EDMUND HUSSERL FILOSOFIA DA LINGUAGEM E EPISTEMOLOGIA Resumo baseado em Edmund Husserl, V. Vellarde-Mayol, W. Künne e, especialmente, em Wolfgang Stegmueller: Correntes Fundamentais da Filosofia Contermporânea, vol. 1 1.DISTINÇÕES ONTOLÓGICAS Para começar, vejamos as respostas possíveis ao problema dos universais (class. W. Stegmüller): 1) REALISMO DOS UNIVERSAIS a) Universalia ante res: Além do mundo espaciotemporal existe um mundo dos seres ideais, a segunda esfera do ser (realismo platônico) b) Universalia in rebus: As idéias existem, mas seu modo de ser não é independente do real; elas se “expressam” nos seres reais concretos (realismo aristotélico) 2. CONCEITUALISMO: a) Coisas universais no pensamento: No mundo real só existem indivíduos. Mas dispomos de nomes de universais como ‘triângulo’, ‘árvore’. Para tal precisamos abstrair dos muitos objetos características universais, com algum esforço formando conceitos como o de “triângulo universal”, que não é nem retângulo, nem escaleno, nem equilátero... Mas que é tudo isso e nada disso ao mesmo tempo (Locke). b) Conceitos abstratos Ao lado dos particulares também podemos significar universais, sendo que essa significação não deve ser reduzida à abstração de características singulares, como pensava Locke, sendo uma forma essencialmente nova de enfoque mental (Husserl). Para Husserl a sua existência é garantida pela evidência. 3) POSIÇÕES ENTRE CONCEITUALISMO E NOMINALISMO: Formamos conceitos universais pelo pensamento de coisas singulares e concretas de forma mais ou menos indeterminada. Mas os nomes que se referem a abstratos não são conceitos, mas puras ficções (Brentano) 4. NOMINALISMO (Não existe nenhum conceito universal, apenas palavras universalmente empregadas, que simulam a existência de conceitos universais, quando na verdade dispomos apenas de representações singulares.) a) A significação universal como ação da atenção: Pela ação da atenção destacamos de um objeto uma característica, por exemplo, o “vermelho” e a ligamos a uma palavra. Pela associação assim adquirida empregamos o mesmo signo em toda a parte onde surgir a mesma característica do objeto, dando assim à palavra significação universal (Mill). b) A universalidade como função representativa de uma única representação singular. Uma representação singular pode representar todas as outras da mesma espécie. Ex.: para provar um teorema um geômetra emprega um triângulo singular desenhado no quadro. A demonstração é universal porque esse triângulo singular representa todos os outros. A universalidade não está, pois, em um conceito próprio, mas na relação do singular com a soma das singularidades iguais (Berkeley) c) A universalidade como classe de semelhanças Nem numa coisa individual existem características (cor, forma etc). Na representação de uma coisa determinada entram na consciência outras coisas semelhantes, e a coisa representada incorpora-se a determinadas classes de semelhanças, sendo que apenas essas classes existem propriamente. Devido à incorporação de uma representação individual em tais classes de semelhança, esta pode valer como representante universal (Hume). Husserl rejeita tudo o que é ou se aproxima do nominalismo: Eles cometem o erro metodológico de não começar com a análise descritiva do fenômeno, mas com a abstração. Se digo “Quatro é um número par” julgo sobre a espécie universal 4 e não sobre esse ou aquele quatro... E a verdade evidente de que é par prova a existência do universal quatro. Locke não viu que a idéia universal de triângulo, a triangularidade, que é possuida por cada triângulo, não é ela própria a idéia de um triângulo. Mesmo que pensado de forma indeterminada, o singular permanece singular, e a característica singular destacada através da atenção, permanece singular... A “semelhança” demanda explicação e a “igualdade” é sempre igualdade de espécie, de modo que a cobra nominalista morde o seu próprio rabo. ----- Logo existem conceitos universais! 