DESENHANDO COM A ÁGUA NA EXPANSÃO DO PARANOÁ – DF - BRASIL. L. M. S. Andrade e O. T. Ribas RESUMO Na gestão do ciclo da água no meio urbano ainda há poucos estudos no Brasil que relacionam hidrologia, planejamento urbano e ecologia. Há uma ausência de integração nos planos do território, entre os atributos das Agendas Verde e Marrom e, muitas vezes, as diretrizes são divergentes O objetivo deste trabalho é demonstrar que, por meio da escala local de desenho urbano mais sustentável com foco na gestão ecológica do “ciclo da água no meio urbano”, é possível integrar as diretrizes dos planos e atender às demandas socioambientais. Foi utilizado como estudo de caso o projeto urbanístico da Expansão do Paranoá dentro disciplina de Projeto Urbanístico 1 da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília com aplicação da metodologia das Dimensões Morfológicas dos Lugares (DIMPU) e dos Princípios de Sustentabilidade Ambiental para reabilitação de assentamentos urbanos (Andrade, 2005). Serão apresentados os três projetos que alcançaram melhor desempenho. 1. INTRODUÇÃO A gestão ecológica do ciclo da água no meio urbano requer uma “visão sistêmica” e transdisciplinar, que relacione o desempenho hidrológico de uma bacia de drenagem e os usos consuntivos da água com os efeitos ecológicos dos padrões espaciais dos ecossistemas bem como com os efeitos do planejamento do uso do solo urbano e do desenho espacial. No âmbito de investigação das políticas públicas, o planejamento do espaço urbano em Unidades de Conservação de uso sustentável, requer maior aproximação entre os planos de manejo, planos diretores e planos de recursos hídricos. Verifica-se que, no Brasil, essa integração não ocorre e muitas vezes há diretrizes divergentes nos planos do território. Por um lado, os planos de ordenamento territorial, geralmente, indicam a otimização da infraestrutura aumentando a densidade para evitar a expansão urbana sem uma análise da real capacidade de suporte dos sistemas hídricos e das condições dos ecossistemas; por outro lado, os planos de preservação ambiental não levam em consideração a otimização da infraestrutura existente. Além disso, as ações de saneamento no Brasil seguem a lógica do atendimento às demandas emergentes, não contribuindo para a organização do espaço urbano. Em geral, os planos do território não conseguem fazer a integração entre a Agenda Verde e a Agenda Marrom. Eles tratam as questões de moradia, construção e ocupação do espaço urbano como atividades “não ambientais” e as ações de preservação como sinônimo de “não ocupação”, direcionadas apenas para o campo ambiental. Este é o caso da área de expansão urbana da Vila Paranoá, contíguo ao Parque dos Pinheiros, importante área verde para a contensão da drenagem das águas pluviais urbanas que escoam para o Lago Paranoá – ambos inseridos na Área de Proteção Ambiental do Paranoá, na capital do Brasil. A cidade teve suas origens em meados de 1957, oficialmente criada em 1989 (Decreto nº 12.027/89) para atender a uma população máxima de 60.000 habitantes, mas segundo a Regional Administrativa do Paranoá, a região já contém 63 mil habitantes. Atualmente o Lago Paranoá sofre um sério processo de assoreamento, causado pelas ocupações urbanas e pelo sistema tradicional de drenagem urbana. A preocupação com a capacidade de suporte do lago é um dos motivos pelo qual o Governo do Distrito Federal (GDF) teve que suspender a implantação da Expansão do Paranoá. A oferta hídrica no Distrito Federal é limitante do crescimento e do desenvolvimento do território, em função da baixa vazão dos cursos d´água. Por outro lado, o aumento constante do crescimento populacional na capital do país é uma pressão constante sobre a crescente demanda por água. Em 2001, a Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural e Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), se posicionou contra a iniciativa do GDF em implantar a Expansão do Paranoá. Segundo o parecer, a Cidade do Paranoá já está no limite de sua capacidade de suprimento de água, bem como do recebimento de esgotos, drenagem pluvial, esgotamento viário, fornecimento de energia e aparelhos públicos. A justificativa para o parcelamento do solo da Expansão do Paranoá é suprir o déficit demandado