PROCESSO N° 35959-PM INTERESSADO: FRANCISCO CANINDÉ DE PAIVA ASSUNTO: APOSENTADORIA EMENTA: Questionamento sobre a legalidade do Decreto n.° 5.262, de 17.01.70, que dispôs sobre o auxílio moradia da Polícia Militar, criado pela Lei n.° 3.775, de 12.11.69, alterada pela de n.° 6.689, de 06.09.94. Natureza do regulamento: Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, ou se afasta dos limites que esta lhe traça, comete ilegalidade e não inconstitucionalidade, pelo que não se sujeita, quer no controle concentrado, quer no controle difuso, à jurisdição constitucional (RE 189.550SP, STF/2.ª T., RTJ 166/611; RE 154.027-SP, STF/2.ª T., RTJ 166/58). Assim, a discussão sobre se o regulamento excede ou não os limites legais não tem natureza constitucional, pois o que se analisa é estritamente a sua validade diante da lei regulamentada. Função interpretativa do regulamento. A interpretação extensiva ou ampliativa. Segundo REIS FRIEDE: A interpretação extensiva dá-se quando há um desequilíbrio entre a mens legis e a verba legis, em benefício da primeira. No ensinamento de CARLOS MAXIMILIANO: Nas palavras não está a lei e, sim, o arcabouço que envolve o espírito, o princípio nuclear, todo o conteúdo da norma. O legislador declara apenas um caso especial; porém a idéia básica deve ser aplicada, na íntegra, em todas as hipóteses que na mesma cabem. O art. 76 da Lei n.º 3.775/69 (que foi alterado pela Lei nº 6.689/94 no que se refere ao valor da vantagem) prevê que terá direito ao auxílio moradia o policial-militar que não resida em próprio estadual ou não possua imóvel residencial. Se o militar reside em próprio estadual ou possui imóvel residencial, obviamente não faz jus à gratificação, pois o fato de não pagar aluguel descaracteriza a necessidade do auxílio moradia (dentro do presumido critério que embasou a criação do benefício) e, portanto, deixa de preencher a precondição legalmente estipulada. A situação do policial-militar que adquiriu o imóvel pelo sistema financeiro de habitação (criado pela Lei federal n.º 4.380, de 21.08.64) e terá de manter a sua casa hipotecada até o pagamento final do empréstimo. Características da hipoteca como direito real de garantia. Por entender que o bem adquirido sob o regime do sistema financeiro de habitação (com obrigação mensal de pagamento do empréstimo, sob pena de o imóvel adquirido e gravado com hipoteca responder pela dívida) se assemelhava, em seus pressupostos fáticoadministrativos, à hipótese em que o policial-militar não tinha casa própria, o Poder Executivo expediu, em 1970, o Decreto n.º 5.262. Poderia fazê-lo? Adotando a modalidade de interpretação extensiva, é possível extrair do enunciado do art. 76 da Lei n.º 3.775/69 um princípio suscetível de aplicação à hipótese de que trata o § 2.º do art. 77 do Decreto n.º 5.262/70. A idéia básica contida no art. 76 da Lei n.º 3.775/69 (a concessão de uma vantagem financeira destinada a garantir condições adequadas de residência ao policial- militar) deve ser aplicada, na íntegra, a todas as hipóteses idênticas ou assemelhadas. E, sem dúvida, a hipótese disciplinada no § 2.º do art. 77 do Decreto n.º 5.262/70 (aquisição da casa própria mediante empréstimo contraído segundo as normas específicas do sistema financeiro de habitação, dentre as quais a vinculação do imóvel à garantia hipotecária) contém-se dentro do princípio estatuído no art. 76 da Lei n.º 3.775/69 (concessão de auxílio para o policial-militar fazer face ao pagamento de suas despesas de moradia). Além disso, deve-se levar em consideração que o Decreto n.º 5.262 é de 1970. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais sufragou, em decisão de agosto de 1999, a tese de que a estabilidade e a certeza das relações jurídicas foram consagradas pelo ordenamento jurídico, que as qualificou como ponto fundamental, seja do regime jurídico privado, seja do regime jurídico público. De fácil percepção, pois, a interferência de um tal princípio na anulação de ofício dos atos administrativos ilegais. Se tais atos, pela presunção abstrata de nocividade, tivessem sempre, em qualquer circunstância, de ser anulados pela administração, sem considerações sobre a sua repercussão na vida coletiva, chegar-se-ia muito provavelmente ao extremo de retirar dos indivíduos aquele mínimo de tranqüilidade real, indispensável à sobrevivência do próprio ordenamento jurídico. Essa tese encontra respaldo no posicionamento assumido por CAIO TÁCITO em parecer sobre Acumulação de Proventos. Direito Adquirido., constante de seu livro Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres) Rio de Janeiro, Renovar, 1997, 2.º vol., págs. 1513 a 1521, especificamente nas págs. 1519 e 1520. O auxílio moradia é uma gratificação tipicamente pessoal, instituída por lei para contemplar fato ou situação pessoal concernente ao policial-militar. Tanto assim que o próprio art. 76 da Lei n.º 3.775/69, alterada pela de n.