XV ENCONTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DO NORTE E NORDESTE e PRÉALAS BRASIL. 04 a 07 de setembro de 2012, UFPI, Teresina-PI. GT 04 – EDUCAÇÃO, CULTURA E SOCIEDADE O BRINCAR E O LÚDICO: FERRAMENTAS PARA A INCULCAÇÃO DO HABITUS DE ESTUDAR NA REGIÃO METROPOLITANA DE NATAL (RMN) Mércia Maria de Santi Estácio, UFRN [email protected] Moisés Alberto Calle Aguirre, UFRN [email protected] 1 INTRODUÇÃO Em 2010 iniciou-se o projeto de pesquisa “O habitus de estudar: construtor de uma nova realidade na educação básica da Região Metropolitana de Natal (RMN)”1. O projeto está voltado para a melhora da aprendizagem dos alunos da educação básica nos conteúdos de português e matemática. A Região Metropolitana de Natal instituída legalmente em 1997 formouse em um contexto de negociações políticas e não instituída necessariamente por congregar problemas urbanos, comuns nas grandes capitais. A RMN é composta por um universo de 643 escolas, nas diferentes esferas, municipal, estadual, federal e particular, caracterizadas no Censo Escolar e no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB), ambos de 2009. Parte-se de uma perspectiva sociológica da educação buscando maneiras de inculcar e/ou construir o habitus estudar nos alunos do Ensino Fundamental da rede pública municipal nos municípios da Região Metropolitana de Natal (RMN) tendo como fio condutor a cultura lúdica e o brincar, onde consideramos o brincar como elemento estruturante, integrante do contexto relacional. Para tanto, busca-se respaldo teórico nos conceitos de habitus e de campo de Pierre Bourdieu (1975), bem como no brincar, estabelecendo uma relação direta entre a apropriação e utilização dos mesmos na aprendizagem dos alunos. Nesta perspectiva pensamos o brincar como uma atividade/necessidade humana necessária no contexto escolar, e uma ferramenta pedagógica, indispensável para a construção do habitus de estudar nos alunos da educação básica da Região Metropolitana de Natal (RMN). A pesquisa ora relatada tem como objetivo investigar a aprendizagem dos alunos do 1o ano e 4o ano, nos conteúdos de matemática e português de 02 escolas públicas da RMN, bem como propor ações que promovam o avanço desses alunos nesses conteúdos. Para tanto foram desenvolvidos e propostos aos alunos participantes instrumentos pedagógicos de acordo com a faixa 1 Projeto financiado pela Coordenação e Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), desenvolvido na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), coordenado pelo Profº Moisés Alberto Calle Aguirre, no período de 2010 a 2014. 2 etária, pautados no lúdico e no brincar. Estes educandos serão acompanhados ao longo do ano de 2012. Neste texto apresentamos o corpus teórico da pesquisa; o campo empírico, os primeiros resultados e ações da pesquisa. 2 CONCEITUANDO O HABITUS, O CAMPO, A CULTURA LÚDICA E O BRINCAR Para Pierre Bourdieu habitus é entendido como matriz geradora de comportamentos, visões de mundo e sistemas de classificação da realidade que se incorpora aos indivíduos. O habitus é um grande organizador de nossos hábitos, é o que dá sentido às nossas ações quando estamos em sociedade. Um sistema de esquemas de percepção, de apreciação e de ação, um conjunto de conhecimentos práticos adquiridos ao longo do tempo que nos permitem perceber, agir e evoluir com naturalidade num universo social dado. É a incorporação de uma determinada estrutura social pelos indivíduos, influindo em seu modo de sentir, pensar e agir, de tal forma que se inclinam a confirmála e reproduzi-la, mesmo que nem sempre de modo consciente. [...] o habitus, como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver, um capital (de um sujeito transcendental na tradição idealista) o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada, quase postural [...] (BOURDIEU, 2005, p. 61) O campo, segundo Bourdieu consiste de um espaço onde ocorrem as relações entre os indivíduos, grupos e estruturas sociais. Espaço este sempre dinâmico e com uma dinâmica que obedece leis próprias, animado sempre pelas disputas ocorridas em seu interior. O campo é o local em que as coisas acontecem em sociedade. Nichos de atividade humana nos quais se desenrolam lutas pela detenção do poder simbólico, que produz e confirma significados. 