Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional Universidade Federal do Rio de Janeiro Disciplina: Sociedade e Território Professor: Luis Cesar Queiroz Ribeiro Alunos: Camilla Lobino, Fernanda Kopanakis, Thêmis Aragão, Timo Bartholl BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papirus, 1996. BOURDIEU, Pierre. A economia Perspectiva,Quinta edição, 2009. das trocas simbólicas. São Paulo: WACQUANT, Loic. Esclarecer o Habitus – In: hppt://sociologiac.net/biblio/Wacquant Pierre Bourdieu é um dos principais expoentes da sociologia reflexiva. Nesse sentido, uma de suas preocupações fundamentais era refletir sobre os mecanismos de analise social e sua conversão em práticas científicas, as condições de produção dos discursos científicos e seus efeitos, bem como as operações concretas e mentais de construção do objeto sociológico. As possíveis relações entre a vida real e o que o sociólogo produz sobre ela, o controle das posturas analíticas entre as relações do observador e do observado são alvos das estimulantes problematizações da sociologia desenvolvida por Bourdieu. Os conceitos de “Classes sociais”, “espaço social”, “habitus”, “violência simbólica” são trabalhados por ele e adquirem validade quando averiguados através de uma pesquisa teórica e empírica. Dessa forma, pela dinâmica constitutiva do próprio campo cientifico, através da produção da ciência social assegurada por uma abordagem teórica rigorosa além de uma observação sistemática é que teríamos condição para produzir novos objetos e detectar dimensões do mundo social cientificamente falando. A reflexividade proposta chama atenção para o risco sobre como a produção científica pode ser determinada e por lógicas externas ao mundo acadêmico, além das reificações produzidas no interior deste mesmo campo. Segundo ele os riscos da pesquisa social, parafraseando Marx, seriam: “Tornar a lógica das coisas pelas coisas da lógica”. As reflexões acerca da das posturas, condições de produção das categorias, analises e as determinações que podem incidir sobre a prática da pesquisa social representam as problematizações do mundo vivido pelo “homus academicus”. Segundo o próprio autor a sociologia teria como “serviço público” a desnaturalização do mundo social por meio do reconhecimento das “causas objetivas e razões subjetivas”. De acordo com ele a realidade é relacional, da mesma forma que os conceitos-chave que produziu, melhores compreendidos quando relacionados uns aos outros: capitais, habitus e campo estão “amarrados” através de seus sentidos e operacionalmente, da mesma forma que é mundo social. O entendimento da luta simbólica, por exemplo, dos princípios de classificação, o campo de força, a violência e o espaço simbólico são entendidos dentro de uma forma de pensar o mundo social onde as ações dos agentes se direcionam através das imersões continuas adquiridas por meio do “illusio” dos jogos e do campo de forças sociais. Espaço Social e Espaço Simbólico Bourdieu parte no inicio do texto para a análise que realizou em seu livro La Disticion e nos remete a impossibilidade de entendermos certas categorias sociológicas trabalhadas por ele por si e em si mesmas. Elas só fazem sentido quando averiguadas por uma pesquisa teórica e empírica. Sendo assim, o Espaço Social construído pelo autor que trata concretamente o caso a França dos anos de 1970 foi resultado de uma multiplicidade de recursos metodológicos: métodos quantitativos, qualitativos, estatísticos, etnográficos, macro e microssociológicos que possibilitaram a “captura” de uma “realidade empírica historicamente situada e datada” (BOURDIEU, 1996, p.15). Parafraseando Gaston Bachelard trata-se “um caso particular do possível”. Analisar o Espaço Social, na proposta de Bourdieu, significa apanhar o invariante, uma estrutura, numa determinada variante observada. Trata-se de um diagrama que localiza o as disputas simbólicas, as variações dos capitais sociais e as posições de poder em determinada sociedade. É a aplicação de um mundo social, a um modelo construído de acordo com essa lógica. A realidade não é assim, algo fixo e dado. Ao contrário, é o resultado das relações sociais entre os agentes envolvidos que confrontam e desenvolvem suas ações praticas conforme suas posições no espaço social. Cabe ao pesquisador apreender as estruturas e mecanismos que escapam à lente do senso comum (tanto ao olhar do nativo, quanto a olhar do estrangeiro) tais como as principio de construção do espaco social ou os mecanismos de reprodução desse espaço. Bourdieu abre fogo contra uma sociologia substancialista e normativa que considera cada prática ou conceito em si e por si mesmas e descoladas das dinâmicas intercambiáveis que concebe a correspondência entre a posição social, os gostos e a prática como uma relação mecânica. O modo de pensar substancialista – do senso comum - leva a tratar as atividades ou preferências próprias a certos indivíduos ou a certos grupos determinada sociedade, em um determinado momento, como propriedades substanciais, inscritas de uma vez por todas em uma espécie de essência