação, reclamações trabalhistas, etc. (CARVALHO E NASCIMENTO, 1998, p.18). Salienta-se que, na qualidade de parceiro da organização, cada funcionário está interessado em investir com trabalho, dedicação e esforço pessoal e com os seus conhecimentos e habilidades, desde que receba retribuição adequada. Consoante a isso, as organizações estão interessadas em investir em recompensas para as pessoas desde que possam receber em troca contribuições para alcançar seus objetivos. Assim, a administração de cargos e salários é composta por um conjunto de normas e procedimentos utilizados para estabelecer e manter estruturas salariais imparciais e legítimas na organização, ou seja, é um processo de administrar o programa de remuneração da instituição. Para Lobos (1979, p.79), a remuneração abrange todo e qualquer tipo de compensação material que a empresa, direta ou indiretamente, outorga ao empregado em retribuição aos serviços prestados. A remuneração constitui para a organização um respeitável volume de dinheiro que precisa ser muito bem gerenciado. Como pagar e a quem pagar são dois aspectos cruciais na estratégia das instituições, pois os salários representam um custo e um investimento. Custo, porque o salário se reflete no custo do produto ou do serviço final. Investimento, pois representa a aplicação de dinheiro em um fator de produção (o trabalho) como um meio de agregar valor e obter um retorno a curto ou médio prazo (CHIAVENATO, 1999). Um sistema de remuneração oferece dois tipos de recompensas, a financeira, que tem o salário como elemento mais importante, e a não financeira, como orgulho, auto-estima, segurança no emprego e etc., ambas afetam a satisfação das pessoas com o sistema de remuneração e conseqüentemente com a organização (CHIAVENATO, 2004). O salário é uma demonstração objetiva do quanto à instituição valoriza o trabalho do funcionário, mas não é o único fator de motivação, pois os empregados podem considerar o salário apenas como uma troca justa pelo serviço prestado. Dessa forma, a administração de salários tem como objetivo a motivação, o comprometimento do pessoal, o aumento da produtividade, o controle de custos, o tratamento justo aos funcionários e o cumprimento da legislação. Com isso, espera-se proporcionar uma distribuição eqüitativa dos salários dentro da organização para eliminar qualquer tipo de arbitrariedade. Atualmente, percebe-se que somente o programa de administração de cargos e salários não é mais suficiente para reter talentos nas organizações, assim, surgem novas reivindicações, como por exemplo, a carreira. Um bom programa de carreiras facilita as relações com as pessoas e integram-nas na organização, pois tendo expectativas de crescimento profissional, os funcionários não tendem a sair para outras instituições em busca de maior valorização e melhores perspectivas. Portanto, em uma política de promoção, a tática é estimular o funcionário a ter um desempenho produtivo, não se descuidando de seu aperfeiçoamento por meio de aprendizagem teórica e prática (AQUINO, 1992). Nota-se que as carreiras devem ser o complemento básico para quem implanta a administração de cargos e salários. O plano de carreiras em uma organização tem enfoque na valorização do homem, pois o homem não é um mero recurso, mas sim, um ser que contribui e se compromete com os objetivos organizacionais, buscando crescer profissionalmente e alcançar objetivos pessoais. Desse modo, o plano de carreiras estabelece a inter-relação entre os cargos, e os caminhos que os funcionários têm abertos diante de si para sua ascensão 5 profissional. Portanto, com um bom plano de cargos e salários, pode-se implantar o plano de carreira que é a tendência atual. 2.4. Desvio de função Os planos de cargos das instituições federais de ensino permaneceram fixos por mais de 30 anos. Com planos concebidos há tanto tempo, estas instituições dificilmente conseguiriam adaptar-se as grandes mudanças nos processos de trabalho, principalmente da área tecnológica, decorrente do processo de informatização das atividades administrativas. Tal situação deixou lacuna, que muitas vezes foi preenchida sem a devida observância da lei, dando origem ao problema de desvio de função, que pode ser caracterizado como a situação de exercício de atividades distintas daquelas para as quais o servidor fora originalmente contratado para atender as novas demandas. No antigo Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos – PUCRCE, instituído pela Lei nº 7.596/87 e regulamentado pelo Decreto nº 94.664/87, está estabelecido que é vedada a contratação ou designação de servidor técnico-administrativo para o exercício de atividades diversas das inerentes ao cargo ou emprego de que seja ocupante, sob pena de responsabilidade da autoridade competente. A proibição de desvio de função é reforçada na Lei 8.112/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos servidores públicos civis da união, das autarquias e das fundações públicas federais, ao estabelecer que ao servidor é proibido cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias” e “exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho. De acordo com os textos legais, a situação de desvio de função é expressamente proibida e, existe responsabilização clara à autoridade competente, ao servidor que delega as outras atividades não condizentes com o cargo e também ao próprio servidor que se encontra no exercício de atividades não relacionadas àquelas que foram objeto do contrato original. Apesar das normas legais, ainda encontram-se vários servidores em desvio de função, demonstrando ser um problema de difícil solução. O desvio de função no interior das universidades pode ser atribuído à falta de renovação de quadros, a não abertura de vagas para concursos públicos e a inexistência de mecanismos de desenvolvimento profissional na atual estrutura de carreira, onde as ocupações se limitam a atividades rotineiras e emergenciais (MARIZ, 2004). De acordo com a diretoria de RH da UFMG (2005), várias questões provenientes do próprio PUCRCE favoreceram as situações de desvio de função, uma delas é a desatualização dos cargos e de suas atribuições, onde a descrição das atividades desempenhadas pelos servidores não estão relacionadas com as realizadas efetivamente em seu cotidiano. A atribuição dos cargos do PUCRCE é considerada fechada e foi estabelecida como um “retrato” dos postos de trabalho das instituições em um dado momento. Entretanto, as universidades passaram por mudanças consideráveis, exigindo a participação de servidores com perfis profissionais diferentes daqueles existentes no momento da implantação do plano. Com a impossibilidade de criação, transformação e extinção de cargos, não houve uma adequação das atividades do PUCRCE às transformações do processo de organização do trabalho. Foi observado que o plano não admitiu o ajustamento das funções, como por exemplo, daquelas que foram alteradas com as mudanças impostas pelo incremento da informática, onde várias tarefas foram incorporadas para melhor execução das atividades do mesmo cargo. Aponta-se também como causa do desvio de função a proibição da ascensão funcional. Além disso, a readaptação funcional, motivada por limitações de ordem física ou mental passou a estar restrita a cargos de atribuições afins, o que na prática inviabiliza a solução dos problemas de saúde dos servidores nesta situação. Tal situação não leva em consideração que os servidores também desenvolvem novas habilidades e conhecimentos, 6 sendo sub aproveitados no mesmo cargo com as mesmas atividades ultrapassadas (UFMG, 2005). Ainda, identifica-se que as gerências institucionais em seus diversos níveis e os próprios servidores desconhecem, em sua grande maioria, as reais atribuições de cada cargo. Em 2005, foi instituída a Lei 11.091/05, que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação, no âmbito das Instituições Federais de Ensino vinculadas ao Ministério da Educação, e dá outras providências. Com a nova lei foram ampliadas as possibilidades do servidor se beneficiar com sua capacitação e qualificação, mas o modelo mostra-se ainda inflexível e não possibilita uma ascensão vertical de carreira. 2.5. Plano de Carreira dos servidores técnico-administrativos da UFV Verificou-se que, atualmente, as carreiras do pessoal técnico-administrativo da UFV são as especificadas na Lei 11.091 de 12/01/2005, lei que define o plano de carreira como os princípios, diretrizes e normas que regulam o desenvolvimento profissional dos servidores titulares de cargos que integram determinada carreira, constituindo-se em instrumento de gestão do órgão ou entidade. Anteriormente, o plano de carreira era regulado pelo PUCRCE, instituído em 10/04/1987 pela Lei 7.596. Os servidores eram classificados pelo PUCRCE em três níveis: apoio, intermediário e superior. Para mudança de nível era preciso sair da carreira e entrar novamente através de outro concurso. Com a Lei nº 11.091, os cargos pertencentes ao PUCRCE foram agrupados em cinco níveis de classificação (A, B, C, D e E), compondo um conjunto de cargos de mesma hierarquia classificados a partir do requisito de escolaridade, nível de responsabilidade, conhecimentos, habilidades específicas, formação especializada, experiência, risco e esforço físico para o desempenho de suas atribuições. Os níveis A e B da nova lei correspondem ao nível de apoio do PUCRCE, C e D ao nível intermediário e E ao nível superior. Para cada nível de classificação existem quatro níveis de capacitação que possibilitam a progressão por capacitação profissional. Para cada nível de capacitação existem dezesseis padrões de vencimentos que são justapostos entre si. A remuneração dos integrantes do Plano de Carreira é composta do vencimento