2. FENOMENOLOGIA DA CONSCIÊNCIA EXPRESSÕES são signos significativos, que diferem de signos meramente indicativos (ex: ossadas fósseis são signos indicadores de animais antediluvianos). No discurso os complexos fonéticos articulados tornam-se significativos através de ATOS que lhe dão sentido, tornando-os EXPRESSÃO que exprimem a INTENÇÃO. Assim, EXPRESSÃO E SIGNIFICAÇÃO são conceitos correlativos, pois um signo sensível só se torna expressão através de ATOS DOADORES DE SENTIDO. DISTINÇÃO IMPORTANTE: 1) Há primeiro os ATOS OU INTENÇÕES DE SIGNIFICAÇÃO, que são essenciais à expressão. (Bedeutungsintentionen) 2) Depois vem atos inessenciais à expressão, mas que tem a função de PREENCHER A INTENÇÃO DE SIGNIFICAÇÃO COM UM CONTEÚDO CONCRETO maior ou menor: as IMPLEIÇÕES DE SIGNIFICAÇÃO ATOS PREENCHEDORES DE SIGNIFICADO. (bedeutungserfühlenden Akten) Com esse último ato saímos da contemplação da representação para dirigirmos nosso interesse ao objeto que é visado pela intenção de significação que aparece na expressão. A SIGNIFICAÇÃO permanece a mesma intemporalmente, independentemente do contexto no qual é pronunciada: é IDEAL-ATEMPORAL, Ex: “Napoleão foi vencido em Waterloo”. Mas... O OBJETO precisa ser diferenciado da SIGNIFICAÇÃO, e a EXPRESSÃO SEMPRE É DIRECIONADA A UM OBJETO. A diferença entre sentido ou significado e objeto manifestase principalmente em nomes que tem sentidosignificado diferente, mas se referem a um mesmo objeto, como por exemplo ‘triângulo equilátero’ x ‘triângulo equiângulo’. o termo “CONTEÚDO” é triplamente equívoco pois pode exprimir: 1) O SENTIDO VISADO (a INTENÇÃO DE SIGNIFICAÇÃO, Bedeutungsintention) 2) O SENTIDO de PREENCHIMENTO (a IMPLEIÇÃO DA SIGNIFICAÇÃO) (Bedeutungserfühlung) 3) O OBJETO VISADO Husserl distingue três sentidos de ‘consciência’: 1) CONSCIÊNCIA TOTAL: Entrelaçamento das vivências psíquicas empiricamente verificáveis no fluxo das vivências. 2) PERCEPÇÃO INTERNA das próprias experiências (autoconsciência). 3) CONSCIÊNCIA DE ALGO: A designação que resume todos os atos psíquicos ou vivências intencionais. É nesse último sentido que Husserl fala de consciência: A essência da INTENÇÃO é que com ela um OBJETO é INTENCIONADO/VISADO sem se encontrar ele próprio na consciência......................................................................... O que importa é o ATO INTENCIONAL, a VIVÊNCIA DO SIGNIFICAR. O OBJETO INTENCIONAL transcende essa vivência e pode faltar sem que ela se altere! Distingue-se de Brentano ao admitir que sensações reais são apreendidas por atos intencionais dirigidos ao objeto e animadas pelo objeto. Assim, a mesma coisa que, em relação a um objeto, forma uma representação intencional, em relação à sensação é uma apreensão, interpretação ou apercepção objetiva. As sensações são VIVIDAS, mas não aparecem objetivamente, elas NÃO SÃO PERCEBIDAS. Ex: se vejo um lápis vermelho, não vejo a sensação de vermelho que tenho, mas a cor vermelha externa. Nas VIVÊNCIAS INTENCIONAIS (que de muitas maneiras estão unidas entre si em atos totais) podemos distinguir como aspectos abstratos, em oposição ao OBJETO INTENCIONAL, três coisas: a MATÉRIA INTENCIONAL, a QUALIDADE INTENCIONAL e a ESSÊNCIA INTENCIONAL. X OBJETO INTENCIONAL 1)A MATÉRIA INTENCIONAL não significa o objeto QUE é intencionado, mas o objeto COMO é intencionado. As diferenças de matéria com mesmo objeto intencional produzem diferenças de significação ou sentido como: ‘triângulo equiângulo’ e ‘triângulo equilátero’. Como a matéria do ato é uma relação com o objeto Husserl também a chama de SENTIDO DE APREENSÃO do objeto! 