º 6.689/ 94, refere-se a policial-militar, simplesmente, sem qualquer especificação quanto à função exercida, ao tempo de serviço ou às condições de trabalho. Resulta, portanto, suficiente analisar se subsiste o fato ou a situação que gera a concessão do benefício para aferir do direito ou não ao gozo da vantagem. Desta forma, se, mesmo na inatividade, o policial-militar não reside em próprio estadual, não possui imóvel residencial ou não realizou o resgate total do financiamento obtido para aquisição da casa própria, subsiste o fato ou situação que gera o direito à percepção do auxílio moradia. A contrário senso, se o policial-militar, a qualquer tempo, na atividade ou na inatividade, adquirir casa própria ou promover o resgate total do financiamento, deve cessar, ipso facto, o pagamento da vantagem. O segundo questionamento suscitado, neste Processo, diz respeito ao adicional de inatividade, criado pela alínea b do inciso I do § 2.º do art. 52 da Lei n.º 4.630, de 15.12.76 mas que somente começou a ser concedido com o advento da Lei n.º 5.544, de 30.12.86, responsável pela fixação do valor do referido adicional. No Parecer n.º F-09, emitido em 30 de agosto de 1991 e publicado no DOE de 4 de setembro do mesmo ano, o Prof. RAIMUNDO NONATO FERNANDES, quando no exercício do cargo de Consultor-Geral do Estado, manifestou o entendimento de que o adicional de inatividade, pago a policiais-militares pela transferência para o reserva remunerada ou reforma, não se confunde com a gratificação adicional por tempo de serviço, porque seu fundamento é a mudança de situação funcional, ao passo que o dos qüinqüenios é o próprio tempo de serviço, enquanto o servidor se encontra na atividade. A Emenda Constitucional n.º 18, de 5 de fevereiro de 1998, em seu art. 2.º, que deu nova redação ao § 1.º do art. 42 da Constituição Federal, abstém-se de impor, desde logo, aos militares dos Estados, o disposto no § 2.º do art. 40 da mesma Constituição (com a redação da Emenda Constitucional n.º 20, de 15 de dezembro de 1998). Isso significa que os militares estaduais podem perceber na inatividade mais do que percebem em atividade. O que mudou, em termos de ordenamento jurídico, do Parecer n.º F-09 para hoje? Um aspecto, apenas. O inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal proibia que os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público fossem computados ou acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores, sob o mesmo título e idêntico fundamento. A Emenda Constitucional n.º 19, de 05.06.98, alterou essa norma da Lei Maior, tornandoa mais restritiva: atualmente, os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não podem ser computados nem acumulados, em nenhuma hipótese, para efeito de concessões posteriores. Esse dispositivo constitucional é aplicável aos militares estaduais por força do que prescreve o art. 42, combinado com o art. 142, § 3.º, inciso VIII, da Constituição Federal (com as alterações da EC n.º 18/98). O art. 2.º da Lei n.º 5.544, de 30.12.86, prevê que o adicional de inatividade é calculado mensalmente sobre os respectivos proventos. Pode, no entanto, esse adicional incidir apenas sobre determinada parcela dos proventos? A Lei n.º 4.630, de 16.12.76, que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares do Estado (alterada pelas Leis ns. 5.042, de 03.07.81, 5.209, de 26.08.83 e 6.053, de 18.12.90), enseja que se possa admitir essa hipótese. O § 2.º do art. 52 dessa Lei, ao ocupar-se do que ela denomina de remuneração dos policiais militares em inatividade, estabelece que os policiais-militares em inatividade percebem remuneração, constituída pelas seguintes parcelas: 1. Mensalmente: a) proventos, compreendendo soldo ou quotas do soldo, gratificações e indenizações incorporáveis. O próprio texto legal, desta forma, especifica qual a composição dos proventos: soldo ou quotas do soldo, gratificações e indenizações incorporáveis. Se há, legalmente, essa decomposição dos elementos que integram os proventos, então é possível calcular o adicional de inatividade apenas sobre a parcela dos proventos correspondente ao soldo. Por que se deve proceder dessa forma? Porque é inadmissível, face ao disposto no inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal, a partir da vigência da EC n.º 19, de 05.06.98, calcular o adicional de inatividade sobre outros acréscimos pecuniários. Sendo assim, a interpretação da regra do art. 2.º da Lei n.º 5.544, de 30.12.86, que determina o cálculo do adicional de inatividade sobre os respectivos proventos, deve ser feita em harmonia com o prescrito no inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal, o qual proíbe a computação ou acumulação de acréscimos pecuniários percebidos por servidor público (...) para fins de concessão de acréscimos ulteriores. Daí resulta que o adicional de inatividade somente poderá incidir sobre a parcela dos proventos correspondente ao soldo, que está expressamente previsto e identificado como parcela integrante dos proventos na alínea a, item 1, do § 2.º do art. 52 da Lei n.