A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Escola Superior de Educação de PaulaFrassinetti Pós-Graduação em Educação Especial A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte uma estratégia plástica de intervenção Marcela Sá Rios Pinho Porto, Julho de 2006 1 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte A todas as crianças para quem a arte é lugar privilegiado de talentos, emoções e afectos. À Professora Doutora Helena Serra, pela sabedoria e rigor, pela imensa disponibilidade e pelo permanente incentivo. Aos docentes e colegas deste curso, pela partilha de vivências e saberes. Aos meus amigos, aos meus pais e aos meus avós, à minha irmã e ao Miguel, pela compreensão, pelo apoio e pelo carinho. 2 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte “ Os sistemas educativos formais são muitas vezes, acusados e com razão, de limitar o desenvolvimento pessoal, impondo a todas as crianças o mesmo modelo cultural e intelectual sem ter em conta a diversidade dos talentos individuais. Tendem, cada vez mais, por exemplo, a privilegiar o desenvolvimento do conhecimento abstracto, em detrimento doutras qualidades humanas como a imaginação, a aptidão para comunicar, o gosto pela animação do trabalho em equipa, o sentido do belo, a dimensão espiritual e a destreza manual.” (Jacques Delors, Relatório da UNESCO “Educação para o Século XXI”, cit. in Ministério da Educação, 1998:4) 3 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte ÍNDICE Introdução 06 I PARTE ENQUADRAMENTO TEÓRICO CAP. 1 - Conceito de Sobredotação 09 1. Aproximação conceptual 09 2. Sobredotação e Inteligência 12 2.1. Conceito de Inteligência 12 2.2. Modelos de Inteligência 15 2.2.1. Abordagem Clássica 16 2.2.2. Teoria das Inteligências Múltiplas 17 CAP. 2 - Características do Sobredotado 22 1. Aproximação às idiossincrasias 22 2. Aproximação às dissincronias 27 3. Desenvolvimento sócio-emocional 30 CAP. 3 - Arte e Sobredotação 35 1. O lugar da arte no desenvolvimento infantil 35 2. O papel da expressão plástica no desenvolvimento infantil 39 3. A criança sobredotada no domínio das artes plásticas 42 4. Estratégias de intervenção 46 4 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte II PARTE INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA CAP. 1 - Aspectos Metodológicos 51 1. Problemática e questões de investigação 51 2. Objecto de estudo e objectivos do estudo 52 3. Formulação de hipóteses 53 4. Delimitação de conceitos 53 5. Metodologia adoptada 55 6. Definição da amostra e população alvo 55 CAP. 2 - Condições de Realização 1. Estratégias a implementar 57 2. Procedimentos, instrumentos de pesquisa e recolha de dados 61 3. Previsão dos resultados 62 Considerações Finais 63 Bibliografia Anexos 5 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte INTRODUÇÃO O nosso projecto final da Pós-Graduação em Educação Especial incide sobre a sobredotação como temática-alvo em análise, cujos contornos mais específicos remetem para o contributo da expressão plástica, nomeadamente, do desenho e da pintura , no mundo afectivo-relacional da criança sobredotada. A orientação temática do projecto a realizar foi sensível ao interesse pessoal depositado em várias áreas aparentemente díspares, mas que se conjugam numa finalidade única. Assim, o interesse da educação especial, no que concerne à área cognitiva, mais especificamente à problemática da sobredotação, constitui a oportunidade de conciliarmos domínios de interesse, investigação, formação e prática: a filosofia, a psicologia e a pintura. Por outro lado, para esta escolha terá contribuído a constatação de que a sobredotação é, talvez, uma das problemáticas mais esquecidas no cômputo geral das Necessidades Educativas Especiais. Como nos diz Falcão (1992:15), as crianças sobredotadas, Apesar de constituírem ou poderem vir a constituir um dos nossos maiores recursos naturais, ‘andam por aí…’, mais prejudicadas do que beneficiadas pelos dotes que têm. Muitas vezes acabam mesmo por ser vítimas do seu real potencial criativo, do seu imenso poder crítico, da sua expressiva capacidade de liderança, da sua delicada sensibilidade às injustiças, da sua coragem, mesmo, para remar contra a maré! Na verdade, com demasiada frequência, assistimos, na realidade escolar e, mesmo na sociedade em geral, a um esquecimento daqueles que se destacam sob o ponto de vista de qualquer talento específico. Parece tratar-se, pois, de uma estratégia incontornável, diante de um sentimento de impotência de pais e educadores que, não obstante a ânsia de ajudar, não sabem como o fazer ou a quem solicitar ajuda. Todavia, tal como defende Winner (1996:11), Nenhuma sociedade se pode dar ao luxo de ignorar os seus membros mais dotados, e todos devem pensar seriamente em como encorajar e educar esse talento. 6 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte É neste sentido que as investigações propostas tentarão clarificar as idiossincrasias dos mais dotados, devolvendo-lhes o lugar de atenção devida no âmago das várias Necessidades Educativas Especiais. Assim, por constituir um tema tão polémico quanto fascinante, a sobredotação será alvo deste estudo, tendo em vista melhorar o nosso nível de intervenção junto de um grupo de crianças que percebemos existir, esporadicamente, nas nossas salas de aula e às quais não é dada uma resposta educativa satisfatória, como seria desejável (Vilas Boas e Peixoto, 2003:15). No que concerne aos aspectos legais, o Despacho Normativo nº 50/20051 de 9 de Novembro, emanado recentemente do Ministério da Educação, vem dar sentido à criação de estratégias de enriquecimento no Ensino Básico, para posteriores conclusões e incentivos a projectos a realizar na escola. O ponto um do artº 5 vem, finalmente, consignar a necessidade de implementação de planos de desenvolvimento aplicáveis a alunos com capacidades excepcionais de aprendizagem, entendendo por plano de desenvolvimento o conjunto das actividades concebidas no âmbito curricular e de enriquecimento curricular, desenvolvidas na escola ou sob sua orientação, que possibilitem aos alunos uma intervenção educativa bem sucedida, quer na criação de condições para a expressão e desenvolvimento de capacidades excepcionais quer na resolução de eventuais situações problema. A nossa pesquisa pretende ainda desviar o foco da problemática cognitiva da sobredotação para o domínio emocional, afectivo e relacional, tendencialmente camuflado, que parece indiciar alguns problemas e, consequentemente, exigir uma determinada postura por parte dos agentes educacionais destas crianças. Com este propósito, enfatizamos um dos vários mitos que Winner (1996:22) considera patentes na sociedade acerca da temática da sobredotação, designadamente a ideia errónea de que a criança sobredotada constitui um modelo de boa adaptação social e de saúde psicológica, contrariando, assim, as conclusões de Terman2. Ora, dado que vários estudos recentes chamam a atenção para os problemas emocionais experienciados pelos alunos sobredotados e talentosos, tais como sub- 1 Surge em desenvolvimento das principais orientações e disposições relativas à avaliação da aprendizagem no Ensino Básico que se encontram consagradas no Decreto-Lei nº6/2001, de 18 de Janeiro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 209/2002, de 17 de Outubro. 2 Psicólogo que iniciou, em 1920, na Universidade de Stanford, a investigação no campo dos sobredotados. Realizou um estudo longitudinal em mais de 1500 crianças de elevado QI e concluiu que estas constituem um modelo da saúde psicológica. 7 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte rendimento académico (Alencar & Virgolim, 1999; Rimm, 1991; cit. in Alencar e Fleith, 2001:106), suicídio (Cross, Cook & Dixon, 1996; Deslisle, 1986; Fleith, 1998; Hayes & Sloat, 1990; cit. in Ibidem) e isolamento social (Silverman, 1993b; cit. in Ibidem), entre outros, afigura-se-nos pertinente atentar, não apenas nas necessidades académicas e intelectuais, mas também nas necessidades sociais e emocionais dos mais talentosos. Eis, por ventura, aquilo que nos parece ser a chave para a prevenção ou minimização de muitos dos problemas que, em contexto escolar, surgem associados à sobredotação e urge aqui evocar: a inadiável tomada de consciência por parte de professores e família de que a criança talentosa necessita de um acompanhamento adequado, que exige, necessariamente uma aproximação àquilo que ela é, pensa e sente. E não será a expressão plástica, nas suas múltiplas facetas da cor, da forma, do movimento e da textura, um meio de acesso privilegiado ao mundo tão próprio da criança sobredotada? O nosso estudo está dividido em duas partes. Na primeira faremos um enquadramento teórico do tema em estudo, onde serão abordados alguns dos conceitos básicos inerentes à sobredotação, de acordo com a perspectiva de vários autores. Incidiremos sobre as características manifestadas pelas crianças e jovens sobredotados – idiossincrasias e dissincronias –, com especial destaque sobre os aspectos sócio-emocionais do seu EU. Para além disso, concedemos análise significativa ao papel da arte, em geral, e da expressão plástica, em particular, no desenvolvimento das crianças, remetendo, em última análise para as características do talento artístico evidenciado por algumas. Finalizamos a primeira parte com uma incursão nas possíveis estratégias de intervenção que utilizam a expressão plástica como ferramenta primordial. Na segunda parte – parte empírica – abordaremos os procedimentos metodológicos utilizados numa hipotética pesquisa, e consideraremos algumas expectativas face a possíveis resultados. 8 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte I PARTE ENQUADRAMENTO TEÓRICO CAP. 1 - Conceito de Sobredotação 1. Aproximação conceptual A temática da sobredotação não é alheia a alguma polémica instigada pela falta de unanimidade quanto à questão da delimitação semântica do próprio conceito. Em literatura específica, verificamos que a palavra ‘sobredotado’ remete 3 frequentemente para termos, como, ‘criança prodígio’, ‘idiot savant’ , ‘criança precoce’, ‘criança talentosa’, ‘criança bem dotada’, ‘criança excepcionalmente dotada’ e ‘génio’. Partilhando a concepção de Freeman e Guenther (2000:23-24), consideraremos o termo ‘sobredotado’ relativo a indivíduos que demonstram níveis de desempenho excepcionalmente altos, quer numa amplitude de realizações, quer numa área específica delimitada, e ainda aqueles cuja realização de testes não tenha granjeado o reconhecimento da excelência do seu potencial. Assim, adoptaremos com sentido análogo os termos ‘sobredotado’, ‘dotados’, ‘bem-dotados’, ‘talentosos’ e ‘mais capazes’. Salientamos que o conceito de ‘génio’ é o que mais se distancia do nosso enfoque, porquanto, constitui uma designação confinada à idade adulta e a sujeitos que, pelo seu legado original, são dignos de louvor e reconhecimento social. Por outro lado, o conceito revela-se redutor, pois, como considera Hollingworth (cit. in Lombardo, 1997:24), para se ser denominado ‘génio’ é necessário, pelo menos, um Q.I. de 180, o que se encontra num sujeito entre um milhão. A análise do conceito de ‘sobredotação’ implica a reflexão em torno de algumas ideias erróneas que, segundo Winner (1996:19-23), têm vindo a proliferar na sociedade, dificultando a apropriação do verdadeiro significado daquele termo e, nesta medida, comprometendo a própria intervenção junto dos mais talentosos. Para a 3 Idiota Sábio - criança que se caracteriza por possuir uma habilidade superior numa área específica, manifestando um atraso significativo nas outras áreas do desenvolvimento (normalmente o QI varia entre 40 e 70). 9 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte autora, há que empreender esforços, no sentido de destruir os seguintes mitos: primeiro – a criança sobredotada possui um potencial intelectual geral; segundo – não há distinção entre talentosos e sobredotados, dado considerar-se que as crianças sobredotadas na área atlética ou artística não manifestam diferenças relativamente às sobredotadas nas áreas académicas, relativamente à precocidade, à insistência em se desenvencilharem sozinhas e à enorme sede de conhecimento; terceiro – ser sobredotado exige um Q.I. global excepcional; quarto e quinto – dominância de factores, ou inatos, ou adquiridos, como aspectos etiológicos da sobredotação, em detrimento da interacção biologia-meio; sexto – as crianças sobredotadas resultam do desejo impulsivo de pais que ambicionam o sucesso dos filhos; sétimo – a criança sobredotada constitui um modelo de saúde psicológica e de boa adaptação social; oitavo – todas as crianças são sobredotadas; nono – uma criança sobredotada tornarse-á, no futuro, um adulto proeminente e criador. Em termos conclusivos, Winner (1996:23-24) enfatiza a necessidade de olhar a sobredotação para lá destes falsos conceitos imbuídos de conotação intelectual, emocional e política, o que abre para as seguintes conclusões: uma criança pode ser sobredotada numa área, mas mediana ou até possuir dificuldades de aprendizagem noutra; ter um Q.I. elevado é irrelevante, no que se refere à sobredotação para a arte ou para a música; o cérebro dos sobredotados é atípico; a família possui um papel mais importante que a escola no que concerne ao desenvolvimento dos dons; a sobredotação pode conduzir à depressão ou ao isolamento social; é possível prever mais fielmente o futuro de uma criança sobredotada, na fase adulta, mais pelas características de personalidade e não tanto pelo grau da sua sobredotação. A teoria de Renzulli (1978), pela consistência das suas propostas e ainda pelo consenso que tem gerado no seio da comunidade científica actual, afigura-se-nos de abordagem pertinente e de critério de orientação conceptual no decurso das nossas pesquisas. Para o autor americano (cit. in Lombardo, 1997:25), o conceito de sobredotação remete para a necessária articulação entre três dimensões – ‘três anéis’ – que se mantêm estáveis ao longo da vida do indivíduo: ‘aptidão’ acima da média, ‘criatividade’ e ‘motivação’ elevadas. Deste modo, as crianças com talento são aquelas que possuem, ou são capazes de desenvolver, um conjunto de traços e aplicá-los a qualquer área potencialmente valiosa de realização humana. Para lá da aptidão cognitiva elevada, factores como a criatividade e o envolvimento nas tarefas surgem, assim, associados ao comportamento do sobredotado. Por outro lado, a sua 10 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte perspectiva conceptual enfatiza o factor ‘criatividade’, porquanto defende que os comportamentos dos sobredotados não têm necessariamente de se desenvolver em pessoas com elevado Q.I.. Posteriormente, a equipa de Renzulli, mais concretamente, Mönks, em 1992 (Serra et al., 2004:51), veio completar este modelo dos três anéis, introduzindo o papel do meio ambiente – família, escola e grupo de pares – como factor desencadeador do desenvolvimento do potencial de sobredotação. Perspectiva o desenvolvimento da criança sobredotada no âmbito de um desenvolvimento psicológico que se patenteia no decurso do ciclo vital e dos processos de interacção subjacentes. Por este motivo, afirma no Documento 1248 emitido pelo Conselho Europeu (cit. in Mönks, 1996:16): A legislação deve reconhecer e respeitar as diferenças individuais. Crianças altamente sobredotadas, como com outras categorias, necessitam de oportunidades de educação adequadas para desenvolver por inteiro as suas potencialidades”. A sua proposta, por um lado, em vez de referir a ‘aptidão acima da média’, enfatiza as ‘grandes habilidades intelectuais’ e, por outro, realiza algumas alterações conceptuais na teoria de Renzulli: a motivação inclui compromisso de dever, a perseverança, a procura do risco e uma perspectiva orientada para o futuro (Benito & Alonso, 2004A:72). A natureza psicossocial do conceito de sobredotação está também presente na concepção apresentada por Tannenbaum (1986). Na esteira de Renzulli, este autor conceptualiza a preponderância da motivação, mas acrescenta a formação de um auto-conceito estável e outros factores inerentes a interesses académicos/artísticos e oportunidades promotoras da expressão das capacidades. Tannenbaum (Ibidem) propõe uma definição psicossocial de sobredotação que considera a excelência como produto de uma sobreposição de cinco factores: capacidade geral (factor ‘g’, mensurável por meio de testes); capacidade especial, atitudes e habilidades especiais; factores não intelectuais, como a força pessoal e a dedicação; factores ambientais que proporcionam estímulo e apoio; factores fortuitos, ou seja, circunstâncias imprevistas na estrutura de oportunidades e no estilo de vida habitual. 11 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Em suma, a nossa linha de análise da sobredotação pretende seguir, fundamentalmente, os contributos legados pelos vários autores referenciados, com especial destaque para a via teórica inaugurada por Renzulli e cujos percursores tenderam a potenciar. Trata-se, assim, de procurar relevar o que no comportamento do sobredotado é lugar manifesto de aptidão, criatividade e motivação, o que constitui ponto de partida imprescindível a uma análise mais cuidada das suas características expressivas – no mundo da arte e no mundo afectivo-relacional. 