básico acrescido dos incentivos e demais vantagens pecuniárias estabelecidas na Lei. O padrão de vencimento básico é a posição ocupada pelo servidor na escala de vencimento da carreira, em função do nível de capacitação, cargo e nível de classificação, correspondendo a uma faixa salarial. O ingresso do servidor no plano de carreira começa no padrão inicial do primeiro nível de capacitação em um nível de classificação e se dá por meio de concurso público de provas ou de títulos, observadas escolaridade e experiência. O edital define as características de cada fase do concurso público, os requisitos de escolaridade, a formação especializada e a experiência profissional, os critérios eliminatórios e classificatórios, bem como eventuais restrições e condicionantes decorrentes do ambiente organizacional ao qual serão destinadas as vagas. A progressão do servidor técnico-administrativo acontece nos termos do regimento de admissão, promoção e aperfeiçoamento, obedecida a legislação vigente que mantém a divisão em classes e não corrige a inflexibilidade no que se refere à mudança de carreira, visto que a mudança de nível de capacitação e de padrão de vencimento não acarreta em mudanças de nível de classificação. É importante ressaltar que a progressão ocorre exclusivamente por mudança de nível de capacitação profissional ou progressão por mérito profissional. O nível de capacitação é caracterizado em decorrência da capacitação profissional para o exercício das atividades do cargo ocupado, realizada após o ingresso. 7 A progressão por capacitação profissional é a mudança de nível de capacitação, no mesmo cargo e nível de classificação, decorrente da obtenção pelo servidor de certificação em programa compatível com o cargo ocupado, o ambiente organizacional e a carga horária mínima exigida. A progressão por mérito profissional consiste na mudança para o padrão de vencimento imediatamente subseqüente, a cada dois anos de efetivo exercício, desde que o servidor apresente resultado fixado em programa de avaliação de desempenho, observado o respectivo nível de capacitação. 3. Definições metodológicas 3.1. Unidade de análise O estudo foi realizado na Universidade Federal de Viçosa (UFV), cuja estrutura organizacional é composta por quatro Centros de Ciências (Agrárias, Biológicas e da Saúde, Exatas e Tecnológicas e por fim, Humanas, Letras e Artes) e seis Pró-Reitorias (três acadêmicas e três administrativas). Esses órgãos são responsáveis por administrar o exercício simultâneo de atividades de ensino, de pesquisa e de extensão em uma ou mais áreas de conhecimento, respeitadas as normas legais, estatutárias, regimentais e as resoluções dos órgãos competentes. Os Centros são compostos por vinte e oito departamentos, sendo estes unidades acadêmicas básicas da estrutura universitária para todos os efeitos de organização administrativa, didático-científica e de distribuição de pessoal e compreende disciplinas afins. As Pró-Reitorias acadêmicas e administrativas se encarregam da gestão e coordenação geral das atividades em suas respectivas áreas. O corpo técnico-administrativo da UFV é composto por 2473 servidores que desempenham cargos e funções próprias das áreas técnicas, administrativas e de apoio às atividades-fins. Os servidores são lotados em unidades acadêmicas ou administrativas da Universidade, prevalecendo sempre o interesse da Instituição. 3.2. Classificação do estudo Para a classificação da pesquisa foi considerado o critério adotado por Vergara (1997), que a qualifica em relação a dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios. A pesquisa caracteriza-se quanto aos fins, como exploratória e descritiva. Segundo Selltiz (1967) “uma pesquisa exploratória é aquela que tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses”. Um estudo dessa natureza é recomendado quando há pouco conhecimento sobre o problema a ser estudado, como é o caso do tema Desvio de Função. A pesquisa também terá características descritivas em função do objetivo de identificar, compreender e descrever algumas características do desvio de função, sem manipulá-los. Segundo Gil (2002) “as pesquisas descritivas são aquelas que têm como objetivo primordial à descrição das características de determinada população ou fenômeno, ou então o estabelecimento de relações entre as variáveis”. Quanto aos meios, a pesquisa se caracteriza por bibliográfica, documental e estudo de caso. Optou-se pelo estudo de caso na UFV com perspectiva de que este sirva como pesquisa preliminar para outros estudos mais aprofundados sobre a situação de desvio de função. Cervo e Bervian (2002, p.67) definem um Estudo de Caso “como uma pesquisa sobre determinado individuo, família, grupo ou comunidade que seja representativo do seu universo, para examinar aspectos variados de sua vida”. A pesquisa bibliográfica foi realizada visando à maior compreensão das diferentes interfaces do assunto em questão. Na pesquisa documental, foram consultados: leis, portarias, manuais que regem as IFES e documentos da Diretoria de Recursos Humanos da UFV, no sentido de conhecer detalhadamente a estrutura do Plano de Cargos dos servidores e conhecer a distribuição de funcionários e cargos na instituição. 