UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I CURSO DE PEDAGOGIA – ANOS INICIAIS Carolina Damascena Ferreira A LUDICIDADE NA ALFABETIZAÇÃO: REFLEXOS DE UMA EXPERIÊNCIA DOCENTE LÚDICA Salvador 2011 CAROLINA DAMASCENA FERREIRA A LUDICIDADE NA ALFABETIZAÇÃO: REFLEXOS DE UMA EXPERIÊNCIA DOCENTE LÚDICA Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Prof.ª Tânia Regina Dantas. Salvador 2011 FICHA CATALOGRÁFICA: Sistema de Bibliotecas da UNEB Ferreira, Carolina Damascena A ludicidade na alfabetização: reflexos de uma experiência docente lúdica / Carolina Damascena Ferreira . – Salvador, 2011. 57f. Orientadora: Profª. Tânia Regina Dantas. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia. Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2011. Contém referências, apêndices e anexos. 1. Ludoterapia. 2. Alfabetização. 3. Jogos educativos. 4. Prática de ensino. 5. Crianças Recreação. I. Dantas, Tânia Regina. II. Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Educação. CDD:371. 397 CAROLINA DAMASCENA FERREIRA A LUDICIDADE NA ALFABETIZAÇÃO: REFLEXOS DE UMA EXPERIÊNCIA DOCENTE LÚDICA Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia do Departamento de Educação da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da Prof.ª Tânia Regina Dantas. Salvador, ____ de __________________ de 20____. BANCA EXAMINADORA ___________________________________________ Prof.ª Tânia Regina Dantas Universidade do Estado da Bahia ___________________________________________ Prof.ª Claudia Sisan Universidade do Estado da Bahia Dedico esse trabalho aos meus primeiros alunos do coração: Antônio Fernando, Alice, Cailane, Carlos Augusto, Hadassa Ester, Luana e Thiago, por serem eles as pessoas mais significativas dessa história e por isso os únicos merecedores dessa produção. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por tudo que é inexplicável e imaterial por acreditar com verdade que Ele é o único responsável por isso. Então, meus primeiros agradecimentos vão para Ele por me fazer enxergar que tenho capacidade para me superar diante de desafios novos e assustadores. Aos meus pais eu agradeço simplesmente por serem os meus pais e cuidarem de mim tão bem e do jeito que só eles podem cuidar. Assim, em casa eu tive sempre a segurança e a tranqüilidade necessárias para me concentrar nos estudos. E ao meu irmão pelo conforto e praticidade do notebook emprestado. A minha Madrinha pela “olhadinha”. A Diretora da Escola Cri-Arte, Soraia Guerra, eu agradeço por permitir que eu vivesse, em um ano de trabalho, uma experiência de amplo aprendizado e intensas emoções que resultaram nesse trabalho monográfico. Não poderia deixar de agradecer aos meus alunos queridos por deixarem o processo de pesquisa e de escrita emocionante. A Profª Tânia Regina Dantas por me orientar com conhecimento, sugestões e “dicas” que me fizeram evoluir de “verdinha” para um pouco mais “madura”. Também pelas palavras positivas que me deram auto-confiança e gás para continuar e quanto àquelas palavras difíceis de ouvir, eu entendo que elas foram necessárias para me dizer que eu posso e preciso fazer cada vez melhor. A uma Amiga que antes de ir à tão longe teve a atenção de dar aos amigos “dicas” e recomendações passo a passo sobre como escrever uma monografia sem desespero. A Irmã pela companhia nas „madrugadas de escrita‟; sozinha eu não resistia. A minha „Drupa‟ pelas palavras divinas. A todos os colegas da turma por viverem o mesmo processo e por isso me fizeram sentir que eu não era a única. E aqueles que, mesmo longe e em sua breve e virtual presença acreditaram em mim, na minha capacidade, e por isso me disseram palavras de elogio e incentivo. Enfim, todos esses, cada um com sua específica contribuição nesse processo, foram importantes, fundamentais e indispensáveis. Obrigada! Hoje eu vou sair de cena, Me livrar da minha dor; Exorcizar E lembrar que vale a pena Rir de tudo, me benzer, escapar Sem razão, sem pensar Só viver sem ter hora pra chegar E caminhar ao sol, Encontrar alguém, Me deixar levar Se o meu dia for assim Tá tudo bem! Enganei minha saudade Com história que só eu sei inventar Fantasiei a realidade Não me importa onde isso tudo vai dar.... Sem razão, sem pensar Só viver [...] E me deixar levar, Se o meu dia for assim Tá tudo bem! Flavio Venutes / Pedro Mariano RESUMO São abundantes temas que nomeiam estudos e trabalhos acadêmicos que abordam o lúdico e a ludicidade na educação, promovendo, assim, uma discussão temática a partir de concepções teóricas. Tendo a ludicidade como título, essa monografia é mais um trabalho acadêmico que se soma a esse conjunto farto, portanto ela também faz um estudo acerca do lúdico e da ludicidade. O brincar é a essência do lúdico e tanto o brincar quanto a interação entre os meios e os objetos de caráter lúdico são atividades naturais e inerentes à criança. Elas servem como fonte de diversão e é dessa diversão que emerge a ludicidade. No processo educativo, o lúdico desenvolve nas crianças a criatividade, a motivação e a concentração, que são aspectos importantes para o desenvolvimento cognitivo e motor da criança. Por isso, o uso de jogos e brincadeiras para o ensino e aprendizado do conhecimento a ser construído foi reconhecido pelos educadores como instrumentos metodológicos relevantes. A escola que tem seus fins e objetivos o desenvolvimento integral da criança em seus aspectos físico, psicológico, intelectual, afetivo e social tem o lúdico e a ludicidade presentes no ensino. Esses resultados são apresentados aqui de uma maneira diferente, pois são vistos sob a perspectiva da professora da Escola Cri-Arte como conseqüência da sua práxis docente. A experiência pessoal dessa professora é a principal fonte de pesquisa e por isso o maior alvo da observação do campo de pesquisa. Além da observação, a investigação foi feita utilizando uma entrevista semi-estruturada, um relato de experiência pessoal e documentos específicos da Escola CriArte. Assim, essa pesquisa, dirigida pela abordagem metodológica qualitativa, teve como objetivos investigar e apresentar os benéficos que a ludicidade traz ao professor e ao seu ensino, a partir de sua práxis pedagógica. Palavras – chave: Lúdico, Ludicidade, Práxis Docente. ABSTRACT Themes are abundant appointing studies and academic papers that discuss the playful and playfulness in education, promoting, thus, a thematic discussion from theoretical conceptions. Having the playfulness as title, this monograph is a scholarly work that adds to this whole sick, so she also makes a study about the playful and playfulness. The play is the essence of both playful and joking about the interaction between the media and the playful character objects are natural and inherent in the activities of the child. They serve as a source of fun and is such fun that emerges the playfulness. In the educational process, the playful develops in children creativity, motivation and concentration, which are important aspects for motor and cognitive development of children. Therefore, the use of games and games for teaching and learning of knowledge to be built was recognized by educators as relevant methodological tools. The school has its purposes and objectives of integral development of children in aspects of physical, psychological, intellectual, affective and social has the playful and playfulness in teaching. These results are presented here in a different way, because they are viewed from the perspective of school teacher Cri-art as a result of his teacher praxis. The personal experience of this teacher is the primary source of research and therefore the largest target of observation of the lookup field. In addition, the research was done using an interview structured way, an account of personal experience and specific documents Cri-Art school. Thus, this research, conducted by qualitative methodological approach, had as objectives to investigate and present the benefits that brings to the teacher and playfulness to your education, from their pedagogical praxis. Key words: Playful, Playfulness, Teacher Praxis. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................................11 2. DO LÚDICO À LUDICIDADE.........................................................................................16 2.1 ASPECTOS TEÓRICOS ACERCA DO LÚDICO E DA LUDICIDADE........................16 2.2 RELAÇÃO DO JOGO, DO BRINQUEDO E DA BRINCADEIRA COM O LÚDICO E A LUDICIDADE......................................................................................................................18 2.3 A PRESENÇA DO LÚDICO E DA LUDICIDADE NA EDUCAÇÃO............................22 3. ONDE E COMO A LUDICIDADE ACONTECEU........................................................26 3.1 CONHECENDO A ESCOLA CRI-ARTE.........................................................................26 3.2 O LÚDICO NA PRÁTICA DOCENTE.............................................................................31 3.3 EFEITOS DA METODOLOGIA LÚDICA DE ENSINO................................................36 4. REFLEXOS DA PRÁTICA DOCENTE: UMA NOVA DISCUSSÃO TEÓRICA......40 4.1 A POSSIBILIDADE DE UMA EDUCAÇÃO LÚDICA...................................................40 4.2 A MANIFESTAÇÃO DA LUDICIDADE NO ENSINO E NO PROFESSOR.................44 4.3 UM RELACIONAMENTO COM AFETIVIDADE ENTRE PROFESSOR E ALUNO.....................................................................................................................................47 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................50 REFERÊNCIAS......................................................................................................................54 APÊNDICES............................................................................................................................56 ANEXOS..................................................................................................................................58 11 1. INTRODUÇÃO Este trabalho de conclusão de curso parte da problemática educacional e social do analfabetismo de crianças ao concluírem o 1° ano do Ensino Fundamental das escolas públicas de Salvador, e por isso aposta na Ludicidade como recurso metodológico de ensino, na tentativa de responder à questão de como ela pode garantir o desenvolvimento e a aquisição das habilidades de escrita e leitura. O tema “A Ludicidade na alfabetização: reflexos de uma experiência docente lúdica” trata de buscar suporte teórico e metodológico para proporcionar aos educadores desse nível escolar possibilidades de ação pautadas nas brincadeiras e nos jogos infantis para o ensino da alfabetização. Com o tema que esse trabalho possui, o objetivo é mostrar os benefícios que a ludicidade traz para o ensino e para o professor, além dos já conhecidos para as crianças. Logo, os focos principais em que esse estudo da ludicidade está direcionado são o ensino e o professor, sem deixar de ter atenção a quem naturalmente se beneficia com o lúdico: as crianças. É importante ressaltar que é através desse objetivo maior e geral que esse trabalho acadêmico pretende, conseqüentemente, conquistar outro: tendo a ludicidade como artifício predominante da didática, promover obrigatoriamente o aprendizado das habilidades necessárias do 1° ano do Ensino Fundamental e indispensáveis aos cidadãos de uma sociedade letrada. Inicialmente, a idéia de ter a ludicidade como possibilidade de tema da monografia surgiu por observar que em outros estudos e trabalhos sobre ela, o seu uso é em prol do aprendizado sendo, portanto, os alunos, o foco principal. Isto porque ao utilizar os jogos, a brincadeira e o brinquedo para a construção do conhecimento, o lúdico, os alunos desfrutam de uma aprendizagem significativa, prazerosa, alegre e divertida, a ludicidade. Porém, na literatura disponível pouco se procura discutir a ludicidade em favor do professor e sob a perspectiva dele, mesmo sendo ele o sujeito que a promove. Isso despertou minha atenção para desenvolver um trabalho acadêmico incomum apesar de ser um tema bastante estudado. 12 A certeza pela escolha da ludicidade e a decisão de tê-la como tema essencial de todo o estudo vieram na medida em que vivenciei simultaneamente duas experiências opostas de estágios. A partir dessas duas experiências de vida e de trabalho percebi a necessidade e a importância de tratar e discutir tal tema deste trabalho e, principalmente, de propor uma ação. As duas experiências às quais me refiro são: ser professora estagiária de uma turma de 1° ano do ensino fundamental da Escola Cri-Arte, durante um ano letivo; e ser estagiária coparticipativa em uma turma de 2° ano do ensino fundamental do Colégio Estadual Vale dos Lagos através do estágio supervisionado e obrigatório, durante os dois últimos semestres. Na primeira escola, o principal trabalho pedagógico que foi realizado foi a alfabetização com a concepção do letramento e com orientação da direção escolar de utilizar obrigatoriamente e freqüentemente o lúdico na metodologia para que tal trabalho acontecesse sem grandes dificuldades. Na segunda escola, o trabalho pedagógico também foi a alfabetização, porém não da mesma forma e com muitas dificuldades para o aprendizado, pois a maioria das crianças é repetente pela segunda vez e ainda não estão alfabetizadas. A diferença entre essas duas experiências gerou o problema da pesquisa: apesar do conhecimento que ambas as professoras possuem sobre o lúdico, esta ferramenta metodológica não é adotada pela professora da rede pública de ensino. Logo, o problema está na diferença da metodologia docente, ou seja, na ausência do lúdico na prática de ensino daquela professora que possui alunos analfabetos. Assim, a primeira escola, a Escola CriArte, está bastante de acordo com as intenções deste trabalho e, por isso, foi a que mais contribuiu para gerá-lo. Enquanto que a Escola Estadual Vale dos Lagos contribuiu para ampliar a minha percepção acerca do problema. As duas experiências, apesar de significativas e prazerosas, me causaram surpresa, no entanto, a segunda foi negativa e foi esta que me fez ter atenção para a diferença na metodologia docente. A partir desta diferença, surgiram duas questões que provocaram o impulso ao estudo e geraram a definição