2. Sobredotação e Inteligência Atendendo às várias aproximações conceptuais referenciadas anteriormente, que, de um modo geral, fazem corresponder à sobredotação um desenvolvimento que se expressa, normalmente, através de elevados níveis de capacidades – cognitivas, criativas, académicas, intra e interpessoais –, urge esclarecer a intrincada relação que se estabelece inevitavelmente entre sobredotação e inteligência, à luz de alguns conceitos, princípios e modelos explicativos. Nesta medida, é importante considerar que a evolução do conceito de sobredotação ocorreu, ao longo da história do conhecimento humano, a par de mutações conceptuais em torno da natureza e estrutura da inteligência. 2.1. Conceito de Inteligência O interesse revelado pelo homem acerca da inteligência como “esse não sei quê através do qual exprime a sua diferença em relação aos seres que o rodeiam” (Richard; cit. in Jacquard, 1979:148), antecede o nascimento das ciências sociais e humanas, pois remonta aos primórdios da humanidade, em que o ser humano regia a sua vida pelas explicações de ordem mitológica. Da vasta panóplia de mitos que fazem parte integrante da herança cultural do ocidente, o Mito de Prometeu inaugura a tentativa de explicação para esta capacidade humana tão complexa, a inteligência. Segundo o relato, aquela divindade grega terá roubado o fogo, que era de uso exclusivo dos deuses do Olimpo e ofereceu-o aos seres humanos. Júpiter, encolerizado, ordenou que Prometeu fosse agrilhoado e que uma águia lhe comesse o fígado, o qual crescia ininterruptamente. Todavia, Prometeu conseguiu salvar-se graças a Hércules, que mata a águia. 12 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Nesta história, o fogo que a divindade oferece aos seres humanos representaria a capacidade para intervir e transformar o meio, para produzir conhecimento e transmiti-lo de geração em geração. O fogo seria a inteligência, que compensaria a humanidade da sua fragilidade física: não somos os animais mais fortes e os mais ágeis, mas é nessa consciência da finitude e indigência que reside a nossa força. Tal significa que a inteligência veio possibilitar a superação destas limitações, permitindo aos seres humanos conceber formas mais adaptadas de estar no mundo – cultivar os campos, projectar cidades, voar e navegar, criar normas e regras de convivência, produzir teorias e construir utensílios. No âmbito dos estudos da Psicologia, a inteligência surge, não só como uma das problemáticas mais fascinantes, mas também como umas das mais controversas, pois, apesar da sua grande popularidade, é um conceito muito genérico, ambíguo e de difícil definição (Richardson, 1991; cit. in Almeida, 1994:17). O significado etimológico do termo ‘inteligência’ radica na junção dos termos latinos ‘inter’ (entre) e ‘eligere’ (escolher). Todavia, em sentido mais amplo, o termo manifesta alguma polissemia, dada a complexidade e a dinâmica que lhe são inerentes. Com base nos estudos desenvolvidos por Mark Snyderman e Stanley Rothman4 (cit. in Gray, 1994:364), nos finais da década de 80, a inteligência refere-se a várias capacidades, como o raciocínio abstracto, a resolução de problemas, a capacidade de adquirir conhecimentos, a memória, a adaptação ao meio, as competências linguística e matemática, a originalidade, a acuidade sensorial, a orientação para um objectivo e a motivação para a realização. A aproximação ao conceito de inteligência, sobretudo naquilo que define o seu quadro explicativo mais actual, implica uma análise breve às várias estratégias de avaliação e medição desta faculdade e que certos investigadores foram ensaiando e concretizando. Todavia, pretendemos não deixar de colocar algumas reservas à aplicação dos testes de inteligência, porquanto a sua utilização abusiva e redutora pode desembocar naquilo que a própria história registou como exemplos reais de discriminação social e racial. 4 Estes investigadores interrogaram cerca de mil psicólogos e educadores para identificar, numa lista de aptidões humanas, aquelas que constituiriam os elementos mais importantes da inteligência. 13 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte No momento em que a psicologia se constitui como ciência experimental, em finais do século XIX, é sentida a necessidade de se construírem instrumentos capazes de medir as aptidões intelectuais de uma forma objectiva. Galton (1822-1911) foi o primeiro investigador a procurar medir essas diferenças individuais, através de testes sobre a discriminação sensorial5. Na esteira deste autor, o americano Catell (1860-1944) concebe a designação ‘teste mental’ para o instrumento capaz de colher informações sobre a inteligência, medindo os tempos de reacção (Almeida, 1994:62-63). As concepções de Binet (1857-1911) e dos seus colaboradores demarcaramse das anteriores, dado incidirem sobre o estudo da inteligência total do indivíduo e das suas funções superiores – memória, imaginação, atenção, tenacidade, etc. –, enquanto critérios fundamentais para estabelecer as verdadeiras diferenças entre os indivíduos. Como oportunidade de desenvolver o seu trabalho, Binet aceita, em 1904, a proposta do Ministério da Instrução francês, que consistia em construir um instrumento para medir as capacidades das crianças em idade escolar, de modo a distinguir as crianças normais das ‘subnormais’ e facultar a estas últimas um ensino especial (Binet & Simon, 1916, cit. in Benito & Alonso, 2004A:13). Nesta medida, Binet, com a ajuda do seu colega Simon, constrói a Escala Métrica de Inteligência, destinada a medir as capacidades mentais, através de questões e exercícios sobre figuras, números, letras, palavras, em ordem crescente de dificuldade e ajustados à idade cronológica da criança. Para além disso, remetem o conceito de inteligência para os seguintes termos: ‘juízo’, ‘sentido prático’, ‘iniciativa’ e ‘faculdade de adaptarse às circunstâncias’, pelo que, julgar bem, compreender bem e raciocinar bem, constituem para os dois autores, as actividades essenciais da inteligência (Benito & Alonso, 2004A:13). No decurso da evolução dos testes, o termo Quociente de Inteligência (QI) é usado pela primeira vez por Stern, na Alemanha, e retomado nos EUA por Terman, que publica, em 1916, uma versão revista do teste Binet-Simon, a qual passa a ser designada por Escala Stanford-Binet6. Trata-se de um QI de razão, pois que, o seu cálculo é feito através da razão da idade mental pela idade cronológica, a multiplicar por 100 (QI=IM/ICx100). 5 Organizava testes para medir a finura de discriminação de pesos, da sensibilidade aos sons altos, da discriminação visual e auditiva. 6 Stanford é o nome da Universidade onde Terman leccionava. 14 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Nos finais da década de 30, Wechsler apresenta novos instrumentos de medida – a Escala de Inteligência de Wechsler para Adultos (WAIS7) e a Escala de Inteligência de Wechsler para Crianças (WISC8). Para este investigador, a inteligência é essa heterogeneidade de funções, isto é, constitui the aggregate or global capacity of the individual to act purposefully, to think rationally and to deal effectively with his or her environment (Wechsler, 1958; cit. in Almeida, 1994: 65). Esta orientação metodológica é adoptada, nos anos 60, pelos trabalhos da British Psychological Society, através dos quais se procurava, simultaneamente, avaliar uma capacidade cognitiva geral e o desempenho das crianças em algumas aptidões. Nesta medida, a inteligência continuava a ser definida e avaliada de acordo com uma multiplicidade de aptidões como o raciocínio, a representação espacial, a memória, a percepção e a evocação e aplicação de conhecimentos. Para lá do enorme contributo destes investigadores para o avanço das pesquisas da psicologia na área cognitiva, nomeadamente, no que concerne à avaliação/identificação de crianças mais dotadas, importa reter o quanto os resultados alcançados pelos diversos procedimentos psicométricos se apresentam como uma parte de um processo que se afigura bastante complexo e, nessa medida, a exigir estratégias de avaliação complementares. A este propósito, o próprio Binet havia declarado que um único número, resultado do desempenho de uma criança num teste, não poderia retratar uma questão tão complexa quanto a inteligência humana. Em última análise, não obstante constituam um dos maiores contributos da Psicologia, a aplicação dos testes de inteligência tem sido alvo de diversas críticas, sobretudo devido às possíveis repercussões para o indivíduo que, por algum motivo, apresente baixos rendimentos nestes instrumentos (Alencar & Fleith, 2001:26). 2.2. Modelos de Inteligência A acrescentar ao seu carácter polissémico, o conceito de inteligência tem variado sobremaneira ao longo dos tempos, reflectindo diferentes valores e convicções 7 8 Wechsler Adult Intelligence Scale. Wechsler Intelligence Scale for Children 15 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte sociais. Assim, e de acordo com o recurso aos instrumentos de medida enunciados, as preocupações em torno da inteligência acabaram por, nalguns casos, legitimar classificações que distinguiram, de forma radical, os civilizados dos primitivos, os normais dos anormais, desencadeando, em última análise, preconceitos e atitudes de exclusão de muitos seres humanos. Numa consciencialização destes riscos e numa preocupação de preconizar uma aproximação o mais fiel possível à estrutura da inteligência, certos teóricos construíram modelos explicativos que, de certo modo, ofereciam resposta a uma das questões mais discutidas desde finais do século XIX: ‘a inteligência é uma capacidade única, global, geral, ou é constituída por capacidades que correspondem a aptidões específicas’? Para testemunhar tão acesa polémica, Galton encara a inteligência como uma entidade singular e única, enquanto Binet considera que ela é constituída por um conjunto de atributos (memória, fluência numérica, vocabulário, etc.). Depois das concepções destes autores, muitos outros – Spearman, Thurstone, Guilford, Sternberg e Gardner – delinearam as suas propostas de compreensão da composição da inteligência, num trajecto que vai, preponderantemente, da perspectiva mais clássica, que afirma que a inteligência é uma capacidade unitária de raciocínio lógico e abstracto, à perspectiva recente das inteligências múltiplas. 2.2.1. Abordagem Clássica A concepção clássica da inteligência, cujo representante máximo é o psicólogo inglês Spearman, perspectiva a inteligência como uma faculdade unitária ou como um agrupamento de faculdades (tais como o tempo de reacção, a discriminação sensorial, a capacidade de perceber relações lógicas e a memória) altamente correlacionadas entre si (Gardner et al., 1998:214). Por um lado, a inteligência é valorizada enquanto traço inato, global e relativamente imutável, pois não muda muito com a idade ou com a experiência e, por outro lado, surge como capacidade de responder a testes de inteligência, o Q.I.. O contributo da teoria de Spearman (1904-1927) para este modelo consistiu na aplicação de um método estatístico que ele próprio criou – a análise factorial – através do qual seria possível estabelecer correlações entre as aptidões avaliadas pela aplicação de vários tipos de testes (memória, percepção, fluência verbal e lógica). Da 16 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte análise dos resultados – as pessoas que têm uma elevada pontuação num tipo de teste têm tendência a obter também classificações elevadas noutros testes – o investigador formulou a hipótese da existência de uma capacidade geral (factor G), que estaria subjacente a todas as funções intelectuais, aos factores específicos (factores S9). Seria o factor G o responsável pela dinamização do conjunto dos factores específicos, pelo que, a inteligência geral estaria na base de todos os actos intelectuais, definindo a capacidade intelectual de cada indivíduo. Todavia, segundo Benito & Alonso (2004A:29), não podemos escamotear um aspecto importante na teoria de Spearman: por um lado, as aptidões intelectuais implicadas nos instrumentos utilizados pelo investigador são muito semelhantes àquelas que estão implicadas nos testes de idade mental e Q.I. e, por outro, incidem sobre os processos cognitivos centrais na aprendizagem escolar: memória, domínio verbal, generalização e estruturação, entre outros. Na década de 30, Thurstone (1938) desenvolveu nos EUA novos procedimentos estatísticos para o estudo dos diferentes tipos de conduta inteligente e que se demarcaram da perspectiva de Spearman (Benito & Alonso, 2004A:30). Aplicou uma bateria de 56 testes de aptidão, submetendo os resultados obtidos a análise factorial, da qual concluiu não haver fundamento para afirmar a existência do factor G, mas antes de sete aptidões mentais primárias, independentes umas das outras e ligadas a tarefas específicas – habilidade numérica, habilidade verbal, memória, raciocínio, aptidão espacial, rapidez perceptual e fluência verbal. Abria-se, assim, o caminho para a concepção multifactorial, ou seja, para a perspectiva de uma inteligência composta por vários factores e, nessa medida, para a rejeição de uma inteligência geral. 2.2.2. Teoria das Inteligências Múltiplas Mais recentemente, surgiram novas contribuições teóricas, das quais destacamos as perspectivas de Guilford (1967, 1979), Sternberg (1990, 1997) e Gardner (1983, 1993), em virtude de defenderem que o construto inteligência é multidimensional. Na sua teoria, Guilford desenvolveu um modelo da Estrutura do Intelecto, onde são discriminadas três dimensões principais – operações, produtos e conteúdos – que, 9 De entre os factores específicos, Spearman destaca o visual, o verbal e o numérico. 17 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte em combinação específica, justificam a existência de 120 tipos de aptidões diversas (Alencar & Fleith, 2001:30). Por sua vez, numa linha cognitiva, a Teoria Triárquica da Inteligência Humana de Sternberg enfatiza os processos internos e externos implicados na inteligência e, dessa forma, as suas vertentes experiencial, componencial e contextual (Benito & Alonso, 2004A:36). A abordagem realizada por estes autores parece ter constituído condição essencial para os estudos mais recentes da psicologia – a Teoria das Inteligências Múltiplas, cujo mentor é o neuropsicólogo e investigador americano Howard Gardner. Fruto de investigações realizadas em 1983, que culminaram com a publicação da obra Estruturas da Mente, Gardner concluiu que a inteligência, enquanto capacidade de resolver problemas ou criar produtos que são importantes num determinado ambiente cultural ou comunidade (Gardner, 1995:21), é constituída por sete categorias, sendo que, a competência de cada uma delas não exclui ou inclui competência em qualquer uma das outras, embora possam interagir. Nesta medida, considera que a inteligência não é um dado, mas um potencial, através do qual o indivíduo tem acesso a formas de pensamento apropriadas a tipos específicos de conteúdo. Quase 80 anos depois de os primeiros testes de inteligência serem desenvolvidos, este investigador vinha acusar a nossa cultura de definir a inteligência de um modo bastante limitado, pois tendem a avaliar apenas as inteligências lógico-matemática e linguística e a ignorar todos os outros tipos, assim como as possíveis combinações existentes entre eles. Por isso, alerta para a necessidade de alargar o potencial humano para lá dos resultados de Q.I. e aponta a possibilidade da existência de combinações entre os diferentes tipos de inteligência. Como nos diz Gardner (1995:30): Na medida em que quase todos os papéis culturais exigem várias inteligências, torna-se importante considerar os indivíduos como uma colecção de aptidões, e não como tendo uma única faculdade de solucionar problemas que pode ser medida directamente por meio de testes de papel e lápis. Em 1995, quando acrescenta uma oitava categoria – a naturalista –, Gardner (cit. in Armstrong, 2001:49-52) apresenta a sua concepção múltipla da inteligência, a qual contempla: inteligência linguística - capacidade para usar as palavras de modo efectivo nas três dimensões do discurso - sintaxe, semântica e 18 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte pragmática - quer na oralidade (por exemplo, como contador de histórias, orador ou político), quer na escrita (por exemplo, como escritor ou jornalista); indicia sensibilidade para os sons, ritmos e significados das palavras, além de uma percepção especial das diferentes funções da linguagem; inteligência lógico-matemática - capacidade numérica ou lógica (por exemplo, como matemático, cientista ou programador de computador); inclui a utilização de processos de categorização, classificação, inferência, generalização e cálculo; inteligência espacial - capacidade de visualizar e de representar graficamente ideias visuais ou espaciais, ou