3 A noção de campo é, em certo sentido, uma estenografia conceptual de um modo de construção do objecto que vai comandar – ou orientar – todas as opções práticas da pesquisa. Ela funciona como um sinal que lembra o que há que fazer, a saber, verificar que o objecto em questão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial de suas propriedades. Por meio dela, torna-se presente o primeiro preceito do método, que impõe que se lute por todos os meios contra a inclinação primária para pensar o mundo social de maneira realista ou, substancialista: é preciso pensar relacionalmente. (BOURDIEU, 2005, p. 27) Outro conceito que irá ancorar nossa fundamentação teórica é o brincar, que constitui a legitimação de um conceito amplo, uma atividade/necessidade humana, diretamente ligada ao processo de desenvolvimento físico, psíquico, biológico, cultural, social e histórico do ser humano. Este apresenta forte presença nos processos subjetivos envolvidos na ação de brincar, seja na sociedade, seja na família, seja na escola. Como respaldo teórico, utilizaremos os seguintes autores, Johan Huizinga (2004), Humberto Maturana (2004), Walter Benjamin (1984), Lev S. Vygotsky (1989), Donald W. Winnicott (1975) e Gilles Brougère (1995, 2009). Em síntese, estes autores reconhecem que, no ato de brincar se apresentam processos subjetivos, nos quais situações impossíveis são viabilizadas pelo imaginário. Brincando, a criança aprende a ser, revela seus desejos, se relaciona com o outro, e consequentemente amplia a sua subjetividade. Johan Huizinga afirma que o jogo é uma característica essencial da cultura humana e daí a definição “Homo Ludens”. Para Huizinga, o jogo não é propriedade ou pode apenas ser realizado na infância; ele afirma que o jogo é apreciado e praticado pelos homens até o fim da vida. A criança que brinca exercita não apenas sua liberdade, mas também sua criatividade e tais qualidades/habilidades tornam-se elementos balisadores na construção de outras qualidades/habilidades exigidas no seu desenvolvimento. O espaço existente entre a infância e a idade adulta é extenso, e o espaço social da criança se reduz a pequenos agrupamentos, como a casa da 4 família e a escola, lugares de referência com importância significativa, pois são nesses espaços que são construídas as lembranças da infância. A brincadeira tem papel importante no desenvolvimento infantil, e, por isso, é necessário interpretá-la na contemporaneidade, num campo amplo de discussões a respeito do brincar, situando seu espaço e tempo na sociedade, como informam os autores acima citados. Impossível falar de criança sem falar de infância e vice-versa. Estas palavras se entrelaçam e é difícil delimitar o início de uma ou o término da outra. Sabemos que é nessa fase – a infância – que diversos valores, atitudes e posturas são incorporados e apreendidos para a vida; portanto, impossível não perceber sua importância. Partimos do pressuposto de que a cultura é diversificada em função de inúmeros fatores. Primeiramente deve-se considerar a cultura na qual a criança está inserida, sua cultura lúdica e as experiências com as quais teve contato. As culturas lúdicas não são (ainda?) idênticas no Japão e nos Estados Unidos. Elas se diversificam também conforme o meio social, a cidade e mais ainda o sexo da criança. É evidente que não se pode ter a mesma cultura lúdica aos 4 e aos 12 anos, mas é interessante observar que a cultura lúdica das meninas e dos meninos é ainda hoje marcada por grandes diferenças, embora possam ter alguns elementos em comum. (BROUGÈRE, 1998, p. 04 e 05). Uma vez respeitada a cultura na qual a criança está inserida é necessário compreender que o desenvolvimento da criança define as experiências possíveis e que a “cultura lúdica como toda cultura é o produto da interação social” e que “a criança adquire, constrói sua cultura lúdica brincando.” (BROUGÈRE, 1998, p. 05). Diante do