Dénis Conceição Maio 2001 CAPACIDADES MOTORAS Introdução As Capacidades Motoras têm vindo a ser objecto de inúmeros estudos ao longo dos tempos. Neste trabalho, iremos proceder a uma abordagem geral ao tema. Ao iniciar o nosso estudo, impera-se-nos apresentar a evolução do conceito (1.1), enquanto que, numa fase posterior, dirigimos a nossa atenção para a sua classificação (1.2). Por último, abordaremos o tema da treinabilidade e da teoria das fases sensíveis (1.3). 1.1. Delimitação histórico-conceptual de Capacidades Motoras Inicialmente, BRACE (1926), MCCLOY (1934), JOHNSON (1932) e METHENY (1938), cit. CARVALHO (1994), influenciados pelas investigações acerca do tema da inteligência, nomeadamente pelos estudos efectuados por SPEARMAN, tentaram identificar os factores responsáveis pelo rendimento desportivo. Os autores supracitados acreditavam que, à semelhança do que acontecia com a inteligência, era possível isolar um factor geral ou factor “g”, que seria como que uma capacidade motora fundamental e geral, e que podia influenciar o rendimento desportivo em todas as actividades motoras. Depois de terem colocado em prática várias baterias de testes e de observar os resultados, concluíram que estes não se correlacionavam de uma forma significativa. Deste modo, em vez de uma capacidade geral, admitia-se então a existência de algumas capacidades específicas. Segundo CARVALHO (1994), BRACE (1946) terá sido o primeiro autor a fazer a distinção entre dois tipos de capacidades: a que dizia respeito à força, velocidade, potência e destreza (com a qual se manipulavam os objectos exteriores ao corpo), e a relativa ao controlo do corpo na ausência do objecto exterior. Do ponto de vista teórico, esta distinção tem uma grande importância, uma vez que é a partir deste estudo que se passa a considerar que um indivíduo pode obter mais sucesso numa actividade física do que noutra, dependendo do nível de desenvolvimento de determinadas capacidades, comparativamente a outras. A investigação neste âmbito, prosseguiu com os estudos efectuados por MCCRAW (1949), FAIRCLOUGH (1952), HENRY & NELSON (1956), Página 1 de 8 Dénis Conceição Maio 2001 AMMONS (1958), BACHMAN (1961), FAMOSE (1988), cit. CARVALHO (1994), até que se chegou a um consenso, relativamente ao facto de que “a motricidade não é nem totalmente específica, nem organizada a partir de uma capacidade geral, mas baseada em dimensões separadas, independentes e em número restrito: as capacidades motoras” (pp. 8). Segundo CARVALHO (1987), a expressão capacidades motoras foi utilizada pela primeira vez por GRUNDLACH, na ex-República Democrática Alemã, em 1972. Desta feita, a expressão qualidades físicas é substituída, em detrimento da primeira. Do ponto de vista terminológico, CARVALHO (1987) afirma que capacidade motora é a expressão mais correcta e precisa. Isto porque, do seu ponto de vista, o termo «qualidade» indica já um valor elevado em qualquer âmbito do rendimento, para além de considerar que este deva ser usado apenas no domínio psíquico. O termo «físico», segundo o mesmo autor, peca por ser bastante genérico, uma vez que pode não se relacionar directamente com o movimento. GROSSER (1981), cit. CARVALHO (1987), define capacidades motoras desportivas como sendo “pressupostos do rendimento para a aprendizagem e realização das acções motoras desportivas” (pp. 25). Estas, possuem uma carga genética e desenvolvem-se através do treino. Não se trata de qualidades do movimento, mas sim “pressupostos para que ele exista” (Ibid.). MAGILL (1984), cit. CARVALHO (1994), baseando-se nos estudos efectuados por FLEISHMAN, define capacidade motora como sendo “um traço geral ou qualidade de um indivíduo relacionada com o desempenho de uma variedade de habilidades motoras, sendo uma componente da estrutura dessas habilidades” (pp. 1). Na mesma linha de pensamento, o mesmo autor afirma que “as capacidades motoras constituem a base para todas as habilidades motoras” (Ibid.). Para RAPOSO (1999), as capacidades motoras “são as condições prévias a partir das quais o Homem e o atleta desenvolvem a sua habilidade técnica” (pp. 84). CARVALHO (1994), na sua dissertação apresentada com vista à obtenção do grau de mestrado, acentua a ideia de que, apesar dos investigadores desta área tentarem identificar as diversas capacidades motoras, não se pode partir Página 2 de 8 Dénis Conceição Maio 2001 do princípio que estas se encontram separadas entre si. Ao contrário, assistese a uma coordenação e ligação de umas com as outras. O mesmo autor reclama que existem actividades onde é fácil identificar a capacidade que predomina. Por outro lado, outras há em que não se consegue apontar a capacidade motora que emerge de entre as outras, fruto de uma complexidade inerente à participação de várias no movimento. 