UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES IV CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS: a execução à luz do Decreto-lei nº 911/69 Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí ACADÊMICO: MÁRIO CÉSAR FERREIRA Biguaçu/SC, 04 julho de 2008 2 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES IV CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS: a execução à luz do Decreto-lei nº 911/69 Monografia apresentada como requisito parcial para Obtenção do grau de bacharel em Direito sob a orientação do Professor: Rafael Burlani ACADÊMICO: MÁRIO CÉSAR FERREIRA Biguaçu/SC, 04 de julho de 2008 3 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES IV CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS MÓVEIS: a execução à luz do Decreto nº Lei 911/69 MÁRIO CÉSAR FERREIRA A presente monografia foi aprovada como requisito para obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Biguaçu/SC, 04 de julho de 2008 Banca Examinadora: _____________________________________ Prof. Msc. Rafael Burlani Professor Orientador ______________________________________ Prof. Msc. Helena Nastassya Paschoal Pitisica ________________________________________ Prof. Msc. Cláudio Andrei Cathcart 4 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, meu protetor, pois é Dele que retiro todas as minhas forças e inspiração nas horas mais difíceis. Ao meu orientador, professor Rafael Burlani, pelo incentivo, orientação, atenção e compreensão ao longo desta jornada. A todos os professores desta instituição de ensino. Talentosos e comprometidos com a seriedade acadêmica desta instituição. Aos professores da banca , que participaram da defesa deste trabalho de conclusão de curso, enriquecendo a avaliação deste estudo. A todos os funcionários e estagiários desta honrada instituição de ensino que, de uma maneira ou de outra, possibilitaram a conclusão do curso e a realização deste trabalho acadêmico. 5 AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Aurino Gesuino Ferreira e Maria de Lourdes Ferreira, que souberam me amparar e incentivar nos momentos mais difíceis. À minha companheira, Jane Teresa Feltz, que não mediu esforços para me apoiar e incentivar, mesmo nas horas mais difíceis. A os meus irmãos, em especial Gilberto Aurino Ferreira, que, sem medir esforços, contribuiu diretamente para esta conclusão. Aos meus concunhado e cunhada, em especial Agenário Gonçalves e Maria de Lourdes Feltz Desidério, que incentivaram e apoiaram dentro das suas possibilidades. A todos aqueles que, embora não citados, contribuíram de alguma forma para a conclusão do meu curso. O meu eterno agradecimento. 6 “Não há vento favorável para aquele que não sabe aonde vai.” Sêneca 7 SUMÁRIO RESUMO..................................................................................................................................10 ABSTRACT..............................................................................................................................11 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... ...12 1 O INSTITUTO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA..............................15 1.2 FONTES HISTÓRICAS.................................................................................................... .15 1.3 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO..............................................16 1.4 NEGÓCIO FIDUCIÁRIO...................................................................................................18 1.5 SUJEITOS DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.......................................19 1.6 OBJETO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA.......................................................................20 1.7 REQUISITOS FORMAIS DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA...............21 1.8 ALIENAÇÃO FIDUCÍÁRIA E O CÓDIGO DO CONSUMIDOR....................................22 1.8.1 CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR..................................................................22 1.9 ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E OUTROS INSTITUTOS ..............................................25 1.9.1 “LEASING”......................................................................................................................25 1.9.2 COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO.................................................25 1.9.3 PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA.......................................................................................26 1.9.4 FORMALIZAÇÃO DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA........................................................................................................................28 1.9.5 CONTEÚDO DO CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA........................................................................................................................28 1.9.6 O REGISTRO E SUA IMPORTÂNCIA COMO PROVA “ERGA OMNIS” ................28 1.9.7 PROVA DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE VEÍCULOS AUTOMOTORES.....................................................................................................................29 1.9.8 A PROTEÇÃO DO CRÉDITO FIDUCIÁRIO................................................................31 2 AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA...................31 2.1 CABIMENTO.......................................................................................................................32 8 2.2 LEGITIMAÇÃO ATIVA E PASSIVA............................................................................32 2.3 FORO CONTRATUAL OU DE ELEIÇÃO E COMPETÊNCIA................................... ..35 2.4 INTERESSE DE AGIR.............................................................................................. . .....36 2.5 DO PROCESSO E DO PROCEDIMENTO .......................................................................36 2.6 DA TUTELA DE URGÊNCIA................................................................................. ... .. ..37 2.7 EFEITOS DO AVAL .................................................................................................. .....38 2.7.1 RESPONSABILIDADE DO AVALISTA.......................................................................38 2.7.2 EFEITOS DO DEFERIMENTO DA INICIAL ................................................... ..........38 2.7.3 REQUISITOS DE FUNDO DA PETIÇÃO INICIAL DE BUSCA E APREENSÃO................................................................................................................. .. . .39 2.7.4 DA ALIENAÇÃO DO BEM.................................................................................... .. ..39 2.7.5 DA AÇÃO DE DEPÓSITO...................................................................................... .. ..40 2.7.6 MEDIDAS IMPEDITIVAS DA BUSCA E APREENSÃO................................. .. ....41 2.7.7MEDIDAS OBSTATIVAS DA ALIENAÇÃO DO BEM APREENDIDO.......... . ...41 2.7.8 DEPÓSITOS INCIDENTES.................................................................................. .. ... 42 2.7.9 EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS........................................................................... .. . 42 3.1 DA AÇÃO DE EXECUÇÃO ...................................................................................... .. 43 3.2 A VENDA DO BEM OBJETO DA GARANTIA......................................................... . . 44 3.3 SALDO DEVEDOR RESIDUAL LIQUIDEZ E ILIQUIDEZ.............................. .. ..... .45 3.4 COBRANÇA DO SALDO RESIDUAL ........................................................................ .46 3.5 POSIÇÃO DOS COOBRIGADOS AVALISTAS RESIDUAL..................... ...................47 3.5.1 RESPONSABILIDADES CAMBIÁRIA PELO SALDO DEVEDOR RESIDUAL................................................................................................................................47 3.5.2 PRISÃO CIVIL DO INFIEL DEPOSITÁRIO ...........................................................53 3.5.3 DA PRISÃO CIVIL.....................................................................................................53 3.5.4 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À PRISÃO CIVIL.................................................54 3.5.5 DECRETO-LEI 911/69 PELA CRFB DE 1988........................................................54 3.5.6 ARGUMENTOS CONTRÁRIOS A PRISÃO CIVIL................................................56 3.5.7 VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DO DEPÓSITO POR EQUIPARAÇÃO LEGAL... 56 3.6 DOS TRATADOS INTERNACIONAIS...........................................................................58 9 3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................61 3.8 BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................63 3.9 ANEXOS.............................................................................................................................66 10 RESUMO O presente trabalho monográfico tem como objetivo identificar o instituto da alienação fiduciária em garantia relacionado aos contratos de alienação fiduciária em garantia amparados pelo Decreto-lei nº 911/69. A alienação fiduciária é um instituto muito controvertido e polemizado por sua natureza; cuida-se de mecanismo com grande poder coercitivo dada a fragilidade dos meios disponíveis para credibililizar cada consumidor no âmbito comercial. De fato, foi uma modalidade contratual criada para possibilitar os contratos de alienação, em virtude da grande dificuldade que as pessoas de baixo poder aquisitivo passam adquirir bens móveis infugíveis. Observaram-se, que as cláusulas de alienação desvirtuariam o instituto do depósito. Também as questões do saldo residual e as obrigações de fazer ou não fazer dos coobrigados. Ainda, a incorporação no sistema jurídico brasileiro da Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, que veio revogar do ordenamento legal brasileiro a prisão do depositário infiel, tanto Constitucional como infraconstitucional. A metodologia utilizada foi a bibliográfica, o método, o dedutivo e o procedimento monográfico. PALAVRAS-CHAVE: ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA; BUSCA E APREENSÃO; COOBRIGADOS AVALISTAS; AÇÃO DE EXECUÇÃO; INFIEL DEPOSITÁRIO; PRISÃO CIVIL. 11 ABSTRACT SUMMARY This work has as monographic principle identify the Office of fiduciary transfer as security related to contracts of sale in trust guarantee protected by Decree-Law No. 911/69. The divestiture trust is a very controversial and institute polemizado by its nature, takes care of itself with considerable coercive mechanism given the fragility of the resources available to each consumer credibililizar in trade. In fact, it was a contractual arrangement designed to enable the contracts of sale, due to the great difficulty that people with low purchasing power now acquire movable infugíveis. It is observed that the terms of sale desvirtuariam the Office of the deposit. Also the issues of balance and obligations to do or not do the coobrigados. Still, the incorporation into the Brazilian legal system to the American Convention on Human Rights Pact of San José de Costa Rica, which came repeal of the Brazilian legal order the arrest of the depositary infidel, both constitutional as infraconstitucional. The methodology used was the literature, the method, the deductive and monographic procedure. KEYWORDS: DIVESTMENT FIDUCIÁRIA; SEARCH AND APREENSÃO; COOBRIGADOS AVALISTAS; ACTION FOR IMPLEMENTING; INFIEL DEPOSITARY; CIVIL 12 INTRODUÇÃO A função executiva encontra antecedentes em Roma, mas jamais alcançou o desenvolvimento do processo de conhecimento. Há que lembrar que, durante longo tempo, se admitiu, no Direito Romano, a execução sobre o próprio devedor, que era tornado escravo, vendido "alem Tiber", ou mesmo morto e esquartejado pelos credores, caso não fosse possível saldar a dívida. O traço característico da execução, nessa época, é um privatismo exacerbado, pois os atos executivos eram levados a efeito pelo próprio credor. Com a monopolização da jurisdição pelo Estado e a criação de um processo com marcante presença estatal, o que se deu na fase da "cognitio extraodinem", o processo executivo se humanizou, surgindo então a "pignoris capio" e a noção da responsabilidade exclusivamente patrimonial do devedor. A operacionalização de medidas executivas é sempre reflexo da responsabilidade patrimonial. Na verdade, todo o processo de execução é nada mais nada menos do que uma série de atos judiciais concatenados para fazer emergir, na prática, o princípio da responsabilidade patrimonial, princípio este que substituiu a responsabilidade pessoal de odiosos tempos em que o devedor pagava com o próprio corpo. Da determinação da força com que opera a responsabilidade patrimonial depende a determinação da possibilidade e alcance das medidas executivas. Por isso, é mister compreender a aplicação do princípio no direito pátrio. O princípio da responsabilidade patrimonial ampla do devedor encontra acolhida expressa no direito positivo. Com efeito, a dição do artigo 591 do CPC preconiza que: Art. 591O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo restrições estabelecidas em lei . Na Lei de Execução Fiscal ( 6830/80), os artigos 10 e 30 revelam em seu conteúdo, a aplicação do princípio”1. A mudança dos tempos e a corrida desenfreada das indústrias de veículos automotores, com a grande variedade de modelos, cada vez mais modernos, fez com que aumentasse o interesse do consumidor na aquisição do seu bem móvel (automóvel) com isso, os preços que eram mais acessíveis ficaram insuportáveis para o consumidor final, que, na sua condição de assalariado viu tornar-se quase impossível a aquisição do seu automóvel na condição da compra à vista. 1 MEZZOMO, Marcelo Colombelli - Execução civil de bens alienados fiduciariamente nos Executivos Fiscais. Google.com.br. <http://www.ufsm.br/direito/artigos/processo-civil/execucao-civil.htm>. Acesso em: 15.ABR.2008 - 13 Com isso, as indústrias viram-se em constantes prejuízos financeiros, o governo, que na época era Militar, teve que estudar uma possibilidade de aquecer esse mercado, e possibilitar que a sociedade voltasse a consumir mais os produtos, evitando o caus social. Porém, essa solução teria que vir de maneira que os empresários não somassem mais prejuízos e contassem com uma garantia do governo para evitar a inadimplência e possibilitasse o crescimento das indústrias automobilísticas, vieram decretar uma Lei que dava mais segurança nas vendas dos seus produtos e vinculava o consumidor ao credor de maneira que este só adquiriria um bem se, por meio da Alienação Fiduciária. A Lei nº 4.728 de 1965, deu-se a introdução, no cenário nacional, a alienação fiduciária em garantia, tendo como escopo principal garantir as operações de crédito para a compra de bens imóveis, foi quando o instituto passou a configurar no ordenamento jurídico nacional, na forma de um contrato de garantia, destinado a proteger, de maneira mais segura, os financiamentos. “Este instituto veio atender aos anseios das entidades financeiras e aos próprios consumidores, facilitando a concessão de créditos, oferecendo ao financiador mais garantia efetiva do ressarcimento deste, sem, no entanto, retirar do financiado o direito de utilizar o bem alienado, dando-lhe o poder do uso e gozo, podendo usufruir como bem entendesse. Com isso, passou a alienação fiduciária a ser configurada como negócio jurídico bilateral, em que uma das partes (fiduciante), tomador do empréstimo, aliena a coisa do financiador (fiduciário), até que finalize a relação contratual pelo adimplemento, ou pela inexecução das obrigações pactuadas, pois, através deste contrato, transfere-se ao financiador o domínio resolúvel da coisa alienada e a posse indireta do bem dado em garantia, independentemente da efetiva tradição da coisa, tornando-se o devedor mero possuidor direto, e, por força de lei, depositário do bem alienado. O legislador não visou apenas introduzir no ordenamento jurídico uma nova modalidade de negócio jurídico, mas adotar especificamente as operações de crédito que utilizassem a garantia fiduciária, com a segurança necessária, para que este cumprisse o seu papel na sociedade econômica e, para que a alienação fiduciária cumpra com os objetivos a que se destina, tratou o legislador de impor, por meio do Decreto-lei nº, 911/69, uma série de restrições quanto ao seu uso e à forma; impôs, ainda, procedimentos especiais para que o financiador (fiduciário) possa exigir a devolução de seu crédito de modo mais célere possível. 14 Ainda o legislador pátrio equiparou o devedor fiduciante, por expressa determinação legal, à condição de depositário do bem alienado, com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem, de acordo com a lei civil e penal que lhe couber, ficando possível a sua prisão civil por infiel depositário, no caso de inadimplemento do contrato pactuado entre as partes”.2 Quanto ao conteúdo do trabalho, foi dividido em três capítulos. No primeiro, fala-se do instituto da alienação fiduciária em garantia, com uma breve explanação histórica, em que se procurou identificar as fontes destes institutos. Nestes termos, passa-se a delinear as características do negócio fiduciário, no qual a alienação fiduciária é espécie. Na parte final, falase do contrato de alienação fiduciária em garantia, o registro e sua importância como prova erga omnis e a proteção do crédito fiduciário. No segundo capítulo, dedica-se ao estudo da ação de busca e apreensão em propriedade fiduciária. Neste capítulo, tem-se por objetivo demonstrar as principais características destes institutos, como a petição inicial de busca e apreensão do bem alienado, ação de depósito, medidas impeditivas das buscas e apreensões, medidas obstativas, os depósitos incidentais e a exibição de documentos. No terceiro capítulo, o foco principal é o objetivo desta pesquisa, direcionado ao objetivo primeiro deste trabalho, o de delinear as principais teses encontradas nas doutrinas e na jurisprudências dos que defendem o cabimento da prisão e dos que se demostram contrários a esta segregação civil. Longe da pretensão de esgotar o referido tema, este trabalho visa apenas propor uma reflexão sobre um importante aspecto do Estado Democrático de Direito, mais especificamente sobre a prisão civil nos contratos de alienação fiduciária em garantia, diante das teorias doutrinárias, jurisprudências e do Pacto de San José da Costa Rica. 2 SILVA, Giovani Gian da. Alienação fiduciária e a prisão do devedor-fiduciário na visão da doutrina e jurisprudência à luz do decreto-lei nº 911/69.Mnografia, Univali, 2004.p. 10. 15 1 O INSTITUTO DA ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA 1.2 Fontes históricas Para melhor entendimento da alienação fiduciária, buscar-se-á um histórico no Direito romano, como fonte histórica da Alienação. “A fidúcia romana era o contrato pelo qual alguém (o fiduciário) recebia de outrem (o fiduciante) a propriedade sobre uma coisa infugível, mediante a mancipatio ou a in iure cessio, obrigando-se-á, de acordo com o estabelecido num pactum, restituí-la ao fiduciante. A alienação fiduciária, muito conhecida no direito romano, tinha as suas bases muito bem compreendidas em três modalidades bem distintas, ou seja, a fiducia remancipacipationis causa, fiducia cum creditore e fiducia cum amico. Como explica com muita sabedoria o professor Feliciano, “caracterizava-se, portanto como um contrato real as obrigações deles decorrentes fundavam-se na entrega realizada, ou traditio); existiam necessariamente em qualquer fidúcia, porque deveria restituir a coisa ao fiduciante, ou dar-lhe certa destinação nos termos do pactum”.3 Com muita sabedoria explica RESTIFFE NETO a origem, feições e funções da fidúcia: “fidúcia, instituto jurídico que repousa na lealdade e honestidade de uma das partes, o fiduciário, correspondente, por isso mesmo, à boa-fé e confiança nele depositada pela outra parte, o fiduciante, tem a sua origem no Direito romano, que hauriu na Lei das XII tábuas”.4 [...] apresenta-se sob feições e funções diversificadas, compreendendo os seguintes tipos: a) fiducia cum amico, muito parecida com o comodato, em que um amigo entrega a outro uma coisa com transferência da propriedade, para dela fazer uso até ser pedida em restituição; b) fiducia cum creditore, em que o devedor, por força do contrato, transfere a propriedade da coisa ao credor, em garantia do pagamento de uma dívida, compreendendo-se o credor a retransmitir a propriedade ao devedor após o recebimento do que lhe é devido; c) fiducia remancipationis causa, pacto pelo qual o paterfamília vende um filho a outro paterfamília, com a obrigação assumida por este de libertá-lo em seguida, de forma tal que se obtenha o fim visado, que é a emancipação do filho (RESTIFFE NETO, 1976, p.2). A fiducia remancipationis causa esta visivelmente baseada nas tradições das famílias romanas É o “pacto pelo qual o paterfamílias vende um filho a outro paterfamílias, 3 FELICIANO, Guilherme Guimarães. Tratado de alienação Fiduciária em garantia: das bases romanas à lei nº. 9.514/97, São Paulo: Ltr, 1999, p. 17. 4 RESTIFFER NETO, Pulo. Garantia Fiduciária.2º, ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 02. 16 com a obrigação assumida por este de libertá-lo em seguida, de forma tal que se obtenha o fim desejado, que é a emancipação do filho”.5 Na fiducia cum creditore, “ o devedor, por força do contrato, transfere a propriedade de uma ou mais coisas ao credor, em garantia de um débito, comprometendo-se o credor a transmitir ao devedor após o recebimento do que lhe fosse devido. Neste sentido, conforme o autor, na fiducia cum amico, tinha-se em vista a guarda e conservação de um bem, que, para este fim, era transferido a um amigo do interessado, que passava a ter o dominus”.6 1.3. Alienação fiduciária no direito brasileiro No Brasil, a alienação fiduciária teve a sua inclusão devido ao grande desenvolvimento econômico, tanto para a indústria como para o consumidor, quando não havia linhas de créditos para esta inserção de mercado, necessárias para o crescimento das vendas de bens móveis, com a inserção do artigo 66 da Lei 4.728, de 14 de julho de 1965 (lei de mercado de capitais). “Tal artigo, como observado anteriormente, foi revogado pela Lei nº 10.931/04, sendo que as alterações ocorridas com a referida Lei serão tratadas a seguir”.7 O credito permitia o aumento do mercado consumidor e a ampliação da faixa de funcionamento das instituições financeiras, dando assim maior elasticidade ao mercado de capitais e reduzindo, outrossim, os riscos operacionais. A generalização do crédito ao consumidor fez com que se desse capacidade aquisitiva a uma determinada classe de compradores, que não a teria em condições normais, de tal modo que um grande número de pessoas, que estavam marginalizadas no mercado consumidor, passaram a poder integrá-lo, em virtude de crédito a médio prazo que lhes foi concedido para a realização de certas compras. Essa conquista, devida à sábia orientação do Banco Central, tornou-se um meio de evitar a recessão e de facilitar a própria industrialização, especialmente no campo dos automóveis e dos eletrodomésticos, em que a produção não encontrava um consumo suficiente adequado para poder funcionar em bases de pleno emprego, de tal modo que as providências de ordem financeiras ensejaram a possibilidade de maior rentabilidade industrial, provocando a baixa do custo operacional e até, consequentemente, do preço da venda de alguns artigos (RESTIFFER NETO, 1976, p. 54). Desta forma, era necessário se pensar numa maneira de facilitar o crédito ao consumidor, pois “sem a disponibilidade de meios eficazes de pronta satisfação do crédito, os 5 6 Idem, Restiffer, 1976, p. 02. Idem, Feliciano, 1999, p. 23. 17 financiamentos estimulados em crescente difusão tornar-se-iam uma temeridade, afetando a própria liquidez das obrigações assumidas pelas financeiras em relação aos títulos de sua obrigação colocados no mercado”8 Daí cercaram-se as operações de financiamento de robustas garantias, que começam pelo próprio objeto, através da sua vinculação para, em caso de inadimplemento, ser vendido, acrescidas acessoriamente de caução de notas promissórias emitidas pelo creditado e reforçada com aval ou fiança de terceiros, correspondendo ao valor final da dívida. (RESTIFFE NETO, 1976, p. 57). Para que fosse possível disponibilizar uma linha de crédito que viesse atender ao desenvolvimento das indústrias, bem como dos consumidores em geral, havia a necessidade de se garantir o credor de provável inadimplemento: “postos á disposição das financiadoras estão o seguro de crédito e o seguro do objeto da garantia” (RESTIFFE NETO, 1976, p. 57). Com todas as dificuldades que as financeiras tinham para amparar as suas movimentações de crédito ao consumidor, nos casos de financiamentos de bens móveis, o legislador viu-se diante de uma celeuma. Salienta ainda o autor que: Diante das dificuldades de ordem prática que criou o instituto suscitou no meio forense, surgiu o Decreto-Lei nº 911, de 1º de outubro de 1969. Esse decreto-lei melhorou a redação do art. 66 da Lei nº 4.728, de 14 de julho de 1965, regrou as ações de direito material e processual irradiada ao credor fiduciário, a sub- rogação do avalista, fiador e terceiro interessado e determinou providências administrativas quanto à alienação fiduciária de veículos automotores (ALVES, 1998, 640, p. p. 21). No mesmo sentido, vem prestigiar com grande sabedoria: O surgimento da Alienação Fiduciária em Garantia, no ordenamento jurídico brasileiro, ocorreu com a edição da Lei 4.728, de 14 de julho de 1965, a qual dispõe sobre o mercado de capital, tendo sido regulamentada pelo Decreto-lei 911/69. Tais normas foram modificadas com a entrada em vigor da Lei 10.931/04, cujas alterações serão tratadas a seguir (RONCONI, 2006). . 