exposto percebemos que a brincadeira e a cultura lúdica precisam ser consideradas, bem como oportunizadas no contexto escolar, pois esta prática contribui de forma significativa e diríamos única para a aprendizagem das crianças possibilitando novas e surpreendentes conexões. Assim, o habitus, o campo, o brincar e a cultura lúdica nortearão nossa discussão teórica, permitindo a construção de um conteúdo substantivo à 5 compreensão e interpretação do ensino e da aprendizagem. Buscamos transpor a discussão teórica para o campo da Sociologia da Educação e, aqui, a análise relacional de Bourdieu (2003) é fundamental, dada a participação ativa de três atores da educação: professores, a família (pai e mãe) e alunos. 2.1 DIAGRAMA SOBRE ELEMENTOS QUE INFLUENCIAM O DESEMPENHO ESCOLAR O percurso teórico percorrido até aqui promoveu algumas reflexões que se revestem de um poder interpretativo maior, quando associamos elementos que se imbricam e consequentemente interferem na situação apresentada, e cujo foco principal é o desempenho escolar. O Diagrama 01 considera os elementos que compõem esse cenário, onde o habitus se configura como um mediador, influenciado por fatores que contribuiriam para o desempenho escolar dos alunos de escolas públicas municipais da educação básica da Região Metropolitana de Natal (RMN). A representação escolhida para o Diagrama está impregnada de intenção, uma vez que desejamos fortalecer a argumentação que a cultura lúdica no contexto escolar influencia o desempenho escolar, e que este acontecimento não possui uma forma unidimensional, ou seja, consideramos que o desempenho escolar advenha da participação ativa de outras variáveis que interatuam simultaneamente, gerando diferentes incidências sobre o fenômeno ora abordado. O Diagrama pressupõe movimento/dinâmica, uma vez que em cada uma das esferas que compõe a figura existem elementos que atuam com maior ou menor força sobre as variáveis que incidirão no fenômeno central que é o desempenho escolar. O Diagrama possui uma estrutura que não é fechada, uma vez que acreditamos na influência e/ou participação de outros componentes não considerados no esboço. Em linhas gerais o Diagrama 01 demonstra que o desempenho escolar dos alunos é influenciado pelo conjunto de conhecimentos próprios e esquemas de percepção, que na nossa perspectiva abarca as vivências e 6 experiências acumuladas no contexto familiar, na sociedade e que são consideradas e ampliadas no ambiente escolar. O habitus se constitui como mediador e a cultura lúdica seria uma nova estratégia, uma nova ferramenta pedagógica utilizada para promover a aprendizagem dos alunos, o que consequentemente geraria novos avanços, contribuindo para um melhor desempenho escolar. DIAGRAMA 01 – Elementos que influenciam o desempenho escolar Figura 1:Diagrama 1 3 CARACTERIZANDO O CAMPO EMPÍRICO Pesquisar sobre algo pressupõe investigação, e para tanto é necessário ter instrumentos que contribuam para a leitura que se pretende fazer do contexto pesquisado. Uma vez que acreditamos que [...] a qualidade principal do sociólogo não pode ser a de “intérprete” final, mas sim uma qualidade de artesão, preocupado com os detalhes e com o ciclo completo de sua produção, 7 introduzindo sua ciência nos momentos menos “brilhantes” mas mais determinantes da pesquisa [...] (LAHIRE, 2004, p. 16) Nosso campo de investigação é constituído por 02 escolas públicas municipais situadas na Região Metropolitana de Natal (RMN) as quais possuem professores bolsistas da pesquisa maior, “O habitus de estudar: construtor de uma nova realidade na educação básica da Região Metropolitana de Natal (RMN)” e que são nossos colaboradores. As escolas são: Escola Municipal de 1º Grau Professor Ulisses de Góes e Escola Municipal de 1º Grau José Horácio de Góis. A EM de 1º Grau Professor Ulisses de Góes situa-se na Rua Padre Raimundo Brasil, s/n, no bairro de Nova Descoberta e atende crianças da Educação Infantil, do Ensino Fundamental, e também possui turmas de Ensino de Jovens e Adultos (EJA). A escola funciona nos turnos matutino, vespertino e noturno. A