X PRÊMIO TESOURO NACIONAL – 2005
Uma Proposta para Utilização do Orçamento Empresarial na
Administração Pública
TEMA 3 - Tributação, Orçamentos e Sistemas de Informação sobre a Administração Financeira
Pública
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
2. ORÇAMENTO NAS ORGANIZAÇÕES
1
4
2.1 Histórico
4
2.2 Propósitos do Orçamento
7
2.3 Orçamento Tradicional
9
2.3.1 Princípios e Características
9
2.3.2 Controle dos Resultados
10
2.3.3 Análise das disfunções
12
2.4 Enfoques Alternativos
21
3. A REFORMA DO ESTADO
22
3.1 A Reforma Gerencial
22
3.2 No Brasil
26
3.3 Contratos de Gestão
28
3.4 Experiência Americana
32
3.5 Experiências em Outros Países
37
4. PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E GERAÇÃO DE VALOR
39
5. SISTEMA DE CUSTEIO
43
5.1 Sistema de Custos
43
5.2 Custeio Baseado em Atividades
45
6 ORÇAMENTO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
50
6.1 Orçamento Gerencial
50
6.2 Orçamento Contínuo
52
6.3 Orçamento Baseado em Atividades
56
6.3.1 Elaboração
57
6.3.2 Gestão da Capacidade
61
6.3.3 Benefícios e Limitações
63
6.4 A Proposta
67
6.4.1 Implementação
71
6.4.2 Dificuldades
73
7 CONCLUSÕES
75
REFERÊNCIAS
78
1 INTRODUÇÃO
A gestão pública vem passando por um processo de transformação que parece
ser irreversível. Em várias partes do mundo, reformas vêm sendo implementadas,
com vistas à modernização da máquina governamental, com ênfase nos
planejamentos estratégico e operacional. As sociedades reclamam governos mais
ágeis, eficientes, atentos as suas necessidades e que façam mais, com menos
recursos.
O
objetivo
é
transformar
governos
burocráticos
em
governos
empreendedores.
Catelli e Santos (2004) explicam que a necessidade de um governo
empreendedor, em contraponto a um governo burocrático, surgiu em razão da
consciência adquirida por políticos e agentes públicos de que havia um limite fiscal,
financeiro e administrativo para as ações do Estado.
E o Brasil não poderia estar alheio a esse processo. A tolerância de nossa
sociedade com a ineficiência do aparelho público parece estar chegando ao fim. O
país é um dos maiores arrecadadores de impostos no mundo; no primeiro trimestre
de 2005, a carga tributária atingiu 41,6 por cento do PIB (IBPT, 2005), porém a
prestação dos serviços não atende aos anseios da população. Em editorial, o jornal
O Globo (2005) reproduziu o pensamento dos contribuintes de uma maneira geral:
A conjugação de uma carga tributária de país escandinavo com serviços públicos quase
africanos é uma das facetas do injusto estado brasileiro. O poder público, em todas as
suas instâncias, gasta muito e mal, e ainda sufoca o contribuinte para financiar esses
gastos.
É recorrente, nos meios de comunicação, na comunidade acadêmica e entre os
próprios agentes públicos, a discussão sobre o real papel do Estado. Alguns
entendem que ele deve ser o promotor do bem-estar social, intervindo diretamente
na economia, criando programas assistenciais e obras que gerem renda e que
1
diminuam a desigualdade na distribuição da riqueza. Outros defendem a postura do
Estado mínimo, que, apenas, promoveria as condições legais e estruturais mínimas
necessárias para que a iniciativa privada pudesse prover serviços à população, salvo
os considerados monopólios de Estado (defesa e soberania, relações exteriores,
aplicação de justiça, legislação e cobrança de tributos). Em qualquer das situações,
é indiscutível a necessidade de o Estado diminuir sua voracidade na arrecadação
dos impostos e otimizar a aplicação dos recursos a sua disposição, visto que a
sociedade brasileira, em geral, e os meios de produção, em particular, sentem-se
asfixiados pela elevada carga tributária existente em nosso país.
Algumas iniciativas têm sido tomadas, a fim de conferir maior eficácia à ação
governamental: orçamento base-zero, orçamento participativo, fóruns temáticos,
parcerias público-privadas, e outras. Entretanto, a de maior amplitude e alcance é,
inegavelmente, o PDRAE, Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, iniciado
em 1995. Nele, busca-se, entre outras medidas, reestruturar as atividades estatais,
profissionalizar a gestão e incentivar o emprego, na administração pública, de
ferramentas gerenciais em uso no setor privado de nossa economia.
A principal característica desse novo modelo é o contrato de autonomia de
gestão, que tem por finalidade instituir uma mudança de cultura de gestão, pautada
na utilização eficaz e eficiente dos recursos colocados à disposição das
organizações. Tal mudança de cultura será atingida com a flexibilização de
procedimentos; com a redução de custos e o aumento da qualidade nos serviços
prestados à população; com a descentralização do processo decisório, incentivando,
por conseguinte, a criatividade; e com o controle do desempenho das organizações,
enfatizando os resultados alcançados.
2
É neste cenário que foi desenvolvido o presente trabalho, que procurou,
consoante uma das premissas do PDRAE (importação de ferramentas de gestão da
iniciativa privada), investigar se o orçamento empresarial, produto final do
planejamento operacional, poderia ser utilizado em uma organização pública, com
vistas a melhorar a eficácia do controle gerencial e a gerar mais valor para a
sociedade.
O problema que caracterizou esta pesquisa, cujas respostas foram obtidas por
meio de pesquisa bibliográfica e investigação documental, foi: que ferramenta de
gestão utilizada nas empresas possibilitaria a elaboração de um orçamento gerencial
em uma unidade gestora, voltado exclusivamente para o seu usuário interno, com a
finalidade de melhorar o planejamento operacional e o processo de tomada de
decisão, e que subsidiaria a posterior elaboração do orçamento público?
Este trabalho enfatizou o estudo do orçamento gerencial nas unidades da
administração pública que podem celebrar contratos de gestão (fundações,
autarquias e órgãos da administração direta que auferem receitas próprias).
Entretanto, isto não significa que as demais entidades governamentais (empresas
públicas, sociedades de economia mista e órgãos da administração direta que não
obtêm receitas próprias) não possam se aproveitar dos preceitos da proposta.
O presente estudo está estruturado em sete capítulos. Neste, foi apresentada
uma visão panorâmica sobre o tema e teceram-se algumas considerações acerca da
metodologia utilizada. O próximo capítulo fará uma revisão da literatura sobre os
orçamentos nas organizações, em que serão investigados, entre outros aspectos, o
histórico da ferramenta e as disfunções do processo tradicional. O capítulo terceiro
tratará da Reforma do Estado Brasileiro, com ênfase no contrato de gestão, e
investigará a reforma em outros países. O capítulo seguinte mostrará a necessidade
3
do planejamento estratégico e de uma gestão orientada para a geração de valor. No
quinto capítulo discutir-se-á a importância de um sistema de custeio baseado em
atividades, que proveja uma acurada mensuração dos custos e forneça informações
para o sistema orçamentário, a fim de auxiliar na tomada de decisão. No penúltimo
capítulo, serão definidos conceitos e características atinentes aos orçamentos
gerencial, contínuo e baseados em atividades, sendo apresentada, em sua última
seção, a proposta motivadora deste estudo. Por fim, no último capítulo, serão
relacionadas as conclusões obtidas.
2 ORÇAMENTO NAS ORGANIZAÇÕES
2.1 HISTÓRICO
O processo orçamentário é o elemento principal do controle gerencial na maior
parte das organizações, possuam elas fins lucrativos ou não. Para Lunkes (2000),
em um cenário de restrição generalizada de recursos, a definição prévia de
despesas e investimentos evita dispêndios desordenados e sem critérios,
assegurando, assim, o emprego mais eficiente desses recursos. Essa definição
prévia de gastos é consubstanciada no orçamento que, segundo o mesmo autor, é
um “plano de ação detalhado, desenvolvido e distribuído como um guia para as
operações e como base parcial para a subseqüente avaliação de desempenho”.
Frezatti (2005) ressalta que o orçamento anual é responsável por implementar as
decisões tomadas no plano estratégico da organização.
O orçamento nas empresas nasceu nos anos 20 do século passado como uma
ferramenta de gestão de custos. Grandes corporações como Siemens, GM e Dupont
adotaram de imediato o sistema que estabelecia metas fixas e planejamento contábil
para o futuro. Posteriormente, esse sistema foi aperfeiçoado por Henry Ford, que
4
trabalhava sob a lógica de primeiro produzir bens em grande quantidade para só
depois se preocupar com a venda1. Para aquela época, era uma maneira simples e
eficaz de se programar operações e controlar desempenho de funcionários e
departamentos. Nos anos que se seguiram a 1930, com o aparecimento da
administração científica, a aplicação do orçamento empresarial tomou grande
impulso.
Hansen et al (2003) explicam que, em meados da década de 1960, Robert
Anthony estabeleceu uma estrutura de controle gerencial, em que dois processos de
controle foram considerados complementares ao controle gerencial propriamente
dito: o planejamento operacional e o estratégico. Ele verificou que o planejamento
operacional
assume
formas
muito
diferentes
nas
organizações,
refletindo
características tecnológicas e operacionais díspares. Dada esta ampla variedade de
práticas no planejamento operacional, o autor preferiu focar seus estudos nos
processos mais gerais de controle gerencial. Da mesma forma, ele concebeu o
planejamento estratégico como uma atividade irregular (pelo menos, na época) que
acontece nos mais altos escalões de uma organização, mas que provê os objetivos
e metas que guiarão o processo de controle gerencial. Embora visse o planejamento
estratégico como um processo essencial, ele considerou-o um campo de estudo
distinto do controle gerencial. Isto posto, a área de controle gerencial se definiu em
função do desejo de se estudar os processos comuns a todas as organizações, e
que demonstrassem um padrão rotineiro e regular.
Em decorrência desse enfoque, criou-se uma visão de controle baseada na
contabilidade, haja visto que apenas os sistemas contábeis eram comuns a todas as
organizações. Considerando ainda que o controle requeria padrões, contra o qual o
1
Nessa época, as empresas aumentavam sua produção sem controle, acreditando na teoria econômica
então vigente de que a oferta seria capaz de criar a própria demanda. Isto contribuiu para a crise de 1929.
5
desempenho deveria ser avaliado, o orçamento naturalmente se tornou o referencial
para comparação. Isto acabou levando o orçamento anual a ser utilizado como a
base fundamental do sistema de controle. Em face do exposto, segundo Hansen et
al. (2003), várias organizações empregam atualmente o controle orçamentário, com
um período de planejamento anual, dividido em trimestres ou, às vezes, meses.
Entretanto, o modus operandi do processo orçamentário vem sendo
continuamente criticado, tanto no meio acadêmico (em livros, artigos e monografias),
quanto no ambiente corporativo, pelos profissionais que atuam no setor.
O alvo principal dessas críticas está na chamada concepção tradicional do
orçamento, cuja referência fundamental é o livro Orçamento Empresarial, de Glenn
A. Welsch. Nele, o autor, além de estabelecer uma esmiuçada metodologia para a
preparação, execução e controle de resultados do orçamento, cita ações para
solucionar as possíveis imperfeições que possam advir da condução do processo.
No entanto, a reiterada verificação de algumas dessas imperfeições na prática
orçamentária, relativas à fixação de metas, participação dos funcionários,
alinhamento com a estratégia etc., nos leva a crer na inviabilidade das soluções
propostas e, consequentemente, na ineficácia da metodologia.
A remuneração dos executivos com base no cumprimento das metas do
orçamento, a partir da década de 1960, veio a incentivar uma série de desvios éticos
que subsistem até os dias atuais. Segundo Pflaeging, mencionado por Cruz (2004),
a pressão por ações de curto prazo que façam com que as metas sejam atingidas já
está disseminada no mundo corporativo.
Com a globalização e a abertura dos mercados, intensificou-se a concorrência,
o que passou a exigir inovação e respostas rápidas das organizações. Só que, na
6
prática, os executivos despendem mais tempo discutindo detalhes do orçamento do
que pensando estrategicamente.
Na virada do milênio, cresceu, nas empresas, a filosofia do “gaste ou perca”
(CRUZ, 2004), prática corrente na administração pública. Para não terem seus
recursos reduzidos no orçamento do ano seguinte, os executivos preferem consumilos, mesmo sem um planejamento adequado.
Ao longo do tempo, diversas abordagens complementares ou alternativas ao
processo orçamentário tradicional têm surgido, como o orçamento base-zero, o
orçamento flexível, o orçamento contínuo, o orçamento baseado em atividades e o
beyond budgeting; todas tentando minorar as deficiências constatadas na prática
orçamentária das empresas.
2.2 PROPÓSITOS DO ORÇAMENTO
Welsch (1983) diz que tanto as atividades empresariais como as não
empresariais devem possuir metas e objetivos. No campo empresarial, ele cita como
objetivos o lucro e a contribuição para o melhoramento econômico e social do
ambiente externo à empresa. Macedo (2004) inclui como objetivos das empresas a
continuidade, a expansão e a lucratividade. De maneira semelhante, as atividades
não empresariais possuem objetivos definidos, que podem ser o cumprimento de
determinada missão ou a obtenção de certo resultado, observados limites
específicos de gastos.
Em ambos os casos, é fundamental que a administração da organização e
outros segmentos nela interessados (stakeholders2) conheçam os seus objetivos;
2
Grupos ou indivíduos direta ou indiretamente afetados pela busca dos objetivos institucionais de
uma organização (FREITAS, 1999). Ex.: servidores do órgão, políticos, tribunais de contas, ministério
público, organizações não governamentais, sociedade em geral, investidores e credores etc.
7
caso contrário, a condução efetiva das atividades e a mensuração da eficácia com
que elas são executadas tornar-se-ão impossíveis.
Segundo Welsch (1983, p. 30), “as decisões de última hora padecem da falta
de estudos, análises, avaliações e consultas preliminares em termos adequados”.
Os processos de planejamento e orçamento buscam evitar a tomada de decisão
baseada no improviso. Macedo (2004) acrescenta que as empresas que conseguem
prever, com alguma precisão, os eventos futuros, podem se preparar melhor para
aproveitar oportunidades de negócios ou minimizar os riscos de uma eventual
ameaça.
Anthony e Govindarajan (2001, p.141) afirmam que o propósito central de um
sistema de controle gerencial (no qual o processo orçamentário é o elemento
central) é assegurar, na medida do possível, a congruência de objetivos. Para eles,
“a congruência de objetivos de um processo significa que os atos e as atitudes que
este leva as pessoas a adotar, de conformidade com seus próprios interesses, são
também do próprio interesse da organização”. Welsch (1983, p. 35) assegura que o
planejamento e controle de resultados atendem àquele propósito porque “oferecem
instrumentos para resolver grande parte dos problemas de orientação a objetivos
numa empresa, pois a formulação desses objetivos, as políticas e sua utilização
exigem a participação efetiva de todos os níveis da administração”. Nesta mesma
linha,
Macedo
(2004)
diz
que
o
orçamento
influencia,
positivamente,
o
comportamento quando as metas dos gestores estão em consonância com as metas
da organização; isto os motiva a alcançar as metas da organização, garantindo,
assim, a congruência dos objetivos.
8
2.3 ORÇAMENTO TRADICIONAL
2.3.1 Princípios e Características
Neely et al (2001) consideram que o planejamento e o orçamento, em seu
sentido tradicional, são um:
processo periódico no qual as organizações buscam projetar seus resultados e gastos
operacionais futuros. É um processo de cima para baixo; o pacote orçamentário é
encaminhado da diretoria para as várias divisões e unidades operacionais, acompanhado
por formulários a serem preenchidos e previsões operacionais e de vendas a serem
completadas. [...] O orçamento final é normalmente produzido semanas ou meses após a
distribuição inicial dos formulários e fixa os limites operacionais para o próximo período e
as metas a serem alcançadas.
Segundo Anthony e Govindarajan (2001), o orçamento tradicional possui as
seguintes características:
a) estima o potencial de lucro;
b) é apresentado em termos monetários, embora os números possam ser
fundamentados em valores não monetários (unidades vendidas ou produzidas,
por exemplo);
c) cobre geralmente o período de um ano;
d) é um compromisso gerencial. Os executivos comprometem-se a aceitar a
responsabilidade de atingir as metas do orçamento;
e) a proposta orçamentária é aprovada por autoridade hierarquicamente superior
aos responsáveis pela execução do orçamento;
f) uma vez aprovado, só pode ser alterado em situações especiais; e
g) o desempenho financeiro real é comparado com o orçado e as variações são
analisadas e explicadas.
A administração com participação é uma das características marcantes do
planejamento e controle de resultados. Com ela, os horizontes de muitos gerentes
9
de nível médio são deslocados, pela primeira vez, das preocupações rotineiras de
seus departamentos para os objetivos e planos gerais da empresa e também de
outras áreas funcionais. Isto porque “o planejamento e o controle de resultados
estabelecem um enfoque sistemático para o envolvimento de todos os níveis
administrativos no processo de planejamento” (WELSCH, 1983, p. 40).
