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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL - UNIJUÍ
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS MESTRADO
JULIANA SCHEIBNER DELLAFAVERA
EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
Desdobramentos pedagógicos com base nos estudos da pragmática
Orientador: Dr. José Pedro Boufleuer
Ijuí, RS, maio de 2014
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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO
SUL - UNIJUÍ
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS MESTRADO
Juliana Scheibner Dellafavera
EDUCAÇÃO E LINGUAGEM
Desdobramentos pedagógicos com base nos estudos da pragmática
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação nas Ciências
da Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ,
como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Educação nas Ciências.
Orientador: Dr. José Pedro Boufleuer
Ijuí, RS, maio de 2014
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AGRADECIMENTOS
Concluir esta dissertação é a concretização de um sonho que no início
parecia muito distante e quase impossível de ser alcançado, mas depois de muito
esforço e dedicação chegar ao final desta etapa é uma grande satisfação. No
entanto, esta caminhada não foi percorrida apenas por mim, logo esta conquista não
é só minha. Ela só foi possível porque algumas pessoas participaram ativamente de
cada passo. Umas mais outras menos, mas todas importantes nesse processo de
aprendizado.
Quero expressar minha gratidão às valiosas contribuições do meu orientador,
professor Dr. José Pedro Boufleuer, que desde o início me incentivou e me guiou
nesta caminhada.
Ao meu esposo, Fernando Dellafavera, pela motivação demostrada tanto em
palavras como pelo próprio exemplo na busca constante pela aprendizagem e na
superação dos seus limites.
Aos membros da banca pelas contribuições e aos demais professores do
Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Unijuí, que participaram
do meu crescimento intelectual.
Não poderia deixar de mencionar aqui a professora Ercilia Ana Cazarin que
despertou em mim o desejo de ser pesquisadora através do seu próprio testemunho
de aprendizagem.
Enfim, a todos aqueles que de uma forma ou de outra demostraram a sua
vibração com minha conquista.
E, embora pareça clichê, quero agradecer a Deus pelo fôlego da vida, pois se
não fosse pela fé eu nem teria começado essa jornada, uma vez que no início tudo
parecia impossível...
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RESUMO
O presente estudo tematiza a linguagem e suas concepções na perspectiva de suas
vinculações com o campo educacional. Parte-se do pressuposto de que o homem é
um ser que se constitui na e pela linguagem e que, por isso, é capaz de interagir
com os outros seres humanos. Tendo isso em vista, nos sentimos instigados a
perguntar sobre as diferentes perspectivas que a linguagem adquiriu no curso da
história, bem como essas perspectivas influenciaram a educação. Neste sentido,
orientamo-nos pela suposição de que as diferentes concepções que a linguagem
adquiriu ao longo do tempo se articulam com os também diferentes modos de
compreensão do conhecimento, da racionalidade e, por decorrência, da educação.
Com isso, pressupomos que linguagem e educação estão entrelaçadas, uma não
existindo sem a outra. Com base neste entendimento, buscaremos saber, num
primeiro momento, quais concepções de linguagem se fazem presentes no que
podemos chamar de paradigma metafísico e paradigma moderno, sob cujos
pressupostos a educação foi compreendida em boa parte de sua história. Num
segundo momento, tomaremos a linguagem entendida como processo de interação
como sendo uma das bases de sustentação do que vem a constituir-se o paradigma
da comunicação. Assim, assumimos a hipótese de que uma compreensão mais
aprofundada desse entendimento da linguagem permitirá também uma melhor
explicitação e percepção do alcance da concepção comunicativa da educação. Com
base nos estudos da linguagem que se colocam na perspectiva da pragmática
acreditamos poder vir a indicar possíveis inferências e desdobramentos para o
campo da educação, o que faremos no terceiro momento da dissertação.
Assumimos, para todos os efeitos, a perspectiva de que a concepção comunicativa
de educação é a que melhores respostas é capaz de oferecer aos desafios da
formação das novas gerações.
Palavras-chave: Linguagem. Pragmática. Educação.
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ABSTRACT
This study addresses the language and its conceptions from the perspective of its
associations with the educational field. It starts from the assumption that man is a
being who is constituted in and by the language, therefore is able to interact with
other human beings. This way, we feel encouraged to ask about the different
perspectives that the language has acquired in the course of History, as well as the
way these perspectives have influenced education. In this sense, we were guided by
the assumption that the different conceptions that language acquired over time are
also articulated with the different ways of understanding knowledge, rationality and,
by consequence, education. Thus, we assume that language and education are
intertwined, one cannot exist without the other. Based on this understanding, we will
pursuit to know, at first, which conceptions of language are present into what we can
call modern and metaphysical paradigm, under which assumptions education was
largely comprised during its history. Secondly, we will take the language
comprehended as the process of interaction, and one of the foundations of what it is
considered the communication paradigm. Thus, we assume the hypothesis that a
deeper understanding of this language comprehension will also allow us a better
explanation of the scope and perception of communicative conceptions of education.
Based on studies of language, which come from the pragmatic perspective, we
believe we might come to indicate possible inferences and developments for the field
of education, which we will do in the third stage of the dissertation. We assume, for
all purposes, the prospect that the communicative conception of education is the one
that is able to provide answers to the challenges of preparing the generations to
come.
Keywords: Language. Pragmatic. Education.
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SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................................................. 7
I EDUCAÇÃO E LINGUAGEM NOS PARADIGMAS ONTOLÓGICO E MODERNO
.................................................................................................................................................. 11
1.1 Racionalidade e paradigmas da educação ................................................................. 11
1.2 O paradigma metafísico ................................................................................................. 14
1.2.1 O paradigma metafísico e a linguagem como expressão do conhecimento ..... 15
1.2.2 A educação no paradigma metafísico ....................................................................... 22
1.3 O Paradigma Moderno ................................................................................................... 23
1.3.1 O paradigma moderno e a linguagem como instrumento de comunicação ....... 25
1.3.2 A educação no paradigma moderno......................................................................... 29
II EDUCAÇÃO E LINGUAGEM NO PARADIGMA DA COMUNICAÇÃO: A
PRAGMÁTICA ...................................................................................................................... 32
2.1 O paradigma da comunicação ...................................................................................... 32
2.2 O paradigma da comunicação e a linguagem como interação ............................... 35
2.2.1 A linguagem na perspectiva dos estudos da pragmática...................................... 38
2.2.2 As contribuições de Grice ao estudo da pragmática ............................................. 42
2.2.3 A teoria dos atos de fala de Austin ........................................................................... 48
2.2.4 As contribuições de Wittgenstein para o estudo da linguagem em ação ........... 52
2.2.5 As contribuições de Habermas para uma compreensão ampliada da linguagem
54
III
O
OPERAR
PEDAGÓGICO
NO
MEDIUM
DA
LINGUAGEM:
DESDOBRAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO À LUZ DA PRAGMÁTICA.................. 57
3.1 A Subjetividade e a intransparência da linguagem ................................................... 57
3.2 A construção pedagógica do ser humano................................................................... 61
3.3 Educação, Linguagem e Interação............................................................................... 64
3.4 O sujeito e as ações linguísticas .................................................................................. 71
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 79
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 82
7
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Diante dos desafios impostos à educação nos tempos atuais, o que mais se
espera do professor é a sua capacidade não só de ensinar, mas de desenvolver no
aluno o gosto pela aprendizagem. Mas como enfrentar a agilidade da tecnologia e
ser um professor que atenda as necessidades emergentes relacionadas à educação
no século XXI? A resposta não é tão simples como se gostaria. Apesar das
dificuldades impostas pelo nosso tempo, marcado por transformações constantes e
aceleradas, os desafios não podem nos intimidar a ponto de desanimarmos, contudo
devem servir de estímulo para repensarmos constantemente a nossa prática.
A linguagem permeia todos os campos do conhecimento e é na e pela
linguagem que nos constituímos como sujeitos. Mesmo que essa afirmativa já
suponha um determinado entendimento do lugar da linguagem na vida humana, é
ela que nos instiga a perguntar sobre as diferentes perspectivas que a linguagem
adquiriu no curso da história, aliado à pergunta de como tais perspectivas
influenciaram a educação. Nesse sentido, orientamo-nos pela suposição de que as
diferentes concepções que a linguagem adquiriu ao longo do tempo se articulam
com os também diferentes modos de compreensão do conhecimento, da
racionalidade e, por decorrência, da educação. Com isso pressupomos que
linguagem e educação estão entrelaçadas, uma não existindo sem a outra. E
quando nos referimos à educação, estamos falando do ensino escolar, isto é, da
instrução pública.
Assim como a linguagem, a educação nem sempre foi pensada da mesma
forma. Se durante muitos anos o aluno era visto como um receptor de conteúdos
e/ou informações, hoje ele é tido como um sujeito que interage com o conhecimento
e o professor passa a ser aquele que vai orientar/guiar o educando pelo caminho da
aprendizagem.
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Apesar de o estudo da linguagem ter ficado historicamente secundarizado1 no
âmbito da filosofia, hoje ele é considerado de suma importância, permitindo o
estabelecimento de novas correlações entre linguagem e educação, novas formas
de filosofia da educação. Durante muito tempo, os estudiosos da linguagem estavam
voltados única e exclusivamente aos aspectos formais e estruturais da língua, com o
que ela permanecia numa condição meramente instrumental, isto é, como meio de
transmissão para algo que se produzia em outro âmbito. Tudo o que dizia respeito à
linguagem em uso era posta de lado, ou seja, era descartado, considerado como
algo sem valor. Os estudos da pragmática operam essa guinada para a
compreensão da linguagem como âmbito em que algo efetivamente é produzido e,
inclusive, como âmbito indispensável da produção de tudo o que é considerado
mundo humano.
O presente trabalho assume o entendimento de que a linguagem e a
educação estão intimamente relacionadas, de modo que, ao repensarmos a
compreensão acerca de uma, consequentemente estaremos repensando a outra.
Embora as concepções de educação possam ser estabelecidas de diferentes
modos, inspira-nos o modo de compreendê-las em suas distintas configurações na
ótica do modelo de racionalidade que as orienta. Para isso tomamos como
referência o modo de abordagem estabelecido por Mario Osorio Marques na sua
concepção de “paradigmas da educação” (1992; 1993). Nessa construção teórica,
que já serviu de referência para diversas leituras acerca da educação, o autor
propõe uma correlação entre modelos educacionais identificáveis na tradição
pedagógica ocidental e modos de entender a razão que em diferentes momentos da
tradição filosófica se estabeleceram de forma hegemônica.
De acordo com Marques é possível identificar três modos básicos de situar a
educação, ou três paradigmas educacionais que têm marcado a tradição
pedagógica: o paradigma metafísico ou das essências, o paradigma moderno da
subjetividade e o paradigma da linguagem ou da comunicação. A esses três
paradigmas ele vincula, respectivamente, as concepções da racionalidade
metafísica, que se orienta pelo pressuposto de uma constituição essencial do mundo
que, na educação, torna-se objeto de aprendizagem dos alunos; da racionalidade
1
Na teoria do conhecimento clássica o saber era passível de acesso sem a linguagem,
especialmente na tradição platônica.
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moderna, que encontra no sujeito autorreferente o fundamento do mundo a ser
transmitido e/ou projetado em espaços de educação; da racionalidade comunicativa,
que elege o entendimento intersubjetivo como parâmetro de compreensão, de crítica
e de construção do mundo, a ser apresentado às novas gerações em processos
pedagógicos de aprendizagem com vistas a sua sempre necessária renovação.
Pressupondo essa correlação entre concepções de educação e modos de
compreender a razão humana, no presente trabalho me proponho a explicitar a
concepção de linguagem pressuposta, de forma mais ou menos explícita, nesses
diferentes modos de configurar a educação. Para isso me amparo de uma linha de
estudos sobre a linguagem que considera que ela também pode ser concebida sob
três perspectivas básicas: como expressão do pensamento, como instrumento de
comunicação e como processo de interação (TRAVAGLIA,1995; GERALDI, 2003).
Acredito que essas três concepções de linguagem permitem, também, uma
correlação com os paradigmas da educação e respectivos modelos de racionalidade
que os sustentam.
Apoiada nessa hipótese de que essa correlação entre concepções de
linguagem e modos de situar a educação é possível, busco entender, num primeiro
momento, quais concepções de linguagem se fazem presentes nos paradigmas
metafísico e moderno. Sustento que no paradigma ontológico se faz valer,
fundamentalmente, uma compreensão da linguagem como forma de expressão do
pensamento, ao passo que o paradigma moderno pressupõe, de forma bastante
evidente, o entendimento da linguagem como instrumento de comunicação. Essas
duas concepções de educação deixaram marcas tão profundas nas formas de
pensar e fazer dos educadores de modo a poderem ser identificadas nos meios
pedagógicos atuais. É com base na herança grega, especialmente de Platão e de
Aristóteles, e de parte da herança moderna que busco estabelecer essas
correlações entre educação e linguagem na ótica desses dois paradigmas.
De
comum emerge a noção de linguagem em seu papel secundarizado, de alguma
forma sempre instrumental, bem como sua vinculação ao princípio operativo das
relações sujeito-objeto.
Por fim, e numa certa obviedade, tomaremos a linguagem entendida como
processo de interação como sendo uma das bases de sustentação do que vem a
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constituir-se o paradigma da comunicação. Assim, assumindo a hipótese de que
uma compreensão mais aprofundada desse entendimento da linguagem permitirá
também uma melhor explicitação e percepção do alcance da concepção
comunicativa da educação, debruçar-me-ei sobre os estudos da linguagem que se
colocaram na perspectiva da pragmática. Estabelece-se, assim, o núcleo teórico
que embasará a presente pesquisa, configurando o seu segundo momento, que
permitirá, por sua vez, inferências e desdobramentos para o campo da educação, o
que nos propomos no terceiro momento da dissertação. Assumo, para todos os
efeitos, a perspectiva de que a concepção comunicativa de educação é a que
melhores respostas é capaz de oferecer aos desafios da formação das novas
gerações.
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I EDUCAÇÃO E LINGUAGEM NOS PARADIGMAS ONTOLÓGICO E MODERNO
1.1 Racionalidade e paradigmas da educação
As noções educativas da sociedade foram desenvolvidas com o intuito de
inserir os sujeitos na cultura, principalmente os das novas gerações. Boufleuer
(2002, p. 2) explica que a educação visa ser a [...] “expressão do estágio de
desenvolvimento da razão do homem no que concerne às relações que ele
estabelece com a natureza, com os outros e consigo mesmo”. Deste modo, entendese que a educação é o entendimento do que é a razão e esta determina o que a
sociedade pensa sobre o que constitui o “humano”. Nesse sentido, a espécie
humana é uma espécie aprendente, mutável e por isso mesmo se diferencia das
demais existentes na natureza. E é em função disso que os indivíduos são capazes
de estabelecer um relacionamento com os outros, determinando as regras para as
suas interações.
Tendo em vista que “humanizar” é a finalidade da educação, então, o modo
de atuar dessa finalidade depende de como se concebe o modo de operar da
própria razão. Diante disso, é possível constatar que a razão adquiriu diferentes
concepções ao longo do tempo. Assim como a racionalidade tem a ver com um
entendimento da vida humana, a educação é uma forma de ação que se articula
com a vida em sua totalidade. Quando se trata da importância ou da necessidade da
educação, [...] “se está pensando em coisas a serem aprendidas como desejáveis
para a orientação de uma vida humana” (BOUFLEUER, 2009, p. 253-254).
Na cultura ocidental, o entendimento acerca da razão possibilitou diversas
formas de conceber o conhecimento e também permitiu diversas concepções acerca
da educação. Nesse sentido, [...] “os paradigmas do conhecimento são explicitados
pela compreensão do operar da razão”. No entanto, para podermos pensar sobre
esse tema temos que considerar algumas questões, tais como: O que é paradigma?
O que é conhecimento? “Conhecemos de vez ou a cada vez”? Como a educação é
entendida por cada modo de operar da razão? Que concepções a linguagem
adquiriu ao longo do tempo e como isso influenciou o desenvolvimento da
educação?
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A capacidade de ser racional possibilitou ao homem a organização da vida
em sociedade, a qual pode ser especificada em diferentes momentos históricos
através do uso da razão humana. É importante ressaltarmos que a influência da
tradição é imprescindível na constituição dos referenciais, que, por sua vez,
compõem a disposição dos paradigmas. Estes estão profundamente articulados com
os conceitos e as crenças adquiridos ao longo da vida, e nos incentivam ou
impedem de concretizarmos determinadas ações. Isso está diretamente relacionado
com a educação, já que os padrões internalizados no decorrer da formação irão
definir a ação humana no processo educativo.
Neste sentido, refletir sobre os aspectos históricos e culturais que deram
sustentação a cada paradigma é importante, pois, deste modo, poderemos entender
o desenvolvimento não só da razão humana, mas também da própria educação.
Sendo assim, faz-se necessário destacar, conforme Marques (1992), que o colapso
de um determinado paradigma ou o aparecimento de um novo não está relacionado
a uma percepção cronológica, mas, sim, pelo movimento da tradição. Dessa forma,
necessitamos realizar a interpretação das tradições da educação, porque estamos
imersos na tradição e porque dela não podemos nos desprender, sem uma reflexão
abrangente.
Marques (1992, p. 547) afirma que é [...] “imperioso repensar a educação nos
seus paradigmas, entendidos estes como as estruturas mais gerais e radicais do
pensamento e da ação educativa”. Para o referido autor, na visão platônica
paradigma é um modelo abstrato que ao ser introduzido na cultura contemporânea
por Thomas Kuhn rompe com o conceito de linearidade na evolução da ciência, [...]
“mostrando-a em desenvolvimentos cíclicos, instáveis, exigentes de mudanças
bruscas em suas regras sujeitas aos sistemas de valores e crenças básicas de uma
época e de uma específica comunidade científica” (Idem). O autor destaca também
que o conhecimento científico é frágil e incerto, sempre com a possibilidade de ser
invalidado.
Para Thomas Kuhn (1978), [...] “paradigma é aquilo que os membros de uma
comunidade partilham e, inversamente, uma comunidade científica consiste em
homens que partilham um paradigma” (p. 219). Dessa forma, entende-se que
paradigma é a representação dos aspectos que caracterizam a educação. Tendo em
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vista que essas características trazem implicações importantes e significativas na
ação educativa, observamos que elas se fundamentam nas ideias de um
determinado grupo, denominado de comunidade científica.
Marques acrescenta que
Colocamos aqui a questão dos paradigmas não apenas no âmbito da
evolução das ciências singulares ou de setores da atividade humana, mas
no sentido abrangente de toda ação humana e de todo conhecer em seus
eixos de mudanças mais radicais, não estritas, esporádicas ou parciais. E a
colocamos, ao mesmo passo, sob o signo da permanente reconstrução
histórica em que os paradigmas não se sucedem apenas, mas se
interpenetram e permanecem na novidade de nova estruturação na cultura
e nas cabeças, necessitados de se distinguirem para sabermos qual deles
nos comanda (1992, 547).
De acordo com Marques (1992), citando Edgar Morin, diante dos desafios
contemporâneos é preciso não apenas aprender ou reaprender, mas [...] “sim
reorganizar o nosso sistema mental para reaprender a aprender” (p. 548). Assim,
torna-se fundamental tematizar os paradigmas, ressaltando que repensar a
educação não significa abandonar o passado, ou seja, a tradição. Afinal, estamos
imersos na tradição e não podemos abandonar ou nos libertar de seus
condicionantes, sem uma profunda reflexão seguida de uma ampla discussão,
abrangendo todos os interessados na proposta das aprendizagens atualmente
imprescindíveis.
Neste sentido, o mesmo autor afirma que...
Reconstruir não significa ignorar o passado que, na cultura e em cada
homem, continua presente e ativo, vivo e operante, mas impõe que nele
penetrem e atuem novas formas que o transformem e o introduzam na
novidade de outro momento histórico e outros lugares sociais. [...] Os
paradigmas básicos do saber, que se sucederam interpenetrados e que
continuam operantes, necessitam recompor-se em quadro teórico mais
vasto e coerente. Sem percebê-los dialeticamente atuantes, não poderemos
reconstruir a educação de nossa responsabilidade solidária (Idem).
Com base nessa perspectiva é possível visualizar três paradigmas, a saber:
1) O paradigma metafísico; 2) O paradigma moderno e 3) O paradigma da
linguagem pragmática ou da ação comunicativa. A nossa intenção aqui é verificar a
que concepções de educação tais paradigmas podem ser vinculadas e de como em
cada um deles se compreende a linguagem. Iniciemos com o paradigma metafísico,
situando-o à luz da constituição histórica do pensamento humano.
14
1.2 O paradigma metafísico
O primeiro paradigma é fundamentado em duas grandes vertentes: a grecoromana e a judaico-cristã. Por influência hegemônica dessas duas tradições o
pensamento ocidental foi formado. Pela tradição judaica aprendemos a ouvir e a
aceitar os caminhos recomendados por Deus, tido como um ser superior criador de
tudo e de todos. Para essa tradição o ser humano deveria buscar a orientação divina
para dirigir os seus caminhos e acertar nas suas decisões. Por outro lado, a
civilização grega, que se baseava no sentido da visão, entendia que o ser humano
necessitava desvendar a “luz” aprendendo a conhecer, a dominar e a conhecer a si
próprio e ao mundo que está a sua volta.
Para Marques (1992) somos herdeiros e continuadores destas duas vertentes
histórico-culturais, sendo a modernidade a expressão de tendências potencialmente
inscritas nessas tradições. A tradição greco-romana, porém, predominou no
processo constitutivo do pensamento moderno. Já no que se refere à linguagem,
muito do que acerca dela se entende é atravessado/influenciado pelo pensamento
de Platão e de Aristóteles, como veremos mais adiante.
Os filósofos gregos ao perseguirem a questão do conhecimento se deram
conta de que a natureza e a sociedade apresentavam uma série de problemas.