escola foi criada oficialmente pelo ato nº 1902 de 03 de abril de 1977, tendo seu funcionamento autorizado pela Portaria nº 719/80, publicada no Diário Oficial do Estado em 30 de outubro de 1980. Já a EM de 1º Grau José Horácio de Góis, situa-se no Município de São Gonçalo do Amarante. Distrito criado com a denominação de Felipe Camarão, pelo decreto-lei estadual n° 268, de 30/12/1943, instituído em terras do extinto município de São Gonçalo, subordinado ao município de Macaíba. Em 11/12/1958 pela lei estadual n° 2324, foi elevado à categoria de município, e integra a Região Metropolitana de Natal. A escola atende alunos divididos nos turnos: vespertino e matutino. Essa escola é caracterizada como escola rural segundo o Censo Escolar, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A aplicação dos instrumentos buscou verificar a aprendizagem dos alunos do 1o e do 4o ano, do Ensino Fundamental, objetivando fazer uma avaliação diagnóstica dos alunos nos conteúdos de português e matemática. Os instrumentos são adequados à faixa etária dos alunos, que possuem entre 06 e 09 anos. Estes instrumentos foram aplicados nas escolas entre os meses de abril e maio de 2012. 8 No decorrer do ano letivo de 2012, apenas uma das turmas de cada escola pública será acompanhada, sendo oferecidas ferramentas pedagógicas diferenciadas, envolvendo o lúdico e o brincar, contemplando os conteúdos de matemática e português. No final do ano letivo as turmas de cada escola pública, avaliadas no início do ano, serão novamente submetidas a novos testes de português e matemática, possibilitando assim, uma comparação entre alunos que ao longo do ano letivo tiveram acesso a novas ferramentas pedagógicas direcionadas para os conteúdos de português e matemática, e aqueles que não receberam estas ferramentas. Procuraremos, assim, por meio do habitus de brincar compreender a influência deste, na construção do habitus de estudar para aprender. As escolas apresentam diferenças abissais em todos os sentidos o que nos possibilitará um leque maior de possibilidades para as comparações, bem como para a aplicação de instrumentos. Os resultados colhidos pelos instrumentos aplicados nas turmas de cada contexto escolar nos possibilitarão comparar a aprendizagem oferecida e /ou assegurada na esfera pública, apresentaremos a seguir os primeiros dados colhidos. 3.1 OS INSTRUMENTOS UTILIZADOS NAS ESCOLAS Tendo como cenário o lúdico para desenvolver nossas atividades, elegemos os conteúdos de português e de matemática para uma avaliação diagnóstica dos alunos das escolas. Cada aluno recebeu o seguinte material: uma folha tamanho A4 em branco com margens laterais, figuras geométricas coloridas e de vários modelos (círculo, quadrado, retângulo, triângulo) e cola. Primeiramente, solicitamos aos alunos que utilizando as formas geométricas coloridas criassem um desenho na folha, informamos também que não havia a obrigatoriedade de utilizar todas as formas geométricas ofertadas, 9 e que era permitido trocar figuras com os colegas. Estes encaminhamentos visavam assegurar o exercício da criatividade e da autonomia dos alunos. Os alunos tiveram em torno de 40 minutos para realizar suas produções e ao término foi entregue a cada aluno do 4º ano uma folha pautada solicitando que a partir do arranjo/figura criado fosse elaborada uma história. Para os alunos do 1o ano, a dinâmica foi a mesma. No entanto, como eles se encontram em fase de alfabetização, nosso objetivo está focado na autonomia, criatividade e no uso da coordenação motora fina, uma vez que as formas geométricas oferecidas tinham tamanhos diferentes e eles teriam também que manipular a cola. Ao término de suas produções nos sentamos individualmente com cada aluno e perguntamos o que tinha sido retratado no desenho, registrando no papel as falas das crianças. Figura 02: Material para construção de um desenho com formas geométricas Figura 03: Produção textual do desenho/arranjo criado O instrumento de matemática também foi diferenciado, o dos alunos do 1º ano foi composto por 05 questões onde as crianças tinham que contar objetos (coelhos, vacas, cachorros, meninos, figuras geométricas) e escrever os números correspondentes, essa contagem solicitava a sequência de 01 a 10. 