do tema e dos objetivos do trabalho: de que forma a ludicidade 13 pode acrescentar ao ensino da alfabetização a ponto de garantir a ele eficiência e qualidade? E que benefícios e vantagens ela traz, não só para os alunos, mas também e, principalmente, para o professor? Assim, é a Ludicidade o tema central do estudo e a alfabetização representa uma ação metodológica de ensino. As respostas destas questões norteadoras constituem solidamente o corpo e o conteúdo desta redação, que está organizada e estruturada em um capítulo de introdução e mais três capítulos consecutivos de desenvolvimento a fim de apresentá-la com coerência, clareza e de forma bem fundamentada: Do lúdico à ludicidade, Onde e como a ludicidade aconteceu, Reflexos da prática docente: uma nova discussão teórica. Além desses três capítulos, fazem parte também do trabalho as considerações finais e os anexos. A partir desta introdução, inicia-se o desenvolvimento com o primeiro capítulo apresentando a discussão teórica do tema principal, abordando questões relevantes que dizem respeito à ludicidade, como por exemplo, o lúdico, características e definição dos jogos, brincadeiras e brinquedos. Além disso, o quadro teórico neste capítulo apresenta, direta e indiretamente, a visão de diversos autores e teóricos sobre essas questões e o tema cujos conceitos e concepções servem tanto para o entendimento do tema quanto para subsidiar o terceiro capítulo. Os principais autores e teóricos são, respectivamente, Jonh Huizinga, Gilles Brougére, Cipriano Luckesi, Tizuko M. Kishimoto, Simões de Miranda; Sigmund Freud, Jean Piaget, John Dewey, Lev Semyonovitch Vigotsky, Friedrich Froebel. No segundo capítulo, está apresentado o contexto da pesquisa, no qual é explorada a realidade escolar, isto é, características diversas da Escola Cri-Arte e a prática pedagógica docente abordando em ambos os aspectos referentes ao tema da pesquisa. Nesta contextualização, há os dados e informações empíricas e também a forma de obtenção destes, ou seja, a metodologia de pesquisa utilizada. Além de conter os instrumentos de pesquisa utilizados e os passos da investigação, consta a descrição da prática docente em forma de relato de experiência pessoal. Este relato confere e caracteriza este trabalho como particular e subjetivo, por isso, se distingue de outros, de forma marcante e singular. 14 O terceiro capítulo é essencialmente o confronto do quadro teórico com a realidade empírica, ou seja, é feita uma análise interpretativa dos dados e das informações obtidas e expostas no capítulo anterior, baseando-se nos fundamentos teóricos do primeiro capítulo. Porém, de maneira complementar ao primeiro capítulo, o terceiro traz outros argumentos teóricos que se referem especificamente aos dados analisados. É este capítulo que discorre teoricamente sobre os resultados surgidos da investigação que tentam corresponder aos objetivos desse trabalho. Depois disso é possível chegar às considerações finais apresentadas no final do trabalho, na qual exponho meu ponto de vista individual acerca de todo o trabalho realizado e compreende os propósitos deste. A partir dos estudos teóricos e da análise do que foi observado, concluo a monografia realizando uma síntese dos três capítulos de desenvolvimento, respondendo às questões norteadoras e apresentando os objetivos alcançados e as novas propostas. Após concluir todo o estudo, estão disponíveis as referências e, em Apêndice, os instrumentos de pesquisa, a entrevista feita à Diretora e as questões que nortearam o registro de dados. Esses documentos não foram incluídos no corpo do trabalho, mas foram por mim elaborados e servem como complemento e para serem visualizados. E mais um Anexo no qual constam o plano de aula semanal da professora observada e os desenhos de seus alunos, ambos foram materiais extras utilizados para coleta de dados e servem para comprovar e ilustrar as minhas argumentações. Esse trabalho é o resultado e a etapa final de um processo extenso de pesquisa em educação. Para uma pesquisa feita nessa área das Ciências Sociais, a metodologia de pesquisa mais adequada é a qualitativa, pois o próprio objeto dessas ciências é essencialmente qualitativo; por se tratar de uma metodologia que está de acordo com os paradigmas Construtivista e Sociocrítico, por apresentar dados qualitativos sem desconsiderar os quantitativos e por ter o investigador e o pesquisando no centro da pesquisa, pois estes fazem parte e dão sentido à ela. 15 A pesquisa qualitativa trabalha com a vivência, a experiência, a cotidianidade e também com a compreensão. Por isso, para realizar esse trabalho optei pela abordagem qualitativa, pois esta possibilita um enfoque descritivo e interpretativo do cenário natural, a escola e a sala de aula, e possibilita compreender a realidade socialmente construída. Questões metodológicas, como o campo, os sujeitos e os instrumentos de pesquisa, dentre outras, que envolveram esse processo de pesquisa aparecerão diluídas nos três capítulos de desenvolvimento deste trabalho monográfico. Portanto, todo o processo de pesquisa promoveu e gerou materialmente esta monografia que possui o conhecimento teórico já difundido e o empírico exposto exclusivamente aqui de forma inédita. Por isso, ela constitui e pode ser aproveitada como uma fonte de um saber acadêmico e social, saberes que emergiram de uma experiência de vida e que foram escritos pelas próprias mãos de quem a viveu e escreveu sob um olhar incomum. 16 2. DO LÚDICO À LUDICIDADE Este primeiro capítulo teórico inicia a abordagem temática pelo lúdico para chegar à ludicidade e à presença de ambos na sala de aula, portanto, ele vai do lúdico à ludicidade. Para isso, foi feito um caminho com três tópicos que, através das palavras argumentativas de principais teóricos, apresentam, primeiramente, aspectos teóricos sobre o lúdico e a ludicidade centrados nos jogos e nas brincadeiras. É através dele que o tópico seguinte esclarece a relação de ambos com o lúdico e a ludicidade. Com esses dois tópicos é possível compreender claramente o que é lúdico e a ludicidade e, assim, enxergá-los na prática docente. 2.1 ASPECTOS TEÓRICOS ACERCA DO LÚDICO E DA LUDICIDADE Dentro das Ciências Sociais, a Educação, a Psicologia, a Filosofia e a Sociologia fazem do jogo, da brincadeira e do brinquedo um alvo de muito interesse, por isso se observa a sua abordagem intensa na literatura e no meio acadêmico. De acordo com cada área, é variado o enfoque que se dá a essas atividades, por isso elas possuem representações e significados diferentes. Essa variedade é relevante para o decorrer dessa discussão, e para conhecê-la, as palavras de alguns teóricos são contribuições determinantes, pois são referências seguras e ponto de partida para um estudo mais profundo. Johan Huizinga (2001) volta seus estudos ao enfoque histórico e sociológico do jogo. Esse importante historiador conceitua o jogo como um dos elementos mais fundamentais da cultura humana, por isso oferece contribuição fundamental ao entendimento do caráter cultural desse fenômeno. Nesse sentido, ele afirma que “o jogo é o fato mais antigo que a cultura, pois esta, mesmo em suas definições menos rigorosas, pressupõe sempre a sociedade humana; mas, os animais não esperaram que os homens os iniciassem na atividade lúdica.“ (HUIZINGA, 2001, p. 3). E continua esclarecendo que: ... o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou reflexo psicológico. Ultrapassa os limites da atividade puramente física ou biológica. É uma função significante, isto é, encerra um determinado sentido. No jogo existe alguma coisa „em jogo‟ que transcende as necessidades imediatas da vida e confere um sentido à ação. Todo jogo significa alguma coisa. (HUIZINGA, 2001, p. 3,4) Brougère (1997 apud Miranda, 2001, p. 27) ao indagar-se, assim como eu, sobre as possibilidades, e porque não sobre o poder, das brincadeiras e em relação ao fato de ela ter 17 entranhado no mundo da educação, explica que “(...) a brincadeira é boa porque a natureza pura, representada pela criança é boa; tornar a brincadeira um suporte pedagógico é seguir a natureza.” Cousinet, um dos fundadores do escolanovismo, que defendia o jogo e a brincadeira como atividades naturais da criança defendia também que a ação educativa precisa fundamentar-se sobre elas: seu método pedagógico tem por base o jogo. Brougère, através de um olhar sociológico, afirma que: “brincar não é apenas uma dinâmica interna do indivíduo, mas uma atividade dotada de uma significação social precisa que, como outras, necessita de aprendizagem.” (SANTANA 2004, p. 33). Vygotsky, um cientista voltado também à dimensão coletiva, social e econômica da vida humana, “concebe o desenvolvimento humano como processo histórico, mediada por processos de representação mental que são construídos socialmente, no qual o brincar desempenha importante papel, especialmente para a criança...” (SANTANA, 2004, p. 34). Para Dewey “o jogo é tão espontâneo e inevitável que, a seu ver, [...] poucos tentaram descobrir se as atividades naturais de jogo das crianças oferecem sugestões que possam ser adotadas na escola.” (AMARAL, 2008, p. 99). Segundo Froebel “... A brincadeira é a atividade espiritual mais pura do homem neste estágio e, ao mesmo tempo, típica da vida humana enquanto um todo, da vida natural interna no homem e de todas as coisas.” (FROEBEL, 1912c, p. 55 apud KISHIMOTO 1998, p. 68). Autores como Lev Semyonovitch Vigotsky, Jonh Huizinga e Gilles Brougére, estão mais voltados para as dimensões coletivas, sociais e culturais das atividades lúdicas e apontam o aspecto natural dessas atividades. Dewey e Froebel, assim como eles, também acreditam na naturalidade do jogo, porém sob a perspectiva filosófica da educação. No entanto, o jogo, a brincadeira e o brinquedo são um objeto de estudo pesquisado sob diversos recortes, gerando, assim, uma gama variada de concepções sobre o mesmo. Na medida em que serão apresentados adiante outros autores e teóricos, e suas respectivas concepções sobre esse objeto, é possível oferecer subsídios teóricos que são úteis e indispensáveis para o entendimento do aspecto lúdico e da ludicidade. Porém, para continuar a presente discussão temática, é fundamental esclarecer o significado e o conceito das duas 18 palavras, lúdico e ludicidade, a fim de possibilitar a compreensão do tema deste trabalho, a ludicidade. “A palavra „lúdico‟ se origina do latim ludens que significa brincar” (FERREIRA 1999, p. 1235). É uma definição simples e objetiva, e que, sendo assim, ajuda a evitar dúvidas e confusões no uso dessa palavra. Essas dúvidas e confusões podem acontecer devido à existência do termo „ludicidade‟, que também vem do latim “ludens” mais o sufixo “dade” que significa para Ferreira (1999, p. 1288), a “qualidade ou caráter lúdico”, ou seja, está intimamente ligado a tudo que se refere aos jogos, brinquedos, brincadeiras e outras atividades que proporcionam divertimento, alegria e prazer. Com esse conceito de ludicidade, apresentado por Ferreira (1999), é possível chegar a uma conclusão parcial afirmando que o uso da palavra lúdico refere-se aos jogos, aos brinquedos e as brincadeiras como sinônimos, mas não é suficiente para caracterizar a ludicidade. 2.2 RELAÇÃO DO JOGO, DO BRINQUEDO E DA BRINCADEIRA COM O LÚDICO E A LUDICIDADE Neste momento no qual se tenta entender qual é a relação do jogo, da brincadeira e do brinquedo com o lúdico se faz necessário apresentar uma breve definição e a diferença entre jogo, brinquedo e brincadeira para que não se tenha uma idéia errada de que somente uma ou outra significa o lúdico. Brougère (1997) é um autor que conceitua e diferencia o jogo e o brinquedo. Em relação ao jogo, o autor afirma: (...) distingue, no conjunto dos objetos lúdicos, os brinquedos dos jogos. Aquilo que é chamado de jogo (jogos de sociedade, de construção, de habilidade, jogos eletrônicos ou de vídeo...) pressupõe a presença de uma função como determinante no interesse do objeto e anterior a seu uso legítimo. (BROUGÈRE 1997 apud MIRANDA 2001, p. 28) Quanto ao brinquedo, ele comenta: “(...) em contrapartida, não parece definido por uma função precisa: trata-se, antes de tudo, de um objeto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado às regras ou a princípios de utilização de outra natureza. (1997 apud Miranda, 2001, p. 29)”. 