Alguns acreditavam que tudo é movimento e, dessa forma, tudo passa. O próprio
ciclo da vida apresenta um início e um fim, no qual o homem nasce, cresce e morre,
dando lugar a outros homens. A partir desse entendimento, surge uma questão
central: como podemos conhecer se tudo é passageiro? Boufleuer (1995) ressalta
que é preciso estabilizar o movimento. É nessa perspectiva que se estabelece de
modo hegemônico a solução essencialista ou metafísica para o problema do
conhecimento, para a qual contribuíram Platão e Aristóteles.
Marques (1992, p. 550) afirma que
A cultura grega é uma cultura aristocrática: a do filósofo dedicado à
contemplação. O contexto metafísico d a reminiscência, é uma constante da
espiritualidade grega, com Sócrates e Platão se transforma na vida
contemplativa e com Aristóteles busca traduzir a visão em palavra (logos),
pela qual o pensamento realiza a correspondência com o ser das coisas. A
contemplação do ser para sempre, para além das aparências físicas (ton
meta ta physicá) é o princípio da Filosofia. A virtude está na contemplação
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do eterno em sua intrínseca qualidade de totalidade escondida por trás das
aparências, sendo critério para a visão a imutabilidade do objeto visto.
Marques (1993) atesta que a procura de um esclarecimento coerente para o
conhecimento humano apareceu com a própria filosofia. Os gregos são os
responsáveis pelas primeiras elaborações teóricas sobre o modo de operar da razão
no processo de formação do conhecimento humano. Neste sentido, Aristóteles
procurou traduzir a visão em palavra (logos), pela qual se busca uma conexão com o
pensamento, com o ser das coisas e aparece no discurso como fato independente
radicado na realidade. Dessa forma, o constante retorno e o tempo circular fundam
as diferenças entre o universal e o particular, o cerne e a exterioridade, a forma e a
matéria, a alma e o corpo. Nesse aspecto é posta a coerência conjugada da
disjunção entre a afirmação e a negação, o certo e o errado, lógica pronunciada por
nexos apropriados por si mesmos, como decisões formais autônomas dos
conteúdos, formas que o sujeito cognoscente apreende, mas não constrói.
O paradigma metafísico parte do pressuposto de que a realidade do mundo
está dada, seja sob a forma de particulares já determinadas no mundo, seja sob a
forma de particulares pré-estabelecidas na consciência dos sujeitos. O homem como
ser racional pode chegar a desvendar as particularidades no mundo ou fazê-las
brotar a partir de sua consciência. Além disso, a característica fundamental da razão
metafísica é a de ser teleológica. A referência que se lança para além do mundo
imanente ilumina o curso possível/desejável de todo ser humano. Portanto, para
esta forma de entender a educação aclaram-se reciprocamente o passado, o
presente e o futuro. Caso o sentido esteja posto, o futuro se estabelecerá de modo
implacável. Sendo assim, importa somente executar os afazeres necessários ou
ativar os meios imprescindíveis para sua efetivação. Este paradigma predominou ao
longo da Antiguidade e da Idade Média (BOUFLEUER, 2007).
1.2.1 O paradigma metafísico e a linguagem como expressão do conhecimento
A linguagem afeta aquilo que constitui a singularidade da humanidade e a
natureza da racionalidade. Assim, [...] “cada um de nós se encontra imerso na
linguagem como em seu lugar natural, ali onde dominamos nossa presença no
mundo e nossa humanidade”. Disso decorre uma representação espontânea da
natureza da linguagem, quase sempre amparada nos conhecimentos que todo
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mundo adquire com a gramática escolar. O homem é definido pela [...] “linguagem e
pela razão, o que significa que, sem linguagem, não haveria racionalidade”
(AUROUX, 2009, p. 8 – 9).
Neste sentido, consideramos essencial abordar a concepção de linguagem no
campo da educação, uma vez que a maneira como o professor concebe a
linguagem acaba condicionando o seu trabalho em termos de ensino. Travaglia
(1995, p. 21) afirma que [...] “a concepção de linguagem é tão importante quanto à
postura que se tem relativamente à educação”. Neste mesmo sentido, o referido
autor apresenta três possibilidades de conceber a linguagem: linguagem como
expressão do pensamento, linguagem como instrumento de comunicação e
linguagem como processo de interação. No presente momento interessa-nos a
acepção que considera a linguagem como expressão do pensamento, considerando
as correlações que temos em mente para com o paradigma metafísico.
De acordo com Travaglia (1995), para a concepção que entende a linguagem
como “expressão do pensamento” o indivíduo representa o mundo através da
linguagem, a qual tem como função refletir o pensamento e, consequentemente, seu
conhecimento de mundo. Neste caso, e sob esse entendimento, quando as pessoas
não se expressam bem é porque não sabem organizar o pensamento. Os adeptos
dessa forma de pensar acreditam que [...] “a expressão se constrói no interior da
mente, sendo sua exteriorização apenas uma tradução” (p. 21).
A enunciação é um ato monológico, individual, que não é afetado pelo outro
nem pelas circunstâncias que constituem a situação social em que a
enunciação acontece. As leis da criação linguística são essencialmente as
leis da psicologia individual, e da capacidade de o homem organizar de
maneira lógica seu pensamento dependerá a exteriorização desse
pensamento por meio de uma linguagem articulada e organizada
(TRAVAGLIA, 1995, p. 21).
Neste sentido, o autor destaca que se presume que existam normas que
precisam
ser seguidas
para
a
organização
coerente
do pensamento
e,
consequentemente, da linguagem.
Para Geraldi (2003), esta concepção ampara os estudos tradicionais e
continua tendo seus defensores na atualidade, caracterizando-se pela ênfase às
regras da gramática normativa como finalidade principal do ensino, isto significa que
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para falar e escrever impecavelmente é necessário seguir as normas, sem
considerar a interação. As regras são baseadas na forma como os escritores mais
prestigiados fazem uso da língua, privilegiando a norma culta. Assim, tudo o que
foge daquilo que é considerado padrão é avaliado como errado, devendo ser
corrigido. Os professores adeptos desta visão preocupam-se demasiadamente com
conceitos e normas gramaticais e orientam o trabalho da escrita apenas para a
codificação do pensamento, buscando que o aluno internalize totalmente o que
escreveu, sem levar em consideração os conhecimentos prévios do educando.
Para os adeptos desta concepção a fala é uma imitação da escrita. O texto é
visto como modelo para a leitura e para a reprodução. Dessa forma, nota-se a
valorização da forma em relação ao conteúdo. Em suas atividades escolares, os
alunos empregam palavras deslocadas da realidade, construindo frases soltas,
fragmentadas, sem estabelecer sentido algum, cumprindo as exigências préestabelecidas (GERALDI, 2003).
Muitos dos problemas discutidos na atualidade já foram, de alguma forma,
debatidos na antiguidade. A tradição grega influenciou o pensamento ocidental
através das suas reflexões sobre o conhecimento, a verdade e, claro, a linguagem.
Desde aquela época, do ponto de vista político, a linguagem era um instrumento de
dominação das classes menos favorecidas. Dominar a linguagem significava que
tudo o que não se enquadrava no modelo da linguagem ideal era desconsiderado e
excluído. Assim, uma cultura era imposta enquanto outra era anulada.
Platão e Aristóteles foram dois grandes filósofos que contribuíram para a
formação do conhecimento. Vejamos como esses dois filósofos gregos se situaram
frente à questão da linguagem, considerando o ambiente próprio em que se
engendrou o pensamento filosófico ocidental. O primeiro vai discutir se a linguagem
é produto da natureza ou da cultura e o segundo vai entendê-la como símbolo do
real.
Na antiguidade os povos não eram indiferentes aos problemas relacionados à
linguagem. A especulação pela origem das palavras foi o pontapé inicial que
desencadeou o interesse por ela na filosofia grega. Os filósofos gregos passaram a
se preocupar em explicar a origem e a natureza da linguagem, bem como a
18
afinidade entre as palavras e as coisas. Para eles a linguagem estava integrada à
interpretação dos fenômenos naturais e à sua relação com as instituições sociais.
Uma das principais preocupações dos gregos era esclarecer se as palavras se
associavam naturalmente às coisas ou se as nomeavam de forma arbitrária,
convencional. Assim, surgiram dois pensamentos opostos: os naturalistas e os
convencionalistas. Estes argumentavam que essa relação era puramente arbitrária e
aqueles acreditavam que existia uma relação inseparável entre o som e o sentido.
Platão buscava entender como os nomes das coisas foram criados. No
diálogo “Crátilo”, é questionada a constituição, bem como a função e o uso dos
nomes. Para tanto, era indagado se o que imperava na língua era a natureza ou a
convenção. Lyons (1979, p. 4) destaca que [...] “essa oposição da ‘natureza’ e da
‘convenção’ era um lugar comum da especulação filosófica”. O referido autor atesta
que afirmar que certa instituição era natural equivalia a dizer que ela tinha
procedência em princípios permanentes e imutáveis fora do próprio homem, e por
isso era inviolável; já afirmar que era convencional equivalia a dizer que era o
simples resultado do costume e da tradição, ou seja, de alguma combinação
implícita, ou contrato social, entre os membros da comunidade. Nesse caso, o
contrato poderia ser infringido, uma vez que foi feito pelos homens.
A principal distinção entre a discussão naturalista e a convencionalista estava
no entendimento de uma conexão ou não entre o significado de uma palavra e a sua
forma.
Os adeptos da escola naturalista afirmavam que todas as palavras eram, de
fato, apropriadas por natureza às coisas que elas significavam. Ainda que
isso nem sempre pudesse ser evidente ao leigo, diziam eles, podia ser
demonstrado pelo filósofo capaz de discernir a “realidade” que estava atrás
da aparência das coisas. Nasceu assim a prática da etimologia consciente e
deliberada. O termo em si – formado do radical grego etymo-, “verdadeiro”,
“real” – denuncia a sua origem filosófica. Estabelecer a origem duma
palavra e, por ela, o seu “verdadeiro” significado, era revelar uma das
verdades da “natureza” (LYONS, 1979, p. 4).
Para
evidenciar
as
formas
pelas
quais
uma
palavra
poderia
ser
espontaneamente apropriada ao seu significado, eles afirmavam que existia uma
relação entre o som e a forma física da palavra. Como, por exemplo, as
onomatopeias, que em grego significa invenção de nomes. Para eles a analogia
essencial entre uma palavra e o seu significado era de dar nome às coisas, com o
19
que as palavras imitavam tudo aquilo que era nomeado, sendo que as onomatopeias
eram o núcleo do vocabulário. Porém, poucas palavras eram onomatopaicas. Para
resolver esta questão institui-se o simbolismo fonético que demonstrava a referência
a um ou mais sons que constituíam as palavras .
Afirmava-se que certos sons eram sugestivos, ou “imitativos”, de especiais
qualidades físicas ou de atividades, sendo por isso denominados brandos,
duros, líquidos, masculinos, etc. Por exemplo, podia-se afirmar que o l (ele)
é um som líquido e que, portanto, as palavras líquido, fluído, etc., contém
um som que é “naturalmente” apropriado para o seu significado (LYONS,
1979, p. 5) .
No entanto, quanto mais os etimologistas gregos tentavam provar o
“verdadeiro” significado das palavras, mais problemas encontravam, pois muitas
palavras não se encaixavam nem nas onomatopeias, nem no simbolismo fonético.
[...] “A essa altura eles invocavam vários princípios segundo os quais as palavras
poderiam derivar-se de outras ou relacionar-se a outras” (LYONS, 1979, p. 5).
A disputa entre os naturalistas e os convencionalistas prolongou-se por muito
tempo, evoluindo, a partir do século II a.C. para a discussão sobre até que ponto a
língua era regular ou irregular. Assim, os que sustentavam que ela era regular e
sistemática são denominados de analogistas (naturalistas) - entendendo que as
palavras poderiam ser classificadas seguindo um determinado paradigma, ou seja,
um modelo - e os que defendiam a posição contrária são os anomalistas
(convencionalistas). Estes não negavam a existência de regularidades na língua,
mas sustentavam que se devia dar uma atenção maior ao uso das palavras, por
mais irracional que isso pudesse ser.
Os anomalistas acreditavam que as palavras eram inventadas como reflexo
da realidade e a partir da sua relação com as coisas ou ideias seria possível
diferenciar uma parte material, sensível, sonora e outra conceitual, inteligível,
convencionalmente associada à parte sonora, isto é, as palavras se consolidariam
em sons proferidos em valor simbólico e seu significado seria o conceito mental que
elas evocam.
Conforme Oliveira (1996), a teoria platônica entende que a linguagem e o ser
estão relacionados. No entanto, é possível constatar as coisas sem os nomes. Seu
principal objetivo é mostrar que [...] “na linguagem não se atinge a verdadeira
20
realidade e que o real só é conhecido verdadeiramente em si sem palavras, isto é,
sem a mediação linguística” (p. 22). Neste sentido, ela se torna apenas um mero
instrumento. Esta ideia vigorou durante muito tempo na cultura ocidental e
consequentemente atingiu a educação, como veremos mais adiante.
Aristóteles traz uma nova visão acerca dos assuntos que eram o centro das
atenções dos filósofos, entre eles a linguagem. Sua preocupação focava não um
aumento temático da tradição, mas, sim, uma ruptura epistemológica que conduziu a
humanidade a um empenho sério de tomada de consciência dos mecanismos em
jogo
na
concretização
do
conhecimento.
Para
alcançar
a
condição
de
conscientização epistemológica ele reflete a partir do plano do discurso humano, ou
seja, da linguagem humana (OLIVEIRA, 1996).
Aristóteles se opõe teoricamente aos sofistas. Neste sentido, ele questiona o
pensamento deles que visava ao poder de persuasão da linguagem. Os sofistas
afirmavam que o que se profere interessa menos do que a ação de falar para
alguém e que a verbalização é um instrumento de domínio nas relações humanas.
Assim, [...] “a linguagem se torna uma grandeza fechada em si, perdendo sua
intencionalidade essencial. Ela não aponta mais para as coisas, mas tende a
substituir a ordem das próprias coisas” (OLIVEIRA, 1996, p. 27).
De acordo com Oliveira (1996), Aristóteles parte da ruptura da ligação
imediata entre palavra e coisa. Dessa forma, ele procura elaborar uma teoria da
significação, afirmando, com isso, que existe uma separação entre a linguagem e
ser, mas sem descartar a relação entre ambos. Aqui encontramos uma diferença
fundamental entre Platão e Aristóteles. Para Platão havia uma correlação entre
linguagem e ser, enquanto que em Aristóteles é possível fazer uma distinção entre
os dois, considerando o significado e não a apreensão objetiva das coisas.
Oliveira destaca que
Não há relação imediata entre linguagem falada e ser, pois há a mediação
necessária dos estados psíquicos. (Aristóteles afirma uma correspondência
imediata entre esses estados da alma e o real – daí poder-se sustentar
tanto a universalidade desses estados como a universalidade das coisas.) A
escritura e a palavra não têm significação em si mesmas, enquanto os
estados da alma se assemelham às coisas. [...] Entre nomes e coisas não
há semelhança completa: os nomes são limitados, enquanto as coisas são
21
numericamente infinitas. É inevitável designar várias coisas com um único
nome (1996, p. 29).
A partir desta concepção ele atesta que a linguagem é símbolo do real, isto é,
as palavras não são as coisas, apenas as representam. Oliveira (1996) ressalta que
o símbolo não ocupa o lugar da coisa, uma vez que não existe similaridade
completa, ele exprime tanto ligação como distância. Dessa forma, o ser humano
precisa aprender o sentido do símbolo para interpretá-lo e atribuir-lhe significado
adequado.
O referido autor continua
Eis por que não posso dizer, por exemplo, que palavra é um signo do real.
O símbolo é, ao mesmo tempo, mais e menos do que signo: menos na
medida em que nada é naturalmente símbolo, portanto exige-se convenção;
mais: constituição de uma relação simbólica se é intervenção do espírito
determinando um sentido (p. 29).
A linguagem, para Aristóteles, não é imagem do real, mas seu símbolo, ou
seja, que ela significa a realidade através da convenção. Dessa forma, Oliveira
(1996) afirma que a concepção ocidental da linguagem apresenta algumas
características, a saber: 1) conhecemos individualmente; 2) por meio da abstração
lógica captamos a estrutura ontológica2 do mundo; 3) instituímos através de acordo
os elementos da ordem estrutural do mundo e os representamos por meio de
associação de símbolos e 4) transmitimos aos outros a agregação de símbolos os
conteúdos conhecidos.
Neste sentido, entende-se que o homem, através da linguagem, interpreta o
mundo de acordo com o seu conhecimento prévio. Nesta perspectiva, a linguagem,
como já mencionamos anteriormente, não é uma mera imitação do real, pelo
contrário, é a representação que o homem obtém desse real. Isso acontece por
causa da capacidade que o ser humano possui de conceber o real por meio de
signos e de compreendê-los como representantes do real. Essa capacidade de
estabelecer uma conexão entre significado e significante3 é que torna o homem um
ser racional.
2
De acordo com Oliveira (1996, p. 32), para Aristóteles é o estudo das possibilidades da
comunicação humana.
3
Conceito desenvolvido por Saussure, no qual o significante é a imagem acústica e o significado é o
conceito da palavra. Da junção destes dois tem-se o signo linguístico.
22
1.2.2 A educação no paradigma metafísico
Considerando a configuração do paradigma metafísico pelo modo como situa
a racionalidade humana, bem como em seu âmbito é compreendida a linguagem,
vejamos de que forma nele é entendida a educação, ou melhor, quais implicações
se põem para a educação com base nesses seus pressupostos.
Pode-se iniciar dizendo que no paradigma metafísico educar é inserir o
estudante na ordem do mundo e dos homens. A formação teórica é valorizada em
detrimento da aprendizagem técnica dos ofícios. Nesta concepção o ensinoaprendizagem consiste em transmitir e assimilar verdades aprendidas passivamente
como inalteráveis. Ensinar e aprender são sinônimos de repetir e memorizar,
enquanto que o professor é o portador do saber e os alunos são tratados
homogeneamente, desconsiderando a individualidade (MARQUES, 1993).
O saber, sob o ponto de vista deste paradigma, é entendido como uma forma
de tornar visível os acontecimentos e os fenômenos do mundo. De acordo com
Boufleuer (2002, p. 3), [...] “a vida humana passa de uma condição de obscuridade
para uma condição de luz”. O mesmo autor destaca que a educação baseada nesta
concepção metafísica acredita que os educandos devam perceber tudo em sua
essência, pois a razão é a capacidade de recordar o que desde sempre já estava
posto.
Marques (1992, p. 550) afirma que é valorizada a formação teórica, [...] “em
detrimento da aprendizagem técnica dos ofícios”. De tal modo, contrapõe-se a
educação [...] “para o dizer e fazer a coisa pública, reservada aos cidadãos na polis,
e o ensino das artes mecânicas, próprio dos trabalhadores livres”. Tanto num como
no outro a educação e a instrução funcionam [...] “como exercício conscientizador
dos costumes existentes”.
A escola, como lugar separado e tempo específico de uma formação
proposital e sistemática, fundamenta-se no ideal da nobreza aristocrática,
como sagacidade e penetração do espírito e como vigor e saúde corporal
(Jaeger, p. 12-16 e 24), e se distingue do aprendizado dos ofícios exigentes
de instrução, mas não da sabedoria, com a exclusão da maioria da
população (escravos ou servos da gleba) no que se refere a qualquer forma
de aprendizado proposital. Converte-se, depois, a escola, na Escolástica,
em lugar central do acesso à verdade estabelecida (MARQUES, 1992, p.
551).
23
Para Marques (1992, p. 551), o ensino nesta concepção consiste em [...]
“transmitir fielmente verdades aprendidas como imutáveis; e a aprendizagem é
assimilação passiva das verdades ensinadas”. Ensinar é reproduzir; aprender é
memorizar. O papel do professor é determinante, [...] “insubstituível em sua
qualidade de portador individual dos conhecimentos depositados na tradição
cultural”.
Analisando as peculiaridades apontadas na concepção da linguagem como
expressão do pensamento e as características da educação pautada na visão
metafísica, percebemos que o modelo de razão e conhecimento se articula com
essa visão de linguagem. Quando Boufleuer afirma que é válida ou apropriada
àquela ideia que na consciência possui uma declaração que coincide com o que
acontece na realidade ou que confere com a sua essencialidade, nos damos conta
de que neste pressuposto o ensino-aprendizagem se fundamenta na tradução de
informações e o aluno que não consegue se expressar linguisticamente de acordo
com as exigências preestabelecidas não consegue organizar o seu pensamento. O
sujeito usa a linguagem apenas para externar seus pensamentos e aquele que não
consegue ou encontra dificuldades em fazê-lo está fadado ao fracasso.
1.3 O Paradigma Moderno
O paradigma moderno passa a tomar consistência após as grandes
mudanças socioeconômicas e políticas no final da Idade Média, momento em que o
ideal iluminista de, pela razão, o homem edifica seu próprio destino livre da opressão
e da superstição, fundamenta a consciência humana em si mesma e o homem
passa a confiar no seu próprio poder.
Neste contexto ocorre uma valorização das possibilidades próprias do
homem. Ele passa a ser a referência para seus projetos, considerando ter todas as
condições para se desenvolver, uma vez que tem “luz” própria. Surge, então, um
homem que passa a acreditar em si, nas suas potencialidades e que vai traçando o
seu próprio rumo. Deus deixa de ser o centro do mundo e o homem assume por si
mesmo as tarefas antes atribuídas a ele, crendo ter todas as condições para se
desenvolver sem um auxílio externo. Dessa forma inaugura-se um período cuja
característica fundamental é o antropocentrismo e que privilegia a racionalidade
24
entendida como uma competência inerente ao sujeito. Na razão, portanto, é
depositada a esperança de um caminho seguro e feliz.