8 Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas com dirigentes e exdirigentes da Diretoria de Recursos Humanos, com intuito de identificar os principais problemas que deram origem a situação de desvio de função na UFV. Os dados secundários foram coletados por meio de consulta aos processos judiciais, que, segundo os dirigentes de RH, correspondem a todos os casos de desvio de função já identificados na instituição. Para análise das entrevistas, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, que tem por objetivo identificar o que está sendo expresso sobre determinado assunto (VERGARA, 2005). Trata-se de um método de pesquisa que utiliza um conjunto de procedimentos específicos que permite realizar inferências válidas de textos. Na análise de conteúdo os vários dados obtidos são classificados em algumas poucas categorias de conteúdo. É um processo de redução crucial, pois a classificação deve ser confiável e consistente, devendo gerar variáveis válidas, que devem representar fielmente o construto que se deseja avaliar (WEBER, 1990). Utilizando-se dessa técnica, as respostas às perguntas que compuseram as entrevistas foram classificadas e agrupadas de acordo com as variáveis e os construtos que se desejava estudar. As respostas foram tabuladas e apresentadas em forma estruturada para análise e, posteriormente, foram interpretadas. Buscou-se identificar, na percepção dos dirigentes de recursos humanos, as principais causas para o desvio de função, como se apresenta a situação atual na instituição e quais as principais ações para solucionar o problema. A população estudada compreende 100% dos servidores que oficializaram a situação de desvio por meio de processo judicial, correspondendo a aproximadamente 10% do quadro total, ou seja, 237 servidores. Os dados foram coletados em dezembro de 2006, sendo que para a análise quantitativa foi utilizado o software SPSS versão 15.0. Para comparar a proporção de casos que ocorreu até 1987, ano da implementação do PUCRCE, com a proporção daqueles que ocorreram após esta data, utilizou-se o teste binomial. Segundo Triola (2005), as distribuições de probabilidade binomial são importantes porque nos permite lidar com circunstâncias nas quais os resultados pertencem a duas categorias relevantes. Para realizar o teste de proporção utilizou-se da equação do Z-escore da distribuição normal padronizada como aproximação da distribuição binomial, pois nesse caso o valor do n é superior a 30. Utilizou-se da seguintes equações: Equação Î z= x−μ σ , onde: (1) Equação Î μ = np (2) Equação Î σ = npq (3) Em que, “n” representa o número fixo de tentativas; “x” representa o número específico de sucessos em n tentativas, de modo que x pode ser qualquer número inteiro entre 0 e n, inclusive; “p” representa a probabilidade de sucesso em uma das n tentativas; “q” representa a probabilidade de fracasso em uma das n tentativas. Com o intuito de verificar o esforço da instituição para resolução da situação de desvio de função, utilizou-se o que o teste de sinais. Os teste de sinais, de acordo com Triola (2005), é um teste não-paramétrico (livre de distribuição) que usa os sinais de mais e de menos para testar diferentes afirmativas, incluindo afirmativas que envolvem dados nominais”. (x + 0,5) − ⎛⎜ n ⎞⎟ Equação Î Z= ⎝2⎠ n 2 (4) 9 Em que, “x” é o número de vezes que o sinal menos freqüente ocorreu; e “n” é o número total de sinais positivos e negativos combinados. Para o sinal de “mais” foram considerados os casos em que a situação foi resolvida e para o sinal de “menos” os casos que ainda não foram solucionados. Para identificar as características do desvio de função na UFV, no que se refere a movimentação dentro da carreira e dentro da instituição, utilizou-se, também, o teste de sinais, sendo que o sinal de “mais” foi utilizado para os casos de desvio externo (entre unidades/setores) e para aqueles que apresentam uma movimento vertical no plano de carreira. O sinal de “menos” foi utilizado para os casos de desvio internos (ocorridos dentro das próprias unidades/setores) e para aqueles que apresentam uma movimentação horizontal no plano de carreira. 