Quando todos os administradores são capazes de perceber como suas funções
específicas contribuem para a consecução dos objetivos da organização como um
todo, pode-se dizer que existe um dos pilares principais da coordenação.
Macedo (2004) defende que o orçamento não seja conduzido de forma a
cercear a iniciativa dos vários setores da empresa. A liberdade para se efetuarem
alterações, necessárias por causa de mudanças nas condições internas e externas à
organização, é primordial para garantir o alcance das metas estipuladas. Nessa
mesma linha de raciocínio, Welsch (1983) diz que o excesso de procedimentos
burocráticos e a inflexibilidade na administração podem ser piores do que a ausência
de formalização.
2.3.2 Controle dos Resultados
Passarelli e Bonfim, mencionados por Macedo (2004), e Welsch (1983)
abordam a relação entre o controle de resultados e a administração por exceção. Os
primeiros autores argumentam que o controle orçamentário faz parte dos processos
de administração por exceção porque alertam os gestores para as mais relevantes
variações operacionais e/ou financeiras entre o orçado e o realizado. Já Welsch
afirma que o relatório de desempenho representa a aplicação efetiva do princípio de
administração por exceção, no qual o gerente deve se ater, basicamente, às
ocorrências extraordinárias dos eventos operacionais, poupando, destarte, tempo
10
para as lides estratégicas. São essas ocorrências que devem exigir o foco do
administrador; às demais, não se deve destinar muito tempo.
Welsch (1983) propõe que a avaliação de resultados se baseie em algum
padrão de desempenho, específico ou não. Este padrão, em relação ao qual uma
administração experiente avalia o seu desempenho, representa o potencial máximo
da organização – e não o desempenho dos concorrentes (GELLERMAN,
mencionado por WELSCH).
Welsch (1983, p. 44) defende ainda que a avaliação de desempenho por meio
da comparação dos resultados reais com os de um período passado é inadequada
para efeito de controle; ela só terá valor como um indicador de tendências. Por outro
lado, “se admitirmos que os objetivos ou padrões planejados são atingíveis e
representam um desempenho eficiente em relação à situação real, uma avaliação
significativa e válida do desempenho efetivo será possível”.
Cohen (2002) afirma que existem dois movimentos no estabelecimento das
metas do orçamento: de cima para baixo (metas impostas pela direção ou pelos
acionistas) e de baixo para cima (sugeridas pelos gerentes de linha). As críticas ao
primeiro método dizem que as metas impostas não trazem comprometimento;
quanto ao segundo, o temor é de que se permitam folgas, ou seja, metas menos
ousadas do que a organização é capaz de atingir. Não é comum existir um modelo
único. A maioria das empresas despende de dois a três meses por ano nesse
processo vertical (de cima para baixo e de baixo para cima), até chegar aos valores
finais, que deverão ser revisados uns seis meses depois.
Segundo Anthony e Govindarajan (2001, p.475), o processo de cima para baixo
raramente funciona, pois “leva a uma falta de empenho dos setores orçados,
pormenor que compromete o sucesso dos planos”. Já no processo de baixo para
11
cima, há maior possibilidade de se gerar esse empenho, por causa da participação
do pessoal nas metas orçadas, porém “[...] pode resultar em metas muito fáceis de
alcançar, ou em metas que não condigam com os objetivos maiores da empresa”. O
ideal é a combinação dos dois processos.
Anthony e Govindarajan (2001, p.475) acreditam que há maior aderência às
metas orçamentárias se elas são estabelecidas com a participação do pessoal do
setor orçado e não simplesmente impostas pelos escalões superiores. Acrescentam
que essa participação produz, para os executivos, um “entendimento mais claro dos
pormenores do seu trabalho, por meio da interação com seus superiores, durante as
fases de revisão e de aprovação”.
Macedo (2004) ressalta que o efeito das variáveis controláveis no orçamento
deve ser segregado do efeito das variáveis não controláveis, para que se possam
apurar responsabilidades quando da avaliação de desempenho do gestor. Não
obstante este procedimento, a administração pode, sim, por meio de um
planejamento adequado, minimizar os efeitos adversos das variáveis não
controláveis ou melhor aproveitar suas oportunidades.
2.3.3 Análise das disfunções
Se, como já citado por Welsch, o orçamento proporciona o ambiente ideal para
a aplicação de elementos básicos da administração científica (administração
participativa e por exceção, comunicação efetiva etc.), por que há tantas críticas a
esse processo? Neely et al. (2001) afirmam que fraquezas significativas existem nos
enfoques tradicionais de planejamento e controle de resultados e que seus dias
estão contados porque eles não mais atendem às demandas dos negócios atuais.
Welsch (1983) menciona algumas limitações de que o processo de
planejamento e controle de resultados pode ser alvo:
12
a) baseado em estimativas – embora os métodos quantitativos provejam uma forma
satisfatória de se prever o comportamento de uma variável, eles devem ser
combinados com o julgamento gerencial do gestor. Apesar disso, nem sempre
essas estimativas são precisas.
b) adaptação permanente às circunstâncias existentes – é necessário algum tempo
(normalmente, mais de um ano) para o processo produzir resultados satisfatórios.
Em função disso, durante a aplicação do programa, deve-se investir em
treinamento do pessoal envolvido e adaptar as técnicas de planejamento às
novas circunstâncias.
c) execução não é automática – eficácia do plano está intimamente relacionada ao
patrocínio da alta administração, o que significa apoio e esforço dos executivos
na implementação do orçamento.
Hunt (2003) vislumbra que, em um mundo ideal, os processos e sistemas de
previsão e orçamento inserir-se-ão no nível operacional das empresas e tornar-se-ão
ferramentas normais de gestão. Ele acredita que o processo orçamentário ideal deve
fazer parte de uma estrutura integrada e global de gerenciamento de resultados,
conduzida, em última instância, por medidas baseadas em valor. Para isso, faz-se
mister uma significativa transformação nas aptidões e competências das
organizações. Todavia, os sistemas e processos há mais de dez anos em uso nas
organizações estão freqüentemente obsoletos e não conseguem mais acompanhar
a dinâmica moderna dos negócios.
Hansen
et
al.
(2003)
argumentam
que
o
orçamento
tradicional
é,
freqüentemente, um obstáculo a mais na busca dos objetivos estratégicos, por
apoiar certas práticas mecânicas como os cortes lineares indistintos nos custos dos
departamentos e o orçamento incremental, que consiste na adição de um percentual
13
(em função da inflação, do crescimento da economia, por ex.) nos números do
orçamento do exercício anterior para se obter os valores do atual. Howell (2004)
reforça essa crítica ao colocar que, nas empresas em que o processo orçamentário
é empregado para criar e ressaltar uma mentalidade voltada para o crescimento, o
investimento gerador de valor (em pesquisa e desenvolvimento, recursos humanos,
desenvolvimento de clientes, melhoria de processos e imobilizado) não é objeto de
reduções indiscriminadas.
Howell (2004) alega, ainda, que a maior parte dos gestores sabe,
implicitamente, que esses investimentos impulsionam o fluxo de caixa e o
crescimento da organização a longo prazo. Contudo, os benefícios e a remuneração
variável oferecidos aos executivos fazem com que eles dêem prioridade aos lucros
anuais.
Hunt
(2003)
aborda
alguns
problemas
relacionados
aos
processos
orçamentários existentes nas organizações:
a) Freqüência e oportunidade – processo orçamentário tradicional não consegue
acompanhar o dinâmico ambiente de negócios dos dias atuais. Os gerentes
devem ser hábeis para compreender e responder com celeridade aos impactos
provocados pelas forças competitivas e pelas rápidas mudanças.
b) Flexibilidade – maioria dos processos e sistemas orçamentários carecem de
suficiente flexibilidade para se adequar às reorganizações, fusões, incorporações
etc., que são a tônica do modelo de negócios atual. Estas mudanças precisam
ser consideradas na operação dos sistemas.
c) Responsabilidade e propriedade – setor financeiro (controladoria) está tão
envolvido nas projeções e elaboração de orçamentos que acaba se
transformando no proprietário do processo, em vez de ser o seu facilitador.
14
d) Transparência e acesso – por não receberem feedback após a elaboração das
previsões, os gerentes operacionais costumam ver o processo como um esforço
do setor financeiro para organizar os dados da base para o topo, e consideramno apenas como mais um pedido de informações da administração.
e) Acurácia – apesar dos avanços tecnológicos, a maior parte das organizações se
utiliza de uma miscelânea de modelos e planilhas para elaborar suas previsões e
orçamentos. As imprecisões surgem pela falta de controle na elaboração da
versão final do documento, seja na transposição dos números ou na sua
agregação, com dados que não se eqüivalem à soma das diversas partes.
f) Habilidades financeiras e ânimo – gerenciar um processo tão problemático como
esse freqüentemente “cobra um tributo” do pessoal envolvido e prejudica a
percepção da importância da função financeira. Embora os processos
orçamentário e de previsão sejam conduzidos e operados por profissionais de
finanças altamente qualificados, a função pode terminar sendo relegada a nada
mais do que uma fábrica de produzir números.
Em pesquisa realizada com executivos e consultores americanos, Leahy
(2002a) cita algumas armadilhas que as empresas devem evitar no seu processo
orçamentário:
a) não possuir informações precisas sobre seus custos;
b) cenários estabelecidos no exercício anterior, e que serviram de base à
elaboração do orçamento em vigor, poderão, em pouco tempo, estar
desatualizados.
Isto
faz
com
que
as
empresas
necessitem
atualizar
continuamente a destinação de seus recursos, respaldadas nas informações do
presente, e não nas informações de algum tempo atrás;
15
c) adquirir softwares para apoiar o processo orçamentário que não atendam às
necessidades das empresas ou não sejam consistentes com seus processos de
gestão. Não se deve esperar que a tecnologia adapte-se aos processos
existentes, mas, sim, que as empresas determinem que tipos de tecnologia são
aderentes a seus processos ou, então, que façam a reengenharia deles antes de
obter a tecnologia; e
d) variações orçamentárias têm que ser investigadas. Deve existir um programa de
educação orçamentária contínua para mostrar aos funcionários o impacto que o
não cumprimento das metas orçamentárias pode ter sobre a organização.
Ademais, a participação efetiva de todos no estabelecimentos dessas metas,
como já comentado, cria um sentimento, nos gerentes de linha, de propriedade
do processo, motivando-os a investigar as razões das divergências.
Leahy (2002a) comenta, ainda, que o aperfeiçoamento das práticas
orçamentárias, a fim de mitigar a incidência dessas armadilhas, pode esbarrar em
uma cultura corporativa bem consolidada e resistente à mudança. Para isso, são
essenciais uma diretriz clara e o apoio da alta administração.
Brimson e Antos (1999) listam e analisam alguns dos problemas oriundos dos
orçamentos tradicionais:
a) escondem desperdícios e ineficiências, mais do que identificam as fontes e
causas das variações no processo produtivo, necessárias para a melhoria
contínua;
b) não
consideram,
formalmente,
o
nível
das
atividades
a
serem
desempenhadas. Gestores eficientes considerarão essas atividades, por
ocasião da elaboração do orçamento de seu departamento ou centro de
16
custo; entretanto, este procedimento não faz parte dos processos formais
de orçamento da maior parte das empresas;
c) não focam a capacidade ociosa, mas, apenas, os custos fixos e variáveis;
d) seus relatórios são elaborados em termos estritamente financeiros. No
entanto, como não é assim que o pessoal da área de operações raciocina,
tendem a ser vistos por eles como um demorado exercício de distribuição
de planilhas e relatórios, cuja responsabilidade é da Controladoria, e que
resulta em uma falta de comprometimento da área operacional. Outrossim,
esses relatórios terão que ser, posteriormente, traduzidos para a linguagem
operacional, antes de sua execução; e
e) não correlacionam explicitamente a estratégia do negócio com as ações a
serem executadas pelos empregados.
Welsch (1983) identificou algumas ações e concepções que, se postas em
prática, evitariam a ocorrência de anomalias na condução do orçamento. Essas
ações e concepções fazem parte dos princípios fundamentais do planejamento e
controle de resultados, contidos em sua obra. A fim de ordenar o que já foi abordado
sobre as disfunções do orçamento, foram relacionadas na coluna da esquerda do
Quadro 1, algumas críticas ao processo, contidas em Neely et al (2001), e, na coluna
da direita, as soluções propostas por Welsch para corrigir essas imperfeições.
17
Quadro 1 - Disfunções e soluções para a abordagem tradicional do processo orçamentário
DISFUNÇÕES
São baseados em
hipóteses pouco
objetivas.
SOLUÇÕES
Os objetivos da empresa e as metas orçamentárias específicas devem
representar expectativas realistas. Para isso, eles devem significar um desafio
exeqüível tanto para o administrador individual quanto para a unidade
operacional.
A tarefa de elaborar os planos de resultados é responsabilidade dos executivos
Fazem as pessoas de linha. É essencial que eles estejam profundamente envolvidos no processo,
sentirem-se
por meio do fornecimento dos dados básicos para o planejamento em seus
subvalorizadas.
respectivos centros de responsabilidade. Embora caiba aos executivos de
níveis superiores a decisão final a respeito do plano de resultados, a opinião
dos subordinados deve ser ouvida.
Concentram-se na A ênfase principal do planejamento e controle de resultados deve residir num
redução de custos conceito de desempenho, ao contrário de um conceito fiscal que diz respeito
e, não, na criação apenas a resultados monetários (aplica-se também à próxima disfunção).
de valor.
Para evitar a tendência em se “cozinhar” o orçamento (ex.: subestimar as
Encorajam
vendas, superestimar as despesas ou solicitar mais fundos do que o
comportamentos necessário), uma política importante a ser estimulada é a análise cuidadosa de
inadequados e o ambos os tipos de variações, favoráveis e desfavoráveis. A administração deve
jogo com os
convencer os níveis inferiores de que dotações adicionais poderão ser
números (gaming). aprovadas a qualquer momento, a despeito do orçamento inicialmente
elaborado, desde que para isso razões econômicas suficientes sejam
apresentadas.
A fim de eliminar a tendência de, havendo excesso de recursos, os níveis
Adicionam pouco administrativos inferiores gastarem-nos imprudentemente no final do período
valor (orçamento orçamentário, os setores da empresa devem ser estimulados a poupar e a
incremental),
devolver os recursos desnecessários, ao mesmo tempo em que lhes deve ser
especialmente
assegurado, tanto em termos de política como de ação, que as dotações
levando-se em
futuras não serão adversamente afetadas por essa atitude positiva. As
consideração o
aprovações subseqüentes de orçamento devem ser consideradas em função
tempo despendido dos programas propostos e das necessidades comprovadas, e não do nível
para elaborá-los. das despesas em períodos precedentes (aplica-se também à disfunção
anterior).
Cerceiam a
O uso de flexibilidade na execução de planos deve ser uma política definida
iniciativa e a
para impedir a criação de “camisas-de-força” e permitir o aproveitamento de
flexibilidade, e
oportunidades favoráveis, mesmo que não incluídas no orçamento. Um
freqüentemente
programa de planejamento e controle de resultados administrado de maneira
são um obstáculo habilidosa permite dar mais liberdade de ação a todos os níveis da
para a
administração seu enfoque dá ênfase a oportunidades e permite prever
implementação de exceções, ajustes e necessidades de novos planejamentos, à medida que os
mudanças
acontecimentos se desenrolam.
Não são
desenvolvidos nem Na tomada de decisões rotineiras, como também em questões de longo
atualizados com
alcance, todos os níveis administrativos devem reexaminar continuamente as
freqüência,
perspectivas futuras, planejando e modificando planos prévios no processo de
geralmente uma
tomada de decisões.
vez por ano.
Welsch (1983) ainda identificou algumas vantagens específicas do programa
de planejamento e controle de resultados que, no entanto, também têm sido
contestadas pelos profissionais de finanças e pesquisadores. O Quadro 2 faz uma
correlação entre essas vantagens e as disfunções do orçamento. As quatro
18
primeiras referem-se à pesquisa de Neely et al. (2001) e, a última, a uma crítica
recorrente dos defensores do Orçamento Baseado em Atividades (ABB):
Quadro 2 – Vantagens e disfunções do orçamento tradicional
VANTAGENS DO ORÇAMENTO
Obriga à análise antecipada das políticas básicas.
Obriga os chefes de departamento a fazer planos
em harmonia com os planos de outros
departamentos e de toda a empresa e promove a
compreensão mútua de problemas entre os
membros da administração.
Reduz custos ao aumentar a amplitude do controle,
pois exige menor número de supervisores.
Libera os executivos de muitos problemas internos
rotineiros, graças a políticas predeterminadas e
relações de autoridade bem definidas, dando-lhe
mais tempo para planejar e usar sua criatividade.