2) As diferenças das espécies de atos dão origem a diferenças de QUALIDADE INTENCIONAL Que caracterizam um ato como sendo de REPRESENTAÇÃO, JUIZO, SENSAÇÃO... A matéria pode alterar-se mantendo a mesma qualidade (ex: juízos de diferentes conteúdos) e a qualidade pode alterar-se mantendo a mesma matéria (ex: intenção representativa, judicativa, volitiva com relação a um mesmo objeto). A MATÉRIA + QUALIDADE do ato = ESSÊNCIA INTENCIONAL A essência significativa é a essência intencional do ato que pode conferir significado à expressão. Atos podem dirigir-se ao objeto de modo UNIRRADIAL, que ocorre no caso de simples percepções ou representações, ex. é o nome próprio ‘Juan’ que simplesmente aponta para o objeto ou PLURIRRADIAL (sintético), que ocorre no caso de predicações. Atos plurirradiais podem ser transformados em atos unirradiais Atos sintéticos podem ser modificados em unirradiais: Ex. ato sintético: “Juan está passando”, pois várias representações são colocadas em relação entre si, deixando de lado a qualidade do juízo, Mas se digo “Juan, que está passando, vem direto da praia”, a expressão ‘Juan, que está passando’, é um simples NOME, cujo entendimento não se realiza em uma consciência sintética, mas em um ato intencional simples do sujeito. No último caso temos proposições que funcionam como NOMES DE ESTADOS DE COISAS (atos nominais, unirradiais), enquanto no primeiro elas são ENUNCIADOS SOBRE ESTADOS DE COISAS (atos proposicionais, sintéticos). Como a qualidade permanece a mesma, a mudança é apenas na matéria. ......................................................................... Mas a própria qualidade também pode variar: Se digo “Juan, que está passando...”, Juan é entendido como EXISTENTE (crença no SER, afirmação de SER). Mas essa crença pode ser NEUTRALIZADA (suprimida) em atos nos quais o ser representado permanece em suspenso, deixa de ser acreditado como real: “Imagine que Juan esteja passando”. Husserl chama tudo isso usando o conceito genérico de ATOS OBJETIVANTES... 2. FENOMENOLOGIA DO CONHECIMENTO Os mais diversos atos podem ser expressos em palavras, ex: ‘Eu desejo que...’, ‘Maria está passando na rua...’ e o ouvinte entende sem sequer olhar para a rua... O que torna a expressão INTELIGÍVEL é a: INTENÇÃO DE SIGNIFICAÇÃO Contudo só a própria percepção confere PREENCHIMENTO COMPLETO ao ato: Aqui o ato que apenas confere, significação, o ato puramente significativo, i.e. A PURA INTENÇÃO DE SIGNIFICAÇÃO FUNDE-SE com a INTENÇÃO QUE PREENCHE O SENTIDO em uma UNIDADE ESTÁTICA DE... COINCIDÊNCIA! Mas esse PREENCHIMENTO também pode se realizar DINAMICAMENTE: Quando a uma INTENÇÃO que no início funciona de maneira puramente simbólica se junta mais tarde uma INTUIÇÃO CORRESPONDENTE: Aqui a intenção originariamente vazia alcança a sua meta. Aqui a VIVÊNCIA DO PREENCHIMENTO, do lado do ato, corresponde à VIVÊNCIA DA IDENTIDADE do lado do objeto, ou seja, a consciência de que o objeto pensado e o objeto intuído são idênticos. A IDENTIDADE objeto pensado = objeto intuido é portanto o algo objetivo que se manifesta no ATO DO PREENCHIMENTO. Percepções e intenções vazias, assim como imaginações que se aproximam do intuitivo (imagens de representação) enquanto intenções parciais podem unir-se em intenções totais. Como