por famílias de baixa renda, residentes na própria cidade, na condição de inquilinos de fundo de lote. Inicialmente o projeto do GDF era implantar o novo parcelamento em uma área de 655,3935 hectares (considerando as fases 1, 2 e 3), com população estimada de 14.746 habitantes. Segundo o superintendente de Recursos Hídricos da Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal - ADASA, Diógenes Mortari, o grande problema é a ausência de integração entre os planos do território que dificulta a implementação de ações que minimizem o processo de assoreamento e promovam a sustentabilidade do Lago Paranoá. Atualmente há diferentes Planos de ação que envolvem a Bacia do Paranoá, tais como Plano de Recursos Hídricos, Plano Diretor de Águas e Saneamento, Plano de Resíduos Sólidos, Plano de Drenagem Urbana, Plano Diretor de Ordenamento Territorial e Plano de Zoneamento Ambiental da APA do Paranoá. O objetivo deste trabalho é demonstrar que, por meio da escala local de desenho urbano mais sustentável, é possível integrar as diretrizes dos planos e atender às demandas socioambientais. Foi aplicado o método dos Princípios de Sustentabilidade Ambiental (ANDRADE, 2005) com foco na gestão ecológica do “ciclo da água no meio urbano” e das Dimensões Morfológicas dos Lugares no projeto urbanístico da Expansão do Paranoá dentro disciplina de Projeto Urbanístico 1 da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. A área de projeto considerou apenas a área de 140 hectares da fase 1 da expansão, visto que as outras áreas se encontram dentro da área do Parque dos Pinheiros, considerada imprópria à ocupação urbana pela Zona de Vida Silvestre do Zoneamento Ambiental da APA do Paranoá. 2 O PLANEJAMENTO DO TERRITÓRIO, O ASSOREAMENTO DO LAGO PARANOÁ E A EXPANSÃO DO PARANOÁ. As principais causas do assoreamento dos corpos receptores de água e nascentes na bacia hidrográfica estão relacionadas aos desmatamentos, tanto das matas ciliares quanto das demais coberturas vegetais que, naturalmente, protegem os solos. Os desmatamentos resultantes das ocupações urbanas são seguidos pela exposição dos solos, pela movimentação de terra e pela impermeabilização do solo, que contribuem para processos erosivos e para o transporte de materiais orgânicos e inorgânicos, que por sua vez, são drenados até o depósito final nos leitos dos cursos d’água e dos lagos. Segundo relatório da UNESCO de 2003 sobre a vegetação e a ocupação do solo no DF entre 1954 e 2001, o Distrito Federal perdeu cerca de 67% da cobertura da vegetação natural no cerrado (1954 – 2001), onde 47,2% são matas de galeria. Essa fisionomia é um filtro natural que protege as nascentes e os leitos dos cursos d’água, os quais já têm naturalmente problemas de vazões. Neste sentido, a oferta hídrica do Distrito Federal pode ficar comprometida, uma vez que há uma tendência em aumentar o acúmulo de sedimentos e poluição para dentro dos cursos d’água. No caso da Bacia do Lago Paranoá, a ação antrópica tem-se mostrado crescente, desde a chegada dos primeiros candangos para a construção de Brasília, em 1957. Ela está situada na porção central do Distrito Federal, e concentra maior número de empregos e de infraestrutura, além de estar parcialmente inserida na APA do lago Paranoá. Apesar de Brasília ter nascido de um plano urbanístico regulador, baseado no urbanismo moderno, o uso e a ocupação do solo do Distrito Federal não ocorrem de forma planejada. Segundo Fonseca e Braga Netto (2001, p.259), em grande parte os projetos urbanísticos das expansões das cidades foram implantados desconectados do planejamento territorial. Surgiram por meio de pressões de demandas por habitação, forçando, constantemente, a expansão dos espaços residenciais. Portanto, não são baseados em estudos “prévios sobre a demanda e as possibilidades de oferta de espaços urbanos e rurais bem constituídos, localizados em sítios adequados, considerando as condicionantes ambientais, econômicas e sociais”. Isso que dizer que a produção de parcelamentos voltados para a especulação imobiliária ou a oferta de lotes para população de baixa renda, bem como as ocupações irregulares e invasões, comuns em Brasília, são distantes da regulação urbanística e ambiental, desconectados do conjunto de políticas