Obriga a administração a planejar o uso mais
econômico de matéria-prima, mão-de-obra,
instalações e capital.
DISFUNÇÕES
Raramente são focados na estratégia e
quase sempre contradizem-na.
Reforçam a criação de barreiras entre os
departamentos mais do que incentivam o
compartilhamento do conhecimento.
Reforçam o controle e comando verticais.
Não refletem as estruturas emergentes de
relacionamento que as organizações estão
adotando.
Reforça a crítica de que se concentra na
redução de custos, sem agregar valor.
Os executivos despendem mais tempo
discutindo detalhes do orçamento do que
pensando em estratégias.
Não se preocupa com a gestão das
atividades e dos processos.
A repetição dessas disfunções, em maior ou menor grau, e em diferentes tipos
de organizações e países, nos permite firmar a convicção de que os princípios
fundamentais do planejamento e controle de resultados, propostos por Welsch, são
de difícil implementação ou, mesmo implementados, não são capazes de minimizar
o efeito dessas anomalias.
Outro problema do processo orçamentário é o estabelecimento das metas.
Cohen (2002) esclarece que, para muitas empresas, não são as prioridades que
determinam as metas, mas sim as condições financeiras que determinam as
prioridades. De fato, a preocupação das empresas está mais concentrada nos
resultados anuais, pois são neles que estão baseadas as políticas de remuneração e
promoção de executivos. Para os especialistas, quando a discussão é centrada
demasiadamente no resultado financeiro, o que pode estar faltando é um plano
estratégico, com visão de longo prazo.
19
Jensen (2003) acredita que a utilização do orçamento ou um sistema de metas
na avaliação de desempenho e na remuneração dos executivos têm profundas
ligações com a perda generalizada de integridade nas organizações. Sendo
recompensados por terem jogado com os números (inventando uma performance
inexistente), eles tendem a estender esse tipo de comportamento a toda a empresa,
comprometendo a ética e a geração de valor em suas organizações. O autor
acrescenta que, se a compensação financeira dos gerentes não estiver atrelada ao
orçamento e suas metas, eles não terão motivos para jogar, não precisando mentir
ou omitir informações na elaboração e execução do orçamento. Como resultado,
restaura-se a integridade organizacional e mantém-se a coordenação entre os
diversos setores. Na avaliação de Leahy (2002a), seria melhor atrelar a
remuneração dos gerentes ao cumprimento de metas de desempenho, como, por
exemplo, aumentar a satisfação dos clientes ou ampliar a participação no mercado.
Segundo Hansen et al. (2003), o dilema hoje enfrentado pelas organizações é:
manter, melhorar ou abandonar o orçamento? Para Hope e Fraser (1997),
defensores de uma gestão sem orçamentos, o modelo tradicional faz as pessoas
sentirem-se subvalorizadas – como custos a serem reduzidos, e não ativos a serem
desenvolvidos.
Brimson e Antos (1999), embora críticos do modelo tradicional, não vêem como
benéfica a simples eliminação do processo orçamentário. Eles explicam que alguns
gestores desapontados, tanto da área financeira quanto da operacional, começaram
a sugerir o abandono da prática orçamentária anual. O problema é que isto
significaria mudar para uma visão de futuro sem planejamento. Eles consideram
compreensível esse desejo, em função dos diversos problemas enfrentados pelo
processo orçamentário. Entretanto, permanece a necessidade de se criar valor, que
20
exige das organizações o estabelecimento de um conjunto de metas de
desempenho e a identificação das ações que proporcionarão o alcance dessas
metas. Uma vez implementadas essas ações, surge a necessidade de se monitorar
sua execução. Neste contexto, o orçamento torna-se uma ferramenta imprescindível
aos gestores, para o controle gerencial.
2.4 ENFOQUES ALTERNATIVOS
Conforme visto nas seções precedentes, a lista de reclamações é ampla. Em
função delas, algumas organizações passaram a adotar enfoques alternativos ao
modelo tradicional de orçamento, que configurou-se, na prática, estático e inflexível.
Neely et al. (2001) explicam que os sistemas orçamentário e de planejamento
foram desenvolvidos no início da era industrial, época em que o ambiente era menos
dinâmico e mais fácil de se compreender. Hoje em dia, a economia é muito mais
turbulenta, e as tentativas de desenvolver um plano fixo e de longo prazo baseadas
num modelo de negócios ultrapassado são ineficazes.
A tarefa de elaborar orçamentos continua a ser um dos maiores desafios para
executivos e gerentes de qualquer lugar do mundo. No Brasil, ela ainda se encontra
na fase do aprendizado porque, vivendo em uma economia instável por décadas, a
maior parte das empresas negligenciava o planejamento e controle de resultados, o
que, em última instância, obstou a aquisição de competência e tradição no assunto.
Entretanto, mesmo nos Estados Unidos, onde a cultura do planejamento está muito
mais arraigada, as empresas, em linhas gerais, empregam os mesmos métodos de
sempre. E têm enfrentado os mesmos óbices ano após ano. (LEAHY, 2002a).
Segundo Neely et al. (2001), a literatura identifica uma série de razões pelas
quais as organizações fracassam na tentativa de mudar seus processos
21
orçamentário e de planejamento: a) alto custo para implementar um novo sistema; b)
benefícios menos quantificáveis do que aqueles provenientes de investimentos em
outros sistemas de informação; c) aproximadamente metade das organizações que
decidem inovar encontram tantas dificuldades que desistem no meio do caminho; e
d) orçamento tradicional é de difícil descarte porque é uma atividade coordenada
centralmente na companhia (freqüentemente, a única). Costuma ser o único
processo que cobre todas as áreas da empresa.
Considerando que este estudo defende a manutenção do orçamento nas
organizações, pelos motivos já expostos, e que o orçamento base-zero está em
desuso, pela burocracia que lhe é inerente; serão analisados, para emprego na
administração pública, o orçamento contínuo e o ABB. Antes, porém, é
imprescindível discorrer sobre a reforma que está ocorrendo nos Estados nacionais,
e mostrar a necessidade de uma adequada ferramenta para o planejamento e a
geração de valor nos órgãos públicos.
3 A REFORMA DO ESTADO
3.1 A Reforma Gerencial
Na administração pública patrimonialista, predominante até o início da
Revolução Industrial, não havia distinção entre a estrutura do Estado e o poder do
soberano e dos nobres. Já na administração burocrática, própria do Estado liberal, a
gestão pública é representada por servidores de carreira, com estabilidade funcional,
que devem implementar as políticas e programas dos governantes escolhidos por
meio de sufrágio universal. Entretanto, a burocracia estatal tende a preservar o
status quo, constituindo-se em um fim em si mesma e fixando-se em procedimentos
formalistas de controle que não produzem eficiência (CATELLI et al., 2001).
22
Catelli et al. (2001) citam Osborne e Gaebler (1995), para destacar que os
governos burocratizados não privilegiam o mérito, ao recompensarem seus
funcionários com base, não no desempenho, mas no tempo de serviço, no número
de pessoas subordinadas e na sua posição hierárquica. Isto gera um apego ao
cargo, em que o servidor busca manter-se sempre influente na organização, por
meio de mais recursos no orçamento, mais funcionários sob sua supervisão e mais
autoridade. São as disfunções da burocracia.
Em vista do esgotamento desse modelo, que deixou de prover ao Estado as
ferramentas necessárias à obtenção do bem estar da comunidade, os governos vêm
tentando substituir os paradigmas burocráticos pelos princípios da administração
gerencial,
mais
voltada
para
os
resultados
demandados
pelos
seus
clientes/usuários, os cidadãos. Ademais, no modelo burocrático, não há o
aproveitamento do potencial da contabilidade na sua plenitude, já que é utilizada, via
de regra, para o cumprimento dos mandamentos legais, restringindo-se ao registro
dos fatos contábeis, dos atos administrativos e sua formalização (GONÇALVES,
2001).
Osborne & Gaebler (1995), mencionados por Catelli et al. (2001), enfatizam
que uma gestão empreendedora se preocupa com saídas e resultados, em oposição
à administração burocrática, que foca as entradas e os controles formais. Gonçalves
(2001) corrobora esse entendimento, ao afirmar que a administração gerencial está
voltada para os resultados, que devem ser perseguidos a fim de atender às
demandas da sociedade. Para isso, a organização deve implementar a
descentralização das decisões, a transparência nas suas ações e o planejamento
permanente.
23
Jones e Thompson (2000) comentam que essa nova forma de gerir os
negócios do Estado está amplamente difundida entre as nações. Eles citam algumas
delas empenhadas na reinvenção do governo: Reino Unido, Suécia, Países Baixos,
Canadá, Suíça, Alemanha, Itália, Dinamarca, Finlândia, Estados Unidos, Argentina,
Brasil, Cingapura, Hong-Kong, Japão e, talvez os mais conhecidos, Nova Zelândia e
Austrália.
Para Osborne e Gaebler (1995), agora citados por Catelli e Santos (2004), a
gestão pública empreendedora propõe a introdução de alguns “princípios de gestão
de negócios”, como a descentralização da gestão, a delegação de responsabilidades
e capacitação do capital humano, a ênfase no controle gerencial, a qualidade no
atendimento ao cliente e parcerias com o setor privado da economia. Deve-se
sempre ressaltar, todavia, que o serviço público possui peculiaridades que
diferenciam-no de um empreendimento privado, sendo a principal delas a ausência
do lucro como objetivo.
Jones e Thompson (2000) apresentam um modelo para a nova gerência
pública – os cinco “R” – que eles chamam de princípios para a ação. São eles: a
reestruturação,
a
reengenharia,
a
reinvenção,
o
realinhamento
e
a
reconceitualização. Os autores acreditam que, observadas as premissas contidas
em cada fase, as administrações terão uma profícua metodologia para responder às
demandas da sociedade com mais efetividade. Quanto ao tempo para geração dos
resultados, eles destacam que a adoção do modelo não surtirá efeitos a curto prazo;
deve-se considerar razoável um período de cinco a dez anos. O Quadro 3 sintetiza
as propostas do cinco “R”:
24
Quadro 3 - Os cinco “R” da nova gerência pública
FASE
PREMISSAS
Identificar as competências centrais da organização.
Eliminar da organização tudo aquilo que não agregue
Reestruturação
valor a seus serviços — especialmente as regras que
inibem o desempenho.
Contratar externamente tudo aquilo que não seja uma
competência central da organização.
Iniciar novamente, em vez de tentar ajeitar os
processos existentes.
Colocar a informatização e outras tecnologias da
informação no centro das operações.
Construir da base em direção ao topo, em vez de
Reengenharia
fazê-lo de cima para baixo.
Basear o desenho organizacional mais em processos
do que em funções e posições no organograma.
Concentrar o esforço na melhoria da qualidade do
serviço e na redução do tempo do ciclo produtivo e
dos custos.
Desenvolver um processo de planejamento.
Estabelecer uma estratégia de serviço e de mercado.
Reinvenção
Deslocar a organização em direção a novas
modalidades de fornecimento de serviços e novos
mercados.
Alinhar as estruturas administrativas e de
responsabilidade da organização com suas
estratégias de mercado e de fornecimento de
serviços.
Alinhar a estrutura de controle/recompensas da
Realinhamento
organização com suas estruturas administrativas e de
responsabilidades.
Dar ênfase aos centros de responsabilidade que
executam as atividades principais. Se as unidades
não desempenham missões centrais, devem ser
consideradas unidades de apoio.
Acelerar o ciclo de observação, orientação, decisão e
ação — tanto para melhorar o desempenho quanto
para aprender mais rapidamente.
Capacitar os trabalhadores da linha de frente para
Reconceitualização
avaliar o desempenho do serviço e oferecer um
feedback sobre o fornecimento do serviço e da
estratégia.
Construir uma organização com capacidade para
aprender e para se adaptar.
FERRAMENTAS
Gestão da qualidade
total;
Análise da cadeia de
valor;
Custeio baseado em
atividades.
Modernas bases de
dados;
Sistemas especializados
e tecnologias da
informação;
Trabalho de equipe;
Benchmarking;
Otimização do tempo e
do ciclo produtivo.
Planejamento
estratégico;
Pesquisas de mercado;
Redes e alianças.
Organizações baseadas
no desempenho;
Estruturas
multidivisionais;
Produção mínima;
Orçamento e prestação
de contas das
responsabilidades;
Preços de transferência;
Incentivos de alto poder.
Descentralização;
Controles flexíveis;
Capital de trabalho;
Análise rápida;
Novos modelos de
aprendizagem.
Fonte: (adaptado de Jones e Thompson, 2000)
Em consonância com o escopo deste trabalho, será dada atenção às
considerações de Jones e Thompson (2000) sobre o realinhamento, que tem o
orçamento como uma de suas ferramentas. Para os autores, o orçamento
operacional, elemento principal do controle gerencial, estabelece íntima ligação com
o comportamento dos gestores, ao estimulá-los a colocar em prática as políticas,
25
diretrizes e objetivos organizacionais contidos no plano estratégico. Esta é a
finalidade principal do processo orçamentário. Em segundo plano, aí sim, pode-se
dar atenção à avaliação de desempenho, com as recompensas e punições que vêm
no seu bojo.
Os autores traçam ainda comparações entre o processo orçamentário nos
governos e nas empresas. Eles destacam a rigidez e as minúcias com que se
elabora e executa o orçamento público, em oposição ao orçamento empresarial,
mais flexível e descentralizado, conferindo, assim, maior autonomia aos gestores.
Em função dessa delegação de autoridade, que busca incentivar a criatividade, os
orçamentos são mais agregados, menos detalhados e com maior quantidade de
indicadores de performance. Em condições ideais, um orçamento deste tipo deveria
apresentar apenas uma meta operacional por unidade gestora.
Complementando a discussão sobre orçamentos, Catelli e Santos (2004)
afirmam que, nos últimos anos, com a nova gestão pública, tem-se enfatizado o
“orçamento orientado por resultados”, que privilegia a mensuração da performance
com base na qualidade do serviço, e não apenas na saída gerada.
3.2 No Brasil
Com o início da reforma gerencial no Brasil, na década de 1990, tem-se
pretendido construir um referencial para a gestão pública que torne o Estado mais
sensível ao interesse público e às necessidades dos contribuintes, e mais eficiente
na gestão de sua máquina, provendo, em última instância, melhores serviços. Esta
iniciativa teve origem no movimento internacional de reforma do aparelho do Estado,
iniciado na Europa e nos Estados Unidos, e que será abordado mais adiante
(PAULA, 2005).
26
Para Bresser-Pereira (2005), “a reforma da gestão pública é uma nova forma
de organizar o Estado, que se opõe à administração pública burocrática, a qual
pretende substituir”. Dois princípios importantes da administração pública gerencial
são a autonomia (empowerment) e a responsabilização (accountability) dos
gestores. Na burocracia, há excesso de normas, regulamentos e controle; já, na
gestão pública, enfatiza-se o resultado.
Paula (2005) cita Bresser-Pereira (1998a), que considera que a reforma busca
reorganizar o aparelho estatal, fortalecer o núcleo estratégico do governo e
transformar o modelo de administração pública vigente - burocrático - em um modelo
com cultura gerencial. Quanto à gestão, ele defende a profissionalização dos
servidores e o emprego de ferramentas típicas do ambiente empresarial, adaptadas
às características do serviço público, que pretende promover o bem comum e não
obter lucro.
Catelli et al. (2001) citam Osborne & Gaebler (1995) para resumir as
características
desejáveis
da
administração
pública
gerencial:
governo
empreendedor, competitivo, pró-ativo, descentralizado, voltado para o mercado,
orientado por missões e objetivos, que veja o cidadão como seu cliente e que se
esmere em obter mais qualidade nos serviços, a um menor custo.
De acordo com o concebido no PDRAE, as atividades desempenhadas pelo
Estado foram divididas em quatro grandes grupos: a) núcleo estratégico, composto
pela Presidência da República e ministérios, Congresso Nacional, Justiça Federal e
Ministério Público; b) atividades exclusivas, executadas pelas autarquias, fundações
públicas e órgãos reguladores; c) atividades não exclusivas, em que podem haver
serviços similares prestados pela iniciativa privada; e d) produção de bens e
prestação de serviços voltados para o mercado.
27
Para o primeiro grupo, o núcleo estratégico, foi mantida a estrutura já existente;
as atividades exclusivas serão desempenhadas pelas agências executivas
(autarquias e fundações) e pelas agências reguladoras; quanto às atividades não
exclusivas, o Estado celebrará contratos com as organizações sociais, de forma que
elas se incumbam de algumas dessas tarefas; e, para as empresas estatais, houve
um amplo processo de privatização, visando à retirada do Estado de parte destes
setores. A Ilustração 1 apresenta o redesenho institucional proposto pela reforma
gerencial:
Núcleo estratégico
Cúpula formuladora
de políticas
Contrato
de Gestão
decide
opera
Atividades
exclusivas
Atividades não
exclusivas
Produção para
o mercado
agências
organizações sociais
empresas
Ilustração 1 - Redesenho institucional das atividades do Estado
Fonte: (adaptado de Linhares, s.d.)