assim? Ex: Se vejo um objeto colorido diante de mim, a sua face dianteira me é dada concretamente, certas faces de modo imaginativo, outras de modo puramente signitivo. Mas se viro o objeto, as intenções imaginativas e signitivas se transformam em intuições, enquanto o que era dado de modo intuitivo transforma-se no intencionado nãointuitivo. O ganho e a perda da intuição se mantém em equilíbrio. A contrapartida do PREENCHIMENTO é o CONFLITO: conflito entre intenção de significação e preenchimento. (O conflito total é impossível, pois nesse caso seriam intencionados dois objetos distintos). Assim, o que existe é decepção + coincidência parciais. Assim, se digo “Alfafa é azul” e posteriormente se evidencia que “Alfafa é vermelho”, embora haja conflito, não há conflito quanto ao objeto ‘Alfafa’, com respeito ao qual coincidem intenção e intuição. A diferença entre intenção e preenchimento de significação diz respeito só à MATÉRIA, não à qualidade do ato. O ato de preenchimento leva a intenção para perto da coisa, mas não muda a matéria do ato. Com base nisso Husserl distingue 4 conceitos de verdade: 1)O conceito de verdade pode ser entendido como o estado de coisas objetivo correspondente à SÍNTESE DO PREENCHIMENTO: A CONCORDÂNCIA PLENA ENTRE O INTENCIONADO E O DADO, QUE É VIVIDA COMO EVIDÊNCIA. 2) Como essência ideal, a verdade é A IDÉIA DA ADEQUAÇÃO ABSOLUTA, no caso da relação ideal de coincidência entre essências cognoscitivas e atos coincidentes. 3) Também o PRÓPRIO OBJETO DADO pode ser chamado de VERDADEIRO, porquanto confere preenchimento à intenção, sendo vivido como tornando-a verdadeira. 4) Finalmente, o conceito de VERDADE concerne à JUSTEZA DA INTENÇÃO, que existe quando nela a coisa é intencionada assim como efetivamente é. CONHECIMENTO SENSORIAL E CATEGORIAL Conhecimento sensorial e categorial: Geralmente se pensa que só existe a intuição do individual. Mas se o ideal do conhecimento é a intuição plenamente adequada, como é possível o conhecimento universal evidente? A intuição individual nunca nos leva a isso. Que duas cadeiras mais duas cadeiras dão quatro cadeiras não nos leva à intuição de que: 2 + 2 = 4. Daí tem de haver uma FUNÇÃO CATEGORIAL... 1) O preenchimento intuitivo não é só da coisa concreta, mas também do ser expresso pela cópula ‘é’, e da significação das palavras formais como e, ou, não, um... Se vejo diante de mim um lápis vermelho, permanece um excesso de significação que não encontra confirmação no fenômeno da coisa... 2) Esse excedente de significação que se estende para além do dado individual-intuitivo aparece ainda mais claramente nos enunciados gerais, pois aqui não é visado o particular, que só aparece como exemplo do universal visado. Assim, em proposições como ‘F é P’ existem, ‘Todo F é P’... Apenas às significações indicadas pelas letras símbolos F, P... podem corresponder impleições na percepção. Daí que além da MATÉRIA DO REPRESENTAR, há intenções de significação que não são preenchíveis na intuição e são designadas por isso FORMAS DAQUELA MATÉRIA. Conclusão: Além da percepção sensível, deve haver uma PERCEPÇÃO CATEGORIAL, QUE POSSIBILITA o PREENCHIMENTO COGNITIVO DOS CONCEITOS GERAIS CATEGORIAIS! Para Husserl essa suposição é legítima, posto que temos conhecimento evidente dos universais! Logo, além da percepção no sentido estrito, existe uma percepção no sentido amplo, referente a OBJETOS CATEGORIAIS ou IDEAIS. O resultado disso é a passagem para o MÉTODO FENOMENOLÓGICO... Já sabemos que existem conhecimentos de essencialidades que se realizam em intenções preenchidas, não-vazias, de essências universais. Mas como chegar a elas? R: o método da REDUÇÃO FENOMENOLÓGICA (Em Meditações Cartesianas). 