º 4.630, de 16.12.76. Conclusões pela total improcedência da argüição de ilegalidade do § 2.º do art. 77 do Decreto n.º 5.262, de 17.01.70 (relativo ao auxílio moradia) e, também, pelo reconhecimento da plena vigência da alínea b do inciso I do § 2.º do art. 52 da Lei n.º 4.630, de 15.12.76 e a Lei n.º 5.544, de 30.12.86 (que dispõem sobre o adicional de inatividade), com a ressalva, no tocante à segunda conclusão, constante do itens 31 e 32 deste Parecer. PARECER N.º I - 21 1. A Consultoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado emitiu o Parecer n.º 032/ 2000, no Processo n.º 01804/99-TC (cujo número original é 0152/99-DIR/FIN), apreciando a legalidade da inclusão do auxílio moradia nos proventos, bem como do adicional de inatividade sobre o soldo e vantagens (25%) incidirem efeito cascata sobre as demais vantagens (fl. 49 do referido Processo). 2. De início, é apreciada a legalidade do auxílio moradia. O ex-Consultor-Geral do TCE, autor do mencionado Parecer, CARLOS THOMPSON COSTA FERNANDES, manifesta o entendimento de que o Decreto n.º 5.262, de 17.01.70 (ou seja, de trinta anos atrás), ampliou indevidamente o alcance da Lei n.º 3.775, de 12.11.69, alterada, por sua vez, pela Lei n.º 6.689, de 06.09. 94. 3. O art. 76 da Lei n.º 3.775/69 estabelecia: Art. 76. O Oficial, o Aspirante a Oficial, o Subtenente e o Sargento quando casados, que não residam em próprio estadual e não possuam imóveis residenciais, terão direito ao auxílio para moradia, que lhes será mensalmente atribuído e correspondente a 10% (dez por cento) do soldo do posto ou graduação efetivos. 4. Com a nova redação dada pelo art. 1.º da Lei n.º 6.689/94, esse dispositivo passou a vigorar com o seguinte teor: Art. 76. O policial-militar que não resida em próprio estadual ou não possua imóvel residencial terá direito ao auxílio moradia, que lhe será mensalmente atribuído e corresponde a 30% (trinta por cento) do soldo do posto ou graduação efetivos. 5. Por sua vez, o § 2.º (o preceito malsinado) do art. 77 do Decreto n.º 5.262/70 estatui: Art. 77..................................................................................................... ........................................................................................................................... § 2.° Fará jus ao mesmo auxílio o militar que tenha adquirido ou venha a adquirir imóvel para sua residência, mediante financiamento por estabelecimento de crédito oficial ou fiscalizado pelo Governo, até o resgate total do financiamento. 6. O argumento em que intenta basear-se o ex-Consultor-Geral do TCE para considerar inválido o 2.º acima transcrito é de que: Enquanto, inicialmente, a Lei n.° 3.775, de 12 de novembro de 1969 e, posteriormente, a Lei Estadual n.° 6.689 de 06 de setembro de 1994 tinha como premissa a sua concessão àqueles que não residiam em próprio do Estado ou não possuíam imóveis para esse fim, a regra regulamentar excedeu-a para estender o benefício àqueles que adquiriram ou irão adquirir imóvel para fins de usufruí-lo como residência, desde que para tanto hajam assumido financiamento junto a entidade de crédito do Governo ou por ele fiscalizada, e até o seu resgate total. Esse aumento do campo de incidência de lei formal mediante a edição de decreto governamental não encontra respaldo no sistema jurídicoconstitucional brasileiro. A doutrina e os Tribunais pátrios são unânimes em desconhecer a subsistência no Brasil dos cognominados regulamentos autônomos hipótese em que se enquadraria o regulamento ora examinado (fl. 51). 7. O argumento de que, em tese, o regulamento não pode exceder os limites legais é conhecido e acolhido na doutrina e jurisprudência nacionais. Resta, apenas, analisar a sua adequação e pertinência ao presente caso. É bem de ver que o possível conflito ou, mesmo, dissonância, entre lei e regulamento, não podem ser questionados sob ângulo constitucional e sim exclusivamente sob a ótica da própria lei regulamentada, para que se caracterize ou não uma pretensa ilegalidade. É essa a orientação consagrada pelo Supremo Tribunal Federal: Se o regulamento vai além do conteúdo da lei, ou se afasta dos limites que esta lhe traça, comete ilegalidade e não inconstitucionalidade, pelo que não se sujeita, quer no controle concentrado, quer no controle difuso, à jurisdição constitucional (RE 189.550-SP, STF/2.ª T., RTJ 166/611; RE 154.027-SP, STF/2.ª T., RTJ 166/58). Constituição Federal Interpretada pelo STF, 5.ª edição, São Paulo, 2000, ed. Juarez de Oliveira, organizada por ANTONIO JOAQUIM FERREIRA CUSTÓDIO, pág. 122). 8. Citando PONTES DE MIRANDA, destaca CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO que não pode o regulamento limitar, ou ampliar direitos, deveres, pretensões, obrigações ou exceções à proibição, salvo se estão implícitas (Curso de Direito Administrativo, 12.ª ed., 2.