3.3 Contratos de Gestão
As atividades exclusivas de Estado deverão ser organizadas pelo sistema de
agências autônomas, divididas em executivas e reguladoras. A agência executiva é
uma qualificação dada às autarquias ou fundações públicas, que continuam a
exercer atividades de competência exclusiva do Estado, mas com maior autonomia
gerencial e financeira. Para uma autarquia ou fundação ser considerada agência
executiva, ela deve elaborar seu planejamento estratégico e celebrar um contrato de
gestão com o ministério a que está vinculada. Segundo Gonçalves (2001), por meio
28
do contrato de gestão, que pode ser celebrado com as organizações sociais e com
as agências executivas e reguladoras, o Governo estabelece uma nova forma de
relacionamento com os órgãos públicos e com as organizações sem fins lucrativos,
baseada na autonomia, na avaliação do desempenho e na participação efetiva da
sociedade na definição e controle das políticas públicas.
Em termos genéricos, as agências executivas possuem a tarefa de
implementar as políticas públicas formuladas no núcleo estratégico do governo, por
meio da prestação de serviços e execução de atividades de responsabilidade do
Estado (PAULA, 2005).
Conforme previsto no PDRAE, os contratos de gestão visam, principalmente, a
definir os objetivos da organização, para orientar a ação do gestor; assegurar
autonomia e flexibilidade na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros,
para propiciar as condições que garantam o alcance das metas acordadas; e, por
fim, promover o controle e a prestação de contas dos resultados obtidos (CATELLI et
al., 2001).
De acordo com Gonçalves (2001), o contrato de gestão possui estreita relação
com outro documento: o plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento
institucional. Este plano será a base para a elaboração do contrato de gestão. Nele,
estarão identificados os macroprocessos existentes na entidade e constarão a
missão, a visão de futuro e o campo de atuação do órgão, em consonância com as
diretrizes governamentais. Gonçalves acredita que o plano produza reflexos na
cultura organizacional, por mostrar, de uma forma metodológica, o real papel do
planejamento.
O contrato de gestão é uma ferramenta primordial para a gestão estratégica
das agências e sua supervisão pelos ministérios, e para a instituição e consolidação
29
da
administração
gerencial,
com
a
conseqüente quebra dos paradigmas
burocráticos. Por intermédio do contrato, serão fixados os objetivos e metas a serem
atingidos pela agência, bem como os indicadores de desempenho que ensejarão, de
forma objetiva, a avaliação do seu desempenho. Em paralelo, ele realça a
importância da busca constante pela qualidade, requisito essencial para o
atendimento das demandas do mundo globalizado atual (GONÇALVES, 2001 e
MARE, 1998). Gonçalves (2001) ressalta, ainda, que o contrato flexibilizará, para as
agências, as regras de contratação de bens e serviços, um dos fatores que
emperram a gestão da máquina pública.
Não obstante os benefícios relatados anteriormente, não houve ampla adoção
da sistemática entre as fundações públicas e autarquias; há registro de apenas o
INMETRO ter celebrado acordo com a União, obtendo a qualificação de agência
executiva. Seu primeiro contrato vigeu de 1998 a 2001, sendo renovado, depois, até
o final de 2002. No relatório (2002) relativo aos resultados de 2001 do INMETRO, a
comissão de avaliação e acompanhamento do contrato de gestão deixou claro que
não foram transferidas ao órgão a flexibilidade e autonomia necessárias para a
consecução de suas metas:
A Comissão considera que a motivação de assinar um Contrato de Gestão é permitir ao
órgão uma certa autonomia com relação à gestão de recursos (humanos, financeiros,
métodos, materiais) para que este possa encontrar soluções criativas que assegurem o
alcance dos resultados pactuados. O leque de autonomias atualmente disponíveis é,
certamente, insuficiente para que se possa qualificar a gestão do INMETRO como
plenamente gerencial.
Encontram-se em vigor contratos de gestão celebrados entre o Ministério da
Ciência e Tecnologia e algumas organizações sociais, a saber: Associação Rede
Nacional de Ensino e Pesquisa; Centro de Gestão e Estudos Estratégicos; Instituto
de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá; e Associação Instituto Nacional de
30
Matemática Pura e Aplicada. Quanto às agências reguladoras, houve um contrato
celebrado entre o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde Suplementar,
que não está mais vigendo (informações obtidas na página do Programa Gestão
Pública Empreendedora na internet).
Gonçalves (2001) cita como obstáculos à efetivação do contrato de gestão a
dificuldade em o órgão conseguir a autonomia preconizada, em virtude de fatores
legais; a descontinuidade das políticas públicas, fruto da ainda incipiente cultura
para o planejamento de longo prazo; as indicações políticas para cargos de chefias
nos órgãos públicos, em detrimento do mérito; a falta de pessoal qualificado para
conduzir as mudanças necessárias; e a pouca publicidade dada às ações
governamentais.
Paula (2005) observa que a reforma não produziu o resultado almejado; muitas
autarquias e fundações não assinaram o contrato de gestão e, conseqüentemente,
não puderam se transformar em agências executivas. Algumas entidades sem fins
lucrativos que iniciaram sua qualificação como organizações sociais acabaram,
depois, demovendo-se da idéia. Com isso, há uma convivência imprópria de
formatos
institucionais
variados:
agências
executivas,
fundações
públicas,
autarquias, organizações sociais, organizações sem fins lucrativos, além das
agências reguladoras, que ainda não atingiram o desempenho esperado.
Alie-se a esses fatores, a natural descontinuidade administrativa que se
manifesta em nosso país, quando há transferência de poder em qualquer nível
(federal, estadual ou municipal). Paula (2005) descreve a reforma que a corrente
política ora no poder pretende implementar na administração pública federal,
denominada gestão social ou administração pública societal, e que diverge da
administração gerencial em pontos importantes. Sem entrar no mérito da discussão
31
acadêmica ou política, essa mudança, embora não desqualifique a proposta deste
trabalho, inviabilizaria os pressupostos da reforma gerencial, por exigir uma nova
forma de relacionamento do Estado com a sociedade. As características de ambas
as abordagens estão registradas no Quadro 4:
Quadro 4– Características da administrações públicas gerencial e societal
VARIÁVEL
Origem
Projeto político
Dimensões
estruturais
enfatizadas na
gestão
Organização
administrativa do
aparelho do Estado
Abertura das
instituições políticas
à participação social
Abordagem de
gestão
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
GERENCIAL
Movimento internacional pela reforma
do Estado, que se iniciou nos anos
1980 e se baseia principalmente nos
modelos inglês e estadunidense.
Enfatiza a eficiência administrativa e
se baseia no ajuste estrutural, nas
recomendações dos organismos
multilaterais internacionais e no
movimento gerencialista.
Dimensões econômico-financeira e
institucional-administrativa.
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
SOCIETAL
Movimentos sociais brasileiros, que
tiveram início nos anos 1960 e
desdobramentos nas três décadas
seguintes.
Enfatiza a participação social e
procura estruturar um projeto político
que repense o modelo de
desenvolvimento brasileiro, a
estrutura do aparelho de estado e o
paradigma de gestão.
Dimensão sócio-política
Separação entre as atividades
Não há uma proposta para a
exclusivas e não exclusivas do
organização do aparelho do Estado e
Estado nos três níveis
enfatiza iniciativas locais de
governamentais.
organização e gestão pública.
Participativo no nível do discurso,
mas centralizador no que se refere ao Participativo no nível das instituições,
processo decisório, à organização
enfatizando a elaboração de
das instituições políticas e à
estruturas e canais que viabilizem a
construção de canais de participação
participação popular.
popular.
Enfatiza a adaptação das
Enfatiza a elaboração de experiências
recomendações gerencialistas para o de gestão focalizadas nas demandas
setor público.
do público-alvo, incluindo questões
culturais e participativas.
Fonte: (Paula, 2005)
3.4 Experiência Americana
A reforma gerencial brasileira, conforme já comentado, foi reflexo de reformas
ocorridas em outras partes do globo, principalmente nos países desenvolvidos, que
buscaram aprimorar os processos governamentais e melhorar o atendimento ao
cidadão. Nos Estados Unidos, no início da década de 1990, foi aprovado pelo
Congresso o Government Performance and Results Act (GPRA), que até os dias
atuais tem enfrentado dificuldades para sua total implementação.
32
Segundo McNab e Melese (2001), no GPRA, que substitui a ênfase
orçamentária das entradas pelos resultados, o papel do processo orçamentário
federal e dos sistemas contábeis terá que mudar de uma função primordialmente de
controle para uma função mais voltada ao planejamento e à gestão. Enquanto os
tradicionais orçamentos, que dão prioridade ao controle, são voltados para a
alocação de recursos entre as diferentes categorias de despesas, os orçamentos de
desempenho focam os resultados gerados pela produção final de mercadorias e
pela prestação dos serviços públicos. Os autores acreditam que, por mensurar o
custo das atividades e dos processos, o Custeio Baseado em Atividades (ABC) pode
retirar o viés da função de controle e transferi-lo para a função de gestão.
Idealmente, a utilização do ABC oferecerá aos gestores públicos a oportunidade de
identificar e segregar os verdadeiros custos dos bens e serviços produzidos.
A concepção do orçamento por resultados está alicerçada em três assunções
básicas: a) congruência de objetivos -
por meio do desenvolvimento de planos
estratégicos relevantes e úteis; b) mensuração – pela quantificação dos objetivos, de
forma que o sucesso no alcance dos objetivos ou resultados possa ser checado nos
relatórios de desempenho; e c) incentivos – por intermédio de um novo projeto para
retirar o foco no controle, do atual sistema orçamentário, e colocá-lo nos resultados.
Freitas (1999) assevera que o enfoque do GPRA é conferir maior destaque ao
desempenho dos agentes governamentais e à transparência e prestação de contas
dos atos do governo. Para isso, a proposta do GPRA está consubstanciada em três
fatores principais: a proposição de missões, objetivos e metas para cada entidade
governamental; a avaliação do nível de cumprimento desses objetivos e metas; e o
uso dessas informações no processo decisório do orçamento. Freitas (1999) afirma
ainda que, para o alcance dos objetivos do GPRA, faz-se necessária a disseminação
33
da cultura de planejamento estratégico, a preparação de planos e relatórios anuais
de performance, a outorga de flexibilidade gerencial nas agências, e a adoção dos
orçamentos direcionados aos resultados.
Um dos maiores problemas do sistema orçamentário tradicional, baseado na
função de controle, seja no Brasil ou nos EUA, é o incentivo à conduta “gaste ou
perca”. Sabedores de que, não consumindo todos os recursos apropriados ao
orçamento de sua unidade gestora, eles serão reduzidos no exercício seguinte, os
gerentes procuram se assegurar de que toda a verba orçamentária seja gasta até o
término do ano fiscal e ainda se engajam em ações que visam à preservação, para o
ano seguinte, da alocação orçamentária do ano em curso. Welsch (1983) está
firmemente convencido de que estes problemas existem porque é dada atenção
insuficiente à formulação de políticas, à comunicação, ao processo de aprovação de
orçamentos e aos aspectos de motivação da administração. Para ele, essa
disfunção do orçamento é mais aguda no setor público porque os órgãos de
aprovação (Poder Legislativo) não estão envolvidos no processo administrativo
subseqüente, que é a execução do orçamento.
Neste contexto do “gaste ou perca”, a redução de custos não é incentivada e
ainda é freqüentemente vista como uma ameaça à perspectiva de manutenção ou
elevação das alocações futuras de recursos para as organizações. Os gerentes que
identificam e implementam técnicas de redução de custos correm o risco de ter seu
orçamento reduzido no ano seguinte e ver os recursos, porventura poupados,
transferidos às organizações que atingiram ou excederam seus níveis de gastos. Já
os órgãos que consomem todos os recursos que lhes foram destinados no exercício
podem ser aquinhoados com valores iguais ou maiores no ano fiscal subseqüente.
Tratar dessa conduta inadequada é um dos principais argumentos para a
34
implementação do orçamento por resultados. Esse tipo de comportamento poderia
ser atenuado se fosse permitida a manutenção, na unidade, de parcela dos recursos
não consumidos, para utilização em outras atividades (MCNAB e MELESE, 2001).
A reforma gerencial pretendida nos Estados Unidos tem encontrado obstáculos
e enfrentado resistências. Para McNab e Melese (2001), o fracasso das reformas
orçamentárias anteriores3 ilustra bem as dificuldades em se retirar o foco do
processo orçamentário federal das entradas e colocá-lo nos resultados. Por que elas
não obtiveram êxito? Primeiro, o esforço para implementar um processo
orçamentário baseado em resultados requer significativos investimentos em
sistemas de informação (contabilidade, especialmente) e em recursos humanos.
Segundo, embora o ímpeto para a reforma orçamentária possa ser uma iniciativa de
cima para baixo, deve ser conferida suficiente autonomia, no processo orçamentário,
aos diversos ministérios e agências federais para que eles possam estabelecer seus
objetivos e alocar recursos entre objetivos concorrentes, em resposta às demandas
da organização, do Presidente e de outros grupos de interesse (stakeholders). Por
fim, a determinação e avaliação das metas de desempenho necessitam de
informações desses diversos grupos, incluído aí o Legislativo e, quando apropriado,
os clientes.
Uma análise mais criteriosa da implantação do GPRA mostra que a
congruência de objetivos, ou melhor, a ausência dela, tem sido fundamental para
obstar todo o processo. McNab e Melese (2001) explicam que o setor público
ressente-se de um conjunto de objetivos definidos e quantificáveis. Por isso,
desenvolver métricas de desempenho para as organizações é um passo necessário
no processo de vinculação das entradas aos resultados. Mas, este é apenas um dos
3
The Budget and Accounting Procedures Act, 1950; Planning, Programming and Budgeting System,
1965; Management by Objectives, 1973; e Zero-Based Budgeting, 1977 (MCNAB e MELESE, 2001).
35
problemas. As partes interessadas devem primeiro chegar a um consenso sobre o
que deve ser mensurado, antes de as métricas serem desenvolvidas para avaliar a
performance.
Freitas (1999) também identificou este problema. Para ele, o desafio está em
assegurar que Congresso e executivo consigam lidar de maneira efetiva com seus
diferentes interesses, expectativas e pontos de vista. Enquanto o Legislativo dá
prioridade às atividades de supervisão e controle externo no curto prazo, o Executivo
privilegia a autonomia e flexibilidade administrativa, e as medidas com impacto no
longo prazo. Freitas ainda observou que não há uma clara definição de missões e
objetivos estratégicos, fruto de visões políticas divergentes nas próprias agências
governamentais ou entre os grupos de interesse.
Outro problema constatado na implantação do GPRA refere-se à falta de
vinculação entre o plano de desempenho e o plano estratégico. As outras tentativas
de reforma gerencial mostraram a importância do planejamento, pois é no
estabelecimento dos objetivos dos programas que se inicia a associação dos
recursos ao desempenho. Boa parte dos planos anuais de desempenho examinados
não consegue estabelecer as conexões entre os objetivos estratégicos e as metas
anuais. Como um unidade gestora, que cumpriu suas metas anuais, saberá se está
no rumo correto, se essas metas não estão em consonância com seus objetivos de
longo prazo ?
McNab e Melese (2001) apresentam três sugestões para o Congresso
americano aperfeiçoar a proposta do GPRA: a) eliminar o estímulo ao “gaste ou
perca”, permitindo que ministérios transfiram suas economias de recursos entre os
exercícios. Para isto, faz-se mister, pelo menos, um enfoque plurianual mais
abrangente do que o atualmente existente; b) considerar a introdução de auditorias
36
independentes, nos mesmos moldes da iniciativa privada, nos planos e relatórios de
desempenho ministeriais; e c) investir em sistemas de informação e treinamento de
pessoal, para criar as bases do orçamento por desempenho.
Por fim, Freitas (1999) considera a experiência americana com o GRPA útil
para a administração pública brasileira, por realçar a importância da perfeita
compreensão dos efeitos da ação governamental, em termos de produtos e
resultados; por enfatizar a necessidade de sinergia entre as ações e visões dos
Poderes Executivo e Legislativo, para garantir a eficácia da reforma; e por sinalizar
para a necessidade de um longo período de amadurecimento para as
transformações se tornarem palpáveis. Em função desta última consideração, o
autor lança uma pergunta crítica para a sobrevivência do GRPA:
[...] como conciliar o longo prazo de maturação inerente a uma reforma cujo foco são os
resultados com a necessidade de mostrar efeitos positivos que mantenham a motivação
dos administradores públicos ?
Talvez a resposta esteja em Welsch (1983): ele garante que um programa
orçamentário abrangente não produz resultados a curto prazo. No mínimo, são
necessários 12 meses para se chegar a um programa razoável; durante esse
período, a cúpula do órgão não pode ter expectativas muito elevadas e deve
promover e incentivar a educação orçamentária contínua, como forma de
conscientizar e motivar seu corpo funcional.