10 Para os alunos do 4º ano foi solicitada a resolução de 05 problemas de enredo envolvendo as operações de soma e subtração entre números compostos por unidade, dezena e centena. Figura 04: Atividade de matemática 1o ano Figura 05: Atividade de matemática 4o ano 3.2 APLICANDO OS INSTRUMENTOS NA EM 1º GRAU JOSÉ HORÁCIO DE GÓIS Concentramos nossas atividades em duas turmas: o 1o e o 4o ano. A turma do 1o ano é composta por 14 alunos, sendo 10 meninas e 04 meninos, a turma do 4o ano possui 16 alunos, 12 meninos e 04 meninas. No dia 02/04/2012 aplicamos o instrumento de português nas duas turmas, como descrito anteriormente. Iniciamos com a turma do 4º ano, nos apresentamos para o grupo que se lembrou do projeto de outros momentos e explicamos a dinâmica da atividade, os alunos tiveram em torno de 40 minutos para criarem/montarem seus desenhos, ao término das produções solicitamos que as crianças criassem uma história a partir dos desenhos criados e então ouvimos algumas frases preocupantes: 11 “Como eu vou fazer isso? Eu não sei escrever?” “Eu não consigo não!” “Isso é prova?” Observamos que os alunos conseguiram criar seus desenhos, sendo que alguns em decorrência das dificuldades não conseguiam escrever no papel a respeito dos mesmos e “[...] afastamo-nos de qualquer ideia de evolução cognitiva natural e universal, comum ao conjunto das crianças de uma mesma faixa etária. [...]” (LAHIRE, 2004, p. 19), acreditamos na necessidade de incentivar os alunos a tentarem pelo menos esboçar suas produções. Esta situação foi inesperada, imaginávamos que os alunos possuíam dificuldades, mas estávamos constatando que alguns não conseguiam ao menos escrever o próprio nome de forma legível e compreensível. A estratégia então foi estimulá-los a produzir mesmo com essas dificuldades. As colocações feitas por alguns alunos nos sinalizavam algumas situações e para elucidá-las criamos categorias na tentativa de desenhar como se apresenta a aprendizagem em português deste grupo: a) Categoria 01: alunos com dificuldades moderadas de escrita b) Categoria 02: alunos com dificuldades médias de escrita c) Categoria 03: alunos com dificuldades severas de escrita d) Categoria 04: alunos que ainda não estão alfabetizados Assim podemos concluir que a turma do 4o ano encontra-se dividida da seguinte forma: Categoria 01: 06 alunos; Categoria 02: 04 alunos; Categoria 03: 02 alunos e Categoria 04: 04 alunos. Para realizarmos a atividade na turma do 1º ano convidamos as crianças para trabalhar no chão, já que as carteiras da escola são aquelas que possuem apenas o apoio lateral, eles não possuem mesa e cadeira. Sabemos que nessa faixa etária a criança precisa de espaço. Então, fomos para o chão, alguns alunos a princípio resistiram, mas aos poucos formamos uma roda e explicamos a atividade. Após a produção dos arranjos/figuras eles narraram as histórias que foram transcritas pela pesquisadora. 12 As crianças tiveram também em torno de 40 minutos para fazerem seus desenhos. Observamos nos alunos dificuldade em manipular a cola, solicitando a colaboração da pesquisadora e da professora ou simplesmente inundando o papel com cola. Ao relatarem suas produções observamos um descompasso entre aquilo que estava representado no papel e aquilo que era verbalizado pelos alunos. Ao término das atividades nas duas turmas, foram realizadas algumas brincadeiras com a intenção de estreitar e/ou criar vínculos, pois acreditamos que a aprendizagem está diretamente ligada à afetividade e, por isso, esse é um quesito que merece atenção e destaque. Foi necessário também esclarecer aos grupos que não se tratava de uma avaliação, mas sim de uma atividade para que pudéssemos conhecer e entender em que nível encontra-se a aprendizagem dos alunos. Observamos que para alguns alunos a palavra avaliação gera desconforto e medo e é claro procuramos minimizar os efeitos que tal sentimento pode causar nas crianças, procurando assegurar um ambiente