biológica ou cultural. Por meio de seu engajamento na sociologia reflexiva, Bourdieu considera a diferença entre os conceitos substanciais em contraponto aos conceitos relacionais. Não é aconselhável sociologicamente, de acordo com a perspectiva de Bourdieu, transformar em propriedades intrínsecas de um grupo qualquer propriedade que lhes cabem em um momento dado, a partir de sua posição em um espaço social determinado, em uma dada situação de oferta de bens e práticas possíveis. Em cada momento de cada sociedade, de um conjunto de posições sociais, vinculados a uma relação de homologia a um conjunto de atividades ou de bens por eles próprios relacionados. O espaço social expressa um quadro analítico que pode ser acionado para diferentes realidades sociais. As posições ocupadas pelos agentes são definidas pelo contexto e elas distinguem os agentes sociais na disputa por uma visão de mundo. O contexto relacional é capaz de distinguir as posições ocupadas pelos diferentes agentes. As disposições são as formas pelas quais as posições são expressas material e simbolicamente: os gostos, os modos de falar, as vestimentas, as preferências que são percebidas corporificadas, materializadas através do habitus. As posições e as disposições são reveladas pelas tomadas de posição. Estas revelam escolhas que os agentes fazem no domínio das diferentes práticas (políticas, esporte, cozinha, música, política). As tomadas de posição expressão traços distintivos, diferenças e separações que só fazem sentido em relação a outras propriedades. Dessa forma, a idéia de diferença fundamenta a noção de espaço, exteriores umas as outras e definidas uma em relação às outras. São definidas umas em relação às outras por sua exterioridade mútua e por relação de proximidades, de vizinhança ou de distanciamento e, também, por relações de ordem, como acima, abaixo e entre. Os agentes se distribuem em função de sua posição pelos dois tipos de capitais: o capital cultural e o capital econômico.Os agentes mais tem em comum quanto mais próximos estão nas duas dimensões de representação dos tipos de capitais. O Espaço social seria a realidade invisível que organiza as praticas sociais dos agentes. O principio de classificação vincula-se a propriedades determinantes por oposição a diferença e agrupa os agentes que mais se parecem entre si, tão diferente quanto possível dos integrantes de outras classes, vizinhas ou distantes. A proximidade, no entanto, não predispõe aproximação (propriedade, disposição e gostos) não significa que seria uma classe social. A proximidade no espaço social define proximidade objetiva, “classe provável”. O autor indica o “efeito teoria” produzida pela teoria marxista, bem diferente do que Marx criticava: não se passa da classe no papel para a classe “real”. A não ser por um trabalho de mobilização política. A luta de classes, para Bourdieu, é uma luta simbólica (política), pela classificação e visão de mundo social. Ela se constitui na percepção e na realidade. Negar a existência de classes é negar a existência dos princípios de diferenças e dos princípios de diferenciação. O cerne da questão de classes sociais, para Bourdieu, se dá pelas formas de ação por meio de praticas e discursos. O Espaço social expressa diferença na sociedade bem como os conflitos que são existentes e estruturados nessa diferença. Ele é um espaço de diferença no qual as classes sociais existem de algum modo em um estado virtual, não como um dado, mas algo que se trata de fazer. Assim, o “ponto de vista” situado no espaço social, assume um principio de visão assumido. É a realidade já que comandas até as representações que os agentes fazem deles. Pela perspectiva do Espaço social, podemos organizar uma realidade concreta, como um modelo universal que busca dar conta de variações históricas. Sendo a estrutura de posições diferenciadas, definidas em casa caso, pelo lugar que ocupam na distribuição de um tipo especifico de capital. As classes socais, nesse sentido, são classes lógicas determinadas na teoria e no papel pela delimitação de um conjunto relativamente homogêneo de agentes que ocupam posição idêntica no Espaço Social. Diante no “mito de uma sociedade sem classes”, Bourdieu, identificou na Alemanha oriental a variante do capital político. Este, na conformação do Espaço Social deste contexto substitui o capital econômico (propriedade e meios de produção), que determina em última instancia as posições no Espaço social, na conformação de classes de privilégios ao Estado soviético. A nomenclatura do partido comunista representaria uma classe social, que se distingue através das suas formas de ação (praticas e discursos) de outros grupos nesta sociedade. O capital político especifico de tipo soviético permite construir uma representação do espaço social que corresponda a distribuição de poderes, dos privilégios do estilos de vida, distinguindo dos demais as linhagens de dinastias políticas e os agentes da hierarquia do partido. O NOVO CAPITAL Esta parte do texto trata dos mecanismos extremamente complexos pelos quais a instituição escolar contribui para reprodução do capital cultural e, assim, da estrutura do espaço social.