Desvio de Função: o Caso da Universidade Federal de Viçosa
Autoria: Marcella Cristiane Vasconcelos Ferreira, Simone Martins, Marco Aurélio Marques Ferreira, Gustavo
Guimarães Avelar Oliveira
RESUMO
Gerenciar recursos humanos em instituições públicas é um desafio, pois a estrutura
organizacional é rígida e inflexível e os cargos se tornam fechados e limitados, contribuindo,
assim, para o surgimento do desvio de função que é a situação na qual o servidor exerce
atividades distintas daquelas para as quais foi contratado. No presente trabalho realizou-se um
estudo de caso na Universidade Federal de Viçosa com o objetivo de identificar os principais
aspectos que contribuíram para o desvio de função, verificando a dimensão atual e
identificando os esforços da instituição para a resolução do problema. Para tanto, foram
analisados 237 casos oficializados por processo judicial. Verificou-se que apesar da existência
de lei que proíbe o desvio de função, esta não foi suficiente para inibir o aparecimento de
novos casos, justificados por necessidades institucionais aliadas ao desejo de desenvolvimento
profissional do servidor. Percebeu-se que houve esforço da instituição para resolução dos
problemas. No entanto, os dirigentes reconhecem que o quadro atual de desvios pode ser
ainda mais expressivo e temem que outras ações judiciais possam ser formalizadas a qualquer
momento. Nota-se que a solução para o problema está fora do alcance da instituição, pois
depende de determinações governamentais e normas legais.
1. Introdução
As últimas décadas foram marcadas por movimentos reformistas no Estado brasileiro
provocando mudança comportamental e tendência de modernização dos processos nas
instituições públicas. A partir da década 1990, com a criação do Plano Diretor e a Reforma do
Estado, o Brasil passou por grandes transformações que começaram a definir princípios
voltados à execução de políticas e programas estratégicos orientados a resultados, como a
desburocratização, foco no cliente, uso compartilhado de informações, transparência e
democratização do acesso às informações (MAGALHÃES, 2006).
Esse novo cenário político e econômico, apoiado na valorização do gerencialismo,
impôs às Instituições Públicas necessidades de se adaptarem a um ambiente que se mostra
cada dia mais dinâmico, exigindo que estas sejam mais ágeis e eficientes. Entretanto, nota-se
a falta de pessoas qualificadas e de um plano de carreira que contemple a valorização do
servidor público. Atualmente, gerenciar recursos humanos em instituições públicas é um
grande desafio, pois a estrutura organizacional é rígida e inflexível e os cargos se tornam
fechados e limitados, contribuindo, assim, para o surgimento do desvio de função que é a
situação na qual o servidor exerce atividades distintas daquelas para as quais foram contratados.
O desvio de função, apesar de ser proibido por lei é considerado uma situação comum
na maioria das Instituições Federais de Ensino (IFEs). Trata-se de uma situação complexa,
pois as IFEs não podem solucioná-la isoladamente, já que as medidas para correção desses
problemas dependem de ações governamentais e de mudanças legais. Torna-se necessária
uma estrutura organizacional que contribua diretamente para a utilização eficiente dos
recursos, pois em uma estrutura flexível e adaptável, os cargos serão abertos e farão trocas
com o ambiente em que estão inseridos.
Considerando a relevância do tema e a insipiência de pesquisas na área, optou-se por
realizar uma pesquisa exploratória, um estudo de caso na Universidade Federal de Viçosa,
com o propósito de identificar os principais aspectos que contribuíram para o surgimento da
situação de desvio, verificando a dimensão atual e os esforços da instituição para a resolução
do problema.
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2. Referencial Teórico
A evolução do homem foi determinando o modo de produzir uma infinidade de bens e
serviços que satisfazem muito além de suas necessidades biológicas, e, com o advento das
máquinas, principalmente a partir da Revolução Industrial, as organizações passaram a se
desenvolver estruturalmente, tornando o trabalho evidentemente mais eficiente.
Com o crescimento das organizações, o trabalho humano começou a ser realmente
organizado. No início do século XX, surgiram os pioneiros da racionalização do trabalho,
como o engenheiro americano Frederick W. Taylor, utilizando um método de organização
objetiva do trabalho que obteve grande repercussão na industrialização nascente. Assim, foi
institucionalizada a atividade de trabalho por meio da divisão por nível e especialização, onde
a relação entre a organização, seus processos operacionais e a capacitação profissional
correspondente é estabelecida pela estrutura organizacional. Conhecer a estrutura de uma
instituição significa compreender a sua dinâmica, isto é, conhecer seu negócio, os resultados
esperados, os riscos, os desafios, as mutações do ambiente externo e seu impacto no
desempenho organizacional.
O papel da estrutura organizacional consiste em preservar o equilíbrio da instituição
em face das incertezas associadas às mudanças ocorridas internamente e externamente, ou
seja, a estrutura se responsabiliza pela previsão e neutralização das incertezas provenientes do
ambiente. Se a estrutura organizacional é muito rígida como nas organizações projetadas
tradicionalmente e nas instituições públicas, as tarefas são rigorosamente definidas e
divididas em trabalhos de rotina, e os cargos são fixos, permanentes e fechados. A
hierarquia de autoridade é a principal forma de controle e de tomada de decisão, existindo
um grande volume de regras.
Segundo Chiavenato (2004), se a estrutura é flexível e adaptável, como nas
empresas contemporâneas, as tarefas são freqüentemente redefinidas para se ajustarem às
necessidades dos empregados e ambientais e os cargos são maleáveis e abertos, com
elevado índice de interação com o ambiente que o circunda. A autoridade baseia-se mais
na especialidade que na hierarquia e a tomada de decisão é descentralizada, existindo
poucas regras.
Desse modo, a estrutura organizacional possui uma função social dentro de
determinado contexto tecnológico, desde que posiciona indivíduos no tempo e no espaço. O
tipo de estrutura escolhido exerce considerável influência sobre o comportamento dos
indivíduos (LOBOS, 1979, p.43). Além disso, a qualidade da estrutura contribui diretamente
para a utilização eficiente dos recursos.