seja, de perceber com precisão o mundo visuo-espacial (por exemplo, como guia ou escuteiro) e de realizar transformações sobre essas percepções (por exemplo, como artista, arquitecto ou decorador de interiores); envolve sensibilidade à cor, à linha, à forma, à configuração e ao espaço; inteligência corporal cinestésica - capacidade corporal, manual e desportiva, que implica habilidades físicas específicas, como coordenação, equilíbrio, destreza, força, flexibilidade e velocidade, assim como capacidades proprioceptivas, como o tacto; refere-se à perícia no uso do corpo todo para expressar ideias e sentimentos (por exemplo, como actor, mímico ou atleta) e facilidade no uso das mãos para produzir ou transformar coisas (por exemplo, como artesão, escultor, mecânico ou cirurgião); inteligência musical - capacidade para apreciar, compor ou reproduzir uma peça musical (por exemplo, compositores, maestros e instrumentistas); inclui discriminação de sons, sensibilidade para ritmos e timbre; inteligência interpessoal - capacidade no relacionamento com as pessoas; inclui sensibilidade a expressões faciais, voz e gestos e a capacidade de responder a estes sinais de um modo pragmático (por 19 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte exemplo, influenciar um grupo de pessoas para que sigam certa linha de acção); inteligência intrapessoal - capacidade de auto-conhecimento, e de o eu agir adaptativamente com base neste conhecimento; inclui consciência das forças e limitações, dos estados de humor, das intenções, motivações, temperamento e desejos, o que implica capacidade de auto-disciplina e auto-estima; inteligência naturalista - capacidade de reconhecer e classificar numerosas espécies - a flora e a fauna - do meio ambiente do indivíduo; inclui sensibilidade a outros fenómenos naturais. (Alencar & Fleith, 2001:34-36; Almeida, 1994:39-46; Armstrong, 2001:13-15; Gardner et al., 1998:217-221) Mais recentemente, em 1999, Gardner (cit. in Armstrong, 2001:163) escreveu sobre a ‘possibilidade’ de uma nona inteligência – a existencial – inerente à preocupação com as questões básicas da vida. O autor descreve esta inteligência como: a capacidade de situar-se com referência ao alcance máximo do cosmos - o infinito e o infinitesimal - e a capacidade relacionada de situar-se com referência a características existenciais da condição humana como o significado da vida, o significado da morte, o derradeiro destino dos mundos físico e psicológico, e àquelas experiências profundas como o amor por alguém ou a total imersão num trabalho de arte (Gardner, cit. in Ibidem). A este conjunto de inteligências, o professor brasileiro Nilson Machado10, em 1996, acrescenta uma outra inteligência – a pictórica – que surge identificada pela capacidade de expressão por meio do traço, pela sensibilidade para dar movimento, beleza e expressão a desenhos e pinturas. O autor considera que os recursos pictóricos são elementos essenciais à comunicação e expressão de sentimentos, permitindo, muitas vezes, revelar personalidades e sintomas diversificados de desequilíbrios psíquicos. Assim, propõe a relação entre as inteligências apresentadas por Gardner com a identificação dos pares linguístico-lógico-matemático, intra e 10 Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, onde lecciona desde 1972. 20 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte interpessoal, espacial-cinestésico corporal e competência corporal-pictórica (Antunes, 2004:21-22). Muito embora Gardner não duvide de que a competência pictórica, e a consequente capacidade de reproduzir ou criar imagens por meio de traços ou cores, sejam inerentes ao ser humano, o que se evidencia com nível elevado em alguns indivíduos, rejeita a ideia de essa possibilidade caracterizar uma inteligência. Aliás, o próprio Gardner chegou a demonstrar essa reprovação quando esta hipótese lhe foi apresentada por Nilson Machado num seminário sobre Inteligências Múltiplas que se realizou em São Paulo. A argumentação de Gardner radica na análise do caso de Picasso e de outros artistas, pois considera-os indivíduos dotados de extrema sensibilidade espacial para captar a composição que ilustram, destreza cinestésica para executar essa composição e percepção interpessoal para a valorização dos outros acerca daquilo que apresentam (Antunes, 2004:60). Neste âmbito, aquilo que para Nilson Machado se define como inteligência pictórica, para Gardner constitui o fluxo de três inteligências que actuam concomitantemente – a espacial, a cinestésica corporal e a interpessoal. Concebendo esta perspectiva evolutiva dos modelos explicativos da inteligência, as nossas pesquisas assumem um enfoque privilegiado na Teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner, sobretudo no que concerne ao domínio da inteligência espacial e nas capacidades de percepção, imaginação e criação, o que legitima a consideração da inteligência pictórica proposta por Nilson Machado. No entanto, dado que pretendemos compreender o universo relacional e afectivo da criança sobredotada, as suas inteligências inter e intrapessoal serão também tidas em linha de conta, abrindo, em última análise, para a possível abordagem das capacidades relacionadas com a inteligência existencial. 21 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte CAP. 2 - Características do Sobredotado 1. Aproximação às idiossincrasias A abordagem conceptual da inteligência e dos seus instrumentos de medida foi acompanhada de um interesse permanentemente renovado acerca da natureza do sobredotado, suas características intrínsecas e comportamentos associados. Ainda que numa linha teórica de valorização do Quociente de Inteligência, a investigação realizada por Terman, na década de 20, representa a tentativa pioneira de levantamento das principais características idiossincráticas do indivíduo sobredotado. Foi sua intenção acompanhar um grupo de crianças sobredotadas durante toda a sua vida, no sentido de perscrutar, por um lado, os seus traços físicos, intelectuais e de personalidade e, por outro lado, o tipo de adultos que estas crianças se tornariam. As conclusões do estudo vieram derrubar muitas ideias erróneas que proliferavam na época acerca do sobredotado, entre as quais se destacam as seguintes afirmações: a sobredotação e a insanidade estão intrinsecamente associadas11, a criança precoce apresenta também um declínio precoce da sua inteligência, e a criança brilhante é fraca e doente, pelo que, a sua inteligência superior é uma forma de compensar a sua inferioridade noutras áreas, que não a intelectual. A investigação de Terman e da sua equipa não só veio desmistificar todas aquelas ideias, como veio apresentar novos dados: os sobredotados apresentam um desenvolvimento físico mais acelerado, mas também um comportamento sócio-moral mais ajustado (Alencar & Fleith, 2001:62-63). A partir de Terman, o âmbito da investigação em torno da sobredotação converte-se em terreno fértil de concepções diversas, mas que apresentam um ponto em comum – defendem que o Q.I. não podia ser o critério exclusivo para definir um sobredotado e que não possibilitava a identificação de indivíduos que, mais tarde, se vinham a destacar em actividades artísticas, como a música, a pintura ou o desporto. Registou-se, assim, uma ampliação do conceito, que passou a incluir crianças consideradas talentosas por apresentarem outros talentos e não, ou unicamente, o talento intelectual. Foi com o aparecimento da Teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner que a aproximação à natureza idiossincrática do sobredotado – áreas/características em que 11 Ideia que resultara de pesquisas realizadas por Lombroso e Nisbet no século XIX. 22 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte se manifesta o seu comportamento – conhece novo impulso, revestindo-se de perspectivas inovadoras, como as de Renzulli, Winner e Guenther, e dos seus respectivos percursores. Ao colocar de lado o conceito unidimensional de inteligência, Gardner fundamenta a ideia de uma multiplicidade de ‘sobredotações’, de acordo com os tipos de inteligência que mais se evidenciem no indivíduo, o que terá inspirado a proposta conceptual de Falcão (1992:70): Criança sobredotada é aquela que possui um potencial humano de nível superior e frequência constante em qualquer uma, ou mais, das áreas operacionais das I.M. (Inteligências Múltiplas), permitindo prognosticar, se fornecidas adequadas oportunidades de desenvolvimento, um elevado grau de competência específica, quer na solução de problemas, quer na criação de problemas. De acordo com este enquadramento teórico, e tal como referimos no capítulo anterior, a concepção de Renzulli (cit. in Lombardo, 1997:37-38) acerca das características dos sobredotados invoca aspectos relacionados com a capacidade intelectual em geral e aptidão académica específica, o pensamento criativo e produtivo, a liderança, as artes plásticas, a habilidade psicomotora, a motivação e a vontade. Para o autor, crianças e jovens sobredotados revelam um conjunto bem definido de traços: obtêm facilmente êxito na aquisição de conhecimentos ou competências, manifestam uma capacidade de trabalho invulgar orientada pela perseverança e motivação, e revelam um pensamento criativo e divergente, pela frequência e natureza das suas perguntas, jogos e associações de ideias. Como nos diz Renzulli (1986, cit. in Rodrigues, 1992:46-47), O comportamento sobredotado consiste em comportamentos que reflectem uma interacção entre três agrupamentos básicos de traços humanos – sendo tais agrupamentos capacidades gerais ou específicas superiores à média, níveis elevados de empenho na tarefa e níveis elevados de criatividade. As crianças sobredotadas e talentosas são as que possuem ou são capazes de desenvolver este conjunto compósito de traços e de aplicá-lo a qualquer área potencialmente válida de desempenho humano. Nesta medida, e no sentido de facilitar a avaliação do professor em relação às características do aluno, Renzulli, Smith, White, Callahan e Hartman, em 1976 (cit. in Alencar & Fleith, 2001:73-74) desenvolveram as Escalas para Avaliação das 23 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Características Comportamentais de Alunos com Habilidades Superiores, as quais contemplam os seguintes itens: - possui um vocabulário avançado para o seu nível etário, com riqueza expressiva, elaboração e fluência (na área de aprendizagem); - necessita de pouca motivação externa para dar continuidade a um trabalho que lhe agrada (na área de motivação); - demonstra grande curiosidade acerca de várias coisas, o que evidencia com um questionamento constante (na área de criatividade); - revela auto-confiança, tanto no seu relacionamento com os pares como com os adultos (na área da liderança); - tende a seleccionar a arte como meio de expressão para actividades livres ou projectos em sala de aula (na área das artes); - é sensível ao ritmo da música (na área da música); - usa gestos e expressões faciais de forma efectiva para comunicar os seus sentimentos (na área do teatro); - possui várias formas de expressar ideias, de modo a ser entendido pelos outros (na área da comunicação); - determina as informações e os recursos que são necessários à realização de uma tarefa (na área da planificação). Esta tentativa de encontrar alguns traços específicos das crianças e jovens sobredotados prossegue com as pesquisas de Winner. Para a investigadora em Psicologia Infantil em Harvard, não obstante a constatação dos grandes avanços no estudo da sobredotação, não podemos ignorar os mitos e concepções falaciosas em que o mesmo se encontra enredado e que já tratamos no capítulo anterior. Para lá destas ideias erróneas, Winner (1996:16-17) chama a atenção para algumas características atípicas da criança sobredotada e que fazem dela um ser qualitativamente distinto da criança normal: a precocidade, uma insistência em se desenvencilharem sozinhas e uma sede enorme de conhecimentos. Tal significa que, por um lado, inicia a aprendizagem de um domínio numa idade inferior à média das outras crianças; por outro lado, goza de autonomia e de um ritmo próprio na resolução de problemas e, finalmente, é intrinsecamente motivada no domínio em que revela maior precocidade. Assim, como nos diz, Se existem indivíduos capazes de resolver a vasta panóplia de problemas que ameaçam a sobrevivência humana, vamos encontrálos certamente neste grupo (Winner, 1996:25). 24 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Todavia, com Guenther (2000:44), partilhamos a ideia de que as crianças bemdotadas e talentosas não constituem um grupo único e homogéneo, pelo que cada uma apresenta uma combinação singular de características resultantes da interacção de factores biológicos e genéticos com factores ambientais. Face a este princípio, a autora (2000:47-49) entende, na esteira de muitos outros investigadores, que as crianças portadoras de talentos podem apresentar algumas características gerais, que constituem fonte de orientação dos professores na identificação das capacidades superiores no grupo de alunos e em contexto de sala de aula. São elas: - inteligência e capacidade geral, que se manifesta através de uma vivacidade mental (curiosidade, gosto por desafios, senso de humor, boa capacidade de memória e aprendizagem) e automotivação e confiança (independência e elevado compromisso com as tarefas); - capacidade pronunciada – talento académico – que se evidencia em áreas escolares, como a linguagem (talento verbal), as ciências e a matemática (pensamento abstracto); - criatividade e produção original, científica ou artística, associada a pensamento holístico e intuitivo; - talento psicossocial, demonstrado pela capacidade e gosto pela cooperação, senso de justiça e respeito pelo outro; - talento psicomotor, revelada na demonstração de habilidades sensoriomotoras e no desempenho físico-motor qualitativamente superior. Face à enunciação de tais características, Guenther (2000:50) alerta para o facto de muitos talentos não se apresentarem sob a forma de tipos puros e exclusivos, mas antes de acordo com uma certa combinação entre si, com ou sem predominância de um certo tipo, o que requer atenção à configuração geral do comportamento da criança ou jovem – formas de ser, agir e pensar nos múltiplos contextos de interacção com o eu e com os outros. Para além disso, é importante não esquecer a singularidade de cada criança, o que torna possível haver uma criança em que não encontramos muitos daqueles traços já diferenciados, mas que, por outras manifestações – interesses e atitudes perante as situações da vida – sinaliza a existência de capacidade superior. 25 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Eis, em última análise, alguns traços relativamente abstractos e, por diversas vezes, escondidos ou disfarçados na sala de aula, e que Serra (2001, cit. in APCS, 2004:17) enunciou de acordo com os seguintes atributos: percepção e memória elevadas, raciocínio rápido, habilidade para conceptualizar e abstrair, fluência de ideias, flexibilidade de pensamento, originalidade e rapidez na resolução de problemas, superior inventividade e produtividade, elevado envolvimento na tarefa, persistência, entusiasmo, grande concentração, fluência verbal, curiosidade, independência, rapidez na aprendizagem, capacidade de observação, sensibilidade e energia, auto-direcção, vulnerabilidade e motivação intrínseca. Na sequência das várias perspectivas teóricas – sobretudo a de Renzulli – que contribuíram para a aproximação à especificidade das competências e comportamentos do sobredotado, elencamos, a seguir, de acordo com diversas áreas – aprendizagem, motivação, criatividade, liderança e sócio-moral – as características que mais se evidenciam em crianças e jovens sobredotados. CARACTERÍSTICAS GERAIS DE COMPORTAMENTO DAS CRIANÇAS E JOVENS SOBREDOTADOS Vocabulário avançado para a idade e para o nível escolar; CARACTERÍSTICAS NO Hábitos de leitura independente (por iniciativa própria); PLANO DAS preferência por livros que normalmente interessam a APRENDIZAGENS crianças ou jovens mais velhos; Domínio rápido da informação e facilidade na evocação de factos; Fácil compreensão de princípios subjacentes; capacidade para generalizar conhecimentos, ideias, soluções; Resultados e/ou conhecimentos excepcionais numa ou mais áreas de actividade ou de conhecimento. Tendência a iniciar as suas próprias actividades; CARACTERÍSTICAS Persistência na realização e finalização das tarefas; MOTIVACIONAIS Busca da perfeição; Aborrecimento face a tarefas de rotina. Curiosidade elevada perante um grande número de coisas; CARACTERÍSTICAS NO Originalidade na resolução de problemas e relacionamento PLANO DA de ideias; CRIATIVIDADE Pouco interesse pelas situações de conformismo. 