7 RONCONI, Diego Rechard. A Responsabilidade civil nos contratos de alienação fiduciária em garantia, OAB/SC Editora, 2006. 336p. p. 211. 8 RESTIFFER NETO, Pulo. Garantia Fiduciária. 2º, ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 57. Florianópolis: 18 O Legislador, pensando em assegurar os riscos decorrentes de empréstimos, precaveu-se de maneira a estimular o desenvolvimento fiduciário, conforme o autor: A concepção deste instituto surgiu para suprir novas necessidades sociais, decorrentes das exigências mercantis e do dinamismo social. Serviu como providência para atender com presteza a necessidade de oferecer medidas legais e adequadas com a finalidade de assegurar o risco decorrente do crédito e do desestímulo então trazido à captação de capitais. Isso fez com que a política de desenvolvimento do mercado de capitais e o fenômeno do financiamento direto ao consumidor restassem melhor estruturados. (GONÇALVES, Aderbal da Cunha. Da propriedade resolúvel, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978. P.256/258, apud (RONCONI, 2006. P 190/191). Com isso, o Legislador veio atender aos anseios da sociedade, possibilitando o acesso a uma grande parte da sociedade no mercado de consumo, contribuindo no desenvolvimento da indústria e do consumo. A partir daí, a alienação fiduciária em garantia entrou como coadjuvante no mercado financeiro, fortalecendo a economia do país, propiciando o crescimento, consumo por meio do instituto de garantia muito mais célere ao credor fiduciário. Passasse a analisar as formas e características do instituto fiduciário, que é um dos propósito deste trabalho, para um melhor entendimento do instituto da Alienação Fiduciária em Garantia. 1.4. Negócio fiduciário Fidúcia, confiar, do latim fidere, pois tem o significado de confiança, como “a doutrina não se cansa de frisar a relevância da análise histórica para a boa compreensão do nosso tema, atraindo o debate a respeito do negócio fiduciário, modalidade de longeva história”,9 No mesmo sentido, salienta RESTIFFE NETO: 9 PEREIRA, Hélio do Vali. Alienação Fiduciária em Garantia: aspectos processuais. Florianópolis: Habitus,. 2001. 206p. p. 21. 19 A alienação fiduciária é efetivamente uma espécie do gênero negócio fiduciário, guardando os traços comuns deste. O devedor aliena a coisa sob a condição suspensiva* de retorno ipso jure do domínio, mediante o pagamento da dívida assim garantida. E o credor investe-se temporariamente do domínio da coisa alienada em garantia fiduciária, sob condição resolutiva 10 1. 5 Sujeitos do contrato de alienação fiduciária Dentro dessa idéia, o autor conduz à relação entre os contratos em que o cliente e a financeira transacionam mediante uma condição resolutiva: Como só transmite quem tem, explica-se porque nas vendas de bens figura como adquirente o consumidor, aquele que é destinatário direto (fiduciante), de modo que a compra mercantil (ou civil) é feita à vista, mediante intervenção da financeira, que paga, em nome do comprador, o valor da compra ao vendedor, que se exclui da relação típica que então nasce entre usuário e financiador. O vendedor não transaciona com o financiador a dinheiro para este revender a prazo ao consumidor. Há uma compra e venda entre o vendedor e o consumidor e a seguir uma transmissão de caráter peculiar, com fins de segurança, entre o financiador (devedor fiduciante) e o financiador (credor fiduciário). Neste segundo momento, quando surge o financiamento, é que se depara com o negócio jurídico denominado em garantia, que tem sua causa no negócio subjacente, de natureza civil ou mercantil (RESTIFFER NETO, 1976, p. 90 e 91). No mesmo sentido, observa Guilherme Guimarães Feliciano: Chama-se “fiduciante” a pessoa (física ou jurídica) que figura na relação jurídica creditícia paralela como devedora, e que aliena um bem de sua propriedade ao credor daquela mesma relação, com o fito de garantir a satisfação do crédito. Na alienação fiduciária diz-se ocupar o polo passivo. Fiduciário é a contraparte negocial do fiduciante; ocupa , na relação jurídica paralela ao contrato de alienação fiduciária, a posição de credor, recebe a propriedade resolúvel ( fiduciária) da coisa móvel que garantirá a solução do débito pelo fiduciante. É dito “sujeito ativo” na relação decorrente da alienação fiduciária; em regra, será a pessoa jurídica que concede um financiamento ao devedor fiduciante, denominada sociedade de crédito financiamento e investimento ou simplesmente instituição financeira ( FELICIANO, 1999. P. 276, 279 E 280). Na brilhante concepção de Diego Richard Ronconi: “Em função da bilateralidade do contrato, há obrigações para o Credor e Devedor, gerando, concomitantemente, direitos e RESTIFFER NETO, Paulo. Garantia fiduciária: direito e ações. 2º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, 632p. p89. 10 20 obrigações a ambas as partes. Assim, os deveres do Devedor serão os direitos do Credor e vice-versa”.11 Desta forma, conclui o autor: Na qualidade de devedor, as principais obrigações do mesmo incumbem na conservação e restituição da coisa, bem como no pagamento integral do débito, com os seus acessórios (juros, comissões, correção monetária). Desse modo, o pagamento pode ser realizado em prestação única, ou a prazo. Essa última modalidade é mais comum, haja vista garantir o financiamento de vendas realizadas diretamente ao consumidor, o que faz com que, na hipótese de inadimplemento, sujeita-se o Devedor à execução da garantia. Deste modo, ao Credor é transferida a Propriedade da coisa ao Devedor, na condição de possuidor direto da mesma, tem a obrigação de manutenção e a conservação do bem em seu poder, na qualidade de depositário. Já no caso do Credor (fiduciário), tem a obrigação de propiciar o financiamento para aquisição do bem, ou a entrega da mercadoria, caso a garantia fiduciária seja estipulada com o fornecedor do produto alienado. Deve respeitar também o Alienante com relação ao direito de uso regular da coisa, não podendo se apropriar da coisa alienada (RONCONI, 2006, p. 208/209 e 214. cita, PEREIRA, e Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, v.4.278-279). 1. 6 Objeto da alienação fiduciária Sabiamente exprime o autor sobre o fato em questão: “o Decreto-lei 911/69 apenas menciona a alienação fiduciária de bens móveis” 12. No entanto: Há quem defenda que apenas bens infungíveis possam ser objeto de negócio. De se capitular: é antitética a correlação entre fungibilidade e alienação fiduciária. Neste contrato, o devedor permanece na posse dos bens alienados fiduciariamente e o credor mantém consigo a propriedade. Contudo, a posse de bens fungíveis implica na aquisição do seu domínio (art. 1257 do CC). Eis que, mesmo ocorrendo obrigação de restituição, isto ocorrerá em relação a objetos da mesma espécie – não necessariamente aqueles entregues quando do nascimento do pacto. Destarte, a alienação fiduciária de bens fungíveis traduziria que o devedor, mantendo a posse, igualmente tem a propriedade (plena). Paradoxalmente, o art. 2º,§ 3º, do Decreto-lei 911/69, estipula que “se a coisa alienada em garantia não se identifica por números, marcas e sinais indicados no instrumento de alienação, cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova, contra terceiros, da identidade dos bens o seu domínio que se encontram em poder do devedor”. Sem maior desgaste intelectual, retira-se deste dispositivo que a alienação pode incidir sobre bens fungíveis. É a posição vencedora na jurisprudência13, 11 RONCONI, Diego Rechard. A Responsabilidade civil nos contratos de alienação fiduciária em garantia, Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. 336p. p.208. 12 PEREIRA, Hélio do Vali. Alienação Fiduciária em Garantia: aspectos processuais. Florianópolis: Habitus,. 2001. 206p. p. 50. É ampla a resenha jurisprudencial de Theotônio Negrão (ob. Cit., p. 981. Apud. PEREIRA, Hélio do Vali. Alienação Fiduciária em Garantia: aspectos processuais. Florianópolis: Habitus,. 2001. 206p. p. 51. 13 21 mas afastada a viabilidade da decretação da prisão civil e o próprio uso da ação de depósito. Ainda que se conforme com essas conclusões, é relevante ter presente temperamento proposto pelo Superior Tribunal de Justiça. Possível a alienação de bens fungíveis, não pode esta noção ser estendida àqueles igualmente consumíveis, é dizer, os que se destroem com o uso, assim também rotulados os que se destinam ao comércio, compondo o estoque de uma empresa e voltados à transação com terceiros (art. 51 do CC),14 (PEREIRA, 2001, p. 51). No mesmo sentido e com muita propriedade, orienta o professor, Mezzari:15 [...] Não poderão valer-se da alienação fiduciária em garantia aqueles que não são proprietários (posseiros e possuidores; os que tendo título, não têm registro; os que se tornaram proprietários por direito sucessório ou por prescrição aquisitiva mas não têm seu título registrado). Também não poderão valer-se desta lei os que são promitentes adquirentes (promitentes compradores e promitentes permutantes). As empresas incorporadoras na condição de promitentes (promessa de compra ou permuta). Não poderão valer-se desse tipo de garantia, porque não terão propriedade para transferir, e, por conseqüência, não haverá propriedade para ser alienada fiduciariamente (MEZZARI, 1998, p. 27). No mesmo sentido, adverte o sábio Restiffe Neto: Conseqüência direta do elemento obrigacional da restituição, inerente ao negócio fiduciário, que corresponde, no momento da sua pactuação, à esperança-confiança do fiduciante em recuperar a res pela lealdade e honestidade do fiduciário, é que as coisas fungíveis frustram os pressupostos da edificação do instituto, que não têm previsão legal. Assim, são as coisas infungíveis as únicas que permitem ao fiduciante acreditar na recuperação e que tornam viável a assunção da obrigação de restituir por parte do fiduciário é que podem, portanto, ser objeto do pacto fiduciário (RESTIFFE NETO, 1976, p.14.). 1. 7 Requisitos formais da alienação fiduciária em garantia Para tanto, tornou-se necessário criar regras mais formais a esse respeito: Quanto aos requisitos formais da Alienação Fiduciária, ressalte-se o caráter de negócio jurídico formal desta, pois exige instrumento público ou particular escrito, a ser registrado no Registro de Títulos e Documentos do domicílio de devedor, ou, em se 14 STJ: “a 2º. Seção da Corte, competente no tema, por maioria uniformiza seu entendimento proclamando a inadmissibilidade da alienação fiduciária de bens fungíveis e consumíveis (comercializáveis)” (ED no Resp 19.915-8MG, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, Lex-JSTJ e TRFs 46/219. 15 MEZZARI, Mário Pazzuti. Alienação fiduciária; da lei 9514, de 20-11-1997: São Paulo: Saraiva, 1998. P.27. 22 tratando de veículos, na repartição competente, fazendo-se a anotação no certificado de registro (RONCONI, 2006, p. 206 e 207). Neste sentido: O negócio jurídico cria - ao lado do liame de natureza intersubjetiva – vínculo entre o patrimônio do credor e devedor. Incumprindo o ajustado, surge para o sujeito ativo a possibilidade de invadir as riquezas da parte adversa, com isto desfrutando a satisfação do seu direito. Ocorre que esta expectativa é imperfeita, pois não obvia o credor dos riscos da insolvência do devedor, fruto da ausência de bens passíveis de contrição no momento da exigência do crédito ( MICHELLAZZO, 3º, 2000). Conforme o entendimento de Hélio do Vale Pereira: Para tanto, há negócios jurídicos voltados exatamente à função de garantia. Entre estes, existem aqueles de caráter pessoal ou fidejussório (terceiro adere ao dever de pagamento, respondendo seu patrimônio na hipótese de incumprimento por parte do devedor principal; são os casos de fiança e aval); outro, de natureza real ( bem do próprio devedor ou de terceiro fica acostado ao contrato, sendo aplicado prioritariamente para a solução do débito, como se passa na hipoteca, penhor e anticrese. A alienação fiduciária afeiçoa-se (não se equipara!) a este último caso (direito real de garantia). Nessa modalidade, ad instar das situações congêneres, existe uma relação creditícia, cabendo a uma das partes o compromisso de satisfazer uma prestação em favor do conegociante. Com a intenção de superar os transtornos da desatenção a esta obrigação, o devedor transfere ao credor a propriedade de um bem . Em caso de pagamento ajustado, o devedor retomará a titularidade do objeto; insatisfeito o negócio, o credor retém definitivamente o domínio. Estabelece-se, como nos direitos reais de garantia, a conexão de uma coisa ao contrato. A peculiaridade deste pacto é que o credor se transforma em proprietário, não tendo simples direito real sobre bem alheio (Hélio do Vale Pereira. 2001. P. 13 e 14. Grifo do autor). Dessa forma, passa-se a entender os negócios fiduciários, e os princípios da alienação fiduciária em garantia. A partir de agora, passa-se a estudar nos próximo capítulos, a alienação fiduciária e outros institutos; 1.8. ALIENAÇÃO FIDUCÍARIA E O CÓDIGO DO CONSUMIDOR 1.8.1 Código de defesa do consumidor Neste capítulo, aprofundar-se-á no estudo do Código do Consumidor dentro da Alienação Fiduciária em garantia para uma melhor compreensão. Onde: 23 [...] A polêmica sobre a aplicabilidade do Código de Defesa dos Consumidores (CDC) tem especialmente crescido. Pelo seu caráter desenganadamente protetivo, incrementase a disputa sobre a sua incidência a determinadas relações contratuais cada um dos partícipes, na medida das sua conveniências, questionando a sua exposição à Lei 8.078/90 (PEREIRA, 2201, P. 29). Com muita propriedade, salienta o autor sobre a polêmica do tema tão controvertido no sistema financeiro pátrio: Para firmar posições, deve-se recordar que alienação fiduciária significa negócio jurídico em garantia, necessariamente acessório em relação a um mútuo concedido por instituição financeira. Ainda que haja destacada distinção jurídica, pode-se estudar o contrato de alienação fiduciária à distância da relação de financiamento (apenas tomando-a como pressuposto de validade de garantia), em termos pragmáticos confusões acabam por ocorrer. Como a alienação fiduciária e o financiamento Costumeiramente se dão de forma concomitante, existe baralhamento de ambos, tal que a alienação fiduciária é o próprio contrato de empréstimo peculiário fosse coisa única. Independentemente destas (relevantes) divagações, verdade que, para o fiduciante, a diferença técnica é desimportante. Mais significativa é a discussão sobre a dívida em si, até porque a investigação sobre a garantia aparecerá como contingência de (eventual) mora. Primeiro aspecto por sindicar, a partir desse rumo, é a pertinência do (CDC) como o contrato principal – o contrato de mútuo bancário, não raramente chamado de financiamento. E o debate, quanto a este ponto, é intenso. É imprescindível ter presente que o CDC é Lei especial em relação ao regime ordinário de direito privado. Não casualmente fala-se em um microssistema. A Lei 8.078/90, de fato, só terá aplicação quando se cuidar de relação de consumo, mais precisamente quando intervirem fornecedor e consumidor, ambos agindo nesta qualidade. Este conceito advém dos arts. 2º, e 3º, do mencionado diploma16 – exatamente aí residindo as controvérsias hermenêuticas (PEREIRA, 2001, p. 29 e 30). Conforme o entendimento do autor: Vale uma especial menção ao art, 53 do CDC17, posto se referir expressamente à alienação fiduciária. Fazemos o registro, pois parece que há equívoco no dispositivo, ao fazer remissão a essa modalidade negocial. Ora, este contrato é acessório de um financiamento. A dívida não diz respeito ao exercício da posse do bem alienado, mas ao mútuo. Mesmo que devolvida a coisa, a obrigação pecuniária permanece. Não existe sentido em, restituída a posse do objeto alienado fiduciariamente, ficar remitida a dívida em dinheiro ou impor a devolução dos valores já pagos. A norma do art. 53 só pode ser compreendida como vinculada ao dever de o fiduciário restituir eventual saldo, em caso de venda do objeto, se o produto da venda for superior à dívida. É 16 Art. 2º., caput. “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou sistema ou serviço como destinatário final”. Art. 3º, Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. § 1º, Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2º, Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securítização, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. 17 “Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno de direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleiteia a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. 24 possível, diversamente, que, mesmo restituída a posse do bem, subsista saldo devedor 18 (PEREIRA, 2001, p. 34) Para um bom entendimento quanto aos serviços bancários, frente ao CDC, entende o autor que já está pacificado entre os doutrinadores, o judiciário vem confirmando que: A norma faz uma enumeração específica, que tem razão de ser. Coloca expressamente os serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, antecedidos de advérbio “inclusive”. Tal designação não significa que exista alguma dúvida a respeito da natureza dos serviços desse tipo. Antes demonstra que o legislador foi precavido, em especial, no caso, preocupado com os bancos, financeiras e empresas de seguro conseguissem, de alguma forma, escapar do âmbito de aplicação do CDC. ninguém duvida que esse setor da economia presta serviços ao consumidor e que a natureza dessa prestação se estabelece tipicamente numa relação de consumo. Foi um reforço cautelatório do legislador, que, demonstrou-se depois, era mesmo necessário. Apesar da clareza do texto legal, que coloca, com todas as letras, que os bancos prestam serviços aos consumidores, houve tentativa judicial de se obter declaração em sentido oposto. Chegou-se, então, ao inusitado: o Poder Judiciário teve de declarar exatamente aquilo que a lei já dizia: que ao bancos prestam serviços. Note-se, em complemento, que os bancos vendem produtos: os imateriais, e os materiais, como dinheiro.19 Com muita sabedoria, salienta Joel Dias Figueira Júnior: “o contrato de alienação fiduciária rege-se, via de regra, pelas normas insculpidas no Código Civil (art. 1361/1.368-A) e Decreto,-lei. 911/69, sem prejuízo da incidência concomitante do Código de Defesa do Consumidor,20 se e quando originário em relação de consumo”.21 Assim há de se verificar se a relação de direito material tem como sujeito consumidor e fornecedor de serviços (de natureza financeira). Assim considerado sob a luz do Código de Defesa do Consumidor. De qualquer forma, tratando-se de alienação fiduciária de coisas móveis infungíveis, as normas contidas no Código Civil incidirão para o delineamento do contrato em questão. Assinala-se que a propriedade fiduciária, assim regulada no novel Diploma Legal, não faz restrição aos sujeitos contratantes, o que significa dizer que em muito ampliou-se o aspecto de incidência desse instituto jurídico, a medida que não mais está adstrita às operações com instituições financeiras. Em outros termos, os particulares, pessoa físicas, poderão firmar contrato de alienação Fiduciária (FEGUEIRA JÚNIOR, 2005, p. 33/34). 18 Assim, 2º, TAGivSP, AC479.253-0/6, rel. juiz Vianna Coutrin, in Justiniano Magno Araujo e Renato Sartorelli. Alienação fiduciária e sua interpretação jurisprudencial: Saraiva, 1999, p 1. Apud. (PEREIRA, 2001. P. 34). 19 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios, 2. ed. ver. modif. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 95 e 96. 20 Em geral sobre o tema, v. Paulo Restiffe Neto e Paulo Sério Restiffe, op. Cit., p.241 – 307, 3. Ed. E Luiz Carlos de Azevedo Corrêa Júnior, Alienação fiduciária em garantia e o Código de defesa do Consumidor. Juris Síntese, 31 de set.-out. 2001. Apud. Figueira Júnior, Joel Dias. Ação de busca e apreensão em propriedade fiduciária. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2005. P.33 e 34. 21 FIGUEIRA Júnior, Joel Dias. Ação de busca e apreensão em propriedade fiduciária. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais, 2005. P.33 e 34. 25 1.9 Alienação Fiduciária e Outros Institutos 1.9.1 “Leasing” É com muita propriedade que Pereira explica o instituto “Leasing” dentro do sistema financeiro brasileiro: “Não raro, a alienação fiduciária em garantia é confundida com o leasing. Em termos vulgares, assumem os devedores compromissos de uma ou outra sem atentar à real categoria”22. tanto na alienação fiduciária como no arrendamento mercantil, é inegável, há escopo de garantia e de imediata utilização do bem de consumo durável. Embora ambas as situações, ainda, há a figura do agente financiador, do produtor e do consumidor, ainda que, nos dois casos, o industrial que confeccionou o bem e o colocou no mercado não apareça na relação comercial final23 (RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, Leasing, RT. 1999, p. 42. Apud. (PEREIRA, 2001, p. 35). 1.9.2 Compra e venda com reserva de domínio Como bem salienta o autor,. ”também como a compra e venda com reserva de domínio, a alienação fiduciária tem marcantes diferenças”24. Esse contrato é espécie de compra e venda, à qual são editadas, por respeito à autonomia privada, cláusulas especiais. ) CC, em sua parte geral, refere-se às modalidades dos atos jurídicos, mais conhecidas doutrinariamente como elementos acidentais (art. 114 e seguintes). São aspectos circunstanciais do negócio jurídico, de modo que podem estar presentes ou não, tudo variando conforme a conveniência dos intervenientes . entre eles está a condição – elemento futuro e incerto. A condição pode ser resolutiva ou suspensiva. Neste último caso, os efeitos do negócio jurídico ficam postergados para o momento da sua implementação. A compra e venda com reserva de domínio vai neste caminho. É compra e venda, como regulamenta CC, mas adicionada de uma condição suspensiva. Apenas quando pagas as prestações prometidas pelo comprador é que se considerará concluída a transação. Somente com a concretização desta circunstância a alienação gerará seu se feito próprio – causa legitimadora da transferência do domínio. Antes disso, o comprador somente tem o direito expectativo coisa diferente de expectativa de direito de angariar o domínio (PEREIRA, 2001, p. 39 e 40). 22 PEREIRA, Hélio do Vale. Alienação fiduciária em garantia: aspectos processuais. Florianópolis: Hábitus, 2001, 206, p. p.39 e 40. 23 No leasing, entre outras, há modalidades onde é o próprio arrendador, ou seja, é ele quem afirma o contrato diretamente com o consumidor. Trata-se do leasing operacional. No texto, nos referimos ao leasing financeiro, de incidência prática muito maior (Rodolfo de Camargo Mancuso, Leasing, RT. 1999, p. 42. Apud. (PEREIRA, 2001, p. 35). 24 Idem, PEREIRA, 2001, p. 40. 