Às duas dimensões fundamentais desse espaço correspondem dois conjuntos de mecanismos de reprodução diferentes – cuja combinação define o modo de reprodução -, que fazem com que o capital puxe o capital e com que a estrutura social tenda a perpetuar-se(não sem sofrer deformações mais ou menos importantes). A reprodução da estrutura de distribuição do capital cultural se dá na relação entre as estratégias das famílias e a lógica específica da instituição escolar. As famílias são corpos (corporate bodies) animados por uma espécie de contatus, no sentido de Spinoza, isto é, uma tendência a perpetuar ser social, com todos seus poderes e privilégios, que é a base das estratégias de reprodução. Esse modelo permite compreender não apenas como as sociedades avançadas se perpetuam, mas também como elas mudam sob o efeito de contradições específicas do modo de reprodução escolar. A escola, demônio de Maxwell? Explicação de Maxwell para explicar como a eficácia da segunda lei da termodinâmica poderia ser anulada. Ele imagina um demônio que faz a triagem das partículas em movimento, mais ou menos quentes, isto é, mais ou menos rápidas, que chegam até ele, enviando as mais rápidas para um recipiente cuja temperatura se eleva e as mais lentas para outro, cuja temperatura baixa. O sistema escolar age como o demônio de Maxwell: à custa do gasto de energia necessária para realizar a operação de triagem, ele mantém a ordem preexistente, isto é, a separação entre os alunos dotados de quantidades desiguais de capital cultural. Através de uma série de operações de seleção, ele separa os detentores de capital cultural herdado daqueles que não o possuem. Sendo as diferenças de aptidão inseparáveis das diferenças sociais conforme o capital herdado, ele tende a manter as diferenças sociais preexistentes. Instaurando uma ruptura entre os alunos das grandes escolas e os alunos das faculdades, a instituição escolar institui fronteiras sociais. Essa separação é marcada, primeiro, pelas próprias condições de vida, pela oposição entre a vida reclusa do internato e a vida livre do estudante, depois, pelo conteúdo e, sobretudo, pela organização do trabalho de preparação para os concursos. A classificação escolar é sempre, mas particularmente nesse caso, um ato de ordenação, no duplo sentido da palavra. Ela institui uma diferenciação social de estatuto, uma relação de ordem definitiva: os efeitos são marcados, por toda a vida, por sua pertinência (antigo aluno de...). A classificação como processo de seleção racional, sem ser falsa, é muito parcial: de fato, ela deixa escapar o aspecto mágico das operações escolares que também preenchem funções de racionalização, mas não no sentido weberiano. Os exames ou os concursos justificam em razão de divisões que não necessariamente têm a racionalidade por princípio, e os títulos que sancionam seus resultados apresentam como garantia de competência técnica certificados de competência social, nisso muito próximos dos títulos de nobreza. Em todas as sociedades avançadas, o sucesso social depende profundamente, daqui em diante, de um ato de nominação inicial que consagra, através da escola, uma diferença social preexistente. Assim, a instituição escolar, que em outros tempos acreditamos que poderia introduzir uma forma de meritocracia ao privilegiar aptidões individuais por oposição aos privilégios hereditários, tende a instaurar, através da relação encoberta entre a aptidão escolar e a herança cultural, uma verdadeira nobreza de Estado, cuja autoridade e legitimidade são garantidas pelo título escolar. A nobreza de Estado é um corpo que se criou ao criar o Estado, que teve que criar o Estado para criar-se como detentora do monopólio legítimo sobre o poder do Estado. A nobreza de Estado é herdeira do que na França se chama de nobreza togada – distinta de nobreza de espada – à qual se uniu, cada vez com mais freqüência, através de casamentos, à medida que avançamos no tempo, devendo assim seu status ao capital cultural, principalmente do tipo jurídico. Vê-se que a invenção do Estado e, particularmente, das idéias de “público”, de “bem comum” e de “serviço público”, que são o seu centro, é inseparável da invenção de instituições que fundam o poder da nobreza de Estado e sua reprodução. A autonomiação do campo burocrático e a multiplicação de posições independentes dos poderes temporais e espirituais estabelecidos é acompanhada pelo desenvolvimento de uma burguesia e de uma nobreza togada cujos interesses, particularmente no caso da reprodução, estão nitidamente ligados à escola; seja na sua arte de viver, seja em seu sistema de valores. Esta espécie que se define, por um lado, em oposição ao clero e, por outro, à nobreza de espada, cuja ideologia hereditária ela critica, em nome do mérito e do que mais tarde chamaremos de competência. Assim, para se impor nas lutas que a opõem à outras frações dominantes, nobres de espada e também burgueses da indústria e dos negócios, a nova classe, cujo poder e autoridade