19 Brougère já menciona o jogo e o brinquedo como objetos lúdicos, porém Miranda (2001) acrescenta o conceito de brincadeira e, por isso, consegue corresponder melhor à relação destes com o lúdico: Em uma terceira aproximação, considerando as características semânticas da nossa língua portuguesa, pode-se depreender que lúdico é uma categoria geral de todas as atividades que têm característica de jogo, brinquedo e brincadeira. O jogo pressupõe uma regra, o brinquedo é o objeto manipulável e a brincadeira, nada mais que o ato de brincar com o brinquedo ou mesmo com o jogo. Jogar também é brincar com o jogo. O jogo pode existir por meio do brinquedo, se os “brincantes” lhe impuserem regras. Percebe-se, pois, que jogo, brinquedo e brincadeira têm conceitos distintos, todavia estão imbricados; ao passo que o lúdico abarca todos eles. (MIRANDA, 2001, p. 30) Ao apresentar de forma sucinta as características e definição de jogo, brincadeira e brinquedo, a autora também esclarece o conceito de lúdico e deixa claro que é possível se referir a todos eles, jogo, brinquedo e brincadeira, como lúdico, por isso ela colabora decisivamente para a compreensão do significado desse termo. Quando ela afirma que “jogar também é brincar com o jogo” é quando se pode entender o porquê da definição de lúdico ser somente brincar. Sobre o brincar, Luckesi (2001), em seus dois ensaios sobre o brincar, atribui a esta ação o significado de “agir lúdica e criativamente”. Ao dedicar-se a discutir o brincar como uma atividade que “expressa a capacidade criativa do ser humano”, o autor caracteriza essa atividade como “tão profunda quanto qualquer outra atividade do ser humano, que seja cuidadosa, criativa e produtiva. E, neste caso, ato de brincar será sério porque profundo.” Pois, de maneira mais adequada para ele, pode se “configurar o sério como aquilo que é profundo, aquilo que é cuidadoso. Então, o sério será o oposto de leviano, de superficial, porém não o oposto de leve e de prazeroso.” Portanto, “quando a criança brinca, sua brincadeira tem a profundidade de quem se dedica a construir e cuidar do mundo, o mundo que é significativo para si, na idade e nas circunstâncias metafísico-evolutivas que está atravessando.” Quando Miranda (2001) traz as regras como característica da existência do jogo e até mesmo da brincadeira e quando Luckesi traz a seriedade e o prazer como características próprias do jogo, ambos parecem ter se baseado no conceito geral de jogo que Huizinga conseguiu elaborar ao sintetizar os diversos aspectos e características do fato mais antigo que a cultura: o jogo. 20 Jogo é uma atividade ou ocupação volántaria, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatória, dotando de um fim em si mesmo, acompanhado de sentimentos de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da „vida quotidiana‟. Assim definida, a noção parece capaz de abranger tudo aquilo a que chamamos „jogo‟ entre os animais, as crianças e os adultos... (HUIZINGA, 2001, p. 33). Esse conceito de jogo que Johan Huizinga (2001) expõe na sua obra mais conhecida, Homo Ludens, é uma referência para alguns autores cujas obras literárias se dispõem a abordar esse tema. Dohme (2003) é um exemplo desses autores em que é possível perceber a influência de Huizinga nas palavras que usa para definir o jogo: Um sentido mais estrito (o jogo) é aquele que se refere a uma atividade na qual os participantes utilizam suas habilidades para, geralmente de forma competitiva e sob algumas regras, alcançarem determinado objetivo. [...] Um sentido mais amplo compreende o jogo como toda atividade prazerosa, descomprometida com a realidade, com objetivos característicos e próprios que são atingidos e se encerram com ela. (DOHME, 2003, p. 16,17) A importância de trazer a voz de Dohme (2003), sem correr o risco de repetir as idéias sobre o jogo especificamente e o lúdico em geral, está no fato de ser uma contribuição diferenciada, como também em reforçar o conceito de Huizinga (2001) e em citar duas características do jogo até então não apresentadas: o descomprometimento com a realidade e a possibilidade de alcançar um determinado objetivo. Além disso, Dohme (2003) também expõe o seu parecer sobre ludicidade: “uma situação de ludicidade pode ser expressa pelo verbo divertir, brincar ou então jogar.”. Essa definição é semelhante à primeira definição de lúdico feita por Ferreira (1999), mas é possível perceber a diferença entre as duas se entendermos que a ludicidade de Dohme é uma situação possibilitada pela diversão, pelo brincar e pelo jogar. O que Dohme defende sobre ludicidade é válido, porém, não abrangente. Acrescentando Luckesi a essa autora e a Ferreira no que ambas articulam sobre a ludicidade é possível compreender de forma mais completa o que esse termo significa. Na verdade, o olhar que Luckesi dispõe sobre a ludicidade segue em outra direção, por isso a sua concepção para esse fenômeno vai além da objetividade e da simplicidade de “divertimento, alegria e prazer”. Sendo assim, Luckesi (2000) expressa que: O que a ludicidade traz de novo é o fato de que o ser humano, quando age ludicamente, vivencia uma experiência plena. Com isso, queremos dizer que, na vivência de uma atividade lúdica, cada um de nós estamos plenos, inteiros nesse momento; nos utilizamos da atenção plena, como definem as tradições sagradas orientais. Enquanto estamos participando verdadeiramente de uma atividade lúdica, não há lugar, na nossa experiência, para qualquer outra coisa além dessa própria 21 atividade. Não há divisão. Estamos inteiros, plenos, flexíveis, alegres, saudáveis. Poderá ocorrer, evidentemente, de estarmos no meio de uma atividade lúdica e, ao mesmo tempo, estarmos divididos com outra coisa, mas aí, com certeza, não estaremos verdadeiramente participando dessa atividade. Estaremos com o corpo aí presente, mas com a mente em outro lugar e, então, nossa atividade não será plena e, por isso mesmo, não será lúdica. (LUCKESI, 2000) Luckesi (2000) é o autor que mais esclarece sobre a ludicidade, pois ele explica, através de exemplo, quando acontece a ludicidade e o que a impossibilita, ou seja, o que determina é a atitude do sujeito de estar inteiro e não dividido. Por isso, o autor prossegue explicando: “brincar, jogar, agir ludicamente, exige uma entrega total do ser humano, corpo e mente, ao mesmo tempo. A atividade lúdica não admite divisão; e, as próprias atividades lúdicas, por si mesmas, nos conduzem para esse estado de consciência.” Essa exigência de atitude e essa capacidade de conduzir naturalmente ao estado de ludicidade que sucedem das atividades lúdicas têm o mesmo sentido de “... lidar com alguma coisa com uma tensão divertida, de se entregar despreocupadamente a uma atividade.” (HUIZINGA, 2001) Froebel, discípulo de Pestalozzi, apresenta sua concepção sobre a brincadeira, destacando as suas características que são comuns e coerentes à ludicidade proposta por Luckesi. A brincadeira [...] dá alegria, liberdade, contentamento, descanso interno e externo, paz com o mundo... A criança que brinca sempre, com determinação auto-ativa, perseverando, esquecendo sua fadiga física, pode certamente tornar-se um homem determinado, capaz de auto-sacrifício para a promoção do seu bem e de outros... Como sempre indicamos, o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação. (FROEBEL, 1912c, apud KISHIMOTO 1998, p.91) Huizinga (2001) ao definir o jogo como “uma atividade livre, conscientemente tomada como não-séria e exterior à vida habitual”, também destaca a ludicidade na perspectiva de Luckesi (2000) quando assegura que o jogo é “ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total.”. Portanto, “o ato lúdico propicia uma experiência plena para o sujeito”. É a partir daí que é possível situar os jogos e as brincadeiras como atividades lúdicas responsáveis por gerar a ludicidade como um estado interno pleno do sujeito que age e/ou vivencia tais situações lúdicas. Com isso, Luckesi (2000) focaliza e tenta compreender a ludicidade e as atividades lúdicas do ponto de vista interno e integral, ou seja, a partir do lugar interno do sujeito ele foca a experiência lúdica como uma experiência interna daquele que a vivencia. Assim, ao “abordar 22 a ludicidade como uma experiência interna „de consciência‟, „um estado de espírito‟“, ele a conceitua como “um fenômeno interno do sujeito, que possui manifestações no exterior.” É um estado de plenitude, alegria, prazer e inteireza que se revela ao vivenciar o divertir, o brincar ou o jogar. 2.3 A PRESENÇA DO LÚDICO E DA LUDICIDADE NA EDUCAÇÃO Os jogos, as brincadeiras e o brinquedo, com suas características particulares que se conectam ao concretizar o lúdico, são capazes de originar a ludicidade a quem os vivenciam. Sendo este estado emocional um dos maiores interesses da educação contemporânea, que outro benéfico as atividades lúdicas têm para que diversos autores defendam a sua utilização na educação como instrumento pedagógico relevante? Responderão a essa pergunta os seguintes autores: Sigmund Freud, Jean Piaget e Cipriano Luckesi, por focarem mais o estudo do indivíduo e do papel das atividades lúdicas no seu processo de desenvolvimento. Junto com esses, os outros já referidos também responderão, porém agora considerando também o desenvolvimento infantil. Freud e os psicanalistas voltados para a criança compreendem o jogo como uma forma da criança construir uma ponte entre o mundo real e o mundo inconsciente. “Através de suas fantasias imaginativas e das brincadeiras baseadas nelas, a criança pode compensar, até certo ponto, as pressões que sofre na vida e as que se originam em seu inconsciente” (BETTLHEIM 1988 apud SANTANA p. 33). Brincar, nesta visão é a forma da criança integrar o seu mundo interno com o externo, sendo fundamental para um desenvolvimento psíquico saudável. (SANTANA, 2004 p. 34) Vygotsky (SANTANA, 2004, p. 30) explorando a dimensão coletiva da vida humana, também afirma que, ao brincar, a criança descola seu pensamento do valor funcional dos objetos e a sua ação parte da sua imaginação. A brincadeira, para ele se constitui uma importante forma de desenvolvimento humano, que leva das limitações mentais da primeira infância, ao pensamento abstrato do adulto. Froebel entende que, “nas brincadeiras, a criança tenta compreender seu mundo ao reproduzir situações da vida. [...] Outro aspecto importante é 23 que a liberdade de expressão permite a representação de coisas significativas, de fatos que a impressionaram.” A teoria de Piaget é particularmente importante para a educação por fornecer uma perspectiva única sobre o jogo e por ajudar na compreensão de sua relação com a aprendizagem, assim ele considera os jogos: Como atividades fundamentais na organização interna da cognição, nas sucessivas fases do desenvolvimento individual infantil. Nesse sentido, ele os classifica em três tipos: jogos de exercício, jogos simbólicos, e jogos de regras, os quais têm como pré-requisito, as sucessivas fases de desenvolvimento individual, sensório-motora, pré-operatória e finalmente a operatória concreta e formal. (PIAGET apud SANTANA, 2004, p. 30) É a existência das regras (característica dos jogos de regras) que pressupõe as inter-relações dos agrupamentos sociais e das pessoas. O jogo é um espaço social, portanto, supõe normas. Conforme Piaget, o jogo de regras supõe, ao mesmo tempo, ação (motora ou mental) e objetivo (seja ele o jogo, o adversário ou ambos). A regra, seja ela institucional (como aparece nos jogos tradicionais) ou espontânea (proposta pela relação entre os pares), supõe sempre relações sociais e interdividuais. (FRIEDMANN, 1996). Piaget (apud ALMEIDA, 1998, p.36), enquanto psicólogo e autor da teoria da psicogênese do conhecimento, foi o que mais estudou, até empiricamente, o jogo como elemento coadjuvante do processo evolutivo da criança e sua capacidade socializadora. Além dos jogos serem uma forma de desafogo ou entretenimento para gastar a energia das crianças, ele acreditava ser também meios que enriquecem o desenvolvimento intelectual, pois os jogos tornam-se mais significativos à medida que a criança se desenvolve. Luckesi (apud SANTANA, 2004, p. 33), considerando a ludicidade na sua expectativa, avalia que: A vivência da ludicidade, num espaço educativo, pode ser uma forma de prevenir neuroses futuras, na medida em que nos possibilita uma maior inteireza, ou seja, experimentar pensar, sentir e agir mais livres dos controles do ego, e, por isto mesmo de forma mais criativa. Participar de experiências desse tipo, ajuda na formação de um Eu saudável, considerando que o ser humano, um ser inacabado, vai se construindo, através de suas experiências individuais e interativas, ao longo de 24 sua existência. Considera, assim, as práticas lúdicas no contexto pedagógico, como recursos de formação e auto-desenvolvimento do ser humano. (LUCKESI apud SANTANA, 2004, p. 33) Além de defender o aspecto natural do jogo, Brougère também faz uma reflexão do jogo para o desenvolvimento da criança com a sua interação com as atividades lúdicas ao afirmar que: É através do jogo, do brinquedo e da brincadeira que a criança compreende sua cultura e sua sociedade, pois os mesmos são portadores de valores desta, permitindo ao mesmo tempo a construção de significados interpretações que se adaptam a diversas realidades. É daí o caráter sério, pois através do ato de brincar as dimensões internas e externas do ser relacionam-se, aprendendo-se aí a conviver com essa relação. (BROUGÈRE apud SANTOS 2003, p. 143) Baseando-se em Dewey, Miranda (2001) entende a educação como parte do desenvolvimento natural do homem e ao definí-la tinha a experiência como palavra chave, portanto, afirma sobre a atividade lúdica como sendo: Essencialmente um grande laboratório em que ocorrem experiências inteligentes e reflexivas. A experiência produz o conhecimento. Portanto, a experiência possibilita-nos tornar concretos os conhecimentos adquiridos. (...) Ora, se a educação se processa por meio do permanente ato de reorganizar e reconstruir nossas experiências, porque hoje atribuímos um valor ainda insuficiente ao lúdico, que consiste em experimentar com prazer e alegria? (MIRANDA, 2001, p. 26) Por se obter através do lúdico o prazer e a alegria é que há quem considere o lúdico como meio para se atingir determinados fins como, por exemplo, a utilização de atividade que animem, ou relaxem, ou motivem para algo mais; e outros que o vêem como um fim em si mesmo, como uma proposta de conduta e não apenas como recurso. Há ainda quem aprecie o jogo como simplesmente um método para aliviar as tensões e gastar as energias, e que o defenda como uma atividade que “prepara” a criança para o mundo e para a vida adulta. Não existe uma teoria única sobre o jogo, a brincadeira e o brinquedo que abranja e satisfaça ao mesmo tempo as diversas expectativas que se tem dessas atividades lúdicas. No entanto, todos os autores e teóricos aqui apresentados caminham, diferente e comumente, para a conclusão de que: primeiro, é natural ao homem brincar, independente de sua origem e do seu tempo; segundo, brincar é uma atividade real para aquele que brinca verdadeiramente e envolve-se com paixão no jogo sem precisar, em absoluto, saber o que ele significa e desenvolve; terceiro, na área da educação o jogo é algo sério e destinado à educar a criança, por isso é possível ver o seu poder de desenvolvimento da criança. 25 Portanto, é um poder indispensável quando se tem como objetivo educacional o desenvolvimento infantil. É por esse poder que o jogo é o objeto mais indicado para alcançar esse objetivo de maneira satisfatória, pois o jogo possibilita o desenvolvimento dos aspectos motor, afetivo, social e cognitivo. Assim, quando os jogos são utilizados em sala de aula, eles contribuem significativamente para a aprendizagem integral. Logo, o lúdico deve estar presente na metodologia docente e é essa práxis que deve ser observada a fim de visualizar o lúdico e seus efeitos na educação. Depois de apresentadas algumas concepções sobre o jogo, a brincadeira e o brinquedo; e conceitos sobre o lúdico e a ludicidade, pode se entender, enfim, como resultado dessa discussão teórica, o lúdico como a ação de brincar, possibilitada principalmente pelo jogo, pela brincadeira e pelo brinquedo, que causam no sujeito ativo dessa ação um estado interno pleno de prazer e alegria, isto é, a ludicidade. Cada autor que contribuiu para chegar a essa conclusão justifica o porquê de diversos educadores que trabalham com crianças terem proposto os jogos, as brincadeiras e o brinquedo como alternativas principais do lúdico para promoverem o desenvolvimento infantil e a ludicidade. Por isso, o próximo capítulo apresenta a práxis de uma educadora que utiliza o lúdico como a principal alternativa para promover o desenvolvimento infantil e a ludicidade. 