26 1.9.3 Propriedade fiduciária “A alienação fiduciária cria um peculiar direito real: a propriedade fiduciária. Há quem vislumbre mais uma modalidade de direito real de garantia, a exemplo do penhor, hipoteca e anticrese. Entretanto, tem ela conotação algo diversa, ainda que, em ambos os casos, haja comum objetivo de prevenção”25. Nos direitos reais de garantias, o devedor, titular do poder de disponibilidade de bem corpóreo, consente que fique ele vinculado ao cumprimento do pacto obrigacional. Mantém a titularidade do objeto, ainda que passe a contar, a partir de então, com propriedade limitada. Relativamente à alienação fiduciária, há inversão dos termos da equação, aqui: o devedor desde logo transfere a propriedade, devendo reconquistá-la. De toda a sorte, ainda que a alienação fiduciária não seja um direito real de garantia, há grande proximidade entre eles, tanto que a legislação de regência impõe, em muitos aspectos, princípios idênticos, fazendo remissão às correspondentes regras expostas no CC (art 66 § 7º, da Lei 4.728/65). O ponto essencial da alienação fiduciária está na criação, já se disse, da propriedade fiduciária26, modalidade especial do gênero Propriedade. É evidentemente coisa diferente da propriedade plena. Tem ela escopo de garantia, mas está exposta à condição resolutiva ( o pagamento da dívida extingue o direito real, restituindo-se a titularidade plena ao devedor fiduciário). O titular da propriedade fiduciária está profundamente premido em seu direito, pois ele é apenas constituído em homenagem à função de garantia; as faculdades do credor são particularmente limitadas, só podendo invocar a titularidade do bem para fazer valer o seu direito de crédito, não em consideração à sua simples condição de proprietário, nem sequer ficando na posse da coisa. Para resguardar o proprietário fiduciário (credor), o domínio resolúvel ( como é da índole dos direitos reais) tem eficácia erga omnes, perdendo o devedor fiduciário o poder de disponibilidade Jurídica. Não poderá, por evidente, se desfazer da coisa. Inclusive, se vier vendê-la a terceiro, cometerá crime de estelionato (art. 66, § 8º, da Lei 4.595/65), pois estará entabulando negócio jurídico sobre coisa alheia. No entanto, honradas as prestações prometidas pelo contrato principal (garantido pela alienação fiduciária), terá em seu favor automaticamente constituída a propriedade plena, ou melhor, retornará a sua condição de titular incondicionado do domínio27 discutível, de outro lado, a responsabilidade civil do credor fiduciário em face de danos derivados da coisa alienada. A posição vencedora é, na esteira da conclusão adotada quanto ao leasing, no sentido de não lhe debitar dever indenizatário, descrevendo a falta de vinculação direta do proprietário fiduciário com a utilização da coisa28. O raciocínio é polêmico, pois não se pode esquecer que, em princípio, o titular do domínio é responsável solidário pelos danos causados pela coisa submetida à sua titularidade, independentemente de não ser o 25 PEREIRA, Hélio do Vale. Alienação Fiduciária em Garantia: Aspectos Processuais. Florianópolis: hábitos, 2001. 206 p.17. art. 1538 do projeto de CC: “considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infugível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor”. 27 Classico o debate sobre a eficácia retroativa (ou não) das condições. Contra a retroeficácia, v. g., Pontes de Miranda (Tratado de Direito Privado, t. Bookseller, 2000, pag. 205), A favor , p.ex., Washington de Barros Monteiro Filho, Curso de Direito Civil, v.I, Saraiva, 1986. Pág. 232. Apud. PEREIRA, Hélio do Vale. Alienação Fiduciária em Garantia: Aspectos Processuais. Florianópolis: hábitos, 2001. 206 p. 28 Carlos Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, Saraiva, 1975, pág.557 e 558. Apud. PEREIRA, Hélio do Vale. Alienação Fiduciária em Garantia: Aspectos Processuais. Florianópolis: hábitos, 2001. 206 p. 26 27 causador direto dos danos, tudo derivando do risco assumido e de pressupostos objetivos, na tendência doutrinária atual ( PEREIRA, 2001. P. 17 E 18). “Estelionato; Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Caput do art. 171. Vender, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria; Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria. § 2º, inciso I”29. É com muita maestria que Restiffe Neto orienta com muita precisão sobre o assunto: “cumpre assinalar que o anteprojeto, ao regular a garantia fiduciária dentro da sistemática do Direito das Coisas, apenas considerou a propriedade móveis”30 como propriedade fiduciária. Já o Código Civil de 2002, preceitua, em seu art. 1.361 e §§, que: Art. 1.361. considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infugível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor. § 1º, constitue-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhes serve de título, no registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendose a anotação no certificado de registro. § 2º, com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa. § 3º, A propriedade superveniente, adquirida pelo devedor, torna eficaz, desde o arquivamento, a transferência da propriedade fiduciária ( CÓDIGO CIVIL, 2002). No mesmo sentido, orienta com muita propriedade o professor Joel Dias Figueira Júnior: Com o advento do novo Código Civil, em sede de direito material, no que concerne à aplicação desse instituto aos bens móveis infungíveis, ficou derrogado o Dec-lei 911/69, Assim a propriedade fiduciária passou a ser regulada integralmente nos arts, 1.361 a 1368-A do Código Civil. Tratando o Código Civil de regular a matéria apenas para as coisas móveis infugíveis (novo direito real sobre coisa alheia), nenhum reflexo haverá na órbita da alienação fiduciária de bens imóveis. (FIGUEIRA JÚNIOR, 2005, P. 18). 1.9.4 29 30 Formalização do contrato de alienação fiduciária em garantia JÚNIOR, Arnaldo Oliveira. Vade mecum Mandamentos de Direito. Belo Horizonte: ed. Mandamentos, 2006. RESTIFFER NETO, PAULO. Garantia fiduciária: direito e ações. 2º ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, 632. p. 22. 28 No direito positivo brasileiro, existe a figura dos contratos onde as partes podem pactuar com total liberdade nas clausulas do contrato, via de regra pelo livre convencimento das partes, prevalecendo o fim social dos contratos, como denota o autor: A alienação fiduciária em garantia só pode ser constituída através de instrumento escrito, público ou particular, qualquer que seja o seu valor, a ser obrigatoriamente levado a arquivamento (transcrição integral) no Registro de Títulos e documentos do domicílio do credor, como formalidade para valer contra terceiros. Como todo contrato, deve vir subscrito pelas partes ou por quem possua poderes especiais para representálas, assistidas de duas testemunhas instrumentárias. O escrito é, pois, da essência do ato, como forma exclusiva de constituição de ato jurídico e de sua prova pré-constituída (RESTIFFE NETO, 1976, p. 123). 1.9.5 Conteúdo do contrato de alienação fiduciária em garantia No afã da liberdade de pactuar, tornou-se necessária a exposição do conteúdo que deve ter o contrato de alienação fiduciária no direito brasileiro, veja-se o que diz o sábio autor: [...] O instrumento de alienação fiduciária conterá, além de outros dados: o total da dívida ou sua estimativa; o local e a data do pagamento. Se fracionada, como de regra o é, o valor e a data do vencimento de cada prestação. Não constando o lugar do pagamento, presume-se escrito o do domicílio de devedor. Se a coisa alienada não se identificar por número, marcas e sinais indicados no instrumento de alienação fiduciária, cabe ao proprietário fiduciário o ônus da prova, contra terceiros, da identidade dos bens do seu domínio que se encontram em poder do devedor (RESTIFFE NETO, 1976, p. 124). 1.9.6 O registro e sua importância como prova “erga omnis” O arquivamento do instrumento de compra e venda do bem móvel, na alienação fiduciária em garantia, no registro de Títulos e Documentos, tem o intuito de prevenir futuros negócios, tenciona dar conhecimento a terceiros de boa fé. Como salienta o autor: Não será obrigatório o arquivamento, como não poderia mesmo ser para valer entre as partes, a não ser para ter eficácia contra terceiros. O registro, pois, não é de caráter constitutivo do negócio, nem funciona como meio de aquisição do domínio fiduciário. Constituindo formalidade e meio de prova para surtir efeitos em relação a terceiros, nos exatos termos do art. 129 da Lei de Registros Públicos (Lei 6015, de 31 de dezembro de 1973, com alterações posteriores. É a maneira, por excelência, de denunciação pública do regime jurídico a que está submetido o bem gravado com cláusula fiduciária, que torna indisponível, enquanto pendente o gravame, quer por parte do 29 devedor alienante, porque com a alienação já não é titular do domínio, mas possuidor do bem, quer por parte do credor adquirente do domínio em garantia, porque submetido à condição resolutiva em favor do devedor. Na verdade, o registro em tela constitui condição apenas para que o contrato, tornando-se público, possa valer contra terceiro (RESTIFFE NETO, 1976,p.128). 1.9.7 Prova da alienação fiduciária de veículos automotores “A alienação fiduciária em garantia de veículo automotor deverá, para fins probatórios, constar do Certificado de Registro, a que se refere o art. 120, Código de Trânsito Brasileiro”31. [...] Não se limitou o legislador a dar aos veículos automotores o mesmo tratamento dos demais objetos suscetíveis de alienação fiduciária (exceto embarcações e aeronaves, que também receberam tratamento especial – art. 48 do Decreto-lei n. 413 de 1969).32 Condicionou a validade da cláusula de alienação fiduciária contra terceiros a sua inserção no certificado de registro. Pela natureza dos veículos automotores, que são regulados por lei própria, entendeu de bom alvitre o legislador especial, em consonância com a legislação específica que rege (Código de Trânsito Brasileiro), determina que também conste, para fins probatórios, do Certificado de Registro, a alienação fiduciária, delegando, outrossim, ao Conselho Nacional de Trânsito (art. 8º do Decreto-lei n. 911) competência para expedição de normas regulamentares relativas à alienação fiduciária de veículos automotores (RESTIFFE NETO, 1976, p. 137 e 138). No mesmo sentido: Desta forma, plausível é que todos os veículos que tenham contratos de alienação fiduciária devem, no Certificado de Registro de Veículo, ter anotado este gravame, cumprindo-se a determinação legal apontada pelo Código Civil, e constituindo-se corretamente o contrato entabulado entre as partes, bem como garantindo o real equilíbrio e cumprimento das relações econômico-sociais. Devendo ainda ser imposta às partes contratantes a exigibilidade de registro do contrato nos Cartórios competentes, cumprindo-se as exigências de registro público de qualquer contrato (SILVA LEMOS. 2003). “Assim, o legislador errou ao exigir que o registro do gravame na documentação do bem, pois a fragilidade das instituições públicas de controle dos veículos facilitaria a retirada 31 32 Idem, RESTIFFE NETO, 1976, p.137. Decreto-lei n. 413, de 09 de janeiro de 1969, dispõe sobre títulos de crédito industrial e dá outra providências. 30 deste gravame das documentações dos veículos automotores, impedindo que os fiduciários vissem a quitação dos contratos”.33 Neste caso, ensina o professor PEREIRA, “que, o contrato de alienação, o qual deve acompanhar a inicial na ação de busca e apreensão (art. 66,§ 1º da Lei 4.728/65), desrespeitada a recomendação, legal, é caso de nulidade”.34 De outro lado, a lei menciona o arquivamento do instrumento negocial no Registro de Títulos e Documentos. A solenidade apenas tenciona dar conhecimento a terceiros, positivando a propriedade fiduciária e sua invocação absoluta (erga omnis). Tocante aos veículos automotores, exige-se mais: a averbação da propriedade fiduciária no certificado de propriedade (art. 66, §10, da Lei 4.728/65). O dispositivo justifica-se pela peculiaridade dominial dos automóveis. Mesmo que os assentos da repartição de trânsito não tenham afeito constitutivo (a transferência do domínio continua se dando pela simples tradição, independentemente da inscrição da transação perante a autoridade administrativa), não se pode negar que, por sua relevância, esses registros são importantes fontes de consultas – e a prática mercantil assim recomendada. Diante desta forma peculiar de publicidade, muito mais razoável entender que a formalidade seja necessária para tornar cognoscível para terceiros a existência de propriedade fiduciária. Bem por isto, o Superior Tribunal de Justiça sintetizou que “a terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não anotada no Certificado de Registro do veículo automotor” (Súmula 92). Note-se que, no específico caso de veículos automotores, há quem sustente a necessidade de ambas as anotações – no Registro de Títulos e Documentos e na repartição de trânsito.35 Parece-nos que as particularidades da espécie (que estabelecem regra probatória especial) dispensam a primeira formalidade. Em termos práticos, as consultas apenas ocorrem perante o DETRAN. Demais, por que duas consultas, se ambos os registros deveriam ser feitos: por acaso, se fosse localizado apenas um registro, poderia ser alegada a insciência do contrato de alienação fiduciária?.36 Em qualquer caso, o registro serve como forma fictícia de publicidade. Deseja-se tutelar a boa-fé de terceiro ( em seu sentido objetivo, ou seja, a ignorância de existência da propriedade fiduciária). Se for possível demostrar que terceiro conhecia , mesmo ausente registro, a limitação do domínio, a boa-fé fica afastada. Esta prova pode ocorrer por todo meio admissível, inclusive de forma indiciária, com especial atenção às regras de experiência comum (art.335, do CPC). Esse aspecto registrário busca caracterizar a ineficiência de eventual venda do bem, pelo devedor, a terceiro. Nada tem a ver com a penhora do objeto.37 Não existe a possibilidade de penhora do objeto alienado fiduciariamente, quer haja ou não registro. O registro. Com efeito, tem por mira evitar que terceiro de boa-fé venha a adquirir o objeto alienado fiduciariamente. Coisa diferente é a constrição do bem, ato para o qual é irrelevante o registro, pois não é dele dependente o direito que vincula fiduciante e 33 Walter Gustavo da Silva Lemos, Advogado militante em Porto Velho – RO. Pós-graduado em Direito Penal e Proc. Penal pela Ulbra/Canoas-RS e em Direito Processual Civil pela Faro/Porto Velho – RO. Mestrando em Direito Internacional pela Universidade Autônoma de Asunción. Link deste Artigo: http://www.direitonet.com.br/artigos/x/12/16/1216/- Impresso em 19/12/2007. 34 Idem, PEREIRA, 2001, p. 56. 35 Theodoro Negrão apresenta, no particular, ampla resenha jurisprudencial(ob. Cit., p. 983). Apud. PEREIRA, 200158. 36 O TJSC, em decisão monocrática (AI 00.013636-0, da Capital, rel. Des. César Abreu), entendeu que compete à repartição de trânsito, ao aceite o registro de alienação sobre automóvel, exigir a prévia comprovação da anotação do contrato no Ofício de Títulos e Documentos, citando o convergente Resp 140.873-DF, rel. Min. José Delgado. Apud PEREIRA, 2001, P. 58. 37 Vilson Rodrigues Alves: “o registro, frise-se, não é pressuposto senão da eficácia do contrato perante terceiros, e é questão diversa disso a constritibilidade ou não do bem” (Alienação cit., p. 39). Apud. PEREIRA, 2001, p. 58. 31 fiduciário.38 Vale dizer que não se exige que a petição inicial traga comprovação do registro da avença, justo que, de ordinário, a demanda gravitará entre credor e devedor – perante os quais é irrelevante a publicidade do contrato. O aspecto só terá importância se invocada ineficiência por terceiro, em ação própria, possivelmente embargos de terceiro (PEREIRA, 2001, p. 58 e 59). 1.9.8 A proteção do crédito fiduciário O Decreto-lei 911 de 1969, em seus artigos 3º, 4º e 5º, põe à disposição os meios processuais do credor, para que possa reaver a coisa alienada fiduciariamente, apreender ou cobrar a sua dívida quando o devedor tornar-se inadimplente voluntariamente com a sua obrigação. Na sistemática da alienação fiduciária existe sempre um ponto de convergência, poder ou dever: neste caso é faculdade do credor usar os remédios processuais que lhe julgar eficaz na busca do cumprimento contratual. 2. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA 2. Cabimento Dentro da busca e apreensão, tratar-se-á da busca e apreensão, como salienta o Professor Pereira: o art. 3º do Decreto-lei 911/69 propõe que “o proprietário fiduciário ou credor poderá requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, desde que comprovada a mora ou o inadimplemento do devedor”39. Salienta o professor Pereira: 38 Por analogia, pode-se aplicar o comando emergente da Súmula 84 do STJ, referente à promessa de compra e venda não registrada. Quanto a esse assunto, o Min. Aqthos Gusmão Carneiro esclarecia: “essa condição de eficácia, a transcrição, refere-se àqueles terceiros que invoquem direito incompatível com o direito adquirido por via do instrumento particular. Assim, v.g., a promessa de venda não registrada não pode ser exitosamente oposta a quem posteriormente venha a comprar do dominus, e a registrar o mesmo imóvel objeto da promessa. O direito pessoal cede, aqui, ante o direito real sobre o imóvel. Não há, entretanto, incompatibilidade entre o direito de crédito de A contra B, e a justa posse, com embasamento em contrato aquisitivo, exercido por C em imóvel pertencente a B os direitos pessoais podem ambos subsistir; apenas não poderá o credor exercer a sua pretensão axecutória (CPC, art. 591) sobre aquele bem na posse plena de C, em virtude de direito igualmente pessoal, e constituído em situação que não denota fraude a credor ou a execução” (Recurso Especial, 4.618-SP, Lex-STJ e TRFs 26/150). Apud. PEREIRA,2001. P. 58 e 59. 39 Idem, PEREIRA, 2001, p. 44. 32 Recorde-se que o contrato de alienação fiduciária é acessório em relação a um outro vínculo obrigacional. Em consideração ao negócio jurídico principal, compete ao devedor (o fiduciante) honrar o compromisso assumido. Como ênfase a este gravame, as partes ajustam a alienação fiduciária, transferindo o devedor a propriedade de um bem ao credor. Frustrado o primeiro negócio jurídico, surge a importância do contrato acessório (alienação). Neste caso, o credor está autorizado a requerer judicialmente (não pode fazê-lo pelas próprias forças, salvo entrega espontânea do devedor !) a busca e apreensão da coisa alienada. É que estará ela na esfera de poder do sujeito passivo, que manteve a posse direta do objeto. O bem é de propriedade (fiduciária) do credor e, através da busca e apreensão, o autor obterá a sua posse, deferida precariamente ao devedor através da cláusula constituti. Tem-se, enfim, que, do ponto de vista do direito material, a ação de busca e apreensão visa ao deferimento da posse direta em favor do autor, justificada em face da mora (PEREIRA, 2001, p. 44 e 45). 2.2 Legitimação ativa e passiva Tradicionalmente, a legitimação carece de meios probatórios para se poder identificar quem é parte ativa e passiva na ação de busca e apreensão, como explica o autor: “A legitimidade é vista no CPC, e na doutrina , como condição da ação – entre direito material e processual”40. Tocante à legitimidade ativa, corresponderá ela à pessoa que ocupar, no contrato de alienação fiduciária, a posição de fiduciário – o que desafia opiniões desencontradas, sendo vitorioso o entendimento de que apenas instituições financeiras podem avocar esta atribuição. Sugere-se restrição interpretativas diante da inserção da alienação fiduciária na Lei 4.728/65, que regulamenta o mercado de capitais. Mas fique claro que houve, em doutrina, quem pregasse o uso mais difundido do instituto, autorizandoo em favor de todas pessoas, indistintamente.41 Na jurisprudência, há notícia de julgados isolados convergentes.42 Entretanto, os argumentos não sensibilizam, eis que a autonomia privada possui limitações e o fato de o terceiro tomar a posição de fiduciário apenas existe em razão de expressa previsão legal. A alienação fiduciária deriva do ideal de proteção do sistema de financiamento ao consumidor, neste ponto justificandose a sua adoção.43 Nada impede, contudo, que os interessados se sirvam de típico negócio fiduciário. Só que o conceito de instituição financeira é amplo, indo além dos bancos. A Lei 4.595/64, tratando do sistema financeiro nacional, deu conceituação dilatada às empresas de crédito, definindo-as como entidade que “tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valores de propriedade de terceiros” (art. 17), desde que autorizadas a funcionar pelo Banco Central (art. 18). Nesta definição, além do mais, incluem-se as empresas de 40 Idem, PEREIRA, 2001, p.47. Orlando Gomes, Alienação cit., p. 165; Caio Mário da Silva Pereira, ob. Cit., p. 302-3; Fran Martins, Contratos e Obrigações Comerciais, Forense, 1986, p. 222; Sérgio Carlos Coelho, Contratos Bancários, LEUD, 1999, P. 293; Ernane Fidelis dos Santos, Manual cit., p. 259. Apud .PEREIRA, 2001, p. 47 e 48. 42 JTA 80/113, apud Theodoro Negrão. CPC e Legislação Processual em Vigor, Saraiva, 1999, nota 4 ao art. 1º, p. 980. Sérgio Carlos (ob. Cit., p. 293) também faz remissão a alguns outros acórdãos. 43 Alfredo Buzaid, ob. Cit., p. 19 Arnaldo Rizzardo, Contrato de crédito Bancário, RT,1990, p. 252 e seguintes; Moreira Alves, ob. Cit., p. 101; Vilson Rodrigues Alves, Alienação Fiduciária em Garantia, Millennium, 2000, p. 31 41 33 consórcios44, que exercem atividades de financiamentos aquisitivo e estão submetidas à prévia autorização do Banco Central e sujeita à sua fiscalização (art. 7º, inciso I e 9º, da Lei 5.768/7145. Não detendo o fiduciário estes predicados, a constituição da garantia será nula – não há falta de capacidade do contratante, mas de legitimidade (de direito material), que gera a nulidade absoluta do ato. Ainda quanto à legitimidade ativa, é de se vincar que “o avalista, fiador ou terceiro interessado que pagar a dívida do alienante ou devedor, se sub-rogará, de pleno direito, no crédito e na garantia constituída pela alienação fiduciária” (art. 6º do Decreto-lei 911/69). Deste modo, assumem essas pessoas condição do fiduciário, podendo, inclusive, usar a ação de busca e apreensão; passam a gozar das mesmas prerrogativas fruídas pelo credor primitivo.46 A respeito do sujeito passivo, não há indagações maiores. Exigem-se os predicados normais a todos os negócios jurídicos (PEREIRA, 2002, p 48 e 49). No mesmo sentido, transcreve o ilustre autor: “a legitimação ativa do exercício da ação de busca e apreensão, que cabe ao proprietário fiduciário ou credor”47. Ainda muito bem explanado a seguir: Já ficou dito, em outro lugar deste trabalho, quem possui tal legitimação: a pessoa que figura originariamente no contrato de alienação fiduciária como financiador, posição reservada às instituições financeiras legalmente autorizadas a operar no mercado de capitais e registradas no Banco Central; ou o avalista, fiador ou terceiro interessado, que tenha pago a dívida, ou seja, quem tenha liquidado toda a dívida perante o credor, tomando o lugar deste, por sub-rogação, no crédito e na garantia constituída pela alienação fiduciária. Sujeito passivo da ação será o alienante devedor. A inclusão de terceiro no texto art 3º, explica-se: pode a apreensão do objeto ser efetivada em mãos do terceiro que o detém eventualmente, porque estará o proprietário exercendo o direito de perseguir a res em poder de quem quer que seja, inerente ao domínio. Mas o terceiro, sendo alheio à relação fiduciária e obrigacional decorrente de financiamento, não é legitimado para ser acionado, ou sofrer as conseqüências da mora do fiduciante, nem os efeitos da ação contra esta proposta. Pela mesma razão, não é legitimado para integrar a relação processual e contestar. Abrem-se-lhe as vias de embargo de terceiro, através das quais poderá defender seus bens, direitos ou interesses contra o ato de apreensão judicial. Pode ainda exercer o direito de oposição nos próprios auto (RESTIFFE NETO, 1976, p. 361 e 362). Segue com muita propriedade, embora o autor discorde em parte de outros autores supra, quando menciona, em seu texto, que a titularidade ativa da demanda de busca e apreensão (não mais se restringe às instituições financeiras), e que o instituto jurídico em questão pode ser utilizado igualmente pelos particulares. “A legitimidade (ativa e passiva) 44 Humberto Theodoro Jr., Contrato de Consórcio – garantia e Exequibilidade, RT 641/7 e seguintes. Apud. PEREIRA, 2001, p, 47 e 48. 45 Súmula 6 do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Esta é a compreensão do STJ (Resp 1.646-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ 9/358). 46 Súmula 6 do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo. Esta é a compreensão do STJ (Resp 1.646-RJ, rel. Min. Eduardo Ribeiro, RSTJ 9/358). 47 Idem, RESTIFFE NETO, 1976, p. 361. 34 significa a relação de pertinência subjetiva que deve haver entre o sujeito que postula a tutela jurisdicional do Estado e que haverá de arcar com o ônus da eventual sucumbência”48. A legitimidade em sede de ação de busca e apreensão. A legitimidade ativa diz respeito a pessoa (física ou jurídica) titular da propriedade fiduciária (credor), segundo se infere do disposto no art. 3º, caput , primeira parte, do Decreto-lei 911/69. Note-se que, com a propriedade fiduciária regrada pelo Código Civil, a titularidade ativa da demanda de busca e apreensão não mais se restringe às instituições financeiras, tendo em vista que o instituto jurídico em questão pode ser utilizado, igualmente, pelos particulares (pessoas físicas e jurídicas distintas das instituições financeiras (FIGUEIRA JÚNIOR, 2005, p. 80). O autor, preocupado com diversas interpretações, salienta: Como dissemos, tendo o credor fiduciário ciência prévia de que o bem alienado encontra-se em poder de terceiro, o ajuizamento da ação de busca e apreensão contra ele figura-se muito mais proveitosa, senão vejamos: a) obtenção de liminar, inaudita altera pars, desde que comprovada a mora ou inadimplemento do devedor fiduciário (art. 3º, caput, DEC-LEI 911/69); b) consolidação da posse e propriedade plena e exclusiva em seu favor, cinco dias após a execução da liminar (art. 3º, §1º, Decreto-lei 911/69, com redação da Lei 10.931/2004; c) da sentença apelada, o recurso será recebido apenas no efeito devolutivo (art. 3º, § 5º. Decreto-Lei 911/69, com redação da Lei 10.931/04 (FIGUEIRA JÚNIOR, 2005, p. 83). Ainda assim: Por outro lado, o réu (terceiro) poderá fazer uso da faculdade conferida ao devedor fiduciante de “pagar a integralidade da dívida pendente, segundo os valores apresentados pelo credor fiduciário na inicial, hipótese na qual o bem lhe será restituído livre de ônus” (art. 3º, § 2º, Dec-lei 911/69, com redação da Lei 10.931/04). Além do mais, o direito de terceiro quitar a dívida, sub-rogando-se de pleno direito de crédito e na propriedade fiduciária, está definido no art. 1.368 do Código Civil (FIGUEIRA JÚNIOR, 2005, P.83). O legislador sabiamente ainda prescreveu com muita maestria: Ainda poderá o terceiro – sujeito passivo em ação de busca e apreensão - oferecer resposta, mesmo que ele tenha se utilizado da faculdade conferida no § 2º, do art. 3º, Dec-lei 911/69, caso entenda ter havido pagamento a maior e desejar restituição (art 3º, §§ 3º, e 4º, Dec-lei 911/69, com redação da Lei 10.931/04) (FIGUEIRA JÚNIOR, 2005, p.83). 