Neste novo paradigma da consciência individual como corrente de
experiências e projeções, o homem cria seu universo científico e, em
separado, seu próprio universo moral, segundo as normas da própria razão.
As regras imanentes do funcionamento da mente se definem como
epistemologia e adquirem a função metafísica de garantirem os
pressupostos do conhecimento e da moralidade. Invertem-se, nesta
revolução copernicana, as relações entre o sujeito e o objeto, com o
domínio do sujeito sobre os objetos que ele representa e configura.
Conhecer é constituir os objetos que se conhecem. O homem conhece o
mundo ao transformá-lo pelos instrumentos materiais ou conceituais que
elabora (MARQUES, 1992, p. 552).
Conforme Marques (1992), a razão faz-se monológica, ignorando os sujeitos
em interação. A partir desse ponto de vista, o conhecimento acontece pela
representação com que se relaciona com objetos que, para melhor domínio, reduz e
fragmenta em especialidades compartimentadas e isoladas de todo seu contexto
natural e cultural. As disciplinas científicas se fecham em seus domínios e se tornam
incomunicáveis entre si e impenetráveis aos não iniciados em seus mistérios.
Neste sentido, o homem se vê como alguém capaz de delinear o seu próprio
destino. Ele assume a responsabilidade pela sua trajetória e pelos rumos da
sociedade, fazendo uso da razão. A filosofia moderna assume a probabilidade de
que, quanto ao conhecimento, o homem não se ampare a não ser em si mesmo, ou
seja, na competência da razão. Passa a existir, então, [...] “um homem que começa
a acreditar em si, na sua capacidade criativa e criadora, e que, de modo ousado, vai
delineando o seu próprio projeto de vida” (BOUFLEUER, 2006, p. 5). É estabelecido,
dessa forma, um tempo que tem como característica principal o antropocentrismo,
em oposição ao teocentrismo que marcou o paradigma metafísico. [...] “Colocado
como centro de referência, o homem moderno vai privilegiar a sua racionalidade,
acreditando em seu poder de lhe indicar um caminho seguro para a construção de
sua felicidade” (Idem).
A tradição da filosofia moderna assume o pressuposto de que o mundo é
aquele que as composições da razão subjetiva são capazes de produzir. Com isso a
objetividade do mundo passa a ser constituída pela razão humana que se norteia
por sua lógica própria. Ao projetar o mundo em conformidade com a ’luz‘ de sua
razão, o homem abraça a tarefa de aperfeiçoar de modo contínuo as suas formas de
25
conhecer com vistas ao alargamento irrestrito de seus domínios. No paradigma
moderno o aspecto principal não é mais a existência de um mundo já formado que o
sujeito busca desvelar, mas a probabilidade de um mundo a ser arquitetado por esse
sujeito. Através do uso de sua aptidão racional, o indivíduo intervém no mundo,
transformando-o.
A principal diferença entre o paradigma metafísico e o moderno é que este
admite como referência um sujeito independente, capaz de estabelecer por si
mesmo o domínio sobre os objetos, enquanto que naquele o conhecimento sempre
depende daquilo que de alguma forma já existe. No paradigma moderno o [...]
“homem conhece o mundo ao transformá-lo pelos instrumentos materiais e
conceituais que elabora. Transforma para conhecer” (MARQUES, 1993, p.11).
Tanto no paradigma metafísico como no moderno, a operação racional de formação
do saber é algo que antecede a ação educativa.
O paradigma moderno sustenta a ideia de que o sujeito fundamenta suas
decisões numa intencionalidade subjetiva ao buscar o conhecimento e a orientação
da ação humana. [...] “É essa intencionalidade consciente que dá sentido às nossas
ações e que nos torna autônomos e livres para tomar decisões, já que somos
sujeitos cognitivos e éticos” (LIBÂNEO, 2003, p. 1). Na relação sujeito-objeto,
prevalece a ação do sujeito sobre o objeto, no qual o sujeito torna-se quase
absoluto, independente, na constituição do conhecimento e do pensamento. Esse
paradigma defende a autonomia das ideias, a autossuficiência do sujeito, sem
avaliar as condições históricas e objetivas que abrangem a construção do
conhecimento. Por causa disso, o paradigma moderno tende a valorizar uma
linguagem única, a da razão, pressupondo [...] “o conhecimento organizado, o
modelo, a visão sistemática da realidade, enfim, a ciência, ou seja, sempre há um
conhecimento verdadeiro, traduzido em teorias interpretativas da realidade” (Idem).
1.3.1 O paradigma moderno e a linguagem como instrumento de comunicação
Na concepção que entende a linguagem como instrumento de comunicação a
língua é apresentada como um código, ou seja, como um conjunto de símbolos que
se convencionam segundo regras, e que é capaz de comunicar uma mensagem,
informações de um emissor para um receptor. Esse código, por sua vez, deve ser
26
dominado pelos falantes para que a comunicação possa ser concretizada. Como a
língua, que é o código, é um ato social, envolvendo pelo menos duas pessoas, é
necessário que esta seja utilizada de maneira semelhante, preestabelecida,
convencionada para que a comunicação se concretize. Neste caso, a principal
função da linguagem é a transmissão de informações (TRAVAGLIA, 1995).
Travaglia (1995, p.22) afirma que essa concepção [...] “levou ao estudo da
língua enquanto código virtual, isolado de sua utilização – na fala (cf. Saussure) ou
no desempenho (cf. Chomsky)”. Isso permitiu que os interlocutores e o contexto
fossem desconsiderados, em outras palavras, afastou o sujeito do processo de
produção do que é social e histórico na língua. Para o referido autor, essa é uma
visão monológica e imanente da língua, que a analisa segundo um ponto de vista
formalista – que restringe esse estudo ao funcionamento interno da língua – e que a
afasta do homem no seu contexto social. O autor destaca ainda que o estruturalismo
e o gerativismo são os representantes desta concepção. O primeiro são estudos
realizados a partir de Saussure, que separa a língua da fala e o segundo são
estudos realizados a partir de Chomsky, o qual faz uma distinção entre competência
e desempenho.
Essa concepção entende que o falante tem em sua mente uma mensagem a
transmitir a um ouvinte, ou seja, as informações que devem chegar ao outro. Para
isso, [...] “ele a coloca em código (codificação) e a remete para o outro através de
um canal (ondas sonoras). O outro recebe os sinais codificados e os transforma de
novo em mensagem (informações). É a decodificação” (TRAVAGLIA, 1995, p. 22 23).
A partir dessa perspectiva entendo que o ensino pautado nessa concepção de
linguagem visa à reprodução de exercícios desarticulados do contexto. O professor
simpatizante desta concepção de linguagem fará com que seu aluno se aproprie
apenas do sistema linguístico, considerado como uma norma pronta e acabada,
esperando que o educando estruture o maior número de frases dentro da norma
culta. O texto é apenas uma decodificação que, para ser lido, basta dominar o
código. O aluno é um mero repetidor, completando exercícios de “siga o modelo”
proposto pelo livro didático (GERALDI, 2003).
27
A linguagem foi considerada como um instrumento durante muito tempo por
grande parte das correntes filosóficas. Ela servia apenas para descrever ou
representar a realidade, cumprindo a função de dizer como as coisas são. Nesta
perspectiva, ela apresenta um modelo lógico e dedutivo de raciocínio, no qual o
sentido é estabelecido na relação da linguagem com o mundo a partir do conceito de
verdade. No entanto, essa forma de concebê-la não foi a mais adequada para
explicitar muitos fenômenos linguísticos.
Inicialmente, a análise da linguagem e do seu processo de significação era
elaborada a partir de uma concepção analítica, a qual estudava a linguagem ideal.
Num outro momento, ela passa a ser entendida através da ótica da pragmática, que
investiga a linguagem em uso nos diversos contextos. Benveniste (1991, p. 285-286)
afirma que [...] “a linguagem está na natureza do homem, que não a fabricou” e,
assim, não percebemos jamais o homem afastado da linguagem. Para este autor, o
homem é definido pela linguagem e é na e pela linguagem que o homem se
estabelece como sujeito. Essa perspectiva de entendimento da linguagem, porém,
será objeto de estudo na próxima seção.
Por outro lado, vale ressaltar que a linguagem, enquanto instrumento, é
entendida como uma via de mão única, sendo o professor o único detentor do saber,
reforçando-se a percepção do processo de ensino-aprendizagem como transmissãorecepção, através da transferência de informações que, teoricamente, são
depositadas na mente do educando. Tendo em vista os desafios enfrentados no
processo educativo e os avanços nos estudos sobre a linguagem, esta concepção
além de não trazer resultados satisfatórios, não instiga no aluno a vontade de
conhecer aquilo que denominamos de tradição.
É isso que também podemos verificar nos estudos de Wittgenstein, na sua
primeira fase. Em sua obra “Tractatus logicophilosophicus”, ele tentou elaborar uma
estrutura lógica que pudesse dar conta do funcionamento da linguagem. Neste
sentido, a estrutura da linguagem deveria corresponder à realidade dos fatos.
Oliveira (1996) chama a atenção para o fato de apesar das significativas diferenças
entre a primeira e a segunda fase da filosofia de Wittgenstein, podemos perceber
uma continuidade temática, ou seja, a sua preocupação central era a linguagem e o
pensamento. Para isso o filósofo faz os seguintes questionamentos: “Que é
28
linguagem? Que é pensar? Qual a relação entre falar e pensar? Que faz de um sinal
físico algo que significa? Em que sentido um sinal é expressão de um pensamento”
(1996, p. 94)?
O referido autor destaca, ainda, que essas perguntas fazem parte da
semântica formal e retornam no pensamento de Wittgenstein. [...] “Sua intenção
fundamental no Tractatus logicophilosophicus é estabelecer as fronteiras entre o que
racionalmente pode ser dito e o disparate que deve ser evitado”. A ideia central de
Wittgenstein é que a linguagem [...] “figura o mundo sobre o qual ela fala e a respeito
do qual nos informa” (ibidem, p. 96).
Oliveira (1996) afirma que, para o primeiro Wittgenstein, uma palavra só pode
ter sentido quando ela está inserida como elemento de uma frase. No entanto, o
significado não é o resultado da associação da [...] “significação das palavras nelas
contidas” (p. 97), mas o sentido de uma frase é o resultado das associações das
significações de seus elementos.
Para o primeiro Wittgenstein a ideia central era a universalidade das funções
da verdade. Isso denota a abolição de todos os modos da linguagem como negação
da probabilidade de descrição de atos intencionais de qualquer natureza. Ações de
fé, dúvida, desejo não podem, dentro dessa perspectiva, ser objetivados e
expressos
em
frases
dotadas
de
sentido.
[...]
“São
considerados
pseudocomportamentos com intenções não objetiváveis. Da dúvida, da fé, só se
pode falar quando elas condicionam um comportamento externo objetivo”
(OLIVEIRA, 1996, p. 112).
Nesse sentido, para o primeiro Wittgenstein, a linguagem é apenas uma
descrição do mundo.
A realidade inteira é o mundo. A proposição é a figuração da realidade. A
proposição é o modelo da realidade tal como a pensamos. O específico da
proposição é ser verdadeira ou falsa: é verdadeira se exprime um estado de
coisas que, de fato, está realizado: “Compreender uma proposição e saber
o que ocorre, caso ela seja verdadeira. A proposição é descrição de um
estado de coisas” [...] Ela é falsa se exprime um estado de coisas que não é
de fato. O sentido de uma proposição é a possibilidade que ela tem de
poder ser reconhecida como verdadeira ou falsa, isto é, o sentido de uma
sentença são as circunstâncias que permitem decidir sobre sua verdade ou
falsidade [...]. A proposição é, essencialmente, descritiva: ela é a articulação
de uma constatação (OLIVEIRA, 1996, p. 113).
29
Mediante a comparação com o mundo a proposição é a figuração da
realidade como algo possível. Nesta fase de seus estudos Wittgenstein tem em vista
uma linguagem transparente, livre de subjetividade. [...] “Pela linguagem
descrevemos eventos no mundo; o mundo mesmo, porém, é indizível”. Além disso,
Oliveira apresenta que, nessa perspectiva, além de não poder falar do mundo
também não se pode falar da própria linguagem (OLIVEIRA, 1996, p. 113).
1.3.2 A educação no paradigma moderno
Considerando que a lógica estruturante do paradigma moderno tem sua
ancoragem na razão subjetiva e no entendimento da linguagem ao modo de um
instrumento de comunicação, vejamos de que forma se concebe a educação sob
tais pressupostos, ou no âmbito desse paradigma.
Como linha de ação fundamental, a educação sob o paradigma moderno se
faz intencional preparação para a vida e moldando-se às demandas postas ao
homem capaz de produzir ativamente. O professor passa a ser um facilitador da
aprendizagem. Os currículos escolares são compostos pelos conhecimentos
científicos fragmentados e descontextualizados, sem relação com as demais áreas
do saber. O ensino aprendizagem é organizado sistematicamente, orientado por
objetivos precisos e quantificáveis sendo possível verificar o padrão de
desempenho. Da mesma forma, a metodologia em sala de aula passa a ser tática,
predominando as avaliações objetivas para verificar os resultados da aprendizagem
cognitiva (MARQUES, 1992).
Nesta perspectiva, o grande desafio para a escola é de concretizar a análise
crítica da realidade, adotando com propriedade a técnica e a ciência, ao lado da
racionalidade impiedosa e absoluta. Nasce, assim, a hierarquização dos campos do
conhecimento, privilegiando aquelas disciplinas tidas como exatas nos currículos
escolares.
Os currículos escolares configuram-se como mera justaposição de
disciplinas autossuficientes, grades nas quais os conhecimentos científicos
reduzidos a fragmentos desarticulados se acham compartimentados,
fechados em si mesmos e incomunicáveis com as demais regiões do saber.
A elaboração cognitiva faz-se em negação das complexidades do mundo da
vida, do engajamento humano e da questão dos valores, questão política,
em que implica (ibidem, 554).
30
Neste sentido, de acordo com Boufleuer (2006), compete à educação
moderna constituir o sujeito que dá suporte a esse arrojado projeto de autoafirmação
do homem em seu mundo. Na certeza de que a razão é capaz de transpor o homem
para [...] “uma vida mais confortável e feliz ela também prevenirá possíveis
retrocessos a um passado pautado por princípios que não os oriundos do potencial
intrínseco da razão, como os da tradição e da religiosidade” (p. 6-7). Contudo, a
empreitada essencial da pedagogia é a da produção de sujeitos dotados com as
particularidades e destrezas imprescindíveis para o alargamento dos processos de
racionalização do mundo.
O mesmo autor destaca que a educação contemporânea baseia seus
processos e finalidades nesse paradigma que aposta no potencial criador do pensar
e fazer do homem. Esse ponto de vista parte da concepção de que as novas
gerações carecem de direção para algum sentido já antecipadamente estabelecido.
Assim sendo, é por causa desse paradigma que nos últimos tempos se vem fazendo
esforços na educação escolar, com a intenção de aperfeiçoar os processos
pedagógicos através do auxílio dos saberes das mais diferentes ciências, e que, por
fim, se buscam redimensionar papéis e objetivos da educação à luz de ponderações
críticas acerca da sociedade.
Tendo em vista que o entendimento da linguagem como instrumento de
comunicação tem como objetivo central a transmissão de informações, destacamos
o esforço empregado em tentar deixá-la transparente, ou seja, uma tentativa de
aprimorá-la de tal modo a não produzir enganos. Este ideal de perfeição também se
percebe na tradição da filosofia moderna, cujo pressuposto era pautado no princípio
de que aquilo que é possível conhecer corresponde às próprias possibilidades da
razão subjetiva. Com isso, os poderes supostamente ilimitados da racionalidade
eram vistos como “panaceia”, isto é, como solução para todos os problemas sociais.
Na educação escolar a intenção era oportunizar a aprendizagem dos
conteúdos científicos e a apropriação das técnicas que visavam, além do
conhecimento, o domínio racional da natureza e da sociedade. O desfio escolar
passa a ser ensinar tudo para o maior número possível de pessoas e, para tanto,
faz-se necessária uma técnica precisa e eficaz de racionalização dos espaços
institucionalizados de ensinar e aprender. Nesta perspectiva, a linguagem assume
31
uma função meramente instrumental como podemos verificar nas ideias defendidas
pela semântica formal e na filosofia analítica que entendia que a função da
linguagem era apenas descrever a realidade.
Partindo deste pressuposto, entendo que entre os muitos conceitos que
norteiam o campo da educação, a noção do que é a linguagem gera muitas
controvérsias. Conforme Guimarães (2006), o senso comum considera a linguagem
como um instrumento de comunicação, que, consequentemente, afirma que dizer é
informar e que a linguagem expressa essencialmente nossos pensamentos e
sentimentos. Essas hipóteses sobre a linguagem foram tomadas como corretas
durante muito tempo e afetaram diretamente a educação. A partir desse pensamento
me questiono: quais as semelhanças existentes entre o paradigma da comunicação
e a concepção que entende a linguagem como interação e como isso influenciou o
desenvolvimento da educação? É o que tentarei responder na próxima seção.
32
II EDUCAÇÃO E LINGUAGEM NO PARADIGMA DA COMUNICAÇÃO: A
PRAGMÁTICA
2.1 O paradigma da comunicação
Diante da crise que assolou a modernidade deparamo-nos com o terceiro
paradigma que se caracteriza por uma proposta neomoderna centrada na linguagem
pragmática. O reconhecimento de que a linguagem é essencial na constituição da
vida humana acarreta a virada linguística. Esta expressão é usada para definir uma
forma de interpretação que se faz de um tipo de pensar que se torna
predominantemente hegemônico num determinado período. O paradigma da
linguagem está voltado às mudanças provocadas pelos estudos da linguagem, os
quais se interessam pela construção do sentido, levando em conta a linguagem em
uso. Nesta perspectiva, o sentido se constitui através das relações estabelecidas
pelos interlocutores, considerando que a linguagem é a estrutura que organiza as
relações humanas.
A virada paradigmática implica na negação daquilo que Boufleuer (2006, p. 7)
denomina de [...] “tradicional equação do conhecimento”. Nos paradigmas anteriores
pressupõe-se a existência de uma relação sujeito-objeto a partir da qual são
tematizadas os assuntos da razão humana e de suas concretizações, como a cultura
e a sociedade. Nesses casos, tanto no paradigma metafísico como no paradigma
moderno, o sujeito se depara com o mundo como objeto a ser apreendido ou
transformado. O condutor do significado de racionalidade é ou o sujeito reflexivo que
torna visível um mundo já posto, ou o sujeito que persegue finalidades de
conhecimento e de domínio particularmente constituídos.
Numa direção distinta a daquela dos paradigmas metafísico e moderno [...]
“projeta-se, hoje, um sentido de racionalidade como entendimento intersubjetivo
acerca das diferentes realidades que constituem o mundo dos homens”
(BOUFLEUER, 2006, p. 7). Dessa forma, institui-se uma relação intersubjetiva entre
os sujeitos e, consequentemente, o atuar da razão passa a ser um acontecimento
social, uma relação intersubjetiva. Neste caso, o centro da razão passa a ser a
linguagem, que é uma peculiaridade da condição humana.
33
Neste sentido, a racionalidade é percebida como o [...] “resultado de um
entendimento construído entre sujeitos acerca das diferentes realidades que
constituem o mundo humano” (BOUFLEUER, 2001, p. 57). Sendo assim, o
conhecimento surge como um entendimento dos sujeitos sobre algo em comum. Por
isso, o saber é sempre dependente de argumentos, de acordos linguisticamente
mediados, com o que ele configura uma construção efêmera, sempre passível de
revisão.
O referido autor acrescenta que
Mais do que a guinada de um mundo que “se descobre” para um mundo
que “se produz”, indica-se aqui para um novo lugar da razão, o que resulta
em mudanças efetivamente radicais para as interações humanas que se
orientam para processos de aprendizagem nos âmbitos da cultura e da
sociedade, como é o caso das interações pedagógicas (Idem).
Na razão comunicativa a linguagem é o componente fundante, visto que os
sujeitos, [...] “antes mesmo de uma relação objetiva com o mundo, já estão dotados
da capacidade da linguagem e da ação para relacionar-se com o mundo” (LIBÂNEO,
2003, p. 4). Dessa forma, o entendimento entre as pessoas passa pela ação
comunicativa. A ênfase não está mais na relação sujeito-objeto, mas na relação
entre as pessoas e as proposições. Contudo, não se trata, apenas, de uma
comunicação baseada em reconhecimento do outro, trata-se de estabelecer a
realidade, por meio das defesas daquilo que se assevera e, com isso, se possa
garantir um entendimento comum e compartilhado dessa realidade. Assim, o saber
deixa de ser uma relação com os objetos e passa a ser uma relação social
argumentativa.
Marques (1993) destaca que
A reconstrução da modernidade em seu desgaste pós-moderno só se pode
realizar como reconstrução do conhecimento, na passagem do paradigma
mentalista, ou da autoconsciência individual, em direção a novo paradigma
centrado no medium universal da linguagem pragmática ancorada no
mundo da vida sob o primado da Ética, ou da elucidação da vontade
coletiva através da ação comunicativa, isto é, do diálogo da palavra e da
ação em permanente abertura à participação de todos em igualdade de
condições (p. 71).
Como reconstrução, a neomodernidade não rejeita os ideais da razão, pelo
contrário, reitera a força da razão que aparece na multiplicidade de suas vozes
34
abertas às questões da reconstrução hermenêutica. Marques (1993), afirma que é
hora de mudar o enfoque do paradigma da relação sujeito-objeto por outro: o da
relação comunicativa que se institui na interação entre sujeitos. Nesse novo
paradigma, a racionalidade adota a conduta dos protagonistas de um processo
comunicativo e a forma como eles conduzem a sua conversação, objetivando o
entendimento. Para tanto, foram necessárias sucessivas “viradas linguísticas”, pelas
quais se deposita o diagnóstico no plano pragmático da linguagem em uso tornandose possível inserir relações com o mundo.