5. Resultados e Discussão Com os dados obtidos na análise de conteúdo, verificou-se que, na percepção dos exdirigentes e da atual dirigente de Recursos Humanos, o desvio de função na UFV surgiu concomitantemente com a emergência de novas demandas observadas no processo de transformação ao qual a instituição foi submetida ao longo dos anos, deixando de ser essencialmente agrária e passando a diversificar sua atuação. Para o atendimento a estas demandas, tornavam-se necessárias alterações na estrutura organizacional, entretanto, o quadro já estava composto por servidores que exerciam funções incompatíveis com a nova realidade. Segundo os dirigentes, com a morosidade ou impossibilidade de novas contratações e a necessidade de preencher lacunas, as chefias tomavam providências individualizadas para ocupação do cargo vacante, fazendo uma redistribuição interna, sem concurso, sem treinamento, sem a preocupação com a eficiência do órgão/departamento, sem a preocupação com o desempenho do setor e sem observar se as atividades eram compatíveis com a real situação do funcionário perante a instituição, ou seja, remanejando para outro grupo ocupacional sem observar o plano de cargos e salários vigente. Por outro lado, os servidores na busca por melhores condições de trabalho e reconhecimento, viram nesta situação uma oportunidade para refazer sua história na instituição. Dessa forma estas ações foram se repetindo e se multiplicando ao longo dos anos, transformando-se em um grave problema para a instituição. Percebe-se, assim, que por um lado as chefias buscavam resolver um problema imediato da melhor maneira possível e, por outro lado, os servidores encontravam-se motivados a ocuparem cargos diferentes daqueles para os quais foram contratados, com a finalidade de atender suas necessidades pessoais. Entretanto, após atender as suas necessidades básicas, os servidores percebiam que as novas atividades desempenhadas não eram compatíveis com o salário que recebiam, dando início a busca pelo reconhecimento em forma de melhores salários, apropriado ao novo cargo e as novas atividades desempenhadas. Tal situação foi formalizada por meio de processo judicial. De acordo com os registros documentais, foi possível constatar que o maior número de casos ocorreu na década de 1980, período marcado por grande diversificação de atuação da UFV, com a criação de novos cursos em diferentes áreas (senão agrícola e de saúde), novos programas de pós-graduação, enfim, um momento de desenvolvimento institucional. Segundo os dirigentes, nesta década houve necessidade de ampliação da força de trabalho, e de uma melhor qualificação para os servidores. Desse modo, a situação de desvio não poderia ser ignorada, pois havia se transformado em grave problema e, conscientes disso, os dirigentes iniciaram a busca por soluções. Verificou-se que em 1986 foi criada uma comissão de enquadramento, formada pelos membros da Comissão Permanente do Pessoal Técnico-Administrativo – CPPTA e pela DRH, identificada como a primeira tentativa para solucionar o problema. De acordo com os 10 entrevistados, a comissão trabalhou caso a caso, no período de 1986 e 1987, buscando identificar se realmente a solicitação dos servidores se tratava de desvio e, ainda, propondo ações para que os casos de disfunção fossem resolvidos. Segundo informações da DRH, no final de 1987, todos os casos de desvio de função da UFV foram resolvidos. Apesar do esforço da comissão, foi verificado que os motivos que levaram ao surgimento do desvio de função naquele período permanecem, apesar da implementação do Decreto 94.664 em 1987 que, dentre outros objetivos, proibia o exercício de atividades diversas ao cargo ocupado por um servidor técnico-administrativo. Ainda hoje, nota-se a ausência de política de recursos humanos que permita suprir cargos vacantes com a devida agilidade exigida por um ambiente dinâmico em que as instituições públicas estão inseridas, impondo amarras e pouca flexibilização na gestão de pessoas. Observou-se que há esforço da diretoria de Recursos Humanos para contornar os problemas, mas sem a pretensão de solucioná-los. A Instituição reconhece que o desvio de função é um problema grave e que há necessidade de buscar soluções para o enquadramento correto dos seus servidores. 5.1. Situação Atual do Desvio de Função na UFV Atualmente, a Diretoria de Recursos Humanos trabalha com a perspectiva de que todos os casos de desvio de função estão identificados por meio de processo judicial, totalizando 237, que correspondem a aproximadamente a 10% do total de servidores técnicos administrativos da UFV. Além dos casos já formalizados, a diretoria de Recursos Humanos reconhece a possibilidade de existência de outros que ainda não foram identificados, e que, em algum momento poderão se confirmar, exigindo providências da Instituição. De acordo com os casos analisados, verificou-se que a maioria dos servidores que formalizaram processo de desvio de função são do sexo masculino, correspondendo a 93%, e na faixa etária de 41 a 55 anos se encontram 70% do total, Tabela 1. Verificou-se, ainda, que 84% são casados e que a maioria dos servidores mantém vínculo com a universidade por um período de 11 a 30 anos, sendo que a média observada foi de 21 anos, o tempo mínimo verificado de 6 e máximo de 35 anos. Tabela 1 – Informações sobre os servidores em situação de desvio de função Faixa Etária 34 a 40 41 a 45 46 a 51 51 a 55 56 a 60 61 a 65 Não informado Total Estado Civil Casado Solteiro Outros Não informado Total Tempo de Serviço Até 10 anos 11 a 20 anos 21 a 30 anos Acima de 30 anos Total Homens Quant. 