amistoso e agradável para o desenvolvimento desta atividade. No dia 09/04/2012 retornamos à escola para aplicar o instrumento de matemática que foi diferenciado; para a turma do 1o ano apenas contagem dos números de 0 a 10, e para a turma do 4 o ano resolução de problemas com soma e subtração, e mais surpresas. Da mesma forma iniciamos pelo lúdico, convidamos os alunos do 1o ano para sentar no chão e não foi preciso insistir, pois rapidamente eles vieram. Levamos um dado e solicitamos às crianças que fossem identificando os números e rapidamente eles respondiam. Levamos também números para que eles identificassem. Percebemos certa intimidade na turma do 1o ano com os números e no momento de realizar a atividade a grande maioria se saiu muito bem, observamos a escrita espelhada de alguns números, mas essa é uma situação esperada para a faixa etária em que as crianças se encontram. Na turma do 4º ano o lúdico também esteve presente, dividimos os alunos em grupos para jogarem o dominó de adição, para alguns alunos foi necessária uma explicação mais detalhada para outros foi mais fácil e tranqüilo participar do jogo. Em seguida, entregamos a cada aluno uma folha com 05 13 problemas envolvendo soma e subtração. Lemos em voz alta e fomos explicando os problemas, tanto a pesquisadora como a professora da turma se colocaram à disposição para esclarecer dúvidas e/ou sugerir encaminhamentos de forma que os alunos se sentissem seguros para a realização da atividade. De maneira geral, observamos que os alunos se saíram bem na atividade de matemática conseguindo realizar os cálculos das mais diferentes maneiras, contando nos dedos das mãos, fazendo palitinhos ou mesmo realizando cálculos mentais. Mas como em português ficou clara a dificuldade de orientação espacial e lateralidade, habilidades solicitadas para a leitura e escrita, uma vez que, seguimos uma direção, escrevemos e lemos da esquerda para a direita e para registrar a conta armada, os números são colocados um abaixo do outro e de cima para baixo. Nossas descobertas na EM José Horácio de Góis nos revelam algumas questões. É preciso alfabetizar os alunos do 4º ano, na tentativa de contribuir para a concretização do processo de aprendizagem, e também para que os alunos possam não apenas mudar de ano na escola, mas principalmente construírem sua aprendizagem, e se tornarem protagonistas da sua própria história. Pois [...] só podemos compreender os resultados e os comportamentos escolares da criança se reconstruirmos a rede de interdependências familiares através da qual ela constituiu seus esquemas de percepção, de julgamento, de avaliação, e a maneira pela qual estes esquemas podem “reagir” quando “funcionam” em formas escolares de relações sociais.[...] (LAHIRE, 2004, p. 19) 3.3 APLICANDO OS INTRUMENTOS NA EM DE 1º GRAU PROFESSOR ULISSES DE GÓES No dia 07/05/2012 aplicamos o instrumento de português na turma do 1º ano, este grupo é composto por 20 alunos, sendo 13 meninas e 07 meninos. Neste dia apenas 07 crianças estavam presentes em sala de aula. Iniciamos as 14 atividades por volta das 7:30h, apresentando ao grupo o material oferecido para construção do desenho e que não foi uma tarefa fácil para alguns alunos que demonstraram pouca habilidade para colar as figuras, bem como para montar suas produções. Um dos alunos se mostrou aborrecido recusando-se a fazer o solicitado, xingando os colegas. A professora relatou que essa situação se apresenta recorrentemente, ele dorme pouco, pois fica em festas que duram a noite toda e chega na escola sem café da manhã e com sono o que lhe gera mau humor. Tentamos mais de uma vez envolvê-lo, mas foi difícil, ele até chegou a montar seu desenho, mas depois num acesso de raiva o amassou. Acreditamos que como esse aluno muitos outros passam pela mesma situação o que com certeza compromete sua aprendizagem e rendimento escolar. Outra criança também chamou atenção, pois demorou muito para concluir sua produção, mesmo depois dos colegas terem concluído e já estarem realizando uma atividade lúdica ele ainda continuava a montar seu desenho. Chama