1) É irrelevante se os atos estão em relações com existentes ou não. Posso alcançar a essência do vermelho só pela imaginação... Daí que todo o mundo natural pode ser excluido, SUSPENSO, para ficarmos no reino das essências puras... Assim, o mundo da POSIÇÃO NATURAL deve ser POSTO ENTRE PARÊNTESES. Esta é a EPOCHÉ FENOMENOLÓGICA! Em suma: NÓS INTUIMOS O UNIVERSAL, TEMOS UMA INTUIÇÃO CATEGORIAL, embora fundada em atos de percepção real-sensível ou representação... Enquanto em Kant os conceitos supremos da razão são formas vazias não intuitivas, em Husserl é possível EM RELAÇÃO AO UNIVERSAL UMA INTUIÇÃO QUE PREENCHE A INTENCIONALIDADE (intuição intelectual). QUATRO MOMENTOS SUCESSIVOS DA EPOCHÉ: Implica na suspensão da ATITUDE NATURAL necessária às preocupações da vida cotidiana, ao MUNDO DA VIDA (Lebenswelt) 1) EPOCHÉ HISTÓRICA: abstração do conhecimento comum, científico, religioso... 2) EPOCHÉ EXISTENCIAL: abstração de todos os juízos de existência, inclusive aqueles dos quais existe evidência absoluta, como a existência do eu. 3) Distinção entre fato (factum) e essência (eidos) corresponde à REDUÇÃO EIDÉTICA, através da qual passamos, por exemplo, desse vermelho individual, à essência do vermelho, deste homem individual hic et nunc à essência homem. 4) Com esta distinção cruza-se a distinção real-irreal: a ela corresponde à REDUÇÃO TRANSCENDENTAL, através da qual os dados da CONSCIÊNCIA INGÊNUA tornam-se fenômenos transcendentais da CONSCIÊNCIA PURA. Essas duas últimas reduções podem ser realizadas de forma isolada: - Se for empreendida somente a REDUÇÃO EIDÉTICA, chega-se ao EIDOS TRANSCENDENTE, que é o objeto da ONTOLOGIA. - Se for emprendida somente a REDUÇÃO TRANSCENDENTAL, somos conduzidos ao FACTUM TRANSCENDENTAL, ou seja, à METAFÍSICA. Com este último passo chegamos ao que resta após o aniquilamento do mundo, que é A ESFERA ABSOLUTA DO EU PURO ou da CONSCIÊNCIA PURA, onde se dá a fenomenologia pura das essências e vivências encontradas na esfera do absoluto!!! Agora volta-se Husserl para a tarefa de uma fenomenologia pura das essências, das vivências encontradas na ESFERA DO ABSOLUTO em sua obra “Idéias para uma fenomenologia pura”. Aqui ele faz fenomenologia de atos como recordação, vivência do tempo, integração dos atos teóricos no mundo das vivências emocionais, vivências de valor etc. etc. Husserl chama aqui NOESE DE ATO ao aspecto que vivifica o componente real, não-intencional, da vivência, ou seja, a MATÉRIA (HYLÉ). E o aspecto objetivo produzido através dela é o NOEMA DO ATO. NOESE DO ATO >-------- NOEMA DO ATO Enquanto a matéria e a NOESE representam partes reais da vivência da consciência, o NOEMA não, embora ainda pertença à vivência! Ex: o NOEMA da percepção de uma árvore é a “árvore percebida”, que não chega a ser um elemento real da percepção da árvore quanto árvore, enquanto algo independente em relação à consciência. Pois enquanto produto formado pela NOESE do ato, o noema permanece sempre relativo à consciência (não tem folhas etc.). Pois enquanto a árvore real pode queimar o noema pode permanecer inalterado em consequência, por exemplo, de uma alucinação... Se os sentidos das vivências nada mais são do que o mundo em sua totalidade, e se trata de analisá-las, coloca-se então a questão da delimitação das várias regiões do SER. Cada uma dessas regiões, a natureza, a humanidade, a história... Passa a ser objeto de uma ciência apriorística da essência a ela referente, de uma ONTOLOGIA MATERIAL, que deve ser fundamento da ciência empírica que ocupa