35 54 59 44 17 7 5 221 % 15 23 25 18 7 3 2 93 Mulheres Quant. 2 4 4 2 4 16 % 1 1 2 1 2 7 Total acumulado Quant. % 37 16 58 24 63 27 46 19 21 9 7 3 5 2 237 100 186 14 16 5 221 78 6 7 2 93 12 3 1 16 6 1 0 7 198 17 17 5 237 84 7 7 2 100 5 112 93 11 221 2 47 39 5 93 10 6 16 4 3 7 5 122 99 11 237 2 51 42 5 100 Fonte: Dados da pesquisa 11 Conforme os dados apresentados na Tabela 2 verificou-se que 24% dos casos formalizados judicialmente tiveram início antes de 1987. De acordo com informações da Diretoria de Recursos Humanos da UFV, no final de 1987 todos os casos de desvio de função foram resolvidos. Entretanto, com a pesquisa documental foi possível observar que naquele momento a Universidade não conseguiu sanar o problema, como declarado. Tabela 2 – Situação de desvio de função na UFV Período de Incidência Pré-Legislação (até 1987) Pós-Legislação (após 1987) Data desconhecida Total Nº de casos dezembro/2006 57 177 3 237 Proporção % 24 74 2 100 Teste Proporção Sig (bi-caudal) ,50 0,000 Fonte: Dados da pesquisa Considerando que o PUCRCE e o RJU proibiram o desvio de função, acredita-se que nenhum caso deveria ocorrer a partir de 1987. No entanto, verificou-se estatisticamente, a significância de 1%, Tabela 2, que a proporção de casos de desvio de função que tiveram origem após a vigência da Lei, 177 novos casos, é maior que a proporção dos casos que tiveram origem no período anterior. Desta forma, pode-se inferir que as normas legais que proibiram o desvio de função não foram eficazes na resolução do problema e não inviabilizaram o aparecimento de novos casos na Universidade Federal de Viçosa. Foi observado que no ano de 2003 a Diretoria de Recursos Humanos se mobilizou para solucionar os problemas de desvio de função, dando início a um trabalho exaustivo na busca de alternativas para resolver a situação e definir procedimentos a serem adotados para amenizar os impactos negativos no trabalho. Foi observado que no período de 2003 a 2006, além da necessidade de gerenciar a força de trabalho, ainda existia a preocupação da DRH com a presença do Ministério Público que fiscaliza as instituições, obrigando-as a estarem de acordo com a legislação. De acordo com os dados apresentados na Tabela 3, verificou-se estatisticamente, a 1% de significância, que a maioria dos casos foram resolvidos, o que demonstra que está havendo esforço da instituição para solucionar o problema. Tabela 3 – Esforços institucionais para resolução do problema de desvio de função Casos Nº de casos dezembro/2006 Proporção % Resolvidos (+) Não resolvidos (-) Não informado Total 154 80 3 237 66 33 1 100 Sig (bi-caudal) 0,000 Fonte: Dados da pesquisa Percebeu-se que dos 237 servidores que oficializaram a situação de desvio de função, 220 foram contratados para exercício de atividades no nível de apoio e, aproximadamente 27% destes pleitearam cargos no mesmo nível, ocorrendo, assim, um movimento horizontal. Os demais servidores do nível de apoio almejaram cargos do nível intermediário, realizando um movimento vertical, caracterizando ascensão no plano de carreira. No nível intermediário 12 observou-se equilíbrio entre os movimentos horizontais e verticais, sendo que 52% continuaram no mesmo nível e 48% demandaram cargos de nível superior, Figura 1. Nível dos Cargos Pleiteados pelos Servidores 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% Nível Cargos de Origem 9 60 8 159 1 Apoio Intermediário Superior Intermediário 0 9 8 Apoio 60 159 1 Figura 1. Nível dos cargos ocupados pelos servidores em desvio de função na UFV. Fonte: Dados da pesquisa. Verifica-se na Figura 1 que 60 servidores (25% do total) que se encontravam classificados no nível de apoio quando formalizaram o processo, demandavam cargos no mesmo nível. Outros 159 servidores do nível de apoio (67% do total) demandavam cargos classificados no nível intermediário e, apenas um servidor desse nível pleiteava cargo de nível superior. No que se refere aos servidores que estavam enquadrados no nível intermediário, nove pleiteavam mudanças para o mesmo nível e oito para o nível superior. Dos cargos de origem (para os quais os servidores foram contratados) do nível de apoio, há maior incidência para Servente de Obras, Auxiliar Operacional e Auxiliar em Agropecuária, que juntos somam 54% do total. Em relação aos cargos pleiteados, verificou-se que a maior concentração está nos cargos de Contínuo, Laboratorista, Auxiliar em Administração, Operador de Máquinas Agrícolas e Técnico em Móveis e Esquadrias, que juntos correspondem a