26 3. ONDE E COMO A LUDICIDADE ACONTECEU Este é o capitulo onde está registrado o que aconteceu durante a pesquisa de campo, ou seja, o que foi observado e colhido sobre o lúdico e, especialmente, sobre a ludicidade e a maneira como o pesquisador conduzida a investigação ao mesmo tempo em que era participante. Por isso, este capítulo permite conhecer a escola onde a ludicidade aconteceu e de que maneira foi possível a sua manifestação. 3.1. CONHECENDO A ESCOLA CRI-ARTE A pesquisa bibliográfica em livros e textos eletrônicos, nos quais foram coletados dados e informações para buscar referências teóricas foi o segundo passo do processo de elaboração do trabalho monográfico que teve como finalidade o levantamento de autores que possuem estudos sobre o tema deste trabalho. No entanto, antes de constituir a fundamentação da pesquisa, a ação de pesquisar se iniciou com a investigação no campo de pesquisa que teve também o objetivo de coletar dados e obter informações empíricas, porém, a partir de diversos instrumentos e procedimentos metodológicos. Portanto, foi esse o primeiro passo da pesquisa qualitativa e que foi realizado no espaço físico de uma instituição escolar particular, a Escola Cri-Arte. Sendo assim, foi esta escola o local da investigação e também o objeto de pesquisa, juntamente com os sujeitos que fazem parte da escola: alunos, professores, diretor, coordenador e funcionários. A Escola Cri-Arte, Centro de Educação Especializado, é uma das 79 escolas do bairro de Brotas da capital Salvador, está sediada na Rua Frederico Costa, n° 88 e funciona há 13 anos - “Há 13 anos educando com amor e arte”. Fisicamente, a sua estrutura é pequena, pois funciona no primeiro andar de uma casa, possui quatro salas de aula, uma sala da secretaria, uma cozinha com depósito, dois banheiros, uma sala da diretoria e uma pequena área externa na entrada na escola que é utilizada para recreação, para apresentações dos alunos e para festas e comemorações. Essa descrição física da escola foi possível ser feita a partir da observação da mesma, portanto inicialmente a 27 observação “in loco” do campo de pesquisa foi feita a fim de coletar informações sobre o espaço físico escolar. Funciona em um espaço moderado com pátio com cobertura onde são realizados os eventos e com parque e brinquedos para uso dos alunos. As salas são amplas, arejadas, paredes, muito bem decoradas e iluminação em ótimo estado de conservação. Possui suas instalações sanitárias (banheiros) em perfeita condição de uso e higienização; há mesa para professor e as carteiras que são conservadas com uma quantidade suficiente para todos os alunos; a quantidade de alunos em cada sala é variada, não há uniformidade na quantidade de alunos por sala, no entanto todas as salas comportam confortavelmente da quantidade mínima à máxima de alunos. (Projeto Político Pedagógico¹, p. 1) Possui uma cozinha e uma cantina por onde é distribuída a merenda e o almoço para os alunos que estudam nos dois turnos. Existe ampla quantidade de livros infantis e didáticos fornecidos pelas editoras, que são utilizados pelos professores como recurso e material didático, e que são armazenados organizadamente em estantes e armários de uma sala. A escola possui apenas uma entrada sempre vigiada pelo funcionário responsável pela entrada e saída dos alunos e pais no horário estabelecido, além de ser encarregada pela inspeção e observação da área escolar. (Projeto Político Pedagógico¹, p. 1) No corpo discente, a clientela da instituição é composta por alunos de classe social média, que residem em bairros adjacentes à instituição que está localizada no centro da cidade. A maioria mora no mesmo bairro onde está localizada a escola, o que facilita o acesso e transporte à ela, somente alguns estudantes se deslocam de outros bairros. ___________________________________________________________________________ ¹As informações apresentadas não estão todas descritas no Projeto Político Pedagógico da escola; algumas foram observadas e acrescentadas para esclarecer e possibilitar uma “visão” mais exata da realidade. 28 No corpo docente existe um número significativo de professores para todas as séries, muitos cursando e outros com ensino superior completo: é um professor para cada turma sendo, portanto, um total de 6 professores e 6 turmas, e 2 auxiliares de classe para os primeiros grupos. (Projeto Político Pedagógico¹,p.1). Tal observação foi a principal fonte de dados para conhecer aparentemente a escola, porém o Projeto Político Pedagógico da escola também foi utilizado como fonte de dados, pois este documento contém a caracterização da escola na forma em que ela mesma se descreve e o faz de maneira mais clara e detalhada que a observação do pesquisador. Depois de percorrer e observar externamente a escola, a Semana Pedagógica significou mais um meio para colher dados nesta etapa de observação da pesquisa de campo. Ela aconteceu durante cinco dias anteriores ao início das aulas, no período da tarde, e foi ministrada pela Diretora e Coordenadora da escola com o objetivo de apresentar a escola e o corpo docente, e também de informar a todos os professores presentes os aspectos pedagógicos, o funcionamento, a organização e o Regimento da escola. Esses assuntos foram divididos pelos cinco dias da Semana Pedagógica, cada reunião teve uma finalidade ou um tema a ser abordado e discutido. A cada participação na reunião, informações relevantes referentes ao tema da pesquisa foram extraídas através da transcrição das falas espontâneas da Coordenadora e Diretora. Essas informações foram anotadas e correspondem aos conteúdos dos três tópicos temáticos previamente estabelecidos pela pauta da reunião, portanto, também serviram como dados da pesquisa de campo e por isso compõem este capítulo. No primeiro dia, a coordenação comentou sobre a organização dos cursos escolares, ou seja, sobre os níveis e modalidades de educação e ensino que a escola oferece. Atualmente a escola Cri-Arte dispõe da Educação Infantil que compreende os grupos 1 ao 5 para clientela de crianças com idade de três a cinco anos até o Ensino Fundamental I do 1° ao 4° ano para crianças e jovens a partir de seis anos completos até 11 anos. As turmas são divididas entre os dois turnos manhã e tarde; a Educação Infantil e o 1° ano do Ensino Fundamental I funcionam 29 à tarde e pela manhã funcionam os 2°, 3° e 4° anos do Ensino Fundamental I. Esse foi o conteúdo do primeiro tópico temático. No segundo dia, a Diretora discorreu sobre os objetivos da escola e da sua educação, a concepção de educação seguida por ela e que determina a sua proposta de educação e a filosofia educacional que orienta e sustenta pedagogicamente a escola. Ela expôs oralmente que o objetivo geral da escola e da educação que ela promove determinam a proposta educacional da escola e ambos tiveram origem na filosofia humanista e na concepção de educação integral que são adotadas pela escola, assim como está escrito no Projeto Político Pedagógico: (Projeto Político Pedagógico, p. 1,2) I - Objetivo Geral A Escola Cri-Arte destina-se à formação integral do educando, visando o desenvolvimento das suas potencialidades e a formação comum indispensável para o serviço da cidadania, fornecendo-lhe meios para progredir no trabalho e nos estudos posteriores. II – Objetivos da Escola No desempenho da sua função educativa-filosófica, a Escola Cri-Arte alicerça-se nos princípios do Evangelho, nas exigências do humanismo integral, viabilizando o escalonamento de valores às gerações de educandos no momento histórico atual. A instituição tem como objetivos fundamentais, ser uma comunidade educativa integrada com a família dos educandos, permeada pelo espírito de liberdade responsável e pela solidariedade fraterna, cujo fundamento é o respeito pelo pluralismo dos dons, pela originalidade de cada um, pela disciplina que se sustente em uma comunidade aberta ao diálogo e à democratização da cultura. À luz desses objetivos, a escola tem como proposta formar uma comunidade educativa, constituída por educadores, pais, alunos e funcionários, estimular o espírito crítico, preparar agentes de transformação da sociedade, avaliar constantemente conteúdos, métodos e práticas educativas e promover o diálogo com a cultura contemporânea e o legado cultural. 30 III – Objetivos Específicos Em consonância com os fins da educação educacional, expressos na legislação vigente, na Educação Infantil e também no Ensino Fundamental, a Escola Cri-Arte tem como objetivo educar, assistir e recrear a criança da faixa etária de (3) três a (5) cinco anos de idade e ir além disso com as crianças de idade superior, na busca de seu desenvolvimento integral, nos aspectos físicos, intelectual, emocional e social oferecendo um ambiente favorável ao desenvolvimento da criança nas áreas de comunicação e expressão, de conhecimento do mundo físico e social, de raciocínio lógico e matemático, de saúde e nutrição, de valores cristãos, cívicos e de cidadania, proporcionando atividades de expressões individuais e coletivas, favorecendo o equilíbrio da personalidade e o desenvolvimento da autonomia, buscando uma estimulação sistemática e graduada em prol do desenvolvimento. Das aptidões e habilidades previas à aquisição da linguagem escrita e articulando com a família do educando, fortalecendo seus vínculos, bem como os laços de solidariedade humana e tolerância recíproca e indispensável à vida social. No Ensino Fundamental I, a proposta pedagógica da escola privilegia o ensino enquanto construção do conhecimento, o desenvolvimento pleno das potencialidades do aluno e sua inserção no ambiente social utilizando para isso os conteúdos curriculares da base nacional comum e os temas transversais trabalhados em sua contextualização. O Projeto Político Pedagógico da escola trouxe uma gama variada de informações necessárias a respeito da estrutura, dos objetivos e da proposta pedagógica da escola, no entanto algumas não ficaram claras e deixaram dúvidas provocando, assim, questionamentos. Por isso, foi elaborada e feita com a Diretora uma entrevista semi estruturada a fim de obter respostas claras e tornar as informações mais completas. A Diretora foi questionada sobre a filosofia e a proposta educacional da escola, seus objetivos e orientações metodológicas. No terceiro dia, foi tratado o terceiro e último tópico temático: a orientação pedagógica para a metodologia de ensino e, especificamente as atividades para o aprendizado. Neste momento, a orientação feita pela Diretora foi que as professoras devem seguir a metodologia de ensino que a escola possui, e assim, para que as professoras tenham conhecimento dessa 31 metodologia, ela ponderou brevemente, de forma resumida e, em outras palavras, o que está formalizado no Projeto Político Pedagógico da escola. A metodologia de ensino da escola está baseada na proposta construtivista, ou seja, o objetivo é levar a criança a explorar e descobrir todas as potencialidades do seu corpo, dos objetivos, das relações, do espaço e através disso desenvolver a sua capacidade de observar, descobrir e pensar. As atividades são programadas a fim de inserir o conteúdo a ser trabalhado dentro do objetivo a ser alcançado pela escola. A Diretora enfatizou que a didática de cada professora além de corresponder a essa metodologia, tem de ser coerente com os objetivos e proposta da escola. Mesmo que cada professora tenha sua prática particular de conduzir seu ensino e promover o aprendizado, essa prática não pode estar alheia à direção geral e norteadora. Enfim, ela deixou claro que as professoras serão acompanhadas, orientadas e receberão auxílio quanto à didática, durante todo o ano letivo, nas reuniões de coordenação pedagógica que acontecerão sempre fora do horário letivo, às sextas-feiras, no horário das 16hs às 17hs, para o período da tarde. Encerrando as reuniões da Semana Pedagógica, os dois últimos dias de reunião foram destinados para que as professoras se dedicassem a fazer o plano de curso de cada disciplina ou área do conhecimento, o planejamento semanal da primeira semana de aula e elaborassem atividades lúdicas e já providenciassem materiais e recursos para a realização dessas atividades durante essa primeira semana. Com o fim dos trabalhos pedagógicos fora de sala de aula o rumo da pesquisa de campo passou a ir em direção aos objetivos específicos do trabalho monográfico, tendo ainda a finalidade de obter mais subsídios. 