A estrutura de uma organização é fundamentalmente baseada em tarefas, sendo estas
distribuídas entre diversas unidades funcionais e níveis hierárquicos para o alcance de
objetivos comuns das instituições. A tarefa é definida por Gil (1994) como atividades
individualizadas e rotineiras que são executadas por ocupantes de cargo, constituindo a menor
unidade possível dentro da divisão do trabalho em uma instituição. Pontes (1990, p.26) define
tarefa como atividade executada por um indivíduo que ocupa determinado cargo. A função
surge quando as tarefas suficientes se acumulam para justificar o emprego de um
trabalhador. Assim, a função é um agregado de deveres, tarefas e responsabilidades que
requerem os serviços de um indivíduo (ZIMPECK, 1992, p.40).
As funções que são semelhantes em sua natureza e requisitos são chamadas de cargo,
definido como o posto ocupado pelo trabalhador na estrutura organizacional. Chiavenato
(2004) o conceitua como composição de todas as atividades desempenhadas por uma pessoa,
que podem ser englobadas em um todo unificado e que figura em certa posição formal do
organograma da instituição, sendo que para a pessoa o cargo constitui uma das maiores fontes
de expectativas e de motivação na organização. De acordo com a com a Lei nº. 11.091, de 12
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de janeiro de 2005, no setor público cargo é um conjunto de atribuições e responsabilidades
previstas na estrutura organizacional que são cometidas a um servidor.
Assim, pode-se perceber que os cargos compõem os meios pelos quais a organização
aloca e utiliza os seus recursos humanos para alcançar objetivos organizacionais por meio de
suas estratégias.
2.1. Desenho e enriquecimento de cargos
Como dito anteriormente, todas as atividades desenvolvidas pela organização para o
alcance de seus objetivos gravitam em torno dos cargos, o que justifica a importância das
organizações procederem ao desenho de cargos, dimensionando, estruturando e combinando
os cargos em unidades e departamentos. O desenho de cargos envolve a especificação do
conteúdo do cargo, os métodos de trabalho, as relações com os demais cargos e as
recompensas para cada cargo no sentido de atender as necessidades dos empregados e da
organização, ou seja, define quais e quantos cargos são necessários para a organização
desempenhar suas atividades e atingir seus objetivos.
Segundo Chiavenato (1999, p.162), desenhar um cargo significa
“definir o conteúdo do cargo (conjunto de tarefas ou atribuições que
o ocupante deverá desempenhar); os métodos e processos de trabalho
(como as tarefas deverão ser desempenhadas); a responsabilidade
(quem é o superior imediato); a autoridade (quem são os seus
subordinados)”.
O desenho de cargos é extremamente importante, pois define o grau de
responsabilidade ou de liberdade concedido ao ocupante na instituição, onde pode determinar
se o cargo oferece compromisso pessoal com o negócio ou se amarra o indivíduo a condições
humilhantes ou a regras burocráticas.
Os cargos na área privada, não são estáveis, nem definitivos, estão sempre em
inovação e mudança para se adaptarem às contínuas transformações que envolvem a
organização. Tais transformações desatualizam rapidamente o conteúdo e a estrutura dos
cargos, e por isso, tem-se a necessidade de redesenhar os mesmos frequentemente. É
importante observar que os funcionários também sofrem mudanças, eles aprendem novas
habilidades, desenvolvem atitudes e enriquecem o seu comportamento frente ao trabalho que
executam, e isto também deve ser levado em consideração para atualização dos cargos.
Nas instituições públicas percebe-se muitas amarras, seus cargos são mantidos rígidos
e elas não preparam seus ocupantes para atender as novas demandas resultantes de um
ambiente dinâmico, impondo dificuldades a inovações. Para que as organizações possam
acompanhar as transformações, é necessário um desenho de cargos dinâmico, que permita a
adaptação do cargo ao potencial de desenvolvimento pessoal do ocupante, feita por meio do
enriquecimento de cargos. Para Chiavenato (2004, p.200) enriquecer um cargo significa
reorganização e ampliação do cargo para proporcionar adequação ao ocupante no sentido
de aumentar a satisfação intrínseca através do acréscimo de variedade, autonomia,
identidade com as tarefas e retroação.
O enriquecimento do cargo torna-se uma maneira prática e viável para a adequação
permanente do cargo ao crescimento profissional do ocupante, pois ele aumenta
deliberadamente os objetivos, responsabilidades e desafios das tarefas do cargo para ajustá-las
às características do funcionário. Não obstante, ele também funciona como um meio de trazer
maior significado ao trabalho, inovação, além de oferecer oportunidades significativas de
satisfação das necessidades humanas mais elevadas (CHIAVENATO, 2004).
Segundo Chiavenato (1999), existem dois tipos de enriquecimento de cargos: o
horizontal, que varia tarefas com a mesma complexidade e responsabilidade entre os cargos
do mesmo nível, aumentando a variedade do cargo; e o vertical, que adiciona tarefas mais
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complicadas ou atribuições administrativas do cargo como planejamento, organização e
controle, e busca maiores responsabilidades, aumentando a complexidade do cargo. À medida
que o funcionário se desenvolve e aprende novas coisas, as tarefas mais simples e conhecidas
do cargo são eliminadas, e vão sendo adicionadas tarefas gradativamente mais complexas,
acompanhando o desenvolvimento profissional do indivíduo.
Percebe-se que o enriquecimento de cargos oferece elevada motivação intrínseca e
melhoria das condições de trabalho, aumento da produtividade, desempenho de alta qualidade
e satisfação no trabalho, e, redução das taxas de rotatividade e de absenteísmo do pessoal
(CHIAVENATO, 2004). Entretanto, é importante observar que apesar dos aspectos positivos
e motivacionais, o enriquecimento de cargos pode eventualmente trazer conseqüências
indesejáveis, pois pode provocar sensação de ansiedade e de angústia nas pessoas e até o
sentimento de serem exploradas pela organização.
2.2. Descrição e análise de cargos
Cada cargo exige certas competências do seu ocupante para que seja bem
desempenhado e tais competências variam conforme o cargo, o nível hierárquico e a área de
atuação. Assim, para melhor definição dos cargos de uma organização é realizada a descrição
de cargos, que consiste num processo de determinar os elementos ou fatos que compõem a
natureza de um cargo e que o tornam distinto de todos os outros existentes na organização,
sendo um retrato simplificado do conteúdo, tarefas, deveres e de suas principais
responsabilidades (ZIMPECK, 1992). O formato comum de uma descrição de cargos inclui o
título do cargo, o sumário das atividades a serem desempenhadas e as principais
responsabilidades do cargo, podendo incluir as relações de comunicação com outros cargos.