26 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Autoconfiança e sucesso com os pares; CARACTERÍSTICAS DE Tendência a assumir a responsabilidade nas situações; LIDERANÇA Fácil adaptação às situações novas e às mudanças de rotina. Interesse e preocupação pelos problemas do mundo; CARACTERÍSTICAS NOS Ideias e ambições muito elevadas; PLANOS SOCIAL E DO Juízo crítico face às suas capacidades e às dos outros; JUÍZO MORAL Interesse marcado para se relacionarem com indivíduos mais velhos e/ou adultos. In Ministério da Educação (1998:8). Todavia, a esta proposta não são alheios, por um lado, o seu carácter orientador na tarefa sinalizadora de educadores e, por outro, a sua atitude de abertura à multiplicidade dos contextos em que cada um vive e experiencia os seus talentos, o que implica, em muitos casos, atentar nas idiossincrasias, mas sem deixar de perspectivar possíveis disssincronias. 2. Aproximação às dissincronias Pelas características genéricas enunciadas anteriormente e que delineiam o quadro de actuação dos mais talentosos no seu mundo físico e sócio-cultural, facilmente entendemos cada criança ou jovem como alguém que revela um excelente desempenho nas suas diversas actividades. No entanto, uma análise mais cuidada à realidade única de cada um, pode revelar-nos um mundo interior susceptível de contradições e desfasamentos. Esta convicção surge, aliás, corroborada pelos profissionais de educação, dado considerarem que estas crianças experimentam múltiplas dificuldades durante a sua escolaridade. Para além disso, vários estudos têm revelado que existem crianças com potencialidades extraordinárias que passam completamente despercebidas na sala de aula ou então que manifestam problemas de comportamento, atenção, interesse pelas tarefas escolares e desempenho social, chegando mesmo as ser identificadas como ‘alunos problemáticos’. (Ministério da Educação, 1998:5). Por este motivo, tal como referimos, cumpre a cada educador lançar um olhar atento à individualidade de cada sobredotado, para que a sua actuação assente na consideração dos traços idiossincráticos e, simultaneamente, das possíveis idiossincrasias. 27 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte São os estudos de Terrasier (1990 e 1992, cit. in Benito & Alonso, 2004C:58) que conferem importância significativa aos níveis heterogéneos patenteados no desenvolvimento das crianças sobredotadas, o que ele designou por ‘síndrome da dissincronia’12 das crianças intelectualmente sobredotadas e precoces. Este investigador começou por constatar um desfasamento notório entre o nível intelectual e a capacidade de leitura precoce, por um lado, e as frequentes dificuldades na escrita, por outro, o que o terá levado a concluir, neste caso, acerca de uma falta de sincronia do desenvolvimento psicomotor relativamente ao desenvolvimento intelectual. O termo ‘dissincronia’ foi introduzido por B. Gibello (cit. in Ibidem) para designar especificamente ‘uma classe de disgnosia em relação ao tempo’, pelo que, no plano clínico, as crianças discrónicas são instáveis, impulsivas, desorganizadas no tempo e, nessa medida, apresentam problemas de adaptação escolar. Todavia, para evitar a ambiguidade terminológica, Terrasier criou a designação ‘dissincronia interna’ para se referir ao desenvolvimento heterogéneo específico das crianças sobredotadas e, dado que estas dificuldades específicas podem também ocorrer no plano da relação com os outros, apresentou o termo ‘dissincronia social’. Partindo de uma análise da personalidade da criança, Terrasier evidencia, portanto, os seus níveis heterogéneos de desenvolvimento – a evolução intelectual, verbal e lógica, a evolução psicomotora, a organização do espaço e a evolução afectiva –, dando especial destaque à identificação de algumas dificuldades que advêm dessa diversidade de ritmos. Muitas daquelas dificuldades radicam na dissincronia inteligência- psicomotricidade, porquanto o nível psicomotor das crianças sobredotadas, que se traduz, por exemplo, na habilidade da escrita, está mais ligado à sua idade cronológica que à sua idade mental, o que torna possível manifestar grandes desempenhos na matemática e, simultaneamente, comprometimento na ortografia e expressão escrita. O autor (cit. in Benito & Alonso, 2004C:62-63) refere ainda as possíveis dissincronias ao nível dos diferentes sectores do desenvolvimento intelectual, dado que, na maioria das vezes, a idade mental relativa às aquisições verbais não chega à idade mental de raciocínio verbal ou não verbal. Dado o enfoque do nosso trabalho, concedemos maior atenção à dissincronia inteligência-afectividade, através da qual Terrasier enfatiza o desnivelamento entre o 12 Esta denominação foi acolhida com interesse no II Congresso Mundial para a educação das crianças sobredotadas que se realizou em São Francisco, em 1977. 28 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte desenvolvimento intelectual da criança sobredotada e o seu nível afectivo. Esta vertente do síndrome vem realçar a interferência da inteligência brilhante nas necessidades afectivas, podendo desencadear na criança uma tentativa para adoptar um comportamento que esconda a sua imaturidade. Tal significa que, ao mesmo tempo que a sua inteligência lhe permite captar uma vasta panóplia de informações acerca de tudo o que a rodeia, procura esconder vivências secretas, como a ansiedade e os medos, comprometendo sobremaneira o seu equilíbrio psicológico e, em última análise, fazendo emergir um comportamento de padrão neurótico, que normalmente os adultos significativos têm dificuldade em aceitar. Esta dissincronia inteligência-afectividade permite, assim, ser analisada à luz da perspectiva psicanalítica, pois que o ego destas crianças, quando não consegue expressar livremente os seus desejos e pulsões, desencadeia frequentemente um mecanismo de defesa – ‘racionalização’ ou ‘intelectualização’ – que se traduz numa estratégia inconsciente de repressão daquele material e pela qual a criança se refugia num discurso friamente intelectual. Neste âmbito, Terrasier realça a seguinte advertência do psicanalista J. Guillemaut (cit. in Benito & Alonso, 2004C:65): Hay que permitir a este niño expresar sus pulsiones y sus placeres, sus disgustos, sus vergüenzas, sus furias. Hace falta también dejarle vencer dificultades para que pueda desear, malhumorarse, fallar. Si no puede equivocarse, si no puede desear, va a naufragar en el aburrimiento, y el aburrimiento es una forma de depresión en el niño. No que concerne à dissincronia social, o desfasamento está patente pela diferença entre a rapidez do desenvolvimento mental da criança sobredotada e a celeridade média das outras crianças, a qual determina a estandardização do percurso escolar. Ora, neste processo que se pretende padronizado, muitas das necessidades e características dos sobredotados são esquecidas, o que, por sua vez, tende a tornar a criança cada vez mais desinteressada e distraída num ambiente que se torna escasso de estimulação e interesse. Encontramos aqui, normalmente, um comportamento peculiar da criança, que E. de Bono (cit. in Benito & Alonso, 2004C:66) designou por efeito Everest, ou seja, enquanto se mantém interessada nas actividades escolares, tem uma tendência a concentrar-se naquelas que são mais complexas e difíceis e a não dar importância, e mesmo a falhar, nas mais simples. Neste âmbito, o sobredotado constrói a ideia de que o sistema escolar apenas lhe pede um saber 29 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte mínimo, o que representa um abalo na sua curiosidade e, consequentemente, nas suas potencialidades intelectuais. Este aspecto social da dissincronia também está patente no seio familiar e no grupo de pares, porquanto quer os pais quer as outras crianças esperam do sobredotado uma actuação correspondente à sua idade real. Para os pais, torna-se difícil, por vezes, compreender a especificidade inerente ao comportamento do seu filho e ter, ao mesmo tempo, um diálogo que corresponda ao nível intelectual da criança e ao seu nível de evolução afectiva, o que surge, inevitavelmente, agudizado num contexto familiar mais debilitado do ponto de vista cultural. Nessa medida, não compreender a criança é bastante prejudicial, mas o facto de a criança compreender que os seus pais não a conseguem compreender é muito pior. A relação com os pares reveste-se também de desfasamento, em virtude da criança ter uma tendência para procurar estabelecer relações com colegas mais velhos, com quem possa manter um diálogo mais interessante sobre diversos assuntos. Todavia, contraditoriamente, quando se trata de jogos desportivos – dimensão física – a tendência é para interagir com colegas da mesma idade. Um estudo realizado por Gallagher & Crowder (cit. in Benito & Alonso, 2004C:69) numa escola primária americana revelou o contributo das interacções entre as crianças sobredotadas, pois o desinteresse aumenta pelo facto de não haver outras crianças com potencialidades idênticas na mesma sala de aula. A análise destas diferentes perspectivas, à luz das quais é possível conferir sentido às múltiplas manifestações do mundo intrínseco do sobredotado, pretende, pois, abrir caminho para uma maior flexibilidade no modo de tornarmos a problemática da sobredotação mais inteligível, e oferecer uma maior resistência à tentativa de aplicar invariavelmente a cada sobredotado as características que resultam de maior evidência e generalização. 3. Desenvolvimento sócio-emocional Atendendo ao conjunto das características apontadas pelos vários teóricos, num percurso que vai das idiossincrasias às dissincronias, urge conceder lugar de análise preponderante ao desenvolvimento sócio-emocional de alunos sobredotados, com as inevitáveis relações ao seu contexto educacional. Por um lado, porque o aspecto afectivo e relacional constitui parte integrante e decisiva do desenvolvimento global de qualquer criança e, por outro, porque, até aqui, constatamos a singularidade 30 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte das vivências internas das crianças com talentos superiores, o que se repercute nas suas relações externas, que ocorrem nos locais privilegiados de socialização. Para a reflexão em torno desta problemática, entendemos necessário tomar como ponto de partida as concepções de Horowitz (1987) e Roeper (1982) (cit. in Alencar & Fleith, 2001:106), segundo as quais, este desenvolvimento emocional e social não ocorre mais rapidamente ou precocemente do que o das outras crianças, mas antes de um modo diferenciado, em função da especificidade de cada criança sobredotada. Nesta medida, consideramos necessário prever a identificação de certas características sócio-emocionais genéricas, apontadas por outros autores, como Alencar & Virgolim (1999), Fleith (1998), Lovecky (1993), Piechowski (1991), Silverman (1993) (cit. in Alencar & Fleith, 2001:106-107): idealismo e senso de justiça, perfeccionismo, nível de energia elevado envolvido na realização de actividades, senso de humor desenvolvido, fascínio e paixão pela aprendizagem, perseverança, inconformismo, sensibilidade às expectativas dos outros, sensibilidade emocional e consciência apurada de si mesmo. Todavia, para lá de generalizações que se afiguram profícuas à investigação, importa perspectivar cada criança de acordo com as suas idiossincrasias e dissincronias específicas em interacção com os diversos agentes significativos do meio onde procura responder aos vários desafios com os quais se confronta diariamente. A concepção de Winner (1996:233) evidencia este carácter diferenciado do desenvolvimento sócio-emocional, pois admite a existência de três modos em que a estrutura da personalidade e a experiência social e emocional dos sobredotados se distinguem da norma. Considera que estas crianças são muito motivadas para o trabalho como veículo do domínio de conhecimentos, pois obtêm grande prazer dos desafios que lhe são colocados e possui, sobretudo a partir da adolescência, uma noção do que quer vir a ser; concebe-as como seres sobremaneira independentes e inconformistas que, ao nível das relações interpessoais são, normalmente, mais introvertidos e solitários, em virtude de se sentirem diferentes e desejarem estar sozinhos para desenvolver o seu talento. Portanto, esta criança apresenta um perfil de personalidade diferente, o que se reflecte necessariamente na sua vida afectiva e relacional, e que, para a autora, pode inclusivamente, determinar a vivência de problemas emocionais e sociais, sobretudo quando se trata de uma aptidão excepcional. Muito embora Winner saliente que nem 31 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte todas as crianças sobredotadas são ‘problemáticas’, aquelas que apresentam níveis de sobredotação mais elevados, tendem a confrontar-se com dificuldades emocionais, que as remetem, muitas vezes, para um sofrimento psicológico e um certo isolamento, que se deve ao facto de não se encontrarem ao mesmo nível dos seus pares. As dificuldades de adaptação, em virtude de uma disparidade de gostos, motivações e interesses relativamente aos dos colegas e àqueles que a própria escola veicula, são frequentemente o motivo de inadaptação ao contexto escolar, o que se manifesta em atitudes e comportamentos de introversão, insegurança, ansiedade e depressão. Como afirma a autora (1996:245): As crianças com uma sobredotação elevada têm problemas em se relacionarem com os colegas, em parte, porque há muito pouco em comum entre si. Assim, a sensibilidade e intensidade tornam-nas crianças diferentes. Para além disso, também possuem interesses, passatempos e mesmo preferências de jogos na primeira infância diferentes. A estas dificuldades enunciadas por Winner, no nosso entender, subjaz uma perspectiva de dissincronia entre os domínios cognitivo e emocional, tal como foi enfatizada por Terrassier. Por um lado, quando procuram amigos mais velhos na tentativa de que estes possuam uma idade mental equivalente, as crianças sobredotadas confrontam-se com uma certa rejeição, pois os mais velhos reconhecem a peculiaridade daquelas, pela sua imaturidade do ponto de vista físico, social e emocional. Por outro lado, dado o desenvolvimento intelectual mais acelerado das crianças sobredotadas, que lhes permite um pensamento mais rápido e divergente, em possível interacção com os mais velhos, acentua-se o fosso inerente à idade mental. Em contexto de sala de aula, este conflito pode traduzir-se ainda numa quebra do rendimento académico do sobredotado, pois, na tentativa de granjear a simpatia e a aceitação dos colegas, o sobredotado tende a trabalhar muito aquém do seu potencial. Portanto, as crianças sobredotadas tendem a viver num conflito permanente entre a realização máxima do seu potencial intelectual e o estabelecimento de relações afectivas e sociais, pelo que, Escolhendo a intimidade, arriscam-se a perder a motivação para se distinguirem e podem desinteressar-se pelo seu domínio de talento. Se escolherem a excelência, têm de enfrentar a solidão e o isolamento. Apenas os que desejam e são capazes de escolher a excelência obtêm a oportunidade de serem bem sucedidos no 32 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte percurso que vai da criança sobredotada ao adulto proeminente. (Winner, 1996:251) Esta concepção de Winner, como anteriormente referido, veio contrariar o anterior modelo explicativo apresentado por Terman, segundo o qual a criança com talentos superiores realiza uma feliz inserção na sociedade, representando um paradigma de harmonia sócio-emocional. Tal teria, segundo Delisle (cit. in Alencar e Fleith, 2001:106) precipitado a ideia errónea de que os alunos com potencial superior seriam ‘imunes’ a qualquer desajuste afectivo ou social, não necessitando de apoio por parte dos agentes de socialização envolventes – família, escola e comunidade. Todavia, para lá das conclusões de Winner, outros estudos têm evidenciado os problemas emocionais dos alunos sobredotados, tais como sub-rendimento académico, suicídio, isolamento social, entre outros, o que confere sentido à afirmação de Schmitz e Galbraith (1985; cit. in Alencar e Fleith, 2001:106): ser sobredotado não significa necessariamente ter mais sucesso, ser mais feliz, saudável, socialmente ajustado ou mais seguro. Por outro lado, numa postura mais optimista, Freeman e Guenther contrapõem as asserções de Winner, ao defenderem que não há provas científicas conclusivas quanto à correlação capacidade excepcionalmente elevada e problemas emocionais. Num estudo realizado nos E.U.A., ao comparar-se tipos e graus de problemas de comportamento em crianças comuns e crianças bem-dotadas, não se patentearam diferenças significativas (Cornell et al., 1994; cit. in Freeman e Guenther, 2000:85); e num estudo comparativo com adolescentes, os bem dotados demonstram melhor ajustamento pessoal (Nail e Evans, 1997; cit. in ibidem). Referem ainda o contributo de outras investigações, realizadas em Israel (1993, Kener; 1996, Zorman) e Itália (1996, Boncori) para a reflexão em torno desta problemática: estas crianças ou jovens são emocionalmente mais fortes do que as outras pessoas, apresentam maior e melhor produtividade, um maior índice motivacional, auto-estima mais elevada, maior grau de satisfação pessoal, maior capacidade de integração social e um nível ansiógeno mais reduzido (Freeman e Guenther, 2000:86). Do confronto destas perspectivas, concluímos, principalmente, a falta de unanimidade quanto à mundividência intra e intersubbjectiva da criança sobredotada, o que parece ser sinónimo, não de posturas dogmáticas e inconciliáveis, mas de um 33 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte terreno que, pela sua natureza de intrínseca complexidade, denuncia a necessidade de múltiplos olhares. Nesta medida, o intuito é conseguir atentar na vasta panóplia de possibilidades com as quais os educadores e professores se poderão confrontar no espaço privilegiado de aprendizagens e interacções: a sala de aula. Será, por isso, pertinente prever atitudes/comportamentos heterogéneos, que veiculem ora o modelo de saúde psicológica, ora o modelo de alguma disfunção afectiva e relacional. De qualquer forma, entendemos que a actuação de todos os profissionais deve orientar-se no sentido da implementação de estratégias para a eventual emergência de certos comportamentos problemáticos, pois o aluno sobredotado pode: - mostrar-se intolerante, para com os outros; - mostrar um comportamento irregular – facilmente perturbável; - manifestar dificuldades em integrar-se com os outros; - manifestar desinteresse na realização de tarefas escritas; - parecer aborrecido; - exigir muito tempo de atenção ao professor; - revelar-se dominador na relação com os colegas. In Ministério da educação (1998:15) Cônscios de que a manifestação daqueles comportamentos pode ocorrer em qualquer criança ou jovem, independentemente do seu nível cognitivo e talentos superiores, interessa certamente identificar a sua causa, para poder agir em conformidade com a situação e especificidade de cada aluno. Mas se, eventualmente, a eles associarmos um quadro de sobredotação, é necessário que, no âmbito de uma perspectiva holística, sejam consideradas as características, interesses e necessidades possíveis de encontrar na criança ou jovem sobredotado para podermos optimizar o seu potencial cognitivo, emocional e social. 