Para Marques (1992) a linguagem passa a ser entendida além dos seus
aspectos semânticos, envolvendo os falantes [...] “numa ativa relação de
entendimento entre si sobre algo” (p. 559). Dessa forma, a linguagem pragmática é
constituída por pressupostos dialógicos, isto é, espera-se dos interlocutores um
acondicionamento que garante a reciprocidade e a simetria, em igualdade de
condições e oportunidades quanto à inteligibilidade, à veracidade e à integridade
moral.
Orienta-se esta pesquisa, para todos os efeitos, pelo entendimento de que a
concepção de linguagem determina o modo como o professor age em sala de aula.
Por isso se torna tão importante estudá-la e entendê-la como processo de interação
social. Neste sentido, encontro suporte teórico na teoria da pragmática. A proposta
dessa teoria é estudar a linguagem nas situações concretas de fala, buscando ver
quais são os significados atribuídos tanto pelo locutor como pelo interlocutor. Além
disso, a pragmática se preocupa em analisar como os falantes organizam o que
pretendem dizer, considerando o contexto, as inferências feitas pelos receptores e,
ainda, observa o não dito como parte do que é comunicado. Para a sustentação
desse novo modo de compreender a linguagem, faço referência aos estudos já feitos
na área da pragmática, os quais entendem, basicamente, a linguagem como ação,
estando vinculada a um contexto, ou seja, a um determinado uso. Com base nessa
linha de compreensão da linguagem, apresento algumas inferências para o campo
da educação.
O meu intuito é refletir sobre a importância que a linguagem adquire no ato de
ensinar, uma vez que ela perpassa todas as disciplinas escolares. Sendo assim,
entendo que é necessário ensinar o aluno a refletir, a raciocinar, a desenvolver o
35
modo de pensar científico que exige o desenvolvimento das habilidades de
observação e de argumentação acerca da linguagem.
Neste sentido, não posso deixar de refletir sobre uma questão importante que
envolve o processo educativo: a prática pedagógica do professor em sala de aula.
Esta é determinante e, entre outros fatores, é responsável pela reconstrução do
conhecimento tanto do professor como do aluno, a partir de suportes teóricos que
sustentam a metodologia usada. Mesmo que o educador não tenha consciência
disso, a concepção teórica que ele tem sobre a linguagem é fundamental para o
encaminhamento prático em sala de aula.
Tendo em vista que a linguagem é essencial para a constituição do sujeito,
analisar as peculiaridades que a permeiam é imprescindível para compreender o
processo que a envolve e quais estratégias podem ser usadas pelos participantes de
um ato comunicativo. Neste sentido, a pesquisa propõe uma reflexão sobre os
modos de compreender a educação e a linguagem, visualizando os seus
desdobramentos, especialmente nas ações de mediação do professor no processo
de ensino-aprendizagem da interpretação da linguagem, bem como entender os
diversos aspectos envolvidos na sua compreensão, auxiliando, assim, na prática
pedagógica do educador.
A linguagem é uma característica essencialmente humana. Entre as
peculiaridades que a envolvem está a troca, o diálogo, ou seja, a interação entre
locutor e interlocutor. Este recria a realidade através da representação feita por
aquele. Quem fala faz surgir por meio do discurso um acontecimento e quem ouve
reproduz esse acontecimento à luz da sua própria experiência.
2.2 O paradigma da comunicação e a linguagem como interação
Numa terceira perspectiva compreende-se a linguagem como forma de
interação, de ação no mundo. Nessa concepção o sujeito não usa a língua
unicamente para traduzir e externar um pensamento, ou transmitir informações a
outra pessoa, mas, sim, para realizar ações, agir, atuar sobre o interlocutor. A
linguagem é um espaço de interação humana, de influência mútua pela produção de
efeitos de sentido entre os interlocutores, [...] “em uma determinada situação
36
comunicativa e em um contexto sócio histórico e ideológico” (TRAVAGLIA, 1995, p.
23). Os interlocutores interagem enquanto sujeitos ocupantes de um lugar social,
estes por sua vez falam e ouvem desses espaços em conformidade com as
formações imaginárias (imagens) que a sociedade organizou para tais lugares
sociais. Neste sentido, entende-se que a linguagem não é um sistema abstrato, nem
monológica, mas é [...] “um fenômeno social da interação verbal” (idem), a qual
constitui a realidade essencial da linguagem, que é caracterizada pelo diálogo.
Nesta concepção, a linguagem é vista como lugar de interação que possibilita
aos interlocutores de um ato comunicativo o estabelecimento de vínculos e
compromissos que até então eram inexistentes. Deve-se notar que a linguagem
constitui o nosso mundo e a nossa vida sociocultural, ao mesmo tempo em que
reflete a forma como as pessoas de uma sociedade se relacionam (TRAVAGLIA,
1995).
À luz dessa concepção de linguagem, professor e aluno são sujeitos que se
constituem frente a frente, em um processo ininterrupto de [...] “conhecimento de si
pelo reconhecimento do outro, em um movimento de alteridade” (BENVENISTE,
1991, p. 287). Esta constituição do sujeito só é possível na e pela linguagem. Deste
modo, observa-se o caráter dialógico próprio da linguagem humana, condicionado
pelo cruzamento de ações: o falante age sobre o ouvinte e vice-versa. Entretanto,
para que o significado seja apreendido dentro de uma determinada situação
comunicativa não basta que dois seres racionais estejam frente a frente. É preciso
que eles estejam socialmente organizados e pertençam a uma mesma comunidade
linguística. E não apenas isso, faz-se necessária a cooperação, ou seja, ambos
devem estar interessados na conversação.
Por outro lado, com base nessa terceira concepção de linguagem, percebo
que o professor não é o único detentor do saber, mas apenas uma das
possibilidades de acesso ou de viabilização de sua construção. Nessa perspectiva, a
linguagem adquire um caráter dialógico, no qual é possível identificar vários
discursos. O professor passa a ser, então, um mediador que auxilia o aluno no
processo de entendimento e na busca dos diversos sentidos possíveis. Ao invés de
transmitir informações, ele passa a organizar os diferentes discursos apresentandoos em sala de aula, promovendo a participação e a cooperação dos alunos e, ainda,
37
mantendo e promovendo o respeito às diversas opiniões. Assim, considero que o
ensino, que tem como base a interação, começa pela constituição de um ambiente
adequado, aberto ao diálogo, que permitirá uma efetiva interação entre o professor e
os seus alunos. Nesse espaço é possível participar, conversar, negociar, e,
principalmente, constituir-se como sujeito.
A subjetividade é tida por Benveniste como a capacidade do locutor de se
propor como sujeito. Dessa forma, este só é estabelecido em contraste, ou seja, [...]
“eu não emprego ’eu‘ a não ser dirigindo-me a alguém, que será na minha alocução
um tu” (1991, p. 286). Essa relação exige uma condição dialógica que implica em
reciprocidade. [...] “A linguagem só é possível porque cada locutor se apresenta
como sujeito, remetendo a ele mesmo como ’eu‘ no seu discurso” (p. 286). O mesmo
autor destaca que a condição do homem na linguagem é única.
Por isso, “eu” propõe outra pessoa, aquela que, sendo embora exterior a
“mim”, torna-se o meu eco – ao qual digo “tu” e que me diz “tu”. A
polaridade das pessoas é na linguagem a condição fundamental, cujo
processo de comunicação, de que partimos, é apenas uma consequência
totalmente pragmática (BENVENISTE, 1991, p. 286).
Portanto, entender a linguagem como interação implica por parte do professor
uma postura educacional diferenciada, uma vez que a linguagem é tomada como
lugar de constituição das relações sociais, onde os falantes se tornam sujeitos.
Ressalto que tanto o professor como o aluno se apresentam ora como falantes, ora
como ouvintes. Isso significa proporcionar um espaço educativo que irá permitir que
o sujeito pratique [...] “ações que não conseguiria praticar a não ser falando”
(GERALDI 2005, p. 41). Dessa forma, o falante age sobre o ouvinte, constituindo
compromissos e vínculos que não preexistiam antes do ato comunicativo.
Diante desses entendimentos acerca da linguagem, como podemos entender
a relação pedagógica que acontece na sala de aula? Considerando as duas
primeiras, entendo que o professor é o centro do processo de ensino/aprendizagem,
no qual a linguagem é empregada para transmitir informações sem considerar a
interpretação, privilegiando a decodificação, bem como os aspectos formais e
estruturais dos conteúdos. Já com base neste último entendimento de linguagem,
como interação, percebo que ela sustenta a lógica estruturadora do paradigma da
38
comunicação, bem como a sua noção de racionalidade, de conhecimento e de
educação.
2.2.1 A linguagem na perspectiva dos estudos da pragmática
Em seu texto A linguagem em uso, Fiorin (2004, p. 166) afirma que apenas o
conhecimento do sistema estrutural da língua não é suficiente para entender certos
fatos linguísticos empregados numa situação concreta de fala. O mesmo autor
considera que o estudo da pragmática é necessário, pois há palavras e frases cuja
interpretação só pode ocorrer na situação concreta de fala. Por isso, este ramo da
linguística estuda a relação entre a estrutura da linguagem e o seu uso, o que de
fato foi deixado de lado pelos estudiosos anteriores.
Armengaud (2006, p. 9) questiona o seguinte: que dizemos exatamente
quando falamos? Por que perguntamos à pessoa que está ao nosso lado se ela
pode nos passar o sal, quando é evidente que pode? Quem fala e quem ouve? Com
que intenção? Como alguém pode falar alguma coisa totalmente distinta daquilo que
realmente queria dizer? Essas são algumas indagações que a pragmática tenta
responder.
Ainda conforme o referido autor, a pragmática é um estudo novo, cercado de
fronteiras fluidas. Ele acrescenta que no interior da teoria, existem pesquisadores
que divergem na sua maneira de pensar e de conceituar a pragmática. Ele
apresenta três linhas de pensamentos que se chocam, no entanto, essas
divergências não enfraquecem a pragmática, pelo contrário, elas servem para
construir um rico cruzamento interdisciplinar. Além disso, a pragmática é uma
pesquisa em pleno desenvolvimento, embora ainda não haja conformidade quanto
as suas conjecturas, as suas demarcações e nem mesmo quanto a sua
terminologia, ela suscita grandes esperanças.
Fiorin (2004) chama atenção para o seguinte fato
Há duas grandes correntes na Pragmática: uma que considera que ela
estuda o conjunto de conhecimentos que deve ter o falante, para utilizar a
língua nas diferentes situações enunciativas, e outra que afirma que os
aspectos pragmáticos estão codificados na língua, que contém todas as
instruções para os usos possíveis. A primeira pensa a Pragmática que pode
estudar fatos da fala, está radicalmente separada da Semântica; a segunda
39
integra Pragmática e Semântica, cada uma estudando aspectos diferentes
do sentido (p. 170).
A essa altura outro questionamento é inevitável: mas o que é pragmática
afinal? Como defini-la? Para Armengaud, uma definição coerente seria a de Francis
Jaques: [...] “A pragmática aborda a linguagem como fenômeno simultaneamente
discursivo, comunicativo e social” (2006, p. 11). O autor continua afirmando que a
linguagem é por ela concebida como um conjunto intersubjetivo de signos cujo uso é
determinado por regras compartilhadas e, ainda, diz respeito [...] “ao conjunto das
condições de possibilidade do discurso” (p. 12).
A pragmática inaugura uma nova maneira de se pensar a linguagem e por
isso se torna polêmica. Por ser uma teoria recente, ela sofreu certa rejeição por
parte dos pesquisadores já consagrados. Principalmente porque questiona princípios
que até o momento eram indiscutíveis, como a prioridade do uso descritivo e
representativo da linguagem, a preferência do sistema e da estrutura sobre o uso e o
domínio da língua sobre a fala (ARMENGAUD, 2006, p. 14).
Do ponto de vista de Armengaud,
[...] a pragmática prolonga outra linguística: a linguística da enunciação
inaugurada por Benveniste. A distinção maior não se dá mais entre língua e
fala, mas entre enunciado, entendido como o que é dito, e a enunciação, o
ato de dizer. O ato de dizer é também um ato de presença do falante. E
esse ato é marcado na língua: ao instituir uma categoria de signos móveis e
um aparelho formal de enunciação, a linguagem permite a cada um se
declarar como sujeito (2006, p. 14).
Fiorin (2004, p. 168) destaca que a pragmática deve explicar como os
falantes são capazes de entender não literalmente uma dada expressão, como
podem compreender mais do que as declarações significam e por que um falante
opta em dizer alguma coisa de maneira indireta e não de maneira direta. Além do
mais, deve mostrar como se fazem as inferências necessárias para chegar ao
sentido dos enunciados.
O referido autor destaca que a pragmática apresenta (resgata?) os conceitos
que até então eram negligenciados em detrimento de outros considerados mais
importantes. Tais conceitos são o ato, o contexto e o desempenho. O primeiro é
entendido como [...] “agir sobre outrem”. É instaurar um sentido a partir de um ‘ato
de fala’. O segundo abrange a situação [...] “concreta em que os atos de fala são
40
emitidos”, ou seja, compreende tudo aquilo que é necessário para entender e
ponderar o que é dito. E o terceiro é a [...] “realização do ato em contexto, seja
atualizando a competência dos falantes, isto é, seu saber e seu domínio das regras,
seja integrando o exercício linguístico a uma noção mais compreensiva, como a de
competência comunicativa” (ARMENGAUD, 2006, p. 13).
A pragmática não tem nada de disciplina introvertida. Seus conceitos podem
ser exportados para várias direções. Não apenas ela “faz explodir o quadro
das escolas linguísticas”, como intervém nas questões clássicas internas à
filosofia; ela inspira filosofias; e é, sem dúvida, chamada a renovar
profundamente a teoria da literatura (2006, p. 15).
O mesmo autor elenca seis questões filosóficas sobre as quais a pragmática
lança uma nova luz, a saber: a subjetividade, a alteridade, o “cogito cartesiano”, a
dedução transcendental, o aspecto deliberativo e o fundamento da lógica.
1) A subjetividade. O que é que muda na concepção do sujeito quando ele
é considerado antes de tudo como falante e, melhor ainda, como
interlocutor, quando nos aproximamos dele não mais a partir do
pensamento, mas a partir da comunicação?
2) A alteridade. A questão chamada “de outrem” é percebida a partir da
interlocução. O outro é aquele com quem eu falo, ou não falo. Com
quem me situo em uma comunidade de comunicação.
3) O “cogito cartesiano”. O “eu penso” é sempre verdadeiro toda vez que o
pronuncio. Verdadeiro por uma necessidade pragmática. Sua
contraditória é pragmaticamente sempre falsa, absurda. Quando digo:
“Eu não existo”, o próprio fato da enunciação contradiz o conteúdo
enunciado.
4) A dedução transcendental das categorias em Kant. Trata-se de
estabelecer o valor objetivo dos principais tipos de síntese do
pensamento, cujo uso objetivo é regulado por princípios. O ponto de
vista pragmático leva a considerar não apenas o aspecto propriamente
“linguageiro” dessa dedução, mas, além disso, o aspecto deliberativo da
avaliação intersubjetiva do que seriam as grandes questões a cerca do
mundo.
5) Esse aspecto deliberativo se exprime de modo mais nítido nas grandes
controvérsias que marcam a história das ciências.
6) O tema pragmático pode ser situado no próprio fundamento da lógica. A
lógica ali reencontra suas fontes gregas (ARMENGAUD, 2006, p. 1516).
É importante notar que, conforme Fiorin (2004), para compreender o sentido
numa determinada comunicação temos que considerar toda uma variedade de
inferências que estarão presentes no processo de interação. A inferência é uma
forma de subentendido. Se uma expressão possui diferentes sentidos quando é
usada, isso é resultado de um princípio pragmático aplicado a ela. A pragmática vai
tentar descobrir quais princípios governam os diversos sentidos dados pelo uso.
41
Dessa forma, entende-se que [...] “as palavras do discurso significam porque há uma
instrução sobre a forma de interpretá-las” (p. 169).
Vale destacar que o estudo da pragmática é indispensável para entender a
produção do sentido. O texto Por que utilizar sentidos não-literais?, da autora Ana
Zandwais (1990), fala sobre a presença dos sentidos não-literais na linguagem
verbal, ou seja, discute sobre as informações implícitas que podem estar presentes
num determinado enunciado. Ela inicia afirmando que não temos o direito de dizer
tudo o que pensamos ou queremos, porque corremos o risco de sermos punidos ou
até marginalizados pela sociedade. Além disso, a presença de sentidos não-literais
na linguagem é justificada pelo fato de que em certas circunstâncias de interação
verbal há alguns tipos de julgamentos que não podem ser expressos de forma
explícita, porque irão ofender, rejeitar, humilhar, estabelecer confrontos diretos ou,
até mesmo, o indivíduo que enuncia pode perder a credibilidade diante de seus
interlocutores. Outra justificativa apontada pela autora para o uso de sentidos nãoliterais é que [...] “tudo aquilo que se diz de forma explícita no discurso, pode se
constituir em matéria de controvérsias, de objeções a serem feitas pelo receptor” (p.
11).
De acordo com a autora, garantir uma suposta aparência de neutralidade
nos
discursos
evitando
possíveis
comprometimentos
ou
cobranças
de
autorretratação do que é dito, sem dúvida não é uma tarefa simples. Entretanto, a
não transparência de sentidos na linguagem garante vantagens. Quando se expõe
algo de forma implícita garante-se maior isenção de responsabilidade sobre os
conteúdos das falas proferidas, afinal, apenas aquilo que é dito pode ser contestado.
O ato de significar sem dizer/escrever constitui-se um grande desafio para o
leitor/ouvinte, pois aquelas informações que não estão ditas têm de ser interpretadas
através de algum tipo de lógica para produzir efeitos de sentido ao interlocutor. É
importante ressaltar também que ao analisar o nível implícito da linguagem o
leitor/ouvinte precisa levar em conta as condições sócio-históricas de produção dos
atos de comunicação verbal como um conhecimento das leis que governam a lógica
das línguas naturais.
A pragmática tem a sua origem em uma série de interrogações
fundamentalmente filosóficas. Ela surgiu da filosofia da linguagem. A constituição da
42
pragmática se deve a uma crise da filosofia ocorrida no final do século XIX, [...] “em
razão da qual as diferentes correntes de pensamento efetuaram um retorno radical à
questão da linguagem” (PAVEAU & SARFATI, 2006, p. 215).
Paveau & Sarfati (2006) atestam que essa crise da racionalidade levou os
teóricos a se tornarem mais do que nunca receptivos ao parâmetro linguageiro.
Assim, os diferentes componentes pragmáticos que constituem uma língua natural
como a ambiguidade e a subjetividade não podem ser submetidos aos critérios da
objetividade. De acordo com os referidos autores, a tomada dessa consciência
motiva a virada linguística da filosofia. Antes de me deter especificamente na virada
linguística e nos conceitos apresentados pela pragmática, busco entender um pouco
melhor o modo de operar da razão.
As inovações propostas pela pragmática podem ser resumidas da seguinte
forma: utilizar a língua significa realizar ações; a interação verbal é sempre norteada
pelos participantes da comunicação; a compreensão do não dito depende das
inferências realizadas pelo interlocutor e o contexto é essencial para entendermos o
que fazemos com as palavras quando falamos. A partir dessa ótica, os enunciados
deixam de ser observados como estrutura e passam a ser considerados no contexto
de sua construção. Além disso, [...] “ela intervém para estudar a relação dos signos
com os usuários dos signos, das frases com os falantes” (ARMENGAUD, 2006, p.
12-13).
O ponto de partida da pragmática foram os trabalhos dos filósofos John
Austin e Paul Grice. Austin (1990) defende a ideia de que dizer é muito mais do que
transmitir informações, é também uma forma de agir no mundo. No entender deste
filósofo, a linguagem, além de uma forma de ação, é também um meio de interação.
2.2.2 As contribuições de Grice ao estudo da pragmática
Grice
(1986)
estudou
os
princípios
gerais
que
determinam
os
comportamentos linguísticos e a maneira de utilizar a linguagem na comunicação. A
partir da sua contribuição, a Pragmática estabeleceu uma nova forma de entender
os fatores envolvidos numa conversação. A base das máximas conversacionais do
teórico tem como suporte um princípio cooperativo entre locutor e interlocutor, que
43
rege a comunicação. As informações fornecidas num dado momento, conforme o
princípio cooperativo, fazem parte do conhecimento comum dos falantes, o qual
depende do contexto. Este autor contribuiu com a noção de implicatura, que
corresponde à sugestão e a insinuação.
Quando duas pessoas dialogam, elas não produzem apenas enunciados
organizados gramaticalmente e de forma aleatória, mas possuem intenções, as
quais são governadas por regras implícitas que regem a comunicação.
Considerando o exposto, Grice formulou um princípio geral que deveria ser
observado pelos participantes de uma dada comunicação. Este princípio determina
que a contribuição conversacional deve ser feita tal qual foi requerida, no instante
em que ocorreu, pelo propósito [...] “ou direção do intercâmbio conversacional em
que você está engajado” (GRICE, 1986, p. 86).
Sob este ponto de vista, a noção de cooperação tem um papel essencial para
o ato comunicativo. Na ótica de Grice, quando dois ou mais interlocutores interagem
eles deverão cooperar para que a comunicação transcorra sem problemas
aparentes. Para o autor existem determinados princípios que regem o modo pelo
qual, num diálogo, o receptor [...] “pode reconhecer, pelo seu entendimento, a
intenção do locutor e, assim, depreender o significado do que foi enunciado”
(OLIVEIRA, 2002, p. 4). Neste sentido, toda conversação é conduzida pela
cooperação,
inclusive
aquelas
ocorrências
onde
um
dos
interlocutores
aparentemente interfere na conversação em uma direção contrária aos desígnios
que ele tem no instante em que ele fala.