também a atenção a fala infantilizada, rápida e confusa dessa criança, o que dificulta o entendimento dos colegas causando-lhes aborrecimento. Determinamos um tempo de mais ou menos 40 minutos para a realização dessa atividade e depois perguntamos às crianças o que eles haviam relatado em seus desenhos, observamos que algumas crianças demonstraram dificuldade para articular suas ideias e narrarem suas histórias a partir de suas produções, talvez isso se deva ao fato das poucas experiências vivenciadas por essas crianças o que dificulta a maneira deles perceberem o mundo no qual estão inseridos. Neste mesmo dia aplicamos o instrumento de português na turma do 4º ano, esta turma é composta por 24 alunos, sendo 11 meninas e 13 meninos. Fomos bem recebidos pelos alunos que se mostraram educados, gentis e disponíveis para realizar a atividade. Os desenhos foram pensados com detalhes buscando e priorizando uma harmonia e também sua criatividade. As produções textuais geradas a partir dos desenhos foram muito significativas, após o término da atividade, solicitamos que cada um fizesse uma leitura até mesmo para esclarecer alguma coisa que não era possível ser entendida. 15 Um aluno de 11 anos que faz parte desta turma não está alfabetizado, ele apenas copia, mas não sabe o que está copiando, a professora o recebeu este ano e está preocupada, pois não consegue que ele avance o que lhe desperta uma sensação de impotência. No entanto, quando indagado sobre o seu desenho ele contou sobre o mesmo com desenvoltura e não se negou a participar da atividade. Faremos uso da mesma categorização utilizada com os alunos 4º ano da EM José Horácio de Góis. a) Categoria 01: alunos com dificuldades moderadas de escrita b) Categoria 02: alunos com dificuldades médias de escrita c) Categoria 03: alunos com dificuldades severas de escrita d) Categoria 04: alunos que ainda não estão alfabetizados Dos 13 alunos da turma do 4o ano da EM Prof. Ulisses de Góes que realizaram a atividade encontramos a seguinte subdivisão: Categoria 01: 05 alunos; Categoria 02: 03 alunos; Categoria 03: 04 alunos e Categoria 04: 01 aluno. No dia 14/05/2012 aplicamos o instrumento de matemática nas turmas da EM Prof. Ulisses de Góes. No 1º ano estavam presentes 11 crianças. Observamos que aquele aluno que no dia da aplicação do instrumento de português se mostrou com sono e fome se apresentou mais calmo e participou da atividade. Alguns alunos demonstraram incomodo com o colega que fala muito, por diversas vezes eles pediram para ele parar de falar. Ele foi novamente o último a concluir, ficou pintando as figuras da atividade. Notamos que uma aluna apresenta dificuldade, precisa de apoio o tempo todo para poder produzir, quase não fala, esboça um sorriso tímido, desconfiado. Outro aluno também demonstra dificuldade e desiste com facilidade da atividade precisando ser constantemente encorajado. Quando convidados a sentar em roda o fizeram rapidamente, no entanto, apresentam dificuldade para permanecer nessa formação por um período, talvez não estejam habituados, ou seja, isso não faz parte da rotina diária então fica mais difícil. Logo um começa a empurrar ou incomodar o outro. 16 Levamos um dado e brincamos um pouco para perceber o conhecimento deles com os números, cantamos também a música dos “Índiozinhos”, que faz uma contagem de 01 a 10, eles participaram ativamente, em seguida entregamos as atividades que foram realizadas pelos alunos. Observamos que o grupo do 1º ano apresenta habilidades em matemática, conseguindo realizar a atividade proposta, contando as figuras apresentadas e registrando os números. Algumas crianças escreveram os números de forma espelhada, mas isso é aceitável para a faixa etária em que se encontram. Na turma do 4º ano estavam presentes, 16 alunos, propusemos o jogo de dominó de adição antes da atividade. Eles se dividiram em grupo e foram jogar, em alguns grupos observamos a facilidade para resolver as operações, outros recorreram ao lápis para na própria carteira anotar os resultados das somas que tinham em suas peças do jogo. Mas de maneira geral eles