aproximadamente 49% do total. No que se refere ao local de desvio, foi possível perceber a maioria dos casos se concentram na Pró-Reitoria de Administração (53% do total) e o Centro de Ciências Agrárias se apresenta como o segundo maior responsável (com 21% dos casos). Tais dados estão em consonância com as opiniões dos dirigentes de RH, pois, nos últimos anos, estes órgãos administrativos reduziram postos de trabalho no campo e passaram por um processo de mudança estrutural para atender as novas demandas. Com base nos resultados apresentados na Tabela 4, verificou-se que o maior número de casos de desvio ocorreu no âmbito interno das unidades acadêmicas ou técnicoadministrativas, ou seja, os servidores prestavam serviços em unidades distintas das quais estão lotados oficialmente. No que se refere ao plano de carreira, prevaleceu um movimento vertical, indicando que os servidores estão pleiteando cargos que se encontram hierarquicamente inseridos em níveis superiores da classificação de cargos. 13 A partir de tais constatações e de acordo com opiniões dos dirigentes de RH, pode-se inferir que devido às mudanças ocorridas na estrutura organizacional da UFV ao longo das últimas décadas, tornou-se necessária a readaptação da força de trabalho, alocando servidores anteriormente contratados para serviços que objetivavam a ampliação da infra-estrutura e produção agrícola para outros fins. Segundo os dirigentes, o processo de crescimento e expansão relacionado à estrutura física que a instituição foi submetida ao longo de seus 81 anos de existência, ademais de uma expansão significativa na área acadêmica, consubstanciada na criação de novos cursos, novos departamentos, novas unidades administrativas e na ampliação expressiva de vagas na graduação e na pós-graduação, explicam as situações de desvio. Na opinião dos mesmos, esse processo resultou na contratação de muitos servidores para atuarem nos “canteiros de obras”, para desempenhar atividades que hoje são exercidas por empresas contratadas e em proporções muito menores das verificadas no passado. Nota-se que ocorreu mudança no gerenciamento dos recursos e da força de trabalho, que conseqüentemente, promoveu mudanças na estrutura organizacional, mas estas se depararam com as amarras na legislação e no próprio plano de carreira do serviço público. Tabela 4 – Caracterização do Desvio de Função na UFV Tipo de movimentação Nas Unidades/Setores No Plano de Carreira Interno Externo Horizontal Vertical 84 (-) 153 (+) 70 (-) 167 (+) Sig (bi-caudal) ,000 Fonte: Dados da pesquisa No que se refere aos servidores em casos de desvio vertical, supõe-se que estes eram motivados a migrar de atividades que exigiam maior força física para atividades de apoio aos departamentos, sendo focadas no ensino e na pesquisa, que proporcionavam maior conforto, além de provavelmente estarem relacionadas à sua auto-realização. Para os casos de desvio horizontal, acredita-se que os servidores foram motivados a mudarem de cargos devido ao menor esforço físico exigido, aliado à possibilidade de desempenhar as tarefas em local de mais fácil acesso, ou seja, com melhores condições ambientais. Tais observações são suposições que poderão ser confirmadas em outros estudos. Segundo os dirigentes, existe a real necessidade de atender as novas demandas e de aproveitar a força de trabalho anteriormente alocada para atividades que não condizem com a realidade atual, o que tem levado os gestores a aperfeiçoar a força de trabalho, o que muitas vezes resulta no aumento de casos de desvio na UFV. 6. Considerações Finais Com o presente estudo observou-se que um dos aspectos que contribuiu para o surgimento do desvio na UFV foi a necessidade iminente de gerenciar os recursos para atender as novas demandas. Para tanto, tornou-se necessário aproveitar a força de trabalho que anteriormente foi alocada para atividades que não condizem com a realidade atual, encontrando, assim, dificuldades em se adequar ao plano de carreira inflexível e defasado. Verificou-se que após a vigência do PUCRCE surgiram novos casos de desvio de função, em proporção maior que o observado no período anterior, ficando constatado que a norma legal não foi eficaz para solucionar o problema. Na UFV, a maioria dos servidores que formalizaram a situação de desvio de função declarou que presta serviços em unidades distintas das quais estão lotados oficialmente e exercem atividades relacionadas a cargos que 14 estão classificados em nível hierarquicamente superior na tabela de classificação de cargos e salários, caracterizando movimentação vertical no plano de carreira. Percebeu-se que parte significativa dos casos de desvio de função na UFV ocorreu na unidade que agrega o maior número de servidores no nível de apoio, a Pró-Reitoria de Administração, e que os cargos mais afetados foram Servente de Obras, Auxiliar Operacional e Auxiliar em