ª tiragem, São Paulo, Malheiros, pág. 307; grifos acrescidos). Anota CELSO ANTÔNIO: Em diferentes conceituações ou comentos sobre o regulamento, para aclarar-lhe a compreensão, costuma-se dizer que os regulamentos executivos destinam-se a explicitar o conteúdo da lei, às vezes menciona-se que interpretam a lei, ou diz-se que existem para explicá-la, e em outras tantas averba-se ser sua função a de desenvolver ou pormenorizar o texto regulamentando (ob. cit., pág. 313). 9. O mesmo doutrinador, em tópico subseqüente: O regulamento tem cabida quando a lei pressupõe, para sua execução, a instauração de relações entre a Administração e os administrados cuja disciplina comporta uma certa discricionariedade administrativa (ob. cit., pág. 313; g. a.). Especifica CELSO ANTÔNIO duas hipóteses em que se justifica a edição de regulamento. A primeira delas diz respeito à necessidade de um regramento procedimental para regência da conduta que órgãos e agentes administrativos deverão observar e fazer observar para cumprimento da lei (pág. 313). Depois: Uma segunda hipótese ocorre quando a dicção legal, em sua generalidade e abstração, comporta, por ocasião da passagem deste plano para o plano concreto e específico dos múltiplos atos individuais a serem praticados para aplicar a lei, intelecções mais ou menos latas, mais ou menos compreensivas. Por força disto, ante a mesma regra legal e perante situações idênticas, órgãos e agentes poderiam adotar medidas diversas, isto é, não coincidentes entre si. (ob. cit., pág. 314; g. a.). 10. Uma importante função do regulamento é, sem dúvida, a de interpretar a lei. Nas palavras de CELSO ANTÔNIO: «ainda é mais evidente sua função interpretativa, que será, no que a isto concerne, exclusivamente interpretativa, cumprindo meramente a função de explicitar o que consta da norma legal ou explicar didaticamente seus termos, de modo a facilitar a execução da lei, expressões, estas, encontráveis, habitualmente, nos conceitos doutrinários correntes sobre regulamento» (ob. cit., págs. 317 e 318). Segundo HELY LOPES MEIRELLES, «só lhe cabe explicitar a lei, dentro dos limites por ela traçados. Na omissão da lei, o regulamento supre a lacuna, até que o legislador complete os claros da legislação. Enquanto não o fizer, vige o regulamento, desde que não invada matéria reservada à lei» (Direito Administrativo Brasileiro, 26.ª ed., São Paulo, Malheiros, pág. 121, g. a.). 11. R. LIMONGI FRANÇA, em obra clássica na bibliografia jurídica nacional, ensina: Uma terceira variedade de interpretação pública tem sido olvidada pelos doutrinadores, a saber, a administrativa, realizada por órgãos do Poder Público que não são detentores do Poder Legislativo nem do Judiciário. Por sua vez, a interpretação administrativa pode ser: a) regulamentar; ou b) casuística. Regulamentar, a que se destina ao traçado de normas gerais como a grande massa dos decretos, portarias etc., em relação a certas prescrições das leis ordinárias. Casuística, a que se orienta no sentido de esclarecer dúvidas especiais, de caráter controversial ou não, que surgem quando da aplicação, por parte dos aludidos órgãos, das normas gerais aos casos concretos. (Hermenêutica Jurídica, São Paulo, 7.ª ed., Saraiva, 1999, pág. 7). 12. Temos, assim, que, através do regulamento, o Poder Executivo exerce a função interpretativa da lei. Ora, a hermenêutica, tradicionalmente, classifica a interpretação quanto a seus possíveis efeitos. Com base nessa classificação, a interpretação dividese em declarativa, extensiva e restritiva. Interessa-nos, para aplicação neste caso, apenas a interpretação extensiva, ampliativa ou lata. Na definição de R. LIMONGI FRANÇA: Extensiva, também chamada ampliativa, diz-se a interpretação segundo a qual a fórmula legal é menos ampla do que a mens legislatoris deduzida. Mas não apenas isto. Com a devida vênia dos autores que assim a conceituam, temos para nós ser extensiva também aquela que, tendo deduzido a mens legislatoris dentro de limites moderados e cientificamente plausíveis, adapta essa intenção do fautor da norma às novas exigências da realidade social. (ob. cit., pág. 12). Ou, de acordo com a conceituação de REIS FRIEDE: A interpretação extensiva dá-se quando há um desequilíbrio entre a mens legis e a verba legis, em benefício da primeira. Ou seja, o legislador acabou por dizer menos do que era desejado e, dessa forma, necessariamente devemos interpretar o dispositivo de maneira a estender o seu alcance. (Ciência do Direito, Norma, Interpretação e Hermenêutica Jurídica, 2ª ed., São Paulo, 1999, Forense, 2000, pág. 145). CHRISTIANO JOSÉ DE ANDRADE delimita de forma precisa e sintética a natureza desse tipo de interpretação: A interpretação extensiva é uma ampliação do sentido porque o texto diz menos do que pretendia (lex minus dixit quam voluit lex minus scripsit, plus voluit). Neste caso, o sentido ultrapassa o texto, indo além da letra da lei (O problema dos Métodos da Interpretação Jurídica, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1992, pág. 118). A abordagem de TERCIO SAMPAIO FERRAZ JR. é das mais completas e atuais, em termos de ciência jurídica: Trata-se de um modo de interpretar