3.2 O LÚDICO NA PRÁTICA DOCENTE Para conduzir a pesquisa em outra direção e focar a investigação em questões específicas do tema geral e de maior interesse, o local de observação foi a sala de aula de uma turma do primeiro ano do ensino fundamental da Escola Cri-Arte. Através do estágio extracurricular, 32 essa observação pode ser feita durante os 200 (duzentos) dias letivos com aulas de 50 (cinqüenta) minutos cada, das 13hs às 16:30hs de segunda à sexta, a partir do fim do mês de fevereiro até início do mês de dezembro. Participaram dessa pesquisa os sete alunos e a professora responsável por essa turma; estes sujeitos fizeram parte da pesquisa e ambos deram significado a ela. Portanto, neste momento da investigação, o centro da pesquisa está tanto no investigador quanto no pesquisado. O investigador atua como um pesquisador participante, pois exerce sua função de docente e de agente observador do seu próprio objeto de pesquisa, o ensino. Sendo participante da pesquisa como observador e objeto de estudo, o investigador direciona a pesquisa para os objetivos que deseja alcançar, pois, para Brandão (1986), as pesquisas são sempre direcionadas por aqueles que determinam de maneira unilateral os direcionamentos da pesquisa determinando, assim, o que, onde e quando algo deve ser pesquisado. A minha própria prática docente, com uma metodologia lúdica de ensino da alfabetização, se tornou fonte de dados sobre tal metodologia. E assim, guiada previamente por pontos os quais pretendia destacar, fui dedicando a minha atenção ao ensino, percebendo e observando o efeito que tal metodologia teve nos alunos, em mim e no próprio ensino. Após as aulas fui registrando alguns dados dessa minha observação e percepção particular e sistematizando esses dados em forma de um relato de experiência pessoal que está sendo resgatada neste trabalho monográfico. Considerando as orientações da Coordenação, a minha práxis pedagógica possui uma metodologia de ensino que acompanha indispensavelmente as recomendações recebidas, portanto, nela utilizo jogos, brincadeiras e outras atividades lúdicas. Todas as atividades lúdicas significam, para mim quanto professora, um instrumento educativo poderoso capaz de propiciar o aprendizado desejado, pois elas são uma expressão da atividade espontânea da criança e do seu interesse inquestionável por elas. 33 Além disso, a presença do lúdico no ensino representa uma ferramenta metodológica que possuo como uma possibilidade alternativa de alcançar os objetivos que tenho com ele. Os jogos e as brincadeiras são como fatores decisivos para assegurar o desenvolvimento natural da criança, logo, possuem um lugar de destaque na minha metodologia. Esses materiais didáticos foram utilizados de maneira introdutória, ou seja, foram apresentados antes do conhecimento a ser aprendido em si. Então, eles servem de ponte entre o que o aluno já sabe e o que ele deve saber, uma âncora que facilita a nova e subseqüente aprendizagem. Alguns exemplos de jogos e brincadeiras que foram empregadas no decorrer do ano letivo foram: o jogo do Bingo com as letras do alfabeto, como uma forma de fazer um diagnóstico e de iniciar o desenvolvimento da consciência fonológica e correspondência “som e letra”. Essa foi uma das primeiras atividades lúdicas especificas para a alfabetização. Outra atividade foi a brincadeira da forca, porém com objetivo de que os alunos ditassem as letras que correspondessem ou no mínimo pertencessem ao nome da figura exposto. A introdução de uma imagem foi uma adaptação à brincadeira feita por mim, professora, para provocá-los a pensar nas letras “certas” e não simplesmente ditassem qualquer letra aleatoriamente. A maioria dos sete alunos já tinha consolidado a identificação do alfabeto e já conseguia reconhecer pelo menos a primeira e última letra de uma palavra através do som que ouvia, por isso, outra dinâmica específica foi a brincadeira Adoleta. Essa brincadeira tem uma música cantada sílaba por sílaba e exige do jogador bater na mão do colega ao mesmo tempo em que canta cada sílaba. Por isso, é possível através dela fazer os alunos perceberem as sílabas quando falam e ouvem, e eles foram induzidos a perceberem isso, portanto foi esse o objetivo ao usar essa brincadeira. A partir daí os alunos foram provocados a mudar a sua estratégia para escrever, conseqüentemente realizaram sua escrita se guiando por essa nova estratégia, ou seja, as sílabas. Acrescentando-se a essa brincadeira principal, foram propostos como atividades os jogos de caça-palavra e cruzadinha, esta última às vezes era adaptada, ou seja, já estava escrito algumas sílabas do nome das figuras para os alunos completarem as que faltavam. O jogo dos Sete Erros é um jogo que faz os jogadores perceberem as semelhanças e diferenças, por isso 34 esse jogo foi usado para mostrar aos alunos que em palavras diferentes possuem letras iguais e diferentes. Isso também foi mostrado através de cantigas e poemas com rima. E para fazer os alunos rimarem, criei a brincadeira “Vamos Rimar”, assim eles criaram rimas engraçadas para os seus nomes e para os nomes de seus familiares. Com avanços sólidos dos alunos na aquisição da escrita e na leitura, o jogo de montar palavras com letras móveis para que o outro descubra a palavra foi o mais utilizado para os alunos porem em prática o que conquistaram. Para motivar isoladamente a leitura foi aproveitado um dominó com figuras de um lado e palavras do outro para os alunos ligarem os lados corretamente, usando para isso a leitura total das palavras. A partir daí foi necessário que os alunos exercitassem as habilidades adquiridas também através de práticas sociais de escrita e leitura. No Dia das Crianças todas as professoras da escola foram personagens e apresentaram aos alunos, no pátio da escola, a peça teatral “O Casamento da Dona Baratinha”. Depois do espetáculo, os alunos do 1° ano do fundamental fizeram a lista de convidados e o convite de casamento da Dona Baratinha. Para isso, eles tiveram de lembrar e recontar a história e todos os animais personagens; cada um fez o convite para cada animal. Na Festa da Colheita (São João), depois que pesquisaram as comidas típicas dessa manifestação cultural, foi escolhida a receita de cocada trazida por um aluno para ser feita. Na hora de cozinhar, um aluno leu na receita os ingredientes e os outros procuraram tais ingredientes lendo a etiqueta de identificação em cada pote de ingrediente. Quem encontrou primeiro colocava o ingrediente no recipiente. Depois outro aluno fez a leitura do modo de preparo. O preparo da cocada foi feito pela responsável de um aluno, ela fez a mistura dos ingredientes, mas todos mexeram rebolando. Outro meio para o estudo do gênero receita foi o vídeo e música da Borboletinha: os alunos identificaram a necessidade e a falta do uso de uma receita pela Borboletinha e assim fizeram a receita do chocolate que a Borboletinha fez para a Madrinha com os ingredientes que ela utilizou. 35 Algumas outras brincadeiras e jogos foram manuseados a fim de apresentar aos alunos conceitos e regras de gramática como: masculino e feminino, aumentativo e diminutivo, antônimo, frases, o uso da letra maiúscula e minúscula e classe das palavras. Os canais para chegar a esses conteúdos foram o jogo de baralho masculino e feminino, jogo dos contrários, e as brincadeiras morto-vivo, mestre mandou, a dança de roda com a cantiga “Ciranda Cirandinha”, telefone sem fio e trava-línguas. Durante e depois dessas atividades os alunos foram questionados com perguntas específicas que os levaram a perceber os conceitos e regras a partir das próprias conclusões. No momento do estudo de conteúdos de outras áreas do conhecimento, Ciências Naturais e Sociais e Matemática, foram adotados: o filme Madagascar 2, a brincadeira da Caixinha de Presente, a música “Cabeça, ombro, joelho e pé”, o jogo de mímica dos animais, a dinâmica de adivinhar alguns alimentos e outros materiais a partir dos órgãos dos sentidos, a brincadeira de adivinhação com “O que é o que é?” e os jogos Uno, Dominó e Baralho. Com esses materiais lúdicos foram explorados temas como: identidade, amizade, corpo humano, os animais e meio ambiente, alimentação saudável, projeto permanente da escola, representação numérica, conceitos matemáticos e as quatro operações matemáticas. Algumas atividades lúdicas não foram feitas com jogos nem brinquedos, mas eram “transformadas” em uma divertida brincadeira por mim e pelos próprios alunos. Eu ministrava as aulas expositivas de maneira divertida para mim e para meus alunos por isso transformava essas aulas em atividades lúdicas, já meus alunos entendiam certas limitações de algumas atividades como regras e criavam outras, logo para eles eram também brincadeiras. Além disso, antes de dar início a uma atividade de outra natureza, como nos livros, cadernos e classificador, eu recordava as brincadeiras para contextualizar e para que essas atividades fossem a continuação das brincadeiras. Portanto, a metodologia é do brincar e de fazer de tudo que é possível uma brincadeira, seja com ou sem jogo e brinquedo, por isso houve uma brincadeira para iniciar, introduzir e despertar o estudo de uma habilidade específica, temas e conceitos e, a partir disso construir o conhecimento desejado por meio de um ensino lúdico. 36 3.3 OS EFEITOS DA METODOLOGIA LÚDICA DE ENSINO Os jogos e brincadeiras utilizados em sala de aula causaram efeito positivo no aprendizado dos alunos porque brincando eles experimentam sensações e são provocados pelo corpo. Através da experimentação, há uma interação entre esses sujeitos e o objeto, e é desta forma que acontece a construção do conhecimento, portanto o conhecimento advém das interações sujeito/objeto. Logo, a criança é o sujeito ativo da sua aprendizagem e o seu conhecimento é construído por ela mesma a partir da interação nos jogos e brincadeiras. Nela, as crianças não são meros jogadores, elas não só interagem com o conhecimento como também faz parte da brincadeira e do processo de aprendizagem. Assim, o aprendizado se torna mais significativo para os alunos, pois eles não são meros receptores e mais prazeroso por ser resultado de uma atividade divertida. Quando brincam, é visível nas crianças a capacidade criadora, a de pensar e de agir que elas possuem, pois, neste momento, os alunos são forçados e estimulados a pensar nas melhores estratégias para resolver situações, problemas, desafios e, assim, evoluir e avançar no seu desenvolvimento. Os poucos momentos que não houve brincadeiras e que a didática de ensino foi aula expositiva foram os momentos mais difíceis, cansativos, tensos, complicados. Os alunos não conseguiam ter atenção, silêncio e se concentrar por muito tempo para ouvir; eles conversavam, levantavam e se dispersavam facilmente. Agitados assim, era difícil manter o controle e a harmonia da sala e também de fazê-los parar e me ouvir. Por isso, era necessário parar a aula, pedir silêncio, chamar e dar atenção a um aluno específico e conversar para depois poder retomar a aula. Com atividades lúdicas o clima na sala, os comportamentos e as necessidades eram diferentes. Os jogos, as brincadeiras, o exercício da imaginação e tudo que houve diversão foi a opção de atividades com a possibilidade de aprendizado significativo e prazeroso, pois as crianças demonstraram-se seduzidas, interessadas por eles e satisfeitas ao interagirem com eles. Os jogos foram fundamentais para o desenvolvimento dos alunos e para o aprendizado, pois envolvem diversão e ao mesmo tempo uma postura de seriedade. Quando estavam envolvidos 37 na brincadeira, os alunos se comportavam com atenção, concentração, vontade, interesse e desenvolviam a memorização e a imaginação. Com esse comportamento não só o aprendizado, mas também o ensino ficou mais fácil para o professor, pois não era necessário que ele pedisse a atenção dos alunos para ensinar algo. Além disso, o fato das crianças terem sempre vontade, um interesse e um gosto natural de brincar favoreceu o meu ensino, pois fez com que não houvesse nenhuma resistência por elas ao fazer as atividades seguintes. A alegria que era visível neles depois que brincavam era a mesma com que eles faziam as outras atividades, por isso eu não tinha muita dificuldade para continuar as aulas sem brincadeiras. Em todos os jogos e brincadeiras quando foram experimentados, houve sempre muita alegria, gargalhadas, foi divertido. Em alguns momentos do brincar, os alunos puderam se manifestar livremente e eu me comportei como observadora percebendo os conhecimentos próprios e estratégias para o avanço de cada um. Em outros momentos, eu participei das brincadeiras com objetivo de ensinar através do exemplo, ou seja, fui mais uma participante ativa sendo uma mediadora das relações e das situações surgidas. Foram nesses momentos de participante que eu também pude sentir alegria, prazer e me diverti ao ensinar brincando; e, conseqüentemente, todos os momentos seguintes de ensino foram, para mim, melhores e muito prazeroso, pois o fiz com entusiasmo, animação, vontade, gosto, interesse, motivação e tranquilidade. Essa minha emoção contagiava e sensibilizava os alunos, eles corresponderam muito bem ao que propus e às minhas orientações e ainda achavam engraçado; um aluno uma vez disse assim: “ai ai, essa minha pró é engraçada!” -. Lembro que o meu professor de Arte e Educação disse assim: “Todo professor é um personagem.”. E de fato eu me sentia um ator em um palco e dramatizava um certo jeito de ser professor e de ensinar para uma pequena platéia; um jeito de brincadeira com bom humor e foi com isso que eu descobri o meu lado criativo e criador. 38 Eu cantei, dancei, brinquei e representei para entreter e divertir meus alunos e para atrair e prender a atenção deles à mim e àquilo que eu falava, e assim consegui promover o ensino da melhor maneira possível para mim e para meus alunos. Para consegui agir assim eu tive que fazer muito esforço no começo e deixar a timidez de lado e esquecer a vergonha, só assim eu pude permitir que houvesse ludicidade no meu ato de ensinar. Além disso, nas horas em que eu também brincava, eu estava totalmente disposta a aproveitar essa atividade, atenta ao que acontecia, concentrada nos meus objetivos e despreocupada com tudo externo aquele momento. Assim eu também experimentei um contentamento que permanecia durante a aula e até depois dela. Com isso, foi conseqüentemente natural e espontâneo ter mais carinho com os meus alunos e o mesmo acontecia com eles. Meus alunos sempre ficavam muito alegres quando eu dizia que íamos brincar, principalmente quando eu também brincava com eles. Foi possível perceber isso e um sentimento de gratidão a mim por eu promover a brincadeira quando todos se juntavam para “o abraço coletivo na pró”. Foi a partir disso que se estabeleceu um relacionamento com afetividade positiva entre professora e alunos, um relacionamento que aproximava e unia cada vez mais esses sujeitos; havia uma ligação forte baseada em confiança, amizade, respeito e amor. Além da responsabilidade de zelar pelo aprendizado e pelo bem estar, era mais do que isso; eu descobri outro sentimento de professor para aluno, o de querer bem, o de querer fazer o melhor para eles tanto no ensino quanto ao que vai além disso. A forma que encontrei para isso foi a dedicação que tinha por eles; pois o difícil era não me contagiar, me emocionar e retribuir do mesmo jeito tanto carinho e afeto que tive quando era recebida com sete sorrisos e sete abraços todos os dias ao entrar na sala, e com declarações e bilhetes diários de “Eu te amo, Pró Carol!”