34 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte CAP. 3 - Arte e Sobredotação 1. O lugar da arte no desenvolvimento infantil Das várias estratégias de actuação susceptíveis de promover o desenvolvimento global da criança, independentemente dos seus talentos superiores, a arte, entendida como linguagem dos sentimentos e das emoções, assume um papel que vem sendo valorizado ao longo da história da cultura ocidental. A arte surge como absolutamente fundamental e a prova disso é o facto incontestável de, desde as origens, não ter existido uma única sociedade humana que tenha podido passar sem ela e que não lhe tenha encontrado uma forma à sua medida. René Huyghe (1986:285-286) evidencia este carácter da arte, comparando-a com as funções vitais do nosso corpo, indispensáveis à manutenção da vida: Se o nosso organismo não seria capaz de se manter sem trocas com o mundo exterior, como por exemplo a respiração, a arte é igualmente necessária à vida mental, de que é, de facto, uma espécie de respiração. A presença inegável da arte em qualquer aqui e agora da cultura ocidental poderá ter desencadeado, nos tempos hodiernos, uma certa falta de reconhecimento do seu valor na formação bio-psico-socio-cultural da esfera humana. Se os nossos antepassados tinham consciência do papel da arte (Winner & Hetland, 2000; cit. in Bahia, 2002A:17), cumpre-nos relevar esse estatuto e, nessa medida, promover estratégias que testemunhem uma presença cada vez mais acentuada nas nossas vidas. Muito embora o homem se expresse artisticamente desde os primórdios, como o provam os mais remotos artefactos e pinturas rupestres, é em Platão que encontramos as primeiras reflexões sistemáticas em torno da importância e natureza da arte. O pensador concebe-a como algo inatingível e infinitamente superior ao homem, de nível transcendente, para o qual ele tende; através da arte, o homem aproxima-se da sua vida espiritual, dado que a contemplação de obras é susceptível de despertar o sentimento espiritual do Belo. Nesta concepção, a contemplação leva à inspiração e esta, por sua vez, à criação e ao estado de elevação espiritual. 35 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Volvidos vários séculos, Herbert Read13 (1893-1968) retoma a perspectiva de Platão, ou seja, o pressuposto de que a arte deve constituir a base de toda a educação, pelo que salienta a sua união indissolúvel e a sua importância em todos os níveis de desenvolvimento da pessoa. Quando se refere ao papel da arte na educação do homem, em geral, e da criança, em particular, o autor não se reporta ao domínio restrito do ‘ensino das artes’ nem apenas ao âmbito exclusivo das ‘artes plásticas’. É, antes, sua intenção referir-se a algo mais amplo, a uma ‘educação estética’ como uma educação que engloba os vários modos de expressão individual – musical, dançada, plástica, verbal, literária e poética – e que tem repercussões nas diversas faculdades humanas. Como nos diz, (…) A educação pode ser definida como o cultivo dos modos de expressão – é ensinar crianças e adultos a produzir sons, imagens, movimentos, ferramentas e utensílios. O homem que sabe fazer bem essas coisas é um homem bem educado. Se ele é capaz de produzir bons sons, é um bom falante, um bom músico, um bom poeta; se consegue produzir boas imagens, é um bom pintor ou escultor; se pode produzir bons movimentos, um bom dançarino ou trabalhador; se boas ferramentas ou utensílios, um bom artesão. Todas as faculdades, de pensamento, lógica, memória, sensibilidade e intelecto, são inerentes a esses processos, e nenhum aspecto da educação está ausente deles. (Read, 2001:12) Com Read, conferimos importância a este papel inalienável de uma educação estética a realizar-se preponderantemente na infância e a prolongar-se na adolescência, dado que, no seu pleno sentido, é capaz de consumar a relação harmoniosa do ser humano com o mundo exterior e, dessa forma, conseguir a construção de uma personalidade integrada, ou seja, ligada a experiências e a valores que incitam o indivíduo a resolver autonomamente os seus problemas. Trata-se, em nosso entender, de, pela arte, privilegiar a comunhão entre o mundo exterior e o mundo interior de cada um, ora como espectador ora como criador, tão importante a uma vida adaptada e, assim, (…) pela arte o homem sente que domina e detém enfim o poder de imobilizar e conservar, não só o que viu à sua volta, mas também o que viveu dentro de si (Huyghe, 1986:13). Este papel assumido pelo ensino das artes parece patentear-se no actual sistema de ensino, validando os resultados já apresentados por alguns investigadores 13 Foi presidente da UNESCO e da Associação Internacional de Educação pela Arte (INSEA). É um dos críticos e estudiosos da arte – filosofia da arte, história da arte, sociologia da arte e educação pela arte – com maior representação nos países de língua inglesa. 36 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte nos anos 70 (Descombes, 1974, Sokolov, 1975, Coopersmith, 1976, e Harter, 1978, cit. in Sousa, 2003:62). Trata-se do contributo de uma educação artística capaz de promover o aumento da auto-estima, da auto-percepção e da auto-realização, extremamente profícuo no fortalecimento de um EU interior em estreita relação com o mundo envolvente e, por esse motivo, no modo de motivar as crianças para as actividades escolares, em particular, e para a sua vida, em geral. Não pretendemos aqui fazer a apologia de uma educação artística como veículo de ensinamentos técnicos e teóricos circunstanciados, ou seja, entendemos que a promoção integral do EU por via da arte não se deve limitar à inclusão curricular de disciplinas específicas, como Educação Visual e Tecnológica, Música, Dança, Teatro, entre outras. Entendemos, pois, que qualquer situação educacional, em contexto curricular artístico ou outro, deve constituir pretexto inadiável para estimular nas crianças ou jovens a sua atitude estética e, consequentemente, a sua capacidade para formular juízos de gosto. Por atitude estética, entendemos a vivência do ser humano caracterizada por uma predisposição para se emocionar face a seres e situações naturais, bem como a obras produzidas pelo homem, valorizando-as em termos de beleza. Por juízo estético, entendemos a formalização e exteriorização das impressões vividas pelo sujeito durante a criação ou contemplação dos objectos belos da natureza e da arte. Pela análise etimológica do termo grego ‘estética’ – aisthésis –, que significa ‘sensibilidade’, a experiência estética que a educação deve privilegiar implica quer uma dimensão cognitiva, ou de captação sensorial dos objectos, e uma dimensão afectiva, ou seja, a vivência de sentimentos e emoções, que se traduzem em admiração ou repúdio. Portanto, pela via artística, e pelos aspectos emocionais e afectivos que a ela andam associados, objectivos como o ‘conhecer’, o ‘saber’ e o ‘aprender’ devem ser complementados com o ‘sentir’, o ‘criar’ e o ‘descobrir’, com o intuito de se atingir a plena realização do desenvolvimento cognitivo, afectivo e social da criança ou jovem. Mais do que ensinar arte, trata-se de a utilizar como meio de educação, ou seja, como estratégia propiciadora da construção da personalidade de cada um. Educar para e pela arte consiste, assim, em oferecer uma ferramenta cultural – segundo Vygotsky (1930/60) –, uma alavanca de conhecimento – segundo Bruner (1997) –, e uma forma inovadora de semear pomares de ideias – segundo Gopnik (1991) (cit. in Bahia, 2002A: 21). Facilmente constatamos que, de acordo com a educação tradicional, há uma certa tendência para se ensinar a criança a falar antes de perceber o que ouve, 37 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte ensiná-la a ler antes de saber falar ou ensiná-la a desenhar ou a pintar antes de saber manusear os materiais e a sentir a realidade envolvente. Interessa, contudo, conceder tempo necessário para compreender a criança nas suas emoções, necessidades, interesses, desejos e na sua procura de felicidade (Sousa, 2003:81-82). Neste sentido, a Educação pela Arte, nas suas diversas áreas – música, pintura, dança, teatro, etc. –, e por meio da expressividade, da imaginação e da sensibilidade que lhe são intrínsecas, vem permitir à criança uma maior liberdade de expressão emocional e, consequentemente, uma base psicológica consistente para lutar contra eventuais frustrações e para realizar aquisições cognitivas. Como surge consignado no Decreto-lei nº 344/80, de 2 de Novembro (art. 2º), um dos objectivos da Educação Artística consiste em: a) Estimular e desenvolver as diferentes formas de comunicação e expressão artística, bem como a imaginação criativa, integrando-as de forma a assegurar um desenvolvimento sensorial, motor e afectivo equilibrado. Pelo exposto, torna-se legítimo afirmar que, na infância, as primeiras experiências artísticas constituem, muitas vezes, o critério de distinção entre as crianças adaptadas e felizes e aquelas que manifestam dificuldades de adaptação ao meio sócio-cultural. Como nos diz Lowenfeld (1977:19), para as crianças, a arte pode constituir o equilíbrio necessário entre o intelecto e as emoções. Pode tornar-se como um apoio que procuram naturalmente – ainda que de modo inconsciente – cada vez que alguma coisa os aborrece; uma amiga à qual as crianças se dirigirão, quando as palavras se tornarem inadequadas. Portanto, aquelas crianças para quem a oportunidade de aproximação ao mundo da estimulação artística se afigura irrealizável, permanecerão arredadas da dimensão do sonho e da força comunicativa dos objectos à sua volta, num comprometimento significativo do seu desenvolvimento global. Por sua vez, aquelas que vivam num ambiente de estimulação estética, sentir-se-ão sempre estimuladas por tudo aquilo que as rodeia. Desde cedo, incitadas a usar os seus olhos, o seu tacto, a sua audição e os seus sentimentos, reagirão ao mundo de modo sensitivo, serão sensíveis às mudanças e serão maleáveis perante a diversidade de estímulos que virão ao seu encontro (Lowenfeld, 1977:42). 38 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte 2. O papel da expressão plástica no desenvolvimento infantil A promoção de uma educação artística deve permitir que a criança se exprima livremente, através de uma atitude estética que se revela quer na contemplação, quer na criação. Desta forma, consegue-se uma exteriorização de sentimentos, ideias e emoções que têm como reflexo um mundo de múltiplas percepções e vivências. Para a consecução deste objectivo, em muito contribui o domínio da expressão plástica, circunscrita no nosso estudo ao desenho e à pintura, pois, se por um lado, não podemos escamotear o poder que as imagens exercem no mundo actual, por outro lado, a esfera das cores, das formas e das texturas, que se observa ou que se produz num misto de racionalidade e instinto, constituem um meio primordial de estimulação da sensibilidade e do prazer sensorial. Curiosamente, o prazer sensorial manifesta-se com mais intensidade e pureza na infância que na idade adulta, o que legitima a sua exploração em contexto educacional. Há uma diferença significativa entre a actividade plástica da criança ‘cujo dom a controla’ e a do adulto ‘que controla o seu dom’ (Malraux, cit. in Gardner, 1999:86). Embora a criança possa estar ciente que está a produzir algo diferente do adulto, ela não se preocupa com as regras e as convenções. Pelo contrário, o adulto tem nessas regras e convenções as directrizes do seu trabalho ou mesmo os elementos a rejeitar, muitas vezes à custa de um grande abalo psicológico. O próprio Picasso (cit. in Gardner, 1999:85) adverte: Costumava desenhar como Rafael, mas levei uma vida inteira para aprender a desenhar como uma criança. A mesma ideia surge reiterada com Matisse (cit. in Rodrigues, 2002:11): O artista deve ver tudo como se estivesse a ver pela primeira vez. É preciso ser-se capaz de ver pela vida fora como quando em criança víamos o mundo, pois a perda desta capacidade de ver significa, simultaneamente, a perda de toda a expressão original. Todavia, o elo de ligação entre ambos está patente, pois, quer para a criança quer para o adulto, uma actividade artística proporciona os meios para expor e transpor ideias e emoções de grande significado que não se prestam a discussão verbal (Gardner, 1999:86). Para ambos, a criação surge como uma possibilidade de expressar sentimentos, emoções e afectos inerentes a um EU íntimo que se dirige aos outros e, dessa forma, promove o fortalecimento do EU social. 39 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte De qualquer modo, a autenticidade da expressão e a criatividade são duas referências primordiais que o professor deve respeitar e estimular. Por isso, é importante ser sensível aos aspectos mais inesperados da imaginação criadora da criança. No campo das artes plásticas, tanto as obras figurativas como as abstractas devem constituir material de suporte a analisar e, nessa medida, a servir de estímulo à capacidade de interpretação da criança. Os borrões, as manchas ocasionais, as nuvens ou o céu podem ser lugar da projecção do comportamento humano; daí que Leonardo da Vinci aconselhasse os seus discípulos a observarem essas manchas para estimularem a sua capacidade visionária (Rodrigues, 2002:11). Devendo a técnica ser subsidiária da expressão, a qualidade do desenvolvimento global da criança em muito depende da quantidade e qualidade dos estímulos que o educador oferece. Facilmente uma forma abstracta, o azul, uma flor, uma mancha ou a linha do horizonte são elementos sugestivos e desencadeadores da expressão e da criatividade. Trata-se de permitir à criança sentir a forma, a cor ou a linha como elementos expressivos, isto é, carregados de uma simbologia mais implícita que explícita. De um modo geral, a criança manifesta prazer ao desenhar ou ao pintar, através da multiplicidade de materiais e técnicas que o adulto lhe coloca ao dispor. Todavia, a possibilidade de contacto com a obra de arte – em locais a visitar ou em recursos bibliográficos – permite potenciar aquela satisfação, pois passa a ter ao seu alcance novas fontes de inspiração e novas formas de materializar a sua criatividade. Nesta atitude de estimulação da experiência estética da criança, o professor estará a fomentar a expressão livre daquela, o que pesa sobremaneira na vertente afectiva e relacional da criança. Ao ser incentivada a exprimir-se livremente em momentos de contemplação e de criação, intensifica-se a consolidação da sua autoconfiança e da sua auto-estima, o que se traduz numa maior eficácia das relações interpessoais, pois a criança torna-se mais responsável, cooperante e aberta ao outro. Ao cultivar a sua expressão pessoal e ao respeitar a formulação do juízo de gosto dos pares, a criança torna-se capaz de realizar trabalhos individuais e colectivos que são a marca de uma infância livre e feliz (Lowenfeld, 1977:39). Por esta via, entendemos que o desenvolvimento emocional e social surge impulsionado através da arte, em geral, e da expressão plástica, em particular, o que radica numa estimulação preferencial do pensamento divergente – intuitivo, flexível e criativo –, face ao pensamento convergente – lógico, objectivo e concreto, tal como foram analisados por Guilford. Na verdade, é o pensamento divergente 40 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte que caracteriza o espírito de aventura e de fantasia, o pensamento do artista, do sábio, do pioneiro, do inovador, também a forma de pensamento dominante na criança de idade pré-escolar. Digamos que o pensamento divergente é a própria tradução, no plano psicológico, do termo ‘criatividade’ (Clero, 1980:36). Dado que cada ser humano manifesta estas duas formas de pensar complementares, cabe à escola e aos educadores criarem e ampliarem as condições que favoreçam o seu desenvolvimento harmonioso e, nessa medida, a construção integral da pessoa. Ainda que todos os indivíduos sejam potencialmente criativos e a sua criatividade se possa cultivar individualmente e em grupo (Gonçalves, 1991:23), no nosso estudo importa atentarmos na realidade das crianças sobredotadas, independentemente da(s) área(s) em que elas manifestem talento superior. Assim, de acordo com os seus aspectos idiossincráticos genéricos, delineados no capítulo anterior, sobretudo no que concerne ao plano das aprendizagens e da criatividade, às características motivacionais, de liderança e sócio-morais, a expressão plástica permite uma resposta espontânea e livre para as necessidades mais prementes das crianças. Atendendo à concepção apresentada por Renzulli, situamos a expressão plástica como estratégia que confere sentido mais amplo a uma aptidão cognitiva elevada, mas essencialmente à criatividade e ao envolvimento nas tarefas que tão frequentemente identificam o comportamento do sobredotado. Se desenvolver o poder de discriminação em relação às formas e cores, sentir a composição de uma pintura e tornar-se capaz de identificar o que está representado, requer trabalho e motivação do sujeito (Fróis et al., 2000:201), na criança que possui talentos superiores, estas características, na maioria das vezes, já são um dado, mas urgem ser acompanhadas. Por isso, em nosso entender, trata-se de tomar o desenho e a pintura como actividades cujo prazer proporcionado é compatível, por um lado, com a perseverança e a motivação inesgotáveis, e, por outro, com um pensamento sobremaneira criativo e divergente. Todavia, se atendermos às dissincronias mais comuns, evocadas por Terrasier, essencialmente a que se refere ao desfasamento inteligência-afectividade, entendemos mais facilmente o papel da expressão plástica. Como referimos, uma vez que a aptidão intelectual destas crianças em muito ultrapassa o seu equilíbrio afectivo, o seu ego mune-se de certas estratégias inconscientes capazes de libertar, de forma 41 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte disfarçada, tensões e frustrações acumuladas. Entendemos que a compensação emerge preferencialmente na criação plástica como mecanismo de defesa contra a eventual fragilidade psicológica da criança, seja ela real ou apenas sentida; e a projecção surge na contemplação como um reflexo do EU íntimo da criança, a necessitar de análise por parte do adulto. Se considerarmos ainda a perspectiva de Winner, no que concerne às necessidades sócio-emocionais e que contrariam o quadro de saúde psicológica destas crianças, apontado por Terman, então teremos que tomar a expressão plástica como possível actividade de índole ‘terapêutica’: porventura estas crianças poderão encontrar na expressão plástica a forma mais acessível e menos penosa de transferir o seu sofrimento, angústias e ansiedades, essencialmente, por se sentirem incompreendidas por todos aqueles que as rodeiam – família, pares e professores – e, dessa forma, granjear o auto-conhecimento e a superação das dificuldades de adaptação aos contextos socais, em geral, e, ao contexto escolar, em particular. Talvez por aí seja possível esbater (…) a monotonia, a rotina, o desperdício de tempo, a hostilidade dos colegas, a independência rebelde e a atitude de alguns professores (Serra, 2004:25) que frequentemente têm consequências nefastas no desempenho destes alunos. É justamente este o nosso propósito: averiguar o papel da expressão plástica no mundo afectivo e relacional da criança sobredotada e observar o modo peculiar de sobredotação no domínio da expressão plástica, o que, remete, necessariamente, para algumas estratégias susceptíveis de garantir a máxima felicidade para estas crianças. 3. A criança sobredotada no domínio das artes plásticas Do conjunto das crianças que poderão ser identificadas como sobredotadas e para as quais a expressão plástica pode assumir importância crucial na expressão dos seus sentimentos, emoções e afectos, com maior ou menor influência na sua vida relacional, o nosso enfoque vai, neste ponto, para a análise das crianças que manifestam um talento superior no domínio das artes plásticas, designadamente, no desenho e na pintura. Não obstante as dúvidas inerentes à medição e definição do talento artístico, parece estar fora de questão que certas crianças e jovens possuem uma aptidão natural para a competência nas artes. Independentemente das suas habilidades em 42 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte desporto, em relações interpessoais ou de pensamento lógico, demonstram desde cedo um fascínio e uma aptidão para progredir rapidamente nos sistemas de símbolos das várias formas de arte. Daí que, façam esboços e pintem com facilidade, cantem e façam rimas primorosamente (Gardner, 1999:85). Esta capacidade para perceber o mundo visuo-espacial através da sensibilidade à cor, à forma e ao espaço, bem como para realizar transformações nas percepções, permite-nos afirmar, no âmbito da Teoria das Inteligências Múltiplas apresentada por Gardner, e anteriormente analisada, que a criança sobredotada no domínio das artes plásticas apresenta uma inteligência espacial, cujas aptidões se evidenciam, possivelmente em estado combinatório com outras inteligências, sobretudo a ‘cinestésica corporal’ e a ‘interpessoal’. Todavia, como vimos no Capítulo 1, Nilson Machado (cit. in Antunes, 2004:60-61), no prolongamento da teorização acerca da inteligência espacial, situa uma inteligência pictórica, à qual circunscreve as aptidões mais directamente relacionadas com as actividades plásticas, ou seja, inerentes à capacidade para dotar os desenhos e as pinturas de expressão e beleza. No que concerne à identificação da sobredotação neste domínio, Lowenfeld (1977:53) chama a atenção para a necessidade do adulto distinguir claramente entre crianças que possuem dotes raros para os trabalhos de criação artística, e as que, em virtude das suas habilidades especiais, parecem ser bem dotadas. Ainda que as primeiras sejam criativas e tenham facilidade de expressão, as realmente talentosas expressam-se artisticamente sem nenhuma motivação especial e não têm como preocupação criar algo ‘agradável’ ao gosto do espectador, pelo que, muitas vezes, dada a dificuldade de entender a sua arte, o reconhecimento do seu talento não é imediato. Actualmente, a identificação de talentos na área das artes plásticas é realizada com base em critérios específicos, como por exemplo, aqueles que são utilizados pelo Gifted Education Resource Institute, nos EUA, e que consistem em submeter o candidato a um conjunto de quatro desenhos originais – figura humana, natureza morta, paisagem e um desenho de imaginação – feitos com lápis, tinta ou carvão, os quais são posteriormente avaliados por uma equipa de especialistas (Alencar & Fleith, 2001:78). A concepção de outros autores, como Reis & Renzulli (1997:44), aponta para a afirmação de um comportamento dotado (para as artes plásticas) actual e operatório, contrariando a tese de uma natureza dotada. Consideram, assim, que os indivíduos talentosos são pessoas cometidas com o viver, empenhadas na busca de objectivos 43 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte ambiciosos, para quem o esforço pode representar dor ou prazer. Na verdade, de acordo com as biografias dos mais talentosos e criativos, como Leonardo da Vinci, Picasso, Beethoven, Pasteur, estes indivíduos mostraram-se auto-confiantes, curiosos, arrojados, intuitivos, flexíveis, energéticos e indomáveis (Davis, 1991:174275; cit. in Zamith-Cruz & Soares, 2002:41), ainda que os seus resultados escolares nem sempre correspondessem a este nível de sucesso. Todavia, de acordo com a análise de Winner e Martino (2000, cit. in Alencar & Fleith, 2001:78) afigura-se legítimo afirmarmos que a criança sobredotada na expressão plástica é capaz de codificar informação visual de forma aprimorada, de perceber o mundo mais em termos de formas do que em conceitos e manifesta uma memória visual acima da média. São estas qualidades que lhe vão permitir capturar as formas precisas dos objectos, representar a ilusão do volume e da profundidade, desenhar com perspectivas invulgares e explorar o mesmo tema de modo exaustivo. Se atendermos às características do desenho da criança sobredotada, tendo como padrão de comparação os diferentes estádios do desenvolvimento do desenho infantil configurados por Burt14 (1927; cit. in Read, 2001:130-132), algumas generalizações apontadas por Winner15 (1996:91-101) constituem referência essencial na nossa análise. Segundo a autora (1996:91), A aptidão mais importante da criança sobredotada nas artes visuais é a precocidade espacial-visual e motora, que torna possível captar os contornos de objectos tridimensionais para uma superfície bidimensional. Esta aptidão, enquanto a maior parte das crianças rabisca até cerca dos 3 anos, permite à criança sobredotada desenhar formas bem definidas e reconhecíveis por volta dos 2 anos e, enquanto as crianças em idade pré-escolar desenham esquematicamente por adição – por justaposição de formas geométricas – as sobredotadas tendem a desenhar todo o objecto com uma linha de contorno fluida e confiante, com uma grande riqueza de pormenores16 e partindo de um ponto invulgar; 14 Cf. Anexo 1. Winner considera mais adequado designar as crianças com aptidão excepcional para a arte ou para a música “talentosas” do que “sobredotadas”, dado reservar o termo "sobredotado” para o âmbito escolástico. Todavia, na análise do talento superior na área artística nestas verifica que as possuem os três componentes que, na sua perspectiva, identificam a sobredotação – são precoces, caminham ao seu próprio ritmo e manifestam um desejo intenso de dominar os conhecimentos –, pelo que utiliza de modo recorrente o termo “sobredotado”. 16 Cf. Anexo 2. 15 44 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte por exemplo, Picasso (Richardson17, 1991; cit. in Winner, 1996:92) conseguia desenhar um cão, a partir de uma orelha, sem que isso implicasse um decréscimo de velocidade ou de confiança na execução da tarefa. Relativamente à composição do desenho, contrapondo a natural evolução da criança para a simetria – tendência para alinhar objectos ao longo de uma linha horizontal – a criança sobredotada utiliza aquilo a que Rudolf Arnheim (cit. in Winner, 1996:97) chamou “equilíbrio dinâmico”, ou seja, a procura do equilíbrio do desenho, através da distribuição harmoniosa das formas e das cores; por exemplo, uma forma grande do lado direito é, normalmente, compensada com uma mais pequena do lado esquerdo. O desenho da criança sobredotada é ainda singular pela ilusão de realismo que ela consegue em idade anterior àquela que é mais comum, não só pelos pormenores patentes no desenho, mas também pelo recurso às várias técnicas para sugerir a profundidade18 – escorços, ocultação parcial, redução de tamanho, modelagem e perspectiva linear – o que, em situações normais, ocorre preponderantemente no final da infância ou no início da adolescência. Por outro lado, enquanto que a maioria das crianças escolhe quase sempre a mesma orientação das figuras no desenho – frontal ou lateral –, as crianças mais talentosas variam frequentemente a posição das mesmas. Em jeito de conclusão, Winner alerta para a necessidade de interpretarmos as características do desenho da criança sobredotada no âmago do seu meio sóciocultural e das estimulações externas que lhe são proporcionadas pelos seus agentes de socialização, pois estes elementos são condição sine qua non de um talento excepcional artístico ora potenciado ora comprometido. Daí que, tal como afirma Gardner (1999:167-168), Os destinos destas crianças são (…) variados: algumas (como Mozart e Picasso) seguem adiante e tornam-se génios reconhecidos; muitos outros resvalam para o esquecimento ou tornam-se praticantes medíocres de uma especialidade. Por este motivo, ganha sentido a actuação de pais e professores que, uma vez atentos à especificidade dos talentos da criança, artístico ou outros, procura conceber e implementar estratégias adequadas à optimização do seu desenvolvimento global e/ou das suas aptidões expressivas e criativas. 17 18 Um dos biógrafos de Picasso. Cf. Anexo 3. 45 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte 4. Estratégias de Intervenção Tal como vem sendo referido, a realidade específica das crianças e jovens sobredotados exige uma intervenção educativa que tenha em conta as suas necessidades peculiares, de modo a potenciar as suas competências e a evitar possível subaproveitamento, desencadeado por atitudes de desinteresse face às actividades escolares. Portanto, atendendo à necessidade cada vez mais premente de implementar esforços no sentido da prossecução de uma verdadeira escola inclusiva e, concomitantemente, de uma sociedade mais justa, as medidas educativas diferenciadas para as crianças sobredotadas não devem ser esquecidas ou deliberadamente entregues ao critério exclusivo da sensibilidade e da boa vontade dos professores e das escolas. Na verdade, Todas as crianças e jovens têm direito a uma flexibilização das respostas educativas produzidas pela escola de maneira a respeitar as características individuais de cada criança, bem como o seu universo de relações e as circunstâncias próprias do seu desenvolvimento (Paixão, cit. in Ministério da Educação, 1998:4). Infelizmente, as directrizes legislativas do nosso país carecem ainda de investimento convicto na apresentação de estratégias concretas de apoio e atendimento às crianças e jovens sobredotados, sobretudo quando atendemos ao que vem sugerido no Enquadramento Teórico da Declaração de Salamanca (1994:17), nos seguintes termos: O princípio orientador deste Plano de Acção consiste em afirmar que as escolas se devem ajustar a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras. Neste conceito, devem incluir-se crianças com deficiência ou sobredotadas, crianças da rua ou crianças que trabalham, crianças de populações remotas ou nómadas, crianças de minorias linguísticas, étnicas ou culturais e crianças de áreas ou grupos desfavorecidos ou marginais. No domínio nacional, em muito a realidade se distancia daqueles ideais, pois os responsáveis do Ministério da Educação circunscrevem a educação especial e as necessidades educativas às deficiências, dificuldades e vulnerabilidades dos alunos (Miranda & Almeida, 2002; cit. in Miranda & Almeida, 2005:3266). A escassa atenção 46 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte às necessidades dos alunos sobredotados é provavelmente explicada à luz da crença de que estes alunos são, por natureza intrínseca, dotados e, nessa medida, desprovidos de fragilidades e problemas (Tourron & Renyero, 2000; cit. in ibidem). É certo que, muito recentemente, este domínio testemunhou um avanço assinalável, pois, pelo que vem consignado no Despacho Normativo nº 50-2005 (art.5º), vemos reconhecida a necessidade de criar planos de desenvolvimento para alunos que revelem capacidades excepcionais (ponto 2), nas nossas escolas, de modo a prover respostas adequadas àquilo que são, ora as suas idiossincrasias, ora as suas dissincronias. Indica o referido documento (art. 5º, ponto 3) que o plano de desenvolvimento pode incluir, entre outras, as seguintes estratégias: a) Pedagogia diferenciada na sala de aula; b) Programas de tutoria para apoio a estratégias de estudo, orientação e aconselhamento do aluno; c) Actividades de enriquecimento em qualquer momento do ano lectivo ou no início de um novo ciclo. A partir de então, pela via legal, o conjunto das eventuais estratégias a implementar junto dos sobredotados ganha novo impulso e sentido, parecendo deixar margem significativa para o empenho, a autonomia e a criatividade dos docentes – diversificação de metodologias e estratégias – no sentido de adequar o plano de desenvolvimento não só às habilidades ou capacidades superiores de cada criança e às suas áreas fracas, como também ao seu ritmo e ao seu estilo de aprendizagem próprios. De qualquer forma, a actuação das escolas e de cada docente junto destas crianças requer a consideração de muitos dos objectivos gerais que alguns investigadores procuraram definir no âmbito da concepção de programas de atendimento ao sobredotado. Tannenbaum (1983, cit. in Alencar & Fleith, 2001:125), sem descurar o papel deliberativo de cada escola, indica os seguintes objectivos apropriados à maior parte dos programas: 1. Ajudar aqueles indivíduos com um alto potencial a desenvolver ao máximo os seus talentos e habilidades. 