Em suma, a teoria de Grice aponta para uma série de máximas que os
falantes devem seguir a fim de serem cooperativos. No caso de
transgressões dessas máximas, o interlocutor tentará descobrir se existe ou
não uma implicatura envolvida, e como esta implicatura explica ou elimina
as aparentes irrelevâncias da enunciação. De certa forma, a ideia de
cooperação envolve, muito mais, aquilo que eu posso dizer (de acordo com
as circunstâncias) e o que eu devo dizer (devido às expectativas de meu
interlocutor) do que aquilo que eu digo (OLIVEIRA, 2002, p. 9).
Oliveira (2002) destaca que a linguagem é um meio de ação e de prática
social formadora do mundo cultural, pois ela traz em si a constituição do sujeito, os
valores e as normas de conduta que norteiam a vida do indivíduo em sociedade. [...]
“Quer dizer, quando as pessoas conversam ou produzem textos escritos, elas o
44
fazem com a intenção de “transmitir” alguma coisa para alguém; agem dentro de
contextos com determinados objetivos” (p. 2).
Para Grice a linguagem é um meio que pode ser usado pelo locutor para
comunicar ao seu receptor suas intenções, nas quais está introduzido o sentido. A
sua preocupação principal era de descobrir uma forma de delinear os efeitos de
sentido que vão além do significado literal. Para tanto, ele se questionava sobre as
possibilidades de um enunciado significar mais do que a literalidade. Ele acreditava
que havia algum tipo de regra que permitisse alguém transmitir algo além da
sentença propriamente dita, e o que mais inquietava o teórico era como o
interlocutor entendia a informação não literal.
Existem dois tipos de implícitos: um que é dado pela linguagem que são os
acarretamentos e os pressupostos, e outro que são os implícitos dados pelo
contexto, que é o subentendido. Nesse último caso, a comunicação não é literal e só
pode ser entendida dentro do contexto. Sendo assim, os falantes informam muito
mais do que as palavras da frase significam e, ainda, certos enunciados têm a
capacidade de implicar outros (FIORIN, 2004).
A partir dessa perspectiva, de acordo com Fiorin (2004), e fundamentado na
distinção entre o significado literal e o significado derivado do contexto da
conversação, que é apreendida pelo locutor através do raciocínio lógico, Grice
desenvolveu, baseado em Kant, o Princípio Cooperativo, que é composto por quatro
categorias: quantidade, qualidade, relação e modo.
Máxima da Quantidade
1. Faça sua contribuição tão informativa quanto for solicitado
2. Não faça sua contribuição mais informativa do que é solicitado
Máxima da Qualidade
1. Não diga o que você acredite ser falso
2. Diga somente aquilo que você possa comprovar
Máxima da Relação
1. Seja relevante
Máxima do Modo
1. Evite obscuridade de expressão
2. Evite ambiguidade
3. Seja breve
4. Seja ordenado (GRICE, 1986, p. 86 - 88).
Para o teórico, muitos cometem um erro que [...] “resulta de não prestar a
devida atenção à natureza e importância das condições que governam a
conversação” (GRICE, 1986, p. 83). Neste mesmo sentido, Fiorin (2004, p. 175)
45
afirma que para estabelecer a construção e a compreensão dos atos de fala
indiretos é preciso conhecer os princípios que regem a conversação. O autor declara
também que muitas vezes só se percebe o propósito de um enunciado quando se
entendem os implícitos.
Pela ótica de Armengaud (2006) cada uma das máximas corresponde a
questões que ajudam a interpretar a comunicação: uma diz respeito à
informatividade, outra à sinceridade, outra à pertinência e outra à civilidade. Para a
autora, essas máximas, geralmente, permanecem ocultas e, portanto, seu uso é
essencialmente indireto (p. 88).
Conforme o pensamento de Grice (1986), certos enunciados informam muito
mais do que as palavras que os compõem, ou seja, às vezes o que o locutor quer
dizer vai muito além daquilo que ele realmente diz. Sendo assim, o falante usa
alguma estratégia que permite ao interlocutor entender o significado. Entre as
estratégias usadas estão a sugestão, a insinuação, a ironia, entre outras. Para
identificar aquilo que não foi dito, mas está implícito, o ouvinte, além de decodificar
as palavras no seu sentido real, também lança mão das inferências. Para
caracterizar aquilo que está além do significado real, Grice usa o termo técnico
implicatura, que [...] “são inferências que se extraem dos enunciados” (p. 84-86).
Armengaud (2006) chama atenção para o fato de que o nosso
comportamento linguístico é algo sutil, pois alguns enunciados podem expressar
múltiplos sentidos de acordo com a situação na qual são proferidos e a intenção de
quem os utiliza. Por outro lado, existem locutores que optam em se comunicar de
uma forma mais complexa, ou seja, preferem enunciar indiretamente violando uma
máxima, mas respeitando outra que é mais importante no ato da enunciação. Isso
pode ocorrer quando um locutor tem uma razão específica e sabe que o seu
interlocutor é capaz de identificar essa violação sem prejudicar o sentido almejado.
Ainda conforme o mesmo autor, estas máximas conversacionais ou
discursivas nos fazem perceber que o diálogo se submete a uma lógica, pois o não
cumprimento de uma das máximas por um falante produz efeitos imprevisíveis em
relação aos inicialmente pretendidos. No entanto, nem sempre que uma das
máximas é violada significa que o locutor estabeleceu um problema para o discurso.
46
Em alguns momentos, é por causa da infração de algumas das máximas que o
sentido é produzido e, dessa forma, o princípio cooperativo é estabelecido.
Quando um falante fornece menos informações do que é necessário,
quando ele diz algo que já é conhecido ou é falso, se ele afirma algo que é
irrelevante, ou obscuro, ou ambíguo, ou confuso, isso significa que o princípio
cooperativo não foi respeitado. Para tanto, Grice (1986) destaca que
É óbvio que a observância de algumas destas máximas é menos imperativa
do que o é a observância de outras; uma pessoa que se expressou com
prolixidade indevida estaria, em geral, sujeita a comentários mais brandos
do que aquela que tivesse dito alguma coisa que acredita ser falsa. Na
verdade pode-se pensar que a importância da primeira máxima da
Qualidade (pelo menos) é tal que não precisaria estar incluída num
esquema do tipo que estou construindo: outras máximas operam somente
supondo-se que esta máxima da Qualidade esteja sendo cumprida (p. 88).
O conhecimento dos princípios que regem os atos de fala, bem como a
intenção do falante ao enunciar, faz parte do processo cooperativo. Este é um
procedimento que as pessoas utilizam ao tentarem se comunicar de modo eficiente
(fornecendo informações adequadas ou não, questionando, respondendo e
respeitando regras de comportamento...). É necessário destacar o que Fiorin afirma:
As máximas conversacionais não são um corpo de princípios a ser seguido
na comunicação, mas uma teoria de interpretação dos enunciados. Grice
não ignora a existência dos conflitos na troca verbal. No entanto, mesmo
quando a comunicação é conflituosa, ela opera sobre uma base de
cooperação na interpretação dos enunciados, sem o que o conflito não se
pode dar. Mesmo para divergir, os parceiros da comunicação precisam
interpretar adequadamente os enunciados que cada um produz. Além disso,
a existência das máximas implica sua violação. Por um lado, pode-se violar
uma máxima, para não infringir outra, cujo respeito é mais importante (2004,
p. 178).
Na sequência do seu estudo, Grice (1986) procura estabelecer uma conexão
colocando lado a lado o Princípio Cooperativo, as máximas conversacionais e as
implicaturas conversacionais. Dessa forma, o autor supõe que um indivíduo
participante de um diálogo pode deixar de cumprir uma máxima de várias formas.
Por exemplo: se alguém violar uma máxima poderá provocar equívocos. Um
participante pode se negar a falar, portanto, não coopera e, ainda, pode enfrentar
um conflito. Neste caso, quando um falante deixa de cumprir uma máxima, entram
em cena as implicaturas conversacionais. Mesmo assim, de acordo com a teoria
desenvolvida por Grice, uma máxima está sendo explorada. A partir da exploração
47
das máximas criam-se determinados efeitos de sentido como a ironia e a metáfora
(FIORIN, 2004).
Grice (1986) diferencia dois tipos de implicaturas: as convencionais e as
conversacionais. Esta é determinada pelo contexto e aquela tem o sentido
estabelecido pelo significado convencional das palavras. Grice descreveu as
implicaturas conversacionais como essencialmente acopladas com certas linhas
gerais do discurso. De acordo com o referido autor, os diálogos, pelo menos até
certo ponto, são empenhos cooperativos, e cada partícipe distingue neles, em
alguma medida, uma finalidade comum ou um conjunto de propósitos, ou, no
mínimo, uma direção reciprocamente aceita.
Fiorin certifica que a distinção entre implicaturas convencionais e
conversacionais parece bastante simples. Porém, Grice estabeleceu uma distinção
entre implicaturas conversacionais generalizadas e implicaturas conversacionais
particulares. Aquelas são determinadas por elementos linguísticos enquanto que
estas pelo contexto (2004, p. 177).
A implicatura convencional é provocada apenas por um elemento
linguístico, ela não precisa de elementos contextuais para ser feita,
enquanto a implicatura conversacional, seja ela generalizada ou particular,
apela sempre para as noções de princípio da cooperação e máximas
conversacionais (p. 177).
As implicaturas nos fazem perceber que o reconhecimento das intenções é
extremamente importante na hora da interpretação de um enunciado. Isso exige do
interlocutor não só um conhecimento do sentido literal dos termos, mas também
exige a ativação dos conhecimentos prévios para que seja possível chegar ao
entendimento. Pode-se afirmar que existe um processo de interação que acontece
quando o leitor é capaz de contribuir com o seu conhecimento de mundo. O sentido
literal ou a intenção do autor muitas vezes está implícita. Sendo assim, o leitor só
poderá
compreender
o
texto
se
fizer
uso
dos
seus
conhecimentos
e
simultaneamente estiver realizando inferências.
Armengaud assinala que
A implicatura não tem vínculo nem com os valores de verdade, nem com a
forma linguística. Ela não é nem lógica no sentido estrito, nem linguística. É
discursiva e contextual. Reside naquilo que é “pensado” a partir, ao mesmo
48
tempo, do que é dito e da situação em que é dito, situação que não é a do
falante apenas, mas a situação comum a dois (ou a vários) interlocutores
(2006, p. 88).
É importante ressaltar que as implicaturas convencionais, que são dadas
pela língua, aparecem em número reduzido, enquanto que as implicaturas
conversacionais são extremamente numerosas. E são essas que despertam o
interesse e a curiosidade de Grice. Para ele, a conversação obedece a princípios
gerais que dão origem ao Princípio da Cooperação. [...] “Por ele, o falante leva em
conta sempre, em suas intervenções, o desenrolar da conversa e a direção que ela
toma” (FIORIN, 2004, p. 177).
2.2.3 A teoria dos atos de fala de Austin
A Teoria dos Atos de Fala foi criada por John Austin, na Universidade de
Harvard, EUA, em 1955, publicada no livro intitulado “Quando dizer é fazer”. Nessa
obra, a ideia defendida pelo autor é que dizer é muito mais do que transmitir
informações, é também uma forma de agir no mundo. Uma questão fundamental
inquietava o filósofo: “o que fazemos com as palavras quando falamos?” A sua
principal contribuição foi a ideia de que a linguagem é ação que é realizada através
do dizer e não apenas uma representação da realidade.
A crítica de Austin à semântica formal dá-se na medida em que o teórico
supõe que as afirmações não serviam apenas para descrever ou declarar coisas,
comprovando-as com a realidade (podendo ser verdadeiras ou falsas). Dessa forma,
ele questiona a visão descritiva da língua e tenta mostrar que certas afirmações não
servem para descrever, mas sim para realizar ações. Para o autor, em sua primeira
fase de estudos, existem dois tipos de afirmações que podem ser diferenciadas da
seguinte maneira: as constatativas e as performativas. As primeiras dizem respeito
às declarações que descrevem, representam a realidade e podem ser verdadeiras
ou falsas. E as outras são aquelas afirmações que não descrevem nada, mas ao
dizer realizam alguma ação. E são essas que lhe interessam (FIORIN, 2002).
Austin verifica que certos enunciados na forma afirmativa, na primeira pessoa
do singular do presente do indicativo da voz ativa, apresentam as seguintes
características: 1º) não descrevem nada e, portanto, não são verdadeiros nem
falsos. 2º) ao serem executados/proferidos, correspondem a uma ação. Assim, ao
49
se pronunciar enunciados, tais como “eu afirmo”, “eu peço desculpas”, “eu aposto”,
por exemplo, a finalidade não é a de se fazer declarações falsas ou verdadeiras. Ao
pesquisar essa questão, Austin percebe que certos enunciados são ações, ou seja,
que ao dizer, o indivíduo fazer ao mesmo tempo está realizando uma ação (FIORIN,
2002, p. 170 -173).
O referido autor observa outro fato em relação aos performativos. Além de
serem enunciados, as circunstâncias em que as palavras são ditas devem ser
adequadas. Ele ressalta que um performativo falado inadequadamente não é falso,
mas nulo, ou seja, a intenção não foi alcançada. Por exemplo, quando alguém que
não é o noivo ou a noiva pronuncia um "sim" perante um juiz, isso não significa que
o que foi falado é falso, apenas não teve sucesso porque foi enunciado por uma
pessoa que não tinha permissão para responder (Idem.).
Tendo em vista o funcionamento feliz ou sem falhas de um enunciado
performativo, Austin recomenda alguns critérios que precisam ser satisfeitos para
que
um
enunciado
seja
bem-sucedido,
afinal,
o
sucesso
não
depende
exclusivamente de quem faz uso da linguagem, mas de uma série de fatores. A
estes ele denominou "condições de felicidade”. Para alcançar o seu objetivo, ele
organiza as principais categorias de sucesso de um performativo (FIORIN, 2002):
1) [...] “Determinadas palavras pronunciadas em certos momentos têm por
convenção um determinado efeito”. Logo, as pessoas que irão fazer uso da palavra
devem considerar as situações apropriadas para a realização de um determinado
proferimento. Isso significa que o locutor deve ter autoridade para executar o ato.
Assim, por exemplo, [...] “se um faxineiro (e não o presidente da câmara) diz
“Declaro aberta a sessão”, o performativo não se realiza, porque o faxineiro não tem
autoridade para abrir a sessão”. Consequentemente aquilo que foi pronunciado é
nulo, sem efeito, vazio (FIORIN, 2002, p. 171).
2) A enunciação deve ser efetuada corretamente pelos participantes, caso
contrário, o performativo será nulo. Por exemplo, para realizar um divórcio é preciso
que haja uma execução correta por parte do juiz e dos interessados na separação,
caso contrário o performativo se torna inválido (Idem).
50
3) A enunciação deve ser realizada coerentemente pelos participantes, ou
seja, devem ter a intenção de se conduzirem de maneira adequada. Ambos devem
proceder com o mesmo discurso. Por exemplo: [...] “quando alguém diz ‘aposto dez
reais como vai chover’, para que o ato de apostar tenha sucesso, é preciso que o
outro aceite a aposta, enunciando a aceitação” (FIORIN, 2002, p. 172).
Por outro lado, quando um falante enuncia um performativo de natureza
sentimental sem de fato sentir o que foi expresso, este performativo torna-se vazio,
puramente verbal. Por exemplo, quando alguém diz “meus parabéns”, sem que sinta
nenhuma simpatia pela felicidade do outro, o performativo se realiza, mas o locutor
não adotou o comportamento adequado (Idem).
Quando Austin percebe que os performativos não davam conta de todas as
situações, ele dilui a teoria e passa para a segunda fase dos seus estudos. É aí que
ele apresenta uma nova perspectiva de compreensão da linguagem: que todo ato de
fala é, ao mesmo tempo, locucionário, ilocucionário e perlocucionário. Não se trata
de classificar os atos de linguagem, na verdade são diferentes dimensões que a
linguagem pode adquirir (FIORIN, 2002).
De acordo com o filósofo, ao dizer são realizados três atos: o fonético
(produzir sons, ruídos), o fático (empregar os sons, se expressar) e o rético
(empregamos sentenças que são utilizadas em determinadas situações). Ao
conjunto dessas três ações Austin dá o nome de ato locucionário, é o ato de dizer
algo que possui significado. O segundo ato é o que Austin chama de ilocucionário,
que [...] “é a realização de um ato ao dizer algo, em oposição à realização de um ato
de dizer algo” (AUSTIN, 1990, p. 89). O autor destaca que o ato ilocucionário tem
certa força ao dizer algo. Por exemplo, ao dizer "Que sala abafada!" não houve a
simples intenção de constatar uma situação, mas a de protestar ou advertir para que
alguém abra a porta ou algo semelhante. Existe também um terceiro ato,
denominado de perlocucionário, que acarreta efeito/ações futuras em outro indivíduo
através do pronunciamento feito, influenciando em suas decisões e atitudes.
Na continuação da sua pesquisa, Austin estabelece uma distinção entre os
atos ilocucionários e os perlocucionários. O primeiro realiza a ação pelo simples fato
de enunciar um performativo. Já o segundo depende da interpretação do
51
interlocutor. Para o autor existem especialmente três maneiras/sentidos de distinguir
um ato do outro, que são: a) garantir a apreensão; b) ter um resultado; c) demandar
respostas (AUSTIN, 1990, p.103).
Koch, citando Austin, afirma que é relevante ressaltar que o autor evidencia
que todo ato de fala é, ao mesmo tempo, locucionário, ilocucionário e
perlocucionário, caso contrário não seria um ato de fala. Ao interagir através da
língua profere-se um enunciado dotado de certa força que irá produzir no interlocutor
determinados efeitos, ainda que não aqueles que o locutor tinha em mente (KOCH,
1997).
Apesar disso, Austin não deu conta de separar o locucionário e o
ilocucionário. Por isso, vai falar em força ilocucionária de um ato de fala,
apresentada na última conferência. A força ilocucionária não está associada ao
significado transparente do enunciado, pois ela está inteiramente conectada às
interações sociais que se constituem entre os interlocutores, relações que podem
ser de autoridade, de cooperação, entre outras. A expressão “força ilocucionária”
confere um valor, um atributo especial a uma certa locução e pode ser transformada
em uma ordem, uma pergunta, etc. Pode-se também entender que a força
ilocucional é a dimensão que determinados enunciados assumem. Como, por
exemplo, quando o marido pergunta “Você sabe que horas são?” não significa que
ele quer saber o horário do momento, mas quer que a mulher se apresse para que
eles não cheguem atrasados ao compromisso (FIORIN, 2002).
Para Austin o critério de sentido era estabelecido através do uso das
palavras. A sua ideia central era de que a linguagem adquiria significado através do
contexto, ou seja, através do agir numa determinada situação. Seu principal objetivo
foi de reparar [...] “o abismo aberto pela semântica tradicional, quando foram
separadas linguagem e realidade” (COSTA, 2013, p. 48). No final de suas
investigações ele aceita o caráter intersubjetivo, característica da linguagem
humana, porém não coloca o tema da validade do sentido nessa dimensão
exclusiva, conservando-se refém da objetivação no campo da ação subjetiva.
Habermas, por sua vez, com sua pragmática universal enfatizou essa questão e com
ela surgiu outra demanda, que é a do princípio normativo do pensar e agir humanos
(COSTA, 2013).
52
2.2.4 As contribuições de Wittgenstein para o estudo da linguagem em ação
Wittgenstein (1999) desenvolveu em seu livro “Investigações Filosóficas”, que
corresponde à segunda fase dos seus estudos, uma concepção peculiar sobre a
linguagem. Nesta nova fase de seus estudos, suas ideias se afastaram da
compreensão de que a verdade do enunciado deve ser verificada na experiência do
mundo real, passando a defender a noção de que a linguagem não seria a captura
da realidade, isto é, não seria a representação do objeto, mas sim um jogo, que, por
sua vez, adquire o seu significado no uso social.
Foi, portanto, Wittgenstein que criou o conceito de [...] “jogo de linguagem” (p.
30), que é um dos conceitos fundamentais para a composição de sua teoria. Através
dos jogos de linguagem ele tenta explicar como o significado de uma palavra pode
ser entendido, para o que é necessário considerar o contexto. Com esse ponto de
vista, o filósofo desistiu de fazer da linguagem uma [...] “pintura da realidade”, como
ele mesmo denominou. A linguagem não poderia mais ser entendida por meio de
uma análise lógica, mas a partir de seu uso social. Ele esclarece que não se trata
mais de entender a linguagem como falsa ou verdadeira, mas de saber usá-la
adequadamente, reconhecendo a sua falta de transparência.
Para o referido autor, o significado de um determinado enunciado não deve
ser entendido como algo estático e acabado. Pelo contrário, o significado pode
mudar, dependendo do contexto em que as palavras são utilizadas e da intenção do
locutor. Wittgenstein afirma que [...] “a significação de uma palavra é seu uso na
linguagem” (1999, p. 43). Nesta segunda fase de seus estudos, ele destaca que as
palavras não servem apenas para descrever a realidade, mas servem também para
realizar uma ação. Aqui temos um ponto em comum com a teoria dos atos de fala
desenvolvida por Austin.
O uso da linguagem, para o autor, depende da intenção do enunciador, ou
seja, o contexto irá determinar o significado das palavras usadas. Sendo assim, uma
mesma palavra pode ser empregada várias vezes significando sempre algo
diferente. E é exatamente essa possibilidade de significado diferente, determinado
pelo contexto e pela intenção, que Wittgenstein designa de [...] “jogos de linguagem”.
53
Para Oliveira (1996) o conceito de jogo de linguagem é central na teoria
desenvolvida por Wittgenstein. O referido autor destaca que...
No jogo, o homem age, mas não simplesmente como indivíduo isolado de
acordo com seu próprio arbítrio, e sim de acordo com regras e normas que
ele juntamente com outros indivíduos estabeleceu. Essas regras constituem
um quadro de referência intersubjetivo que, por um lado, determina as
fronteiras das ações possíveis, estabelecidas comunitariamente, e, por
outro, deixa ao indivíduo, dentro dele, o espaço para as iniciativas
(OLIVEIRA, 1996, p. 143).