que amplia o sentido da norma para além do contido na sua letra. Isto significa que o intérprete toma a mensagem codificada num código forte e a decodifica conforme um código fraco. Argumenta-se, não obstante, que deste modo estará respeitada a ratio legis, pois o legislador (obviamente o legislador racional) não poderia deixar de prever casos que, aparentemente, por um interpretação meramente especificadora, não seriam alcançados (Introdução ao Estudo do Direito (técnica, decisão, dominação), São Paulo, Atlas, 1991, pág. 269). Surpreendente como se preservou o ensinamento de CARLOS MAXIMILIANO: Nas palavras não está a lei e, sim, o arcabouço que envolve o espírito, o princípio nuclear, todo o conteúdo da norma. O legislador declara apenas um caso especial; porém a idéia básica deve ser aplicada, na íntegra, em todas as hipóteses que na mesma cabem. Para alcançar este objetivo, dilata-se o sentido ordinário dos termos adotados pelo legislador; também se induz de disposições particulares um princípio amplo (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 17ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1998, pág. 199). 13. Ora, o art. 76 da Lei n.º 3.775/69 (que foi alterado pela Lei nº 6.689/94 basicamente no que se refere ao valor da vantagem) prevê que terá direito ao auxílio moradia o policial-militar que não resida em próprio estadual ou não possua imóvel residencial. A intenção da lei (mens legis) é nitidamente a de assegurar ao policial-militar as condições para uma residência condígna. Se o militar reside em próprio estadual ou possui imóvel residencial, obviamente não faz jus à gratificação, pois o fato de não pagar aluguel descaracteriza a necessidade do auxílio moradia (dentro do presumido critério que embasou a criação do benefício) e, portanto, deixa de preencher a precondição legalmente estipulada. Qual a situação, no entanto, do policial-militar que adquiriu o imóvel pelo sistema financeiro de habitação (criado pela Lei federal n.º 4.380, de 21.08.64) e terá de manter a sua casa hipotecada até o pagamento final do empréstimo (o Decreto-lei n.º 70, de 21.11.66, dispõe, em seu art. 9.º, sobre a cédula hipotecária)? A hipoteca, como direito real de garantia, gera dois efeitos básicos, como assinala CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA: Dos efeitos da hipoteca no que diz respeito à relação jurídica em si mesma dois merecem ser especialmente salientados: a preferência e a seqüela. A preferência é o direito reconhecido ao credor de se pagar prioritariamente, sem se sujeitar a concursos ou rateio. A seqüela, como o próprio vocábulo indica, é a particularidade de seguir a coisa onde quer que se encontre, própria dos direitos reais em geral. Se o imóvel é transferido, inter vivos ou causa mortis, pode o credor perseguí-lo em poder do adquirente, e sem dependência de ressalva especial (Instituições de Direito Civil, vol. IV, 2.ª ed., Rio de Janeiro, Forense, págs. 269 e 270) 14. MARIA HELENA DINIZ estabelece o conceito didático de hipoteca: A hipoteca é um direito real de garantia de natureza civil, que grava coisa imóvel ou bem que a lei entende por hipotecável, pertencente ao devedor ou a terceiro, sem transmissão de posse ao credor, conferindo a este o direito de promover a sua venda judicial, pagando-se, preferentemente, se inadimplente o devedor (Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 2.ª edição, São Paulo, Saraiva, 1996, vol. 5, págs. 169). Detalhando esse conceito, enumera a referida doutrinadora os seguintes caracteres jurídicos da hipoteca: 1) É direito real de garantia, pois vincula imediatamente o bem gravado, que fica sujeito à solução do débito, sendo, ainda, oponível erga omnes, gerando para o credor hipotecário o direito de seqüela e a excussão da coisa onerada, para se pagar, preferencialmente, com sua venda judicial. 2) Possui natureza civil, embora haja autores, como Carnelutti, que a consideram um instituto processual. (...) 3) É um negócio jurídico civil que requer a presença de dois sujeitos: o ativo, que é o credor hipotecário, cujo crédito está garantido por hipoteca, e o passivo, que é o devedor hipotecante, que dá o bem como garantia do pagamento da dívida. 4) O objeto gravado deve ser da propriedade do devedor ou de terceiro, que dá imóvel seu para garantir a obrigação contraída pelo devedor. 5) Exige que o devedor hipotecante continue na posse do imóvel onerado, que exerce sobre ele todos os seus direitos, podendo, inclusive, perceberlhe os frutos. Só vem a perder sua posse por ocasião da excussão hipotecária, se deixou de cumprir sua obrigação. 6) É indivisível, no sentido de que o ônus real grava o bem em sua totalidade; enquanto não se liquidar a obrigação, a hipoteca subsiste, por inteiro, sobre a totalidade da coisa onerada, ainda que haja pagamento parcial do débito. (...) 7) É acessório de uma dívida, cujo pagamento pretende garantir. É, como diz Lafayette, um direito real criado para assegurar a eficácia de um direito pessoal. De modo que, se se extinguir, anular ou resolver a obrigação principal, desaparecerá o ônus real (ob. cit., págs. 169 e 170). 