repousam sobre o novo capital, o capital cultural, deve alçar seus interesses particulares a um grau de universalização superior, e inventar uma versão que podemos chamar de “progressista” da ideologia do serviço público e da meritocracia: reivindicando o poder em nome do universal. Arte ou comércio? De fato, os agentes sociais, alunos que escolhem uma escola ou uma disciplina, famílias que escolhem uma instituição para seus filhos etc., não são partículas submetidas a forças mecânicas, agindo sob a pressão de causas, nem tampouco sujeitos conscientes e conhecedores, obedecendo a razões e agindo com pleno conhecimento de causa, conforme acreditam os defensores da Rational Action Theory. Os “sujeitos” são, de fato, agentes que atuam e que sabem, dotados de um senso prático, de um sistema adquirido de preferências, de princípios de visão e de divisão (o que comumente chamamos de gosto), de estruturas cognitivas duradouras (que são essencialmente produto da incorporação de estruturas objetivas) e de esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a resposta adequada. O habitus é essa espécie de senso prático do que se deve fazer em determinada situação – o que chamamos, no esporte. O senso do jogo, arte de antecipar o futuro do jogo inscrito, em esboço, no estado atual do jogo. As “partículas” que avançam em direção ao “demônio” trazem nelas mesmas, isto é, em seu habitus, a lei de sua direção de seu movimento, o princípio da “vocação” que as orienta em direção a tal instituição ou a qual disciplina. Do mesmo modo, no lugar do demônio, há, entre outras coisas, milhares de professores que aplicam aos estudantes categorias de percepção e de avaliação estruturadas de acordo com os mesmos princípios. A ação do sistema escolar é resultante da ações mais ou menos grosseiramente orquestradas de milhares de pequenos demônios de Maxwell que, por suas escolhas ordenadas de acordo com a ordem objetiva( as estruturas estruturantes são estruturas estruturadas) tendem a reproduzir essa ordem sem saber, ou sem querer. A metáfora do demônio é perigosa também porque favorece o fantasma da conspiração, que comumente ronda o pensamento crítico, a idéia de que uma vontade malévola seria responsável por tudo o que ocorre de melhor e sobretudo, de pior, no mundo social. Se o que vamos descrever como um mecanismo, por imposição da comunicação, é vivido, às vezes, como uma espécie de máquina infernal, como uma engrenagem trágica, exterior e superior aos agentes, é porque cada um dos agentes, para existir, é de certa forma constrangido a participar de um jogo que lhe impõe esforços e sacrifícios imensos. Para liquidar também com a representação mutilada e caricatural que alguns analistas apresentaram dos trabalhos de Bourdieu, seria preciso ter tempo para demonstrar aqui como a lógica do modo de reprodução na sua feição escolar – especialmente na sua característica estatística – e as contradições que o caracterizam, podem estar, ao mesmo tempo, e sem contradição, na base da reprodução das estruturas das sociedades avançadas e de uma série de mudanças que as afetam. Essas contradições, sem dúvida, constituem o princípio invisível de certos conflitos políticos característicos do período recente, como o movimento de maio de 68 que as mesmas causas produzindo os mesmos efeitos, sacudiu quase simultaneamente, sem que possamos supor influencias diretas, a universidade francesa e a universidade japonesa. Seria preciso examinar também a relação entre a nova delinqüência escolar, a lógica da competição obrigatória que domina a instituição escolar, especialmente o efeito de destino que o sistema escolar exerce sobre os adolescentes. Por fim, seria preciso analisar todas as disfunções técnicas que, do próprio ponto de vista do sistema, isto é, do ponto de vista do estrito rendimento técnico (na instituição escolar e além dela), resultam do primado atribuído às estratégias de reprodução social. De fato, tudo leva a crer que, opondo-se aos velhos egressos das grandes escolas a França e das grandes universidades no Japão, que tendem cada vez mais monopolizar duradouramente todas as grandes posições de poder, nos bancos, na indústria, na política, os detentores de títulos de segunda ordem, pequenos samurais da cultura, serão sem dúvida levados a invocar, em suas lutas pela ampliação do grupo no poder, novas justificativas universalistas. ESPAÇO SOCIAL E CAMPO DE PODER A noção de espaço contém, em si, o princípio de uma apreensão relacional do mundo social: ela afirma. De fato, que toda a “realidade” que designa reside na exterioridade mútua dos elementos que a compõem. Os seres aparentes, diretamente visíveis, quer se trate de indivíduos quer de grupos, existem e subsistem na e pela diferença, isto é, enquanto ocupam posições relativa em um espaço de relações que, ainda que invisível e sempre difícil de expressar empiricamente, é a realidade mais real (ens realissimum, como dizia a escolástica) e o princípio real dos comportamentos dos indivíduos e dos grupos. O problema da classificação, que toda ciência enfrenta, só se coloca de