2. Favorecer o seu desenvolvimento global, de tal forma que venha a dar as maiores contribuições possíveis à sociedade, possibilitando-lhe, ao mesmo tempo, viver de uma forma satisfatória. 47 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte 3. Fortalecer um auto-conceito positivo. 4. Ampliar as experiências desses alunos em uma diversidade de áreas e não apenas em uma área especializada do conhecimento. 5. Desenvolver no aluno uma consciência social. 6. Possibilitar ao aluno uma maior produtividade criativa. Objectivos idênticos estão patentes numa análise dos vários programas de atendimento ao sobredotado, realizada por Arn e Frierson (1971, cit. in Alencar & Fleith, 2001:125-126), de entre os quais se salientam: 1. Melhores oportunidades para o crescimento académico através da provisão de condições que favoreçam o desenvolvimento de habilidades nesta área. 2. Desenvolver bons hábitos de trabalho e de estudo. 3. Incrementar um clima de aprendizagem que resulte em maior produtividade. 4. Incrementar a motivação. 5. Favorecer o ajustamento pessoal e emocional. 6. Promover o desenvolvimento social. 7. Oferecer melhores oportunidades que atendam ao ritmo individual de crescimento e aprendizagem. 8. Possibilitar a expansão dos interesses. 9. Desenvolver valores estéticos. Ainda que os referidos objectivos testemunhassem uma grande diversidade, estes autores, partindo da análise dos diferentes programas realizados nos EUA, verificaram um enfoque significativo no desenvolvimento de habilidades académicas, em detrimento de outros aspectos, como por exemplo, o desenvolvimento dos valores estéticos e o desenvolvimento social e afectivo (Alencar & Fleith, 2001:126). Mais recentemente19, o interesse pela resposta às necessidades destas crianças e jovens surge reforçado e direccionado para o desenvolvimento de vários domínios: cognitivo, mas também social e afectivo (ibidem). Tendo em conta os objectivos evidenciados por aqueles investigadores, sem descurar o necessário atendimento à diversidade dos talentos individuais, à singularidade de cada criança e à diversidade dos meios de acesso aos conhecimentos, de acordo com a multiplicidade de modelos culturais, sociais ou 19 Nos EUA, em 1983, mais de 1 220 000 alunos talentosos ou intelectualmente superiores encontravamse a participar em programas especiais, o que atesta o interesse crescente em atender estas crianças ou jovens de uma forma adequada (Oglesby & Gallagher, cit. in Alencar & Fleith, 2001:127). 48 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte intelectuais das nossas sociedades (Ministério da Educação, 1998:4), afigura-se-nos, poderem a arte, em geral, e a expressão plástica, em particular, contribuir para uma intervenção mais eficaz e profícua. Para além disso, a fundamentação teórica em torno da importância da expressão plástica para o desenvolvimento infantil, realizada no capítulo anterior, constitui razão para supor que o desenho e a pintura poderão constituir estratégias de enriquecimento benéficas a incluir num possível plano individualizado. Ainda que a aceleração represente uma forma de responder às necessidades do sobredotado, por meio da sua admissão precoce na escola ou do cumprimento em menos tempo, do programa de um determinado ciclo de estudos20, as estratégias de enriquecimento, que consistem na diversificação da oferta de oportunidades educativas no sistema de ensino regular, são as mais comuns, envolvem menos riscos e reflectem uma maior consonância com os ideais da Escola Inclusiva (Alencar & Fleith, 2001:127-141; ME, 1998:21-22; Freeman & Guenther, 2000:109-133). Como defende Hill (cit. in Freeman & Guenther, 2000:124), as actividades de enriquecimento permitem: aumento na capacidade de analisar e resolver problemas, desenvolvimento de interesses mais valiosos e mais profundos; estimulação da originalidade, iniciativa e autodirecção. As vantagens das estratégias de enriquecimento são evidenciadas por Renzulli (1978, 1986, 1994; cit. in Alencar & Fleith, 2001:134-137, Benito & Alonso, 2004C:174) ao propor um modelo de enriquecimento escolar (Modelo de Enriquecimento Triádico/Porta Giratória) constituído por três tipos de actividades associadas – Enriquecimento de Tipo I, que consistem em actividades exploratórias gerais que expõem os alunos a novos campos de conhecimento, dinamizadas por uma diversidade de procedimentos, como palestras, exposições, mini-concursos, visitas, etc; Enriquecimento de Tipo II, constituído pela utilização de métodos, materiais e técnicas que promovem o desenvolvimento de níveis superiores de processos de pensamento (analisar, sintetizar e avaliar), de habilidades criativas e críticas, nas 20 Em Portugal, esta medida foi tornada possível no 1º ciclo do ensino básico no quadro normativo estabelecido conjuntamente pelo Despacho nº6/SERE/88 de 6 de Abril, pelo Dec. Lei nº 319/91, de 23 de Agosto e pelo Despacho nº 173/ME/91 de 23 de Outubro, prevendo-se a possibilidade de cumprimento acelerado do programa do 1º ciclo, assim como o ingresso no primeiro ano do ensino básico a crianças que completem 5 anos até ao início do ano escolar e cuja avaliação psico-pedagógica conclua pela existência de precocoidade excepcional a nível do desenvolvimento global (ME, 1998:21). 49 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte habilidades de pesquisa, de busca de referências bibliográficas e processos relacionados com o desenvolvimento pessoal e social; e Enriquecimento de Tipo III, cujas actividades permitem que os alunos se tornem investigadores de problemas reais e, nessa medida, produtores de conhecimento, em vez de meros consumidores da informação existente. Mais recentemente, Renzulli (1997; cit. in Alencar & Fleith, 2001:134-137) apresentou uma nova proposta de intervenção – Grupo de Enriquecimento – que reflecte uma ampliação das estratégias de enriquecimento anteriores. Consiste em constituir grupos de alunos que partilham interesses idênticos e, em encontros regulares fora do horário escolar, têm oportunidade de desenvolver projectos baseados nesses interesses. Trata-se, assim, de actividades extra-curriculares que promovem o conhecimento avançado numa área específica, estimulam o desenvolvimento de habilidades superiores de pensamento e incentivam a aplicação destas em situações criativas e produtivas (Renzulli, 1997; cit. in Alencar & Fleith, 2001:137) Numa perspectiva teórica idêntica, Freeman e Guenther (2000:127-128) apresentam um conjunto de sugestões para organizar as actividades de enriquecimento21, das quais destacamos as 5ª e 10ª orientações, designadamente, a que se refere à implementação de apoio ao enriquecimento através de clubes e associações da comunidade, e a que propõe a realização de trabalho fora do horário escolar, com especialistas ou professores, através de cursos, projectos ou outras iniciativas. As concepções teóricas até aqui consideradas no âmbito das estratégias de enriquecimento, constituem o fundamento da eventual possibilidade das actividades de expressão plástica, a implementar no contexto escolar de sala de aula ou de situação extra-curricular, darem resposta às necessidades das crianças e jovens sobredotados, a exigir, todavia, novas investigações. Conjecturamos, nessa medida, o possível contributo da dinamização de uma oficina de expressão plástica, para a promoção do desenvolvimento global do indivíduo – cognitivo, afectivo e relacional –, através de um conjunto de actividades que incidam preponderantemente na estimulação das inteligências espacial e pictórica, à luz das directrizes conceptuais de Gardner e Machado, respectivamente. 21 Cf. Anexo 4. 50 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte II PARTE INVESTIGAÇÃO EMPÍRICA CAP. 1 - Aspectos Metodológicos 1. Problemática e questões de investigação Pelo exposto no Enquadramento Teórico, à luz de várias perspectivas e conceitos propostos, concluímos acerca da especificidade do sobredotado, nas vertentes cognitiva, afectiva e social, a exigir medidas concretas de intervenção nos diferentes domínios da sociedade onde esta criança ou jovem se encontra inserido. Todavia, é das escolas, em geral, e dos professores, em particular, que se espera a concepção e a implementação sistemática de um conjunto de estratégias mais eficazes, conducentes a uma vida adaptada e feliz destas crianças e jovens. Não podemos, por isso, ignorar que Quer pelos dons de inteligência, pelos talentos mais variados, quer pelos interesses manifestados desde cedo para este ou aquele campo da vida, da natureza, de máquinas, da beleza e harmonia de formas e expressão artística … ou interesses voltados para relações sociais, organização de grupos para fins os mais variados, ou ainda interesse em produzir riqueza… esses alunos, crianças ou adolescentes, reclamam atenção especial e compreensão por parte dos mestres. (Helena Antipoff, 1973. cit. in Freeman & Guenther, 2000:71) Deste modo, circunscrevemos a problemática do nosso estudo à necessidade de encontrar estratégias concretas que constituam resposta efectiva às necessidades específicas do sobredotado, o que aponta para uma questão essencial: Constitui a experiência estética, enquanto contemplação e criação plástica, resposta possível às necessidades da criança sobredotada na arte? Em virtude da complexidade da referida problemática, esta questão de carácter abrangente poderá desencadear outras de carácter mais específico, como sejam: 51 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte De que forma é que a criança sobredotada no domínio artístico expressa o seu mundo sócio-emocional? Como é que a criança bem dotada nas artes plásticas manifesta a criatividade e a motivação22? Quais as emoções evidenciadas pela criança na experiência estética – contemplação e criação? Qual a especificidade do desenvolvimento relacional da criança sobredotada em situação de experiência estética? 2. Objecto de estudo e objectivos do estudo O nosso estudo incide sobre o vasto domínio da sobredotação com enfoque nas aptidões superiores que se evidenciam no âmbito da experiência estética e com as possíveis ligações ao mundo emocional e relacional da criança sobredotada. Tratase de, pela arte (desenho e pintura), procurar perscrutar em contexto empírico o alcance das propostas teóricas dos vários autores – Renzulli, Gardner, Machado, Winner, Terrasier, Freeman e Guenther, entre outros – acerca das quais fomos fazendo referência ao longo do presente trabalho. A procura de eventuais respostas para as questões anteriormente formuladas visa, essencialmente, compreender a forma peculiar como o sobredotado vivencia, emocionalmente, o seu mundo psíquico e social. Neste sentido, concebendo a arte como um veículo de significados, conceitos, emoções, representações internas e externas, por excelência, pretendemos criar um conjunto de condições ideais, por meio de experiências teórico-práticas, que sejam capazes de clarificar a especificidade das crianças cujos talentos também se evidenciem no campo artístico, naquilo que são as suas necessidades, características, interesses, motivações, afectos, relações, mas, simultaneamente, dificuldades e conflitos. Para além disso, face à ainda probabilidade da identificação, no decurso das sessões, de comportamentos desajustados no que concerne à dimensão afectiva e social de algumas crianças, indagaremos acerca do grau de influência da expressão plástica nestas situações. 22 Alta criatividade e grande envolvimento com as tarefas (para além da habilidade acima da média) constituem, segundo Renzulli, características, que os sobredotados mantêm estáveis ao longo da vida. 52 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Em última análise, pretendemos fundamentar a proficuidade das estratégias de enriquecimento a realizar no contexto escolar, enquanto modelos de intervenção susceptíveis de dar resposta aos interesses e necessidades dos mais talentosos. Ora, como alegam Freeman e Guenther (2000: 123), mediante a estimulação intencional e planeada, os programas de enriquecimento permitem aprofundar o currículo escolar básico das crianças e jovens, naquilo que são os seus conhecimentos, informações e ideias e, desta forma, ampliar a sua compreensão acerca de cada tema, assunto ou área do saber. Todavia, é de salientar que, no âmbito de uma perspectiva interventiva, a implementação da referida estratégia não tem como objectivo único a optimização do potencial cognitivo dos indivíduos; antes, numa perspectiva holística, defendida por Alencar e Fleith (2001:105), pretendemos promover o seu crescimento social e afectivo, de acordo com as competências de relacionamento interpessoal e de conhecimento intrapessoal, num ambiente artístico propício à expressão, à criatividade e à manipulação, susceptível de instauração em qualquer escola do nosso país. 3. Formulação de hipóteses Numa perspectiva que se pretende aberta à possibilidade de vir a encontrar neste estudo conclusões que ora se distanciem ora se aproximem de certas conjecturas, julgamos legítimo formular as seguintes hipóteses: - A experiência estética, pela natureza emocional implícita, pode constituir uma forma de conhecer a realidade afectiva e social da criança sobredotada. - A criança sobredotada no domínio artístico encontra no desenho e na pintura formas de satisfazer, a sua natureza criativa e os seus índices motivacionais, pela via da contemplação e/ou da criação. 4. Delimitação de conceitos A formulação das hipóteses do nosso estudo exige a delimitação de certos conceitos que, muito embora tenham constituído já objecto de análise na parte teórica do presente trabalho, carecem de maior explicitação acerca do sentido em que são evocados e utilizados na investigação empírica. 53 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Por atitude ou experiência estética, entendemos a vivência do ser humano caracterizada por uma predisposição para se emocionar face a seres e situações naturais, bem como a obras produzidas pelo homem, valorizando-as em termos de beleza. A experiência estética envolve uma dimensão cognitiva, ou de captação sensorial dos objectos, e uma dimensão afectiva, ou seja, a vivência de sentimentos e emoções. Desta experiência emocional resulta necessariamente o juízo estético: exteriorização das impressões vividas pelo sujeito durante a contemplação (apreciação) dos objectos belos da natureza e da arte e/ou durante a criação (produção) de objectos artísticos, por meio da criatividade. Por criatividade, entendemos um pensamento de tipo divergente que, de acordo com a distinção de Guilford, se distingue de um pensamento convergente, e apresenta três aspectos essenciais: fluidez (capacidade para descobrir múltiplas soluções), flexibilidade (capacidade para mudar de estratégia na resolução de um problema) e originalidade (capacidade para descobrir novas formas para resolver problemas). Situamos, por isso, o conceito de criatividade no âmago da Teoria dos Três Anéis de Renzulli, segundo a qual, a criança sobredotada revela criatividade através de uma grande curiosidade e de questionamento constante acerca de várias coisas. Por motivação, entendemos, genericamente, o conjunto de forças internas que mobilizam a acção do indivíduo em direcção a determinados objectivos como resposta a um estado de necessidade, carência ou desequilíbrio (Nuttin, 1985:16). Tal como a criatividade, a motivação é circunscrita ao domínio teórico de Renzulli e, assim, a criança demonstra grande motivação por meio de um acentuado envolvimento nas tarefas, necessitando de pouca motivação externa para dar continuidade a um trabalho que lhe agrada. A emoção e a afectividade remetem para o âmbito da expressão dos sentimentos que, normalmente, surgem com elementos cognitivos e psicológicos associados (Feldman, 2001:344). É, por isso, nosso objectivo averiguar a forma como a criança sobredotada na arte expressa aquilo que vivencia intrasubjectivamente. Intrinsecamente ligada aos aspectos anteriores, a sociabilidade traduz, por sua vez, a predisposição do indivíduo para o estar com os outros, numa relação de abertura, cooperação e diálogo. Portanto, no âmbito das necessidades sociais e relacionais da criança sobredotada, trata-se de averiguar a validade das teses que incidem sobre esta problemática, sobretudo, a de Winner. 