jogaram sem maiores dificuldades ou problemas. Em seguida entregamos o instrumento de matemática, notamos que alguns alunos tinham conhecimento da operação a ser utilizada para resolver os problemas de enredo, soma ou subtração, mas apresentaram dificuldade em operacionalizar as operações que envolviam números compostos por centenas. Alguns alunos registraram seus cálculos no verso da folha, utilizando palitinhos, outros utilizaram os dedos para contar e outros lançaram mão do cálculo mental registrando na folha apenas os resultados finais. Os alunos concluíram a atividade em torno de 40 minutos e eles conseguiram realizar as atividades de maneira satisfatória. Nas turmas de 4º ano ficaram evidentes as dificuldades existentes em relação à alfabetização dos alunos, e que eles variam em intensidade. No entanto, é visível nos 02 grupos o desejo de vencer estas dificuldades e daí surge à necessidade de ações que possam a médio e longo prazo reverterem esta situação. 17 4 NOSSAS PRIMEIRAS CONCLUSÕES E AÇÕES É óbvio que a vivência no campo empírico nos leva a questionar as situações observadas, e surgem algumas perguntas: Por que as crianças não se alfabetizam? Será que o método utilizado é adequado? A falta de materiais contribui para essa situação? Como inculcar o habitus de estudar em alunos e professores? Por que as dificuldades são maiores em português do que em matemática em uma escola do que em outra não? Por que ainda observamos diferenças gritantes entre as escolas públicas e particulares? Mas apenas questionar não resolve é preciso ir além, buscar maneiras de reverter esta situação e promover o avanço destes alunos. Nossa primeira ação foi promover uma oficina sobre o brincar e a aprendizagem para as professoras da EM José Horácio de Góis e EM Profº Ulisses de Góes. Foi uma manhã bastante divertida, brincamos, jogamos e nos divertimos muito. Nossa intenção era mostrar para o grupo que é possível utilizar o brincar e o jogo em sala de aula como uma ferramenta pedagógica e não apenas como um recurso para preencher o tempo. Elas relataram que desconheciam essa possibilidade e que agora iriam incluir essa ferramenta na sua rotina diária. O próximo movimento será oferecer para cada turma das escolas públicas que serão acompanhadas um kit contendo jogos que trabalhem os conteúdos de português e matemática, para que exercitem a criatividade, a autonomia, o raciocínio lógico das crianças e um alfabeto móvel personalizado. Pretendemos ainda oferecer para os professores oficinas voltadas para o letramento e para a matemática. Bem como, trazer os alunos e professores para visitar a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pois pensamos que essa seja também, uma maneira de promovermos os avanços destes grupos tão especiais e tão queridos para o projeto. 18 REFERÊNCIAS BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre: a criança, o brinquedo a educação. Marcus Vinicius Mazzari. (Trad.). São Paulo: Summus, 1984. BOURDIEU P., PASSERON J.C. A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora S.A, 1975. BOURDIEU, Pierre. Razões Práticas: sobre a teoria da ação, Editora Papirus, São Paulo, quarta edição, 2003. ______. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. BRASIL. (2009). IBGE:Cidades@:São Gonçalo do Amarante-RN. Disponível em: www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=241200 Acesso em 10 de outubro de 2011. BROUGÈRE G. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 1995. ______. A criança e a cultura lúdica. Rev. Fac. Educ. 1998, v.24, n.2, p. 103116. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010225551998000200007>. Acesso em: 23 ago. 2009. HUINZIGA, Johan. Homo ludens. São Paulo: Perspectiva, 2004. LAHIRE, Bernard. Sucesso escolar nos meios populares. São Paulo: Editora Ática, 2004. MATURANA Humberto R.; VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Athena, 2004. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989. WINNICOTT, D.W. O Brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora. 1975. ______. A criança e o seu mundo. Rio de Janeiro: LTC. 1982. 19