15. Por entender que o bem adquirido sob o regime do sistema financeiro de habitação (com obrigação mensal de pagamento do empréstimo, sob pena de o imóvel adquirido e gravado com hipoteca responder pela dívida) se assemelhava, em seus pressupostos fático-administrativos, à hipótese em que o policial-militar não tinha casa própria, o Poder Executivo expediu, em 1970, o Decreto n.º 5.262. Poderia fazê-lo, nos termos em que o fez? Entendo que sim, pois, adotando a modalidade de interpretação extensiva, é possível extrair do enunciado do art. 76 da Lei n.º 3.775/69 um princípio suscetível de aplicação à hipótese de que trata o § 2.º do art. 77 do Decreto n.º 5.262/ 70, desde que no mencionado dispositivo legal (art. 76), como diria CARLOS MAXIMILIANO, o legislador declara apenas um caso especial; porém a idéia básica deve ser aplicada, na íntegra, em todas as hipóteses que na mesma cabem. Para alcançar este objetivo, dilata-se o sentido ordinário dos termos adotados pelo legislador (...) (ob. cit., pág. 199). A idéia básica contida no art. 76 da Lei n.º 3.775/69 (a concessão de uma vantagem financeira destinada a garantir condições adequadas de residência ao policial-militar) deve ser aplicada, na íntegra, a todas as hipóteses idênticas ou assemelhadas. E, sem dúvida, a hipótese disciplinada no § 2.º do art. 77 do Decreto n.º 5.262/70 (aquisição da casa própria mediante empréstimo contraído segundo as normas específicas do sistema financeiro de habitação, dentre as quais a vinculação do imóvel à garantia hipotecária) contém-se dentro do princípio estatuído no art. 76 da Lei n.º 3.775/69 (concessão de auxílio para o policial-militar fazer face ao pagamento de suas despesas de moradia). 16. Além disso, leve-se em consideração que o Decreto n.º 5.262 é de 1970. Apreciando situação correlata, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais sufragou, em decisão de agosto de 1999, a seguinte tese: Revogação de Atos Administrativos Poder não-absoluto - Respeito aos Direitos Adquiridos Considerações. EmbInfr. n.° 130.913/7.00 na ApCv n.° 88.716-6 - Embargante: Olegário Silva Araújo Embargada: Câmara Municipal de Ipatinga Relator: Des. José Antonio Baía Borges. Terceira Câmara Cível. Pode-se, portanto, adiantar que, de parelha com a sua relevância teórica, de resto rigorosamente afinada com a utilidade do direito, a estabilidade e a certeza das relações jurídicas foram consagradas pelo ordenamento jurídico, que as qualificou como ponto fundamental, seja do regime jurídico privado, seja do regime jurídico público. De fácil percepção, pois, a interferência de um tal princípio na anulação de ofício dos atos administrativos ilegais. Se tais atos, pela presunção abstrata de nocividade, tivessem sempre, em qualquer circunstância, de ser anulados pela administração, sem considerações sobre a sua repercussão na vida coletiva, chegarse-ia muito provavelmente ao extremo de retirar dos indivíduos aquele mínimo de tranqüilidade real, indispensável à sobrevivência do próprio ordenamento jurídico. A anulação mecânica, servil, indiferente a situações concretamente determinadas, sem qualquer possibilidade de mensuração entre dois interesses, igualmente públicos, a se traduzirem, o primeiro deles na chamada administração legal, e o segundo, na estabilidade e certeza das relações jurídicas, seria o mesmo que admitir a falta de correspondência e de adequação das fórmulas abstratas à realidade factual, Ou o mesmo que admitir, muitas vezes, o sacrifício do interesse coletivo sob o pretexto de realizá-lo. Ora, a sociedade tem tanto interesse em que a administração se exercite nos limites da lei, quanto em que as relações jurídicas não oscilem ao sabor da instabilidade ou da incerteza na sua validade e na produção dos efeitos a que se preordenaram.. Não nos parece, pois, extravagância ou demasia considerar que um princípio interfere com o outro no sentido de mitigar-lhe o rigor lógico da sua aplicação, em atenção a exigências que são também de uma só e mesma coletividade (A estabilidade da relação jurídico-administrativa e a anulação de atos ilícitos, de José Sérgio Monte Alegre, RDA 139/286-297). (BDA - Boletim de Direito Administrativo (Jurisprudência), ed. NDJ Ltda., n.º 12 de dezembro/2000, págs. 987 a 989). 17. Essa tese, por sinal, encontra respaldo no posicionamento assumido por CAIO TÁCITO em parecer sobre Acumulação de Proventos. Direito Adquirido., constante de seu livro Temas de Direito Público (Estudos e Pareceres) Rio de Janeiro, Renovar, 1997, 2.º vol., págs. 1513 a 1521, especificamente nas págs. 1519 e 1520 , encontrando-se no seguinte tópico a síntese do pensamento desse eminente administrativista: A revisão de decisões definitivas quando sobrevenha nova orientação interpretativa abalaria a autoridade e a estabilidade da Administração, gerando conforme o testemunho de Francisco Campos uma atmosfera de incerteza e de hesitação, que acabaria por prejudicar a eficiência de seus próprios atos (Direito Administrativo 1943 p. 62). 