públicas. Segundo Fonseca e Braga Netto (2001), essa falta de fiscalização e planejamento contribuíram para o agravamento dos impactos socioambientais na bacia hidrográfica, sobrecarregando os tributários do Lago Paranoá reforçados pelas ações ilegais dos moradores da orla, com substituição de vegetação nativa pelos gramados das mansões que margeiam o lago, pela movimentação de terra na cidade devido à expansão da construção civil e pelo sistema de drenagem tradicional existente que carreia os resíduos e sedimentos para o corpo d´água. Esses fatores somados aos fenômenos naturais, como chuva e vento, carreiam terra que se sedimenta no fundo do lago. As dragagens para retirar o excesso de resíduos que se acumulam no leito do Paranoá não são suficientes para reverter a situação. É fato, que ao longo do tempo todos os lagos tendem a receber os sedimentos da bacia hidrográfica, porém, esse processo natural pode ser acelerado ou retardado dependendo das intervenções na bacia hidrográfica. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídrico do DF, com pouco mais de 50 anos, o Lago Paranoá já perdeu 15% de lâmina d’água e se continuar nesse ritmo as previsões não são muito boas para os próximos 20 anos. Formado em 1959, ocupava cerca de 48km² e, hoje, aproximadamente está com 40km² de área. No fim dos anos 1970, o Lago Paranoá passou por um momento crítico de poluição pelo esgoto que recebia sem tratamento. Com o processo de eutrofização ocorreu a morte de grande quantidade de peixes e mau cheiro que exalava por toda a cidade. Foram realizados altos investimentos na despoluição do Paranoá com a implantação das estações de tratamento ETE Sul e ETE Norte. A balneabilidade foi recuperada, condição que, hoje, permite o uso múltiplo de suas águas: práticas esportivas, navegabilidade, cenário paisagístico e benefícios ao microclima local, geração de energia, recepção de esgotos nas estações de tratamento, e nos próximos anos será fonte de captação de água para consumo. Em março de 2009, a ANA concedeu à Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (CAESB) a outorga para captacão no Lago Paranoá para abastecimento humano. Portanto, segundo a CAESB o abastecimento de água da Expansão do Paranoá só será viável se a captação for feita pelo Lago Paranoá. Este é o cerne da questão: como expandir a cidade sem causar mais impactos ao lago, e garantir sua sustentabilidade ambiental? 2.1 A Cidade e a Expansão do Paranoá Desde o início, a condição de Brasília como capital federal e o rigor da ocupação da cidade com seu traçado modernista sofre com a questão de ocupações irregulares. A cidade planejada não comportou todos os migrantes, forçando-os a buscarem moradia em assentamentos irregulares, o que obrigou que o governo desapropriasse algumas áreas marginais para relocação dessas famílias. A Vila Paranoá foi um dos acampamentos remanescentes da época da construção de Brasília. Foi fundada em 1957, quando foram implantados os canteiros de obras para a construção da Barragem do Lago Paranoá. Mesmo após a inauguração de Brasília, em 1960, os pioneiros permaneceram no local, devido à necessidade de conclusão das obras da usina hidrelétrica. Naquela época, o acampamento de operários já abrigava cerca de 3 mil moradores em 800 barracos assentados na ombreira norte da Barragem. O processo de regularização da Vila iniciou-se em 1988, com o Decreto nº 11.208/88, que dispõe sobre a fixação e a gradativa melhoria urbana da Vila Paranoá e estabelece critérios para regular sua ocupação. No entanto, a fixação não ocorreu na área original, a população foi obrigada a se deslocar para uma área, acima do campo de visão do Plano Piloto e do Lago Paranoá. A Companhia Imobiliária de Brasília - TERRACAP contratou, em 1989, o Estudo de Impacto Ambiental - EIA da Vila Paranoá e Expansão, tendo como objetivo a avaliação da ocupação urbana em uma área de aproximadamente 280 hectares, para assentar de “forma adequada” em termos urbanísticos, as cerca de 9.000 famílias residentes na antiga Vila e mais cerca de 3.000 famílias residentes em invasões na região do Plano Piloto. O EIA considerou as características geológicas daquele sítio inadequado à implantação de infraestrutura básica em áreas abaixo da cota 1060 (o espelho d’água está na cota 1000), sendo então proposta a remoção da população para um novo loteamento. Ao que parece, os motivos não foram apenas ambientais, pois como justificar a legalização de um assentamento de renda baixa nas proximidades do Plano Piloto com vista privilegiada do Lago Paranoá. Paradoxalmente, atualmente existem várias ocupações irregulares de renda mais alta nas proximidades da orla abaixo da cota 1060 que deverão ser legalizadas. Após a fixação da Vila Paranoá, a área do antigo acampamento tornou-se um parque ecológico. 