3.5 Experiências em Outros Países
Antes do surgimento do GRPA, outras reformas já haviam tentado aperfeiçoar
o processo decisório nas agências governamentais, reestruturar a gestão para
aumentar a eficiência, fomentar a transparência, e administrar com foco no
resultado. Foram elas: Management Initiative - Inglaterra, 1982; Programme
37
Management and Budgeting - Austrália, 1983; Public Finance Act - Nova Zelândia,
1989; Chief Financial Office - Estados Unidos, 1990. Reformas semelhantes também
ocorreram na Áustria e no Canadá (FREITAS, 1999 e MCNAB e MELESE, 2001).
McNab e Melese (2001) ressaltam que três tendências emergiram desses
esforços: a) tentativa de quantificar a performance e explicitar a relação entre a
alocação do recurso e o desempenho; b) substituição dos orçamentos conduzidos
centralmente por aqueles criados pelos ministérios e secretarias; e c) maior ênfase
e, em alguns casos, incorporação explícita, das implicações plurianuais nas decisões
de atribuição de recursos ao orçamento.
Para Freitas (1999), de uma forma resumida, essas reformas: a) conferiram
mais autonomia às organizações, em troca de maior compromisso com resultados e
publicidade dos atos dos gestores; b) descentralizaram a execução orçamentária e
minimizaram os procedimentos burocráticos de controle; e c) simplificaram as
normas relativas aos recursos humanos das unidades. Ele acrescenta que foram
adotadas iniciativas que incentivaram comportamentos típicos do setor privado,
como competição entre as agências, ou entre elas e empresas privadas, e a
retenção e utilização dos excedentes (autofinanciamento).
McNab e Melese (2001) extraíram as seguintes lições desses esforços:
primeiro, as metas de desempenho têm que estar vinculadas às estimativas de um
plano plurianual (conexão com o plano estratégico), e consolidadas na base de
dados de um órgão central de orçamento. A segunda lição ensina que os
investimentos em sistemas de informação e recursos humanos devem estar
acompanhados de autonomia e capacitação gerencial (empowerment) da força de
trabalho dos órgãos de escalões inferiores. Freitas (1999) concorda que a
experiência internacional recomenda a concessão de autonomia gerencial e a
38
capacitação dos gestores (empowerment), como uma forma de aperfeiçoar o
desempenho organizacional.
Diferentemente do Brasil e dos Estados Unidos, na Inglaterra, Austrália e Nova
Zelândia, os órgãos que conseguem economizar recursos do orçamento podem
transferir parte dessa economia para o ano fiscal seguinte; uma medida que parece
estar diretamente ligada à eliminação do comportamento inadequado “gaste ou
perca”, associado ao orçamento por controle (MCNAB e MELESE, 2001).
4 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO E GERAÇÃO DE VALOR
Padoveze (2005, p.3) considera que “o atual foco das pesquisas sobre a
missão das entidades empresariais está centrado no conceito de criação de valor”.
Brimson e Antos (1999) concordam que a criação de valor, que ocorre quando os
clientes da organização mostram-se dispostos a usar seus produtos ou serviços, tem
sido a principal prioridade para os gerentes, hoje em dia. Para eles, geração de valor
e vantagem competitiva estão intimamente ligadas à gestão do conhecimento e da
aprendizagem.
O objetivo básico de uma organização governamental é cumprir sua missão,
criando valor para a sociedade. A definição de valor gerado estaria relacionada à
devolução de bens e serviços à sociedade, em valor superior aos insumos e
recursos nela captados. Uma proposta para a mensuração desse valor é a utilização
do conceito de custo de oportunidade, em que determina-se o valor da ação do
Estado, pela confrontação com o valor da melhor alternativa disponível no mercado.
Se o consumo dos recursos necessários para efetivar a ação do Estado for inferior
ao valor econômico da alternativa desprezada, foi criado valor (CATELLI et al.,2001;
CATELLI e SANTOS, 2004).
39
Um componente importante na criação de valor refere-se ao controle do
processo, mais do que o do resultado. Focar os resultados finais pode inviabilizar a
tomada de decisão nas organizações. Estas devem efetuar o controle de suas
atividades e de seus processos de negócio enquanto eles ocorrem; não, ao seu
final. Controlando as atividades desta forma, as ações corretivas poderão ser
tomadas oportunamente, reduzindo, por conseguinte, o custo associado ao
retrabalho e às sobras ou refugos na produção (BRIMSON e ANTOS, op. cit.).
Welsch (1983) compartilha deste entendimento: o gestor deve realizar o controle no
momento da ação. Para o autor, a comparação do resultado real com o previsto
significa apenas a medida da eficácia do controle.
Brimson e Antos (1999) propõem que o planejamento orientado para a
criação de valor se inicie com a definição da visão e missão da organização e a
proposição de valor de seus produtos e serviços. Para alcançar a visão proposta,
uma companhia vislumbra várias estratégias destinadas a atender suas áreas
chave. Os objetivos estratégicos devem ser convertidos em ações tangíveis e
mensuráveis que melhorem a performance da organização. Para serem bem
sucedidas,
essas
estratégias
devem
privilegiar
os
processos
críticos.
A
identificação de quais processos são críticos é baseada no entendimento de quais
deles são necessários para satisfazer os desejos dos consumidores, ao mesmo
tempo em que criam uma proposição única de valor para a empresa. É nas
atividades e nos processos de negócio, e não nos elementos de custo, que as
organizações devem focar para criar valor.
Segundo Catelli et al. (2001):
No planejamento estratégico são fixados os grandes objetivos e as diretrizes gerais que
permitirão à organização governamental atuar no ambiente, segundo sua missão, crenças
e valores e dentro das expectativas da sociedade, do governo e do setor em que atua.
Essa visão estratégica integra todos os níveis gerenciais de modo a gerar a coesão e o
40
impulso motivador necessários para a atuação empreendedora. Nessa fase não há ainda
destinação de recursos nem resultados mensurados, mas as estratégias se desenvolvem,
em diálogo com a autoridade superior, sobretudo com vista a Contratos de Gestão.
Lunkes (2003b) explica que o planejamento estratégico analisa o ambiente
organizacional e os possíveis cenários, e elabora as estratégias para alcançar o
objetivo pretendido, indicando o caminho que a organização deve seguir. Por possuir
estas características, ele não se utiliza de muitas informações da contabilidade.
Com base nas hipóteses consideradas, nas oportunidades e ameaças
identificadas, nas diretrizes acordadas e tudo o mais que ficou estabelecido no plano
estratégico, a organização passa a desenvolver seu plano operacional, cujo
componente final é o orçamento. Para Lunkes (2003b), o processo orçamentário
engloba a fixação de planos esmiuçados e metas de lucro, estimativas de despesas,
padrões de desempenho de gestores, tudo em consonância com os elementos do
plano estratégico. No caso de um órgão público, que não busca o lucro, definir-seiam metas operacionais quantificadas, bem como prazos para o seu cumprimento,
com vistas à geração do máximo valor possível, a partir dos recursos disponíveis ou
aos quais o órgão tenha acesso (CATELLI et al., 2001)
O orçamento deve atender a duas demandas presentes na atual conjuntura de
negócios. A primeira, de delinear, em observância à estratégia estabelecida, as
operações da organização para um futuro próximo (normalmente, um ano). O
orçamento deve traduzir, para o período a que se refere, as proposições do
planejamento estratégico, não apenas quanto aos fatores financeiros e quantitativos,
mas também quanto aos aspectos qualitativos e intangíveis (LUNKES, 2003b).
Padoveze (2005) explica que as metas inseridas nas diversas peças orçamentárias
são oriundas do planejamento estratégico. Todavia, para Brimson e Antos (1999), a
linguagem financeira dos orçamentos tradicionais cerceia qualquer discussão sobre
41
as competências estratégicas ou ações-chave necessárias para a implementação da
estratégia global. A segunda demanda, de acordo com Lunkes, é criar o ambiente
propício para a gestão da inovação e do aprendizado contínuo, para a autonomia
das pessoas e para o incentivo à flexibilidade; em suma, reconhecer as opções que
agregam valor.
Para Brimson e Antos (1999), tanto as entidades comerciais quanto as não
comerciais adicionam valores intangíveis, em complemento aos financeiros, como a
capacidade de inovação, o conhecimento do processo, a lealdade dos clientes à
marca e a retenção de talentos. Tem sido incluídas, cada vez mais, nas metas
estratégicas, diretrizes acerca de medidas intangíveis, como satisfação dos clientes
e moral dos empregados. Algumas companhias líderes em seus setores têm
sofisticado sua compreensão a respeito dos inter-relacionamentos entre as áreas
intangíveis e os resultados financeiros. Embora seja difícil para os sistemas
contábeis mensurarem esse tipo de valor, há consenso nas organizações de que é
fundamental seus administradores compreenderem como ele é criado.
Hope e Fraser (1997) alegam que muitas empresas estão descobrindo, quase
sempre tarde demais, que o modelo econômico da segunda onda (era industrial) que
privilegiava volume, escala e a absorção dos custos fixos, não são mais adequados
ao ambiente competitivo da terceira onda (era da informação), em que inovação,
serviço, qualidade, velocidade e compartilhamento do conhecimento são fatores
cruciais. Neste contexto, o conhecimento e o capital intelectual são fatores chave na
competição. Ademais, há fortes evidências de que as empresas que focaram a
construção de seu capital intelectual produziram excelentes retornos para seus
acionistas e superaram seus competidores em todas as avaliações. Os autores
complementam que o capital intelectual compõe a parte principal do valor de
42
mercado da maioria das empresas. Maximizar o valor relativo aos ativos intelectuais
tem um impacto muito maior na geração de valor para os acionistas do que
maximizar os ativos financeiros. Essa mudança no enfoque exige novos modelos
organizacionais e novas formas de gestão e avaliação de desempenho.
O gráfico 1 ilustra com perfeição o resultado de uma gestão mais participativa e
que valorize o capital intelectual da organização. Ele estabelece uma hierarquia
entre a rentabilidade do patrimônio nas 500 empresas do anuário Melhores e
Maiores, da revista Exame, e nas 150 melhores empresas para trabalhar do Guia
Exame-Você S/A. Quanto maior a satisfação dos funcionários com as organizações
nas quais trabalham, maior o retorno para os controladores, sejam eles os acionistas
ou a própria sociedade. “Não é uma surpresa. Já se tornou redundante dizer que o
investimento nas pessoas é um bom negócio” (GOMES, 2005).
26,21
10 melhores empresas
150 melhores empresas
500 melhores e maiores
17,82
11,31
Gráfico 1 – Rentabilidade do patrimônio de empresas brasileiras
Fonte: (Gomes, 2005)
5 SISTEMA DE CUSTEIO
5.1 Sistema de Custos
Para que a metodologia a ser proposta seja viável, é imprescindível que a
organização
possua
um
sistema
de
custos
estruturado
por
centros
de
responsabilidades, pois dele sairão informações que auxiliarão na estimação dos
valores do orçamento, como as receitas e os gastos com mão-de-obra, matéria43
prima, materiais auxiliares, consumo de energia, pesquisa e desenvolvimento etc.
Esta exigência é uma das cláusulas, inclusive, dos contratos de gestão assinados
pelo governo com as agências executivas. Padoveze (2002) ratifica essa
necessidade ao dizer que, em um sistema de informações contábeis em que os
módulos ou subsistemas são integrados - condição quase que imprescindível para a
adequada condução dos negócios atuais - as informações advindas dos sistemas de
custos e de contabilidade por responsabilidade são subsídios importantes para a
formatação do sistema orçamentário.
Wischneski (2003) cita Tung (1994), que descarta a possibilidade de existência
de um sistema orçamentário sem o apoio de um sistema de custos e de
contabilidade geral. Isto justifica-se pela necessidade de se avaliar desempenho de
gestores e de suas áreas de responsabilidade, em que se comparam os resultados
obtidos (armazenados nos sistema de custos e de contabilidade) com os resultados
orçados (inseridos no sistema orçamentário).
Catelli et al. (2001) afirmam que “Entre os objetivos fundamentais da
Administração Pública do Brasil, inclui-se [...]a criação da riqueza ou valor”. Do ponto
de vista gerencial, porém, ainda não há sistemas de informações contábeis com
capacidade para identificar e mensurar o valor criado para a sociedade, pelas
organizações públicas. A implantação de um orçamento gerencial, com suporte de
um sistema de custos, contribuirá sobremaneira para facilitar a visualização desse
valor adicionado.
Silva (1999) defende que o sistema de custos na área governamental não
esteja inserido no sistema de contabilidade pública tradicional, embora devam se
comunicar entre si. Ele alega que um sistema de custos possui finalidade diversa do
sistema tradicional; enquanto este está mais preocupado com os aspectos legais da
44
despesa, aquele está estruturado para ser um ferramenta de auxílio ao gestor no
processo decisório.
Jones e Thompson (2000) destacam que as organizações públicas ressentemse de um sistema de custos que seja baseado nas atividades nelas desempenhas.
Na avaliação dos autores, a principal função desse sistema não estaria relacionada
a decisões do tipo “fazer ou comprar”, mas, sim, para servir como um suporte à
implantação de um sistema orçamentário por responsabilidades.
5.2 Custeio Baseado em Atividades
Segundo Cokins (s.d.), o objetivo inicial do ABC era simplesmente custear os
produtos com mais precisão. Depois, as empresas passaram a considerar os custos
das atividades, que eram alocados aos custos dos produtos, para propósitos mais
operacionais (ABM), principalmente daqueles produtos menos rentáveis. Como é
típico com as novas ferramentas gerenciais, as primeiras tentativas com o ABC e o
ABM não foram tão bem sucedidas. Agora, está claro que as informações geradas
pelo ABC possuem imensa utilidade, tanto para examinar a condição atual do
empreendimento como para alcançar uma situação desejada.
Nair (2000) acredita que, de posse das informações geradas pelo ABC e ABM,
os gestores podem aperfeiçoar os processos de negócio e tomar melhores decisões
sobre o uso dos recursos. Ele analisa uma pesquisa, em que usuários de um
aplicativo para ABC/ABM, desenvolvido pela empresa ABC Technologies, Inc.
(posteriormente incorporada à SAS), informam, entre outras coisas, os objetivos
principais que motivaram suas organizações a implementar o sistema. O Gráfico 2
apresenta o resultado da pesquisa (o total é maior do que 100 por cento porque
foram permitidas respostas múltiplas).
45
60
50
40
58
51
Custeio do
produto/serviço
49
Análise de processo
38
30
20
Gestão do desempenho
18
Determinação de
lucratividade
10
0
Objetivo principal do ABC/ABM
Gestão baseada em
valor
Gráfico 2 - Objetivos principais das organizações na implementação de um sistema ABC/ABM
Fonte: Adapatdo de Nair (2000)
Entre os órgãos públicos, 65 por cento dos que responderam ao questionário
afirmaram que a gestão do desempenho foi o fator motivador de aquisição do
software. Nos EUA, na época da pesquisa (1999), a adoção do ABC/ABM na
administração pública era considerada recente.
Uma constatação relevante obtida pela pesquisa é que as organizações estão
efetivamente utilizando as informações contidas em seus sistemas ABC/ABM. Os
relatórios gerenciais estão sendo mais difundidos nas companhias; em algumas
delas, mais de 250 pessoas têm tido acesso às informações. Não apenas a
informação está sendo compartilhada, mas também sua atualização tem sido
procedida em bases regulares, conforme pode ser visto no Quadro 5.
Para que haja perfeita compreensão dos conceitos atinentes às metodologias
baseadas em atividades, faz-se mister obter de Brimson e Antos (1999) a definição
de dois termos que se farão presentes nesta e nas seções seguintes:
a) atividade - é simplesmente o trabalho executado na transformação de
entradas em saídas. A atividade principal é aquela que contribui
diretamente para a consecução do objetivo de um departamento; ela possui
46
uma saída mensurável, capaz de ser quantificada. Já a atividade
secundária é aquela que apóia as atividades principais da organização,
como, por exemplo, os trabalhos dos setores administrativo, de supervisão,
de treinamento, e de secretaria; e
b) processo
de negócio - é um conjunto estruturado de atividades
interrelacionadas e interdependentes que consomem recursos com vistas a
atingir um objetivo específico, que é gerar uma saída (produtos ou
prestação de serviços). As atividades de um processo vinculam-se pelas
saídas que uma atividade transfere às outras. Um processo de negócio
transcende as fronteiras departamentais. A análise desses processos
descreve seus clientes, fornecedores e limites de cada um, bem como as
interfaces entre eles. A análise contumaz das atividades e processos
permite aos funcionários avaliarem a execução de suas tarefas.
Quadro 5 - Constatações da pesquisa sobre implementação de um sistema ABC/ABM
TEMA
Objetivo
Integração
Freqüência
Compartilhamento
Abrangência
Tendência
CONSTATAÇÕES
O custeio do produto/serviço foi mencionado, com maior freqüência, como o
principal objetivo para implementação do sistema ABC/ABM.