A partir da descrição de cargos, é feita a análise de cargos, determinante dos requisitos
físicos e mentais que o ocupante deve possuir, as responsabilidades que o cargo lhe impõe e
as condições em que o trabalho deve ser feito. Para Pontes (1990, p.26) a análise de cargos é o
estudo que se faz para coligir informações sobre as tarefas componentes do cargo e as
especificações exigidas do seu ocupante.
Já no que tange as especificações do cargo, constituem uma descrição detalhada dos
requisitos qualificativos necessários ao ocupante para poder desempenhar adequadamente o
cargo, além das responsabilidades envolvidas e das suas condições de trabalho, incluindo as
habilidades, traços pessoais e as características individuais que o trabalhador precisa para
alcançar um desempenho satisfatório (PONTES, 1990).
Nota-se a importância de aplicar um programa de descrição e análise de cargos, pois
esse produz subsídios para o recrutamento e seleção de pessoas, para a identificação das
necessidades e elaboração de programas de treinamento, para o planejamento de força de
trabalho, para a avaliação de cargos, de desempenho e dos critérios de salários
(CHIAVENATO, 2004).
Após a descrição e análise dos cargos faz-se a classificação dos cargos, tendo como
principal propósito identificar as diferenças e semelhanças encontradas, permitindo
sistematizá-los e hierarquizá-los em grupos de cargos afins, formando um plano racional que
facilita o trabalho da divisão salarial. Este processo resulta da identificação dos cargos que
pertencem a uma ou outra categoria funcional e, dentro desta, a uma categoria salarial
específica.
2.3. Administração de cargos e salários
Para um eficiente sistema de administração de salários é necessário que se tenha boa
descrição e análise de cargos, da qual resulta a fixação de salários coerentes. Em uma
organização cada cargo tem seu valor, e só se pode remunerar com justeza e equidade os
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ocupantes de um cargo se for conhecido o valor desse em relação aos demais cargos da
organização, além de analisá-los perante o mercado.
Sabe-se que ao longo do tempo pode ocorrer descompasso entre as necessidades da
organização, dos funcionários e a realidade do mercado e que as questões referentes à
remuneração compreendem um grande problema entre empregadores e empregados. Em
decorrência disto, aparecerem problemas sob diversas formas, tais como: faltas e atrasos,
desmotivação, não cumprimento de prazos, paralisações, manifestações de insatisfação,
reclamações trabalhistas, etc. (CARVALHO E NASCIMENTO, 1998, p.18).
Salienta-se que, na qualidade de parceiro da organização, cada funcionário está
interessado em investir com trabalho, dedicação e esforço pessoal e com os seus
conhecimentos e habilidades, desde que receba retribuição adequada. Consoante a isso, as
organizações estão interessadas em investir em recompensas para as pessoas desde que
possam receber em troca contribuições para alcançar seus objetivos. Assim, a administração
de cargos e salários é composta por um conjunto de normas e procedimentos utilizados para
estabelecer e manter estruturas salariais imparciais e legítimas na organização, ou seja, é um
processo de administrar o programa de remuneração da instituição. Para Lobos (1979, p.79), a
remuneração abrange todo e qualquer tipo de compensação material que a empresa, direta
ou indiretamente, outorga ao empregado em retribuição aos serviços prestados.
A remuneração constitui para a organização um respeitável volume de dinheiro que
precisa ser muito bem gerenciado. Como pagar e a quem pagar são dois aspectos cruciais na
estratégia das instituições, pois os salários representam um custo e um investimento. Custo,
porque o salário se reflete no custo do produto ou do serviço final. Investimento, pois
representa a aplicação de dinheiro em um fator de produção (o trabalho) como um meio de
agregar valor e obter um retorno a curto ou médio prazo (CHIAVENATO, 1999).
Um sistema de remuneração oferece dois tipos de recompensas, a financeira, que tem
o salário como elemento mais importante, e a não financeira, como orgulho, auto-estima,
segurança no emprego e etc., ambas afetam a satisfação das pessoas com o sistema de
remuneração e conseqüentemente com a organização (CHIAVENATO, 2004). O salário é
uma demonstração objetiva do quanto à instituição valoriza o trabalho do funcionário, mas
não é o único fator de motivação, pois os empregados podem considerar o salário apenas
como uma troca justa pelo serviço prestado.
Dessa forma, a administração de salários tem como objetivo a motivação, o
comprometimento do pessoal, o aumento da produtividade, o controle de custos, o tratamento
justo aos funcionários e o cumprimento da legislação. Com isso, espera-se proporcionar uma
distribuição eqüitativa dos salários dentro da organização para eliminar qualquer tipo de
arbitrariedade.
Atualmente, percebe-se que somente o programa de administração de cargos e salários
não é mais suficiente para reter talentos nas organizações, assim, surgem novas
reivindicações, como por exemplo, a carreira. Um bom programa de carreiras facilita as
relações com as pessoas e integram-nas na organização, pois tendo expectativas de
crescimento profissional, os funcionários não tendem a sair para outras instituições em busca
de maior valorização e melhores perspectivas. Portanto, em uma política de promoção, a
tática é estimular o funcionário a ter um desempenho produtivo, não se descuidando de seu
aperfeiçoamento por meio de aprendizagem teórica e prática (AQUINO, 1992).
Nota-se que as carreiras devem ser o complemento básico para quem implanta a
administração de cargos e salários. O plano de carreiras em uma organização tem enfoque na
valorização do homem, pois o homem não é um mero recurso, mas sim, um ser que contribui
e se compromete com os objetivos organizacionais, buscando crescer profissionalmente e
alcançar objetivos pessoais. Desse modo, o plano de carreiras estabelece a inter-relação entre
os cargos, e os caminhos que os funcionários têm abertos diante de si para sua ascensão
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profissional. Portanto, com um bom plano de cargos e salários, pode-se implantar o plano de
carreira que é a tendência atual.