Wittgenstein pretende mostrar que a linguagem é sempre utilizada em um
contexto específico, no qual ocorre uma interação entre locutor e interlocutor. Dessa
forma, o autor entende que a linguagem é uma forma de comunicação e a
constatação do significado de um enunciado depende da interpretação do
interlocutor e da intenção do uso que o locutor tem em mente, o que envolve os
múltiplos jogos de linguagem.
Quantas espécies de frases existem? Afirmação, pergunta e comando,
talvez? – Há inúmeras de tais espécies: inúmeras espécies diferentes de
emprego daquilo que chamamos de “signo”, “palavras”, “frases”. E essa
pluralidade não é fixa... mas novos tipos de linguagem, novos jogos de
linguagem [...] nascem e outros envelhecem e são esquecidos. O termo
“jogo de linguagem” deve aqui salientar que o falar da linguagem é uma
parte de uma atividade ou de uma forma de vida (WITTGENSTEIN, 1999, p.
35).
Oliveira (1996) atesta que o grande mérito de Wittgenstein está em ter
aberto novas possibilidades para o entendimento da linguagem humana, [...]
“embora sua metodologia o tenha impedido de chegar a uma visão sistemática na
investigação filosófica da linguagem cotidiana” (p. 147).
A segunda fase da filosofia de Wittgenstein significou um passo
fundamental na superação da semântica tradicional, ou seja, do realismo
linguístico. Critério decisivo para a determinação do sentido das expressões
é [...] o próprio “uso” das palavras, seu aparecimento nos diferentes jogos
de linguagem, que são a expressão de diferentes formas de vida. No
entanto, Wittgenstein deixou muitas questões abertas: seu mérito foi abrir
uma perspectiva nova de trabalho. Uma vez descortinado o novo horizonte,
havia muito o que fazer, mesmo na determinação dos pontos centrais de
sua nova imagem da linguagem. Aqui, por exemplo, se trata do novo
“critério de sentido”: o uso. Que significa dizer ser o uso que determina o
sentido das palavras? (OLIVEIRA, 1996, p. 149)
A ideia de que a linguagem é uma ação social e que a partir dela o sujeito
manifesta sua realidade perpassa tanto a teoria de Austin, como a de Grice e a de
Wittgenstein.
54
2.2.5 As contribuições de Habermas para uma compreensão ampliada da
linguagem
Além desses filósofos acima referidos, Habermas, fundamentalmente, se
preocupou em estudar a linguagem. Seu pensamento foi influenciado pela teoria da
pragmática. É relevante ressaltar que a sua importância consiste no fato de ter sido
capaz de identificar pontos inacabados ou mal elaborados nos apontamentos dos
filósofos anteriores e sugerir novos caminhos. Assim, ele propõe a teoria da Ação
Comunicativa que sugere o [...] “entendimento linguístico entre os sujeitos
envolvidos na comunicação que coordenam seus planos de ação sobre a base de
acordos motivados comunicativamente, a partir da negociação de pretensões por
meio do agir comunicativo” (NEITZEL, 2009, p. 27).
A fundamentação do conceito de ação comunicativa [...] implica
necessidade de demonstração do potencial gerador de entendimento da
linguagem. Tal demonstração terá de ser feita na perspectiva de um estudo
da linguagem que considere o contexto interativo em que as expressões
linguísticas se inserem. É por isso que o “agir comunicativo” busca suas
referências nas teorias pragmáticas da linguagem: são elas que analisam as
expressões linguísticas sob o ponto de vista de seu emprego em contexto
comunicativo (BOUFLEUER, 2001, p. 37).
Boufleuer (2001), em seus estudos sobre a teoria da ação comunicativa,
afirma que para a pragmática [...] “a linguagem sempre é vista a partir de sua dupla
estrutura” (p. 37): a parte performativa e a parte proposicional. A primeira estabelece
um tipo de intersubjetividade que estabelece a expressão linguística num
determinado contexto e que anuncia o uso comunicativo da linguagem. Dessa
forma, deixa claro o sentido em que um conteúdo é usado, ou seja, refere-se à
intenção do locutor, bem como a ação que ele está a realizar. Já a segunda permite
a comunicação entre os falantes que fazem o uso cognitivo da linguagem. Assim, é
verbalizado o teor de um enunciado, sobre o qual se busca o entendimento.
Habermas destaca que [...] “um falante, ao comunicar-se com um ouvinte
sobre algo, dá expressão àquilo que ele tem em mente” (apud BOUFLEUER, 2001,
p. 38). Para tanto, conforme Habermas, entram em questão três relações que
envolvem o enunciado: a intenção do locutor, o estabelecimento de um vínculo
interpessoal entre os interlocutores e a enunciação [...] “de algo no mundo” (p. 39).
No segundo capítulo do seu livro “Pensamento pós-metafisico: estudos
filosóficos”, intitulado “Guinada pragmática”, Habermas aborda questões importantes
55
que envolvem a ação e a linguagem. Boufleuer (2001, p. 39), citando Habermas,
afirma que [...] “entender-se com alguém sobre determinada coisa significa alcançar
um consenso sobre esta mesma coisa”. Para tanto se apresentam as pretensões de
validez. Estas compõem o ponto de “convergência do reconhecimento intersubjetivo
por parte de todos os participantes. Elas desempenham um papel pragmático na
dinâmica que perpassa a oferta do ato de fala e a tomada de posição do
destinatário” (HABERMAS, 1990, p. 81).
Para Habermas, [...] “o consenso sobre algo mede-se pelo reconhecimento
intersubjetivo da validade de um proferimento fundamentalmente aberto à crítica” (p.
77). Neste sentido, o entendimento entre dois sujeitos depende do consenso que
estes terão sobre o assunto discutido, uma vez que o consenso é formado
implicitamente pelo reconhecimento recíproco da compreensão do que é dito, da
veracidade do pronunciamento e do desempenho adequado dos interlocutores.
Habermas ressalta que o entendimento ocorre através de um processo que
visa um acordo entre os interlocutores e que este não pode ser imposto por
nenhuma das partes. Nesta perspectiva o autor destaca que um acordo entre os
interlocutores não pode ser imposto nem forçado por uma das partes. [...] “As ações
de fala não podem ser realizadas com dupla intenção de chegar a um acordo com
um destinatário sobre algo e, ao mesmo tempo, produzir algo nele, de modo casual”
(1990, p. 71).
O autor continua
[...] seja através da intervenção direta na situação e ação, seja
indiretamente, através de uma influência calculada sobre os enfoques
proposicionais de um oponente. Aquilo que se obtém visivelmente através
da gratificação ou ameaça, sugestão ou engano, não pode valer
intersubjetivamente como acordo; tal intervenção fere as condições sob as
quais as forças ilocucionárias despertam e geram “contatos” (Idem.).
Habermas (1990) apresenta os atos de fala de Austin e a partir deles elabora
a sua própria teoria, a do agir comunicativo. Os atos locucionários compreendem o
dizer algo, nos atos ilocucionários o falante concretiza uma ação ao dizer algo, como
por exemplo, fazer uma promessa, e através dos atos perlocucionários o falante
busca causar um efeito sobre seu ouvinte. Segundo Habermas, [...] “a força
56
consensual do entendimento linguístico, isto é, as energias de ligação da própria
linguagem, tornam-se efetivas para a coordenação das ações” (p. 71).
Por meio da teoria dos atos de fala de Austin, Habermas procurou mostrar
duas formas de interação: o agir estratégico e o agir comunicativo. Este apresenta
uma força consensual do entrosamento linguístico, isto é, as energias de união da
própria linguagem tornam-se efetivas para a organização das ações, enquanto que
aquele [...] “o efeito de coordenação depende da influência dos atores uns sobre os
outros e sobre a situação da ação” (1990, p. 71).
Para Habermas (1990), o agir comunicativo depende do emprego da
linguagem dirigida ao entendimento, preenchendo condições mais rigorosas. Ele
afirma
que
os
interlocutores
envolvidos
no
diálogo
[...]
“tentam
definir
cooperativamente os seus planos de ação, levando em conta uns aos outros, no
horizonte de um mundo da vida compartilhado e na base de interpretação comuns
da situação” (p. 72). Além disso, o autor destaca que, para atingir os seus objetivos,
os falantes e os ouvintes falam e ouvem alternadamente através de processos de
acordo.
Neste sentido, o agir estratégico se diferencia do agir comunicativo, uma vez
que a organização bem sucedida da ação não está sustentada na racionalidade
teleológica dos planos particulares de ação, mas na força racionalmente motivadora
de ações de entendimento, consequentemente, numa racionalidade que se revela
nas condições solicitadas para um acordo alcançado comunicativamente.
57
III
O
OPERAR
PEDAGÓGICO
NO
MEDIUM
DA
LINGUAGEM:
DESDOBRAMENTOS PARA A EDUCAÇÃO À LUZ DA PRAGMÁTICA
A partir do momento em que a linguagem deixou de ser secundarizada no
âmbito da filosofia, os estudos relacionados a ela permitiram o estabelecimento de
novas correlações entre linguagem e educação, ou seja, novas formas de filosofia
da educação. Os estudos da pragmática proporcionaram uma virada na
compreensão da linguagem, tanto no que diz respeito à produção de sentidos como
na produção de tudo o que é considerado mundo humano. Diante dessa nova
perspectiva, a linguagem não poderia continuar sendo vista como um meio com
condições ideais, impecavelmente transparente, através do qual se pudesse
estabelecer uma relação com o mundo.
De acordo com as concepções de linguagem apresentadas na primeira seção
desta pesquisa, a transparência da linguagem seria nossa segurança de acesso
sem desvirtuamento ao mundo real. Com a mudança de pensamento, percebeu-se
que a tão censurada opacidade da linguagem não era algo inconveniente que
deveria ser evitado, mas sim a qualidade natural e própria da linguagem, em todas
as suas manifestações, resultando disso que longe de ser uma forma de
transmissão, é repleta de artifícios e condutas inesperadas, quase sempre
resistentes ao domínio do seu usuário. Ressalto que a linguagem não é mais um
mero instrumento, [...] “mas um fenômeno poderoso em si, alheio à vontade humana
e, frequentemente, às suas pretensões e intenções conscientes. ‘A linguagem nos
fala’, como sintetizou o filósofo Martin Heidegger” (RAJAGOPALAN, 2010, p. 252).
Tendo em vista esta perspectiva, nesta seção reflito sobre a intransparência
da linguagem, estabelecendo, também, inferências e desdobramentos para o campo
da educação.
3.1 A Subjetividade e a intransparência da linguagem
Como observei na primeira parte desta pesquisa, durante muito tempo a
linguagem foi considerada um instrumento de comunicação, servindo apenas para
descrever e comparar as coisas com a realidade. A subjetividade não era considerada.
58
Com os estudos da Pragmática, esse entendimento foi repensado e, atualmente, se
entende que, ao enunciar uma fala o sujeito não só apresenta os fatos que observa,
mas, principalmente, age no mundo. Dessa forma, entendo que, através da linguagem,
as relações sociais são transformadas e a identidade do sujeito é desenvolvida. Para
que a ação comunicativa adquira significado, o contexto e a subjetividade são
elementos fundamentais para o entendimento dos interlocutores.
Prestes (1996), baseada nas concepções de Habermas, define que a ação
comunicativa refere-se à interação de no mínimo dois sujeitos [...] “capazes de
linguagem e de ação, que estabelecem uma relação interpessoal” (p. 72). Ela
acrescenta que a ação comunicativa pressupõe a linguagem como meio de
entendimento entre os interlocutores, articulando o mundo objetivo, social e subjetivo. A
estes três mundos correspondem as pretensões de validade, requeridos pelos
interlocutores.
Assim sendo, o processo comunicativo articula
O mundo objetivo, a que corresponde à pretensão de que o enunciado seja
verdadeiro. As afirmações sobre fatos e acontecimentos referem-se à
pretensão de verdade.
O mundo social, a que se vinculam as pretensões de que o ato de fala seja
correto em relação ao contexto normativo vigente. Trata-se da pretensão da
justiça.
O mundo subjetivo (a que só o falante tem acesso privilegiado), a que se
vincula a pretensão de veracidade. A intenção expressa pelo falante coincide
com aquilo que ele pensa (PRESTES, 1996, p. 72).
Para Prestes (1996, p. 72), as pretensões de validade possibilitam o
entendimento, pois [...] “se há contestação das mesmas, é possível reiniciar o processo
argumentativo até que o consenso venha a ser obtido”. Nesse processo é possível
identificar críticas e aprender com erros, recuperando o caráter pedagógico da razão. A
referida autora acrescenta que, para que haja entendimento, os sujeitos precisam entrar
num acordo linguístico que satisfaça as condições de uma aceitação. As concepções da
Pragmática Universal, desenvolvida por Habermas, estão fundamentadas na fala e na
competência comunicativa, que [...] “admite haver em nossa linguagem um núcleo
universal e regras básicas que todos dominem” (p. 75).
Sobre a teoria dos atos de fala de Austin, Prestes ressalta que existe uma
diferença entre o conteúdo das proposições e a força ilocucionária. Por exemplo, [...]
59
nas enunciações eu asseguro que p, percebe-se a força ilocucionária (aquela força
decorrente do agente que faz a ação dizendo algo). O interlocutor, além de entender,
estabelece conexões com os fatores extralinguísticos. [...] “Ao usar a linguagem
cotidiana, os homens se põem em relação com o mundo físico, com os demais sujeitos,
com suas intenções e sentimentos” (PRESTES, 1996, p. 75).
O ato de fala inclui uma parte performativa que permite, àquele que o
enuncia, executar, ao mesmo tempo em que fala, a ação a que se refere o
elemento performativo. A fala é também ação e essa relação linguística
transforma-se em razão comunicativa. Na ação comunicativa, o objetivo
fundamental é assegurar o entendimento de todos, esclarecendo os
diversos pontos de vista. O autor destaca que os propósitos ilocucionários
dos atos de fala são obtidos através do reconhecimento intersubjetivo de
pretensões de validade. E a insistência em apoiar a teoria da ação
comunicativa na pragmática formal deve-se ao fato de ela permitir uma
compreensão descentrada do mundo, que supera as patologias da
comunicação (ibidem, p. 76).
Apesar da compreensão acerca da interação linguística ter avançado
consideravelmente nos últimos anos, muito do que se observa na prática
pedagógica ainda está amparado em concepções de linguagem que não privilegiam
a interação, de forma a se obter um acordo bem sucedido entre os sujeitos
envolvidos no ato educativo. A linguagem nos permite ações que podem apresentar
implicações determinantes na vida dos educandos, já que aí a grande questão é se
as nossas ações serão bem sucedidas ou não. Toda forma de linguagem acarreta
consequências, entretanto, nem sempre é possível visualizar antecipadamente os
efeitos decorrentes das ações exercidas de uns sobre os outros. Aqui temos uma
relação com a teoria dos atos de fala. Quando Austin fala em perlocucinário, ele
ressalta que o locutor pode provocar efeito/ações futuras em outra pessoa através
da sua locução, influenciando em seus sentimentos ou pensamentos, embora não
tenha controle sobre essas ações.
Entre o que é dito e o que é interpretado pelo outro não existe apenas uma
simples descrição de fatos. Não podemos descartar o papel primordial estabelecido
pelas inferências no processo de interpretação. Nesse sentido Grice contribuiu com
os seus estudos ao enfatizar que a linguagem informa muito mais do que aquilo que
está expresso num enunciado e que a cooperação entre os sujeitos é essencial para
o sucesso da conversação.
60
Quando pensamos em educação logo nos vem à mente a ideia da existência
de um relacionamento entre seres humanos que através da linguagem buscam
novos conhecimentos e o aperfeiçoamento daqueles já existentes. Sendo assim, a
prática educativa se solidifica no âmbito das interações e, para tanto, o diálogo se
faz essencial. A apreensão do conhecimento só é possível por meio da interação e
da cooperação entre os sujeitos. Através do comprometimento estabelecido entre os
sujeitos envolvidos no processo educativo, temos o processo de formação humana,
que pode ser compreendido como introdução/aprendizagem no mundo humano que
se fundamenta através da linguagem (BOUFLEUER, 2010, p. 137-139).
Primeiramente precisamos desfazer a ideia de que a linguagem possa
constituir um mecanismo de transmissão que permite passagem de algo que esteja
num sujeito para outro. Isso não é possível, pois quando falamos da linguagem todo
efeito de sentido implica interpretação, impossibilitando o que seria uma mera
passagem de um sujeito para outro. Do mesmo modo, qualquer enunciado, seja ele
proferido sob a forma de uma ordem, de um elogio ou de uma ameaça, só produzirá
algum efeito no interlocutor, caso este tenha como interpretá-lo. A linguagem implica
reciprocidade, transformando seu resultado sempre dependente do interlocutor e do
contexto, apto para apresentar elementos à interpretação. A necessidade de
interpretação permite à linguagem uma característica singular: a produtividade. Esta
é de caráter imprevisível, pois possibilita a produção daquilo que é inédito. Assim, ao
final de uma enunciação, na qual os proferimentos são enunciados e interpretados,
ambos resultam transformados, sem que essa mudança tenha sido algo simples
“recebimento” do outro (BOUFLEUER, 2010).
Através da linguagem podemos aprender coisas novas a todo o momento, por
isso nos diferenciamos dos outros animais e a linguagem não pode ser considerada
como um mecanismo de transmissão. A linguagem não pode ser absorvida, nem
repassada como algo que se transpõe de um para o outro. Gadamer destaca que
através da conversação procuramos chegar a um acordo. Nesse processo, faz parte
receber o outro, [...] “deixar valer os seus pontos de vista e pôr-se em seu lugar, e
talvez não no sentido de que se queira entendê-lo como individualidade, mas sim
procurar entender o que diz” (1999, p. 561).
61
No entanto, o fato de utilizarmos as mesmas palavras não significa que
estarmos expressando exatamente os mesmos sentidos. O interlocutor não tem
acesso ao sentido e a experiência prévia que as palavras proporcionaram ao serem
enunciadas pelo locutor. Por isso afirmo que o sentido de um enunciado depende,
principalmente, de seu conteúdo implícito e da capacidade do interlocutor de
interpretar aquilo que não foi dito. Nesse sentido, a intransparência da linguagem
reserva certos sentidos que ficam estabelecidos entre o dito e o não dito. Para
Gudsdorf (1987), o significado de uma palavra não é explícito, por isso, o
conhecimento que ela busca propagar conservar-se inacessível para aquele que a
ouve/lê.
Quando expressarmos linguisticamente as nossas percepções diante dos
outros, estes ativam o seu conhecimento prévio, bem como as suas experiências
para a constituição de um entendimento acerca do que foi enunciado. Ao ouvir o que
foi pronunciado, são desafiados a reconstruírem seus sentidos anteriormente
estabelecidos e a organizarem novas percepções. Essa capacidade de reconstrução
propiciada pela linguagem permite ao homem assumir uma liberdade criadora tanto
por parte de quem profere como por parte de quem ouve ou isso acontece porque,
ao proferir um determinado enunciado, nós observamos a reação do interlocutor, se
está atento ou não. Os sinais emitidos por ele irão direcionar o rumo da
conversação, fortalecendo a aceitabilidade daquilo que concebíamos como um
conhecimento. É assim que se coloca a possibilidade de que algo de novo se
institua. Assim, entendo que a linguagem instiga a reconstrução dos saberes dos
interlocutores, através da qual uns se transformam diante dos outros. E é justamente
pela não transparência, pela opacidade, que a linguagem tem essa capacidade de
criação que a consolida na base de tudo o que ponderamos como humano
(BOUFLEUER, 2010).
3.2 A construção pedagógica do ser humano
Para se inserir no mundo humano, o homem precisa incorporar as
características que o diferenciam das demais espécies. De acordo com Boufleuer
(2006), isso significa que, para se estabelecer como sujeito do tempo atual cada
indivíduo precisa incorporar a experiência histórica da espécie humana através da
aprendizagem. Essa aprendizagem acontece porque existem gerações anteriores já
62
aprenderam, ou seja, ela ocorre como seguimento de uma geração para outra,
apesar de não acontecer sob a forma de simples repetição. Cada geração irá
aprender em perspectiva própria. Essa possibilidade do ser humano aprender se
deve ao desenvolvimento de uma competência pedagógica. E é por isso que se
pode afirmar que o ser humano faz parte de uma espécie que se constitui
pedagogicamente. O homem distingue-se pela capacidade de se expressar pela
linguagem, diferenciando os seus atos das outras espécies, permitindo que ele
atribua significado a suas ações.
Savater (1998) afirma que surgimos para a humanidade, ou seja, não
nascemos prontos como as outras espécies. Nós nos constituímos como humanos
através da convivência com outros humanos. [...] “A condição humana é em parte
espontaneidade natural, mas também deliberação artificial: chegar a ser totalmente
humano – seja humano bom ou mau – é sempre uma arte” (p. 31). A sociedade
humana se constituiu graças à habilidade de aprender que desenvolveu na interação
com os outros. Por conseguir aprender, os indivíduos não apenas se adaptam, mas
interagem, transformando e acrescentando algo. É isso que nos diferencia das
demais espécies, pois estes já [...] “nascem sendo definitivamente o que são, o que
serão irremediavelmente, aconteça o que acontecer” (p. 30).
O aprendizado pedagógico é efetivado na e pela influência de quem veio
antes no tempo e na cultura. Deste modo, a educação tem como função ensinar aos
novos aquilo que foi aprendido por quem veio antes. Savater (1998) destaca que o
homem se torna homem através do aprendizado, mas ele não é apenas um ser que
aprende. Se assim fosse [...] “bastaria aprender a partir de sua própria experiência e
do trato com as coisas. Seria um processo muito longo, que obrigaria cada ser
humano a começar praticamente do zero” (p. 39).