48 Figueira Júnior, Joel Dias. Ação de busca e apreensão em propriedade fiduciária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. P.80. 35 2.3 Foro contratual ou de eleição e competência Orienta com muita sabedoria o louvável Restiffe Neto: “Podem as partes estipular livremente em cláusula contratual o foro de eleição para discussão das questões que possam surgir. A competência será sempre da justiça comum”.49 Não há que se reconhecer o foro de eleição previamente impresso em formulários das financeiras, “por aberrante, não se há de reconhecer validade à cláusula de foro de eleição desse jaez. Não se concebe que o jurisdicionado eleja juízo, na comarca, segundo sua conveniência”.50 No mesmo sentido: “Tratando-se de competência relativa, nada impede, em princípio, que as partes contratantes elejam foro diverso do domicílio do réu”.51 Ainda com relação ao foro: Porém, se a relação formada entre as partes em contrato de alienação fiduciária for de consumo e a eleição do foro dificultar a defesa do consumidor/devedor fiduciário,52 há de ser judicialmente desconsiderada, inclusive de ofício, hipótese em que não se aplica a Súmula 33 do Superior Tribunal de Justiça.53 PEREIRA salienta ainda que: “a ação deve ser proposta na comarca de domicílio do réu, vigorando o princípio do art. 94 do CPC. [...] todos sabemos que rotineiramente haverá a inserção de cláusula de eleição de foro, estabelecendo o contrato o local onde deverão correr as demandas derivadas dos negócios jurídicos – o que não é aprioristicamente lícito, por avalizado legalmente (arts. 111 do CPC e 42 do CC). A jurisprudência tem sancionado com invalidade cláusulas desta espécie, na medida em que criem obstáculo ilegítimo para uma das partes (certamente o aderente, com o perdão da evidência), dificultando o acesso à jurisdição. É nula a disposição negocia (e só ela: art. 153 do CC) que previu o 49 Idem, RESTIFFE NETO, 1976, p. 362. Idem, RESTIFFE NETO, 1976, p. 362. 51 Idem, FIGUEIRA JÚNIOR, 2005, p.95. 52 Cf. STF – 4º T. – Resp 169169/SP – Registro 1998/0022577-3 – rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar –j. 24.06.1998 – DJU 08.09.1998, p. 68; STJ – 3ª T. – Resp 159931/SP – Registro 1997/0092176-0 –rel. Min. Eduardo Ribeiro – j. 21.05.1998 – DJU 07.06.1999, p. 102. 53 Dispõe a Súmula 33 do STJ: “A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício”. 50 36 ajuizamento de demanda de busca e apreensão em foro distante do domicílio do fiduciário. 2.4 Interesse de agir Como todas as ações de alienação fiduciária, para se servir de validade, tem que existir o interesse de agir por parte do autor da ação; sem esta, não há no que se falar em processo: “assim, ao propor a demanda, ao lado dos demais requisitos das chamadas condições da ação, deverá o autor demonstrar o seu interesse de agir em juízo, sob pena de indeferimento liminar da peça.”54 Conforme já observado, salienta ainda que: O interesse de agir é um outro requisito de validade, e, como tal, aparece no plano jurídico processual como afirmação hipotética do autor, referente a sua necessidade de obter a tutela jurisdicional do Estado à satisfação das pretensões aduzidas. Verificada a mora ou o inadimplemento do devedor fiduciário, isto é, “vencida a dívida”, surge para o credor fiduciário o interesse de agir em juízo (FIGUEIRA JÚNIOR, 2005, p. 85). 2.5 Do processo e do procedimento Os procedimentos são demandas diversificadas, com tutela diferenciada e subsidiária do Código de Processo Civil, como ensina o professor Figueira Júnior em sua obra: “O processo e procedimento adotados para a ação de busca e apreensão são aqueles definidos no Dec-lei 911/69, com as inovações da Lei 10.931/2004, sem prejuízo de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil”,55 Com o advento da Lei 10.931/2004, a ação de busca e apreensão que, até então, era sumária, tornou-se plenária, segundo se infere dos termos conferidos aos §§ 3º, e 4º, do art. 3º, do Dec-lei, 911/69, exigida, por conseguinte, a compatível ordinariedade, mesclando-se com a especialidade do rito previamente estabelecido.56 É demanda especial por que delineada para atender às relações conflituosas de direito material envolvendo alienação fiduciária em garantia; diversificada procedimentalmente porquanto dotada de um rito especial, estabelecidos nos arts. 2º, a 8º, A, do Dec-lei 911/69; portadora de tutela diferenciada específica (tutela antecipatória), em face da natureza emergencial ínsita à própria demanda (tutela de urgência), para bem atender 54 FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Ação de busca e apreensão em propriedade fiduciária. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. p. 85. 55 Idem, Figueira Júnior, 2005, p 86. 56 A título exemplificativo, é o que se verifica, entre tantas outras demandas reguladas em leis especiais, com as ações de despejo, e no livro IV do CPC (procedimentos especiais). Com as ações interditais de forma nova. 37 às situações particularíssimas que envolvem os contratos de alienação fiduciária (FIGUEIRA JÚNIOR, 2005, p. 87 e 88). Já no entender de Hélio Pereira, “a petição inicial deve ser singela, com sucinta descrição dos fatos e exposição jurídica”.57 Salienta o autor: [...} na verdade, nenhuma peça processual se adjetiva propositalmente pela prolixidade. Mas , quanto à demanda em questão, é de se sublinhar que a revelação da causa de pedir haverá de ser necessariamente breve. Há de ocorrer menção aos contratos (de financiamento e de alienação fiduciária), com esclarecimento quanto à mora e referência à sua comprovação. A formulação do pedido basta à enunciação da pretensão de recuperação da posse direta do objeto alienado (PEREIRA, 2001, p. 66). 2.6 Da tutela de urgência - Liminar Como forma de o reaver a posse direta do bem alienado fiduciariamente, em caso de inadimplementos contratuais, o legislador disponibilizou somente uma forma jurídica cabível e eficaz, como orienta o autor: ”fala-se assim, de uma tutela jurisdicional de urgência, gênero que inclui a proteção cautelar e a antecipação da tutela – princípio que, por própria decorrência constitucional, não pode estar desgarrado da perspectiva jurisdicional da alienação fiduciária em garantia, tanto que não pode abandonar nenhum direito substantivo”.58 No mesmo sentido Encontramos várias técnicas no sistema positivo de tutela de urgência, sempre empregadas para garantir a efetivação da proteção jurisdicional, na qualidade de mecanismos hábeis à superação de obstáculos naturalmente legados com a tramitação e duração do processo (fator tempo), sobretudo nos processos de cognição, onde a satisfação, via de regra, está vinculada à obtenção de uma sentença de mérito favorável e transitada em julgado. As tutelas de urgência objetivam, em outros termos, harmonizar o binômio rapidez e efetividade do processo, sem perder de vista, dentro do possível, o valor segurança, em prol da justa composição do litígio (FIGUEIRA JÚNIOR, 2005, p. 64). A tutela de urgência se faz necessária, tendo em vista que o devedor inadimplente, com a posse direta do bem, venha a se desfazer do referido bem, (vendendo 57 Idem, Hélio do Valle Pereira, 2001, p. 66. 38 trocando ou até mesmo deixando exposto ao tempo, deteriorando-se), perdendo o seu valor comercial, trazendo prejuízo direto para o credor fiduciário. 2.7. Responsabilidade do avalista Para a aprovação cadastral na aquisição de bens móveis em garantia fiduciária, torna-se necessária a composição de um, ou mais, avalista que possua bens imóveis, tornandose responsável solidário ou responsável direto do bem adquirido em financiamento por alienação fiduciária, como explica o autor: “O avalista é um obrigado cambial que ocupa a mesma posição jurídica adjetiva do avalizado e à qual se equipara, sendo um obrigado direto. Quem dá aval assume a obrigação da pessoa à qual garantiu”.59 2.7.1 Efeitos do deferimento da inicial Os requisitos da petição inicial estão salientados no art. 282, do CPC, como orienta o autor: “Ao receber a petição inicial, apreciará o julgador, de plano, os pressupostos processuais e as condições da ação. Presente todos o elementos, requisitos e documentos indispensáveis, a propositura da ação passará ao conhecimento do pedido de busca e apreensão liminar, inaudita altera pars.” 60 Ainda assim: A liminar de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente tem natureza antecipatória satisfativa, pois, se acolhida, concederá ao autor/credor fiduciário exatamente tudo o que poderia obter, no plano dos fatos, quando da ploração da sentença. 58 Idem, Hélio do Valle Pereira, 2001, p.165. CANUTO, Elza Maria Alves. Alienação fiduciária de bens móveis: responsabilidade do avalista, Belo Horizonte: Del Rey, 2003, 208p. p.72. 60 Idem Figueira Júnior, 2005, p. 121 e 122. 59 39 No mesmo sentido, afirma Restiffe Neto: “satisfeitos todos os pressupostos e requisitos legais, o deferimento da inicial importará automaticamente na concessão liminar da diligência de busca e apreensão”.61 2.7.2 Requisitos de fundo da petição inicial de busca e apreensão62 Ao tratar dos requisitos da petição inicial que se fazem necessários em uma lide, o autor, representado por seu procurador (advogado), devidamente constituído, deve: “primeiramente, apontar na petição inicial o destinatário da demanda, considerando aqui o foro e o juízo a quem é dirigida (art. 282, I, CPC). Tratando-se de competência territorial, haverá de observar a regra do art. 94 do CPC, “A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra , no foro do domicílio do réu”, com a possibilidade de modificação por vontade das partes (foro de eleição).63 Desta forma, observa ainda o autor: Deverá o autor observar se no foro competente existe vara especializada para tratar a respeito da matéria em questão, (competência privativa em direito bancário, relação de consumo etc.). Nesses casos, considerando-se que a competência em razão matéria (ou de juízo) é absoluta, haverá de dirigir a peça inicial ao juiz competente para o processo e julgamento do feito. O segundo requisito reside na qualificação dos litigantes (pólo ativo e passivo), preferencialmente através dos nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio ou residência64 (art. 282, II). É facultado ao autor fazer referências ao nome do seu procurador (ou procuradores), seguindo-se a indicação dos instrumentos de mandado que, necessariamente, acompanhará a peça, observará as normas dos arts. 37 e 38 do CPC, somadas àquelas insculpidas no art. 653 e seguintes do CC, (FIGEUIRA JÚNIOR, 2005, p.103). 61 Idem Restiffe Neto, 1976, p.378. Idem, Figueira Júnior, 2005, p.102. 63 Idem, Figueira Júnior, 2005, p.102 e 103. 64 Percebe-se pela redação do inciso analisado, que o legislador utiliza-se da conjunção aditiva “e” fazendo crer ao leitor mais afoito que se faz mister o somatório da indicação do “domicílio e residência”. Sem razão tal requisito, porquanto exagerado e desnecessário, devendo ser interpretado como faculdade concedida ao autor a conjugação das informações pertinentes aos dois endereços, pois, conforme acabamos de afirmar, se por um lado será melhor o maior número de informações identificadoras do réu, por outro lado, o que importa é a sua localização e identificação. Em outras palavras, melhor e mais adequado teria sido se o Código tivesse feito uso da conjunção “ou” para designar alternativa concedida ao autor. Tanto é que, ao definir os requisitos do mandado citatório, dispõe o Código, em seu art.225, I, acerca da necessidade de conter “os nomes do autor e réu, bem como os respectivos domicílio ou residência” (grifo do autor). 62 40 2.7.3 Da alienação do bem “Procedente o pedido, o credor tem a propriedade, inicialmente resolúvel, liberada desta limitação e fica com a posse direta do objeto. Conforme é dito, a posse e a propriedade se consolidam em mãos do credor. Não pode ficar com o bem consigo (art. 66,§5º, da Lei 4.728/65)”.65 [...] é a proibição do pacto comissório, regime comum aos direitos reais de garantia (art. 765 do CC), deve providenciar a venda para, com o seu produto, alcançar a satisfação do direito. Este aspecto diferencia, já vimos, a alienação fiduciária do negócio fiduciário. O bem há de ser vendido, judicial ou extrajudicialmente, a critério do credor (salvo previsão no contrato em favor da alienação em juízo. A venda judicial deve ser feita nos termos dos arts. 1.113 e 1.119 do CPC. Como se cuida de procedimento plenamente publicizado, traz a vantagem de que eventual saldo remanescente (caso a venda não atinja valor igual ou superior ao débito) possa ser exigido pela via executiva, eis que permanece a liquidez. Outrosim, deixando às claras o valor obtido, propicia a tranqüila prestação de contas. A venda extrajudicial também é possível. Não existe nenhuma regulamentação legislativa, em princípio, sustentável que poderia o credor, exemplificativamente, delegar a tarefa ou diligenciar, por sua conta e risco, a venda, localizando interessado na aquisição (PEREIRA, 2001, p. 84). 2.7.4 Da ação de depósito Havendo a necessidade de conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, se faz-se necessário que o autor, por meio de uma nova petição, peça ao juízo a conversão do feito em ação de depósito, quando o bem alienado não estiver mais em poder do devedor fiduciário.66 Sendo assim: Existem, no entanto, aqueles que admitem o ajuizamento, desde logo, dessa ação, desde que o autor comprove que o bem esteja na posse de estranhos. A ação de depósito não tem por objetivo imediato a decretação da prisão civil – simplesmente meio coercitivo indireto e eventualmente utilizável para localização do bem. A ação de depósito é viável quando certificada nos autos a não localização do bem.67 Para tanto, 65 Idem, Pereira, 2001, p. 84. Idem, Pereira, 2001, p. 89. 67 Debate a jurisprudência sobre a possibilidade de conversão no caso de, localizada a coisa, ter ela se transformado em sucata. Há acórdãos no sentido da inconversibilidade, considerando que o credor deverá recuperar o prejuízo. Pelas vias ordinárias (2º TACivSP, RT 773/282, rel. juiz Rodrigues da Silva), assim como outros decidem pela possibilidade da convolação (STJ, Reep 51.522-0-MT, rel. Min. Waldemar Zveiter, Lex-JSTJ e TRFs 68/282; 2º TACivSP, RT 763/281, rel. juiz Renato Sartorelli; 2ºTACivSP, Lex-JTA 165/355, rel.juiz Euclides de Oliveira ). Apud. Hélio do Valle Pereira, 2001, p.89, 90, 92, 93,94 e 95. 66 41 deverá apresentar nova petição, adaptada às peculiaridades da nova causa, a qual será entranhada nos autos de busca e apreensão. A ação de depósito seguirá o procedimento estabelecido no CPC (arts, 901 e seguintes), com algumas adaptações ás características do direito perseguido pelo fiduciário. Em primeiro plano, o réu estará liberado da demanda de depósito se apresentar a coisa reclamada. É o que prevê, genericamente, o art. 902, inciso I, do CPC. Segunda conduta possível é o pagamento do débito. Só que há, no caso da alienação fiduciária, particularidade em relação à pretensão de depósito comum.68 Aqui, o objetivo essencial do autor-credor é a percepção pecuniária, não propriamente a posse do bem alienado (diferentemente do que ocorre na ação de depósito pura). Assim, disponibilizado o valor débito em favor do credor (ainda que inferior a estimativa do bem), o autor está bem amparado.69 É dado ciência ao demandante e, concorde quanto ao valor, o processo é extinto, com análise de mérito, pelo reconhecimento jurídico do pedido (PEREIRA, 2001, p. 89 a 95). Conforme jurisprudência catarinense no anexo (1). No mesmo sentido, o autor vem nos dar mais detalhes a respeito deste instituto: A ação de depósito, outorgada pelo art. 4º do Decreto-lei 911, de 1969, é regulada no Código de Processo Civil. É o procedimento mais rigoroso aplicável ao instituto da alienação fiduciária em garantia, como faculdade do credor quando o “bem alienado fiduciáriamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor” (RESTIFFE NETO, 1976, P.440). 2.7.5 Medidas impeditivas da busca e apreensão70 São inviáveis pedidos antecipatórios ( e com amplitude de razões se sugeridos pela via simplesmente cautela) que embaracem a utilização pelo credor ( o mesmo valeria para o devedor) de remédios jurisdicionais. O art. 5º ., XXXV, da CF, outra vez mais invocado, permite incondicionalmente o acosso à tutela processual. Não se pode, por meio de medida judicial, impedir que o co-contratante ( ou qualquer pessoa) busque a proteção de seus direitos. Ilegítima toda decisão que impeça este acesso. Não raramente, surgem pretensões no sentido de impedir que o credor, no curso de ação anulatória, revisional ou outra equivalente ajuizada pelo devedor, formule pretensão judicial. Esta postura discrepa desenganadamente do devido processo legal, não merecendo ser prestigiada (PEREIRA, 2001, P. 168 e 169). 68 Na ação de depósito comum, o réu não pode, livremente, pagar o equivalente pecuniário, furtando-se à entrega do bem. Se assim fosse, teria uma opção de compra. O CPC, ao se mencionar a consignação do equivalente em dinheiro (art.902, inciso I), refere-se à hipótese de desaparecimento do bem, funcionando o dinheiro como forma de indenização em prol do depositante. Porém, se a perda decorrer de caso fortuito ou de força maior (art. 1.277 do CC), estará o depósito liberado de toda responsabilidade, inclusive de indenização. Grifo do autor. 69 STJ, Resp 237.313-SP, rel. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Assim também a Súmula 20 do 1ºTACIVSP. Seguimos, no entanto, a ressalva feita pelo Min. Ruy Rosado de Aguiar, no julgamento citado, no sentido de que deverá ser depositado o valor do bem ou o saldo devedor – o que for menor(neste sentido, TJSC< AC 98.011723-2, de Blumenau, rel Des. Eládio torret Rocha; 2º TACivsp, Lex-JTA 170/360, rel. Amaral Vieira.). sem razão o STJ ao afirmar que o “equivalente em dinheiro refere-se ao valor do bem” (Resp 209.581-SP, rel. Min. Carlos Alberto Meneses Direito, RSTJ 130/296). No mesmo equívoco incidiu o 2º TACivSP: “na ação de depósito derivada de relação de alienação fiduciária, o equivalente em dinheiro (inciso I do art. 902 do CPC), refere-se ao bem depositado e não ao valor da obrigação” (Lex-JTA 168/373, rel. juiz Narciso Orlandi). Grifo do autor. 70 Idem, Pereira, 2001, p. 168. 42 2.7.6 Medidas obstativas da alienação do bem apreendido71 Admitida a constitucionalidade da venda extrajudicial do bem72, conseqüência da retomada judicial da sua posse, pode o credor, pela via antecipatória ( ou cautelar, se assim for entendido),vedar a concretização da venda, mediante requerimento incidental em demanda que questione a existência do débito. Deriva esta conclusão da inaptidão da ação de busca e apreensão para gerar, com amplitude, coisa julgada material, mercê da cognição sumária. Mutatis mutandis são aproveitáveis os argumentos aduzido, pelo STF, em caso envolvendo a alienação extrajudicial de imóveis hipotecados, nos termos do Decreto-lei 70/76 (PEREIRA, 2001, P. 171 E 173. 2.7.7 Depósitos incidentes73 Existem casos em que o devedor pode, sem anuência do credor, efetuar depósitos de coisas ou quantias em favor do débito ajuizado não se está tratando de consignação em pagamento, salienta o autor: “Em várias hipóteses, há conveniência de apresentar judicialmente coisas ou quantias, deixando-as à disposição do juízo ou da parte adversa”.74 [...] será a situação de demanda que se dedique a debater a validade ou os efeitos de contrato bancário. O credor pode, como medida incidental, depositar o bem alienado fiduciariamente, o valor litigioso ou aquele que entenda devido75 demonstrando boa fé e solvabilidade. São casos que podem criar confusão com a ação consignatária. Mas não se esqueçam os exatos objetivos daquela demanda, ou seja, o efeito liberatório do devedor, a sua eficácia equivalente ao pagamento. Nos exemplos citados, ainda que eventualmente possa surgir este mesmo efeito, o depósito está longe de se confundir com a consignação em típica. O mais relevante é que para efetivação desse depósitos incidentais é ociosa a obediência ao procedimento da ação consignatária e, muito menos, de ação cautelar inominada. É suficiente que a parte faça o depósito bancário, deixando o valor à disposição do juízo e anexando o respectivo comprovante aos autos, mesmo sem prévia autorização.76 Galego Lacerda77 e Humberto Theodoro Jr. vão neste mesmo caminho, referindo este último que esses depósitos, não tendo feição de pretensão cautelar, ocorrem sem figura nem forma de juízo, tudo se dando nos próprios autos da ação de conhecimento ou execução78 (PEREIRA, 2001, p.179 e 180). 71 Idem, Pereira, 2001, p. 168. O raciocínio não se altera se a venda for judicial, pois seguirá as regras de procedimento de jurisdição voluntária, e não as normas de processo de execução. Grifo do autor. 73 Idem, Pereira, 2001, p.179. 74 Idem, Pereira, 2001, p. 179. 75 TJRS: “admite-se, em ação revisional, o depósito de parcelas contratuais, calculadas conforme o entendimento do devedor, por sua conta e risco, e sem o efeito liberatório, pois este só é próprio da ação de consignação em pagamento” (AI 70000566471, rel. Des. Márcio Borges Fortes), apud Pereira, 2001, p.179. 76 Por analogia, valem as considerações de H[...] tanto isso é importante, que é de se exigir que pedido anulatório de contrato Hugo de Brito Machado sobre o depósito do valor referente a crédito tributário em ações fiscais (Mandado de Segurança no Direito Tributário, Dialética, 1998, p. 136 e seguintes. 77 Comentários ao CPC, v. VIII, t. I, Forense, 1988, p. 10. Apud. PEREIRA, 2001, p. 180. 78 Processo Cautela, Leud, 1989, p. 260-2. Apud. Pereira, 2001, p.180. 72 43 2.7.8 Exibição de documentos Torna-se necessário que o devedor, antes de entrar em um litígio jurídico, esteja ciente dos documentos que têm contato com a causa. Na maioria das vezes, os documentos não estão em sua posse. Neste caso, existe uma cautelar de exibição de documento em face do autor para que o devedor possa dispor destes documentos, conforme o autor: “A medida pode, ainda, ser requerida como incidente probatório, no transcurso da ação de conhecimento (art. 355 e seguintes do CPC). Mas também pode se dar em caráter antecedente (art. 844 e 845 do mesmo Código), o que é sumamente mais conveniente. Ainda assim: [...[ especifique, desde logo, as cláusulas que pretende atacar, sob pena de inépcia da vestibular.79 Sem esses documentos, é impossível, no limiar da demanda, formular adequadamente pedido. E não se pode postergar para a fase instrutória o exato enquadramento da pretensão. Diversamente do que muitas vezes é imaginado, esse pedido não tem natureza cautelar. Está impropriamente encartada no Livro III do CPC, antes por sua relação de acessoriedade com eventual demanda posterior e pelo caráter sumário do seu procedimento e cognição. Tendo natureza satisfativa, atendendo integralmente ao interesse material de ter conhecimento de documentos comuns, como é garantido pelo direito substantivo. A parte interessada, portanto, pode requerer a exibição dos documentos, independentemente de indicar uma lide futura e estando liberada do ajuizamento de uma ação principal (PEREIRA, 2001, p. 181 1 182). Conforme jurisprudência do Tribunal Catarinense no anexo (2). Por fim, espera-se ter levado ao pesquisador do direito uma satisfação em relação à ação de busca e apreensão na alienação fiduciária em garantia. Entrar-se-á a seguir, no último capítulo do nosso trabalho de monografia, em que se tratará da ação de execução, saldo devedor residual, liquidez e iliquidez, cobrança do saldo residual, responsabilidade cambiária pelo saldo devedor residual por parte dos coobrigados avalistas e, por fim, da prisão do devedor infiel. 79 É o que consta, com profundidade, em decisão monocrática do Des. Trindade dos Santos, negando efeito suspensivo contra pronunciamento que, sob pena de indeferimento da inicial, impôs a especificação dos dispositivos contratuais atacados em ação anulatória bancária (TJSC, AI 00.0101398-7 da Capital). Apud. Pereira, 2001, p. 181. 44 Tratar-se-á neste capítulo, da ação de execução e outros institutos referentes ao saneamento da ação de busca e apreensão em alienação fiduciária em garantia, bem como da prisão civil do devedor fiduciário no direito brasileiro. 