2.4. Desvio de função
Os planos de cargos das instituições federais de ensino permaneceram fixos por mais
de 30 anos. Com planos concebidos há tanto tempo, estas instituições dificilmente
conseguiriam adaptar-se as grandes mudanças nos processos de trabalho, principalmente da
área tecnológica, decorrente do processo de informatização das atividades administrativas. Tal
situação deixou lacuna, que muitas vezes foi preenchida sem a devida observância da lei,
dando origem ao problema de desvio de função, que pode ser caracterizado como a situação
de exercício de atividades distintas daquelas para as quais o servidor fora originalmente
contratado para atender as novas demandas.
No antigo Plano Único de Classificação e Retribuição de Cargos e Empregos –
PUCRCE, instituído pela Lei nº 7.596/87 e regulamentado pelo Decreto nº 94.664/87, está
estabelecido que é vedada a contratação ou designação de servidor técnico-administrativo
para o exercício de atividades diversas das inerentes ao cargo ou emprego de que seja
ocupante, sob pena de responsabilidade da autoridade competente. A proibição de desvio de
função é reforçada na Lei 8.112/90, que dispõe sobre o Regime Jurídico dos servidores
públicos civis da união, das autarquias e das fundações públicas federais, ao estabelecer que
ao servidor é proibido cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa,
exceto em situações de emergência e transitórias” e “exercer quaisquer atividades que sejam
incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho.
De acordo com os textos legais, a situação de desvio de função é expressamente
proibida e, existe responsabilização clara à autoridade competente, ao servidor que delega as
outras atividades não condizentes com o cargo e também ao próprio servidor que se encontra
no exercício de atividades não relacionadas àquelas que foram objeto do contrato original.
Apesar das normas legais, ainda encontram-se vários servidores em desvio de função,
demonstrando ser um problema de difícil solução.
O desvio de função no interior das universidades pode ser atribuído à falta de
renovação de quadros, a não abertura de vagas para concursos públicos e a inexistência de
mecanismos de desenvolvimento profissional na atual estrutura de carreira, onde as ocupações
se limitam a atividades rotineiras e emergenciais (MARIZ, 2004).
De acordo com a diretoria de RH da UFMG (2005), várias questões provenientes do
próprio PUCRCE favoreceram as situações de desvio de função, uma delas é a desatualização
dos cargos e de suas atribuições, onde a descrição das atividades desempenhadas pelos
servidores não estão relacionadas com as realizadas efetivamente em seu cotidiano. A
atribuição dos cargos do PUCRCE é considerada fechada e foi estabelecida como um
“retrato” dos postos de trabalho das instituições em um dado momento. Entretanto, as
universidades passaram por mudanças consideráveis, exigindo a participação de servidores
com perfis profissionais diferentes daqueles existentes no momento da implantação do plano.
Com a impossibilidade de criação, transformação e extinção de cargos, não houve uma
adequação das atividades do PUCRCE às transformações do processo de organização do
trabalho. Foi observado que o plano não admitiu o ajustamento das funções, como por
exemplo, daquelas que foram alteradas com as mudanças impostas pelo incremento da
informática, onde várias tarefas foram incorporadas para melhor execução das atividades do
mesmo cargo. Aponta-se também como causa do desvio de função a proibição da ascensão
funcional. Além disso, a readaptação funcional, motivada por limitações de ordem física ou
mental passou a estar restrita a cargos de atribuições afins, o que na prática inviabiliza a
solução dos problemas de saúde dos servidores nesta situação. Tal situação não leva em
consideração que os servidores também desenvolvem novas habilidades e conhecimentos,
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sendo sub aproveitados no mesmo cargo com as mesmas atividades ultrapassadas (UFMG,
2005). Ainda, identifica-se que as gerências institucionais em seus diversos níveis e os
próprios servidores desconhecem, em sua grande maioria, as reais atribuições de cada cargo.
Em 2005, foi instituída a Lei 11.091/05, que dispõe sobre a estruturação do Plano de
Carreira dos Cargos Técnico-Administrativos em Educação, no âmbito das Instituições
Federais de Ensino vinculadas ao Ministério da Educação, e dá outras providências. Com a
nova lei foram ampliadas as possibilidades do servidor se beneficiar com sua capacitação e
qualificação, mas o modelo mostra-se ainda inflexível e não possibilita uma ascensão vertical
de carreira.
2.5. Plano de Carreira dos servidores técnico-administrativos da UFV
Verificou-se que, atualmente, as carreiras do pessoal técnico-administrativo da UFV
são as especificadas na Lei 11.091 de 12/01/2005, lei que define o plano de carreira como os
princípios, diretrizes e normas que regulam o desenvolvimento profissional dos servidores
titulares de cargos que integram determinada carreira, constituindo-se em instrumento de
gestão do órgão ou entidade. Anteriormente, o plano de carreira era regulado pelo PUCRCE,
instituído em 10/04/1987 pela Lei 7.596.
Os servidores eram classificados pelo PUCRCE em três níveis: apoio, intermediário e
superior. Para mudança de nível era preciso sair da carreira e entrar novamente através de
outro concurso. Com a Lei nº 11.091, os cargos pertencentes ao PUCRCE foram agrupados
em cinco níveis de classificação (A, B, C, D e E), compondo um conjunto de cargos de
mesma hierarquia classificados a partir do requisito de escolaridade, nível de
responsabilidade, conhecimentos, habilidades específicas, formação especializada,
experiência, risco e esforço físico para o desempenho de suas atribuições. Os níveis A e B da
nova lei correspondem ao nível de apoio do PUCRCE, C e D ao nível intermediário e E ao
nível superior.
Para cada nível de classificação existem quatro níveis de capacitação que possibilitam
a progressão por capacitação profissional. Para cada nível de capacitação existem dezesseis
padrões de vencimentos que são justapostos entre si. A remuneração dos integrantes do Plano
de Carreira é composta do vencimento básico acrescido dos incentivos e demais vantagens
pecuniárias estabelecidas na Lei. O padrão de vencimento básico é a posição ocupada pelo
servidor na escala de vencimento da carreira, em função do nível de capacitação, cargo e nível
de classificação, correspondendo a uma faixa salarial.