O simples fato do homem
aprender não é o mais incrível da espécie humana, mas o instruir-se com os outros
homens, o ser informado por eles. Por isso o referido autor atesta que ensinar
significa instruir aquele que não conhece.
Neste sentido,
A vida humana consiste em habitar um mundo no qual as coisas, além de
serem o que são, também significam; o mais humano de tudo, porém, é
compreender que, embora o que a realidade é não dependa de nós, o que a
63
realidade significa é, sim, competência, problema e, em certa medida,
opção nossa. E por significado não se deve entender uma qualidade
misteriosa das coisas em si mesmas, mas a forma mental que nós,
humanos, lhes damos para relacionarmos uns com os outros por meio delas
(SAVATER, 1998, p. 41).
Libâneo (2005) afirma que um dos acontecimentos mais significativos dos
processos sociais contemporâneos é a ampliação do conceito de educação e a
diversificação das atividades educativas, levando, por decorrência, a uma
diversificação da atuação pedagógica na sociedade. Nos vários domínios da prática
social, por meio das categorias de educação informais, não-formais e formais, é
expandida a produção e a disseminação de conhecimento e [...] “modos de ação
(conhecimentos, conceitos, habilidades, hábitos, procedimentos, crenças, atitudes),
levando a práticas pedagógicas”(p. 2-3).
O referido autor destaca que aos que se ocupam da educação escolar, das
escolas, da aprendizagem dos alunos, é solicitado que façam escolhas pedagógicas,
ou seja, adotem um posicionamento e que tenham clareza dos seus fins ao
promover a aprendizagem dos sujeitos [...] “inseridos em contextos socioculturais e
institucionais concretos” (LIBÂNEO, 2005, p. 2). De acordo com Libâneo, refletir e
agir no campo da educação, enquanto prática de humanização das pessoas, implica
responsabilidade de dizer não apenas o quê, mas o como fazer. Isto envolve
necessariamente uma tomada de posição pedagógica.
Libâneo (2005, p. 2) explica que
... o que fazemos quando tencionamos educar pessoas é efetivar práticas
pedagógicas que irão constituir sujeitos e identidades. Por sua vez, sujeitos
e identidades se constituem enquanto portadores das dimensões física,
cognitiva, afetiva, social, ética, estética, situados em contextos
socioculturais, históricos e institucionais. Buscar saber como esses
contextos atuam em processos de ensino e aprendizagem de modo a
formar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indivíduos com
base em necessidades sociais, é uma forte razão para o cotejamento entre
o “clássico” da pedagogia e as novas construções teóricas lastreadas no
pensamento “pós-moderno”.
Mas o que entendemos sobre o que denominamos como prática educativa?
Para Libâneo (2005, p. 8), a [...] “educação compreende o conjunto dos processos,
influências, estruturas e ações que intervêm no desenvolvimento humano na sua
relação ativa com o meio natural e social, visando a formação do ser humano”.
Assim, a educação é uma prática humana que modifica os sujeitos nos seus estados
64
físicos, mentais, espirituais, culturais, produzindo uma configuração da vida humana
individual e grupal.
Para adquirir a condição humana o aprendizado com os semelhantes é um
processo necessário, uma vez que a constituição dos sujeitos acontece na
perspectiva de continuidade e de renovação, incentivando o desenvolvimento da
inventividade no ato da aprendizagem. Dessa forma, de acordo com Savater (1998),
a educação desvenda duas características essencialmente humanas. A primeira é o
fato de não sermos únicos, [...] “que a nossa condição implica intercâmbio
significativo com outros parentes simbólicos que confirmam e possibilitam nossa
condição” (p. 48). A segunda, é que não somos iniciadores da nossa ascendência.
Nascemos num mundo em que a marca humana já está registrada e existe uma
tradição histórica da qual fazemos parte e na qual também vamos nos desenvolver.
Diante disso, os responsáveis pela educação devem ensinar às novas
gerações aquilo que é considerado tradição sem impor as suas marcas, mas permitir
com que os novos criem a sua própria realidade, sem abandoná-los. A incumbência
da educação é revelar o caminho já percorrido pelas gerações amadurecidas, isto é,
inserir os mais novos naquilo que compõe o legado histórico e cultural da
humanidade. Dessa forma, a escola tem como papel constituir sujeitos pensantes,
críticos e atuantes, e a aprendizagem passa a ser entendida como um processo
interativo, dinâmico entre sujeito/sujeito e sujeito/conhecimento (SAVATER, 1998, p.
50-55).
3.3 Educação, Linguagem e Interação
A partir das concepções do paradigma da comunicação, entendo que é a
linguagem que constitui as relações humanas e sem ela não é possível haver
entendimento. Dessa forma, o significado e o contexto passam a ser os elementos
centrais da ação comunicativa e precisam ser apreendidos para que o sentido seja
estabelecido. Libâneo (2003, p. 2) destaca que [...] “nesse paradigma, antes da
relação sujeito-objeto, há a linguagem”. Ela é a primeira realidade humana, na qual a
intersubjetividade antecede a relação sujeito-objeto. A apreensão do real se dá pela
relação dialógica, de modo que se compreenda o real na rede das experiências
culturais e subjetivas.
65
Ainda na mesma linha de reflexão, Libâneo (2003, p. 2) argumenta que a
linguagem não é apenas um [...] “sistema que reflete significados, mas constrói
significados”, ou seja, por um lado, existem fatores sociais e culturais que compõem
a linguagem; mas, por outro, os indivíduos estabelecem significados, constituindo
vínculos que caracterizam cada ato comunicativo. Para o referido autor são essas
práticas discursivas que compõem os sujeitos, bem como as suas identidades e os
seus modos de agir. A educação assume uma função ativa de aprendizagem grupal
e da potenciação do alargamento cognitivo, proporcionando, segundo Marques
(1992, p. 560), uma expansão do [...] “horizonte cultural, relacional e expressivo, na
dinâmica das experiências vividas e na totalidade da aprendizagem da humanidade
pelos homens”.
A partir da constituição do paradigma da comunicação e do entendimento
da linguagem como interação, as dúvidas e as incertezas passam a fazer parte do
cotidiano de quem atua na educação, pois os critérios tidos como certos já não
sustentam mais essa nova forma de pensar a educação. No lugar da certeza instalase o questionamento e uma constante avaliação do processo educativo, incluindo a
prática pedagógica do professor. Além disso, os conhecimentos prévios dos alunos
passam a ser considerados, assim como a pluralidade dentro da sala de aula. Neste
paradigma o professor perde o “status” de possuidor do saber. Assim, a escola
assume a função de desenvolver uma educação integral que possibilite ao aluno
inserir-se no mundo, tendo acesso às razões que o sustentam.
Marques (1993, p. 111) destaca que é defendida uma visão pluralista de
educação, na qual as aprendizagens significativas [...] “são as que se orientam para
novas competências comunicativas nos campos da cultura, da vida em sociedade e
da expressão das personalidades libertas de qualquer amarra”. Dessa forma, o
diálogo é fundamental para que a aprendizagem aconteça. O aluno aprende através
da interação, o professor, por sua vez, deixa de usar métodos prontos e passa a
fazer a ponte entre o conhecimento e o educando, facilitando a aprendizagem. Além
disso, todo o esforço do aluno é valorizado e o erro não é mais visto como um vilão.
Dessa forma, o saber contribui para a formação de um cidadão crítico, reflexivo e,
principalmente, ativo.
66
O diálogo supõe um encontro entre iguais, porém a educação não é uma
relação entre iguais. Aqui entra a questão da subjetividade no encontro pedagógico.
No diálogo cada interlocutor tem o direito de expor o seu ponto de vista, no entanto
quando se trata de educação, professor e aluno não desempenham o mesmo papel.
Um (professor) tem a função de mostrar ao outro (aluno) o caminho que já foi
percorrido histórica e culturalmente. A dinâmica dialógica faz-se necessária e se
instaura no processo pedagógico. No entanto, o objetivo da aprendizagem só será
atingido através do empenho do educando em superar as suas limitações e ao
aprender formular as suas próprias concepções acerca do mundo (BOUFLEUER,
2006).
O uso da palavra adequada na hora certa é postulado pedagógico
fundamental, embora não se possa incorrer na ilusão de que, pelo fato de
usarem as mesmas palavras, estejam todos operando com os mesmos
conceitos, quer dizer, com a explicitação dos mesmos sistemas de relações
percebidas. Somente a prática continuada da mesma linguagem em
situações diferenciadas permite um consenso mais efetivo ou o
entendimento comum sobre o sistema de relações conceituais empregado
(MARQUES, 1992, p. 77-78).
De acordo com Marques (1992), a sala de aula deve ser entendida como um
espaço de encontro [...] “para as relações educativas do face a face e, sobretudo, do
ouvido a ouvido” (p. 562), superando a fragmentação dos saberes. Para que isso
seja possível, é importante destacar que, conforme Benveniste (1991), o sujeito se
constitui na e pela linguagem e a partir do seu uso ele é capaz de interagir na
sociedade.
Na sociedade a convivência entre os homens só é possível através da
linguagem. Gadamer (2011) destaca que
É somente pela capacidade de se comunicar que unicamente os homens
podem pensar o comum, isto é, conceitos comuns e, sobretudo aqueles
conceitos comuns, pelos quais se torna possível a convivência humana sem
assassinatos e homicídios, na forma de uma vida social, de uma
constituição política, de uma convivência social articulada na divisão do
trabalho. Isso tudo está contido no simples enunciado: o homem é um ser
dotado de linguagem (p. 174).
Benveniste afirma que entender a linguagem como instrumento é uma noção
simplista que deve nos encher de desconfiança, pois a [...] “linguagem está na
natureza do homem, que não a fabricou” (1991, p. 285). O referido autor também
atesta que não percebemos nunca o homem afastado da linguagem e não o vemos
67
nunca inventando-a. Assim, [...] “é um homem falando que encontramos no mundo,
um homem falando com outro homem, e a linguagem ensina a própria definição do
homem” (Idem.).
Benveniste (1991) destaca que a natureza imaterial da linguagem, o seu
funcionamento figurado, a sua disposição articulada e o fato de que tem um
conteúdo, já são suficientes para desconfiar dessa comparação da linguagem a um
instrumento, que tende a desagregar do homem a propriedade da linguagem. O
referido autor trata o conceito de subjetividade como a habilidade do locutor de se
propor como sujeito. Essa capacidade é definida [...] “não pelo sentimento que cada
um experimenta de ser ele mesmo (esse sentimento na medida em que podemos
experimentá-lo não é mais que um reflexo)” (p. 286), porém como a integração
psíquica que extrapola a totalidade das experiências vividas que agrupa e que
garante a conservação da consciência. Essa [...] “subjetividade não é mais que a
emergência no ser de uma propriedade fundamental da linguagem. É “ego” que diz
ego” (Idem).
Para Benveniste, a consciência de si mesmo só é plausível se sentida por
contraste. Ele afirma que eu não pronuncio eu a não ser conduzindo-me a alguém,
que será na minha alocução um tu.
Essa condição de diálogo é que é constitutiva da pessoa, pois implica em
reciprocidade - que eu me torne tu na alocução daquele que por sua vez se
designa como eu. A linguagem só é possível porque cada locutor se
apresenta como sujeito, remetendo a ele mesmo como eu no seu discurso.
Por isso, eu propõe outra pessoa, aquela que, embora sendo exterior a
mim, torna-se o meu eco – ao qual digo tu e que me diz tu (BENVENISTE,
1991, p. 287).
Para Benveniste (1991, p. 287), [...] “a polaridade das pessoas é na
linguagem a condição fundamental, cujo processo de comunicação é uma
consequência totalmente pragmática”. Polaridade única em si mesma e que
proporciona um tipo de contraste no qual não se localiza o equivalente em lugar
nenhum fora da linguagem. No entanto, essa polaridade não significa igualdade nem
simetria. O autor atesta que
[...] ego tem sempre uma posição de transcendência quanto a tu, apesar
disso nenhum dos dois termos concebe sem o outro, são complementares,
mas segundo uma oposição “interior/exterior” e ao mesmo tempo são
68
reversíveis. Procure-se um paralelo para isso, não se encontrará nenhum.
Única é a condição do homem na linguagem (Idem.).
Gadamer4 (1999) entende a linguagem como medium do conhecimento
hermenêutico. Dessa forma, ele atesta que quanto mais legítima uma conversação,
[...] “menos ela se encontra sob a direção da vontade de um dos interlocutores” (p.
559). O resultado de uma conversação ninguém pode saber antecipadamente, pois
o seu sucesso ou o seu fracasso depende do acordo entre os interlocutores.
De fato, a conversação autêntica não é nunca aquela que teríamos querido
levar. Antes, em geral, seria até mais correto dizer que chegamos a uma
conversação, quando não nos enredamos nela. Como uma palavra puxa a
outra, como a conversação dá voltas pra cá e para lá, encontra seu curso e
seu desenlace, tudo isso pode ter talvez alguma espécie de direção, mas
nela os dialogantes são menos os que dirigem do que os que são dirigidos.
O que “sairá” de uma conversação ninguém pode saber por antecipação. O
acordo ou o seu fracasso é como um acontecimento que tem lugar em nós
mesmos [...] a conversação tem seu próprio espírito e a linguagem que nela
discorre leva consigo sua própria verdade, isto é “revela” ou deixa aparecer
algo que desde este momento é (GADAMER, 1999, p. 559).
De acordo com o referido autor, o interlocutor não tem total controle sobre a
conversação, pois ela assume sua própria direção. Para Gadamer, ao invés dos
interlocutores dirigirem a conversação eles é que são os dirigidos por ela. Entendese que o diálogo é um processo, no qual os interlocutores estão dispostos a entrar
em acordo, ou seja, proporcionar um ambiente favorável para que haja a acolhida
daquilo que inicialmente lhe é estranho.
Quando Gadamer (2011) aborda a questão do homem e a linguagem, ele
atesta que [...] “é de Aristóteles a definição clássica do homem como ser vivo que
possui logos” (p. 173). Dessa forma, na tradição ocidental o homem é entendido
como o ser que se distingue dos outros pela sua capacidade de pensar. Afirma que
a palavra grega logos foi traduzida como razão ou pensar, no entanto, ela significa,
principalmente, linguagem. O homem é o único ser que pode falar e pensar. Isso
significa que podemos tornar visível, através da fala, algo ausente de tal maneira
que até um outro possa vê-lo.
4
Ressalto que há diferenças no modo de conceber a linguagem por parte de Habermas e de
Gadamer. Habermas está mais preocupado em perceber como, mediante o uso da linguagem, os
sujeitos expressam um modo de agir passível de ser avaliado em termos de racionalidade. Já
Gadamer está mais interessado em compreender como sujeitos humanos constituem a si e a seu
mundo pela linguagem.
69
Assim como Benveniste (1991), Gadamer (2011) também afirma que a [...]
“linguagem não é nenhum instrumento, nenhuma ferramenta” (p. 176). Se a
linguagem fosse um instrumento, seríamos capazes de dominá-la, isso significa que
lançaríamos mão e nos desfaríamos dela assim que tivesse ela prestado o seu
serviço. No entanto, isso não acontece quando pronunciamos as palavras, pois [...]
“jamais nos encontramos como consciência diante do mundo para um estado
desprovido
de
linguagem”
(Idem.).
O
autor
continua
afirmando
que,
ininterruptamente, já fomos tomados pela nossa própria linguagem. Na verdade já
estamos tão acostumados e implantados na linguagem assim como estamos no
mundo. De acordo com Gadamer (2011), a linguagem nos faz conhecer as coisas
que estão a nossa volta. No entanto, não é possível dispor dela como se fosse um
instrumento passível de dominação.
Neste sentido, insinuar uma semelhança entre a linguagem e um instrumento
seria um equívoco, pois não podemos controlar o seu uso e nem nos desfazer dela
quando não precisamos mais dos seus atributos. O acesso que temos ao
conhecimento e a nós mesmos só é possível pela própria linguagem. Nosso
pensamento reside na linguagem, fora dela não existe a possibilidade de
pensamento. Assim sendo, é impossível pensar a linguagem fora dela mesma,
considerando-a como um objeto, uma vez que o pensamento é inexistente sem a
linguagem. Nesse sentido, reitero que a linguagem não é um instrumento, mas o
espaço no qual existimos desde o princípio como seres vivos e que conserva
acessível o todo no qual permanecemos (GADAMER, 2011).
Gadamer (2011) apresenta três aspectos que ele considera serem próprias da
linguagem, a saber: 1) o esquecimento essencial de si mesmo que advém à
linguagem; 2) ausência de um eu e 3) universalidade da linguagem.
O autor atesta que [...] “a linguagem viva não tem consciência de sua própria
estrutura, gramática, sintaxe, etc., portanto, de tudo aquilo que a ciência da
linguagem tematiza” (2011, p. 179). No momento em que a escola moderna introduz
a gramática e a sintaxe em sua própria língua materna em lugar de introduzi-la numa
língua morta como o latim, ocorre uma das transgressões típicas do natural. Exigese de todos um imenso esforço de [...] “abstração para tomar consciência expressa
da gramática do idioma que se domina enquanto língua materna” (Idem.).
70
A segunda característica essencial do ser da linguagem descrito por Gadamer
(2011) é a ausência de um eu. Ele afirma que [...] “quem fala uma língua que
ninguém mais compreende simplesmente não fala. Falar significa falar a alguém”. A
palavra para ter significado precisa ir ao encontro de alguém. Contudo, isso não
denota apenas que a coisa mencionada nessa palavra apresente-se diante de mim,
mas que se expõe também àquele a quem eu falo. Nesse sentido, o falar não
pertence ao domínio do eu, mas do nós.
Incorporado a isso aparece a terceira característica: a universalidade da
linguagem. Ela não se constitui num campo fechado do que pode ser dito ao lado de
outros campos do indizível, mas ela é “oniabrangente”. Já que o simples ter em
mente já se alude a algo, não há coisa nenhuma que se tire fundamentalmente à
possibilidade de ser dito. A probabilidade de proferir prossegue sem [...] “deter-se
por causa da universalidade da razão”. Toda conversação possui, portanto, uma
infinitude interna e não termina jamais. A conversa é interrompida, [...] “seja porque
os interlocutores consideram já ter dito o suficiente, seja por não terem mais nada a
dizer. Toda interrupção desse diálogo guarda, por sua vez, uma referência interna à
retomada do diálogo” (p. 180).
Além desses três aspectos da linguagem, Gadamer (2001) também destaca
que
Um enunciado só consegue tornar-se compreensível quando no dito
compreende-se também o não dito. Uma pergunta da qual não sabemos a
motivação não pode ser respondida. Pois é só a história da motivação da
pergunta que abre o âmbito a partir do qual pode-se procurar e dar uma
resposta. Assim, tanto no perguntar quanto no responder dá-se um diálogo
infinito em cujo espaço se dão palavra e resposta. Tudo o que é dito
encontra-se nesse espaço (p. 181).
O referido autor conclui que a linguagem é o núcleo do ser humano, [...]
“quando considerada no âmbito que só ela consegue preencher: a convivência
humana, do entendimento, do consenso crescente, tão indispensável à vida humana
como o ar que respiramos” (p. 182).
Libâneo destaca que o paradigma da linguagem abre perspectivas para uma
posição de reafirmação da razão crítica, sem cair nas armadilhas da descrença pósmoderna. [...] “Não é mais uma razão mentalista, programada, autossuficiente, mas
71
uma razão comunicativa baseada na relação compartilhada entre sujeitos,
linguisticamente mediatizada” (LIBÂNEO, 2003, p. 3). Nesta proposta, os
interlocutores envolvidos num processo comunicativo fundamentam suas relações
na argumentação, visando o entendimento em torno de três contextos: o mundo
objetivo das coisas, o mundo social das normas, o mundo das vivências e emoções.
[...] “A racionalidade é alcançada não em função da busca da verdade objetiva, mas
em busca de um processo argumentativo pelo qual se chega a um consenso não
imposto de fora, mas acordado pelos protagonistas de uma situação comunicativa”
(Idem.).
É relevante ressaltar que a principal dificuldade que enfrenta quem atua no
campo da educação é a de que não há uma receita mágica para a solução dos
problemas que surgem no decorrer do processo de ensino aprendizagem. Os
conflitos precisam ser resolvidos por meio da linguagem. Temos a tendência de
aceitá-la como um fato resolvido, com o qual estamos acostumados desde a
infância, num uso prático e automático. Fazemos uso constante dela e não paramos
para analisar os efeitos de sentidos provocados por esse uso e de que forma isso
afeta ou não o educando.
Neste sentido, entendo, e volto a afirmar, que linguagem e educação estão
intimamente relacionadas e ao repensarmos as concepções acerca de uma,
consequentemente estaremos repensando a outra. No entanto, estamos habituados
a uma série de ideias tidas como absolutas e nos despojarmos de toda sorte de
preconceitos não é uma tarefa simples, mas é necessária e compensadora. Ressalto
que é preciso um esforço singular para que se possa olhar a partir de uma nova
ótica as coisas tidas como triviais.
3.4 O sujeito e as ações linguísticas
Uma vez reconhecido o papel fundamental e a importância que a linguagem
ocupa no desenvolvimento dos sujeitos, entendo que [...] “ela é condição sine qua
non na apreensão de conceitos que permitem aos sujeitos compreender o mundo e
nele agir” (GERALDI, 2003, p. 5), que ela é uma forma de encontros, desencontros e
confronto de argumentos e de que é por ela que estes argumentos se tornam
72
públicos. Assim, a interlocução é o espaço privilegiado de produção de linguagem e
da constituição de sujeitos.