modo tão dramático para as ciências do mundo social porque se trata de um problema político que, na prática, surge na lógica da luta política todas as vezes que se quer construir grupos reais, por meio da mobilização, cujo paradigma é a ambição marxista de construir um proletariado como força histórica. Assim, falar de espaço social é resolver, ao fazê-lo desaparecer, o problema da existência e da não existência das classes que desde sua origem, divide os sociólogos: podemos negar a existência das classes sem negar o essencial que os defensores da noção acreditam afirmar através dela, isto é, a diferenciação social, que pode gerar antagonismos individuais e, às vezes, enfrentamentos coletivos entre os agentes situados em posições diferentes no espaço social. A ciência social não deve construir classes, mas sim espaços sociais no interior dos quais as classes possam ser recortadas – mas que existem apenas no papel. Ela deve, em cada caso, construir e descobrir (para além da oposição entre o construcionismo e o realismo) o princípio de diferenciação que permite reengendrar teoricamente o espaço social empiricamente observado. Todas as sociedades se apresentam como espaços sociais, isto é, estruturas de diferenças que não podemos compreender verdadeiramente a não ser construindo o princípio gerador que funda essas diferenças na objetividade. Princípio que é o da estrutura de distribuição das formas de poder ou dos tipos de capital eficientes no universo social considerado – e que variam. Portanto. De acordo com os lugares e os momentos. Essa estrutura não é imutável e a topologia que descreve um estado de posições permite fundar uma análise dinâmica da conservação e da transformação da estrutura da distribuição das propriedades ativas e, assim, do espaço social. É isso que Bourdieu acredita expressar quando descreve o campo, isto é, ao mesmo tempo, como um campo de forças, cuja necessidade se impõe aos agentes que nele se encontram envolvidos, e como um campo de lutas, no interior do qual os agentes se enfrentam, com meios e fins diferenciados conforme sua posição na estrutura do campo de forças, contribuindo assim para a conservação ou a transformação de sua estrutura. O trabalho simbólico de constituição ou de consagração necessário para criar um grpo unido tem tanto mais oportunidades de ser bem-sucedido quanto mais os agentes sociais sobre os quais ele se exerce estejam inclinados – por sua proximidade no espaço das relações sociais e também graças às disposições e interesses associados a essas posições – a se reconhecerem mutuamente e a se reconhecerem em um mesmo projeto (político ou outro). O campo de poder (que não deve ser confundido com o campo político) não é um campo como os outros: ele é o espaço das relações de força entre os diferentes tipos de capital ou mais precisamente, entre os agentes suficientemente providos de um dos diferentes tipos de capital para poderem dominar o campo correspondente e cujas lutas se intensificam sempre que o valor relativo dos diferentes tipos de capital é posto em questão, isto é, especialmente quando dos equilíbrios estabelecidos no interior do campo, entre instâncias especificamente encarregadas da reprodução do campo do poder, são ameaçados. CONDIÇÃO DE CLASSE E POSIÇÃO DE CLASSE Ao adentrarmos na tarefa de compreender como e com quais categorias Pierre Bourdieu pensa a sociedade é de fundamental importância, alguns questionamentos acerca de como os atores e os campos sociais se estruturam nas sociedades. Dessa forma, iniciam-se os questionamentos levantando-se os seguintes pontos: Em que medida uma sociedade estratificada em classes ou grupos de status, formam uma estrutura? Em que medidas essas classes e grupos mantém entre si relações? Em que medida há uma justaposição e como se manifestam as propriedades em que resultam de sua dependência? Assim, Bourdieu discorre que cada classe social, numa estrutura social historicamente definida e afetada por outras relações, possui propriedades de posição e as de situação, explicitadas através de praticas profissionais e condições materiais de existência. A exemplo do camponês (em Weber), que é definido pelas suas praticas como trabalhador da terra, sua relação com a natureza, com um tipo de religiosidade e feitos de dependência e submissão com o citadino e a vida urbana. Naturalmente há variações segundo as sociedades e as épocas, mas essa relação (do camponês) é sempre determinada no que diz respeito ao citadino e a vida urbana (Redfield). Dá-se também o exemplo da religião rural na Argélia tradicional, onde a mesma extrai inúmeras características do fato de julgar-se sempre em relação à religião urbana e de identificar e interpretar a forma e os significados de suas práticas segundo as normas da religião islâmica. “Sem dúvida, as propriedades de posição e as de situação só podem ser dissociadas por uma operação do espírito – pelo simples fato de que a situação de classe pode também ser definida como posição no sistema de relações de produção e, sobretudo porque a situação de classe define a margem de variação, em