Seis em dez respondentes assinalaram que os sistemas devem possuir
interface com os sistemas integrados de gestão (ERP - Enterprise Resource
Planning).
Dois terços dos entrevistados atualizam o sistema e emitem relatórios, pelo
menos, trimestralmente.
A maioria afirmou que compartilha as informações oriundas do sistema com
mais 10 a 24 pessoas.
A quantidade média de unidades/divisões que usam correntemente o ABC/ABM
é 3,4 por organização.
Mais da metade disse que o ABB é um objetivo principal para os próximos 12
meses.
Fonte: Adapatdo de Nair (2000)
Brimson e Antos (1999) entendem que uma responsabilidade primordial das
organizações é assegurar que as atividades secundárias aumentem a eficiência das
atividades principais e não desperdicem recursos que poderiam ser empregados em
outras tarefas.
47
Para os autores, a análise de um processo de negócio direciona a atenção dos
administradores para a interdependência existente entre os departamentos. Isto
compele os gestores a considerarem os departamentos subsequentes, na linha de
produção, como clientes, e a se conscientizarem de que o desempenho de suas
atividades produz impacto nas atividades ulteriores do processo. A fim de reduzir
custos ou criar um diferencial competitivo, as organizações devem incluir seus
fornecedores e clientes externos, componentes de sua cadeia de valor, na análise
de seus processos de negócios.
Com o fito de orientar as organizações, por ocasião da descrição de seus
processos de negócio, a empresa de consultoria Arthur Andersen e a The American
Productivity and Quality Center desenvolveram o esquema de classificação de
processos, constante do Quadro 6:
Quadro 6 - Esquema de classificação de processos
CATEGORIAS
DESCRIÇÃO
compreender mercados e clientes
elaborar visão e estratégia
projetar produtos e serviços
vender
produzir e entregar mercadorias ou serviços
faturar e prestar serviços pós-venda
desenvolver e gerenciar recursos humanos
gerir informação
gerenciar recursos físicos e financeiros
gerenciar ambiente e segurança
gerir relações institucionais
gerir mudanças e aperfeiçoamentos
Processos operacionais
Processos administrativos
e de apoio
Fonte: adapatdo de Brimson e Antos (1999)
As organizações podem utilizar esta ferramenta como um guia para criar suas
próprias visões dos processos críticos, personalizando-a de acordo com suas
atividades e modelo de negócios. A classificação deve ser esmiuçada em sentido
descendente, de forma que a análise dos processos chegue até as atividades,
passando
pelos
subprocessos.
Para
ser
eficiente,
a
administração
deve
48
compreender como as tarefas fluem horizontalmente, através da estrutura vertical da
organização. Caberá a cada organização a análise da relação custo x benefício
entre o nível de acurácia pretendido na descrição das atividades e processos e o
custo de coleta e análise dos dados.
Na contabilidade por atividades, é particularmente importante que os custos,
sempre que possível e viável economicamente, sejam associados aos objetos de
custo. Esta associação alerta os administradores para os custos indiretos ou
compartilhados (de vendas, administrativos, de engenharia, etc.), que, de outra
forma, seriam de difícil controle. Estes custos passam a ser controláveis porque se
estabelece uma relação de causa e efeito entre os recursos consumidos e as
atividades
desempenhadas (BRIMSON e ANTOS, 1999). Esta relação é
estabelecida por meio de um fator, denominado direcionador de custos, que indica
como as atividades consomem os recursos da organização ou como os produtos
absorvem os custos das atividades.
Um tema relevante tratado pelo ABM é a gestão da capacidade instalada. Uma
vez que um custo é identificado como fixo, a atitude prevalecente entre os gestores é
a de que não há muito o que se fazer. No entanto, em vez de ponderar sobre algo
que não pode ser modificado - custos fixos - a administração do empreendimento
deveria focar as capacidades utilizada e não utilizada. Quando uma organização
torna visível o excesso de capacidade, seus administradores podem facilmente
reconhecer o problema e, mais bem informados, tomar uma decisão sobre o que
fazer com esse excesso. Eles podem vender, alugar, consolidar operações de outras
unidades ou utilizar o tempo ou espaço para outros propósitos, inclusive para futuras
expansões.
49
Aumentos no volume de produção, por diminuir a capacidade ociosa e diluir os
custos considerados fixos em uma quantidade maior de produtos, podem melhorar
as margens de lucro e, conseqüentemente, criar valor. Entretanto, Brimson e Antos
(1999) alertam que muitas empresas acabam descobrindo que aumentos no volume
podem resultar em elevação nos custos fixos, quando a capacidade e os gargalos
na produção não são devidamente gerenciados.
Outro aspecto de importância para a gestão das organizações é a avaliação do
desperdício, consubstanciado nas atividades que não agregam valor, como, por
exemplo,
estocagem,
ajuste
das
máquinas,
movimentação
de
material,
inspeção/controle de qualidade. Segundo Brimson e Antos (1999), para gerar valor,
uma organização deveria buscar a eliminação do desperdício, por meio de um
sistema de controle gerencial baseado na análise das atividades e processos que
identifique e destaque o volume desse desperdício.
6 ORÇAMENTO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
6.1 ORÇAMENTO GERENCIAL
Santos (1999) entende que o orçamento não deve ser objeto de uma visão
enviesada, que se restrinja ao cumprimento dos mandamentos legais, cuja maior
preocupação é com as metas financeiras; em vez disso, ele deve ser utilizado como
uma ferramenta de gestão, por meio da qual o administrador tenha a sua disposição
valiosas informações para a análise e o controle dos custos.
O autor acrescenta que não há aderência entre as fases de elaboração e
execução do orçamento, pois inexiste vinculação entre a destinação dos recursos,
contida nas peças orçamentárias, e o consumo deles, consubstanciado nas fases do
empenho, liqüidação e pagamento da despesa. Isto ocorre porque as metas e
50
valores inseridos nas propostas orçamentárias, pelas unidades gestoras, servem
apenas como uma justificativa momentânea para a obtenção dos recursos para o
período seguinte.
Em busca de ferramentas que permitam, ao mesmo tempo, a supervisão legal
das ações governamentais, pelos órgãos de controle, e a otimização do consumo
dos recursos e criação de valor para a sociedade, fruto da intervenção dos gestores,
Catelli et al. (2003) propõem que, no processo de planejamento operacional, sejam
formulados dois orçamentos, com finalidades e usuários distintos, porém integrados.
Mantém-se o orçamento formal, nos moldes tradicionais, inserido no Sistema
Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI, no caso dos
órgãos da administração federal, e cria-se o orçamento gerencial, subordinado às
restrições impostas ao orçamento público, porém sem necessidade de autorização
legislativa. Para melhor controle, esse orçamento teria suas informações segregadas
por áreas de responsabilidade (AR). A Ilustração 2 mostra como seria efetuada a
integração entre o orçamento público e o gerencial.
Catelli et al. (2001) explicam que, uma vez promulgado o orçamento geral da
União, faz-se o processo inverso ao do envio de subsídios, que é a realização de
ajustes no orçamento gerencial do órgão. Com isso, obtém-se o orçamento gerencial
aprovado. A manutenção desses dois subsistemas orçamentários, o público e o
gerencial, permite à administração pública atender a duas necessidades que se lhe
antepõem: a normativa - prestação de contas de seus gastos, segundo os preceitos
legais (orçamento público); e a gerencial – avaliação da eficácia de suas ações em
busca da criação de valor (orçamento gerencial).
As organizações públicas necessitam superar a barreira criada pelos dogmas
da burocracia e suas disfunções; para gerar resultados satisfatórios, frutos de sua
51
atuação na sociedade, esses órgão carecem de modelos de gestão capazes de
extrair o máximo rendimento da conjugação de esforços de sistemas e pessoas
motivadas e com autonomia (CATELLI et al., 2001). Neste contexto, em face das
características que serão apresentadas em seguida, nos parece adequado afirmar
que esse modelo de gestão encontra eco nos fundamentos do orçamento
empresarial, mais especificamente nos orçamentos contínuo e baseado em
atividades.
Contrato
de gestão
Plano de ação
negociação
Restrição
orçamentária
Revisão dos
planos
Orçamento
público
aprovado
Orçamento
gerencial
aprovado
(geral e por
AR)
Plano
estratégico
Orçamento
gerencial
consolidado
proposto
negociação
Sistema de
orçamento
público
Sistema de
orçamento
gerencial
Sistema de Informação
Ilustração 2 - Orçamento gerencial e orçamento público
Fonte: (Catelli et al., 2001)
6.2 ORÇAMENTO CONTÍNUO
Welsch (1983) afirma que há dois enfoques para as empresas estabelecerem
políticas quanto ao período de tempo a ser coberto pelos planos de resultados e à
freqüência com que o ciclo de planejamento formal repetir-se-á: o planejamento
52
periódico (estático, uma vez ao ano) e o planejamento contínuo de resultados. O que
vai subsidiar as empresas a optarem por um dos dois enfoques é o fato de algumas
delas operarem em condições que permitam a preparação de planos de resultados
exeqüíveis,
com
muita
antecedência,
e
outras
encontrarem
dificuldades
consideráveis para planejar para um futuro distante.
Neely et al. (2001) afirmam que uma das principais melhorias propostas para
se driblar as fraquezas inerentes ao processo orçamentário se refere à necessidade
de orçar e elaborar previsões com mais freqüência, a fim de que se acompanhem as
mudanças no ambiente corporativo. Elas incluem o orçamento contínuo, o
planejamento perpétuo e as previsões contínuas. Raposo e Raposo (2003)
denominam o orçamento contínuo de orçamento de horizonte fixo.
Segundo Lunkes (2003a), o objetivo primordial do orçamento contínuo é
manter o orçamento operacional atualizado. Sua concepção reside em acrescentar,
ao final de cada ciclo, um novo período, que pode ser de um, quatro ou seis meses.
Para o autor, esta prática assegura que gestores e empregados permaneçam
envolvidos no processo orçamentário, garantindo, assim, que condições variáveis
possam ser incorporadas ao processo no momento oportuno.
A essência desta abordagem é a inclusão de um horizonte fixo de tempo e a
elaboração contínua de previsões, de forma que a organização se mantenha
atualizada quanto às mudanças, nos ambientes interno e externo, que possam
afetar seus objetivos e estratégia. Sobre essas mudanças, Frezatti (2005) resume o
momento atual: investidores exigindo resultados satisfatórios da companhia,
prioridade para os recursos humanos, rapidez na inovação, infidelidade dos clientes,
preços sujeitos à influência da globalização, e pressão generalizadas por padrões
éticos (governança corporativa).
53
Myers (2001) considera que, diferentemente do modelo tradicional estático, o
orçamento contínuo encoraja os gestores a reagirem com mais celeridade às
mudanças na economia e nos processos de negócio e os dissuade de manter o foco
improdutivo no passado (por que não atingimos os números previstos?), em favor de
uma visão mais realística voltada para o futuro.
Para Montgomery (2002), muitos dos processos orçamentários tradicionais não
conseguem fornecer uma visão clara do rumo a ser dado ao empreendimento. As
previsões contínuas permitem às organizações diminuir a distância entre o plano
estratégico global e o orçamento operacional. Um ciclo de planejamento ideal,
segundo o autor, inclui um componente de previsões contínuas que fluem
diretamente do plano estratégico e se integra ao orçamento operacional. O produto
desse planejamento de alto nível afeta diretamente o resultado do orçamento.
Hunt (2003) considera que as previsões contínuas provêem a gerência com
informação no momento adequado para apoiar as decisões de negócios. Ele sugere
substituir o processo anual de elaboração do orçamento, com revisões trimestrais,
pelo enfoque voltado para as previsões contínuas. Os benefícios obtidos seriam:
a) reduzir ou eliminar o enfoque incremental tradicional – isto força as pessoas a
elaborarem previsões para atualizar mensalmente as projeções do negócio e a
criar procedimentos padronizados para esta atividade;
b) ajudar a eliminar a mentalidade de focar somente o ano em curso –
reconhecimento de que as funções de negócio são uma operação contínua e que
necessitam ser gerenciadas com esta concepção;
c) manter o horizonte de tempo sempre em 12 meses – permite à administração
tomar ações corretivas conforme as condições do negócio se alterem; e
54
d) reduzir ou até mesmo eliminar o processo de orçamentação anual (que é custoso
e despende muito tempo) – no último quadrimestre, época normal de elaboração
do orçamento, a administração, baseada nas suas últimas previsões contínuas,
já terá uma boa noção de como será o próximo exercício.
Welsch (1983) avalia que a abordagem contínua elimina em grande parte a
necessidade de revisão de planos, no caso de acontecimentos e circunstâncias não
previstos com antecedência. O caráter singular do orçamento contínuo está em a
diretoria ter a sua disposição planos detalhados e contínuos para um período futuro
relativamente regular (horizonte fixo de tempo), enquanto que, no planejamento
periódico de resultados, o período de planejamento a curto prazo encerra-se no final
do ano.
Montgomery (2002) chama a atenção para o fato de as empresas normalmente
enfrentarem problemas para coordenar e separar suas previsões do orçamento
operacional. Em vez de elaborar previsões de fato, que, em condições ideais, seriam
projeções em alto nível, as organizações acabam por elaborar novos orçamentos a
cada semestre ou, até mesmo, quadrimestre, com todo o esforço adicional
associado. O resultado: vários orçamentos durante o exercício, o que consome mais
tempo e esforço do que o necessário; e, não, previsões, que poderiam indicar visões
e caminhos para o negócio. O autor destaca que a maior parte das organizações
deveria recuar e alterar o foco de suas previsões, das minúcias do orçamento para
uma projeção de alto nível, elaborada de cima para baixo, e separada (embora
integrada) do orçamento operacional.
Uma vez que a organização tenha decidido executar o planejamento
estratégico financeiro, por meio das previsões contínuas, ela deve se preocupar com
que o processo de previsão seja focado adequadamente e, não, simplesmente se
55
torne uma extensão do processo orçamentário. Montgomery (2002) propõe que as
previsões contínuas, para serem mais eficientes, devem:
a) possuir uma clara mentalidade voltada para o planejamento financeiro
estratégico;
b) ser realizadas resumidamente, em grupos de centros de custos (talvez em
nível de departamentos, unidades ou regiões geográficas), de forma que os
gestores tenham uma visão ampla da estratégia corporativa;
c) ser modeladas com métricas e parâmetros operacionais, em vez de
atualizações genéricas dos números das previsões anteriores; e
d) estar intimamente relacionadas ao orçamento operacional.
Segundo Neely et al (2001), estes enfoques são mais responsivos às
mudanças por resolverem os problemas associados à falta de acompanhamento
periódico do processo orçamentário, resultando em previsões mais precisas.
Também são elaborados para superar os problemas relacionados ao orçamento com
um ponto fixo no tempo (dezembro de cada ano, normalmente) e os contumazes
comportamentos dúbios que este tipo de corte (ponto de ruptura) encoraja. Os
autores apontam, entretanto, a desvantagem de ele possuir um custo mais elevado,
em função da maior freqüência com que os orçamentos são agregados e
atualizados.
6.3 ORÇAMENTO BASEADO EM ATIVIDADES
O ABB originou-se na ala americana da organização Consortium for Advanced
Manufacturing International (CAM–I), que defende o aperfeiçoamento do sistema
orçamentário pela combinação de um modelo operacional mais abrangente,
baseado em atividades, com um detalhado modelo financeiro. Seu foco está em
56
gerar um melhor apoio, por meio do processo orçamentário, ao planejamento
operacional. Organizações como Boeing, Emerson Electric, IBM Business Consulting
Services, SAS Institute e o Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA já fazem parte do
CAM-I (HANSEN et al., 2003).
Um dos objetivos estratégicos de um sistema ABC bem projetado, segundo
Cooper e Slagmulder (2000), é identificar a necessidade futura por recursos de
forma que eles possam ser obtidos mais eficientemente (ênfase no planejamento).
Este objetivo, de acordo com Cokins (s.d.), está começando a atrair o interesse dos
usuários mais avançados do ABC. Para Leahy (2002b), embora o ABC tenha se
difundido bem na década de 1990, o mesmo não se deu com o ABB, que não teve
seu potencial devidamente aproveitado no período.
Nair (2000) afirma que, na pesquisa conduzida pela ABC Technologies,
verificou-se que o processo de construir um orçamento, baseado nas atividades
necessárias para alcançar os objetivos estratégicos da organização, está na tela de
radar de mais da metade dos respondentes. A pesquisa indica que, quanto mais
experiente for o usuário do sistema ABC/ABM, maior a probabilidade de a
implementação do ABB se tornar um objetivo nos próximos 12 meses.
6.3.1 Elaboração
Cooper e Slagmulder (2000) afirmam que o ABB possui duas vantagens sobre
o orçamento tradicional: tem potencial para ser mais acurado e provê melhores
informações sobre o porquê de aquela demanda não possuir relação linear com o
volume de produção.