2.2 Diretrizes dos Zoneamentos do Planos Territoriais para a área da expansão. Segundo o Plano Diretor (PDOT, 2009) toda a área de estudo (incluindo a cidade do Paranoá e seu entorno imediato dentro da bacia do Lago Parnoá) está na Zona Urbana de Uso controlado I. Essa zona é composta por áreas predominantemente habitacionais de muito baixa densidade demográfica, com enclaves de baixa, média e altas densidades. Permite ocupações de baixas densidades na área do Parque dos Pinheiros (15 a 50 hab/ha) e média densidade (entre 50 a 150 hab/ha) na Expansão do Paranoá. O uso urbano deve ser compatível com as restrições relativas à sensibilidade ambiental da área e à proximidade com o Conjunto Urbano Tombado, com destaque para as seguintes diretrizes: (i) manter o uso predominantemente habitacional de baixa densidade demográfica; (ii) respeitar o plano de manejo ou zoneamento; (iii) proteger os recursos hídricos; (iv) adotar medidas de controle ambiental voltadas para áreas limítrofes às Unidades de Conservação; e, (v) preservar e valorizar os atributos urbanísticos e paisagísticos que caracterizam essa área como envoltório da paisagem do Conjunto Urbano Tombado. O Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB), em processo de aprovação, determina que a área de Expansão do Paranoá siga as diretrizes propostas por Lúcio Costa, em 1987, para a Asa Nova Norte no documento Brasília Revisitada que incluía a fixação do Paranoá com quadras econômicas, conjuntos geminados (habitação popular), quadras pilotis e quatro pavimentos e lotes individuais. De acordo com o Zoneamento Ambiental da APA do Paranoá, a cidade do Paranoá e a área de Expansão do Paranoá é considerada Zona de Ocupação Especial e está na categoria de Subzona de Ocupação Especial do Paranoá - (ZOEP). Os objetivos dessa subzona, que é caracterizada por manchas de cerrado degradado e maciços de pinheiros da Proflora (em liquidação), é consolidar a área urbana do Paranoá e a área da expansão do Paranoá, por meio de usos institucionais, residenciais, comerciais e industriais não poluentes. Neste zoneamento ambiental, o "Parque do Pinheiros" está classificado como Zona de Vida Silvestre, na Subzona de Conservação da Vida Silvestre (ZPVS). Segundo o zoneamento, essa subzona é considerada menos restritiva e destina-se à conservação dos recursos ecológicos, genéticos e da integridade dos ecossistemas. Na zona são admitidos usos sustentáveis. Ela compreende: áreas que ainda apresentam vegetação nativa significativa, áreas com declividade entre 10% e 30%, Unidades de Conservação de uso sustentável, e, Parques distritais, ecológicos ou de uso múltiplo. 3 METODOLOGIA DE PROCESSO DE PROJETAÇÃO PARA INTERVENÇÃO URBANÍSTICA 3.1 A gestão ecológica do “ciclo da água no meio urbano” e novas possibilidades de desenho urbano. Segundo manual da UNESCO (2008) sobre o “ciclo da água no meio urbano”, duas principais fontes de água são reconhecidas: abastecimento de água e precipitação. A água municipal é quase sempre importada de áreas fora do urbano ou mesmo captada em quantidades amplamente variadas que refletem da demanda de águas locais e sua gestão. Esta água pode contornar alguns caminhos no ciclo da água no meio urbano. Ela é trazida para a área urbana e distribuída dentro dele. Alguma fração é perdida nas águas subterrâneas, e o resto é usado pela população, convertida em águas residuais municipais, e, por fim, devolvida para águas superficiais. A segunda fonte, a precipitação, geralmente segue um caminho mais longo através do ciclo da água. Ela cai, precipita sobre áreas urbanas e está sujeita às abstrações hidrológicas, incluindo: intercepção, armazenamento por depressão, evaporação (água no solo e superfície) e evapotranspiração (planta). Uma parte infiltra no solo (contribuindo para o solo úmido e recarga das águas subterrâneas) e outra parte é convertida em escoamento que pode ser transformada em receptores de água por sistema de transporte natural ou artificial. Existem dois aspectos que tem impactos diretos na gestão dos recursos hídricos nas áreas urbanas: arquitetura urbana e estilo de vida das pessoas. A arquitetura tradicional, que reflete as características da região, em muitas cidades grandes está sendo substituída pela arquitetura moderna internacionalizada por causa da globalização e do crescimento populacional com mudanças concomitantes na hidrologia urbana. A densidade da população e edificações, sistema de coleta da água da chuva, material usado na construção, e sistema de coleta de águas residuais estão entre os principais fatores que causam mudanças no “ciclo da água no meio urbano”. Neste sentido, é importante que as áreas de arquitetura e urbanismo e, engenharia ambiental busquem soluções para manter a mesma vazão média do escoamento superficial na chuva por hectare em áreas naturais e áreas ocupadas. Estilos de vida em área urbana afetam o ciclo hidrológico por meio de mudança nas demandas domésticas de água. O uso per capita da água doméstica e o uso da água em áreas públicas como parques e áreas verdes são as principais características que definem o estilo de vida nas grandes cidades. Embora fatores econômicos sejam importantes para determinar estas características, o padrão de uso da água, tradição e cultura tem mais efeitos significantes no estilo de vida nas áreas urbanas. O conceito de “ciclo da água no meio urbano” proposto pelo manual da UNESCO (2008) demonstra a conectividade e interdependência dos recursos de água urbana e atividades humanas, e a necessidade de gestão integrada. As categorias básicas de gestão da água englobadas nesta abordagem incluem: Conservação de água (gestão da demanda) incluindo: uso mais eficiente de água (dispositivos de economia de água, práticas de irrigação); substituição de formas da paisagem (demanda de água reduzida); substituição dos processos industriais (demanda reduzida, água reciclada). Gestão de águas residuais e abastecimento de água, águas subterrâneas, águas da chuva integradas: abastecimento de água mais econômico e confiável, gestão do fluxo ambiental (adiamento da expansão da infraestrutura, retorno das águas aos lagos), provisão de paisagem urbana aquática, substituição de fontes não potáveis de água (reuso de águas residuais e águas da chuva), proteção do escoamento das águas da poluição. Reuso e tratamento de águas residuais, como uma base para descarte de poluentes potenciais, ou um substituto para outras fontes de abastecimento de água para usos não potáveis. Dentro dessa nova visão para manutenção do “ciclo da água no meio urbano” em áreas ainda não consolidadas, é importante que os projetos urbanísticos para a expansão urbana sejam pensados integrados ao sítio, tendo a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e a água como elemento norteador do desenho urbano. Assim, paralelamente ao partido arquitetônico e urbanístico devem ser projetadas técnicas de armazenamento e circulação da água entre os compartimentos de armazenamento. O Programa de Drenagem Urbana Sustentável do Ministério das Cidades de 2006 recomenda particularmente o uso de infraestrutura verde com canais de infiltração, canaletas gramadas ou ajardinadas, valas, trincheiras e poços de infiltração, microrreservatórios, coberturas ajardinadas de edifícios públicos, pavimentação permeável, guias, sarjetas e sarjetões, dispositivos para a captação de águas pluviais, e poços de visita ou de inspeção. É necessário que as técnicas aplicadas ao projeto façam parte de uma visão mais ampliada e sistêmica levando-se em consideração, também, as necessidades dos ecossistemas e todas as outras necessidades de sobrevivência dos seres humanos (abrigo, energia, alimentação, tratamento de dejetos) bem como as necessidades de deslocamentos no espaço urbano dentro de um visão sistêmica mais ampliada. O estudo desenvolvido por Andrade (2005) de princípios ecológicos voltados para o desenho de assentamentos urbanos é uma tentativa de incluir a visão sistêmica no processo de planejamento. É