1.2. Classificação das capacidades motoras Segundo CARVALHO (1994), GRUNDLACH (1968) foi o primeiro autor a classificar as capacidades motoras em dois âmbitos: as condicionais e as coordenativas. Actualmente, é esta a classificação aceite pela comunidade científica em toda a Europa. O mesmo autor refere que as capacidades condicionais são essencialmente determinadas pelos processos energéticos plásticos e metabólicos. Por isso, são condicionadas pela energia disponível nos músculos e pelos mecanismos que lhe regulam a distribuição (enzimas, velocidade e força de contracção devida à qualidade das unidades motoras). Já as capacidades coordenativas (expressão que substitui o termo destreza usado em várias escolas europeias), são essencialmente determinadas pelos processos de organização, controlo e regulação do movimento. Estas são condicionadas pela capacidade de elaboração das informações por parte dos analisadores implicados na formação e realização do movimento (táctil, cinestésico, vestibular, óptico e acústico). Para RAPOSO (1999), as primeiras são essencialmente determinadas pelos processos que permitem a transformação da energia química em energia mecânica, através dos processos metabólicos localizados ao nível da estrutura muscular e dos diversos órgãos. As capacidades coordenativas são, na sua essência, determinadas pelas componentes nervosas, fundamentalmente ao nível dos processos de condução dos estímulos no sistema nervoso central. Para a generalidade dos autores, com destaque para MEINEL (1971), cit. RAPOSO (1999), a divisão entre capacidades condicionais e coordenativas tem um fundamento meramente didáctico, porquanto, no gesto desportivo, o que se passa é um predomínio de umas sobre as outras, quando referenciadas a um objectivo do trabalho realizado. Página 3 de 8 Dénis Conceição Maio 2001 CARVALHO (1994), considera que as capacidades condicionais são fundamentalmente três: a resistência, a força e a velocidade. Segundo RAPOSO (1999), como capacidades condicionais, temos: a resistência, a força, a velocidade e a flexibilidade. Nesta divisão, de carácter didáctico, encontramos algumas dificuldades na medida em que, no treino da flexibilidade, surge uma forte componente do sistema nervoso central, o que acontece igualmente na metodologia de algumas expressões da velocidade, como é o caso da velocidade de reacção e da força, no que diz respeito à força explosiva. É na dificuldade da definição de algumas fronteiras que MANNO (1994), cit. RAPOSO (1999) enquadra estas capacidades num terceiro grupo, designando-o como o das «capacidades motoras intermédias» (Figura 1). Figura 1 – Organização didáctica das Capacidades Motoras1 No que concerne às capacidades coordenativas, CARVALHO (1994) cita alguns estudos, nos quais os autores consideram existir várias capacidades coordenativas: FLEISHMAN (1972), PÖHLMANN (1979), BLUME (1981), GROSSER (1981) e HIRTZ (1979). CARVALHO (1994), verificou existir uma certa discrepância entre estes, nomeadamente os pertencentes à mesma escola, como é o caso dos da ex-RDA. Todavia, a classificação proposta por HIRTZ (1979), cit. CARVALHO (1994), assume-se como a que mais se 1 In, MARQUES, António et al. - Seminário Internacional Treino de Jovens: Comunicações – Pp. 84. Página 4 de 8 Dénis Conceição Maio 2001 aproxima com a apresentada por RAPOSO (1999). O alemão considera fundamentais para a Educação Física Escolar cinco capacidades coordenativas: a capacidade de diferenciação cinestésica, capacidade de orientação espacial, capacidade de reacção, capacidade de equilíbrio e capacidade de ritmo. Por sua vez, segundo RAPOSO (1999), nas capacidades coordenativas, temos: a capacidade de orientação espaço-temporal, a capacidade de diferenciação cinética, a capacidade de equilíbrio estáticodinâmico, a capacidade de reacção motora, a capacidade de transformação do movimento e, por último, a capacidade de ritmização. 1.3. Treinabilidade e fases sensíveis das capacidades motoras Segundo CASTELO et al. (1998), a treinabilidade exprime o grau de adaptabilidade e de modificação positiva do estado informacional, funcional e afectivo do praticante, como resultado dos efeitos dos exercícios de treino. Trata-se de uma medida dinâmica, muito ligada, nas idades jovens, às chamadas “fases sensíveis” (MARTIN, 1982, cit. MATOS, 2000). Por outras palavras, existem períodos de desenvolvimento particularmente favoráveis no treino de determinados factores da performance motora, o que implica uma treinabilidade elevada desses factores. Para CARVALHO (1994), o desenvolvimento das capacidades motoras resulta da interacção entre factores endógenos, determinados essencialmente pelo crescimento e maturação, e factores exógenos, respeitantes aos estímulos provenientes do meio