Para Hansen et al. (2003), o enfoque do ABB está na criação de um orçamento
proveniente de um modelo fundamentado nas atividades desempenhadas nas
organizações, em oposição ao conceito tradicional, baseado nos centros de
57
responsabilidade, nos departamentos ou no produto e no cliente. Para os críticos da
abordagem tradicional, os controles orçamentários focados nos centros de
responsabilidade são incompatíveis com os projetos organizacionais baseados na
cadeia de valor. Realmente, o modelo tradicional propõe que “o sistema contábil
deve ser organizado de acordo com a estrutura de responsabilidade da empresa. [...]
Na contabilidade por áreas de responsabilidade, [...] o controle de receitas e custos
passa a receber a ênfase principal ” (WELSCH, p. 54 e 55, 1983).
Marcino (2000) argumenta que, como o trabalho é fundamental em qualquer
empreendimento e as atividades são a manifestação e a descrição desse trabalho,
elas deveriam ser o foco. Para ele, faz sentido planejar atividades, e não apenas os
gastos necessários para sua execução. Elas podem ser avaliadas em termos de sua
contribuição para a missão do empreendimento. Um princípio fundamental em todas
as metodologias baseadas em atividades (ABC, ABM e ABB) é classificá-las em
termos de “com valor” e “sem valor”.
Wischneski (2003) cita Kaplan e Cooper (1998) para relacionar as etapas na
elaboração de um orçamento baseado em atividades:
Etapa 1 – Estimar o nível de produção para o exercício seguinte, por produtos e
clientes. Nessas estimativas, estarão incluídos o volume e o mix de produção e de
vendas, segregados por clientes. Esse processo não difere muito do utilizado no
orçamento tradicional, no que se refere a cálculo de compras, necessidade de mãode-obra e utilização de imobilizado. Deve-se prever também a quantidade dos
direcionadores de custo.
Etapa 2 - Previsão da demanda de atividades; não só as principais, mas todas as
atividades secundárias e de apoio, para atender ao nível de produção estipulado.
58
Etapa 3 - Cálculo da demanda dos recursos (mão-de-obra direta e indireta, matériaprima etc.) necessários para a realização das atividades. A estimativa desses
recursos apóia-se no entendimento da eficiência subjacente à execução das
atividades.
Etapa 4 – Definição da oferta real de recursos necessários para atender ao volume
de atividade previsto.
Etapa 5 – Gestão da capacidade. Depois de identificados todos os recursos relativos
à atividade, deve-se determinar a capacidade prática, que é a capacidade do
primeiro recurso que limita o desempenho da atividade pela empresa (gargalo).
Hansen et al. (2003) explicam que, diferentemente do enfoque clássico, o ABB
cria um orçamento operacionalmente exeqüível antes de gerar o orçamento
financeiro. Com algumas restrições, a serem abordadas mais adiante nesta seção,
pode-se afirmar que o funcionamento do ABB é o processo inverso de atribuição de
custos do ABC. A demanda estimada por produtos e serviços fornece a base para o
cálculo do nível das atividades necessárias para atender àquela demanda, com base
na taxa de um direcionador de atividade correspondente; depois, essas atividades
embasam a estimação do volume de recursos (mãos-de-obra direta e indireta,
energia, por ex.) necessários para a execução delas, com base na taxa de um
direcionador de recursos.
Sobre o funcionamento do ABB, Hansen et al. (2003) explicam que, uma vez
conhecidos o nível de atividade e o volume de recursos necessários para atender à
demanda prevista, o ABB busca alcançar um equilíbrio operacional entre os recursos
necessários e os disponíveis (capacidade instalada). Se o plano inicial produzir um
desequilíbrio, a organização pode ajustar a quantidade demandada (por meio de
políticas de preço, estratégias de marketing ou simplesmente diminuir a produção), a
59
capacidade dos recursos (análise da ociosidade e dos custos fixos comprometidos),
ou as taxas dos direcionadores de recursos ou de atividades (eficiência dos
processos). Já as organizações que se utilizam do processo orçamentário tradicional
podem equilibrar o orçamento somente pela mudança na quantidade demandada ou
na capacidade dos recursos.
No ciclo financeiro, é desenvolvido um plano baseado no plano operacional. O
equilíbrio é alcançado quando o resultado desse plano financeiro atinge a meta
predeterminada. Uma vez que a organização tem conhecimento da demanda, das
atividades e dos recursos envolvidos em suas operações, ela estima o consumo dos
recursos, atribui o custo às atividades e, depois, aos produtos/serviços (que é
exatamente a seqüência utilizada no ABC). Se o plano financeiro inicial não estiver
equilibrado, o ABB permite que a organização ajuste cinco possíveis elementos para
alcançar a meta orçamentária: as taxas dos direcionadores de recursos ou de
atividades; capacidade dos recursos; custo dos recursos; quantidade demandada de
produtos/serviços; e preço. De forma análoga ao ciclo operacional, o processo
orçamentário tradicional, por não coletar informações relativas às atividades e aos
direcionadores de custo, oferece menos possibilidades para ajustar o orçamento. A
Ilustração 3 apresenta uma visão geral do Orçamento Baseado em Atividades.
Fundamentalmente, o ABB se concentra no entendimento das atividades e
suas inter-relações para atingir os objetivos estratégicos. Ele traduz a estratégia do
negócio em atividades necessárias a sua implementação. O foco está nas atividades
e na capacidade instalada da organização, mais do que nos recursos. É difícil para
um orçamento elaborado com base em recursos (mão-de-obra, matéria-prima,
aluguel etc.) prover o adequado discernimento à administração (BRIMSON e
ANTOS, 1999). Como o orçamento tradicional se limita a acrescentar, sobre a base
60
de dispêndios de períodos anteriores, um percentual relativo à inflação, Cokins (s.d.)
conclui que sua elaboração começa erroneamente pelos custos. Ademais, o
orçamento tradicional considera que alguns custos são fixos, o que tende a tornar o
desperdício menos visível. É mais fácil para qualquer funcionário interagir com um
orçamento por atividades porque ele é baseado no trabalho que as pessoas
executam. As técnicas tradicionais que camuflam os relacionamentos de causa e
efeito entre os recursos e os produtos devem dar lugar a uma abordagem baseada
no orçamento por atividades (BRIMSON e ANTOS, 1999).
ESTÁGIO I – CICLO OPERACIONAL
o
Escassez
ou excesso
ESTÁGIO II – CICLO FINANCEIRO
Equilíbrio
operacional
Capacidade
Instalada
Ajuste da
capacidade
Recursos
atribuição
de custos
Atividades
Ajuste do
consumo
Ajuste do
custo dos
recursos
atribuição
de custos
Produtos &
Serviços
Ajuste de preço
$
Ajuste da
demanda
Demanda
estimada
Resultado
financeiro
Metas
*A estratégia primeiro estabelece a demanda estimada e, depois, .............................as metas. *
Ilustração 3 - visão geral do ABB
Fonte: (adaptado de Hansen et al., 2003)
6.3.2 Gestão da Capacidade
Cokins (s.d.) admite que diferenças entre o nível de gasto e consumo de
recursos sempre existirão. Enquanto o gasto está relacionado ao que foi planejado
61
para a capacidade instalada, o consumo diz respeito à efetiva utilização dessa
capacidade, no processo produtivo. Essa diferença representa a capacidade ociosa.
O que importa nesses casos não é o valor absoluto do excesso de capacidade, que
pode ser fruto de decisões estratégicas (manter, por exemplo, funcionários e
suprimentos excedentes, em prevenção a possíveis oscilações na demanda) ou de
deficiências no planejamento, mas, sim, o percentual existente acima de um limite
aceitável, necessário para a condução das operações, em atendimento à demanda
prevista. Assim, qualquer pequeno erro originário de estimativas imprecisas é
minimizado, visto que o objetivo verdadeiro é gerir a utilização da capacidade.
Para Leahy (2002b), o planejamento operacional se inicia com o levantamento
do imobilizado e do número de pessoas à disposição da companhia, em outras
palavras, sua capacidade instalada para atender a demanda dos clientes. O ABB
determina, então, a quantidade de recursos necessários para manter essa
capacidade. Finalmente, a metodologia se atém ao impacto que uma demanda
adicional provocaria na capacidade instalada e quanta capacidade adicional, em
termos monetários, poderia ser requerida para atender à demanda futura.
Brimson e Antos (1999) acreditam que uma organização bem administrada,
que não utilize o ABB, pode traçar o mesmo panorama sobre sua capacidade
instalada que uma outra, adepta da metodologia. Porém, um orçamento formal,
baseado em atividades, facilita esse processo, tornando-o menos intuitivo e
estimulando muito mais questionamentos e alternativas. Um orçamento baseado em
atividades consegue identificar, ainda, o desperdício e os itens que não agregam
valor, de forma que a administração possa, rapidamente e com clareza, rever seus
processos. Assim, todos podem trabalhar para reduzir ou eliminar estes
desperdícios.
62
O ABB também tem a capacidade de transformar o entendimento difundido nas
organizações sobre o custo fixo. Na contabilidade da empresa, muitos custos se
apresentam como se fossem realmente fixos. No entanto, uma vez acumulados nas
atividades, verifica-se que muitos deles são variáveis, pois as taxas dos
direcionadores são ajustadas em uma base verdadeiramente variável. Dependendo
do horizonte de planejamento, quase todos os custos são variáveis para decisões de
longo prazo. Com as metodologias baseadas em atividades, expressões do tipo
custos fixos versus custos variáveis são transformadas em uma maneira diferente de
se pensar sobre o custo de consumir os recursos, visto que elas revelam o
comportamento variável dos custos (COKINS, s.d.).
6.3.3 Benefícios e Limitações
Em Hansen et al. (2003), constam os benefícios advindos da utilização do ABB,
segundo a ala americana do CAM – I:
a) evita cálculos desnecessários do impacto financeiro de planos operacionalmente
inexeqüíveis, já que se preocupa antes em balancear as necessidades
operacionais. Mais importante ainda é o foco do ABB na geração de um
orçamento explicitamente baseado em atividades e recursos. Como incorpora
direcionadores de custo relacionados à complexidade (lotes, pedidos de compra,
expedições, por ex.) e outros tipos não encontrados no sistema tradicional, ele
destaca as fontes de desequilíbrios, ineficiências e gargalos. Estas percepções
permitem melhor custeio de produtos, processos ou atividades e tomadas de
decisão mais sensatas. Permitem, ainda, melhor alocação de recursos para
apoiar as prioridades da organização;
b) provê um conjunto mais amplo de ferramentas para ajuste da capacidade. A
análise explícita da capacidade dos recursos e a maior visibilidade no consumo
63
desses recursos permitem à organização identificar problemas ligados à
capacidade instalada e fazer os ajustes necessários no processo orçamentário,
mais cedo do que seria feito no processo tradicional, que não acompanha os
padrões de consumo de recursos;
c) os gerentes de linha e demais funcionários podem mais facilmente compreender
e comunicar as informações contidas no orçamento em formato operacional do
que em formato financeiro. Por fornecer a explicação de como os recursos e as
atividades se relacionam, os orçamentos baseados em atividades auxiliam os
gestores a melhor compreender como desempenhar suas tarefas. Um modelo
aperfeiçoado do fluxo de recursos e atividades pode também conduzir a um
aperfeiçoamento na avaliação de desempenho, por especificar com mais
detalhes quem é o responsável por determinadas atividades que transcendem as
fronteiras departamentais. Ademais, um conjunto mais amplo de opções para
ajustar os resultados amplia a capacidade de os gestores responderem às
contingências e também melhora a mensuração e a avaliação do desempenho e
tomada de decisão; e
d) reforça, na organização, a visão de processo (horizontal), que transcende as
fronteiras departamentais, em contraste com a visão vertical tradicional.
Brimson e Antos (1999) acrescentam alguns benefícios do emprego do ABB:
a) delega responsabilidade aos funcionários para conduzir as atividades, a fim de
atingir suas metas de desempenho;
b) apresenta uma visão mais realista do volume das atividades a serem
desempenhadas, incluindo os impactos nas alterações no nível dessas atividade;
c) gera idéias sobre origens de variações no processo produtivo, provenientes de
exigências de clientes ou condições especiais de produtos ou serviços; e
64
d) provê as ferramentas para compreender como produtos ou serviços criam
demanda por atividades específicas que, por sua vez, conduzem à identificação
dos recursos necessários.
Lunkes (2000) destaca, ainda, como vantagens no emprego do ABB, que ele
realça os gastos em atividades que não agregam valor ao negócio, permitindo uma
análise, menos intuitiva, da possibilidade de sua eliminação, terceirização ou
redução de seus custos; e cria mecanismos para uma destinação mais eficaz dos
recursos, permitindo identificar a forma como estes gastos contribuem para o melhor
aproveitamento das oportunidades de negócio.
Para Vanzante (2002), o ABB significa mais do que simplesmente executar o
processo inverso do ABC, que não leva em consideração a capacidade instalada
quando são extrapoladas as taxas de custos para períodos futuros. No processo
orçamentário baseado em atividades, deve-se incluir considerações sobre volume da
demanda futura, mix de produção e ajustes à capacidade de cada recurso.
Cooper e Slagmulder (2000) compartilham da mesma opinião de Vanzante.
Eles alegam que um enfoque simplesmente reverso do ABC não funciona
adequadamente para o ABB, pois produz estimativas imprecisas da demanda por
recursos. Há, pelo menos, quatro razões para isso: padrões de gasto e de consumo;
objetos de custo secundários; recursos fungíveis; e indisponibilidade de amplo
conhecimento.
a) Padrões de gasto e de consumo - Quando um sistema ABC é revertido, as
previsões para o consumo de recursos assumem que a aquisição e o consumo
serão idênticos. Isto funciona bem para os casos de aquisição de recursos
conforme a necessidade. Mas os recursos nem sempre são adquiridos na
mesma proporção em que são consumidos. Nestes casos, a reversão do modelo
65
de consumo não garantirá uma previsão adequada da quantidade gasta.
Somente quando os recursos consumidos se eqüivalerem à quantidade
adquirida, a estimativa do ABB será precisa;
b) Objetos de custo secundários - a maioria dos sistemas ABC registra o custo de
apenas três objetos de custo: produtos ou serviços, clientes e canais de
distribuição. Os custos de atividades secundárias, como aquelas desenvolvidas
nos departamentos financeiros, de recursos humanos e de sistemas de
informações são atribuídos a um grupo de custos indiretos da atividade principal
que essas atividades apóiam. Este processo de atribuição de custos a um grupo
de custos indiretos pode ser feito sem perdas significativas na acurácia da
mensuração. Mas, para os propósitos do ABB, esta estrutura apresenta desafios
fundamentais, pois a suposição de que o volume das atividades principais e
secundárias se alteram em razão direta quase nunca é válida; por conseguinte,
uma modelagem mais sofisticada torna-se necessária;
c) Recursos fungíveis – são aqueles consumidos por mais de uma atividade.
Quando há a reversão do sistema ABC para atingir os propósitos do ABB, surge
a necessidade de se estimar recursos. Os autores apresentam um exemplo em
que fica demonstrada a incapacidade de o sistema ABC lidar com a natureza
fungível das atividades de supervisão e ajuste de máquinas (setup). O sistema
ABB tem que ser projetado para acomodar as peculiaridades das atividades e
dos recursos; e
d) Indisponibilidade de amplo conhecimento – uma das maiores diferenças entre o
orçamento tradicional e o ABB é a quantidade de informações necessárias para
desenvolver os orçamentos. O ABB requer muito mais informações por dois
motivos: I - a informação sobre o relacionamento entre a aquisição e o consumo
66
dos recursos é maior porque o sistema ABB é mais detalhado e, em particular,
precisa de informações sobre como os recursos são consumidos; e II - existe
uma necessidade de compreender a relação entre a produção das atividades
secundárias e o correspondente consumo de recursos. A demanda crescente por
mais informação detalhada desafia a praticabilidade de qualquer enfoque
orçamentário.
Hansen et al. (2003) complementam que a aludida falta de amplas informações
sobre atividades, processos e recursos gera um custo para a criação e manutenção
de um sistema que as proveja.
Leahy (2002b) acredita que, quanto mais variações forem observadas nas
atividades desempenhadas em uma empresa, menos precisas serão as previsões
do custo das atividades futuras. O ABB tende a se adequar melhor em empresas
com culturas organizacionais abertas para uma visão de processo e em ambientes
nos quais um grande número de pessoas desempenham atividades padronizadas,
como, por exemplo, serviços de central de atendimento, serviços bancários,
financeiros e de contabilidade.