uma REGIÃO, que é um gênero supremo de certo tipo de essência material. Exemplos de ESSÊNCIAS MATERIAIS são cor, extensão... Essas ontologias regionais investigam categorias como causa, espaço derivando axiomas regionais. Acima delas está a ONTOLOGIA FORMAL, como ciência ainda mais fundamental, que destaca todas as categorias formais últimas e proposições universais evidentes, gêneros supremos do ser, que são formas lógicas vazias... As essências formais são coisa, propriedade, relação, estado de coisa, conjunto Um número, por exemplo, não é um gênero do ser, mas uma dessas formas vazias. E assim vai Husserl, estabelecendo relações cada vez mais complicadas... Em todas essas classificações, contudo, deve-se ter sempre em mente a distinção entre SIGNIFICAÇÕES (CONCEITOS) e OBJETOS INTENCIONAIS (ESSÊNCIAS) 3. FENOMENOLOGIA E FILOSOFIA TRANSCENDENTAL Com seu método de redução Husserl operou uma guinada em direção ao IDEALISMO TRANSCENDENTAL, Pois a colocação entre parênteses só faz restar como resíduo a CONSCIÊNCIA PURA, que é ABSOLUTA e não precisa de nada de real! Embora o EGO TRANSCENDENTAL seja independente em relação ao ser, TODO ENTE É RELATIVO À ESSA CONSCIÊNCIA PURA, a essa âncora, a qual, embora irreal, representa uma REALIDADE DE PRINCÍPIO, e portanto uma transcendência na imanência do fluxo das vivências, que constitui todos os entes em geral, e em particular as vivências empíricas... “O Eu transcendental é o lugar originário, a fonte primeira de todo o significado e verdade.” Sobre o idealismo transcendental de Husserl é preciso notar que tudo é imanente à consciência, nada existindo fora. A exterioridade só existe no sentido de nos ser dada de modo ASPECTUAL, por variações de MATIZES segundo determinadas LEIS. Se vejo uma árvore real lá fora, não significa que há um X lá fora que provoca em mim esses conteúdos de consciência, mas que esse conteúdo está enquadrado, de acordo com LEIS, em um horizonte potencialmente ilimitado de MANIFESTAÇÕES E MATIZES SEMPRE NOVOS. Todo o mundo nada mais é do que a síntese de todas as variações de manifestações e matizes, e esse sistema total de coisas que se nuanceiam é sempre relativo à CONSCIÊNCIA TRANSCENDENTAL. 5. AVALIAÇÃO A obra foi imensamente encorajadora para Heidegger, Sartre, Ponty etc. e há análises particulares interessantes e sugestivas... 1) Mas em muitos casos ele está simplesmente traduzindo gramática para o reino das significações. 2) Husserl pretende provar que o nominalismo é falso pela evidência de que todo predicado “está por algo”, um objeto: ex: a cavalidade. - Mas segundo o argumento nominalista este é precisamente o erro do platonismo, confundir predicados com nomes próprios. 3) Se reconhecemos que os argumentos para garantir as essencialidades universais são insustentáveis, então não faz mais sentido falar da intuição das essências, não se pode mais garantir a existência dessas essências! 4) Trata-se de um método para alcançar uma METAFÍSICA ESPECULATIVA E MÍSTICA, que não se harmoniza com as exigências de cientificidade e verdadeiro rigor. 5) Quanto à redução transcendental, EMPIRISTAS ATUAIS NEGAM qualquer sentido à noções como EU PURO, CONSCIÊNCIA PURA, que contém apenas CONCEITOS APARENTES. 6) A própria importância da intencionalidade, como se “braços invisíveis se esticassem a partir do Eu para os objetos”, pode ser criticada... 7) Nessa filosofia aquilo que parecem ser descrições simples são na verdade imagens figuradas analógicas que nada tem de evidente... 8) Muitas distinções sem diferenças... 9) Strawson sobre Kant: grandes insights acompanhados de grande mistificação...