geral muito pequenas, deixada às propriedades de posição” (pág.4) Para Wertheimer a classe social não é apenas um “elemento” que existiria em si mesmo, sem ser em nada afetado ou qualificado pelos elementos com os quais coexiste, mas é “parte”, ou seja, um elemento constituinte determinado por sua integração numa estrutura (pág. 04/05). Neste sentido, o sistema de critérios utilizados para definirmos esta ou aquela classe social numa pequena comunidade, uma vez aplicado a uma cidade grande ou sociedade global, determinará uma categoria estruturalmente bem diferente. O exemplo ilustrativo é o da classe superior numa cidade pequena, que apresenta a maioria das características da classe média numa cidade grande. Colocados em posições sociais estruturalmente diferentes, eles se distinguem por inúmeras condutas e atitudes dos indivíduos com os quais podem partilhar certas características econômicas, sociais e culturais. Há que se considerar e observar atentamente as propriedades de posição. Considerar propriedades de posição deve impedir de serem transferidos indevidamente esquemas descritivos e explicativos de uma sociedade à outra, ou a uma outra época da mesma sociedade. É o caso quando Marx fala do objetivismo pequeno burguês, ou quando Weber atribui a cada classe ou a cada grupo de status, como camponeses, burocratas, guerreiros ou intelectuais, propriedades transculturais, tais como uma certa atitude diante do mundo ou um tipo de religiosidade. Aqui se pretende comparar traços culturais inseridos em culturas de estruturas diferentes. Como observa Georges Dumézil, “o comparatista deve se ater às estruturas tanto ou mais do que os seus elementos” (pág. 06). A comparação somente poderá ser feita entre estruturas equivalentes ou entre partes estruturalmente equivalentes das mesmas. Duas sociedades diferentes podem apresentar propriedades estruturalmente equivalentes, a despeito das diferenças profundas ao nível das características objetivas das classes que a constituem. Portanto, para Bourdieu as classes sociais são uma realidade histórica, a forma como os homens vivem sua própria historia, lutam como atores sociais para a ocupação dos espaços sociais. A classe social é um fenômeno que unifica uma serie de acontecimentos dispares e aparentemente desconectados, inserindo seus atores espacialmente em determinados campos sociais e com o acumulo de certos capitais (cultural, social, econômico, político, artístico etc). Assim, as formas como as pessoas ou os grupos vivenciam a realidade, e conseqüentemente, fazem suas escolhas determinará um estilo de vida. Estilo este que será um conjunto unitário de preferências distintivas que exprimem, na lógica especifica de cada um dos espaços simbólicos, a mobília, as vestimentas, a linguagem, dentre outros, a mesma intenção expressiva, um principio de unidade de estilo. Dessa forma, os grupos de status dependem do consumo de bens materiais e simbólicos expressos em cada estilo de vida. A posse de bens se traduzirá o consumo simbólico, em signos ou diferenças simbólicas. E cada dimensão do estilo de vida simboliza todas as outras, as oposições entre as classes se exprimem pela preferência por certos bens culturais. O sentido de um signo é função de sua relação com os outros signos do sistema, assim, o estilo de vida significa também relações de associação ou dissociação no sistema de estratificação das classes sociais. As formas ou os estilos de consumo dos bens materiais contribuem para o conhecimento dos significados atribuídos pelos grupos às suas ações e da própria imagem social do grupo. As diferenças no estilo de vida residem nas variações da distancia em relação às necessidades básicas dos indivíduos ou grupos. A distancia com o mundo concreto da necessidade, de suas pressões materiais e urgências. Exemplificando-se: os operários investem em bens de primeira necessidade, e utilizam roupas de corte clássico, que independem da moda; já as classes médias, investem em vestuários da moda ou estilosos, enquanto que as classes privilegiadas necessitam de novos bens de consumo, mais raros e, portanto, mais distintivos. Entretanto, na analise de indivíduos e grupos sociais há que se observar que a posição social não poderá ser definida de forma estritamente estática. É imprescindível uma analise mais sistemática e metódica das estruturas e condições de existência da sociedade, ou seja, uma dada estrutura num determinado tempo e o trajeto social (ponto de trajetória) desse individuo ou grupo. A abordagem estrutural permite captar, pelo estudo sistemático de um caso particular, traços transitórios e transculturais, que aparecem com variações, em todos os grupos nos detalhes de uma análise minuciosa. Citando Bourdieu o mesmo assinala: “as características das diferentes classes sociais dependem não apenas de sua posição diferencial na estrutura social, mas também de seu peso funcional nesta estrutura, peso proporcional à contribuição dessas classes para a constituição desta estrutura, e que não se resume apenas a sua importância numérica. O esforço para descobrir e