. Além disso, tinha uma música que eles sempre cantavam para mim: “À minha pró, muito querida, hoje quero oferecer uma flor e mil beijinhos porque adoro você!”. O detalhe que me surpreendeu tanto e me emocionou foi o fato que eles tiveram a iniciativa espontânea e mudaram a letra da música que originalmente é para as mães; “À mamãe muito querida...”. Além dessa demonstração de carinho, houve outras presentes nas falas espontâneas dos alunos 39 e conversas particulares entre eles, no qual eles expressavam em palavras o sentimento que nutriam pela professora Graças ao lúdico posso dizer que, profissionalmente e pessoalmente, tive dois grandes e imensuráveis ganhos de igual importância: não ter mais dúvidas com a escolha da minha profissão e insegurança com o trabalho, o ensino, que realizava ao perceber que ensinar faz eu me sentir bem; e ter uma relação tão afetuosa com meus alunos, tanto deles por mim quanto de mim com eles. Assim, percebi os dois maiores valores e benefícios do lúdico, não só por enriquecer a minha práxis docente, mas por deixar meu trabalho em sala de aula com menos pesar, sem nenhum tipo de mal-estar docente e com mais auto – satisfação. É difícil traçar uma linha, mesmo que imaginária, que separe e defina os limites que determinam e diferenciam o bem pessoal e o bem profissional. Então nesse caso ter um bem profissional gerou um bem estar particular e este alimentou cada vez um bom desempenho profissional. Foi possível perceber os efeitos da metodologia lúdica nos depoimentos e falas espontâneas dos alunos, expressadas durante as aulas, no relato de experiência própria da professora e na narração dos acontecimentos na sala de aula. Esses são os resultados da pesquisa mais importantes, pois a análise do capítulo seguinte é feita baseando-se nesses resultados. Através da observação do investigador participante foi possível perceber o que os sujeitos da pesquisa experimentam, como interpretam suas experiências e como estruturam sua vida social. Os dados foram colhidos a partir, principalmente, de fontes primárias, ou seja, a partir de palavras e são analisados em toda a sua riqueza a fim de estabelecer uma compreensão esclarecedora sobre o objeto de estudo. (BOGDAN e BIKLEN, 1994). 40 4. REFLEXOS DA PRÁTICA DOCENTE: UMA NOVA DISCUSSÃO TEÓRICA “A intensidade do jogo e seu poder de fascinação não podem ser explicados por análises biológicas. E, contudo, é nessa capacidade de excitar que reside a própria essência e a característica primordial do jogo”. (HUIZINGA, 2001 p. ). Entretanto, depois de reunir sistematicamente todos os dados da pesquisa de campo, é possível analisá-los e perceber o que a realidade diz e o que ela significa. Assim, pode-se considerar essa análise como uma segunda discussão teórica, mais específica e complementar à primeira, do primeiro capitulo quando também há uma discussão teórica. Ao entrelaçar o quadro teórico com a descrição e a narração do que foi observado durante a investigação foi feita uma análise interpretativa dos dados. Logo, os resultados ficaram evidentes e claramente três eixos específicos foram determinados para concentrar a nova abordagem teórica: a educação lúdica, o ensino e a afetividade. Essas três categorias, devido à sua abrangência, foram transformadas em tópicos para uma melhor compreensão e tratamento adequado à temática. São nessas três categorias de análise que reside a essência primordial desse trabalho monográfico Portanto, essa análise versa sobre aspectos específicos, apontados no segundo capítulo, juntamente com aportes de autores que explicam os resultados da pesquisa e, principalmente, afirmam e comprovam a veracidade da realidade empírica. 4.1 A POSSIBILIDADE DE UMA EDUCAÇÃO LÚDICA Entendendo que a prática docente da Professora observadora e atuante na Escola Cri-Arte foi o motor gerador do lúdico e da ludicidade na escola, a entrevista feita com a Diretora da escola foi direcionada, primeiro, às orientações metodológicas que ela fez às professoras. Assim, ela explicou que: A maneira prática de atender a essa orientação é utilizando principalmente brincadeiras, jogos, filmes, histórias, músicas acompanhadas de dança ou não e de 41 outras atividades lúdicas e criativas proposta por cada professor. A escola dispõe de brinquedos, jogos, CDs de música, DVDs de filmes e livros infantis que podem servir de recursos metodológicos. Os professores podem usá-los, mas também podem criar outros; eles estão livres para criar! Portanto, por essa fala da Diretora é aceitável dizer que a Professora está de acordo com as orientações que recebeu. Logo, a primeira evidência nos dados da pesquisa é que a professora pratica uma metodologia lúdica utilizando jogos e fazendo brincadeiras para realizar o ensino. Através do lúdico, ela propiciou situações que foram exploradas de diversas maneiras educativas, por isso já serviu como um importante recurso e instrumento para potencializar o ensino da alfabetização. Assim, ela fez dos jogos e das brincadeiras um meio para educar e não apenas como recurso, mas também como uma proposta de conduta metodológica, trazendo, portanto, contribuições mais amplas na sua aplicação. Sendo assim, Friedmann confirma e completa: A possibilidade de trazer o jogo para dentro da escola é uma possibilidade de pensar a educação numa perspectiva criadora, autônoma, consciente. [...] A idéia de aproveitar o jogo como alternativa metodológica não prioriza sua utilização enquanto mero instrumento didático. (FRIEDMANN, 1996, p.56) Friedmann (1996) aborda uma perspectiva de educação criadora, autônoma e consciente, que são algumas das características da educação lúdica. O exercício de uma prática docente lúdica mostrou que é possível atingir um aprendizado pleno e integral desde que os professores façam uso permanente e predominante de atividades lúdicas. A Escola Cri-Arte, palco onde o lúdico aconteceu, tem em sua concepção filosófico-educacional o desejo de promover uma educação correspondendo a uma concepção integral de ser humano e de seu desenvolvimento a partir da ludicidade. A Diretora, quando questionada na entrevista sobre a relação da escola com a ludicidade, respondeu: É possível ver a ludicidade nas datas comemorativas, nas produções que os alunos fazem com as próprias mãos, nas produções que eles colaboram, acrescentam e nas que eles protagonizam. A ludicidade tem tudo a ver com a Cri-Arte! Mas não posso afirmar que é uma característica predominante da escola porque ela não acontece totalmente, acontece, mas não totalmente. É o que eu desejo, é o que quero alcançar, é a proposta da escola, por isso está no P.P.P., mas há uma distância entre o que está no P.P.P. e a realidade; porque a ludicidade não está na prática de todas as professoras, por isso não acontece totalmente. Segundo a Diretora da escola, só é possível que uma educação integral e lúdica aconteça na totalidade se todas as professoras praticarem o lúdico em sala de aula, portanto, a Professora considerada colabora para que a escola caminhe para esse fim. Conforme consta no projeto político pedagógico da escola, o que a Cri-Arte almeja é um aprendizado e desenvolvimento integral do aluno. Esse objetivo da escola também está fundamentado em uma concepção 42 sócio-construtivista-interacionista, pois insere o jogo como um meio de garantir a construção de conhecimentos e a interação entre os indivíduos. Nessa linha de pensamento, a educação deve [...] ter a preocupação de propiciar a todas as crianças um desenvolvimento integral e dinâmico (cognitivo, afetivo, lingüístico, social, moral e físico-motor), assim como a construção e o acesso aos conhecimentos socialmente disponíveis do mundo físico e social. A educação deve instrumentalizar as crianças de forma a tornar possível a construção de sua autonomia, criticidade, criatividade, responsabilidade e cooperação. (FRIEDMANN, 1996, p.54) Tal autora traduz, em outras palavras, o modo como a escola realiza a sua educação, destrincha os aspectos que compõem um ser integral (cognitivo, afetivo, lingüístico, social, moral e físico-motor) e que foram desenvolvidos com a prática docente analisada. E ainda destaca o resultado desse desenvolvimento integral e dinâmico: a construção de sua autonomia, criticidade, criatividade, responsabilidade e cooperação. Sendo assim, a participação da professora está em possuir uma prática educacional com estratégias metodológicas [...] a partir de atividades que constituem desafios e são ao mesmo tempo significativas e capazes de incentivar a descoberta, a criatividade e a criticidade. (FRIEDMANN, 1996). Sobre a metodologia lúdica Friedmann (1996) continua a declarar: “É nessas estratégias que o jogo está situado como mais uma alternativa metodológica, ou seja, o aproveitamento desse recurso no âmbito da educação.” E ela completa fazendo uma consideração sobre o uso não exclusivo dos jogos e das brincadeiras que afirma positivamente o modo como a professora compõe as atividades de ensino: “Porém, não quero aqui considerar a atividade lúdica como único e exclusivo recurso de ação, já que essa seria uma postura ingênua, pois “o jogo é uma alternativa significativa e importante, mas sua utilização não exclui outros caminhos metodológicos.” (FRIEDMANN, 1996 p.56) De acordo com Friedmann (1996), foram válidas as estratégias da Professora de estabelecer o jogo como uma alternativa metodológica rica, mas não de maneira exclusiva, e sim integrando-o com outras estratégias especificas e diversas com a sabedoria de transformá-la em atividades lúdicas quando possível. Isso é possível ser confirmado nas palavras de um aluno sobre os ditados de palavra e os auto-ditados: “Isso é um jogo né Pró!? Porque se ninguém pode mostrar e ver o que o colega escreveu, então é um jogo.” 43 Há outros aspectos da metodologia de ensino que são determinados pela Diretora e atendidos pela professora: a descoberta e a experimentação feita pelos alunos para que o aprendizado decorrente desses aspectos leve a um desenvolvimento integral do aluno. A autora explica a importância de promover a descoberta através da experimentação para o aprendizado e a ligação desse procedimento com o desenvolvimento integral: “Existem diversas teorias educacionais que convergem para um ponto comum: a aprendizagem se constrói através de um processo interno do aluno, fruto de suas próprias pesquisas e experimentações...” (DOHME, 2003, p.34). Ela segue com seu ponto de vista abordando sobre as atividades lúdicas e de que maneira elas contribuem nesse processo de experimentação: “As atividades lúdicas podem colocar o aluno em diversas situações, onde ele pesquisa e experimenta, [...] que permitirão vivências capazes de construir conhecimentos e atitudes.” (DOHME, 2003, p.30), Portanto, ...usando atividades lúdicas; será quase impossível obter um sistema passivo pois as experimentações, se bem escolhidas pelo professor irão acontecer sempre no âmbito dos alunos. Motivados pelo desafio, eles irão viver por cada emoção, certamente com a maior intensidade. Em um processo de dentro para fora, ou seja, o processo de aprendizado é o resultado de experimentações internas. (DOHME, 2003, p.31) Dohme se aproxima da teoria de Luckesi sobre a ludicidade quando afirma que com as atividades lúdicas as experimentações acontecem sempre no âmbito dos alunos, ou seja, que o processo de aprendizado acontece de dentro para fora como resultado de experimentações internas do aluno. De acordo com a concepção particular de Luckesi sobre a ludicidade, apresentada no primeiro capítulo, a ludicidade permite que o sujeito esteja inteiramente e pleno quando em contato com atividades que o toque internamente. Para ele, “a atividade lúdica, para que seja lúdica, necessita dessa inteireza; por isso, podem(sic) nos auxiliar e muito em nosso próprio processo de desenvolvimento [...]” (LUCKESI, 2000, p. 100 apud GOMES, 2004 p.147). Essa contribuição ocorre através do desenvolvimento da imaginação, da capacidade criativa, da auto-expressão consciente do ser humano, e do estímulo a todas as suas dimensões: física, cognitiva, psico-emocional e espiritual, quando em contato com essa inteireza. (GOMES, 2004, p.147) Luckesi (2000) também contribui para reforçar o objetivo do desenvolvimento e aprendizado integral dos alunos quando defende o estímulo a todas as dimensões, física, cognitiva, psico- 44 emocional e espiritual a partir da inteireza. Isso atesta a comunhão de concepções entre uma educação integral e a ludicidade, ambas considerando o ser humano internamente, em todas as dimensões, bem como externamente no seu contexto e na sua atuação. (GOMES, 2004). Portanto, a experiência vivida pela Professora da Cri-Arte mostra que a educação lúdica aconteceu a partir da sua prática docente com uso do jogo e das brincadeiras. ...Sem esse componente básico (o caráter de prazer e ludicidade que ele - o jogo tem na vida das crianças), perde-se o sentido da utilização de um instrumento cujo o intuito principal é o de resgatar a atividade lúdica, sua espontaneidade e, junto com ela, sua importância no desenvolvimento integral da criança. (FRIEDMANN, 1996 p.56) Pois a aprendizagem depende em grande parte da motivação: as necessidades e os interesses da criança são mais importantes que qualquer outro para que ela se ligue a uma atividade. Ser esperta, independente, curiosa, ter iniciativa e confiança na sua capacidade de construir uma idéia própria sobre as coisas, assim como exprimir seu pensamento com convicção são características que fazem parte da personalidade integral da criança. (FRIEDMANN, 1996 p.55) Portanto, o caráter de prazer e ludicidade que o jogo promove aos que brincam resgatam a espontaneidade e iniciativa nas ações de brincar, gerando uma motivação interna, autoconfiança e interesse de participar. É por isso que as atividades lúdicas não podem ser dispensáveis na metodologia do professor que deseja desenvolver uma educação integral. 