3. DA AÇÃO DE EXECUÇÃO Para buscar a sua satisfação, o credor fiduciário tem que buscar, pelas vias judiciais, a satisfação do seu crédito, como orienta o autor: “ o art. 5º do Decreto-lei, 911/69 possibilita ao credor fiduciário buscar a satisfação do seu crédito pela via executiva, podendo penhorar tantos bens do devedor quantos forem suficientes para a integral satisfação do seu credito”.80 Essa penhora não deve recair sobre os bens da garantia, uma vez que o domínio resolúvel pertence ao credor. A princípio, falar-se em penhora do bem alienado soa como absurdo jurídico, pois o domínio resolúvel é do proprietário credor e a penhora equivaleria a constritar bens dele próprio. Todavia, pode-se compreender a penhora como possível, desde que o credor renuncie à garantia fiduciária, o que é admitido diante da análise conjunta das disposições do § 7º do artigo 1º do Decreto-lei 911/69, que estabelece a aplicação à alienação fiduciária em garantia, no que couber, dentre outros, o artigo 802, do Código Civil (art. 1.436 no novo Código Civil) e as disposições do Código Civil e Processo Civil, pertinentes a matéria (ELZA CANUTO, 2004, p. 143). 3.1 A venda do bem objeto da garantia O credor, para satisfazer a sua garantia, muitas vezes tem que fazer a venda do objeto alienado fiduciariamente. Na maioria das vezes, esta venda se dá extra-judicialmente. Assim, o autor dá uma breve explicação: “ a venda do bem objeto da garantia visa alcançar a satisfação do crédito. Paga a dívida, o credor deve restituir ao devedor o que sobejar, pois só pode reter o suficiente para o adimplemento do seu crédito”.81 Ainda assim, o autor dá mais esclarecimentos: “Se o preço da coisa não bastar para pagar o crédito do proprietário fiduciário e despesas, na forma do parágrafo anterior, o devedor continuará pessoalmente obrigado a pagar saldo devedor”.82 80 CANUTO, Elza Maria Alves. Alienação fiduciária de bens móveis: responsabilidade do avalista, Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p.143. 81 Idem, Elza Canuto, 2004, p. 147. 82 Idem, Elza Canuto, 2004, p. 147. 45 Essa venda, permitida pelo Decreto-lei 911/69, quando precedida de busca e apreensão já decidida, pode ser realizada em verdadeira execução provisória da sentença. Ainda que tenha sido interposto recurso de apelação nos moldes do § 5º, do art. 3º. Observase, nesse ponto, que a permissão legal fere a regra do art. 588,II, do CPC, que proíbe, na execução provisória , a realização de atos que importem em alienação do domínio. Quando a venda alcançar valor suficiente para solver o crédito, resolvido está o contrato. Entretanto, quando o bem alienado não alcançar esse valor, é necessário saber como o credor fiduciário vai realizar o crédito remanescente, decorrente da insuficiência do preço obtido da venda judicial ou extrajudicial do bem alienado fiduciáriamente (ELZA CANUTO, 2004, p. 148). 3.2 Saldo devedor residual liquidez e iliquidez.83 “Na maioria das doutrinas e nas jurisprudências modernas a venda extrajudicial, sem que o devedor participe na negociação, faz com que o saldo remanescente perca a sua liquidez, restando o título executivo”84 Conforme, LUIZ ALGUSTO BECK DA SILVA,85 Operando venda extrajudicial, maior razão assistir-lhe-á para impugnar a liquidez da dívida. Se é verdade, consoante o ensinamento de Carvalho de Mendonça, que uma dívida não se torna ilíquida e incerta, isto é, não deixa de ser certa quanto à existência e determinada quanto ao objeto, na definição legal, quando se pode apurar o saldo mediante cálculo aritmético, não é menos verdade que o reconhecimento (pelo devedor ou pelo judiciário) desse saldo é absolutamente indispensável. Não se trata de cometer equívoco resultante de operação matemática, mas, sim, de reconhecer e de estar de acordo com o preço atribuído à venda do bem dado em garantia. [...]Se a venda é efetuada, judicialmente, na forma dos arts. 1113/9 do CPC, muito bem. Foram assegurados todos os meios para que o devedor acompanhasse a alienação e protegesse seus interesses. Mas fora da fiscalização do judiciário ou sem o reconhecimento do devedor, licitamente, não há que se reconhecer liquidez a uma dívida resultante de transação feita à revelia do consumidor, quase sempre o maior prejudicado, até porque é a parte mais fraca da relação (LUIZ, 1998, P. 50/51. APUD. ELZA CANUTO, 2004, P. 148 E 149). De acordo com LUIZ EMYGDIO F. DA ROSA JÚNIOR, a lei faculta a venda extrajudicial do bem objeto da alienação fiduciária, mas:86 83 Idem, Elza Canuto, 2004, p. 148. Idem, Elza Canuto, 2004, p. 148. 85 SILVA, Luiz Augusto Beck. Alienação fiduciária em garantia. 2ºed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. P.50 e 51.APUD. Elza Canuto, 2004, p. 148 e 149. 86 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. Título de crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 323. Apud. Elza Canuto, 2004, p. 149. 84 46 [...] não havendo a prévia avaliação do bem e a concordância do devedor, o título de crédito emitido pelo financiado perde a sua liquidez, descaracterizando-se como título executivo, e, assim, o devedor somente responde pessoalmente pelo saldo devedor em processo de conhecimento. Isso porque o único título executivo criado sem ou contra a vontade do devedor é a Certidão da Dívida Ativa da Fazenda Pública, enquanto os demais títulos executivos dependem da expressa concordância do devedor no que toca ao na e quantum debeatur.87 ( ROSA JÚNIOR, 2000, P.323. APUD. Elza Canuto, 2004, p.149). tem o mesmo entendimento: RESTIFFE NETO em sua obra Garantia fiduciária.88 Para ele, depois da venda extrajudicial, unilateral e sem controle do judiciário, a cobrança do saldo apurado pelo próprio credor está desvestida de liquidez e certeza, não sendo cabível a via executiva. O saldo [...] assim apurado, e sem qualquer homologação judicial, é ilíquido e está sujeito à oposição do devedor. Não há previsão legal alguma quanto à sua executividade. Não se tratando de venda judicial, deve o credor tornar líquido o seu alegado crédito propondo ação de prestação de contas, onde a parte apontada na sentença como credora poderá executar a outra, nos próprios autos. [...] A via inviável [...] é a ação executiva para cobrança do saldo apurado particularmente pelo credor, em que junta recibo seu, vale dizer, documento unilateral, com inclusão de despesas não comprovadas e em que mesmo o valor alcançado na venda pode ser discutido se eventualmente for considerado vil ou ruinante para o fiduciante. A lei faculta, é certo, ao credor vender informalmente o objeto da garantia para celeridade de satisfação do credor fiduciário (arts. 2º, e 3º, § 5º, do Decreto-lei 911/69, mas é evidente que os direitos do devedor não foram suprimidos e que os riscos dessa opção do credor devam por ele ser suportados quanto tenham também prescindido do judiciário para apurar o saldo, agora e por isso, ilíquido, incerto e sem eficácia executiva, ou seja, sem qualificação especial, como simples obrigação pessoal do devedor (parte final do § 5º do art. 66 da Lei 4. 728) (RESTIFFE NETO, 2000, p. 478. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p.150). 3.3 Cobrança do saldo residual Logo após a busca e apreensão do bem alienado em garantia, o credor, com a posse direta do bem, pode vender o objeto apreendido sem a anuência do devedor fiduciante. Se a venda não satisfizer o montante inadimplido, pode o credor, por meio de ação própria, buscar o saldo remanescente. 87 A certeza decorre do título e prende-se à existência da obrigação, sabe-se quem deve e porque deve (na debeatur), enquanto que a liquidez diz respeito à quantia cobrada, cujo valor é determinado (quantum debeatur). 88 RESTIFFE NETO, Pulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio, Garantia fiduciária. 3º. ed . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. 47 Segundo RESTIFFE NETO,89 essa justificação é feita tendo em vista: [...] (visto) que na realidade assumiu o devedor na origem uma obrigação de ordem pessoal (dívida) perante o financiador. Apenas, na condição do esquema legal das garantias pessoal e real, aquela recolhe-se a um plano de reserva quando o credor prefira lançar-se à execução da garantia real posta em função de responder pela dívida precipuamente . afigurando-se a insuficiência do produto da venda para cobertura do principal e despesas decorrentes da cobrança, a excussão volve-se contra o devedor, que continua pessoalmente obrigado a pagar o saldo devedor apurado. Da mesma forma, para com o fiduciante fica o fiduciário obrigado a entregar o excesso ou saldo credor eventualmente apurado após a venda da coisa que garantia a dívida ( RESTIFFE NETO; RSTIFFE, Garantia fiduciária, p. 459. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p.152). “Havendo saldo devedor, a cobrança é permitida, sob pena de enriquecimento ilícito sem causa dos devedores. O rito dependerá da liquidez ou iliquidez do saldo devedor”.90 3.5 Posição dos coobrigados avalistas 3.5.1 Responsabilidades cambiárias pelo saldo devedor residual Observa Orlando Gomes,91 que: Uma das questões que maiormente vem preocupando os credores fiduciários é saber como devem realizar o crédito remanescente em razão de insuficiência do preço obtido na venda extrajudicial do bem adquirido fiduciariamente em garantia. Interessam-se, particularmente, pela problemática de sua exigibilidade do avalista de nota promissória vinculada normalmente ao contrato da abertura de crédito ou de financiamento que celebram com adquirente de veículos automotores ou outros bens duráveis (GOMES, 1975, p. 151. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p. 1530). “Deve-se acrescentar à lição de Orlando Gomes que a exigibilidade do avalista interessa também nos casos de cédulas industriais, comerciais, referentes a exportação, que permitem a alienação fiduciária em garantia. Naqueles casos em que o avalista das notas promissórias está vinculado a um contrato, torna-se necessário observar uma possibilidade do desentranhamento da original da mesma logo após a instauração do processo de busca e apreensão do bem alienado’.92 89 RESTIFFE NETO, Pulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio, Garantia fiduciária. 3º. ed . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 459. Apud. Elza Canuto, 2004, p. 152. 90 Idem, Elza Canuto, 2004, p. 153. 48 Conforme GUILHER GUIMARÃES FELICIANO,93 A jurisprudência pacificou-se no sentido de que, com a instauração do procedimento de busca e apreensão do Decreto-lei, 911/69, todos os títulos cambiais vinculados ao contrato de financiamento deveriam ser jungidos aos autos, perdendo sua circulabilidade (cf. RT 417/244). Com a busca e apreensão, na verdade, ocorre a antecipação das dívidas e a resolução do contrato ao qual os títulos se agregavam, não sendo mais possível sua circulabilidade no mercado, ou ainda sem emprego para o desate da via executiva (FELICIANO, 1999, p. 386. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p. 154). CLOVIS BEVILÁQUA,94 comenta o artigo: O direito real, que garante a dívida, não exclui a garantia pessoal genérica do patrimônio do devedor, para a solução das obrigações contraídas. Ao lado da garantia especializada a pessoal generalizada, comum a todas as dívidas. Razão jurídica, de modo algum, exige que, constituída a garantia real, somente os bens dados em garantia respondem pelo pagamento (BEVILÁQUA, 1931, p. 335. Citado por GOMES, 1975, P.153. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p.156 e 157). Comentando o Código Civil, CARVALHO SANTOS explica: “Continuará o devedor obrigado pessoalmente, diz o texto, deixando claro, assim, quanto ao restante, depois de verificada a insuficiência dos bens dados em garantia, que o credor já não mais figura como hipotecário, passando a ser mero credor quirografário”.95 “Há entendimentos unânime, entre os doutrinadores que comentaram o artigo, de que a constituição da garantia real em nada alteraria a situação do devedor ou do credor, quanto à garantia comum que o seu patrimônio (do devedor) oferece para pagamento de sua dívida.”96 [...] para a compreensão dos limites do § 5º do art. 1º do Decreto-lei 911/69, é necessário examinar-se o significado do advérbio pessoalmente empregado no Decretolei 911/69. Evidentemente que essa noção não se perdeu em razão do art. 1.366 do 91 GOMES, Orlando. Alienação fiduciária. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975. P.151. Apud. Elza Canuto, 2005, p. 153. 92 Idem Orlando Gomes. 93 FELICIANO, Guilherme Guimarâes. Tratado de alienação fiduciária em garantia. São Paulo:1999, p.386. Apud. Elza Canuto, 2004, p.154. 94 BEVILÁQUA, Clóvis, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado. 4. Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1931. 95 CARVALHO SANTOS, Código Civil Brasileiro interpretado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. Apud. Elza Canuto, 2004, p. 157. 96 Idem, Elza Canuto, 2004, p. 157. 49 Código Civil não utilizar a expressão pessoalmente. A idéia de um e outro dispositivo é vincular o devedor e só o poderá ser pessoalmente. o artigo 1.366 do Código Civil vigente consolida esse entendimento. Segundo o Decreto, o devedor continua pessoalmente responsável pelo pagamento de saldo devedor resultante da insuficiência da garantia fiduciária. Assim diz também o Código Civil, em caso de insuficiência da garantia hipotecária. O preço da venda, quando insuficiente para pagar o crédito, legítima o credor a buscar a diferença no patrimônio do devedor, mas como credor quirografário (ELZA CANUTO, 2004, p. 157 e 158). Como salienta ELZA CANUTO, “a consolidação nas mãos do credor o obriga a vender o bem alienado, pela inadmissibilidade do constituto possessório, não podendo voltarse contra o avalista enquanto não efetuar a venda.”97 [...] Por outro lado, se o credor vender o bem e o produto não for suficiente para adimplir o crédito e tendo o avalista pago o saldo devedor, a este não se pode mais transferir a garantia, pois que inexistente ao ocorrer a sub-rogação. Nos casos em que o fiduciário tem consolidada a propriedade, mas ainda não vendeu a coisa, ao sub-rogado se transfere esse ônus jurídico de recuperar o que pagou (ELZA CANUTO, 2004, p. 159). Segundo ORLANDO GOMES,98 a cobrança do saldo devedor do avalista tem sido contestada pela seguintes razões: a) circulabilidade, por via de conseqüência, os títulos avalizados, e somente respondendo pelo remanescente da dívida o próprio financiado: b) a cambial, sendo apenas representativa do crédito, está de tal modo vinculada ao contrato de financiamento, que preferida a realização da garantia real, o credor não pode mais executar o título (electa una via non datur recursus ad alteram (ORLANDO GOMES, 1975, p.159 e 160. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p. 161). Ainda, conforme ORLANDO GOMES: os efeitos da sentença de busca e apreensão devem ser determinados. A ação de busca e apreensão surge da necessidade do credor reaver o seu capital e, por meio dela, o fiduciário concretiza três alvos: consolida a propriedade; confirma a posse plena e exclusiva; fica autorizado a promover a venda extrajudicial (ORLANDO GOMES, 1975, P. 159 E 160. APUD. ELZA CANUTO, 2004, p. 161). Para LUIZ AUGUSTO BECK DA SILVA,99 97 Idem Elza Canuto, 2004, p. 159. Idem, Orlando Gomes, 1975, p. 159e 160. Apud. Elza Canuto, 2004, p.161. 99 SILVA, Luiz Augusto Beck. Alienação fiduciária em garantia. 2ºed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. P.58. Apud. Elza Canuto, 2004, p. 164. 98 50 [...] a expressão ”pessoalmente” referida no texto do § 5º do art. 1º não significa “exoneração expressa” de todos os coobrigados, avalista e fiadores. É evidente que, se o preço da venda do objeto não bastar para pagar o crédito do proprietário fiduciário e as respectivas despesas, o devedor continua pessoalmente obrigado a pagar o saldo apurado. Pretendesse o legislador eliminar a garantia fidejussória, não teria elaborado construção tão pobre para o pretendido. Fosse essa sua intenção, ao invés de “pessoalmente”, teria utilizado a expressão “exclusivamente”, de fácil alcance, que não deixa a menor sombra de dúvida. O sentido dado a “pessoalmente” significa que, em não bastando a garantia fiduciária para a liquidação da dívida, o devedor deverá socorrer-se de recursos próprios para a solução de seu débito (v. art. 767 do Cód. Civil e § 4º, do art. 102, da Lei de Falência). Mais isso não quer dizer que o credor não possa mais cobra do avalista ou do fiador. A finalidade do aval e da fiança nos contratos de alienação fiduciária em que, habitualmente, vinculam-se notas promissórias, é justamente o de forçar a garantia (SILVA, 1990, P. 58. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p. 164 e 165). “A obrigação do avalista pelo saldo devedor remanescente decorre da natureza do aval que, sendo instituto de direito cambial, vale por si mesmo de forma autônoma”.100 De acordo com NESTOR JOSÉ FORSTER,101 [...] a existência de saldo devedor está prevista expressamente em lei, através de dispositivo que define a responsabilidade pessoal do devedor “se o preço da venda da coisa não bastar para pagar o crédito do proprietário fiduciário”. Queriam alguns ver no texto citado a transformação da obrigação pessoal do devedor em personalíssima, de tal sorte que se operaria a extinção de todas as outras garantias ligadas ao contrato, pelo fato de Ter sido usada pelo credor a garantia fiduciária. Sem razão, porque, quando a lei estipula que persiste a obrigação pessoal do devedor, na ocorrência do saldo devedor após a venda do bem fiduciariamente alienado, está reconhecendo, tão somente, que a garantia fiduciária é que foi extinta, em razão do valor insuficiente apurado na venda do bem. Nesse momento, o credor despojou-se da garantia, executando-a e liquidando extinção dela, por essa forma, não tem o condão de extinguir outras garantias de que se haja cercado o credor, seja por aval, seja por fiança. Assim, verifica-se que a execução de um tipo de garantia, aliás, de natureza completamente diversa da outra, existente no mesmo negócio jurídico, não importa renúncia da garantia ( FORSTER, 1970, p. 59. Apud. ELZA CANUTO, 2004, P. 165). A lição de JOÃO EUNÁPIO BORGES diz que “cambialmente, porém, a responsabilidade que decorre para o avalista, qualquer que seja a causa de sua declaração, é a mesma que contrai qualquer subscritor ao título: a garantia do pagamento”.102 Aduz ainda que: 100 Idem, Elza Canuto, 2004, p. 165. FORSTER, Nestor José. Alienação Fiduciária em Garantia. Porto Alegre: Sulina, 1970. Apud. Elza Canuto, 2004, p. 165. 102 BORGES, João Eunápio. Título de crédito. 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1975. Apud. Elza Canuto, 2004, p.167. 101 51 [...] avalista e avalizado são dois coobrigados de igual responsabilidade, cujas relações se regulam pelas normas das obrigações solidárias; não estão um defronte ao outro como o fiador perante o afiançado, mas como dois coobrigados ao pagamento de uma dívida comum, em condições cuja identidade pode ser e é geralmente modificada pelas relações concretas que ocorrem entre eles, sem que o direito cambial autorize a presunção de ser o avalizado, necessariamente, o beneficiário e o responsável exclusivo pela dívida, extinta pelo pagamento de um dos coobrigados (BORGES, 1975, p. 149. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p. 167). “O fato de o Decreto-lei 911/69 dispor que o fiduciante ficará pessoalmente responsável pelo saldo devedor não significa atribuir-lhe a exclusividade pelo pagamento do saldo devedor.”103 Pode-se também compreender o artigo com a lição de DARCY DE ARRUDA MIRANDA:104 Ora, usando o legislador do verbo na forma futura – “continuará” o devedor “pessoalmente” obrigado pelo pagamento do saldo, é porque quis salientar que essa obrigação “pessoal” já existia por parte do devedor, desde a sua assinatura no contrato de crédito, e assim “continuará” até a execução do saldo apurado, não querendo, em hipótese alguma, com o advérbio “pessoalmente”, exonerar os coobrigados da obrigação contratual, o que seria evidente ilogismo (MIRANDA, 1986, p. 30. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p. 168). Ainda assim, “a conclusão do magistrado PAULO LÚCIO NOGUEIRA105 é, também, pela viabilidade de cobrança do saldo devedor residual dos avalistas”. Neste sentido, o autor confirma a sua versão: “a cobrança do saldo devedor residual dos coobrigados em obrigações garantidas por alienação fiduciária de bens móveis em garantia, todavia, fundamentais” encontra fortes opositores que se sustentam em proposições 106 Neste sentido: 103 Idem, Elza Canuto, 2004, p. 167. MIRANDA, Darcy de Miranda; BORBA, José Hélio. O problema da execução do saldo devedor na alienação fiduciária. RT486, 1986.apud. Elza Canuto, 2004. P. 168. 105 NOGUEIRA, Pulo Lúcio. Questões Civis Controvertidas. São Paulo: Sugestões literárias, 1975. Apud. Elza Canuto, 2004, p.169. 106 Idem, Elza Canuto, 2004, p. 170. 104 52 A inadimplência do devedor leva o credor a perseguir o bem dado em garantia, por meio da ação de busca e apreensão, o que importa na resolução do contrato e no conseqüente afastamento das garantias pessoais; ou a propor ação de execução para cobrança do débito do fiduciante e seus garantidores; b) após a venda do bem apreendido, o saldo devedor constitui dívida apenas do devedor fiduciante, excluída a responsabilidade do avalista, nos termos do § 5º, art. 66 do Decreto-lei 911/69; c) a inadimplência do devedor provoca a rescisão do contrato e a extinção da obrigação do avalista, porque a venda do bem frusta a sua expectativa de sub-rogar-se na garantia, como lhe assegura o artigo 6º do Decreto-lei 911/69 (ELZA CANUTO, 2004, p. 170). “No que tange à primeira proposição, extrai-se da norma legal que, quanto às ações, a escolha de uma exclui a utilização da outra, conforme determina o artigo 5º do Decreto-lei 911/69. Entretanto, põe-se em dúvida se a escolha da ação de busca e apreensão provoca a rescisão de direito do contrato de alienação fiduciária, ao argumento de que o acessório segue o principal, desobrigando os avalistas”.107 Para JOSÉ COSTA LOURES,108 a proposição [...] é inaceitável. Se a inadimplência do devedor produz a resolução de direito do contrato, autorizando a sua execução, não se pode obscurecer o fato de que têm caráter executivo as duas ações postas à disposição do autor: a via executiva a que se refere ao artigo 5º do DL. 911/69, pela explicitude do art. 585, II, do CPC; ou a busca e apreensão do bem objeto da garantia, por isso que, com ela, visa o credor a “uma prestação jurisdicional, com base em título executivo, para que se efetive a sanctio juris mediante a prática de atos de execução” [...] na real verdade, o contrato só se extingue de fato, exaurindo a obrigação do devedor e de seus coobrigados, quando o credor estiver integralmente satisfeito em seu direito. Vendido o bem apreendido e sendo suficiente a quantia apurada, pelo saldo remanescente continuam a responder o devedor e seus avalistas; mesmo porque não será demasia lembrar que a garantia subsidiária do aval existe precisa e exatamente para a hipótese de ser insuficiente o valor quando na venda da garantia principal, que a própria coisa. Afinal, que espécie de garantia acessória é esta, que se disjunta do principal ou que não acresce a ele, exata e precisamente no momento em que se requer o seu adicionamento, a sua complementação, por insuficiência da garantia principal? Que garantia subsistiria é esta, a não responder no momento em que faz mister requisitá-la (LOURES, 1979, p. 199-200. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p.171-174). Para CLÓVIS BEVILÁQUA:109 O direito real, que garante a dívida, não exclui a garantia pessoal genérica, do patrimônio do devedor, para a solução das obrigações contraídas. Ao lado da garantia real especializada, 107 Idem, Elza Canuto, 2004, p.171. LOURES, José costa. Artigo inserto na revista do Curso de Direito da Universidade Federal de Uberlândia v. 8, n. 1, 1979.Apud. Elza Canuto, 2004, p. 171. 109 BEVILÁQUA, Clóvis, Código civil dos estados unidos do brasil comentado. 4. Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1931. Apud. Elza Canuto, 2004, p. 172. 108 53 subsiste a pessoal generalizada, comum a todas as dívidas. A razão jurídica, de modo algum, exige que constitua a garantia real, somente os bens dados em garantia respondem pelo pagamento [...] (BEVILÁQUA, 1931, p. 199. apud. ELZA CANUTO, 2005, p. 172-173). Para PONTES DE MIRANDA,110 [...] o desaparecimento do objeto gravado de modo nenhum influi no crédito garantido. Se é parcial a perda, deterioração ou destruição, o gravame continua sobre o resto. Se foi executado o penhor, ou a hipoteca, sem dar para a solução da dívida, continua o devedor vinculado quanto ao que faltou, pessoalmente (art. 767) PONTES DE MIRANDA, 2000, p. 49. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p. 173). CARVALHO SANTOS diz que: “Continuará o devedor abrigado pessoalmente, deixando claro assim que, quanto ao restante, depois de verificada a insuficiência dos bens dados em garantia, o credor já não figura mais como hipotecário, passando a ser mero credor quirografário”.111 Em suma, para RESTIFFE, “não há liquidez no valor unilateralmente apurado após a venda extrajudicial do bem da garantia, como saldo remanescente, razão pela qual:112 [...] somente responde o devedor principal, mas por ação de conhecimento ou monitória , e não pela via executiva. Já os coobrigados, além de não responderem, nas mesmas condições, ao fundamento da ausência de sua participação na venda extrajudicial, pelo saldo devedor unilateralmente apurado pelo credor, também estão exonerados da responsabilidade cambial ou por fiança, por terem tido o seu direito à sub-rogação legal frustrado por fato de o credor em precipitar a rescisão do contrato com a execução do objeto da garantia real, sem ter-lhe antes aberto oportunidade hábil de, desejando, pagarem a dívida, como de direito (RESTIFFE NETO, 1976, p. 470. Apud. ELZA CANUTO, 2004, p. 175-176). 3.5.2 Da prisão civil do infiel depositário 3.5.3 Da prisão civil 110 PONTES DE MIRANDA, Francisco C. Tratado de direito cambiário. Campinas: Bookseller, 2000, volume I. CARVALHO SANTOS, Código civil brasileiro interpretado. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1980. Apud. Elza Canuto, 2004, p.173. 112 Idem Restiffe, 1976, p. 470. Apud. Elza Canuto, 2004, p. 175-176. 111 54 A princípio, há que se observar que o remédio da prisão civil, no direito brasileiro, não passa de um instrumento de coação que está à disposição do credor fiduciário, que tem por fim principal fazer o devedor cumprir com a sua obrigação assumida em um contrato de alienação fiduciária em garantia. “A prisão civil existente na jurisdição civil é simplesmente fator coercitivo, de pressão psicológica, ou técnica executiva, com fins de compelir o depositário infiel ou o devedor de alimentos, a cumprirem sua obrigação”113 Conforme a CRFB/88, somente se admite a prisão por dívida na hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e de depositário infiel, art. 5º, inciso LXVII”114 3.5.4 Argumentos favoráveis à prisão civil 3.5.5 Decreto-lei 911/69 pela Constituição Federal de 1988 “Consta peceituar, preambularmente, que um dos pontos nevrálgicos em relação ao estudo do Decreto-lei 911/69, e da prisão dele decorrente, cinge-se ao redor de sua alegada inconstitucinalidade frente aos preceitos democráticos da atual CRFB/88. Seja porque aquela foi editada por uma junta Militar que comandava o país”.115 Conforme Luiz Guilherme Marinoni:116 No procedimento de busca e apreensão, o réu, na contestação, só poderá alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais (art. 3º, § 2º, do Decreto-lei nº 911/69). O procedimento ora objeto da nossa análise, além de permitir a apreensão liminar do bem alienado fiduciariamente (art. 3º, caput), restringe a matéria de defesa; é obvio que estas limitações da cognição, a primeira sentido vertical e a segunda na horizontal, têm por fim único a construção de um procedimento que atenda aos interesses de uma determinada classe (1994, p. 16. 113 MARMITT, Arnaldo. Prisão civil por alimentos e depositário infiel. Rio de janeiro: Aide, 1989. p. 07. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LXVII – Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel. 115 SILVA, Giovani Gian da. Alienação fiduciária e a prisão civil do devedor-fiduciante na visão da doutrina e jurisprudência a luz do decreto-lei nº 911/69.Univali: 2004. p. 47. 116 MARIONI, Luiz Guilherme, Efetividade do processo e tutela de urgência, Porto Alegre: Fabris, 1994. p. 16. 114 55 Conforme o caso, em lide, os defensores da prisão civil nos contratos de financiamento com cláusula de garantia fiduciária utilizam como fundamento legal o art. 66, da Lei nº 4.728/65, com redação dada pelo art. 1º, do Decreto-lei nº 911/69, que, por expressa disposição legal, instituiu o depósito legal ou necessário, como se segue: O art. 66. A alienação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da tradição efetiva do bem, tornando-se o alienante ou devedor em possuidor direto e depositário com todas as responsabilidades e encargos que lhe incumbem de acordo com a lei civil e penal (LEI 4.728/65, LEI DE MERCADO DE CAPITAIS redação dada pelo art. 1º do Declei 911/69). Conforme o Art. 4º117 do Decreto-lei nº 911/69 permite que da ação de depósito, contra o devedor fiduciante em mora contratual na condição de devedor, é “equipara ao depositário para lhe impor os encargos e responsabilidades inerentes ao exercício dessa função”, 118 Neste sentido: Se não trair, se não fraudar, ou seja, se não frustar a garantia pela disposição indevida do objeto, que não lhe pertence, não se configurará a infidelidade depositária e, porquanto, não se sujeitará à prisão correspondente. A compulsão é exclusivamente para que o devedor não sonegue, sem motivo justo, o objeto do depósito, ou não dispunha fraudulentamente do bem alienado, cuja posse lhe foi assegurada em razão da estrutura jurídica da alienação fiduciária em garantia, e que cessa, pela mora, se o credor optar pela via da excussão real da garantia constituída pela propriedade fiduciária (RESTIFFE NETO E RESTIFE, 2000, p. 876). Ainda no entendimento de Alves, a prisão pode ser bem explicada: A nosso ver, não há, na espécie, qualquer vislumbre de inconstitucinalidade. Não fora assim, e também não deverá caber ação de depósito contra hospedeiro ou estalejadeiro, com fundamento na equiparação feita no art. 1.284 do Código Cívil, onde se lê,’ a esse depósito é equiparado os da bagagem dos viajantes, hospedes ou fregueses, nas hospedarias, estalagens ou casa de pensão, onde eles estiverem. O hóspede ou estelageiros por elas responderão como depositário, bem como pelos furtos e pelos roubos que perpetrarem as pessoas empregadas ou admitidas às suas casas’. Nem se 117 Art. 4º, Se o bem alienado fiduciáriamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão , nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil. 118 GOMES, Orlando. Alienação Fiduciária em garantia, 4º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1975, p. 130. 56 pretenda que, em se tratando de alienação fiduciária em garantia, não haverá essa equiparação, porque é da índole da posse direta do alienante o uso e o gozo da coisa comum. Isso desnatura o depósito legal, pois até no convencionado podem as partes estipular – como permite o art. 1.275. Código Civil – que o depositário se servirá da coisa depositada ( ALVES, 1978, p. 124).119 Neste caso, em conseqüência do depósito legal, o devedor fiduciante fica sujeito ao art. 652, do Código Civil, que lhe impõe a pena de depositário infiel, com prisão civil não superior a 1 (um) ano, e a compensação dos prejuízos. 3.5.6 Vedação Constitucional do depósito por equiparação legal120 “A prima facie cumpre salientar que as exceções ressalvadas no inciso LXVII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, já de longa data vem se projetando no ordenamento jurídico pátrio, seja perante as ordenações portuguesas ou mesmo na esfera das Constituições de 1934, 1946, 1967 e a emenda constitucional de 1969”.121 Sendo que, interessa-nos mais, agora, as duas últimas Constituições brasileira, bem como a comparação dos textos. Desta forma, destaca-se a constituição de 1967, vigente à época da promulgação do Decreto-lei nº 911/69, bem como a suas emendas Constitucional de 1969, antecessora da atual CRFB/88, que prontifica em seu art. 153, § 17, e seguintes: não haverá prisão civil por dívida, multas ou custas, salvo caso de depositário infiel e o inadimplemento de obrigação alimentar [...] Sendo que, interessanos mais, agora, apenas as duas últimas Constituições brasileira, bem como a comparação dos seus textos., na forma da lei. (SILVA, 2004, p. 51). O que de fato importa é que, entre o atual texto Constitucional e a Carta revogada, é que faz a grande diferença quanto à parte final, desta que trazia a expressão “há forma da lei”. A expressão, assim disposta, suscitou controvérsias, vez que apresentava sentido duplo, poderia significar uma restrição ao procedimento adotado. Esclarecendo o sentido da norma, MAZZUOLLI afirma que esta locução possuía “o significado de delegar a regulamentação à lei ordinária” (1999, p 52), das possibilidades e modalidades permitidas de prisão civil. 119 Neste caso o autor utilizou-se do Código de 1916, para fundamentar a sua tese. Idem, Silva, 2004, p. 51. 121 Idem, Silva, 2004, p. 51. 120 57 Ora, o atual dispositivo constitucional que trata da prisão civil, inciso LXVII, do art. 5º, ao ser promulgado sem a expressão ‘na forma da lei’, constante do art. 153, §17, da antiga carta, vedou a aplicação dos casos em que cabe o constrangimento através da lei ordinária; assim entende parte dos doutrinadores. A antiga Constituição Federal de 1967/69 trazia, em seu art. 153, § 17, a seguinte expressão: Não haverá prisão civil por dívida, multa ou custas, salvo o caso de depositário infiel e o de inadimplente de obrigação alimentar, na forma da lei. No inc. LXVII, da atual Constituição, tentou-se abrir a mesma margem para o legislador infraconstitucional, mesmo sem o uso da expressão? Não se acredita nesta possibilidade. Se houver supressão ou alteração de texto constitucional, é razoável inferir que se pretendeu alterar o significado do comando normativo, inferir que se pretende modificar o alcance da norma. Neste sentido, reitera-se a noção de vedação à atuação do legislador constitucional para se criarem novas figuras de depositários, passíveis de sujeição à prisão estatuída pelo inc. LXVII do art.5º, da Constituição Federal (OLIVEIRA, 2002, p. 90/91, grifo do autor). No mesmo sentido, manifestou-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, como bem exprimiu o voto do desembargador Antônio Carlos Magalhães ao suprimir a mencionada expressão: “o legislador tornou impossível à figura do depositário infiel na legislação ordinária, de maneira a não mais se justificar a admissão de um conceito mais abrangente do contrato de depósito” (habeas Corpus, nº 674.380-2 de São Paulo, Diário da Justiça de 14. 02.96). No mesmo sentido é o entendimento de Albuquerque122, que afirma: Conquanto o art. 1º do Decreto-lei 911/69 tenha alterado o art. 66 da Lei 4.728, de 14.07.1965, equiparou o devedor fiduciário a depositário do bem fiduciariamente alienado. Tal disposição não foi recepcionada pelo art. 5º, LXVII, da Constituição Federal vigente, que excluiu a expressão na forma da lei, no § 17, do art. 153 da Carta anterior. Vedou, assim, o novo Texto Constitucional a possibilidade de a lei ordinária criar equiparação do depositário infiel circunscrita a hipótese de infidelidade apenas aos casos de depósito clássicos previstos nos atrs. 1.265 e 1.282 do Código Civil (ALBUQUERQUE, 1998, p. 95-96). 122 ALBUQUERQUE, J. B. Torres de. Alienação fiduciária de bens móveis e imóveis. São Paulo: Albuquerque Editores Associados, 1998, p. 95/96. 58 São argumentos daqueles que se filiam a essa corrente que o devedor-fiduciante tem a posse do bem dado em garantia, para seu uso e gozo, o que não é permitido no verdadeiro depósito. [...] tendo o devedor fiduciante a posse imediata desse bem, exatamente para seu uso e gozo, circunstância inexistente real contrato de depósito, claro está que, nesse tipo de contrato, o depositante não faz depositário, descabendo, assim, a prisão por dívida civil. Na alienação fiduciária, o depósito é para garantia do crédito e não para a guarda do bem (MAZZUOLLI, 1999, p. 56). 3.7 Dos tratados internacionais Para Accioly, os tratados são: “acordos ou ajustes internacionais, são atos jurídicos por meio dos quais se manifesta o acordo de vontade entre duas ou mais pessoas internacionais”123 Conforme a CRFB/88, a competência para celebrar tratados, convenções e atos internacionais, é privativo do Presidente da República, conforme o art. 84, inciso VIII.124 Sendo assim, a adesão do Brasil aos acordos internacionais demanda do esforço dos Poderes Executivo e Legislativo, como salienta Piovesan:125 Consagra-se, assim, a colaboração entre Executivo e Legislativo na conclusão de tratados internacionais, que não se aperfeiçoa enquanto a vontade do Poder Executivo, manifesta pelo Presidente da República, não se somar à vontade do Congresso Nacional. Logo, os tratados internacionais demandam, para seu aperfeiçoamento, um ato complexo onde se integram a vontade do Presidente da República, que os celebra, e a do Congresso Nacional, que os aprova, mediante decreto legislativo. Ressalta-se que, considerando o histórico das Constituições anteriores, consta-se que, no Direito Brasileiro, a conjugação de vontade entre Executivo e Legislativo sempre se fez necessária para a conclusão de tratados internacionais (PIOVESAN, 1997, p. 92,). Desta foram, ficou comprovado o modo com que os tratados são incorporados em nosso sistema jurídico: “No tocante à Convenção Americana de Direitos Humanos, que veda a 123 ACCIOLY, Hidelbrando, Manual de direito internacional público, 14 ed. Ver. Pelo embaixador Geral Eulálio do Nascimento e Silva. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 120. 124 Art. 84, Compete privativamente ao Presidente da República. (...) VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. 125 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 3 ed. São Paulo: Max Limonad, 1997. 59 prisão civil por dívida (art. 7º, item 7)126, existem duas doutrinas, os que entendem que os tratados de âmbitos internacionais não têm qualquer tipo de gerência. [...] sobre as regras da prisão civil por dívida e que ingressam no ordenamento interno como simples norma ordinária e gerais não podendo revogar as de caráter específico, de outra banda, encontramos os que ponderam que os pactos internacionais são incorporados como normas de caráter constitucional vedando por completo a prisão civil por dívida no ordenamento interno. Nestes termos, os defensores da prisão civil fazem uma digressão acerca da posição que as convenções internacionais ocupam na hierarquia das leis, devendo situar-se no mesmo patamar da legislação ordinária infraconstitucional. É indubitável a supremacia da Constituição da República sobre todas as convenções internacionais à que ela deve obediência (SILVA, 2004, p. 59). Vale ressaltar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, na palavra do Ministro Moreira Alves: [...] o pacto de San José da Costa Rica, além de não poder contrapor-se à permissão do art. 5º, LXVII, da mesma Constituição, não derrogou, por ser norma infraconstitucional geral, normas infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel (Recurso Extraordinário, nº 293.378, de Minas Gerais, Diário da Justiça de 10.08.01). No entendimento do Ministro Maurício Corrêa, ao proferir o seu voto, destacou a natureza dos tratados: [...] os compromissos assumidos pelo Brasil em Tratados internacionais de que seja parte (§ 2º, do art. 5º, da Constituição) não minimizam o conceito de soberania do Estado-povo na elaboração da sua Constituição; por essa razão, o art. 7º, nº 7, do Pacto de San José da Costa Rica, deve ser interpretado com as limitações impostas pelo art. 5º, LXVII, da Constituição. A Carta Magna, como expressão máxima da soberania nacional, está acima de qualquer tratado ou convenção internacional que com ela conflite (Habeas Corpus, nº 72.131 – Rio de Janeiro, Diário da Justiça de 01.08.03). Por derradeiro, vale salientar a ponderação de Mazzuolli: Sendo a Convenção Americana de Direitos Humanos norma de caráter geral, capaz somente de revogar normas de caráter geral, é de se entender, sem muito esforço, que, sendo o Código Civil e Código de Processo Civil leis “gerais”, tanto o disposto no art. 1.287 do primeiro diploma, quanto aos arts. 902, § 1º e 904, parágrafo único, do diploma processual, reputam-se derrogados pelo referido Pacto que ele sobreveio. Tendo sido o Pacto de San José da Costa Rica, editados pelo Brasil em 1992, e tendo 126 Art. 7º - Direito a liberdade pessoal. 7. Ninguém deve ser detido por dívida. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedido em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar. 60 sido o Código Civil e de Processo Civil, editado antes dessa data, não há que se concluir por outra forma senão a de que, o Pacto de San José da Costa Rica, sendo lei nova geral (como quer o Supremo Tribunal Federal), derrogou os dispositivos, daqueles dois diplomas citados. Aplica-se assim o princípio lex posterior derrogat priori. (1999, p. 960), grifo do autor.127 127 O autor está utilizando-se dos artigos do Código Civil de 1916, referente aos depósitos. 61 CONCLUSÃO Os institutos da alienação fiduciária em garantia, na busca e apreensão em propriedade fiduciária e da ação de execução, foram examinados nos seus diferentes aspectos, fazendo-se também, uma análise dos títulos de créditos, dos avalistas coobrigados e, por último, do cabimento da prisão civil do infiel depositário, salientando os acordos internacionais, onde se falou mito pouco, mas o essencial para o devido trabalho, e o pacto de San José da Costa rica, que defende a não segregação do inadimplente contratual (prisão civil). Diante disso, pode-se dizer que a redação do Decreto-lei nº 911/69, em que pese a alegada insuficiência técnica por diversos doutrinadores, possibilita, em uma análise sistêmica, concluir pela legitimidade da cobrança do saldo residual do avalista, desde que líquido. Igual conclusão é abordada pelo Código Civil vigente. O Código Civil, em seu artigo 1.364, permite que o credor venda o bem alienado, para um terceiro, para pagar-se, devolvendo ao devedor fiduciário o saldo excedente, pois resolvido está o contrato. Entretanto, se vendido o bem alienado e paga a obrigação, houver saldo, este deverá ser devolvido ao devedor; por outro lado, se vendido o bem e este resultar de saldo devedor, o credor tem a possibilidade jurídica de reaver tanto do devedor como do avalista o saldo remanescente. Todavia, se o saldo devedor perder a sua liquidez, a obrigação cambiária desaparece e, assim sendo, a responsabilidade do avalista se exaure. A obrigação cambiária só existe nos documentos que tenham certeza, liquidez e exigibilidade. A ação de busca e apreensão não rescinde o contrato de alienação fiduciária. Tratase de um meio legal para reaver o bem alienado pelo inadimplemento do fiduciante e a sua utilização não faz desaparecer as garantias contratuais ou celulares. No mais, quanto ao instituto do depósito, foi observado que a finalidade deste é a guarda do objeto. E, com a entrega da coisa, o depositário fica obrigado a devolver ao depositante o bem, quando este o reclamar. Ainda sobre o depósito, que este somente se aperfeiçoa com a efetiva tradição do bem ao depositário; por isso entende-se que o pacto de depósito tem natureza real. Ressalta-se, neste passo, que o depósito pode ser voluntário, quando determinado pelas partes, ou obrigatório. Por força de norma legal, tem-se como 62 pressuposto básico a possibilidade da prisão civil do depositário que descumprir a obrigação assumida de guardar e restituir o bem que lhe foi confiado. Finalizando esta consideração, vale salientar a importância da alienação fiduciária em garantia para a economia nacional, e em especial, para a própria sociedade. 63 BIBLIOGRAFIAS UTILIZADAS ALBUQUERQUE, J. B. Torres de. Alienação fiduciária de bens móveis e imóveis. São Paulo: Albuquerque Editores Associados, 1998, ALVES, Vilson Rodrigues. Alienação fiduciária em garantia: as ações de busca e apreensão, a impossibilidade de prisão civil do devedor. Campinas: Millennium, 1998, 640p. ALVES, José Carlos Moreira. Da alienação fiduciária em garantia, 3º ed. São Paulo: Forense, 1987. ARNOLD, Paulo Roberto Colombo. Teoria geral dos títulos de créditos: Rio de Janeiro: Forense, 1998. ARAUJO, Justiniano Magno e Sartorelli, Renato. Alienação fiduciária e sua interpretação jurisprudencial: São Paulo: Saraiva, 1999. Art. 1538 do projeto de CC: “considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infugível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor”. BUSSADA, Wilson. Alienação fiduciária em garantia: interpretada pelos. São Paulo: ed. Jurídica Brasileira. 1998. Brasil – Conselho Nacional de Transito. CANUTO, Elza Maria Alves. Alienação fiduciária de bens móveis: responsabilidade do avalista, Belo Horizonte: Del Rey, 2003, 208p. 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RESTIFFE NETO, Pulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio, Garantia fiduciária. 3º. ed . São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. RONCONI, Diego Rechard. A Responsabilidade civil nos contratos de alienação fiduciária em garantia, Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. 336p. ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. Título de crédito. Rio de Janeiro: Renovar, 2000 SILVA, Luiz Augusto Beck. Alienação fiduciária em garantia. 2ºed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. SILVA, Giovani Gian da. Alienação fiduciária e a prisão do devedor-fiduciário na visão da doutrina e jurisprudência à luz do decreto-lei nº 911/69.Mnografia, Univali, 2004. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Apelação Cível Número: 2006.014901-8, Des. Relator: Salete Silva Somariva, Data da Decisão: 27/07/2006. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, Apelação cível n. 2000.005778-9, de Santa Cecília. Relator: Des. Cláudio Barreto Dutra. 66 ANEXOS Anexo 1. Tipo: Apelação Cível Número: 2006.014901-8 Des. Relator: Salete Silva Sommariva Data da Decisão: 27/07/2006 Apelação Cível n. 2006.014901-8, de Içara. Relator:a: Desa. Salete Silva Sommariva. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - BEM NÃO ENCONTRADO PEDIDO DE CONVERSÃO EM AÇÃO DE DEPÓSITO - POSSIBILIDADE - EXEGESE DO ARTIGO 4º DO DECRETO-LEI N. 911/69 - VIABILIDADE DO PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO DA DÍVIDA NOS MESMOS AUTOS - INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 906 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL -- VEDAÇÃO À PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR FIDUCIANTE - PRECEDENTES DESTA CORTE - SENTENÇA CASSADA. I - Após o advento da Constituição de 1988, a prisão civil limitou-se ao depositário infiel e ao alimentante omisso (art. 5º, LXVII), vedando-se a extensão dos conceitos aos demais institutos jurídicos para fins de aplicação da medida coercitiva em apreço. Dessa forma, admite-se a decretação da prisão civil apenas ao depositário que assumira expressamente o encargo em contrato típico de depósito. II - Nesse diapasão, não há como admitir-se a equiparação do devedor fiduciante ao do depositário infiel, porquanto a alienação fiduciária em garantia possui características distintas do contrato típico de depósito, tornando-se portanto inviável a prisão do inadimplente do contrato com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia. No entanto, tal assertiva não impede a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, nos termos do artigo 4º do Decreto-lei n. 911/69, isto porque, a despeito da incompatibilidade do rito previsto no artigo 901 do CPC - por nele dispor acerca da prisão do depositário infiel - o autor poderá prosseguir nos mesmos autos com a execução da quantia que entender ser-lhe devida, nos moldes do artigo 906 do CPC, em vistas à aplicação do princípio da economia processual. JULGAMENTO DO MÉRITO PELO TRIBUNAL (CPC, ART. 515, §3º) - CONTRATO DE FINANCIAMENTO - CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA BENS JÁ INTEGRANTES AO PATRIMÔNIO DO DEVEDOR - ADMISSIBILIDADE SÚMULA 28 DO STJ - DESCRIÇÃO PORMENORIZADA - VALIDADE DO PACTO. Não se reputa inválido o pacto adjeto de alienação fiduciária quando a garantia recair sobre bens já pertencentes ao devedor, tratando-se de matéria já sumulada pelo STJ, correspondente ao verbete 28. 67 Da mesma forma, não há falar-se em vício da garantia em análise quando os bens se encontram devidamente individualizados em parte anexa ao instrumento contratual. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL RECEBIDA POR SÓCIO DE EMPRESA REQUISITOS PREVISTOS NO §2º DO ARTIGO 2º DO DECRETO-LEI N. 911/69 PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS. À luz do que dispõe o §2º do artigo 2º do Decreto-lei n. 911/69, a comprovação da mora do devedor fiduciante é considerada pressuposto indispensável ao manejo da ação de busca e apreensão, a qual se perfaz exclusivamente sob a forma de notificação por carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título. Nesse diapasão, reputa-se válida a notificação quando efetivada na pessoa de sócio que se declara responsável pela empresa fiduciante, ainda que não figure como seu administrador no contrato social. NULIDADE DA CITAÇÃO - OFERECIMENTO DA PEÇA CONTESTATÓRIA COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO - ART. 214, §1º, DO CPC - EIVA NÃOCONFIGURADA. Ainda que houvesse de se aplicar a teoria da aparência à hipótese de o ato citatório efetivar-se na pessoa que se qualifica como representante legal da empresa ré, a simples apresentação da peça contestatória pela sociedade, tendo por conteúdo toda a matéria de defesa inerente à demanda, supre o vício da citação por esta deduzido, a teor do artigo 214, §1º, do CPC. MÉRITO - JUROS REMUNERATÓRIOS - LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL CONTRATOS FIRMADOS ANTES DA EC 40/2003 - NÃO INCIDÊNCIA DO ART. 192, § 3º DA CF/88 E DO ART. 1º DO DECRETO 22.626/33 - SÚMULAS 648 E 596 DO STF ÍNDICE INFERIOR À TAXA MÉDIA DE MERCADO DIVULGADA PELO BACEN MANUTENÇÃO DO PERCENTUAL CONTRATADO. Aos contratos assinados antes da Emenda Constitucional n. 40/2003 não se aplica a limitação de juros constante do art. 192, § 3º da CF/88, porquanto, a teor da Súmula 648 do STF, sua aplicabilidade estava condicionada à lei complementar que sequer chegou a ser editada. Consoante Súmula 596 do STF, a limitação dos juros constantes do art. 1º do Decreto n. 22.626/33 não se aplica aos contratos firmados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Assim, de conformidade com os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, é válida a taxa de juros livremente pactuada, desde que não seja superior à taxa média de mercado divulgada pelo BACEN, ocasião em que a esse percentual ficará limitada. CONTRATO DE FINANCIAMENTO - ASSINATURA POSTERIOR À EDIÇÃO DA MP 1.963-17/2000 (ATUAL MP 2.170-36/2001) - POSSIBILIDADE DE CAPITALIZAÇÃO EM PERIODICIDADE INFERIOR À ANUAL - RECURSO DESPROVIDO. 68 Consoante uníssono entendimento do Superior Tribunal de Justiça, aos contratos de mútuo firmados com instituição financeira depois de 31.03.2000, data da vigência da Medida Provisória n. 1.963-17 (posteriormente convertida para MP n. 2.170-36/2001), estando devidamente pactuada, é possível a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual. ALCANCE DA EXPRESSÃO "EQUIVALENTE EM DINHEIRO" - VALOR DO BEM APURAÇÃO DO QUANTUM - FASE DE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. Um vez constatada a procedência do pedido formulado em ação de depósito, determina-se a intimação do réu para que efetue a entrega do bem no prazo de (24) horas ou deposite o seu equivalente em dinheiro. Nesse último caso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou a tese de que o alcance da expressão "equivalente em dinheiro" refere-se ao valor do bem garantido, excetuando-se o caso de o saldo devedor representar montante inferior, cuja apuração do quantum efetuar-se-á em fase de liquidação da sentença. Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 2006.014901-8, da Comarca da Içara (Vara Única), em que é apelante Banco Bradesco S/A, sendo apelada Jaln Confecções Ltda.: ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Comercial, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento, cassando-se a sentença terminativa e, nos termos do artigo 515, §3º, do CPC, julgar procedente o pedido formulado em ação de depósito, vedando-se a prisão civil do devedor fiduciante. Custas na forma da lei. I - RELATÓRIO: Na comarca da Içara, Banco Bradesco S/A ingressou com ação de busca e apreensão com pedido de liminar em face de Jaln Confecções Ltda., fundamentando sua pretensão no inadimplemento de parcelas oriundas de contrato de financiamento com pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia. Requereu a concessão da medida liminar e, ao final, a procedência do pedido ventilado na exordial, consolidando-se a posse e a propriedade plena dos bens garantidos em mãos do credor fiduciário. Juntou documentos (fls. 07/17). Recebida a inicial, o magistrado a quo deferiu a liminar pleiteada (fl. 19), determinando a citação do réu para que apresentasse contestação ou, querendo, purgasse a mora no prazo assinalado. Expedido o mandado de busca e apreensão (fls. 21/22), o meirinho certificou a impossibilidade de cumpri-lo em virtude de não ter encontrado os bens no endereço indicado (certidão fl. 23v). 69 Em vista ao noticiado nos autos, a instituição financeira autora requereu a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito (fls. 46/50), sendo posteriormente deferido (fls. 52/53). Citada (certidão fl. 109v), a ré ofereceu resposta sob a forma de contestação (fls. 55/67), aduzindo, preliminarmente: a), a nulidade da citação, eis que o avalista Amandio de Souza não figurar como sócio da empresa; b) a imprestabilidade da notificação extrajudicial, ao argumento de que o cartório deixou de notificar o representante legal da empresa; c) a invalidade do contrato por ausência de descrição detalhada do bem; d) falta de interesse de agir, tendo em vista recair cláusula de alienação fiduciária sobre bens já incorporados ao patrimônio do devedor, não obstante sustentar a indispensabilidade daqueles à atividade da empresa; e) impossibilidade jurídica do pedido, dada a impossibilidade de cominação de prisão civil do devedor fiduciante; f) no mérito, defendeu a abusividade dos encargos cobrados pela instituição financeira, no tocante aos juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, bem como à capitalização mensal; g) asseverou que a expressão "equivalente em dinheiro" deve traduzir o valor da dívida, e não dos bens garantidos. Pugnou, por fim, pelo acolhimento das prefaciais e, alternativamente, a improcedência do pedido ventilado na exordial. Juntou documentos (fls. 69/108). Após a réplica (fls. 113/115), o magistrado proferiu sentença (fls. 120/124), extinguindo o processo sem julgamento do mérito por ausência de possibilidade jurídica do pedido, sob o fundamento de não ser possível a conversão do rito inerente à ação de busca e apreensão em ação de depósito, porquanto inviável se mostrava a prisão civil do devedor fiduciante. Irresignada, a instituição financeira interpôs recurso de apelação (fls. 129/134), visando à cassação da sentença, no sentido de possibilitar a conversão da ação de busca e apreensão em depósito, prosseguindo-se no feito com a execução da dívida, caso o devedor não proceda à entrega do bem no prazo legal. Acostou comprovante de recolhimento do preparo à fl. 135. Após a apresentação das contra-razões (fls. 138/149), ascenderam os autos a este colégio recursal. II - VOTO: Presentes os pressupostos de admissibilidade, impõe-se o conhecimento do recurso por este órgão julgador, passando-se a análise das questões ventiladas nas razões recursais. A insurgência do banco apelante limita-se à possibilidade de o credor fiduciário requerer a conversão do rito da ação de busca e apreensão, prevista no Decreto-lei n. 911/69, para o procedimento inerente à ação de depósito, nos termos do artigo 901 e seguintes do Código de Processo Civil, como sucedâneo à decretação de prisão civil do devedor fiduciante, uma vez não encontrado o bem dado em alienação fiduciária em garantia. Com efeito, vale transcrever o disposto no artigo 4º do DL 911/69: "Se o bem alienado fiduciariamente não foi encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em 70 ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II, do Título I, do Livro IV, do Código de Processo Civil". Em análise perfunctória ao preceptivo legal supramencionado, não restariam maiores discussões acerca da admissibilidade de conversão do rito da ação de busca e apreensão nas hipóteses em que especifica. Reportando-se ao procedimento da ação de depósito previsto na lei adjetiva civil, vislumbra-se que a finalidade imediata visada pelo depositante é a restituição do bem que se encontra em poder do depositário, caso em que o eventual descumprimento ao mandado judicial para entrega da coisa possibilitará a decretação de prisão civil por depositário infiel (art. 904). Tal modalidade de prisão foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu artigo 5º, inciso LXVIII, sob condição excepcionalíssima, cabível tãosomente para o caso disciplinado no digesto processual e na hipótese de descumprimento de prestação alimentícia. Desta feita, em exegese estrita aos diplomas legais em análise, ter-se-ia que, uma vez não encontrado o bem em mãos do devedor fiduciante em virtude de mandado de busca e apreensão, poderia o credor fiduciário requerer a conversão do rito para a ação de depósito, cuja eventual procedência do pedido teria por conseqüência a expedição de mandado para entrega de coisa, ensejando a decretação de prisão para o caso de descumprimento. No entanto, não há se olvidar que o diploma legal regulatório da ação de busca e apreensão fora instituído ainda sob a égide do regime militar, e, portanto, anterior à vigência da Carta Magna de 1988. Nesse sentido, partindo da premissa de que até aquela data o legislador constitucional não havia estabelecido limites para o legislador infraconstitucional estender a possibilidade de decretação da prisão civil por depositário infiel para outros institutos - que não apenas àquele decorrente do contrato típico de depósito - , com o advento da Lei Fundamental estabeleceu-se o cabimento da prisão civil exclusivamente ao depositário infiel e ao alimentante omisso. Diante das razões supraelencadas, pressupõe-se que a prisão civil em destaque subordina-se ao procedimento prévio constante no artigo 901 e seguintes, do Código de Processo Civil, cuja relação jurídica entre os litigantes deverá necessariamente originar-se de típico contrato de depósito, à luz do que preceitua o artigo 677 e seguintes, do Código Civil vigente (correspondente ao artigo 1.265 e seguintes da lei substantiva civil de 1916). Isto significa que, para justificar o pedido de prisão, faz-se mister que o autor ampare sua pretensão na existência de contrato de depósito entabulado com a parte adversa, donde se é possível aferir que o depositário assumira o encargo de permanecer sob a guarda do bem, obrigando-se a restituir a coisa alheia no momento em que o depositante a reclamar. Nesse contexto, não há como admitir-se, após a vigência da Constituição de 1988, a equiparação do devedor fiduciante ao do depositário infiel, para efeitos de aplicação do procedimento de depósito e da conseqüente decretação de prisão civil, porquanto além de a alienação fiduciária em garantia possuir características proeminentemente distintas do contrato 71 de depósito, a Carta Magna vedou qualquer espécie de desdobramento do conceito de depositário para outras modalidades de contratos, como já salientado alhures. Contudo, em 23.11.1995, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n.72.131-1, do Rio de Janeiro, firmou o posicionamento no sentido de considerar legítima a prisão civil do devedor fiduciante, sob o fundamento de que também se trata de depositário necessário "por força de disposição legal que não desfigura essa caracterização", de sorte que "em caso de infidelidade, se enquadra na ressalva contida na parte final do artigo 5º, LXVII, da Constituição de 1988". Não obstante, há que se fazer ressalva aos votos vencidos dos eminentes Ministros Marco Aurélio (relator), Francisco Resek, Carlos Velloso e do então presidente Sepúlveda Pertence, cujo fundamento utilizado para divergir da maioria vale transcrever: "É manifesto que a Constituição excetuou, da proibição de prisão por dívida, a prisão do inadimplente de obrigação alimentar e a do depositário infiel. A extensão dessa norma de exceção, não o contesto, pode sofrer mutações ditadas do legislador ordinário e até por Tratado. Mas, também me parece, ninguém discordará, em tese, de que, ao concretizar os seus termos - isto é, os conceitos de obrigação alimentar ou de depositário infiel - o legislador não pode, mediante ficções ou equiparações, ampliar arbitrariamente o texto constitucional, além da opção constituinte nele traduzida. E esta há de ser aferida à base da Constituição e de suas inspirações. Não, à base da lei. Em outras palavras, a admissibilidade, segundo a Constituição, da prisão por dívida de alimentos e da prisão do depositário infiel não é um cheque em branco passado ao legislador. Assim como não lhe será lícito, até com uma aparente base constitucional no art. 100, autorizar a prisão do governante que atrase a satisfação de débitos de natureza alimentar da Fazenda Pública, não creio que possa estender, além da marca que há de ser buscada dentro da própria Constituição, o âmbito conceitual do depósito. O mesmo, a meu ver, sucede, mutatis mutandis, com as normas do Decreto-lei nº 911, que atribuiu ao devedor inadimplente da operação de crédito garantida pela alienação fiduciária as responsabilidades do depositário. (...) o que há, no Decreto-lei nº 911, a outorga ao credor, ao financiador, de um direito real, é verdade, mas de um direito de garantia, próximo ao direito de propriedade, na medida em que lhe dá algumas prerrogativas de proprietário, mas que não se identifica com o domínio. Não consigo compatibilizar a idéia de um verdadeiro domínio, que estaria subjacente à pretensão de realidade da situação de depositário atribuída ao devedor, com normas expressas no próprio decreto-lei. Uma delas, a do §6º, transplanta para o mecanismo da alienação fiduciária a proibição do pacto comissório, que é típica, como resulta do art. 765 do Código Civil, dos direitos reais de garantia, que são direitos do credor, porém, sobre coisa alheia. 72 Na mesma linha, a parte final do art. 2º, impõe o credor fiduciário - e, portanto, ao dito proprietário fiduciário - um dever de entregar ao devedor o excesso do preço apurado na venda da coisa sobre a importância da dívida, o que, à evidência, lhe desmente o domínio sobre o bem alienado, o que, se existente, se transferiria à totalidade do preço alcançado. Por essas e por outras, minha convicção é velha, portanto, no sentido da inconstitucionalidade da prisão do alienante fiduciário que se pretenda albergar na exceção constitucional da vedação da prisão por dívidas" (...). A despeito de passados quase dez anos do julgamento do remédio constitucional em apreço, sem que houvesse qualquer mudança no entendimento majoritário por parte do Pretório Excelso, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 489648, de Goiás, de relatoria do Ministro Ari Pargendler, assentou o posicionamento decorrente de seus inúmeros precedentes, nos termos a seguir: "Não cabe prisão civil do devedor que descumpre contrato garantido por alienação fiduciária. No caso de alienação fiduciária em garantia não se tem um contrato de depósito genuíno, portanto o alienante não deve ser equiparado ao depositário fiel". A jurisprudência catarinense perfilha idêntico posicionamento: "É ilegal a cominação de prisão civil ao devedor fiduciário, na hipótese de eventual descumprimento de ordem judicial para entrega de bem alienado fiduciariamente, porquanto se trata de depósito atípico, não havendo, por isso, equiparação com aquele previsto no art. 1.287, do CC/1916 e recepcionado pelo art. 5º, LXVII, da CF, que somente excepcionou a possibilidade de prisão civil ao depositário infiel, quando se cuida da forma genuína deste ajuste, visando por a salvo a confiança e boa-fé empenhada na guarda e conservação da coisa alheia." (AC n. 2003.020086-0, de São José, Rel. Des. Gastaldi Buzzi, DJ de 15.10.03). Extrai-se os seguintes julgados desta câmara: "APELAÇÃO CÍVEL - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - DECRETO-LEI N. 911/69 - BUSCA E APREENSÃO CONVERTIDA EM DEPÓSITO - COMINAÇÃO DE PRISÃO CIVIL AO DEVEDOR FIDUCIANTE - INVIABILIDADE - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. O depósito previsto no Decreto-lei n. 911/69 não se trata de depósito típico, eis que enquanto neste último é realizada a entrega de coisa de terceiro para o depositário posteriormente restituí-la nas condições e no prazo acordados, no contrato de alienação fiduciária a obrigação é de restituir acaso não efetuado o pagamento, sendo a ameaça de prisão uma maneira de constranger o devedor a honrar o débito. Destarte, percebe-se que as figuras dos depositários são distintas, não cabendo, portanto, equipará-los para fins de decretação da constrição de liberdade admitida pela Constituição Federal". (AC n. 2005.007102-8, de Araranguá, Rel. Des. Ricardo Fontes, j. 28.04.2005). 73 E ainda, transcreve-se a emenda de lavra desta relatora: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - CONVERSÃO EM AÇÃO DE DEPÓSITO - EXPEDIÇÃO DE DECRETO PRISIONAL AO DEPOSITÁRIO INFIEL - IMPOSSIBILIDADE - DECISÃO MANTIDA RECURSO DESPROVIDO. Pacificou-se nesta Corte o entendimento que, nos casos de conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, como verificado na espécie, é inviável a decretação da prisão civil do depositário infiel". (AI n. 2004.031820-8, de Blumenau, j. 28.04.2005). Pressupõe-se, destarte, que o rito atinente à ação de depósito, por ter como decorrência a prisão do depositário infiel, restaria prejudicado na hipótese de eventual requerimento de conversão do pedido pelo credor fiduciário em sede de ação de busca e apreensão, diante da circunstância de o bem alienado fiduciariamente não ser encontrado ou não se achar na posse do devedor fiduciante. Por conseqüência, ao credor somente restaria o ingresso de ação de execução autômoma dos valores supostamente inadimplidos pelo devedor, em conformidade ao artigo 5º do Decreto-lei n. 911/69. De outro norte, em vistas a não considerar letra morta o preceito insculpido no artigo 4º do preceptivo legal em destaque - atinente à possibilidade de conversão do pedido de busca e apreensão para o procedimento relativo à ação de depósito - e ainda primando-se pelo princípio da economia processual, admite-se que o autor prossiga nos mesmos autos com a execução direta das parcelas inadimplidas pelo devedor fiduciante, nos termos do artigo 906 do Código de Processo Civil. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça já posicionou acerca do tema: "CIVIL E PROCESSUAL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. PRISÃO DO DEVEDOR. INCABIMENTO. CONVERSÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM DEPÓSITO. PROSSEGUIMENTO DA COBRANÇA, COMO EXECUÇÃO, NOS PRÓPRIOS AUTOS. POSSIBILIDADE. DECRETO-LEI N. 911/69. CC ANTERIOR, ART. 906. I. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada a partir de precedente da Corte Especial no EREsp n. 149.518/GO (Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, DJU de 28.02.00), é no sentido de afastar a ameaça ou ordem de prisão do devedor em caso de inadimplemento de contrato de alienação fiduciária em garantia. II. A jurisprudência da 2ª Seção do STJ, prestigiando o princípio da economia e celeridade processual, consolidou-se no sentido de que em caso de desaparecimento dos bens fiduciariamente alienados, é lícito ao credor, convertida a ação de busca e apreensão em depósito, prosseguir na cobrança da dívida nos próprios autos, sendo desnecessário o ajuizamento de execução. 74 III. Recurso especial conhecido em parte e provido". (REsp 604404/MS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 12.04.2005). Logo, diante do quadro apresentado, impõe-se a cassação da sentença que extinguiu o feito sob fundamento na impossibilidade de conversão de ação de busca e apreensão em ação de depósito, passando-se ao julgamento da lide por este órgão julgador, nos termos do artigo 515, §3º, do CPC. Do julgamento pelo tribunal (CPC, art. 515, §3º). Preliminarmente. a) Do pacto adjeto de alienação fiduciária em garantia. Em sede preliminar, a empresa ré visa à nulidade da cláusula que dispõe acerca da alienação fiduciária prestada no bojo do contrato de financiamento, aduzindo a ausência de descrição pormenorizada dos bens indicados em garantia, de modo a impossibilitar a individualização do maquinário. No entanto, não se vislumbra, in casu, qualquer espécie de mácula no contrato a ponto de ensejar a ausência de comprovação da garantia em espécie, senão vejamos. Conforme se depreende do artigo 66, §1º da Lei n. 4.728/65, com as alterações decorrentes do Decreto-lei n. 911/69 (art. 1º), o contrato que estabelece a cláusula de alienação fiduciária deverá conter determinados requisitos, dentre os quais a descrição do bem garantido e os elementos indispensáveis à sua individualização (alínea 'd'). Caso não atendido o preceito em questão, reputar-se-á inválida a garantia prestada para fins de manejo da ação de busca e apreensão. No caso em análise, nota-se que a relação dos bens garantidos encontram-se expressamente individualizados, como se extrai do anexo contratual acostado às fls. 11, contendo a marca, modelo e valor de mercado à época da contratação (14.01.2002). Ademais, a empresa insiste na extinção do feito sem julgamento do mérito, sustentando a impossibilidade de a alienação fiduciária em garantia recair sobre bem já pertencente ao devedor. Todavia, não obstante o diploma legal que disciplina a alienação fiduciária em garantia (Lei n. 4.728/65) nada dispor acerca da peculiaridade invocada pela empresa fiduciante, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça há muito vem admitindo que o objeto da alienação fiduciária em garantia recaia sobre bem já pertencente ao devedor, constituindo-se inclusive de questão já sumulada, correspondente ao verbete 28. Desta feita, não há falar-se em nulidade da cláusula que dispõe da alienação fiduciária em garantia, impondo-se a rejeição da preliminar em comento. b) Da notificação extrajudicial. 75 Ainda em sede preliminar, a empresa ré defende a irregularidade do ato notificatório, eis que não efetivada na pessoa do seu representante legal, Jades Alberto de Souza. Compulsando-se os autos, vislumbra-se que a peça vestibular encontra-se instruída com o original da notificação extrajudicial endereçada a Jaln Confecções Ltda - ME (fl. 16), a qual figura como devedora fiduciante no contrato de financiamento entabulado com a instituição apelante (fls. 08). Tal notificação foi endereçada ao devedor por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos da comarca de Içara cuja diligência efetivou-se na pessoa do oficial, o qual certificou o seguinte: "Certifico que, nesta data, no endereço retro, NOTIFIQUEI o Sr. Andrey H. Borges de Souza; = responsável pela empresa Jaln Confecções Ltda ME; por todo conteúdo do presente documento entregando-lhe, inclusive, uma via do mesmo. Dou fé ." Com efeito, impende salientar em primeiro plano que o diploma legal que regulamenta a alienação fiduciária em garantia (Decreto-lei n. 911/69) é expresso no sentido de exigir a comprovação da mora como condição de procedibilidade da ação de busca e apreensão, a qual somente poderá efetivar-se mediante carta registrada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, nos termos do §2º do artigo 2º. Desta feita, o diploma legal em epígrafe não condiciona a validade do ato notificatório à assinatura do próprio destinatário no correspondente recibo, bastando para tal que a referida intimação seja enviada ao endereço fornecido à credora fiduciária quando da formalização do contrato de financiamento e seja posteriormente recebida por quem se nele encontrar, conforme já assentou a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO. COMPROVAÇÃO DA MORA. NOTIFICAÇÃO POR CARTA EXPEDIDA PELO CARTÓRIO COM AVISO DE RECEBIMENTO. VALIDADE. I - Para comprovação da mora é suficiente a notificação por carta com AR entregue no endereço do devedor, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário. Precedentes do STJ". (REsp 215489 / SP, Rel. Min. WALDEMAR ZVEITER, j. 19.02.2001) Colhe-se também do escólio deste tribunal: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. BUSCA E APREENSÃO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR MEDIANTE AVISO DE RECEBIMENTO. INTIMAÇÃO PESSOAL. DESNECESSIDADE. MORA COMPROVADA. INVIABILIDADE, NO CASO, PORÉM, DO DEFERIMENTO DA LIMINAR PELO TRIBUNAL. NECESSIDADE DE ANÁLISE PELO JUIZ A QUO DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO. Em tema de ação de busca e apreensão decorrente de alienação fiduciária, é desnecessária a intimação pessoal do devedor para que seja constituído em mora, sendo suficiente a existência de prova da remessa da correspondência para o correto endereço constante do contrato." (AI n. 01.013246-0, de Palhoça, Rel. Des. Eládio Torret Rocha, j. 07.05.2002). 