6.4 A PROPOSTA
O orçamento gerencial a ser proposto para os órgãos da administração pública
combina as características de um orçamento baseado em atividades com as de um
orçamento contínuo, com suporte de um custeio baseado em atividades. As
seguintes considerações permitiram esta conclusão:
a) a importância cada vez maior, no Brasil e em outras nações, que vem
sendo destinada aos orçamentos públicos orientados por resultados. Com
eles, os governos poderão utilizar, com mais eficácia e eficiência, os
67
recursos colocados a sua disposição, prestando serviços de qualidade
superior aos contribuintes;
b) a análise das disfunções do processo orçamentário (concentram-se na
redução de custos e, não, na criação de valor; fazem as pessoas sentiremse subvalorizadas; não são desenvolvidos nem atualizados com freqüência,
geralmente uma vez por ano; não se preocupam com a gestão das
atividades e dos processos; raramente são focados na estratégia e quase
sempre contradizem-na; escondem desperdícios e ineficiências e não
focam a capacidade ociosa, entre muitas outras) mostra que elas se
aplicam, pelo menos na sua maior parte, ao planejamento do setor público.
Pode-se afirmar que sejam exceção, por não fazerem parte do ambiente
governamental, o jogo com os números do orçamento, para se atingir as
metas e receber bonificação, e a busca incessante pelo lucro.
c) Lunkes (2003b) admite que as abordagens orçamentárias não são
excludentes, ou seja, elas podem ser combinadas. Ele explica que,
respeitadas as características de cada organização, pode-se adotar
procedimentos e metodologias de cada método, buscando a sinergia entre
eles, com vistas a prover efetividade no controle gerencial;
d) os orçamento contínuo e baseado em atividades eliminam ou, pelo menos,
minoram as disfunções do orçamento tradicional, principalmente aquelas
relacionadas à falta de flexibilidade, à conexão com a estratégia, à análise
das atividades e dos processos de negócios, à gestão da capacidade
ociosa e à política do gaste ou perca. Combinadas, essas duas
metodologias gerarão mais valor para os acionistas da empresa, a
sociedade; e
68
e) a necessidade de existir um sistema de custos que forneça suporte
adequado ao sistema orçamentário, principalmente quanto à correta
identificação do custo dos produtos, atividades e processos desenvolvidos
na organização.
É comum as previsões orçamentárias se limitarem até o fim do exercício,
normalmente o mês de dezembro. No orçamento contínuo, porém, o ponto extremo
dessas previsões é sempre o horizonte fixo de tempo (com freqüência, o décimosegundo mês), independentemente do mês de encerramento do ano fiscal. Assim,
no mês de maio do ano 19X0, em uma organização que utiliza o orçamento contínuo
com projeções mensais, elas estarão disponíveis até o mês de abril de 19X1. Com a
chegada de junho de 19X0, descarta-se maio deste ano e acrescentam-se as
previsões para maio de 19X1. Com isso, a organização terá sempre condições de
reagir melhor às intempéries que possam surgir e manter seus executivos com
atenção constante no planejamento.
Uma outra metodologia que pode ser empregada é a consideração do
horizonte fixo de 12 meses, com previsões segregadas por mês para o atual
trimestre, e, para os nove meses restantes, segregadas por trimestre. Ao término de
cada trimestre, suas previsões são descartadas e elaboram-se novas projeções
mensais para o próximo trimestre, acrescentando-se, no final da linha de tempo, o
trimestre que não estava incluído. Esta sistemática de incluir períodos superiores ao
ciclo operacional não contradiz a proposta de integração do orçamento gerencial
com o orçamento público pois, embora este limite-se ao ano fiscal, aquele seria
confeccionado apenas para uso interno da organização. A Ilustração 4 apresenta a
sistemática.
69
1
1T X0
2T X0
3T X0
4T X0
(Trimestres)
JAN FEV MAR
(Ano 20X0)
Previsão 1
1T X0
2T X0
3T X0
4T X0
1TX1
JAN FEV MAR ABR MAI JUN
(Trimestres)
(Anos 20X0/20X1)
Previsão 2
Ilustração 4 - Esquema de previsões no orçamento contínuo
Com um orçamento baseado em atividades, torna-se menos intuitivo para as
organizações identificar atividades e processos que efetivamente agregam valor,
permitindo que se concentrem esforços nestas atividades. Por outro lado, a
metodologia permite também que se visualize, com mais clareza, os processos e
atividades que podem ser considerados supérfluos ou destinados a terceirização.
Ademais, ao se preocupar com a gestão da capacidade instalada, o ABB permite
identificar ociosidade nos recursos fixos comprometidos.
O fluxo das informações no ABB, em que se busca alcançar um equilíbrio
operacional, poderia ser resumido pela Ilustração 5:
Estimação
da demanda
Capacidade
instalada
Revisão da
demanda
Melhora da
eficiência
Atividades para
suprir a demanda
Recursos
necessários
Aquisição de
mais capacidade
Ilustração 5 - Diagrama do equilíbrio operacional do ABB
70
Para se calcular os recursos capazes de atender à demanda, prevista com
base no estudo do mercado e nas necessidades dos clientes, deve-se definir quais
atividades são imprescindíveis para o negócio. Depois, confronta-se a necessidade
de recursos com a capacidade disponível, de onde surgem três possibilidades: rever
o planejamento da demanda, melhorar a eficiência do consumo dos recursos pelas
atividades ou obter mais capacidade, que pode ser a contratação de pessoal,
aluguel ou aquisição de fábricas, equipamentos, entre outras.
6.4.1 Implementação
Welsch (1983) destaca a importância do órgão de Controladoria e do Comitê
Executivo, na elaboração do plano de resultados. A Controladoria, órgão de
assessoria, é responsável pelo projeto e funcionamento do sistema, por orientar os
demais gerentes na preparação das previsões e por produzir e divulgar os relatórios
de desempenho. O controlador deve ter uma conduta de isenção em todo o
processo, que assegure o respeito das demais divisões da organização. Ele deve
ser preferencialmente subordinado ao diretor financeiro, estando no mesmo nível
hierárquico do responsável pelas finanças (tesoureiro). Deve-se destacar, no
entanto, que a função aqui comentada é a de controlador de órgão público; não a do
Controlador-Geral, que, normalmente, possui status de ministro ou secretário, sendo
subordinado diretamente ao chefe do executivo.
Weslch (1983) reitera que não cabe à Controladoria a consolidação dos planos
dos diversos setores; esta tarefa é do Comitê Executivo. Outra responsabilidade do
Comitê é dirimir os conflitos de interesses que possam surgir entre os diversos
setores da organização, relacionados às peças orçamentárias.
Ele cita como desejável a elaboração de um manual de orçamento, que
definiria políticas, diretrizes, procedimentos, responsabilidades, requisitos do sistema
71
e proporcionaria melhor comunicação entre os agentes do processo e mais
estabilidade ao funcionamento do sistema.
Para implementar um planejamento baseado em atividades, Marcino (2000)
lista uma série de procedimentos a serem adotados. A seleção da equipe do projeto
é um elemento crítico no processo. Essa equipe deve ser composta por indivíduos
que sejam verdadeiros agentes de mudança, capazes de compreender o que deve
ser realizado para que a missão tenha êxito em sua plenitude. Ele acredita que o
planejamento possa ser facilitado com a realização de workshops de um dia, em que
membros de cada unidade orçamentária (ou centro de responsabilidade) detalhem
como seu trabalho está estruturado, que atividades são desenvolvidas, quanto
tempo é dedicado a elas e quais processos elas apóiam, sempre com orientação da
equipe de implementação. Com isso, reproduz-se o estado atual dos negócios e
pode-se elaborar perfis de gastos. Para grandes organizações, esses workshops
poderiam durar até uma semana.
Marcino (2000) enfatiza a necessidade de, a todo momento, manter-se o foco
nos processos. Como eles atravessam toda a organização, nenhuma unidade
funcional pode se considerar sua “proprietária”. Será necessário identificar a
quantidade de processos (cerca de uma dúzia) que abrange todo o negócio. Para
não desviar-se do principal, faz-se mister, por ocasião da seleção da equipe que vai
implementar o planejamento, constituí-la com elementos das principais funções
organizacionais, como operações, finanças e logística.
Marcino (2000) ressalta a importância de esse esforço ser produtivo. Ele
entende que não devem existir mais do que 25 ou 30 atividades desempenhadas em
cada unidade orçamentária. Essas atividades seriam uma representação honesta
dos esforços coletivos efetuados no setor. Os funcionários não devem ser deixados
72
a sós na tentativa de identificar as atividades de sua unidade; o processo deve ser
facilitado. Para isso, uma ferramenta essencial é um glossário de atividades; uma
compilação, em termos genéricos, de todas as atividades que existem no ambiente
organizacional. Ele exemplifica a definição de uma atividade: alguns participantes
do workshop descrevem um atividade desempenhada em seu setor como orientando
subordinados; participantes de outros setores da organização, que desempenham a
mesma atividade, poderiam denominá-la de monitorando o progresso dos
funcionários. Entra em ação, então, a equipe de implementação, que analisa as
informações disponíveis e estabelece a definição padrão de supervisionando a
equipe de apoio. Agindo deste modo, a equipe se capacita para comparar tarefas
similares e seus correspondentes processos, em toda a organização.
Por fim, o autor defende que as atividades sejam definidas de forma bastante
clara; aceitando definições vagas, torna-se quase impossível pôr valor nas
atividades e encontrar formas de aperfeiçoá-las.
6.4.2 Dificuldades
Qualquer mudança na forma de se conduzir um empreendimento, seja nas
empresas, seja nos governos, refira-se ou não a orçamentos, gera resistências por
parte das pessoas. Isto faz parte da natureza humana. Entretanto, Welsch (1983)
nos mostra a importância dos gestores na condução das transições:
As resistências iniciais somente poderão ser superadas por meio de uma educação
orçamentária ativa e continuada. Estas atitudes tendem a se prender, entre outros fatores,
à falta de confiança na liderança.
Marcino (2000) alerta que a implementação de uma nova ferramenta de gestão
possui seus riscos; alterações mal conduzidas em procedimentos arraigados há
anos nos processos de negócio da organização, durante e após o programa, podem
tornar inútil todo o esforço despendido. Além da formação da melhor equipe
73
disponível, atenção cuidadosa deve ser dispensada ao engajamento da diretoria no
programa de mudança; à remoção ou adição de tarefas, de acordo com o modelo de
valor estabelecido; e à comunicação efetiva ao longo do processo.
Para Leahy (2002b), encontrar a melhor maneira de se aplicar o ABB requer
treinamento contínuo. Normalmente, quando uma nova prática de negócios surge,
as empresas que estão adotando a nova ferramenta tem acesso ao benchmark das
organizações líderes. Este, entretanto, não parece ser o caso do ABB. Pouquíssimas
corporações possuem experiência com o ABB, e aquelas que já a possuem não a
divulgam muito, talvez porque não tenham experiência suficiente para extrair
conclusões significativas da metodologia. Ele cita organizações que adotaram o ABB
nos Estados Unidos: Conco Foods, Caterpillar, Levi Strauss, U.S. Small Business
Administration e U.S. Navy’s Atlantic Feet. As duas últimas são órgãos do governo
americano.
Leahy (2002b) explica, ainda, que existe uma certa dificuldade da iniciativa
privada para pôr o ABB em prática; enquanto isso, no setor público americano,
parece haver progressos. Por quê ? Uma explicação é que as empresas privadas
tem que prestar contas a seus acionistas, o que pode refrear a disposição dos
executivos para se envolver em iniciativas de longo prazo, que poderiam
comprometer os rendimentos de curto prazo. A administração pública, por sua vez, é
impelida por um mandato, não por lucros, de forma que os órgãos governamentais
conseguem mais margem de manobra para desenvolver uma metodologia como o
ABB, sem serem pressionados para apresentar resultados imediatos. Outra
explicação, segundo o autor, é que o Government Performance and Results Act
exige dos órgãos governamentais americanos formas mais apropriadas para
gerenciar custos e orçamentos.
74
Outra dificuldade observada por Leahy (2002b), na implementação do ABB,
refere-se ao auxílio da tecnologia da informação (TI). O ABC/ABM permaneceu um
conceito restrito às salas de aula até o desenvolvimento de softwares para auxiliar
sua implementação. O mesmo provavelmente valerá para o ABB. Uma vez que os
capacitadores tecnológicos estejam plenamente consolidados, a adoção da
ferramenta será difundida.
Este modelo de orçamento, ora proposto, é primordialmente destinado às
unidades gestoras que são responsáveis por suas receitas e despesas e, portanto,
segundo a literatura, são denominadas centros de lucro. Contudo, como na
administração pública o lucro não é uma meta, seria mais adequado chamá-las de
centros de superávit, indicando que há a exigência de as despesas não serem
maiores do que as receitas ou, em outras palavras, que as organizações não podem
gerar déficit. Poderiam ser citados, como exemplos de centros de superávit, os
museus públicos, que cobram ingresso para acesso a suas dependências e também
alugam-nas para eventos; o setor da Polícia Federal que emite passaporte e
arrecada uma taxa do requerente; os departamentos estaduais de trânsito, que
arrecadam recursos para realizar vistorias anuais nos veículos; as organizações
militares prestadoras de serviços da Marinha (bases navais, centros de tecnologia,
hospitais etc.), que cobram de seus clientes, internos ou externos, pelos serviços
prestados; e o INMETRO, que aufere receitas próprias pela emissão de certificados
de conformidade para produtos, serviços e processos e de aprovação de
instrumentos de medição.
7 CONCLUSÕES
Como não há registro de celebração de novos contratos de gestão, tudo leva a
crer que a reforma do Estado brasileiro enfrenta um dilema entre se caracterizar
75
como administração pública gerencial ou como gestão social. Enquanto isso, a
gestão eficiente dos recursos públicos vai depender de iniciativas isoladas.
Todas as reformas gerenciais empreendidas, no Brasil e no exterior, tiveram
como um de seus focos, se não o principal, o processo orçamentário. Na verdade,
não há mais espaço para a gestão dos recursos públicos de forma burocratizada; há
que se voltar o foco das ações governamentais para o planejamento e para os
resultados. Os administradores públicos necessitam de autonomia em suas
decisões; constante qualificação; e incentivos para pensar estrategicamente, no
longo prazo. Ademais, a administração tem que criar mecanismos para mudar a
cultura burocrática, que é um dos grandes empecilhos para a mudança.
Parece ser consenso, tanto na literatura quanto na prática empresarial, que o
processo tradicional de planejamento anual, estático e inflexível, não mais atende às
demandas atuais das organizações, inseridas que estão em um contexto
globalizado, turbulento e deveras dinâmico. Embora estejam previstas uma série de
ações e concepções para minorar o efeito das disfunções, elas não obtiveram êxito,
haja visto a quantidade de críticas concentradas em trabalhos acadêmicos e em
revistas especializadas.
Independentemente da abordagem orçamentária a ser utilizada, os gestores
não devem olvidar-se das armadilhas do processo; entretanto, a conjugação do
orçamento baseado em atividades com o orçamento contínuo é capaz de produzir
uma série de vantagens sobre o modelo tradicional. Embora não elimine totalmente
a disfunção relacionada ao consumo de tempo e de recursos na elaboração do
orçamento, a pesquisa empreendida nos permite firmar a convicção de que a
combinação das duas metodologias habilita o orçamento gerencial a ser um
instrumento com potencial para transformar as organizações, vinculando sua
76
estratégia às operações, criando um clima propício para as mudanças, tornando a
gestão mais flexível e, em última instância, gerando valor para a sociedade. Quanto
ao impacto financeiro de um planejamento atualizado continuamente, uma forma de
minorá-lo é fazer com que as previsões sejam realizadas de forma agregada,
atendo-se especificamente às variáveis estratégicas, de alto nível.
No que concerne ao acompanhamento do orçamento, pela administração,
poder-se-ia trabalhar com um plano de resultados para os 12 meses seguintes,
detalhado mensalmente nos primeiros três meses e, a partir daí, com detalhamento
trimestral. Ao final de cada trimestre, acrescentar-se-ia outro período de igual
duração.
Embora seja o próximo passo lógico para quem já usa o ABC, não há
necessidade de, na implementação do ABB, a organização já adotar aquele sistema
de custeio. Ambos podem ser introduzidos simultaneamente. Há que se ressaltar,
todavia, a natural resistência a mudanças nas organizações públicas burocráticas,
por ocasião da introdução de novas ferramentas gerenciais, e o tempo de maturação
do projeto, que não será curto. Por isso, é importante que o incentivo venha de cima,
dos administradores mais graduados. É provável, ainda, que, para o ABB ter seu
emprego mais disseminado nas organizações, ele seja submetido à mesma
dependência de soluções de TI, havida com o ABC.
Por óbvio, essa proposta não pode ser considerada uma panacéia, pois a
forma de conduzir as organizações na era do conhecimento exige constantes
atualizações nas práticas de gestão, e reciclagens de conceitos. Ademais, seus
fundamentos carecem de mais aplicação nas organizações, para atestar sua
funcionalidade, pois a metodologia do ABB ainda se encontra muito apegada à área
acadêmica. Não obstante, essa abordagem está apenas no início de sua potencial
77
difusão e esta é uma época oportuna para se iniciar a documentação de seu
comportamento.
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Uma Proposta para Utilização do Orçamento