O ingresso do servidor no plano de carreira começa no padrão inicial do primeiro nível
de capacitação em um nível de classificação e se dá por meio de concurso público de provas
ou de títulos, observadas escolaridade e experiência. O edital define as características de cada
fase do concurso público, os requisitos de escolaridade, a formação especializada e a
experiência profissional, os critérios eliminatórios e classificatórios, bem como eventuais
restrições e condicionantes decorrentes do ambiente organizacional ao qual serão destinadas
as vagas.
A progressão do servidor técnico-administrativo acontece nos termos do regimento de
admissão, promoção e aperfeiçoamento, obedecida a legislação vigente que mantém a divisão
em classes e não corrige a inflexibilidade no que se refere à mudança de carreira, visto que a
mudança de nível de capacitação e de padrão de vencimento não acarreta em mudanças de
nível de classificação.
É importante ressaltar que a progressão ocorre exclusivamente por mudança de nível
de capacitação profissional ou progressão por mérito profissional. O nível de capacitação é
caracterizado em decorrência da capacitação profissional para o exercício das atividades do
cargo ocupado, realizada após o ingresso.
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A progressão por capacitação profissional é a mudança de nível de capacitação, no
mesmo cargo e nível de classificação, decorrente da obtenção pelo servidor de certificação em
programa compatível com o cargo ocupado, o ambiente organizacional e a carga horária
mínima exigida. A progressão por mérito profissional consiste na mudança para o padrão de
vencimento imediatamente subseqüente, a cada dois anos de efetivo exercício, desde que o
servidor apresente resultado fixado em programa de avaliação de desempenho, observado o
respectivo nível de capacitação.
3. Definições metodológicas
3.1. Unidade de análise
O estudo foi realizado na Universidade Federal de Viçosa (UFV), cuja estrutura
organizacional é composta por quatro Centros de Ciências (Agrárias, Biológicas e da Saúde,
Exatas e Tecnológicas e por fim, Humanas, Letras e Artes) e seis Pró-Reitorias (três
acadêmicas e três administrativas). Esses órgãos são responsáveis por administrar o exercício
simultâneo de atividades de ensino, de pesquisa e de extensão em uma ou mais áreas de
conhecimento, respeitadas as normas legais, estatutárias, regimentais e as resoluções dos
órgãos competentes. Os Centros são compostos por vinte e oito departamentos, sendo estes
unidades acadêmicas básicas da estrutura universitária para todos os efeitos de organização
administrativa, didático-científica e de distribuição de pessoal e compreende disciplinas afins.
As Pró-Reitorias acadêmicas e administrativas se encarregam da gestão e coordenação geral
das atividades em suas respectivas áreas.
O corpo técnico-administrativo da UFV é composto por 2473 servidores que
desempenham cargos e funções próprias das áreas técnicas, administrativas e de apoio às
atividades-fins. Os servidores são lotados em unidades acadêmicas ou administrativas da
Universidade, prevalecendo sempre o interesse da Instituição.
3.2. Classificação do estudo
Para a classificação da pesquisa foi considerado o critério adotado por Vergara (1997),
que a qualifica em relação a dois aspectos: quanto aos fins e quanto aos meios. A pesquisa
caracteriza-se quanto aos fins, como exploratória e descritiva. Segundo Selltiz (1967) “uma
pesquisa exploratória é aquela que tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com
o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses”. Um estudo dessa
natureza é recomendado quando há pouco conhecimento sobre o problema a ser estudado,
como é o caso do tema Desvio de Função. A pesquisa também terá características descritivas
em função do objetivo de identificar, compreender e descrever algumas características do
desvio de função, sem manipulá-los. Segundo Gil (2002) “as pesquisas descritivas são
aquelas que têm como objetivo primordial à descrição das características de determinada
população ou fenômeno, ou então o estabelecimento de relações entre as variáveis”.
Quanto aos meios, a pesquisa se caracteriza por bibliográfica, documental e estudo de
caso. Optou-se pelo estudo de caso na UFV com perspectiva de que este sirva como pesquisa
preliminar para outros estudos mais aprofundados sobre a situação de desvio de função. Cervo
e Bervian (2002, p.67) definem um Estudo de Caso “como uma pesquisa sobre determinado
individuo, família, grupo ou comunidade que seja representativo do seu universo, para
examinar aspectos variados de sua vida”.
A pesquisa bibliográfica foi realizada visando à maior compreensão das diferentes
interfaces do assunto em questão. Na pesquisa documental, foram consultados: leis, portarias,
manuais que regem as IFES e documentos da Diretoria de Recursos Humanos da UFV, no
sentido de conhecer detalhadamente a estrutura do Plano de Cargos dos servidores e conhecer
a distribuição de funcionários e cargos na instituição.
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Os dados primários foram coletados por meio de entrevistas com dirigentes e exdirigentes da Diretoria de Recursos Humanos, com intuito de identificar os principais
problemas que deram origem a situação de desvio de função na UFV. Os dados secundários
foram coletados por meio de consulta aos processos judiciais, que, segundo os dirigentes de
RH, correspondem a todos os casos de desvio de função já identificados na instituição.
Para análise das entrevistas, foi utilizada a técnica de análise de conteúdo, que tem por
objetivo identificar o que está sendo expresso sobre determinado assunto (VERGARA, 2005).
Trata-se de um método de pesquisa que utiliza um conjunto de procedimentos específicos que
permite realizar inferências válidas de textos. Na análise de conteúdo os vários dados obtidos
são classificados em algumas poucas categorias de conteúdo. É um processo de redução
crucial, pois a classificação deve ser confiável e consistente, devendo gerar variáveis válidas,
que devem representar fielmente o construto que se deseja avaliar (WEBER, 1990).
Utilizando-se dessa técnica, as respostas às perguntas que compuseram as entrevistas
foram classificadas e agrupadas de acordo com as variáveis e os construtos que se desejava
estudar. As respostas foram tabuladas e apresentadas em forma estruturada para análise e,
posteriormente, foram interpretadas. Buscou-se identificar, na percepção dos dirigentes de
recursos humanos, as principais causas para o desvio de função, como se apresenta a situação
atual na instituição e quais as principais ações para solucionar o problema.
A população estudada compreende 100% dos servidores que oficializaram a situação
de desvio por meio de processo judicial, correspondendo a aproximadamente 10% do quadro
total, ou seja, 237 servidores. Os dados foram coletados em dezembro de 2006, sendo que
para a análise quantitativa foi utilizado o software SPSS versão 15.0.