18. Nessa ordem de raciocínio, atente-se para o fato de que compete privativamente à Assembléia Legislativa sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa (art. 35, inciso V, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 49, inciso V, da Constituição Federal. No entanto, essa competência privativa, caso se admita que o § 2.º do art. 77 do Decreto n.º 5.262/70 exorbitou do poder regulamentar, não foi até hoje exercida no tocante a esse Decreto, o que reforça e intensifica ainda mais a tese de que a prerrogativa de anulação dos próprios atos, pela Administração Pública, apesar do enunciado das Súmulas ns. 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, não constitui poder absoluto, sendo forçoso admitir a interferência do princípio da estabilidade e certeza das relações jurídicas na anulação de ofício dos atos administrativos ilegais. Afinal, de conformidade com a tese consagrada na decisão acima transcrita do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, se tais atos, pela presunção abstrata de nocividade, tivessem sempre, em qualquer circunstância, de ser anulados pela administração, sem considerações sobre a sua repercussão na vida coletiva, chegar-se-ia muito provavelmente ao extremo de retirar dos indivíduos aquele mínimo de tranqüilidade real, indispensável à sobrevivência do próprio ordenamento jurídico. 19. Releva observar, ainda, que o policial-militar faz jus ao denominado auxílio moradia, consoante a própria literalidade do § 2.º do art. 77 do Decreto n.º 5.262/70, até o resgate total do financiamento. O que significa dizer, à toda evidência, que, mesmo na inatividade, enquanto não consumado o resgate total do financiamento, dentro dos pressupostos até agora analisados, o policial-militar tem direito à percepção do auxílio moradia. 20. E quanto ao policial-militar que percebia o auxílio moradia na atividade por não residir em próprio estadual ou não possuir imóvel residencial, deixa de recebê-lo ao ingressar na inatividade? 21. A contribuição de maior densidade teórica para a sistematização das vantagens pecuniárias em nosso Direito Administrativo proveio de HELY LOPES MEIRELLES, que adotou a seguinte classificação: Vantagens pecuniárias são acréscimos ao vencimento do servidor, concedidas a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis) ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii), ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem) ou, finalmente, em razão de condições pessoais do servidor (propter personam). (...)Certas vantagens pecuniárias incorporamse automaticamente ao vencimento (v.g., por tempo de serviço) e o acompanham em todas as suas mutações, inclusive quando se converte em proventos da inatividade (vantagens pessoais subjetivas); outras apenas são pagas com o vencimento, mas dele se desprendem quando cessa a atividade do servidor (vantagens de função ou de serviço); outras independem do exercício do cargo ou da função, bastando a existência da relação funcional entre o servidor e a Administração (v.g.; salário-família), e, por isso, podem ser auferidas mesmo na disponibilidade e na aposentadoria, desde que subsista o fato ou a situação que as gera (vantagens pessoais objetivas) (ob. cit. no item 10 deste, págs. 449 e 450). 22. No entendimento de HELY LOPES MEIRELLES, a gratificação pessoal, como independe do tempo de serviço, do exercício de determinada função ou das condições de trabalho, decorrendo tão-somente de fatos ou situações individuais, pode ser percebida independentemente do exercício do cargo, ou seja, na inatividade: Gratificação pessoal, ou, mais precisamente, gratificação em razão de condições pessoais do servidor (propter personam), é toda aquela que se concede em face de fatos ou situações individuais do servidor, tais como a existência de filhos menores ou dependentes incapacitados para o trabalho (salário-família) e outras circunstâncias peculiares do benefício. Tais gratificações não decorrem de tempo de serviço, nem do desempenho de determinada função, nem da execução de trabalhos especiais, mas, sim, da ocorrência de fatos ou situações individuais ou familiares previstas em lei. Daí por que podem ser auferidas independentemente do exercício do cargo, bastando que persista a relação de emprego entre o beneficiário e a Administração, como ocorre com os que se encontram em disponibilidade ou na aposentadoria (ob. cit., pág. 459). 23. O auxílio moradia é uma gratificação tipicamente pessoal, instituída por lei para contemplar fato ou situação pessoal concernente ao policial-militar (não residir em próprio estadual ou não possuir imóvel residencial ou, ainda, adquirir imóvel para sua residência mediante financiamento por estabelecimento de crédito oficial ou fiscalizado pelo Governo). Tanto assim que o próprio art. 76 da Lei n.º 3.775/69, alterada pela de n.