Agropecuária. Considerando que a lei não permite o desvio de função e impõe ao servidor a necessidade de submeter-se a um novo concurso para mudança de cargo, notou-se que qualquer decisão tomada pela DRH trará prejuízos para a instituição e para os servidores. Dessa forma, enfatiza-se a necessidade de uma adaptação urgente das Instituições Federais de Ensino, como forma de conseguir manter ou ampliar o quadro de pessoal atual e qualificar os recursos humanos disponíveis. Os resultados desta pesquisa sugerem reflexões sobre os paradigmas norteadores da construção da estrutura de cargos e pessoal nas Instituições de Ensino Superior. Nota-se, com base na percepção dos dirigentes, que os instrumentos que poderiam minimizar ou resolver a questão encontram-se, em grande parte, fora do alcance das instituições, pois estas dependem de determinações governamentais e normas legais. Acredita-se que esse tema é de grande relevância para a administração pública e que futuras pesquisas poderiam aprofundar na identificação das causas, conseqüências e possíveis soluções, além de estudos que privilegiem a satisfação do servidor nesse contexto. 7. Referências Bibliográficas AQUINO, Cléber Pinheiro de. Administração de Recursos Humanos. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 1992. CARVALHO, Antonio Vieira de; NASCIMENTO, Luiz Paulo do. Administração de Recursos Humanos. 1ª ed. São Paulo: Pioneira, 1997. CERVO, A. L.; BERVIAN, P. A. Metodologia científica. São Paulo: Prentice Hall, 2002. CHIAVENATO, Idalberto. Administração de Empresas - uma abordagem contingencial. 3ª ed. São Paulo: Makron Books, 1994. _________. Recursos Humanos. Edição Compacta. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1994. _________. Recursos Humanos. Edição Compacta. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 1998. _________. Administração de Recursos Humanos – Fundamentos Básicos. 4ª Ed. São Paulo: Atlas, 1999. _________. Gestão de Pessoas – O Novo Papel dos Recursos Humanos nas Organizações. 1ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999. _________. Gestão de Pessoas. 2ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 2004. DECRETO No 94.664, DE 23 DE JULHO DE 1987, Dispõe sobre o Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos de que trata a Lei nº. 7.596, de 10 de abril de 1987. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D94664.htm Acesso em: 15 nov. 2005. GIL, Antônio Carlos. Administração de Recursos Humanos: um enfoque profissional. São Paulo: Atlas, 1994. ________________. Como elaborar projetos de pesquisa. São Paulo: Atlas, 2002. 15 LEI Nº 8.112, DE 11 DE DEZEMBRO DE 1990, Dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8112cons.htm>. Acesso em: 15 nov. 2005. LEI nº 11.091, de 12/01/2005 , que dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação, no âmbito das Instituições Federais de Ensino vinculadas ao Ministério da Educação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Ato2004-2006/2005/Lei/L11091.htm> Acesso em: out de 2005. LOBOS, Júlio A. Administração de Recursos Humanos. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 1979. LUCENA, Maria Diva da Salete. Planejamento de Recursos Humanos. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 1991. MAGALHÃES, Elenice Maria de; OLIVEIRA, Adriel Rodrigues; ABREU, Simone Martins; e MAGALHÃES, Elizete Aparecida de. Política de Treinamento dos Técnicos de Nível Superior da Universidade Federal de Viçosa na Percepção de Ex-dirigentes da Instituição. In: 30º Encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração, 2006, Salvador. Anais do 30º EnANPAD, 2006, CD-ROM. MARIZ, Luiz Afonso Henrique. Sindicato dos Trabalhadores em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004. Disponível em: <http://www.sintufrj.org.br/ jornais_antigos/620/620.asp> Acesso em: 20 nov. 2005. PONTES, B. R. Avaliação de Desempenho - uma abordagem sistêmica. 2ª ed. São Paulo: LTR, 1986. _________. Administração de Cargos e Salários. 4ª ed. São Paulo: LTR, 1990. SELLTIZ. Métodos de pesquisa nas relações sociais. (trad.) Dante M. Leite. São Paulo: Ed. Herder, da USP, 1967. TRIOLA, Mario F. Introdução à Estatística. 9 ed. Rio de Janeiro: LTC, 2005. Universidade Federal de Viçosa. Estatuto e Regimento Interno da UFV. Disponível em: <<http://www.ufv.br>>. Acesso em: 03 out. 2005. Universidade Federal de Minas Gerais. Pró-Reitoria de Recursos Humanos da UFMG. Disponível em <http://www.ufmg.br/prorh/cppta/cppta_projetos_desvio.shtml> Acesso em: 03 out. 2005. VERGARA, Sylvia Constant. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração.São Paulo: Atlas, 1997. _________. Métodos de Pesquisa em Administração. São Paulo: Ed. Atlas, 2005. WEBER, R. P. Basic content analysis. Newbury Park : Sage, 1990. ZIMPECK, Beverly Glen. Administração de Salários. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 1992. 16