Para comparar a proporção de casos que ocorreu até 1987, ano da implementação do
PUCRCE, com a proporção daqueles que ocorreram após esta data, utilizou-se o teste
binomial. Segundo Triola (2005), as distribuições de probabilidade binomial são importantes
porque nos permite lidar com circunstâncias nas quais os resultados pertencem a duas
categorias relevantes.
Para realizar o teste de proporção utilizou-se da equação do Z-escore da distribuição
normal padronizada como aproximação da distribuição binomial, pois nesse caso o valor do n
é superior a 30. Utilizou-se da seguintes equações:
Equação Î
z=
x−μ
σ
, onde:
(1)
Equação Î
μ = np
(2)
Equação Î
σ = npq
(3)
Em que, “n” representa o número fixo de tentativas; “x” representa o número
específico de sucessos em n tentativas, de modo que x pode ser qualquer número inteiro entre
0 e n, inclusive; “p” representa a probabilidade de sucesso em uma das n tentativas; “q”
representa a probabilidade de fracasso em uma das n tentativas.
Com o intuito de verificar o esforço da instituição para resolução da situação de desvio
de função, utilizou-se o que o teste de sinais. Os teste de sinais, de acordo com Triola (2005),
é um teste não-paramétrico (livre de distribuição) que usa os sinais de mais e de menos para
testar diferentes afirmativas, incluindo afirmativas que envolvem dados nominais”.
(x + 0,5) − ⎛⎜ n ⎞⎟
Equação Î
Z=
⎝2⎠
n
2
(4)
9
Em que, “x” é o número de vezes que o sinal menos freqüente ocorreu; e “n” é o
número total de sinais positivos e negativos combinados.
Para o sinal de “mais” foram considerados os casos em que a situação foi resolvida e
para o sinal de “menos” os casos que ainda não foram solucionados.
Para identificar as características do desvio de função na UFV, no que se refere a
movimentação dentro da carreira e dentro da instituição, utilizou-se, também, o teste de sinais,
sendo que o sinal de “mais” foi utilizado para os casos de desvio externo (entre
unidades/setores) e para aqueles que apresentam uma movimento vertical no plano de
carreira. O sinal de “menos” foi utilizado para os casos de desvio internos (ocorridos dentro
das próprias unidades/setores) e para aqueles que apresentam uma movimentação horizontal
no plano de carreira.
5. Resultados e Discussão
Com os dados obtidos na análise de conteúdo, verificou-se que, na percepção dos exdirigentes e da atual dirigente de Recursos Humanos, o desvio de função na UFV surgiu
concomitantemente com a emergência de novas demandas observadas no processo de
transformação ao qual a instituição foi submetida ao longo dos anos, deixando de ser
essencialmente agrária e passando a diversificar sua atuação. Para o atendimento a estas
demandas, tornavam-se necessárias alterações na estrutura organizacional, entretanto, o quadro
já estava composto por servidores que exerciam funções incompatíveis com a nova realidade.
Segundo os dirigentes, com a morosidade ou impossibilidade de novas contratações e
a necessidade de preencher lacunas, as chefias tomavam providências individualizadas para
ocupação do cargo vacante, fazendo uma redistribuição interna, sem concurso, sem
treinamento, sem a preocupação com a eficiência do órgão/departamento, sem a preocupação
com o desempenho do setor e sem observar se as atividades eram compatíveis com a real
situação do funcionário perante a instituição, ou seja, remanejando para outro grupo
ocupacional sem observar o plano de cargos e salários vigente. Por outro lado, os servidores
na busca por melhores condições de trabalho e reconhecimento, viram nesta situação uma
oportunidade para refazer sua história na instituição. Dessa forma estas ações foram se
repetindo e se multiplicando ao longo dos anos, transformando-se em um grave problema para
a instituição.
Percebe-se, assim, que por um lado as chefias buscavam resolver um problema
imediato da melhor maneira possível e, por outro lado, os servidores encontravam-se
motivados a ocuparem cargos diferentes daqueles para os quais foram contratados, com a
finalidade de atender suas necessidades pessoais. Entretanto, após atender as suas
necessidades básicas, os servidores percebiam que as novas atividades desempenhadas não
eram compatíveis com o salário que recebiam, dando início a busca pelo reconhecimento em
forma de melhores salários, apropriado ao novo cargo e as novas atividades desempenhadas.
Tal situação foi formalizada por meio de processo judicial.
De acordo com os registros documentais, foi possível constatar que o maior número de
casos ocorreu na década de 1980, período marcado por grande diversificação de atuação da
UFV, com a criação de novos cursos em diferentes áreas (senão agrícola e de saúde), novos
programas de pós-graduação, enfim, um momento de desenvolvimento institucional. Segundo
os dirigentes, nesta década houve necessidade de ampliação da força de trabalho, e de uma
melhor qualificação para os servidores. Desse modo, a situação de desvio não poderia ser
ignorada, pois havia se transformado em grave problema e, conscientes disso, os dirigentes
iniciaram a busca por soluções.
Verificou-se que em 1986 foi criada uma comissão de enquadramento, formada pelos
membros da Comissão Permanente do Pessoal Técnico-Administrativo – CPPTA e pela DRH,
identificada como a primeira tentativa para solucionar o problema. De acordo com os
10
entrevistados, a comissão trabalhou caso a caso, no período de 1986 e 1987, buscando
identificar se realmente a solicitação dos servidores se tratava de desvio e, ainda, propondo
ações para que os casos de disfunção fossem resolvidos. Segundo informações da DRH, no
final de 1987, todos os casos de desvio de função da UFV foram resolvidos.
Apesar do esforço da comissão, foi verificado que os motivos que levaram ao
surgimento do desvio de função naquele período permanecem, apesar da implementação do
Decreto 94.664 em 1987 que, dentre outros objetivos, proibia o exercício de atividades
diversas ao cargo ocupado por um servidor técnico-administrativo. Ainda hoje, nota-se a
ausência de política de recursos humanos que permita suprir cargos vacantes com a devida
agilidade exigida por um ambiente dinâmico em que as instituições públicas estão inseridas,
impondo amarras e pouca flexibilização na gestão de pessoas.