76 Ademais, ainda se assim não fosse, constata-se que a notificação extrajudicial restou efetivada na pessoa de sócio-quotista da empresa (Andrey H. Borges), nos termos do contrato social acostado à fl. 39, o qual, segundo certificou o oficial, entitulou-se o próprio responsável pela firma (certidão fl. 16v). Dessa forma, independentemente de no documento de fl. 40 atestar somente um sócio-administrador (Jades Alberto de Souza), aplicando-se, ao caso, a teoria da aparência, considerando-se válido o ato realizado na pessoa que se identifica como representante legal da empresa. Destarte, não se vislumbra, in casu, qualquer irregularidade no ato notificatório acostado aos autos a ponto de desconstituir a mora objetiva do devedor fiduciante e a ensejar a extinção do feito sem julgamento do mérito, razão pela qual merece provimento o apelo em questão. c) Da nulidade de citação. Ainda em sede proemial, sustenta a empresa ré a nulidade da citação, amparando-se no fato de que dito ato processual efetivou-se em pessoa não habilitada pelos estatutos da empresa. Depreende-se dos autos que, por ocasião do cumprimento do mandado de citação em ação de depósito (fl. 109), o meirinho citou a empresa ré na pessoa de Amândio de Souza, o qual aceitou a contra-fé e exarou seu ciente (certidão fl. 109v). Nesse contexto, partindo da premissa de que Amândio de Souza recebeu o mandado de citação na condição de representante da empresa apelante, não fazendo qualquer ressalva a respeito da sua real condição, haveria de se aplicar à hipótese a teoria da aparência, para fins de conferir validade aos atos processuais. No entanto, impende ressaltar-se que, no interregno legal, a empresa ré apresentou a peça contestatória (fls. 55/67), aduzindo, dentre a alegada irregularidade de citação, toda a matéria de defesa inerente à ação aforada pela instituição financeira autora. Dessa forma, incide sobre o caso o disposto no §1º do artigo 214 do Código de Processo Civil, a saber: "Art. 214. Para a validade do processo é indispensável a citação inicial do réu. §1º O comparecimento espontâneo do réu supre, entretanto, a falta de citação." Em exegese ao comando normativo em apreço, tem-se que a simples apresentação de resposta por aquele que alega a nulidade da citação, tem o condão de validar o ato citatório, isto porque tal providência equivale ao comparecimento espontâneo do réu, conforme assentado entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "PROCESSO CIVIL - CITAÇÃO VÁLIDA: ART. 214, § 2º, do CPC. 1. Embora realizada a citação em nome de quem não está legitimado para responder à demanda, se o verdadeiro legitimado comparece espontaneamente para argüir a nulidade, é licito que se considere devidamente citado, a partir do seu comparecimento. (...)" (REsp 602308/RS, Rel. Minª. Eliana Calmon, j. 02.03.2004). 77 Em caso análogo, vale trazer à baila a jurisprudência pátria: "Citação. Ato irregular. Nulidade. Inocorrência. Comparecimento do réu aos autos, alegando, além da irregularidade, elementos de defesa, demonstrando ciência da matéria tratada no processo. Circunstância que enseja o suprimento do vício citatório. Inteligência do art. 214, §§ 1º e 2º, CPC." (TRF 3ª R, AG 96.03.070240-4/SP, Rel. Des. Marian Maia, j. 15.03.2000) Logo, partindo da premissa de que a contestação possibilitou à empresa fiduciante o efetivo exercício do direito de defesa, pressupondo-se que esta, por intermédio do ato citatório efetivado na pessoa que não o representante legal, obteve plena ciência da demanda em face de si aforada, reputa-se convalidado o ato processual em questão, motivo pela qual se afasta a prefacial apontada em sede de razões recursais. Do mérito. a) Dos juros remuneratórios. Por derradeiro, impende analisar a questão atinente aos juros remuneratórios. Do que se verifica do contrato de financiamento em tela (fls. 08/08v), vislumbra-se que a taxa de juros foi ajustada em 2,00% (dois por cento) ao mês. Referido percentual, no entender da empresa fiduciante, revela-se abusivo, uma vez que ultrapassa o limite de 12% (doze por cento) ao ano estabelecido no § 3º do art. 192 da Constituição Federal. Não obstante o referido dispositivo hoje já se encontrar revogado por força da Emenda Constitucional n. 40, de 29.05.2003, o contrato em discussão foi assinado em 14.01.2002 (fl. 08), ou seja, no período em que o preceptivo em debate ainda integrava o ordenamento constitucional. Ocorre que, a despeito da problemática enfrentada pelos operadores do direito no sentido da auto-aplicabilidade, ou não, da limitação constitucional dos juros (art. 192, § 3º), o Supremo Tribunal Federal, em 24.09.2003, encerrou a divergência até então existente, editando a Súmula 648 nos seguintes termos: "Súmula 648. A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais em 12% ao ano, tinha a sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar." Diante dessa orientação e considerando que a referida lei complementar jamais chegou a ser editada, conclui-se que, sob esse fundamento, a limitação dos juros anuais ao patamar de 12% (doze por cento) não pode ser imposta ao presente caso. Por outro lado, a necessidade de se buscar uma limitação para a taxa de juros, a fim de se identificar possíveis abusividades, fez reportar-se ao art. 1º do Decreto n. 22.626/33, verbis: "Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, art. 1062)". Segundo esse dispositivo, a taxa de juros cobrada anualmente não poderia ultrapassar a 12% (doze por 78 cento), uma vez que limitada ao dobro da taxa legal que, segundo o art. 1.062 do Código Civil em regência à época, era de 6% (seis por cento) anuais. Contudo, essa alternativa para a limitação da taxa de juros foi logo abandonada em razão da Súmula 596 do Supremo Tribunal Federal, cujo enunciado estabelece o seguinte: "Súmula 596. As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional." Outrossim, tendo em vista a inaplicabilidade do disposto no art. 192, § 3º da Constituição Federal e art. 1º do Decreto n. 22.262/1933, persistiu a necessidade de se buscar limite para a taxa de juros remuneratórios. A solução encontrada, desta vez no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, foi a utilização da taxa média aplicada no mercado financeiro que deu origem à Súmula n. 296, assim redigida: "Súmula 296 - Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado." A aferição dessa taxa média somente foi possível em razão da Circular n. 2.957, de 30.12.1999, por intermédio da qual o Banco Central do Brasil - BACEN determinou que as instituições financeiras remetessem "informações sobre as taxas médias ponderadas, as taxas mínimas e máximas, o valor liberado na data-base, o saldo dos créditos concedidos, os respectivos níveis de atraso e os prazos médios" das operações de "hot money", desconto de duplicatas, desconto de notas promissórias, capital de giro, conta garantida, financiamento imobiliário, aquisição de bens, vendas, adiantamento sobre contratos de câmbio, "export notes", repasses de empréstimos externos (em relação às pessoas jurídicas) e cheque especial, crédito pessoal, financiamento imobiliário, aquisição de veículos automotores e aquisição de outros bens (em relação às pessoas físicas). Tais índices foram compilados numa tabela que o BACEN denominou de Taxa de Juros das Operações Ativas. Portanto, o que deve ser observado para se aferir a existência de cobrança abusiva de juros é o percentual a esse título pactuado entre as partes e o valor da taxa praticada no mercado na época da assinatura da avença, de modo que se o primeiro índice for superior ao segundo, a este último ficará limitada a cobrança. Em outras palavras, vale a taxa de juros remuneratórios pactuada desde que não seja superior a taxa média de mercado praticada à época da assinatura do contrato. Nesse diapasão, observa-se que o contrato em discussão foi assinado em 14.01.2002, estabelecendo a cobrança de 2,00% (dois por cento) ao mês, e de 26,82% (vinte e seis vírgula oitenta e dois por cento) anual. No mesmo período, a taxa média de mercado anual, segundo a tabela do BACEN, para capital de giro, era de 39,10% (trinta e nove vírgula dez por cento) ao ano. Desta feita, considerando os motivos antes mencionados, estando a taxa anual de juros pactuada entre as partes abaixo do índice médio praticado pelo mercado, vale o índice disposto 79 no contrato de fl. 08, motivo pelo qual se nega provimento ao apelo, no tocante a esse particular. b) Da capitalização de juros. Em análise à apelação interposta, denota-se que a insurgência devolve ao conhecimento dessa corte a matéria relativa a capitalização de juros. A esse respeito, a capitalização mensal de juros emerge com facilidade do contrato de financiamento firmado pelos litigantes (fl. 08). Isto porque na cláusula relativa às especificações de crédito, nota-se que a taxa mensal de juros está estipulada em 2,00% (dois por cento), a qual, multiplicada de maneira simples pelos 12 (doze) meses que compõem o ano, redundaria na taxa anual de 24,00% (vinte e quatro por cento). Contudo, o que se observa da mesma cláusula contratual é que o percentual anual de juros foi estipulado em 26,82% (vinte e seis vírgula oitenta e dois por cento), deixando evidente a capitalização alegada. Verificada a capitalização dos juros, cumpre aferir tão-somente, a legalidade da sua incidência. Acerca do assunto, em 31.03.2000, foi publicada a Medida Provisória n. 1.963-17 que, em seu art. 5º, possibilitava a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual. Senão, vejamos: "Art. 5º. Nas operações realizadas por instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano." Em 28.12.2000, a Medida Provisória acima mencionada foi revogada pela Medida Provisória n. 2.087-27, mantendo-se, todavia, o disposto no art. 5º com a mesma redação. O mesmo ocorreu em 29.06.2001, quando a Medida Provisória n. 2.170-34 foi publicada, revogando a MP n. 2.087-27, mas mantendo a disposição constante do art. 5º como concebido originariamente. Quando já se encontrava na segunda reedição, desta vez sob o n. 2.170-36, de 24.08.2001, entrou em vigor a Emenda Constitucional n. 32, de 12.09.2001, que, em seu art. 2º, dispõe o seguinte: "Art. 2º. As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional." Ocorre que até a presente data não houve a edição de medida provisória ulterior que tenha revogado expressamente a MP em questão, da mesma forma que não se tem notícia de deliberação definitiva do Congresso Nacional a esse respeito, motivo pelo qual permanece válido o disposto no art. 5º da Medida Provisória n. 2.170-36/2001, autorizando as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a procederem capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano. 80 Desta feita, tratando-se de contrato celebrado posteriormente a 31.03.2000, data da primitiva entrada em vigor do já mencionado art. 5º, é válida a capitalização mensal de juros, desde que pactuada. Nesse diapasão, o Superior Tribunal de Justiça já se posicionou em inúmeros de seus julgados: "CONTRATO. ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. CAPITALIZAÇÃO. JUROS. POSSIBILIDADE. MP Nº 2.170-36/2001. I - Admite-se a capitalização mensal nas operações realizadas pelas instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, celebradas a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva publicação do artigo 5º da Medida Provisória 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001. II - Na via especial, descabe a apreciação de possível afronta a dispositivo da Constituição Federal. Agravo improvido." (AgRg no AgRg no AG n. 565360, do Rio Grande do Sul, Rel. Min. Castro Filho, j. em 15.02.2005) Ou ainda: "CIVIL. MÚTUO. INSTITUIÇÃO BANCÁRIA. SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. JUROS REMUNERATÓRIOS. LIMITAÇÃO. 12% AO ANO. IMPOSSIBILIDADE. CAPITALIZAÇÃO. PERIDIOCIDADE MENSAL. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.17036/2001. INCIDÊNCIA. (...) 2 - Aos contratos de mútuo bancário, celebrados a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva publicação do art. 5º MP nº 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº 2.17036/2001, incide a capitalização mensal, desde que pactuada. A perenização da sua vigência deve-se ao art. 2º da Emenda Constitucional nº 32, de 12 de setembro de 2001. 3 - Recurso especial não conhecido." (REsp n. 629.487, do Rio Grande do Sul, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. em 22.06.2004) Se assim o é, considerando que o contrato firmado entre as partes data de 14.01.2002, ou seja, posteriormente à edição da Medida Provisória n. 1.963-17/2000, atual MP n. 2.170-36/2001, ocorrida em 31.03.2000, é válida a cobrança de juros capitalizada mensalmente, uma vez que expressamente pactuada no contrato acostado à fl. 08. c) Do alcance da expressão "equivalente em dinheiro". Por derradeiro, verifica-se que a empresa ré visa ao esclarecimento da expressão "equivalente em dinheiro", constante no artigo 906 do Código de Processo Civil, na hipótese de procedência do pedido formulado em ação de depósito, requerendo que a importância devida à instituição financeira corresponda ao saldo devedor, e não ao valor total dos bens garantidos. 81 Em que pese a tese levantada pelo réu, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que a expressão "equivalente em dinheiro" deverá ser interpretada em conformidade ao valor do bem a ser entregue ao credor. Tal regra sofre exceção somente na hipótese de o saldo devedor alcançar valor inferior ao do próprio bem objeto que se visa a devolver. A propósito: "AÇÃO DE DEPÓSITO. EQUIVALENTE EM DINHEIRO. ALCANCE. VALOR DA COISA. - Segundo assentou a eg. Segunda Seção, a expressão "equivalente em dinheiro" refere-se ao valor da coisa, salvo se o débito for menor, hipótese em que este prevalece por ser o menos oneroso ao devedor. Recurso especial não conhecido". (REsp 164.961/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, j. 26.11.2002). Logo, nos termos do artigo 515, §3º, do CPC, julga-se procedente o pedido formulado em ação de depósito, determinando-se a expedição do respectivo mandado, a fim de que o réu proceda à entrega do bem no prazo de 24 horas, ou efetue o depósito de seu equivalente em dinheiro, caso venha a se apurar saldo devedor em quantia superior, sob pena de prosseguimento do feito nos moldes do artigo 906 do Código de Processo Civil. Arcará o réu com o pagamento integral das custas e honorários advocatícios, estes arbitrados em R$1.000,00 (um mil reais), a teor do que dispõe o artigo 20, §4º, do CPC. III - DECISÃO: Nos termos do voto da relatora, decide a Câmara, à unanimidade, conhecer do recurso e darlhe provimento, cassando-se a sentença terminativa e, nos termos do artigo 515, §3º, do CPC, julgar procedente o pedido formulado em ação de depósito, invertendo-se o ônus sucumbencial. Participaram do julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Salim Schead dos Santos e Jânio Machado. Florianópolis, 27 de julho de 2006. Salete Silva Sommariva PRESIDENTE E RELATORA Anexo 2. Apelação cível n. 2000.005778-9, de Santa Cecília. Relator: Des. Cláudio Barreto Dutra. 82 AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA - EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS CORRENTISTA - ESTABELECIMENTO BANCÁRIO - INTERESSE DE AGIR EVIDENCIADO - DESNECESSIDADE DE REQUERIMENTO E NEGATIVA NA VIA ADMINISTRATIVA - IMPOSSIBILIDADE DE PERCEBIMENTO DAS DESPESAS DECORRENTES DOS SERVIÇOS DE MICROFILMAGEM - EXIBIÇÃO DOS DOCUMENTOS INDEPENDENTE DA COBRANÇA DE QUALQUER VALOR INTERESSE PROCESSUAL EVIDENCIADO - PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO RECURSO PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível n. 00.005778-9, da comarca da Santa Cecília (vara única), em que é apelante Danilo Machiavelli, sendo apelado o Banco do Estado de Santa Catarina S/A - Besc: ACORDAM, em Terceira Câmara Civil, por votação unânime, dar provimento ao recurso. Custas na forma da lei. RELATÓRIO: DANILO MACHIAVELLI aforou medida cautelar preparatória de exibição de documentos contra o BANCO DO ESTADO DE SANTA CATARINA S/A - BESC, aduzindo ser titular da conta corrente de n. 002567-3 junto ao requerido, há alguns anos, na qual vem realizando operações de crédito relativas a um contrato rotativo em conta corrente, bem como sucessivas renovações e alterações, com o intuito de cobrir o saldo devedor existente. Aduziu ter incidido encargos e taxas ilegais e abusivas, impostas unilateralmente pela instituição bancária, pelo que pretende discuti-las na ação principal. Afirmou que apesar de ter renegociado as dívidas, foi surpreendido pela existência de saldo devedor significativo e possibilidade de ter seu nome inscrito nos cadastros de restrição ao crédito. Sustentou a necessidade da realização de perícia contábil para se apurar o quantum devido, requerendo a exibição dos contratos, demonstrativos e extratos de operações. Defendeu a admissibilidade da cautelar e a presença da fumaça do bom direito e do perigo da demora, postulando a concessão da liminar inaudita altera pars. Requereu a citação do réu, a procedência da ação, a produção de todos os meios de prova admitidos em direito e a condenação do demandado nos ônus sucumbenciais (fls. 02/11). Determinada a citação (fl. 16), o autor informou que diante da propositura da presente, o réu providenciou a inscrição do seu nome e do avalista no Serasa, requerendo sua imediata exclusão (fl. 18). A citação foi efetuada na pessoa do gerente da agência local, conforme certidão de fl. 20v. Proferida sentença, a inicial foi indeferida em virtude de não ter sido indicada a lide principal a ser proposta, julgando extinto o processo sem julgamento de mérito, com base no art. 267, I, do CPC. Registrou, ainda, a ausência de interesse processual por não ter sido comprovado o requerimento administrativo dos documentos e o depósito das despesas relativas à reprodução daqueles e discorreu sobre a legalidade da inscrição do nome dos devedores nos bancos de dados do Serasa quando inexistir discussão judicial sobre o débito. Não foram arbitrados honorários advocatícios (fls. 21/26). O sucumbente interpôs apelação aduzindo ter sido declarada, na inicial, qual seria a ação principal que pretende propor e insurgindo-se contra o magistrado ter reconhecido a questão de ofício. Defendeu a impossibilidade de inclusão de seu nome nos cadastros do Serasa, SPC e Cadin, pelo que requereu se abstenha o banco de tal providência (fls. 28/32). 83 No juízo de retratação, a decisão foi mantida tão-somente sob o fundamento da ausência de interesse processual (fls. 34/35). Preparados, os autos ascenderam a este Tribunal. VOTO: Primeiramente, cumpre esclarecer que, sentenciado o feito, indeferindo liminarmente a inicial, o magistrado, no juízo de retratação, reformou o fundamento da decisão por entender que o requerente indicou a lide e seu fundamento (art. 801, III, do CPC). Manteve, entretanto, a extinção do processo sem julgamento do mérito frente à ausência de interesse processual e sob este prisma o recurso deve ser analisado. A exibição incidental de documentos encontra amparo da legislação processual, uma vez evidenciada a existência de relação jurídica entre as partes, e mostra-se perfeitamente viável diante do legítimo interesse que qualquer delas tem em ver e examinar documentos, relacionados ao contrato, que se achem em poder da outra. Dessume-se dos autos que o autor da ação não tem em seu poder fotocópia das peças que dizem respeito aos contratos celebrados com o BESC, sendo cediço que os bancos mantêm em seus arquivos cópias dos mesmos, extratos mensais e até diários da movimentação das contas correntes de seus clientes, documentos indispensáveis à solução do litígio, porquanto pretendem instruir ação revisional e provar a cobrança de encargos ilegais. Nada mais lógico, portanto, do que compelir a instituição financeira a apresentá-los. Nesse sentido, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira ensina: "O correntista de banco está autorizado a pedir exibição de cheques e outros documentos, para verificar a correção de lançamento a débito ou crédito de sua conta" (in Comentários ao Código de Processo Civil, 3. ed., Forense, 1998, v. VIII, t. II, pág. 217). Colhe-se de precedentes deste Tribunal: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - DECISÃO QUE DETERMINA A EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS REFERENTES AOS CONTRATOS BANCÁRIOS OBJETO DA AÇÃO PEDIDO DA PARTE INTERESSADA - POSSIBILIDADE. "Existente a relação jurídica vinculando os litigantes, configura-se o interesse legítimo da parte requerente em ver exibidos judicialmente os documentos relativos aos contratos celebrados com a instituição financeira, sendo cediço que essas mantêm em seus arquivos todos os documentos referentes às operações efetuadas com seus clientes" (AI 99.013065-7, da Capital, rel. Des. Eder Graf). E ainda: "(...) Existente relação jurídica vinculando os litigantes, configura-se o interesse legítimo da parte requerente em ver exibidos judicialmente documentos relativos às operações de crédito e débito entre eles estabelecidas. Desta forma, inquestionável é o direito do correntista de exercer o direito de exibição referentemente ao estabelecimento bancário com o qual firmou ajuste de financiamento, a fim de fazer prova em ação de revisão contratual conjugada com declaração de nulidade de ato jurídico e repetição de indébito" (AI n. 98.003041-2, de Blumenau, rel. Des. Trindade dos Santos). Mesmo porque, não se pode olvidar que "todos os documentos que derem causa a lançamentos contábeis, em razão de contratos de financiamentos celebrados entre as partes, são comuns, tendo o devedor direito ao seu acesso ou exibição, a fim de verificar a veracidade do débito efetivado. A ação de exibição não visa, precipuamente, obter a coisa ou o documento, mas apenas descobrir o seu conteúdo. O pedido de exibição de documento pode ser aforado em caráter cautelar ou não cautelar, com isso ensejando ao interessado instruir futura ação, ou 84 mesmo avaliar seu direito material, evitando lide temerária ou pedido excessivo. Inteligência do art. 844, II, do CPC. Precedentes jurisprudenciais" (JTARS 80/260). Quanto à alegação de não ter sido solicitado o acesso aos documentos na via administrativa, acrescente-se que a ausência ou não demonstração da formulação do pedido ou da sua negativa extrajudicialmente, não impede a postulação em juízo, conforme já restou decidido: "MEDIDA CAUTELAR - EXIBIÇÃO DE EXTRATOS BANCÁRIOS - ALEGADA FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL DO CORRENTISTA POR FALTA DE SOLICITAÇÃO VIA ADMINISTRATIVA DOS DOCUMENTOS - INADMISSIBILIDADE - LEGÍTIMO INTERESSE - SENTENÇA MANTIDA - ARTS. 844 - 845 e 355 - 363 DO CPC. "Uma vez que alguém tenha interesse legítimo em ver, ou ver e examinar documentos que se acham em poder de outra pessoa, pode exigir a exibição, se há relação jurídica entre o interessado e outra pessoa. Tal qual sucede em relação ao correntista de banco que, mesmo não provando que tivesse pela via administrativa solicitado os documentos, poderá judicialmente exercer direitos de exibição" (grifo nosso - Ap. cív. n. 35.104, de Tubarão, rel. Des. Alcides Aguiar, in DJE n. 8.256, de 22/5/91, pág. 8). Dezarrazoada, ainda, a tese segundo a qual a falta de interesse de agir estaria evidenciada diante do requerente não ter depositado, em juízo, os valores relativos às despesas de localização e processamento dos microfilmes dos documentos que pretende ter acesso. Independente da instituição bancária ter colocado à disposição do correntista alguns documentos mediante consulta nos terminais de atendimento, deferida a exibição, o requerido deverá depositar em cartório todos aqueles que o autor pretende ter acesso, sob sua responsabilidade e custo. Ao demandante, por sua vez, caberá examiná-los e extrair cópias do que entender necessário, arcando com as despesas respectivas. A propósito: "APELAÇÃO CÍVEL. MEDIDA CAUTELAR PREPARATÓRIA. EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. CONTRATO E EXTRATOS BANCÁRIOS. FORNECIMENTO CONDICIONADO AO PAGAMENTO DO CUSTO PELO INTERESSADO. EXIGÊNCIA INDEVIDA. RECURSO DESPROVIDO" (Ap. cív. n. 00.012697-7, de Pinhalzinho, rel. Des. Sérgio Paladino). "Ação cautelar de exibição. Cliente em face de instituição financeira. Dever de exibir. "(...) A sonegação do direito do cliente aos dados que lhe respeitem não se pode escudar no argumento de que os documentos requeridos são muitos ou concernem a período demasiado amplo de vigência contratual. Tampouco é lícito ao banco condicionar a exibição dos extratos ao pagamento dos custos da operação, quaisquer que sejam, porque fazê-lo equivale a impedir o acesso aos dados pretendidos" (AI n. 00.020639-3, de Videira, rel. Des. Pedro Manoel Abreu, j. em 24/05/01). " (...) EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS. PRETENDIDA COBRANÇA COM A APRESENTAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. DEPÓSITO DOS EXTRATOS EM CARTÓRIO. "O requerido deve exibir o documento em sua materialidade, pois exibir em dita ação significa depositar em cartório para que o autor da medida examine-os e extraia, por seu próprio custo e sob a responsabilidade do cartório, as cópias que desejar, e depois os documentos serão restituídos ao respectivo possuidor, razão pela qual não é necessário cobrar por este dever do réu" (Ap. cív. n. 00.012695-0, de Pinhalzinho, rel. Des. Carlos Prudêncio). E ainda: "Ação cautelar de exibição de documentos. Negativa da instituição financeira sob alegação de que a parte adversa não efetuou o pagamento das despesas operacionais de microfilmagem. 85 Improcedência" (TJRS, Ap. cív. n. 598420958, rel. Cláudio Augusto Rosa Lopes, j. 23.3.2000). Ausente qualquer das hipóteses de indeferimento da inicial (art. 295 do Código de Processo Civil), a decisão deve ser reformada para que a exordial seja recebida, determinando-se o prosseguimento do feito com a análise do pedido liminar, inclusive no que tange à retirada do nome do recorrente dos cadastros de restrição ao crédito. DECISÃO: Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso. Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Exmos. Srs. Desembargadores Eládio Torret Rocha e Fernando Carioni. Florianópolis, 31 de outubro de 2002. Cláudio Barreto Dutra Presidente e Relator 7 Apelação cível n. 00.005778-9