ambiente. Na sequência, o mesmo autor constata que esse desenvolvimento não se processa de forma contínua, mas sim por períodos. Segundo THIEB, SCHNABEL, BAUMANN (1978), cit. CARVALHO (1994), fases sensíveis “são determinados períodos do processo de desenvolvimento do ser humano nos quais este, submetido a determinados estímulos, reage adaptando-se com muito mais intensidade do que em qualquer outro período”. (pp. 32) WINTER (1980), cit. MARQUES (1995), define fases sensíveis como “períodos de tempo delimitados do desenvolvimento do ser humano nos quais este reage, adaptando-se, aos estímulos externos de forma mais intensiva do que noutros períodos”. (pp. 215) Página 5 de 8 Dénis Conceição Maio 2001 De uma forma semelhante, diz-se que há fases sensíveis, e se verifica uma correspondente treinabilidade, sempre que os factores endógenos associados a uma capacidade motora se encontram em súbito desenvolvimento e a performance motora que lhe está associada se verifica (STAROSTA e HIRTZ, 1989, cit. MARQUES, 1995.). Para CARVALHO (1994), as crianças que se encontrem no período correspondente ao ensino pré-escolar e ao 1.º Ciclo do Ensino Básico, devem ser submetidas a actividades específicas (essencialmente habilidades motoras de base) em qualidade e quantidade suficientes. Deste modo, passam a ser detentoras de uma formação coordenativa que vai funcionar como um pressuposto para o aproveitamento máximo de um período mais favorável para aprendizagem das técnicas desportivas de base que, segundo o mesmo autor, se situa entre os 9 e os 13 anos de idade. O desenvolvimento precoce das capacidades coordenativas influencia positivamente o grau de utilização dos potenciais funcionais energéticos em solicitações de resistência, de velocidade, de flexibilidade ou de força, permitindo uma maior economia, duração e eficácia na actividade. (MARQUES, 1995) O mesmo autor afirma que, do ponto de vista maturacional, as transformações morfológicas inerentes ao salto pubertário, surgem claramente associadas à melhoria das capacidades de força e de resistência anaeróbia. Aliás, são estas as duas capacidades que, segundo CARVALHO (1994), apresentam a sua fase sensível em idades mais avançadas (depois da entrada na puberdade, acentuando-se durante a adolescência). Relativamente à resistência aeróbia, CARVALHO (1994) indica que é possível desenvolver já nas crianças em idade pré-escolar. O mesmo se deve fazer em todos os períodos da infância e da adolescência. No entanto, é imperioso ter presente que, quer no plano pedagógico, quer no plano metodológico, são diferentes as possibilidades e objectivos a atingir em cada período. Em 1987, E. Tanguay apresenta um quadro com as prioridades de treino das diversas capacidades em função do nível etário, tendo a particularidade (relativamente ao quadro das Fases Sensíveis de Martin), de referir, em cada Página 6 de 8 Dénis Conceição Maio 2001 fase etária, a importância do desenvolvimento de cada capacidade, ou se deve mesmo ser evitado esse tipo de trabalho (Figura 2). Figura 2 – Prioridades de treino das capacidades motoras em raparigas e rapazes. (E. Tanguay) Federação de Voleibol do Québec, 19872 Por último, e porque a teoria das Fases Sensíveis não é algo aceite de forma unânime pela comunidade científica, passarei a apresentar alguns argumentos utilizados por BAUR (1987), cit. MARQUES (1995), nos quais o autor expressa as suas reservas: - Os intervalos de idade surgem em vários estudos de forma não coincidente, o que põe em causa o rigor desses mesmos estudos. - Relativamente à resistência, os estudos provam que a partir da idade pré-escolar e passando pela infância média, as crianças são treináveis, 2 In, “O treino das capacidades condicionais em jovens desportistas”. Revista Treino Desportivo, Especial 2, Novembro 99. Edição C.E.F.D., Pp.34. Página 7 de 8 Dénis Conceição Maio 2001 quando comparadas com outras da mesma idade que não treinam sistematicamente. Dos estudos não se conclui que existe um período de maior treinabilidade. - Os dados referentes a outras capacidades motoras são igualmente discutíveis, com excepção da resistência anaeróbia e da força. 1.4. Bibliografia - BARATA, António - “O treino das capacidades condicionais em jovens desportistas”. Revista Treino Desportivo, Especial 2, Novembro 99, Pp.34, Edição C.E.F.D., Lisboa 1999. - CARVALHO, Afonso – Desenvolvimento, Capacidades Motoras e Rendimento Motor; Tese de Mestrado não publicada; Pp. 1 – 46. - MARQUES, António et al. - Seminário Internacional Treino de Jovens: Comunicações – Pp. 84, Edição C.E.F.D., Lisboa 1999. - MATOS, Rui – Meios auxiliares de ensino (acetatos) e apontamentos da disciplina de Planeamento, Avaliação e Organização em Educação Física, Escola Superior de Educação de Leiria, 2000. Página 8 de 8