uma tentativa de aproximar os atributos próprios das Agendas ambientais Verde e Marrom no Brasil e aponta para uma aproximação ecológica para os profissionais que trabalham o meio ambiente construído e uma aproximação urbanística para os profissionais que trabalham o meio natural. É um método que consiste em identificar os princípios de sustentabilidade ambiental e traduzi-los em estratégias e técnicas para o processo de desenho do espaço urbano de forma sistêmica. Os princípios são: proteção ecológica (biodiversidade e produção de alimentos), adensamento urbano em área centrais, revitalização urbana de áreas degradadas, implantação de centros de bairro e desenvolvimento da economia local, implementação de transporte sustentável e moradias economicamente viáveis, comunidades com sentido de vizinhança, tratamento de esgoto alternativo, drenagem natural, gestão integrada da água, energias alternativas e, finalmente, as políticas baseadas nos 3R’s (reduzir, reusar e reciclar). No entanto, para que as estratégias e técnicas possam ser mais detalhadas é necessário que o método de aplicação dos princípios de sustentabilidade ambiental seja integrado a métodos de processo de projetação já utilizados por arquitetos urbanistas para que seja mais facilmente assimilado ao desenho urbano. Neste caso, adotou-se a interface com a metodologia das Dimensões Morfológicas dos Lugares como a aplicação dos atributos da macrodimensão ecológica. 3.2 A teoria das dimensões morfológicas dos lugares do grupo DIMPU para o processo de projetação. A teoria de projeto adotada para o processo de projetação da disciplina de Projeto de Urbanismo 1 da FAU/UnB baseia-se na metodologia de projetação arquitetônica fundamentada na taxonomia por resposta dimensional a partir da pesquisa Dimensões Morfológicas do Processo de Urbanização (DIMPU). Consiste na avaliação do espaço arquitetônico em relação a cada expectativa social. Desenvolve-se, portanto, várias avaliações de um mesmo lugar, cada uma relacionada à determinada dimensão. Entendendo-se por dimensão “todo plano, grau ou direção no qual se possa efetuar uma investigação ou realizar uma ação”1. Holanda e Kohlsdorf (1996) propõem entender arquitetura como qualquer espaço socialmente utilizado e, portanto, situação relacional e dimensional. A qualidade de um mesmo espaço arquitetônico pode variar conforme cada expectativa/dimensão considerada; seu juízo global é uma ponderação entre avaliações parciais, pois as expectativas/dimensões recebem priorizações diferentes para cada indivíduo ou grupo social considerado. A classificação de expectativas sociais gera taxonomia dos lugares que são as dimensões com várias descrições de um mesmo lugar, segundo diferentes atributos (categorias e elementos analíticos). A teoria agrupa seis subdimensões equânimes: funcionais, bioclimáticas, econômicas (infraestrutura), expressivo-simbólicas, sociológicas e topoceptivas. Não existem, em princípio, diferenças de valor entre elas. Considerar uma ou outra mais importante é questão dependente de pessoas, grupos e contextos culturais. A metodologia é divida em 1 ABBAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1982:260 três movimentos recorrentes, análise da situação existente, avaliação de desempenho quanto às expectativas sociais, às dimensões morfológicas dos lugares e propostas de programa de necessidades em todas as dimensões analisadas. Além do vínculo entre pessoas e espaços da cidade, registram-se relações mais abrangentes em seu cotidiano, porém envolvendo necessariamente as articulações que se estabelecem entre os indivíduos e os lugares onde estão. Isto porque, em todos os tempos e situações onde haja processo social, sempre existem relações entre pessoas, de pessoas com o meio ambiente e de pessoas com o mundo simbólico. Assim, desenvolveram-se áreas de conhecimento para tratar de cada uma dessas “macrodimensões”: as primeiras são objeto do campo da ética; as segundas, da ecologia e, as terceiras, do campo da estética. A dimensão ecológica aplicada à arquitetura estuda como a arquitetura realiza conceitos de natureza e conceitos do homem enquanto natureza, nas suas relações com a natureza, nas suas relações de maneira geral. Os valores ecológicos aplicados informam a maneira pela quais as características do sítio natural são incorporadas ao projeto do edifício ou de lugares como o relevo, o clima, os recursos regionais (disponibilidade e escassez), a cultura local como também a classe social de seu usuário e a gestão da construção. 