4.2 A MANIFESTAÇÃO DA LUDICIDADE NO ENSINO E NO PROFESSOR A práxis docente foi o foco principal da observação e o ensino é um dos principais focos dessa monografia, por isso foi direcionado a ele os olhares da observação da práxis docente. O objetivo da observação foi perceber os benefícios do lúdico, assim, sob a própria perspectiva da Professora da Cri-Arte, o ensino se beneficia da própria ludicidade que utiliza. Poder-se-ia objetar que esta liberdade não existe para o animal e a criança, por serem estes levados ao jogo pela força de seu instinto e pela necessidade de desenvolverem suas faculdades físicas seletivas. [...] As crianças e os animais brincam porque gostam de brincar, e é precisamente em tal fato que reside sua liberdade. (HUIZINHGA, 2001, p.10) John Huizinga (2001) ao apresentar as características naturais do jogo inicia o primeiro benefício do jogo ao ensino considerado pela professora da Escola Cri-Arte: a fácil aceitação 45 das crianças às atividades propostas por ela. A autora a seguir também se refere à receptividade dos alunos aos jogos: Normalmente utiliza-se o lúdico porque dá prazer e, por isso, é bem recebido pela criança. Esta situação pode dar uma sensação de estar em oposição a uma situação séria de aprendizado. Mas, pelo contrário, a situação de dar prazer e alegria colabora com o processo educacional porque coloca o aluno em uma situação de boa receptividade; ele está fazendo algo que gosta, se dispersa menos e concentra-se para aproveitar ao máximo este momento. (DOHME, 2003, p.75) Ela começa a sua abordagem apresentando o prazer e a alegria como motivos para essa boa receptividade dos alunos que, conseqüentemente, favorece o ensino. Pois, assim, O aluno passa a ver o adulto (professor) de uma forma mais próxima, não é o adulto que espera dele um comportamento sério que o faça compreender as “coisas difíceis” que eles estão ensinando. Mas é o adulto que de forma leve e alegre entra “no mundo da criança” para transmitir aquilo que sabe. (DOHME, 2003, p.93) Enfim, essa autora explica como e porque a relação entre professor e aluno se torna diferente do ponto de vista da criança a partir da fácil receptividade causada pela presença do jogo. Enfim, Todos sabemos que os alunos de hoje estão na situação de só acreditar nos professores que ainda sabem participar, sabem transformar suas aulas em trabalhojogo (seriedade e prazer), sabem manter um relacionamento de irmão mais velho, sabem desafiar, aproveitar cada momento, cada situação para debater, discutir e proporcionar a aprendizagem. Sabemos também que quando os alunos gostam do professor acabam gostando daquilo que ele ensina e se esforçam cada vez mais para aprender e não decepcionar. (WEISS, 1989, p.41) Além da boa aceitação dos alunos às atividades lúdicas, do gosto e do interesse por aquilo que o professor ensina ser um efeito positivo para o ensino, é também para o professor, porque, como declarou a professora, não há indisciplina dos alunos nem desgaste e dificuldades para o professor. O próprio professor se beneficiou do seu ensino lúdico quando confessou que por meio dele sentiu prazer, alegria, e contentamento, enfim, um bem estar. ... a ludicidade pode manifestar-se em toda e qualquer ação do ser humano em que ele sinta-se inteiro, presente, em contato consigo mesmo, e que esse contato seja capaz de expressar sua verdadeira essência, ou seja, sua verdadeira forma de ser, sentir, pensar, e agir. Assim que brincadeiras, jogos e brinquedos trazem uma maior probabilidade de acesso a essa ludicidade, mas não uma garantia de tal ocorrência. É a atitude interna, ou predisposição do indivíduo, juntamente com o despertar externo que podem fazer emergir sua ludicidade. (GOMES, 2004, p.145) Já que a ludicidade pode manifestar-se em toda e qualquer ação do ser humano, então a ludicidade se manifestou na ação de ensinar, pois no relato de experiência pessoal da Professora da Cri-Arte ela afirma que teve uma predisposição para brincar e por isso, descobriu uma característica da sua essência: um ser que gosta de brincar e que sente, pensa e 46 age de maneira criativa. Os jogos e as brincadeiras, além de colocarem a Professora em contato consigo mesma, fizeram emergir do ensino a alegria, a diversão e o prazer de ensinar. A partir dessa perspectiva, considero a ludicidade como uma das potencialidades inerentes ao ser humano de expressar a si mesmo através do contato consigo e com o que está fora de si, além de um fenômeno mais amplo que o lúdico, ao envolver as dimensões internas e externas desse ser. Ademais, a ludicidade tem na brincadeira e no brincar um rico caminho a estimular seu acesso, podendo se manifestar não apenas em alegria... (GOMES, 2004, p. 145) Essas duas citações descrevem muito bem a ação da professora e a conseqüência dessa ação metodológica lúdica, ou seja, a atitude de estar disposta a participar despertou e expressou uma essência criativa, alegre, divertida e afetuosa da professora. Por isso, é possível afirmar que nessa experiência aconteceu a ludicidade e que esta foi vivenciada pela professora, pois o contato externo voluntário com as atividades lúdicas promoveu um contato interno e intenso de bem estar e, assim, ela pôde estar e sentir-se plena e integrada. As palavras a seguir de uma experiência individual se assemelham às da professora da CriArte e por isso podem ser compartilhada por ambas, servindo, portanto, para resumir e reforçar a presença da ludicidade: Em todas estas atividades, pude perceber que os participantes, quando se entregavam a experiências lúdicas, viviam momentos de grande significado pessoal, e saiam leves, renovados, muitas vezes relatando ter tomado contato com um estado de alegria que já nem lembravam mais que existia... (SANTANA, 2004, p.27) Em outras palavras, as atividades lúdicas eram, muitas vezes, uma forma inteiramente satisfatória, para mim e meus pares, de experimentar, por alguns momentos, a plenitude da nossa própria natureza, criatividade, livres das tensões e condicionamentos, que usualmente nos limitam, e assim, vivenciarmos estados que nos deixavam com uma sensação de expansão, integração e bem estar. (SANTANA, 2004, p.28) Para que a ludicidade pudesse ser vivencia pela professora, Ramos (2000) e Oliveira (2002) (apud GOMES, 2004, p.148) pressupõem algumas condições necessárias, das quais as três abaixo condizem com a experiência de ensino lúdico analisada neste capítulo: A auto-entrega daquele que brinca ou age, é o estar no aqui e agora, quando se perde a noção do tempo ao se estarem em contato consigo mesmo; Relações flexíveis e que estimulem a autonomia e a ação criativa dos participantes, o que implica em uma não certeza de resultados, uma abertura para o desconhecido, inacabável em relações hierárquicas autoritárias; 47 Inclusão e valorização daquele que brinca e age: ao se incluir e valorizar o ser humano, este cada vez mais se afasta do medo de se auto-expressar, pois aqui não cabem juízos de valor, nem tentativas de se padronizar pessoas. Cada um expressa sua essência, e todos percebem a riqueza da diversidade. “A ludicidade [...] é um fenômeno interno do sujeito, que possui manifestações no exterior.” (Luckesi, 2002, apud GOMES, 2004, p.144)”, ou seja, neste caso aqui considerado e interpretado também por autores diversos, a ludicidade é um fenômeno que aconteceu no interior da professora e manifestou-se externamente no seu próprio ensino. 4.3 UM RELACIONAMENTO COM AFETIVIDADE ENTRE PROFESSOR E ALUNO Em um certo dia de observação, os alunos estavam conversando e um deles falou assim: “...a MINHA pró.”. Em seguida, outro contestou: “A pró não é só sua, é de todo mundo!”. E outro completou: “É! É de todo mundo, a pró gosta de todo mundo!”. Outro dia marcante foi quando uma professora do grupo 3 disse: “A pró de vocês é chata!” e imediatamente um aluno reagiu com a resposta: “Mas a gente ama a pró!” e outro apoiou o colega: “É! A gente ama a pró!”. A demonstração de afeto que os alunos expressam pela professora através dessas palavras foi o destaque para a Professora do 1° ano do fundamental definir a relação entre ela e os alunos como um relacionamento com afetividade. Afetos expressos não somente em palavras, mas em muitos gestos demonstrados com alegria após as brincadeiras. Portanto, Ela (a brincadeira) dá alegria, liberdade, contentamento, descanso interno e externo, paz com o mundo... A criança que brinca sempre, com determinação auto-ativa, perseverando, esquecendo sua fadiga física, pode certamente tornar-se um homem determinado, capaz de auto-sacrifício para a promoção do seu bem e de outros... o brincar em qualquer tempo não é trivial, é altamente sério e de profunda significação. (FROEBEL, 1912c, apud KISHIMOTO 1998, p.91) Sendo assim, a brincadeira é demais importante por ser ela a atividade capaz de mais facilmente motivar uma intensa alegria. Quanto à alegria, certamente muitos concordam que é um estado do ser, e geralmente associado à mesma está o prazer, o contentamento e a diversão. Vale a 48 pena um olhar dualista sobre a alegria, do ponto de vista interno e externo, pois, sendo algo subjetivo, dificilmente pode-se mensurar o que a move, mas ainda assim merece um olhar sobre sua influência no ser humano. (GOMES, 2004, p.142) É verdade que é difícil medir a alegria por ela ser um estado de ser e por isso ser algo subjetivo, mas a maneira com que e o porquê advêm a alegria, o prazer e contentamento sentidos pela professora e por seus alunos podem ser explicados por Huizinga: O jogo lança sobre nós um feitiço: é „fascinante‟, „cativante‟.”, por isso, “todo jogo é capaz, a qualquer momento, de absorver inteiramente o jogador...de maneira intensa e total.”. “O jogador pode entregar-se de corpo e alma ao jogo, e a consciência de tratar-se „apenas‟ de um jogo pode passar para o segundo plano. A alegria que está indissoluvelmente ligada ao jogo pode transformar-se, não só em tensão, mas também em arrebatamento. (HUIZINGA, 2001, p.13) Portanto, o que move a alegria no jogo e na brincadeira é o poder natural e indissolúvel dessas atividades de absorver inteiramente o participante. A alegria que leva ao arrebatamento influência no ser humano na medida em que afeta a interação social dos participantes dessas atividades lúdicas. Em sua qualidade de atividade sagrada, o jogo naturalmente contribui para a prosperidade do grupo social.... Pois, sensação de estar „separadamente juntos‟, numa situação excepcional de partilhar algo importante, afastando-se do resto do mundo e recusando as normas habituais, conserva sua magia para além da duração de cada jogo. Portanto, “seus efeitos não cessam depois de acabado o jogo; seu esplendor continua sendo projeto sobre o mundo de todos os dias, influência benéfica que garante a segurança, a ordem e a prosperidade de todo o grupo até à próxima... (HUIZINGA, 2001, p.15) Um desses efeitos que não cessaram na prática docente foi a alegria que se transformava em manifestações de gestos de carinho das crianças com a professora. “A capacidade criadora, [...] nas crianças ou qualquer individuo criador, deriva desse estado arrebatamento. [...] e este fato leva-o a representar sua emoção em um ato.” (HUIZINGA, 2001) A oportunidade de a criança expressar seus afetos e emoções através do jogo só é possível em um ambiente e espaço que facilitam a expressão: é o adulto que deve criar esse espaço. [...] No jogo pode ser comprovada a importância dos intercâmbios afetivos das crianças entre elas ou com adultos significativos (os pais ou professores). O jogo é uma “janela” da vida emocional das crianças. (FRIEDMANN, 1996 p.66,67) Por isso que a professora definiu como um dos maiores benefícios do lúdico o seu relacionamento afetivo com seus alunos: Num contexto onde a relação adulto-criança caracteriza-se pelo respeito mútuo, pelo afeto e pela confiança (necessidades básicas das crianças e também mútuos), a autonomia terá um campo para se desenvolver tanto do ponto de vista intelectual como sócio-afetivo: a descentralização e a cooperação são básicas para o equilíbrio afetivo da criança, do qual depende do seu desenvolvimento geral. (FRIEDMANN, 1996 p.55) 49 O clima de ludicidade, em geral, colabora com o surgimento de laços afetivos. (DOHME, 2003). O forte laço afetivo entre a professora e os alunos foi construído a base de constantes demonstrações de afeto pelos alunos e professora; pois, ambos sentiam-se mais descontraídos e à vontade para se expressarem afetivamente: Segundo Huizinga, o lúdico é uma espécie de “bolha” que se abre num cotidiano e as pessoas lá entram sabendo que o que irão fazer não tem compromissos futuros e as conseqüências de seus atos estão limitadas ao espaço de tempo que encerra a atividade lúdica. (DOHME, 2003, p.85) A “bolha”, como se expressou Huizinga, aconteceu com a Professora da Cri-Arte quando a atitude dela era de entregar-se por vontade própria às brincadeiras junto com os alunos e foi devido a essa entrega que ela não teve preocupações e distrações externas. Tal comportamento influenciou diretamente no relacionamento com os alunos, pois, Isso faz com que as pessoas se relacionem com mais liberdade, pois não estão influenciadas com o papel que os seus companheiros têm no mundo exterior e não estão preocupadas com o julgamento que os seus companheiros irão fazer dela, pois o seu comportamento só tem validade enquanto todos estiverem “dentro da bolha”. Além disso, as atividades lúdicas são sempre alegres e desfrutando da alegria, as pessoas se dão melhor. Estes conceitos válidos para adultos aplicam-se melhor ainda para crianças que quase sempre estão dentro da bolha da ludicidade. (DOHME, 2003, p.87) Durante os momentos em que a professora participava das atividades lúdicas junto com os alunos, ela estava dentro da bolha da ludicidade, pois desfrutava da alegria sem receio e preocupação de julgamentos e assim, se relacionava melhor com os alunos e os conhecia melhor. Além do descompromisso e do ambiente alegre, os jogos irão proporcionar momentos para que os participantes se conheçam melhor e, conseqüentemente, tenham oportunidade de encontrarem nos outros atitudes e habilidades que causem admiração, que combinem com a sua maneira de pensar, que cause vontade de conhecer melhor o outro. São caminhos para se erigirem amizades. (DOHME, 2003, p.88) A admiração que os alunos tinham à professora por ela participar das brincadeiras com eles gerava uma identificação com ela, deixando-os à vontade e provocando um relacionamento próximo de amizade e afeto entre professor e alunos. Assim, o lúdico foi o melhor caminho e o mais rápido utilizado pela professora para que ela chegasse ao coração dos alunos e eles conquistassem o dela, sendo para ambos um bem significativo. Portanto, o lúdico esteve presente na escola, no ensino, na Professora, nos alunos e entre esses sujeitos, ligando-os. E foi também onde a ludicidade refletiu seu principal benefício: a afetividade. 