descrever a estrutura especifica de uma sociedade particular, isto é, o sistema de relações que se estabelecem entre suas diferentes partes, conferindo a cada uma destas partes, e a totalidade que a compõem, uma singularidade irredutível, não impede a comparação entre partes pertencentes a totalidades diferentes” (pág.12/13). Assim, uma classe não pode ser definida apenas por sua situação e por sua posição na estrutura social isto é, “pelas relações que mantém objetivamente com as outras classes sociais. Inúmeras propriedades de uma classe social provem do fato de que seus membros se envolvam deliberada ou objetivamente em relações simbólicas com os indivíduos das outras classes, e com isso exprimem diferenças de situação e de posição segundo uma lógica sistemática, tendendo a transmutá-las em distinções significantes” (p.18). Em Bourdieu a sociedade é um campo de batalha operado pelas lutas no campo da dominação simbólica organizadas de forma sistemática e arbitrária do mundo natural e social, que conta com um aparato institucionalizado para a produção de determinados bens culturais. Assim, “as classes sociais se diferenciam segundo sua relação com a produção e aquisição de bens e os grupos de status, ao contrário, segundo os princípios de seu consumo de bens, o consumo se cristaliza em tipos específicos de vida, sendo os grupos portadores de todas as convenções” (p.15/16). Como exemplo dessas insignas, ou tipos de consumo e de condutas passiveis de abrigar uma função expressiva, podemos exemplificar através da linguagem e as roupas que exprimem desvios diferenciais dentro da sociedade sob forma de signos, realizando a função de associação e dissociação. Bourdieu observa em Simmel sua analise sobre a moda do vestuário considerada como um processo que combina individualização e a imitação que exprime de modo paradoxal a vontade de afirmar a particularidade pela busca da diferença. A moda confere uma marca comum aos membros de um grupo particular, distinguindo-os dos estranhos do grupo. Interessante observar a imitação da moda parisiense nos EUA difundida por alguns costureiros de forma limitada e cara, identificada como símbolo de “status”. “Absorvida” também por diferentes criadores das diferentes séries de preço inferior onde procuram introduzir em suas linhas os traços dessa moda, com objetivo claro de satisfazer a demanda das pessoas de posição inferior. A moda como sistema simbólico exerce uma função expressiva e na medida em que é divulgada e absorvida “universalizando-se”, perdendo a significação, o “valor”, o seu símbolo distintivo para um determinado grupo social, busca-se a renovação constante de seus procedimentos expressivos. Portanto, tudo se passa como se as diferentes sociedades e as diferentes classes sociais propusessem a seus membros diferentes sistemas de índices de diferenciação. No caso da linguagem que exprime também diferenças dentro da sociedade, simbolizando uma posição social de um determinado indivíduo ou grupo, cita-se o exemplo bem marcante da língua corrente falada em Viena por um funcionário do ministério que soa totalmente diferente da falada por um balconista. Em todas as línguas há uma posição entre a pronuncia do campo e a pronuncia das cidades, bem como entre a pronuncia das pessoas cultas e a dos ignorantes. Assim, a diferenciação dos procedimentos expressivos da l;íngua exprime a diferenciação social segundo uma lógica original, não podendo-se atribuir a esse procedimento expressivo características de “vulgaridade”, mas os compreendendo como “valor” de sua posição numa determinada sociedade. Assim, toda uma relação das relações objetivas ou intencionais que se estabelecem entre as classes sociais pode constituir objeto de um estudo estrutural. Para Bourdieu a autonomia que torna possível a instauração das relações simbólicas, ao mesmo tempo sistemáticas e necessárias, será apenas relativa, uma vez que as relações de sentido que se estabelecem no interior da margem restrita de variação deixada pelas condições de existência, apenas exprimem as relações de força existentes entre os indivíduos e grupos sociais. Esclarecer o habitus Loïc Wacquant Em “Esclarecer o habitus” Loïc Wacquant realiza um breve, porém completo retrato do conceito habitus. Desde as origens da noção do habitus, o autor passa pelo seu uso na história da filosofia e nas ciências sociais. O autor explica a essência do conceito elaborado por Bourdieu, por meio de seu sentido e exemplifica sua aplicação no campo da Sociologia. Foi no pensamento de Aristoteles e na Escolástica medieval que o habitus tomou forma e conteúdo enquanto noção filosófica antiga. E foi na década de 1960 que Bourdieu retomou e reelaborou o conceito com a intenção de reintroduzir na antropologia estruturalista uma capacidade de ação e invenção ao agente, sem que isso signifique uma volta ao intelectualismo Cartesiano. Durante quatro décadas Bourdieu dedicou seu trabalho ao aprofundamento e à aprimoração do habitus, levando o à construção de uma “economia das práticas generalizada”, historizando e diversificando as categorias que