4 RESULTADOS DOS PROJETOS URBANÍSTICOS SEGUNDO APLICAÇÃO DA METODOLOGIA A partir do diagnóstico dimensional (análise, avaliação e programação) foram desenvolvidas 12 propostas para a área em 12 grupos de trabalhos. Obteve-se um bom desempenho nos projetos, principalmente aqueles que utilizaram a água como elemento norteador para o desenho urbano com parque urbano, canais de infiltração e lagoas de estocagem, compatibilizando altas densidades para melhorar a urbanidade na dimensão sociológica e baixas densidades para melhorar o ciclo da água no meio urbano. Para demonstrar a metodologia com o resultado final dos trabalhos, escolheu-se três estudos que alcançaram melhor desempenho na disciplina e na avaliação dos próprios alunos. Em primeiro lugar, os alunos fizeram uma análise e avaliação de desempenho da cidade do Paranoá e posteriormente geraram diretrizes para a expansão baseadas nas dimensões morfológicas dos lugares (funcional, bioclimática, econômica, expressivo-simbólica, topoceptiva e sociológica) e nos princípios de sustentabilidade ambiental. 4.1 Análise, avaliação da cidade do Paranoá e diretrizes o para a expansão Funcional Bioclimática O comércio é bem ativo e está localizado nas avenidas principais, alguns pequenos comércios locais estão próximos à área residencial. O parque vivencial (área da antiga Paranoá) se encontra distante da cidade dificultando o acesso e a segurança. Aumentar a diversidade de tipologias comerciais e residenciais, quadras, lotes e casa e blocos com áreas diferentes para abranger diferentes classes e localizar as áreas livres públicas na área mais central da expansão. Melhorar o acesso ao transporte público com vias mais acessíveis atravessando toda a expansão. A região, quase em sua totalidade, ocupada por superfícies edificadas e coberta por pavimentação. Desenvolver traçado urbano que dilua a alta densidade, intercalando áreas verdes entre as vias pavimentadas e edificadas. Sociológica Topoceptiva e Expressiva e Simbólica Econômica As vias mais integradas no sentido norte-sul recebem o comércio local e a maioria dos espaços abertos convexos é pequena, tornando o espaço com tendência à urbanidade. Conectar as vias existentes e gerar espaços com tendência à urbanidade, mesmo com possibilidade de áreas verdes na parte central. O traçado existente na cidade do Paranoá tem alguns elementos simbólicos como a igreja, a administração a via de alta tensão e a torre de celular na praça principal. A via principal é marcante pela quantidade de comércio e edifícios de 4 pavimentos, porém as placas de propaganda tornam o ambiente caótico e monótono. Os efeitos perspectivos e topológicos não são tão marcantes. Criar padrões espaciais que possibilitem o fortalecimento desses efeitos e novos pontos focais e marcos visuais para melhorar a orientabilidade e identidade do lugar. O abastecimento de água não é feito por outra sub-bacia (Sistema Santa Maria/Torto). O tratamento de esgoto é feito em uma estação de tratamento da subbacia do Rio São Bartolomeu. Um sistema alternativo como as wetlands poderia tratar o esgoto da expansão e um sistema de drenagem natural poderia melhorar o ciclo da água no meio urbano e minimizar o assoreamento do Lago Paranoá. 4.2 Projeto Grupo 1: Bruno Ávila, Caroline Nogueira, Fernanda Galvão O padrão espacial orgânico do parque urbano central foi pensado para absorver as águas pluviais com bacias de retenção e o traçado viário possibilitou uma diversidade de macro e microparcelas com 150 hab/ha, bem como de tipologias habitacionais e comerciais: habitações de interesse social, lotes individuais, edificações com uso misto e comércio diversificado associado à hierarquia viária para evitar espaços cegos. A agricultura urbana foi pensada desde pequenas áreas de jardins nas unidades unifamiliares passando por patamares entre os blocos dos prédios e estratégias permaculturais no parque. Foram propostas conexões das vias principais, coletoras e caminhos de pedestres no parque para evitar grandes espaços formais e inseguros bem como conexões com as vias existentes. As ciclovias foram dispostas em toda malha viária. Sistema de esgoto alternativo com tratamento primário em biodigestores e tratamento secundário tipo “wetlands” implantados dentro do Parque dos Pinheiros. O projeto contém rede de drenagem natural com o direcionamento das águas pluviais para as lagoas do parque para amenizar a velocidade das águas e de sedimentos. 