Para Geraldi (2003), pensar o processo educativo pela ótica da linguagem
exige instaurá-lo sobre a particularidade dos sujeitos em ininterrupta construção e
sobre a incerteza da própria temporalidade. Neste sentido, a disponibilidade para a
mudança é essencial, pois é preciso focar a interação verbal como espaço da
produção da linguagem e dos sujeitos. Se constituir como sujeito nesta ótica
significa admitir a interação e esta não acontece fora de um contexto social. Geraldi
(2003, p. 6, 7) afirma que as interações não são inocentes, mas são [...] “produtivas
e históricas que acontecem no interior e nos limites do social, constroem por sua vez
limites novos”. Quanto ao sujeito ele destaca que
[...] é social já que a linguagem não é o trabalho de um artesão, mas
trabalho social e histórico seu e dos outros e é para os outros e com os
outros que ela se constitui. Também não há um sujeito dado, pronto, que
entra na interação, mas um sujeito se contemplando e se construindo nas
suas falas (GERALDI, 2003, p. 6).
O autor afirma que o [...] “acontecimento interlocutivo” não ocorre
acidentalmente, mas é no [...] “acontecimento que se localizam as fontes
fundamentais produtoras da linguagem, dos sujeitos e do próprio universo
discursivo” (GERALDI, 2003, p. 7). O autor acrescenta que nos processos
interlocutivos ocorrem três ações: aquela que o sujeito faz com a linguagem, aquela
que o sujeito faz sobre a linguagem e no [...] “agenciamento de recursos expressivos
e na produção de sistemas de referências pode-se dizer que há uma ação da
linguagem” (Ibidem, p. 16).
Entendo que para exercer a sua profissão competentemente o professor
precisa não só dominar a linguagem, mas principalmente entender como o seu uso
afeta as relações dos sujeitos envolvidos no processo educativo e, ainda, refletir
sobre o seu papel de mediador para poder ensinar de fato, já que a linguagem não é
transparente e permite que o aluno atribua diversos significados àquilo que é dito
e/ou lido em sala de aula. O sentido de uma determinada palavra varia de acordo
com as vivências e do conhecimento prévio do interlocutor. Por isso, é necessário
ter em mente que quando alguém enuncia uma determinada frase, este possui uma
intenção e, para que esta seja entendida, é preciso compreender que a linguagem
73
informa muito mais do que aquilo que está realmente expresso em um enunciado,
pois quando se enuncia, comunica-se também conteúdos implícitos.
A responsabilidade da escola é de introduzir os indivíduos em um
relacionamento reflexivo com o saber historicamente produzido e sistematizado,
oportunizando o acesso à tradição. Dessa forma, o processo educativo é mediado
pelo diálogo que possibilita a reflexão e ao mesmo tempo contribui para o
fortalecimento das relações pedagógicas.
Quando Benveniste (1991) afirma que a condição do diálogo é constitutiva da
pessoa, implicando em reciprocidade, entendo que se faz necessário, além de estar
frente a frente com o outro, uma disposição de estar aberto para refletir sobre os
saberes do outro e construir os seus próprios saberes. Nesse sentido, a polaridade
das pessoas implica que ambas possuem conhecimento e o confronto de saberes
requer que os sujeitos do ato comunicativo estejam dispostos a participar do
processo sem impor as suas verdades, mas dispostos a ouvir e a dialogar com o
outro, esperando a sua vez na interlocução. Sendo assim, a interação nas relações
pedagógicas impede que o processo educativo se torne meramente instrumental.
O ato de educar, quando entendido no âmbito da interação, pode provocar
mudanças significativas tanto na prática dos educadores como na aprendizagem dos
alunos. Para tanto, precisamos entender que existe uma diferença fundamental
entre informação e conhecimento. A primeira pode ser encontrada em acervos de
bibliotecas e na internet. Oferecer ou simplesmente transmitir informações não pode
ser o foco da escola. Embora a escola trabalhe com informações, o resultado deve
ser o conhecimento. E este só pode ser encontrado em sujeitos que desenvolvem o
seu saber fundamentalmente em um ponto de vista próprio (BOUFLEUER, 2006b).
A construção do conhecimento ocorre quando são estabelecidos processos
de significação, que acontecem através da percepção da relevância dos
denominados conteúdos curriculares, sem abandonar o entendimento das razões
que confirmam sua suposta validade como elementos da cultura humana, dignos de
serem conhecidos. Para que esse objetivo seja alcançado, o educando precisa estar
engajado e disposto a participar do ato comunicativo que se estabelece no processo
de ensino aprendizagem. Caso contrário, a intenção do professor em ensinar será
74
frustrada. Isso significa que o professor não opera instrumentalmente alguma coisa
no educando, com o intuito de imprimir ou de afeiçoar o caráter do educando,
independentemente da percepção de sentidos adquiridos por ele (Idem.).
O aluno precisa cooperar e aqui ressalto, mais uma vez, as contribuições de
Grice (1986) que estabeleceu que quando os interlocutores interagem eles não
produzem apenas enunciados organizados gramaticalmente e de forma ocasional,
mas possuem intenções, as quais são governadas por regras implícitas que
conduzem a comunicação. Nesta perspectiva deve ser observado o princípio geral
que determina que a contribuição conversacional deve ser feita tal qual foi requerida,
no instante em que ocorreu, pelo propósito [...] “ou direção do intercâmbio
conversacional em que você está engajado” (GRICE, 1986, p. 86).
Boufleuer destaca que a aprendizagem em da sala de aula requer o
estabelecimento de uma dinâmica dialógica. Mesmo com o educador assumindo a
função de expor e sistematizar dados e informações ou de fazer uma leitura
introdutória e particularizada de um determinado campo de saber, a finalidade da
aprendizagem só será obtida mediante o comprometimento do aluno sob a forma de
um engajamento a partir de seus conhecimentos prévios. Para o educador, que se
coloca nessa perspectiva de real superação da relação sujeito-objeto isso sugere a
necessidade de análise da atitude do outro, a consideração dos seus limites e das
suas falhas, de tal forma que a experiência educacional se estabeleça em
experiência de autoeducação (BOUFLEUER, 2006b).
Aqui faço um paralelo com a noção de jogo de linguagem apresentada por
Wittgenstein. Para que o sentido seja garantido é necessário considerar o contexto.
A linguagem passa a ser explicada a partir do seu uso social. Wittgenstein contribui
com a noção de que é preciso reconhecer a falta de transparência da linguagem. O
uso da linguagem depende do contexto, o qual determina o significado das palavras
usadas, já que um mesmo termo pode ser empregado várias vezes significando
sempre algo diferente. E é exatamente essa possibilidade de significado diferente,
determinado pelo contexto e pela intenção, que Wittgenstein designa de “jogos de
linguagem”.
No jogo, o indivíduo age de acordo com regras e normas que ele
estabeleceu juntamente com demais interlocutores. Essas regras definem as
75
fronteiras das ações admissíveis, estabelecidas coletivamente, e, ao mesmo tempo,
deixa espaço para as iniciativas do locutor.
Nesse sentido, o conhecimento é visto como uma rede de relações e por meio
desta o professor auxilia o aluno a ligar as informações estudadas com a sua
realidade ou experiência. É importante ressaltar que esse conhecimento só adquire
significado quando possibilita entender que ao mesmo tempo em que o sujeito
transforma, ele também é transformado pelo saber. Diante dessa concepção de
interação, faz-se necessário um olhar mais atento no que se refere à metodologia
usada pelo professor e de como o aluno aprende. Nessa nova perspectiva, o
professor não opera com conceitos preestabelecidos, mas constrói com os alunos,
em entendimento mútuo, um determinado conceito. [...] “Não se trata de chegar a
soluções dadas às questões, mas de inventar, em cada situação e por cada
comunidade de sujeitos os conceitos com que irão operar sobre os temas que
analisam” (MARQUES, 1992, p. 561).
Mas como o professor pode tornar possível essa mediação? Como o
educador pode configurar o seu trabalho se a sua tarefa não é mais transmitir
conhecimentos nem de agir instrumentalmente sobre o educando? Tendo em vista
que a ação educativa é restrita, o importante é levar em conta o “possível” modo de
educar. Essa maneira apresenta-se como uma qualidade de “testemunhar”.
Testemunho é algo que se oferece sem que se tenha um domínio sobre seu efeito
no outro. Algo semelhante acontece no processo educativo, no qual o efeito da
aprendizagem não pode ser controlado pelo outro, uma vez que aprender sugere
uma percepção de sentidos só prováveis quando elaborados originalmente
(BOUFLEUER, 2006b).
Savater (1998) afirma que o ensino implica em um duelo entre vontades. Ele
destaca que [...] “nenhuma criança quer aprender aquilo que lhe dê trabalho para
assimilar e que lhe roube o tempo precioso que ela deseja dedicar a seus
brinquedos” (p. 107). O conhecimento só é possível de ser alcançado pela
interposição do outro, através das suas manifestações favoráveis ou não, do seu
engajamento
e
interesse
na
conversação.
Quando
estamos
interagindo,
constituímos uma abertura para a aquisição do conhecimento e é através do outro,
conforme as suas colocações, que somos estimulados na direção da ampliação do
76
saber, que é buscada através de novas aprendizagens. Assim, cabe ao professor
mostrar ao aluno a importância de conhecer os conteúdos relacionados à tradição,
mesmo que este, inicialmente, se mostre resistente à aprendizagem.
O mundo humano resulta dos conhecimentos produzidos pela aprendizagem.
Este mundo é composto de padrões sempre passíveis de transformação no que se
alude às relações dos sujeitos entre si e no que se refere ao jeito de ser e de se
expressar das pessoas. Devido a essa capacidade transformadora o homem se
institui como indivíduo de cultura, isto é, capaz de concretizar intervenções no meio
em que vive. A sociedade se constitui em função disso, tornando-se capaz de
estabelecer com os demais sujeitos as regras para suas interações (BOUFLEUER,
2010).
O testemunho oferecido pelo professor consiste em expor a sua experiência
de como organizou as suas percepções acerca da realidade e de como obteve
habilidades, competências e associou atitudes, revelando como ele mesmo
desenvolveu a capacidade de estudar. Essa revelação terá um cunho pedagógico,
sempre com a intenção de estabelecer vínculos entre a realidade vivida com as suas
experiências anteriores e os sentidos já previamente colocados. Dessa forma, para
ensinar o educador deve ter aprendido primeiro, já que não se pode dar depoimento
daquilo que não foi vivenciado. Isso não causa impacto e se torna enfadonho. É
nesse sentido que se propõe a pesquisa como princípio educativo. Ensinar, nessa
ótica, é quando o professor apresenta o teor da sua pesquisa e aprendizagem. Não
necessariamente um texto escrito, mas um delineamento através de um conjunto de
dinâmicas enriquecidas através da interação em sala de aula, em que o próprio
professor se mostra disposto a aprender mais (BOUFLEUER, 2006b).
Neste sentido, o desafio educacional é entender que atuar na educação é dar
testemunho da sua própria aprendizagem. Ninguém pode dar aquilo que não tem.
Como despertar nos alunos o gosto pela aprendizagem se o próprio professor não
se sente estimulado a conhecer? Está na hora de repensarmos o nosso agir
pedagógico e entender que, querendo ou não, somos formadores de opinião e que
mesmo sem falar podemos encantar ou desencantar os nossos alunos quando se
trata de aprender. Por mais que tentemos “enganar” os nossos alunos em relação ao
conhecimento, as nossas atitudes sempre vão falar mais alto do que as nossas
77
palavras. Assim, ao dar o seu testemunho o professor não tem mais o controle sobre
seus efeitos junto aos interlocutores. É isso que acontece de alguma forma na ação
pedagógica, em que os resultados da aprendizagem não são controláveis
externamente pelo docente. Dessa forma, entende-se que não conseguimos
aprender "de" alguém, mas certamente podemos aprender "por causa" de alguém.
Trata-se, no entanto, de cumplicidade em aprender (BOUFLEUER, 2006, p. 10).
A escola é desafiada a proporcionar um ambiente estimulante para a
aprendizagem. A busca contínua pelo saber é a razão da existência da escola.
Destaco que o aprender continuamente não significa abandonar o que se aprendeu
antes. Pelo contrário, toda constituição de conhecimento se sustenta em percepções
anteriores. Por isso a aprendizagem não começa sempre do zero, mas é uma
inclusão de etapas anteriores, mesmo que sob a forma de crítica ou de revisão
(Idem).
Marques (1992) atesta que [...] “a aprendizagem é construção coletiva
assumida por grupos específicos na dinâmica mais ampla da sociedade, que, por
sua vez, se constrói a partir das aprendizagens individuais e grupais” (p. 561). Numa
educação voltada para as aprendizagens relevantes e essenciais, a aprendizagem
coletiva da humanidade pelos homens se torna [...] “pressuposto fundante do quê
aprender, do quando e do como” (Idem). Neste sentido, não apenas se ensinam ou
aprendem coisas, ao invés disso são formadas relações em entendimento recíproco
e expressas em conceitos, que são constituições históricas, isto é, nunca produzidas
de vez, mas sempre resgatadas por indivíduos em interação e movidos por
interesses objetivos no mundo em que convivem. Em vez do professor atuar com
conceitos prontos e que só precisariam ser reproduzidos nos e pelos alunos, são
criados entendimentos comuns. [...] “Não se trata de chegar a soluções dadas às
questões/aos problemas, mas de inventar, em cada situação e por cada comunidade
de sujeitos, os conceitos com que irão operar sobre os temas que analisam” (Idem.).
O sentido é estabelecido através da inserção no contexto, sem esquecer que
as ideias estão impregnadas pelas marcas de quem as pensou. Da mesma forma,
Gudsdorf salienta que [...] “uma ideia carrega a marca de quem a pensou; seu
sentido se estabelece pela sua inserção no contexto mental, indissoluvelmente
ligado à totalidade da vida” (1987, p. 9). Seria ingenuidade pensar que pelo fato de
78
usarem as mesmas palavras todos estejam operando com os mesmos conceitos,
estabelecendo as mesmas relações de sentido. A aprendizagem significativa não se
baseia em atividades mecânicas ou em avaliações padronizadas, mas na abertura e
na direção para novas competências comunicativas no âmbito da cultura, da vida em
sociedade e da demonstração das personalidades soltas de qualquer amarra.
Esta concepção do processo de construção do conhecimento é o processo
básico da sistematização do saber escolar, em que nada se começa da
estaca zero, mas tudo se liga às aquisições anteriores e se projeta na
dinamização de novos avanços, ou na construção de conceitos mais
abrangentes, ao mesmo tempo, mais articulados em interdependência com
outros conceitos em conexão viva no seio das teorias (MARQUES, 1992, p.
563).
Portanto, quando estamos falando com alguém não descrevemos o mundo
que nos cerca, mas agimos e muitas vezes até alteramos um possível resultado
através da intervenção ativa na circunstância enfrentada. No contexto da sala de
aula, por exemplo, ao dizermos "você é capaz", "parabéns pelo seu desempenho",
"convido você para refletir", “seu trabalho ficou bom, mas poderia melhorar em tais
aspectos” ou "seu trabalho ficou excelente"... não estamos descrevendo nada, mas
estamos agindo e interferindo na formação do nosso aluno. Nesse sentido, podemos
despertar nele a vontade de continuar aprendendo ou desmotivá-lo, dependendo da
forma como falamos. Ao interagirmos praticamos ações que, provavelmente, não
aconteceriam antes do nosso falar (GERALDI, 2005).
Entendo que a linguagem constitui o ser humano e por isso mesmo ela se
relaciona com a educação, constituindo o conhecimento de tal forma que é capaz de
formar homens mais conscientes das suas responsabilidades como cidadãos. Da
mesma forma a educação humanizadora considera a interação como eixo norteador
das suas práticas pedagógicas.
79
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das concepções expostas ressalto que não devemos condenar, nem
desprezar o que foi feito pelas gerações anteriores, já que cada etapa contribuiu, de
alguma forma, para que a educação escolar fosse constituída. Recentemente, os
estudos e as pesquisas com relação à linguagem avançaram e, aos poucos, estão
renovando a forma de pensar e de agir dos educadores. Logo, acredito que os
paradigmas e as concepções de linguagem aqui apresentadas coexistem no
contexto da prática de uso da linguagem e do ensino, sem que um se sobreponha
ao outro. Assim, vislumbrou-se que a interação linguística ampara a noção de que a
linguagem é primordial nas relações sociais e para a efetivação do processo
educativo.
Tendo em vista a reflexão apresentada até aqui, cabe retomar a questão que
norteou esta investigação: que concepções a linguagem adquiriu ao longo do tempo
e como isso influenciou o desenvolvimento da educação? Para tanto, acredito que
existe uma relação entre os paradigmas do conhecimento e as concepções de
linguagem. Assim como o operar da razão não foi entendido da mesma forma ao
longo dos tempos, a concepção de linguagem também nem sempre foi a mesma.
Dessa forma, procurei estabelecer uma relação entre os paradigmas do
conhecimento e de que forma a educação é afetada pelas diferentes concepções
acerca da linguagem. Deste modo, refleti sobre a importância que a linguagem
assume no âmbito da educação, visualizando o professor como mediador da ação
comunicativa.
Ao entender o modo de operar da razão na constituição do mundo humano
percebi melhor o processo de ensinar e aprender. Da mesma forma, se torna
imprescindível compreender que a linguagem faz parte desse processo. Deste modo
entendi que buscar mudanças, “quebrar” paradigmas ou simplesmente reproduzi-los
é uma questão de escolha metodológica.
Atualmente acompanhar a velocidade da informação, seja de cunho científico
ou tecnológico, ou até mesmo para atender ao “perfil” de professor cobrado pela
sociedade, é uma tarefa que demanda muita energia e empenho. E para não
80
sucumbir diante das exigências, é preciso mais do que nunca estar atento a sua
prática pedagógica, ou como afirmava Marques (1992), citando Edgar Morin, diante
dos desafios contemporâneos, é preciso não apenas aprender ou reaprender, mas
[...] “sim reorganizar o nosso sistema mental para reaprender a aprender” (p. 548).
Assim, torna-se fundamental tematizar quais são os desafios enfrentados por nós
docentes desta nova geração e de que forma essa reflexão pode auxiliar a nossa
prática pedagógica em sala de aula.
Neste sentido, precisamos estar aptos para lidar com situações inusitadas,
que muitas vezes fogem do currículo oficial e tem de resolver situações-problemas
com base no diálogo, pois fora do âmbito da linguagem não há entendimento e nem
aprendizagem. Embora a nossa profissão esteja desvalorizada, quem sabe até
desacreditada, precisamos retomar as rédeas e reconstruir uma nova imagem do
que é ser professor. Não aquele que simplesmente transmite informações
desconectadas da realidade, mas aquele que instrui o aluno a seguir pelo caminho
da aprendizagem através do seu próprio exemplo.
Ouve-se muito falar que o educador tem que ser pai, mãe, psicólogo,
advogado, juiz, ou seja, é obrigado a desempenhar vários papéis sem muitas vezes
estar preparado para isso. E nessa confusão de identidade e emaranhado de tarefas
acaba-se esquecendo do principal: levar o aluno a conhecer a produção intelectual
que originou a tradição para que ele possa, no seu devido tempo, dar continuidade à
história da humanidade e reconstruí-la.
Nesta perspectiva, o desafio educacional é entender [...] “a docência como
testemunho da sua própria aprendizagem”, no qual o docente expressa não só pela
linguagem verbal, mas, principalmente pela linguagem não verbal o seu gosto em
aprender sempre coisas novas. Mesmo sem falar podemos encantar ou desencantar
os nossos alunos quando se trata de aprender. Assim, o [...] “testemunho é aquilo
que “se dá” sem se ter o controle sobre seus efeitos junto aos interlocutores. É isso
que ocorre de alguma forma no ato pedagógico, em que o efeito da aprendizagem
não é controlável externamente pelo docente” (BOUFLEUER, 2006, p. 10). Além
disso, precisamos refutar as visões simplistas acerca da aprendizagem. Ao contrário
do que se divulga por aí, aprender não é fácil. Nem sempre é possível aliar o prazer,
o lúdico com o complexo processo que envolve o ensino e a aprendizagem na sala
81
de aula. Quando é possível combinar esses dois elementos devemos fazê-lo com
toda segurança, mas é importante que o educando entenda que nem sempre o
estudo de um determinado conteúdo será prazeroso a curto prazo, porém a longo
prazo este conhecimento será necessário para a sua formação intelectual. A função
do educador é manter-se firme mostrando ao aluno a importância de se dedicar a
aprendizagens que este ainda não entende como imprescindíveis ou necessários
(FENSTERSEIFER e BOUFLEUER, 2011).
Neste sentido, faz-se necessário entender que a disciplina é indispensável.
Entende-se aqui a disciplina não só no sentido de impor limites, mas, principalmente
no âmbito intelectual. Mas, afinal, o que é disciplina? Será que os nossos alunos
entendem o significado dessa palavra e a sua importância na vida escolar? Existe
uma queixa constante no meio educacional, principalmente no ensino básico, de que
os alunos não param quietos, que são bagunceiros e indisciplinados. Não são
poucos os professores estressados e com laudos médicos atestando os mais
variados problemas de saúde em decorrência do desgaste emocional provocado
pela tensão nas relações pedagógicas. Mas este quadro caótico não será o
resultado de uma falha de comunicação? A disciplina deve ser aprendida e, para
tanto, se faz necessário ensiná-la seja por palavras ou ações. Tanto a disciplina
comportamental como a intelectual são necessárias para que a aprendizagem
aconteça.
Nessa ótica, ser professor é uma grande responsabilidade. Os desafios são
muitos, mas o que seria da vida sem o combustível da provocação? Quando alguém
decide ser professor precisa ter em mente que a sala de aula não é um mar de
rosas. As dificuldades estão presentes e podem ser superadas, basta olhar além
delas. Diante dos desafios temos duas opções: ou ficamos nos lamentando, ou
encaramos e aproveitamos as oportunidades, tidas como desprezíveis, para crescer.
Assim, entendo que o educador que está o tempo todo buscando aprimorar a sua
própria aprendizagem e que tem uma disciplina interiorizada será capaz de
incentivar os seus alunos a se aventurarem a aprender.
82
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