50 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O lúdico e a ludicidade apesar de ter o brincar como a base do seu significado, não são sinônimos porque se diferem nas suas características. De maneira geral o lúdico é brincar e é definido por toda brincadeira ou atividades que tenham ou não um jogo ou brinquedo, mas que seja divertida, alegre e prazerosa. A ludicidade surge dessa diversão, alegria e prazer, ou seja, é o que se sente ao participar dessas atividades lúdicas que podem não ser uma brincadeira. No entanto, para as crianças, a brincadeira é o meio mais garantido de sentir a ludicidade, pois, sendo o brincar uma ação natural e inerente da criança há por elas um interesse e uma predisposição voluntária para brincar. Logo, elas ficam inteiramente brincando, plenas e satisfeitas. Na educação o lúdico é um fazer, é uma atitude de fazer ou propor uma brincadeira e utilizar essa proposta para o ensino e para o aprendizado. Por isso, ele é uma ação mais concreta, possível de se observar, de saber que de fato acontece, de que maneira e por meio de quais instrumentos, onde e em que momento acontece. Já a ludicidade é uma revelação subjetiva porque se manifesta nas pessoas que brincam e depende de uma atitude interna dessas pessoas e não somente dos objetos lúdicos. É possível enxergar a alegria e a diversão, porém o prazer pleno só é possível ser sentido, por isso, de maneira externa é mais difícil determinar e perceber com certeza e exatidão o acontecimento da ludicidade. Essa breve e inicial conclusão foi possível, primeiramente, pela discussão teórica apresentada no primeiro capítulo. Quando este capítulo forneceu informações que definiam, caracterizavam e diferenciavam as expressões Lúdico e Ludicidade, ele foi determinante para identificar a ocorrência do lúdico e da ludicidade na prática docente ao observá-la. Para o conhecimento do tema desse trabalho, Ludicidade, a visão particular de Luckesi a esse respeito foi indispensável e fundamental para a pesquisa por estar de acordo com prática docente observada. Sendo assim, esse trabalho monográfico conseguiu unir a teoria e a prática pedagógica em uma relação correspondente, ou seja, uma está presente na outra e vice-versa. 51 Depois que as crianças realizam uma atividade lúdica, as emoções sentidas por elas por estarem vivenciando algo prazeroso e satisfatório são direcionadas àquele que promoveu a atividade lúdica, ou seja, a professora. Essas emoções se revelam em gestam afetuosos e de amizade que as crianças têm com a professora e permitem que ambos os sujeitos fiquem unidos afetivamente. Assim, a professora se beneficia indiretamente do lúdico, pois tem uma relação amiga com seus alunos. A alegria e o prazer que os sujeitos sentem, decorrentes do jogo, da brincadeira e de toda atividade lúdica foram os responsáveis pela afetividade positiva na relação interpessoal entre a professora da Escola Cri-Arte e seus alunos, pela manifestação da ludicidade nessa professora e conseqüentemente pelo ensino lúdico. Por isso, ou seja, pela maneira como a ludicidade aconteceu é possível considerar, que no exemplo da Cri-Arte, a afetividade foi a característica mais importante e o benefício mais potente promovido pelo lúdico. Assim, a pesquisa conquistou o seu maior objetivo, o de mostrar os benefícios que a ludicidade traz para o professor e para o ensino. A principal intenção deste trabalho monográfico foi focar a investigação na professora e ressaltar os resultados que ela obtém da sua práxis lúdica. Tendo conseguido alcançar esse objetivo, é possível afirmar também que a presença do lúdico na educação, não promove o desenvolvimento integral somente nos alunos, mas também na professora. Pois, o lúdico desenvolveu na professora da Cri-Arte habilidades, competências e potencialidades, como estimulo ao raciocínio, a criatividade, a afetividade, promovendo assim um crescimento e auto-conhecimento pessoal e um aprendizado e desenvolvimento profissional. Para tanto, é preciso que os professores estejam na posição de mais um participante ativo, pois é com essa atitude que eles também sentiu o prazer que os jogos e brincadeiras proporcionam; e, assim, podem utilizar este prazer para ensinar e ensinará com prazer e afetividade. Portanto, a participação dos professores nas brincadeiras junto com os alunos é o diferencial e é a 52 maneira como a ludicidade pode se manifestar neles e é como eles se beneficiam diretamente do lúdico. No entanto, é indispensável, primeiro, que ele acredite que brincar é essencial na aquisição de conhecimentos, no desenvolvimento da sociabilidade e da afetividade; e por acreditar nisso esteja disposto a utilizá-la e a participar inteiramente. Que perceba o quanto enriquecerá a sua práxis docente e o quanto deixará seu trabalho fácil, prazeroso, com menos pesar e com mais auto – satisfação; pois nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes e imprescindíveis para o aprendizado delas, tais como a atenção, concentração, a memorização, a imitação, a imaginação. A experiência docente vivenciada na Escola Cri-Arte foi o que permitiu alcançar os objetivos propostos no projeto de pesquisa. A descrição das atividades lúdicas utilizadas pela professora da Cri-Arte proporciona aos educadores possibilidades de ações metodológicas pautadas nas brincadeiras e nos jogos infantis para o ensino da alfabetização. Tais ações metodológicas permitem aos educadores obterem o aprendizado significativo da alfabetização pelos alunos. Porém, somente o uso de ações lúdicas não é garantia para o aprendizado efetivo da alfabetização, pois as habilidades de leitura e escrita requerem estratégias e métodos específicos para seu ensino e aprendizagem. A eficiência desse processo pedagógico se dará pelo uso adequado e exploração ampla do lúdico sem perder o foco na alfabetização. A experiência de uma prática docente que usou o lúdico na sua metodologia de ensino mostrou que o lúdico não está apenas na metodologia como um recurso, mas também na prática docente de maneira geral devido aos benefícios que se tem a partir dela. Tal experiência docente vivida e descrita nessa monografia foi um exemplo concreto e real de vivência da ludicidade. E por esse exemplo é provável que a professora da Escola Estadual Vale dos Lagos tivesse obtido os mesmos resultados e benefícios se utilizasse o lúdico na sua práxis pedagógica. Essa professora mostrou o problema da dificuldade de ter alunos de escolas públicas alfabetizados no final do 1° ano do ensino fundamental. Por isso, inicialmente o objetivo geral 53 e maior da realização desse trabalho monográfico era mostrar os benefícios do lúdico na sala de aula para utilizá-los nas escolas da rede pública. Considerando o lúdico como a mais adequada e funcional base metodológica para atingir um desenvolvimento integral e a alfabetização, e que ele proporciona prazer aos alunos e ao professor, fazendo com que a relação entre ambos seja próxima e com afetividade, é possível dizer que essa monografia representa a possibilidade de alcançar totalmente esse objetivo futuramente. A abordagem e compreensão dessa temática são importantes para o esclarecimento à sociedade a fim de que ela tenha mais conhecimentos sobre o trabalho docente. A maior contribuição social deste Trabalho de Conclusão de Curso é representar uma possibilidade de obter novos e bons resultados de desenvolvimento escolar e conseqüentemente melhorar a realidade da alfabetização. Para a área acadêmica esse trabalho pode ser mais uma fonte de estudo e pesquisa para outros trabalhos com temas afins, assim como outras monografias contribuíram para a construção deste trabalho. E, unir a ludicidade e a alfabetização significa, particularmente, o início de uma formação acadêmica continuada e a vontade pessoal de utilizar o lúdico na alfabetização dos alunos da escola pública. 54 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação Lúdica - Prazer de estudar: Técnicas e jogos pedagógicos. São Paulo: Edições Loyola, 1998. BOGDAN, Robert e BIKLEN, Sari – Investigação Qualitativa em Educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Lisboa: Porto Editora, 1994. BRANDÃO, Carlos R. (org). Pesquisa social e ação educativa: conhecer a realidade para poder transformá-la. In: Pesquisa Participante. São Paulo: Brasiliense, 1986. BROUGÈRE, Gilles. Jogo e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. CANDA, Cilene Nascimento. Aprender e brincar: é só começar... a ludicidade na alfabetização de jovens e adultos. Salvador, 2006. DOHME, Vania. Atividades Lúdicas na Educação: O caminho de tijolos amarelos do aprendizado. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. FERREIRA, Aurélio. Novo Aurélio século XXI – O dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FRIEDMANN, Adriana. Brincar: crescer e aprender, o resgate do jogo infantil. São Paulo: Moderna, 1996. GOMES, Daniela. A Ludicidade na Educação: por uma formação lúdica do professor de língua inglesa. Em: Educação e Ludicidade – Ensaios 03 – Ludicidade: Onde acontece? Bernadete de Souza Porto (Org.), Salvador, Gepel /UFBA, 2004. HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva, 2001. 55 KISHIMOTO, Tizuko Morchida (Org.). O brincar e suas teorias. São Paulo: Pioneira, 1998. LUCKESI, Cipriano Carlos. Brincar: o que é brincar? Artigos Educação e Ludicidade, Nov. de 2005. Disponível em: http://www.luckesi.com.br/. Acesso em: 25 nov. de 2010. LUCKESI, Cipriano Carlos. Brincar II: brincar e seriedade. Artigos Educação e Ludicidade, Nov. de 2005. Disponível em: http://www.luckesi.com.br/. Acesso em: 25 nov. de 2010. LUCKESI, Cipriano Carlos. Desenvolvimento dos estados de consciência e ludicidade. Artigos Educação e Ludicidade, Nov. de 2005. Disponível em: http://www.luckesi.com.br/. Acesso em: 25 nov. de 2010. LUCKESI, Cipriano Carlos. Ludicidade e atividades lúdicas - uma abordagem a partir da experiência interna. Artigos Educação e Ludicidade, Nov. de 2005. Disponível em: http://www.luckesi.com.br/. Acesso em: 25 nov. de 2010. MIRANDA, Simão de. Do fascínio do jogo à alegria de aprender nas séries iniciais. Campinas, SP: Papérus, 2001. SANTANA, Maria Bernadete Caldas. Abordagem integral da ludicidade, a partir da visao 'todos os quadrantes e todos os niveis' de Ken Wilber. Em: Educação e Ludicidade – Ensaios 03 – Ludicidade: Onde acontece? Bernadete de Souza Porto (Org.), Salvador, UFBA/Gepel, 2004, pág 21 a 40. SANTOS, Ádila Silva. Ludicidade e Educação: A utilização de atividades lúdicas como contribuição pedagógica. Salvador, 2008. WEISS, Luise. Brinquedo e Engenhocas: Atividades lúdicas com sucata. São Paulo: Scipione, 1989. 56 APÊNDICE A - ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA APLICADA À DIRETORA DA ESCOLA CRI-ARTE Entrevistada: Soraia Guerra – Diretora da Escola Cri-Arte 1. A proposta educacional da Escola Cri-Arte está baseada em que concepção de educação? 2. Qual a concepção filosófica que fundamenta os objetivos educacionais da Escola Cri-Arte? 3. Levando em consideração os objetivos de desenvolvimento pleno e integral, posso afirmar que a ludicidade é a característica determinante e predominante da identidade e da educação da escola? Por quê? 4. O que a ludicidade significa e representa para a Escola Cri-Arte? 5. Qual a relação da Escola Cri-Arte com a ludicidade? Em que é possível ver a presença da ludicidade na Escola Cri-Arte? 6. De maneira geral e específica, quais as orientações metodológicas que a Coordenação faz às professoras para que elas tenham uma práxis de ensino coerente com a proposta educacional da escola? 57 APÊNDICE B - QUESTÕES NORTEADORAS PARA A OBSERVAÇÃO DA PRÁTICA DOCENTE Professora: Carolina Ferreira 1. Como e com que freqüência o lúdico aparece na metodologia de ensino. 2. De que forma e com que intenção os jogos e as brincadeiras foram utilizados na prática de ensino. 3. As brincadeiras foram utilizadas para atender a que objetivos. 4. Que ações metodológicas lúdicas foram utilizadas e desenvolvidas para o ensino da alfabetização. 5. O que o lúdico traz de benefícios no ensino; na aprendizagem e desenvolvimento dos alunos; no relacionamento entre alunos e entre professor-aluno e para o professor, pessoalmente e profissionalmente. 6. Em quais momentos é possível perceber a presença da ludicidade e seus benefícios. 58 ANEXO A – DESENHOS E BILHETES FEITOS PELOS ALUNOS DA ESCOLA CRI-ARTE Desenho 1 – Autora: Cailane Desenho 2 – Autora: Cailane Desenho 3 – Autora: Cailane Desenho 4 – Autora: Luana Desenho 5 – Autor: Antônio Fernando 59 Bilhete 1 – Autora: Cailane Bilhete 2 – Autora: Cailane 60 ANEXO B – PLANO DE AULA SEMANAL DA PROFESSORA DA CRIARTE ÁREA DO DATA ATIVIDADES DE CLASSE ATIVIDADES DE CONHECIMENTO CASA Língua Portuguesa (Estudo do Texto Receita) Geografia (Meios de Transporte) Brincadeira: Cozinhando uma Classificador cocada. Leitura - Livro pág. 53 2° 7/6 Jogo dos Ambientes Caderno Livro pág. 108 e 109 Matemática (Conceitos Matemáticos) Atividade Impressa Livro pág. 34 Língua Portuguesa (Gramática – Sílaba) Brincadeira Adoleta. Livro pág. 71 3° Caligrafia pág. 62 8/6 História do homem Classificador Matemática (Geometria) Leitura - Livro pág. 25 Pesquisa no caderno de desenho Língua Portuguesa (Ortografia – r e rr) Brincadeira: Telefone sem fio Caligrafia pág. 25 com trava-línguas Caderno História (Antiguidade) Atividade de Colagem Ciências (Os animais) 4° Matemática (Tratamento Informação 9/6 da Língua Portuguesa (Produção de Texto) Matemática (As 4 operações) Mímica de Auto-Ditado Conversa sobre Livro pág. 26 e 27 5° 10/6 Animais Livro pág. 64 Estimativa Classificador Vídeo e Música: Borboletinha Livro pág. 58 Caderno: Lista de ingredientes e escrita da receita Jogo do Dado Impressa) Livro pág. 138 (Atividade Livro pág. 139 Inglês EBE Artes (Cores e Textura) 6° 11/6 DVD de Histórias Bíblicas Pintura Livro das Cores