4.3 Projeto Grupo 2: Lara Pita, Laissa Narciso e Isabelle Almeida O projeto teve como inspiração o desenho do Lago Paranoá para a implantação de um parque central com lagoas de retenção e equipamentos públicos como mercado central e biblioteca. Apresenta possibilidade de adensamento, densidade de aproximadamente 200 hab/ha com diversidade tipológicas: uso misto em frente a via do parque/lago, residências unifamiliares (30 lotes por “vilas”) com proposta de agricultura urbana na parte central, habitações coletivas de 4 (JK) a 6 pavimentos (pilotis). Nas vias da extremidade do parque foi implantado o comércio principal. A parte externa do comércio é contectada à cidade existente, portanto, com tendência a maior fluxo, e a parte interna será utilizada para o transporte público e ciclovias. As vias que atravessam o parque estão rebaixadas 2 m do nível do parque onde passarelas de pedestres estão em rampas suspensas a 1m do nível do parque. Toda a rede de drenagem de águas pluviais será conectada ao lago no parque que atravessa a expansão e o sistema de tratamento de esgoto alternativo se encontra no Parque dos Pinheiros. 4.4 Projeto do Grupo 3: Bruna Bais, Helena Trindade e Marcelle Abrantes O traçado foi baseado em um parque linear acompanhando as curvas de nível no sentido longitudinal leste-oeste, favorecendo a penetração dos ventos predominantes leste. O parque é contornado por uma via arterial e um eixo de comércio para possibilitar maior acessibilidade às áreas verdes e aos equipamentos públicos dentro do parque. As lagoas dentro do parque receberão ás águas pluviais As macroparcelas foram programadas para se adequarem à modulação de quadras de 100x100m com pequenas variações dotadas de equipamentos públicos na parte de superior do parque e duas tipologias de unidades unifamiliares na parte inferior. Esta modulação possibilitou uma densidade de 200 hab/ha. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nos projetos urbanísticos apresentados, ficou evidenciada a aplicação dos princípios de sustentabilidade ambiental nos desenhos, ao adensar a área da expansão evitou-se a ocupação urbana no Parque dos Pinheiros, onde serão implantados apenas sistemas permaculturais como agroflorestas, estações de tratamentos de esgotos alternativos com tratamento ecológico e lagoas de detenção, visto que os pinheiros poderão ser retirados e espécies nativas do cerrado deverão ser introduzidas. Tais sistemas são benéficos para a fauna e flora da região. Assim, espera-se demonstrar ao GDF que é possível conciliar atributos do urbanismo sustentável na escala local com padrões espaciais que conectem técnicas de infraestrutura verde com técnicas funcionais e sociológicas, de mobilidade e urbanidade no macroparcelamento e tipologias habitacionais mais sustentáveis no microparcelamento. É necessário que o futuro projeto licitado da Expansão do Paranoá contemple efetivamente a população remanescente da antiga Vila Paranoá e a população de “inquilinos de fundo de lote” bem como os princípios de sustentabilidade aplicados ao projeto urbanístico. Caso contrário, comprometerá todo o processo de licenciamento ambiental e a legitimidade do empreendimento. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Liza Maria Souza de (2005). Agenda verde x Agenda marrom: Inexistência de princípios ecológicos para o desenho de assentamentos urbanos. Dissertação (Mestrado) PPG-FAU/UNB, Brasília. BRASIL (2006). Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Programa Drenagem Urbana Sustentável. Manual para Apresentação de Propostas, Brasília. FONSECA Fernando Oliveira, BRAGA NETTO Pedro (2001). Parcelamentos irregulares na bacia do Lago Paranoá. In: FONSECA, Fernando Oliveira (org). Olhares sobre o Lago Paranoá, Brasília, p. 259 a 264. 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