54 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte 5. Metodologia adoptada Atendendo aos objectivos da nossa pesquisa, a opção metodológica que aqui assumimos possui um carácter essencialmente qualitativo, constituindo-se como um Estudo de Caso, um dos modos de investigação possíveis no domínio das estratégias qualitativas. Consideramos que esta metodologia é a que mais se adequa ao estudo de um fenómeno humano complexo, como aquele que pretendemos estudar – o mundo afectivo-relacional da criança sobredotada no domínio artístico – que urge ser compreendido a partir do seu interior. Ora, segundo De Bruyne et al. (cit. in LessardHébert, 1994: 168), o estudo de caso representa uma abordagem centrada num campo real, porque não construído, aberto e não controlado, uma vez que não é manipulável pelo investigador, sendo que o campo de investigação é analisado a partir do seu interior. Na verdade, este método implica uma análise profunda de um fenómeno individual, que pode ser uma pessoa, uma turma, uma escola, uma organização, e cuja única exigência es que posua algún limite físico o social que lhe confiera entidad (Gómez, 1999:92). É, normalmente, usado em Ciências Sociais e Humanas com o intuito de gerar hipóteses a partir de relações estabelecidas, tentar estabelecer relações causais e explicações para os fenómenos observados, interpretar e avaliar as situações ou seja, de uma forma genérica, explorar, descrever, explicar, avaliar e/ou transformar. Pretendemos, desta forma, adoptar um método de tipo holístico e indutivo, susceptível de nos proporcionar uma análise exaustiva e pormenorizada do fenómeno em estudo, a sobredotação, que, pela sua complexidade própria, requer uma base metodológica de relação entre os dados progressivamente recolhidos e a sua interpretação. 6. Definição da amostra e população alvo Trata-se, assim, de um estudo situado e contextualizado numa amostra de crianças sobredotadas no domínio artístico, previamente identificadas, e com interesse manifesto em participar no nosso estudo, através de aplicação de Ficha de Diagnóstico susceptível de avaliar o grau de motivação das crianças e das suas famílias para as actividades a realizar. O grupo será composto por seis a oito crianças 55 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte de ambos os sexos, que frequentam o projecto Sábados Diferentes na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti, cujas idades podem variar entre os 9 e os 11 anos, o que significa que, maioritariamente, frequentam o 2º Ciclo do Ensino Básico. Assumimos, por conseguinte, que esta pesquisa não procura resultados que possuam um elevado grau de generalização, ou seja, como entendem Bogdan e Biklen (1994: 65-66), que os seus resultados sejam aplicáveis a locais e sujeitos diferentes. Antes, o objectivo primordial prende-se com os significados subjectivos que se patenteiam nas experiências de observação e criação plásticas, cujo alvo é um grupo de crianças já identificadas como excepcionalmente talentosas na vertente artística, ainda que manifestem habilidade superior noutros domínios. 56 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte CAP. 2 - Condições de Realização 1. Estratégias a implementar No sentido de desenvolver a investigação empírica do nosso trabalho e encontrar possíveis respostas para a questão de partida – Constitui a experiência estética, enquanto contemplação e criação plástica, resposta possível às necessidades da criança sobredotada na arte? – propomos a concepção e implementação de uma ‘oficina de expressão plástica’, onde o desenho e a pintura constituam as formas privilegiadas de estimular a fruição e a criação do grupo de crianças que constituem a nossa amostra. No decurso das várias sessões teórico-práticas que pretendemos realizar, não só a contemplação de obras de arte, como também a realização de trabalhos pelas crianças serão objecto de análise/interpretação por meio da formulação de juízos de valor estéticos, no sentido de aferir as suas representações afectivas e sociais. Desta forma, procuramos estudar algumas das características específicas das atitudes e comportamentos das crianças sobredotadas, que foram enfatizadas pelas diversas perspectivas teóricas, no âmbito da criatividade, da motivação, da afectividade, da emoção e da sociabilidade. Para uma intervenção mais estruturada e eficaz, apresentamos no Quadro 1 um plano23 possível, de natureza flexível, ou seja, aberto a reajustamentos e reformulações ao longo de todo o processo, em virtude do carácter dinâmico dos comportamentos em análise e do carácter contínuo da sua avaliação. 23 As áreas a observar – criatividade, motivação, emoção/afectividade e sociabilidade – e as competências gerais são transversais às diferentes estratégias/actividades e às competências específicas. 57 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Oficina de Expressão Plástica para Crianças Sobredotadas na Arte Estimulação das Inteligências Espacial e Pictórica ÁREAS EM COMPETÊNCIAS COMPETÊNCIAS OBSERVAÇÃO GERAIS ESPECÍFICAS Desenvolver Criatividade ACTIVIDADES /ESTRATÉGIAS RECURSOS - Aprender a Actividade 1 Imagens capacidades observar o todo (Anexo 5) em suporte cognitivas, e o particular; Observação/contemplaç de papel e Oficina de afectivas e - Reconhecer o ão dos edifícios mais em suporte expressão sociais valor estético do antigos da cidade do informático plástica em património Porto e registo, em contexto Ampliar a artístico e desenho, dos escolar sensibilidade cultural da sua pormenores captados extra- estética região. AVALIAÇÃO Internet e Actividade 2 observar, computador contemplar e - Compreender a (Anexo 6) 6 Contínua e fruir o mundo representação Contemplação/interpreta sessões reajustável natural e o do rosto humano ção da expressão do Teórico- ao mundo artístico e do olhar como rosto patente nas obras -práticas processo veículo de Gioconda de Leonardo Retroprojec (120 Mobilizar comunicação de da Vinci e O Grito, de tor minutos diferentes expressões, Munch inteligências, emoções e experiências, afectos; Descodificação de conceitos e - Contextualizar expressões e saberes as obras de mensagens em ou cada) Diapositivos em Leonardo da diferentes registos contexto Conhecer as Vinci e Munch; fotográficos do olhar de privilegiado linguagens da - Conhecer a pessoas e animais (projecto expressão corrente plástica expressionista Desenho individual de (desenho e na pintura; um rosto humano que pintura) - Ser capaz de transmita um estado Emoção/Afec tividade DURAÇÃO -curricular Aprender a Motivação LOCAL Sábados representar, emocional e construção Analisar/Interpret através do de um painel de grupo ar criações desenho do com os trabalhos plásticas rosto humano, individuais Diferentes na ESEPFTelas Porto) diferentes Compreender a Sociabilidade expressões. Actividade 3 obra de arte como Conhecer a (Anexo 7) manifestação do técnica cadavre Realização de cadavre mundo exterior e exquis; exquis (jogo gráfico em do mundo - Conhecer o papel dobrado; desenho Pincéis 58 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte interior do movimento individual, mas com criador Surrealista pintura colectiva) Grafite (utilizou a Compreender técnica cadavre Atribuição de título ao mensagens exquis); trabalho e exposição visuais (cor, - Ser capaz de oral por cada grupo da Lápis de forma, textura) resolver um mensagem (código) do cor problema gráfico trabalho realizado Manifestar e partindo de partilhar juízos algumas pistas Contemplação, de valor (traços de interpretação de estéticos ligação); criações plásticas em Canetas de - Realizar cadavre exquis feltro Desenvolver trabalho realizadas por outras formas colectivo de crianças, seguida de personalizadas pintura, formulação de juízos de de expressão e utilizando a cor valor estéticos comunicação como elemento Lápis de de ligação. cera Relacionar-se emotivamente - Conhecer a Actividade 4 com a obra de técnica frottage (Anexo 8) arte (textura por Desenho e pintura em fricção); frottage: Expressar - Conhecer captar a textura de uma sentimentos, obras realizadas superfície irregular ou emoções e com a técnica áspera, numa folha de afectos frottage (Max papel, através da fricção Ernst); com lápis de cera, Mobilizar -Desenhar/pintar pastel ou grafite; diferentes sobre fotocópias e fazer desenho livre Acrílico/ inteligências, de texturas; com pintura a partir do óleo experiências, - Criar uma efeito visual da textura, conceitos e representação atribuindo-lhe um título saberes gráfica a partir Pastel de uma Partilhar impressão Essência dificuldades e visual. de Actividade 5 dúvidas - Conhecer e (Anexo 9) Identificar obras experimentar as Divulgação de obras de arte como diversas realizadas através da manifestações técnicas de técnica de borrão (Miró) de uma cultura borrão e/ou terebentina Aguarela mancha do Exploração da técnica Valorizar o acaso; de borrão e/ou mancha património - Desenvolver a do acaso artístico nacional espontaneidade 59 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte criativa através Produção escrita da do imprevisível; relação possível entre o Conhecer novas - Conhecer trabalho criado e um Papel de técnicas e obras de arte acontecimento marcante desenho materiais de criadas a partir da sua vida pessoal expressão da técnica de plástica borrão. Produzir/criar - Ser capaz de Actividade 6 objectos extrair diferentes (Anexo 10) Papel de pásticos significados da Exploração cenário obra Guernica; (contemplação e Desenvolver a - Sensibilizar interpretação) da expressão para o juízo de simbologia da obra de espontânea valor estético; Picasso Guernica e internacional - Reconhecer na Papel de aguarela Procurar obra Guernica a Reprodução soluções expressão do personalizada da obra originais e mundo exterior e Guernica – exploração diversificadas do mundo da parte/pormenor; para os interior do artista selecção livre de cores e problemas (Picasso); de técnicas Cartão - Conhecer o Escolher contributo de Construir um painel técnicas e Picasso na colectivo de temática instrumentos história da contrária à Guernica com intenção pintura ocidental. expressiva Tesoura - Ampliar o seu Actividade 7 Inventar mundo de Visita a Serralves – casa símbolos/código valores e museu, exposição de 1 sessão s para experiências arte contemporânea e (visita: representar o estéticas no jardim 240m/4h) material artístico âmbito da contemplação da Cooperar nas obra de arte e da tarefas de grupo natureza. Cola Actividade 8 1 sessão Seguir - valorização do Exposição dos trabalhos (Montag. instruções e trabalho realizados pelos alunos Expos.: cumprir normas individual, do durante as sessões estabelecidas outro e do grupo 240m/4h) Cavaletes democraticamen Total: te 8sessões Quadro 1 – Planificação de Oficina de Expressão Plástica para Crianças Sobredotadas no Domínio Artístico. 60 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte 2. Instrumentos de pesquisa, procedimentos e recolha de dados A implementação do plano anterior pressupõe uma aproximação do investigador ao domínio das realizações estudadas, mais concretamente, através do contacto directo com os sujeitos-alvo, por meio de observação participante. Este constitui o recurso metodológico preponderante no nosso estudo, porquanto, tal como considera Woods (cit. in Serrano, 1994:25), é um meio para chegar mais profundamente à compreensão e à explicação da realidade que o investigador quer estudar. Atendendo à perspectiva de Quivy (1998:197), segundo a qual, a validade deste recurso metodológico deverá basear-se, por um lado, na precisão e no rigor das observação e, por outro, no confronto constante entre as observações e as hipóteses interpretativas, decidimos pela utilização e registo de grelhas de observação como instrumento de pesquisa, acompanhada de conversas informais. Dada a complexidade do objecto do nosso estudo, a investigação empírica poderá, eventualmente, ser complementada com a aplicação de outros instrumentos, como questionários e entrevistas semi-estruturadas para as crianças e para os pais. Pelo carácter intensivo que reveste a pesquisa de terreno, sob a forma de um estudo de casos, é necessário que o investigador, à medida que vai procedendo à recolha da informação, através do registo de atitudes e comportamentos nas grelhas de observação, durante as sessões e/ou no final das mesmas, realize, simultaneamente, a interpretação dos dados obtidos. Na verdade, a análise dos dados permitirá proceder à sua organização sistemática com vista a aumentar a sua compreensão e permitir a apresentação de conclusões (Bogdan & Biklen, 1994: 207). Assim, no decurso de várias sessões teórico-práticas direccionadas para o domínio da expressão plástica, as atitudes e os comportamentos das crianças manifestos, não apenas na análise/interpretação de objectos e obras, como também na concepção/criação de trabalhos plásticos, serão objecto de registo em grelha de observação24. Tendo em conta a delimitação conceptual realizada no ponto 4 do Cap. 1 (II Parte), este instrumento visa aferir os aspectos peculiares da criatividade, da motivação, da emoção/afectividade e da sua sociabilidade do grupo que constitui a nossa amostra. 24 Cf. Anexo 11. 61 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte 3. Previsão dos resultados A planificação até aqui delineada, por meio da definição da problemática e da questão de partida, do objecto de estudo, das finalidades e das hipóteses, da metodologia e da amostra, dos instrumentos de pesquisa e procedimentos, e ainda das estratégias de intervenção, pretende servir de base sólida para uma eventual investigação futura. Para além disso, de acordo com as quatro tendências das Ciências Sociais indicadas por Toulmin (cit. in Flick, 2004:26-27), entendemos que, a ser implementada, esta investigação apresenta a marca da oralidade, pois privilegia os processos de comunicação estabelecidos com as crianças; parte de um problema específico, particular, que emerge numa situação determinada; é uma pesquisa localizada, direccionada para as realizações e expressões das crianças; é oportuna, na medida em que a sobredotação representa uma questão educativa pertinente, palco de muitas reflexões e debates, que exige uma competência especializada e eficaz por parte dos educadores. As nossas expectativas prendem-se com a possibilidade de comprovar a exequibilidade de estratégias de enriquecimento na escola, ou fora dela, para as crianças sobredotadas, através da concretização futura da parte empírica da nossa investigação e, nessa medida, alcançar uma maior compreensão do mundo dos afectos e das relações destas crianças, o que poderá conduzir a tentativas de minimização de eventuais problemas de algumas crianças neste domínio. Perante a possibilidade de concretizar o nosso plano de investigação empírica, estamos conscientes da dificuldade inerente à constituição da amostra (crianças sobredotadas no domínio artístico) e da necessidade de reformulação de objectivos/estratégias, decorrente do contacto com as crianças e as suas famílias. Em última análise, dado cada criança ser uma realidade única e singular, a comprovar-se pela complexidade inerente ao estudo de qualquer fenómeno humano, as nossas pesquisas poderão enfrentar alguma dificuldade na elaboração de conclusões que se pretendem claras e fidedignas, o que requer, necessariamente, o contributo de investigações e intervenções futuras de maior alcance. 62 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte Considerações Finais A problemática que nos propomos estudar – sobredotação – pelas diversas análises teóricas que dela se procuram apropriar, encontra-se envolta de dúvidas, interrogações e acesos debates. Por este motivo, percebemos a necessidade de tomar esta pesquisa como um mero ponto de partida de renovadas análises e de contínuas investigações, numa atitude profunda, insatisfeita e séria, capaz de confrontar-se com uma multiplicidade de perspectivas e aproximar-se o mais possível de um quadro explicativo coerente. Todavia, para lá do confronto de teorias que conferem significativa complexidade à abordagem especulativa da sobredotação, o domínio práxico da implementação de estratégias, ou seja, das respostas adequadas às idiossincrasias e dissincronias destas crianças ou jovens, parece surgir ainda carregado de cepticismo e envolto em falso espírito de abertura e iniciativa. Por este motivo, é nossa intenção poderem o presente trabalho e eventuais investigações empíricas constituir uma ínfima parte de uma iniciativa que se deseja conjunta, inter e multidisciplinar, em suma, capaz de contribuir para que a escola se transforme em factor de coesão social e seja a instituição chave para a integração ou a reintegração, podendo assim a educação básica tornar-se passaporte para a vida para todas as crianças e jovens. (Teresa Vasconcelos, cit. in Ministério da Educação, 1998:4) Em suma, constituirá nossa intenção sensibilizar os diferentes agentes de socialização destas crianças, sobretudo os docentes, para o cumprimento inalienável do seu papel: conceder a cada criança um feixe de possibilidades que lhe permita realizar o seu potencial, conhecer as características cognitivas, afectivas e sociais de cada criança, para poder agir de um modo diferenciado e, deste modo, permitir uma felicidade vivida no presente, mas projectada num futuro que é de TODOS. 63 A Arte na Sobredotação e a Sobredotação na Arte BIBLIOGRAFIA ALENCAR, M. L. S., FLEITH, D. S. (2001). Superdotados: Determinantes, Educação e Ajustamento. São Paulo: EPU. ALMEIDA, L. (1994). Inteligência: Definição e Medida. Aveiro: Centro de Investigação, Difusão e Intervenção Educacional. ANTUNES, C. (2005). Juegos para Estimular las Inteligências Múltiplas. Madrid: Narcea, S.A. Ediciones. ANTUNES, C. (2004). 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