Observou-se que há esforço da diretoria de Recursos Humanos para contornar os
problemas, mas sem a pretensão de solucioná-los. A Instituição reconhece que o desvio de
função é um problema grave e que há necessidade de buscar soluções para o enquadramento
correto dos seus servidores.
5.1. Situação Atual do Desvio de Função na UFV
Atualmente, a Diretoria de Recursos Humanos trabalha com a perspectiva de que
todos os casos de desvio de função estão identificados por meio de processo judicial,
totalizando 237, que correspondem a aproximadamente a 10% do total de servidores técnicos
administrativos da UFV. Além dos casos já formalizados, a diretoria de Recursos Humanos
reconhece a possibilidade de existência de outros que ainda não foram identificados, e que,
em algum momento poderão se confirmar, exigindo providências da Instituição.
De acordo com os casos analisados, verificou-se que a maioria dos servidores que
formalizaram processo de desvio de função são do sexo masculino, correspondendo a 93%, e
na faixa etária de 41 a 55 anos se encontram 70% do total, Tabela 1. Verificou-se, ainda, que
84% são casados e que a maioria dos servidores mantém vínculo com a universidade por um
período de 11 a 30 anos, sendo que a média observada foi de 21 anos, o tempo mínimo
verificado de 6 e máximo de 35 anos.
Tabela 1 – Informações sobre os servidores em situação de desvio de função
Faixa Etária
34 a 40
41 a 45
46 a 51
51 a 55
56 a 60
61 a 65
Não informado
Total
Estado Civil
Casado
Solteiro
Outros
Não informado
Total
Tempo de Serviço
Até 10 anos
11 a 20 anos
21 a 30 anos
Acima de 30 anos
Total
Homens
Quant.
35
54
59
44
17
7
5
221
%
15
23
25
18
7
3
2
93
Mulheres
Quant.
2
4
4
2
4
16
%
1
1
2
1
2
7
Total acumulado
Quant.
%
37
16
58
24
63
27
46
19
21
9
7
3
5
2
237
100
186
14
16
5
221
78
6
7
2
93
12
3
1
16
6
1
0
7
198
17
17
5
237
84
7
7
2
100
5
112
93
11
221
2
47
39
5
93
10
6
16
4
3
7
5
122
99
11
237
2
51
42
5
100
Fonte: Dados da pesquisa
11
Conforme os dados apresentados na Tabela 2 verificou-se que 24% dos casos
formalizados judicialmente tiveram início antes de 1987. De acordo com informações da
Diretoria de Recursos Humanos da UFV, no final de 1987 todos os casos de desvio de função
foram resolvidos. Entretanto, com a pesquisa documental foi possível observar que naquele
momento a Universidade não conseguiu sanar o problema, como declarado.
Tabela 2 – Situação de desvio de função na UFV
Período de Incidência
Pré-Legislação (até 1987)
Pós-Legislação (após 1987)
Data desconhecida
Total
Nº de casos
dezembro/2006
57
177
3
237
Proporção
%
24
74
2
100
Teste
Proporção
Sig
(bi-caudal)
,50
0,000
Fonte: Dados da pesquisa
Considerando que o PUCRCE e o RJU proibiram o desvio de função, acredita-se que
nenhum caso deveria ocorrer a partir de 1987. No entanto, verificou-se estatisticamente, a
significância de 1%, Tabela 2, que a proporção de casos de desvio de função que tiveram
origem após a vigência da Lei, 177 novos casos, é maior que a proporção dos casos que
tiveram origem no período anterior. Desta forma, pode-se inferir que as normas legais que
proibiram o desvio de função não foram eficazes na resolução do problema e não
inviabilizaram o aparecimento de novos casos na Universidade Federal de Viçosa.
Foi observado que no ano de 2003 a Diretoria de Recursos Humanos se mobilizou
para solucionar os problemas de desvio de função, dando início a um trabalho exaustivo na
busca de alternativas para resolver a situação e definir procedimentos a serem adotados para
amenizar os impactos negativos no trabalho. Foi observado que no período de 2003 a 2006,
além da necessidade de gerenciar a força de trabalho, ainda existia a preocupação da DRH
com a presença do Ministério Público que fiscaliza as instituições, obrigando-as a estarem de
acordo com a legislação.
De acordo com os dados apresentados na Tabela 3, verificou-se estatisticamente, a 1%
de significância, que a maioria dos casos foram resolvidos, o que demonstra que está havendo
esforço da instituição para solucionar o problema.
Tabela 3 – Esforços institucionais para resolução do problema de desvio de função
Casos
Nº de casos dezembro/2006
Proporção %
Resolvidos (+)
Não resolvidos (-)
Não informado
Total
154
80
3
237
66
33
1
100
Sig
(bi-caudal)
0,000
Fonte: Dados da pesquisa
Percebeu-se que dos 237 servidores que oficializaram a situação de desvio de função,
220 foram contratados para exercício de atividades no nível de apoio e, aproximadamente
27% destes pleitearam cargos no mesmo nível, ocorrendo, assim, um movimento horizontal.
Os demais servidores do nível de apoio almejaram cargos do nível intermediário, realizando
um movimento vertical, caracterizando ascensão no plano de carreira. No nível intermediário
12
observou-se equilíbrio entre os movimentos horizontais e verticais, sendo que 52%
continuaram no mesmo nível e 48% demandaram cargos de nível superior, Figura 1.
Nível dos Cargos Pleiteados pelos Servidores
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Nível Cargos
de Origem
9
60
8
159
1
Apoio
Intermediário
Superior
Intermediário
0
9
8
Apoio
60
159
1
Figura 1. Nível dos cargos ocupados pelos servidores em desvio de função na UFV.
Fonte: Dados da pesquisa.
Verifica-se na Figura 1 que 60 servidores (25% do total) que se encontravam
classificados no nível de apoio quando formalizaram o processo, demandavam cargos no
mesmo nível. Outros 159 servidores do nível de apoio (67% do total) demandavam cargos
classificados no nível intermediário e, apenas um servidor desse nível pleiteava cargo de nível
superior. No que se refere aos servidores que estavam enquadrados no nível intermediário,
nove pleiteavam mudanças para o mesmo nível e oito para o nível superior.