costumam ser tomadas como invariantes nas ciências econômicas. (p.1) A noção aristotélica de hexis se refere a “um estado adquirido e firmemente estabelecido do carácter moral que orienta os nossos sentimentos e desejos numa situação e, como tal, nossa conduta” (p.1). Foi traduzido para Latim por Tomas de Aquino como habitus (particípio passado do verbo latim habere, ter ou possuir) que o usou para denominar uma capacidade de crescer através da atividade. Desde então foram diversos os Sociólogos que se apropriaram do conceito, entre eles Durkheim, Mauss, Weber, Husserl e Elias (p.1-2), antes que Bourdieu realizou a mais bem elaborada e completa renovação do conceito. O habitus em Bourdieu torna possível “transcender a oposição entre objetivismo e subjetivismo: O habitus é uma noção mediadora que ajuda a romper com a dualidade de senso comum entre individuo e sociedade ao captar 'a interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade', ou seja, o modo como a sociedade se torna depositada nas pessoas sob a forma de disposições duráveis, ou capacidades treinadas e propensões estruturadas para pensar, sentir e agir modos determinados, que então as guiam nas suas respostas criativas aos constrangimentos e solicitações do seu meio social existente” (p.2). A prática, segundo Bourdieu, não está sob controle objetiva e nem está independente do indivíduo, mas ela se constrói numa relação dialética entre a situação e o habitus. O indivíduo carrega um sistema de disposições duráveis e transponíveis que são fruto de experiências do passado. Nisso, o habitus - Wacquant cita Bourdieu - “funciona como uma matriz de percepções, apreciações e ações e torna possível cumprir tarefas infinitamente diferenciadas, graças à transferência analógica de esquemas” (p.2-3) adquirido em práticas anteriores. Através de um processo de sedimentação, a história individual e de grupo se acumulam no corpo e nisso a estrutura social se torna estrutura mental. Através de uma comparação do habitus com a “gramática generativa” do Noam Chomsky, Wacquant delineia as características principais do habitus. 1) O habitus é uma aptidão social e como tal é variável através do tempo, do lugar e através das distribuições de poder. 2) O habitus é transferível para diversos domínios de prática. 3) O habitus é durável, mas ele não é estático ou eterno e suas disposições são socialmente montadas e como tais podem ser corroídas. 4) O habitus “tende a produzir práticas moldadas depois de estruturas sociais que o geraram” e é dotado de uma inércia incorporada. Esquemas implantados na infência têm um peso desproporcionado, desde que se formaram enquanto ainda não tinha muitas experiências anteriores disponíveis. 5) Para Bourdieu habitus é “história tornada natureza, (…) é aquilo que confere às práticas a sua relativa autonomia no que diz respeito ás determinações externas do presente imediato. Esta autonomia é a do passado ordenado e atuante, que, funcionando como capital acumulado, produz história na base da história e assim assegura que a permanência no interior da mudança faça do agente individual um mundo interior do mundo.” (p.3) O habitus dá origem, simultaneamente, aos princípios de associação e individuação. A sociação é fruto do fato de que como julgamos e como atuamos são resultados dos mesmos processos sociais dos integrantes de grupo sociais (habitus masculino, habitus nacional, habitus burguês, etc.). A individuação por sua parte é fruto do fato de que cada indivíduo tem um caminho único de vida e assim cada indivíduo tem sua combinação específica e única de esquemas. Desde que o habitus é, ao mesmo tempo, estruturado e estruturante, opera como “princípio não escolhido de todas as escolhas” (p.4). O conceito de habitus está adequado para a análise de crise e mudança tanto quanto para coesão e perpetuação, desde que não necessariamente corresponde com o mundo social no qual evolui: “O facto de o habitus poder “falhar” e de ter “momentos críticos de perplexidade e discrepância” (Bourdieu 1997/2000: 191) quando é incapaz de gerar práticas conformes ao meio constitui um dos principais impulsionadores de mudança econômica e inovação social – o que confere à noção de Bourdieu uma grande afinidade com as concepções neo-institucionalista de racionalidade limitada e de preferências maleáveis, como na teoria da regulação (Boyer 2004)” (p.5). Enquanto o conceito de habitus reingressou em debates do próprio campo de filosofia, Wacquant leva o conceito de habitus para investigar o boxe profissional no gueto negro americano, aonde o “habitus pugilístico acarreta não só o domínio individual da técnica mas, mais decisivamente, a inscrição coletiva na carne de uma ética ocupacional heróica no interior do microcosmos do ginásio de boxe.” (p.6) Para o autor um exemplo de que os esquemas que compõem o habitus são acessíveis à observação metódica. E é no trabalho empírico que se deve levar o habitus á prova. Bibliografia complementar: WACQUANT, L. O legado sociológico de Pierre Bourdieu. Revista de Sociologia Política. Curitiba, 19. p. 95-110, Nov. 2002.