Dos cargos de origem (para os quais os servidores foram contratados) do nível de
apoio, há maior incidência para Servente de Obras, Auxiliar Operacional e Auxiliar em
Agropecuária, que juntos somam 54% do total. Em relação aos cargos pleiteados, verificou-se
que a maior concentração está nos cargos de Contínuo, Laboratorista, Auxiliar em
Administração, Operador de Máquinas Agrícolas e Técnico em Móveis e Esquadrias, que
juntos correspondem a aproximadamente 49% do total.
No que se refere ao local de desvio, foi possível perceber a maioria dos casos se
concentram na Pró-Reitoria de Administração (53% do total) e o Centro de Ciências Agrárias
se apresenta como o segundo maior responsável (com 21% dos casos). Tais dados estão em
consonância com as opiniões dos dirigentes de RH, pois, nos últimos anos, estes órgãos
administrativos reduziram postos de trabalho no campo e passaram por um processo de
mudança estrutural para atender as novas demandas.
Com base nos resultados apresentados na Tabela 4, verificou-se que o maior número
de casos de desvio ocorreu no âmbito interno das unidades acadêmicas ou técnicoadministrativas, ou seja, os servidores prestavam serviços em unidades distintas das quais
estão lotados oficialmente. No que se refere ao plano de carreira, prevaleceu um movimento
vertical, indicando que os servidores estão pleiteando cargos que se encontram
hierarquicamente inseridos em níveis superiores da classificação de cargos.
13
A partir de tais constatações e de acordo com opiniões dos dirigentes de RH, pode-se
inferir que devido às mudanças ocorridas na estrutura organizacional da UFV ao longo das
últimas décadas, tornou-se necessária a readaptação da força de trabalho, alocando servidores
anteriormente contratados para serviços que objetivavam a ampliação da infra-estrutura e
produção agrícola para outros fins. Segundo os dirigentes, o processo de crescimento e
expansão relacionado à estrutura física que a instituição foi submetida ao longo de seus 81
anos de existência, ademais de uma expansão significativa na área acadêmica,
consubstanciada na criação de novos cursos, novos departamentos, novas unidades
administrativas e na ampliação expressiva de vagas na graduação e na pós-graduação,
explicam as situações de desvio. Na opinião dos mesmos, esse processo resultou na
contratação de muitos servidores para atuarem nos “canteiros de obras”, para desempenhar
atividades que hoje são exercidas por empresas contratadas e em proporções muito menores
das verificadas no passado. Nota-se que ocorreu mudança no gerenciamento dos recursos e da
força de trabalho, que conseqüentemente, promoveu mudanças na estrutura organizacional,
mas estas se depararam com as amarras na legislação e no próprio plano de carreira do serviço
público.
Tabela 4 – Caracterização do Desvio de Função na UFV
Tipo de movimentação
Nas Unidades/Setores
No Plano de Carreira
Interno
Externo
Horizontal
Vertical
84 (-)
153 (+)
70 (-)
167 (+)
Sig (bi-caudal)
,000
Fonte: Dados da pesquisa
No que se refere aos servidores em casos de desvio vertical, supõe-se que estes eram
motivados a migrar de atividades que exigiam maior força física para atividades de apoio aos
departamentos, sendo focadas no ensino e na pesquisa, que proporcionavam maior conforto,
além de provavelmente estarem relacionadas à sua auto-realização. Para os casos de desvio
horizontal, acredita-se que os servidores foram motivados a mudarem de cargos devido ao
menor esforço físico exigido, aliado à possibilidade de desempenhar as tarefas em local de
mais fácil acesso, ou seja, com melhores condições ambientais. Tais observações são
suposições que poderão ser confirmadas em outros estudos.
Segundo os dirigentes, existe a real necessidade de atender as novas demandas e de
aproveitar a força de trabalho anteriormente alocada para atividades que não condizem com a
realidade atual, o que tem levado os gestores a aperfeiçoar a força de trabalho, o que muitas
vezes resulta no aumento de casos de desvio na UFV.
6. Considerações Finais
Com o presente estudo observou-se que um dos aspectos que contribuiu para o
surgimento do desvio na UFV foi a necessidade iminente de gerenciar os recursos para
atender as novas demandas. Para tanto, tornou-se necessário aproveitar a força de trabalho que
anteriormente foi alocada para atividades que não condizem com a realidade atual,
encontrando, assim, dificuldades em se adequar ao plano de carreira inflexível e defasado.
Verificou-se que após a vigência do PUCRCE surgiram novos casos de desvio de
função, em proporção maior que o observado no período anterior, ficando constatado que a
norma legal não foi eficaz para solucionar o problema. Na UFV, a maioria dos servidores que
formalizaram a situação de desvio de função declarou que presta serviços em unidades
distintas das quais estão lotados oficialmente e exercem atividades relacionadas a cargos que
14
estão classificados em nível hierarquicamente superior na tabela de classificação de cargos e
salários, caracterizando movimentação vertical no plano de carreira.
Percebeu-se que parte significativa dos casos de desvio de função na UFV ocorreu na
unidade que agrega o maior número de servidores no nível de apoio, a Pró-Reitoria de
Administração, e que os cargos mais afetados foram Servente de Obras, Auxiliar Operacional
e Auxiliar em Agropecuária.
Considerando que a lei não permite o desvio de função e impõe ao servidor a
necessidade de submeter-se a um novo concurso para mudança de cargo, notou-se que
qualquer decisão tomada pela DRH trará prejuízos para a instituição e para os servidores.
Dessa forma, enfatiza-se a necessidade de uma adaptação urgente das Instituições Federais de
Ensino, como forma de conseguir manter ou ampliar o quadro de pessoal atual e qualificar os
recursos humanos disponíveis.
Os resultados desta pesquisa sugerem reflexões sobre os paradigmas norteadores da
construção da estrutura de cargos e pessoal nas Instituições de Ensino Superior. Nota-se, com
base na percepção dos dirigentes, que os instrumentos que poderiam minimizar ou resolver a
questão encontram-se, em grande parte, fora do alcance das instituições, pois estas dependem
de determinações governamentais e normas legais.
Acredita-se que esse tema é de grande relevância para a administração pública e que
futuras pesquisas poderiam aprofundar na identificação das causas, conseqüências e possíveis
soluções, além de estudos que privilegiem a satisfação do servidor nesse contexto.
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Desvio de Função: o Caso da Universidade Federal de