º 6.689/94, refere-se a policial-militar, simplesmente, sem qualquer especificação quanto à função exercida, ao tempo de serviço ou às condições de trabalho. Resulta, portanto, suficiente analisar se subsiste o fato ou a situação que gera a concessão do benefício para aferir do direito ou não ao gozo da vantagem. Desta forma, se, mesmo na inatividade, o policial-militar não reside em próprio estadual, não possui imóvel residencial ou não realizou o resgate total do financiamento obtido para aquisição da casa própria, subsiste o fato ou situação que gera o direito à percepção do auxílio moradia. A contrário senso, se o policial-militar, a qualquer tempo, na atividade ou na inatividade, adquirir casa própria ou promover o resgate total do financiamento, deve cessar, ipso facto, o pagamento da vantagem. Evidencia-se, assim, despicienda e desfocada qualquer avaliação que se proponha a analisar, como pré-requisito à fruição do benefício, a necessidade ou não de permanência do policial-militar na atividade. O que interessa sopesar, a meu ver, é unicamente a subsistência ou não do fato ou situação que gera o direito à percepção do auxílio moradia. Se subsiste, a vantagem deve ser mantida. Caso não subsista, deve ser suprimida. 24. O segundo aspecto examinado no Parecer n.º 032/2000, do ex-Consultor-Geral do TCE, diz respeito ao adicional de inatividade, criado pela alínea b do inciso I do § 2.º do art. 52 da Lei n.º 4.630, de 15.12.76 mas que somente começou a ser concedido com o advento da Lei n.º 5.544, de 30.12.86, responsável pela fixação do valor do referido adicional. 25. Aduz o mencionado parecerista: Afeiçoado o que o legislador considera tempo de efetivo serviço, ver-se-á que o Adicional de Inatividade, criado pela Lei n.° 5.544, de 30 de dezembro de 1986, tem fundamento idêntico ao da Gratificação de Tempo de Serviço, estatuída no artigo 15 da Lei n.° 3.775, de 12 de novembro de 1969 e incorporável na forma do artigo 87 da mesma Lei -, qual seja o tempo de efetivo serviço. Logo nessa marcha, há vislumbrar que o dispositivo que deu forma ao respectivo Adicional de Inatividade é incompossível com a Constituição Federal de 1988, a qual, em seu texto inaugural, e mais agora, com a Emenda Constitucional n.° 19, de 05 de junho de 1998, venda expressamente nova computação e acumulação de acréscimos pecuniários já percebidos anteriormente pelos servidores públicos, independentemente se sob o mesmo título ou idêntico fundamento. Essa vedação, prevista no artigo 37, inciso XIV, da Constituição da República, aplica-se por força de preceito explícito encartado no seu artigo 142, § 3.°, inciso VIII, também aos militares (...) De sorte que, como o Adicional de Inatividade tem fundamento similar àquele da Gratificação de Tempo de Serviço, ou seja o tempo de efetivo serviço, é manifesto o dever-poder de o Tribunal de Constas considerá-lo incompátivel com o sistema constitucional vigorante Como se não bastasse, é de se apontar outra incompatibilidade da referida Lei, que também vai de encontro ao preceito estabelecido no inciso XIV, do artigo 37 da Constituição Federal. Tal antagonismo estriba-se na fórmula de cálculo do respectivo adicional, que se instrumentaliza, em razão da soma do tempo de efetivo serviço, mensalmente, sobre os respctivos proventos. Em outras palavras e exemplificadamente, se determinado militar do Estado perceber R$ 1.000,00 a título de proventos, com 25 anos de efetivo serviço, o Adicional de Inatividade será de 25% sobre o total dos proventos, e não sobre parcela específica do mesmo. Esse procedimento depõe, por isso mesmo, contra a norma constitucional, uma vez que estaria autorizando a incidência de uma vantagem sobre outras. Eis o que chamam de efeito cascata ou repique (fls. 62, 63 e 64). 26. No Parecer n.º F-09, emitido em 30 de agosto de 1991 e publicado no DOE de 4 de setembro do mesmo ano, o mestre RAIMUNDO NONATO FERNANDES, quando no exercício do cargo de Consultor-Geral do Estado, manifestou entendimento, em quase sua totalidade, contrário ao expendido no texto acima transcrito, como se pode inferir da seguinte ementa do mencionado Parecer: - O adicional de inatividade, pago a policiais-militares pela transferência para o reserva remunerada ou reforma, não se confunde com a gratificação adicional por tempo de serviço, porque seu fundamento é a mudança de situação funcional, ao passo que o dos qüinqüênios é o próprio tempo de serviço, enquanto o servidor se encontra na atividade - As duas vantagens se diversificam, ainda, pelo tempo computável, que para a primeira são os anos de serviço, incluindo as ficções legais, e para a segunda é o tempo de efetivo serviço, bem como pela base de incidência, que num caso são os proventos e, no outro, é o soldo. 27. No corpo do aludido Parecer, o emérito administrativista norte-rio-grandense explicita o seu raciocínio: Deixou-se aí demonstrado, portanto, que a gratificação adicional por tempo de serviço (qüinqüênios) e o adicional de inatividade são vantagens distintas, porque o fundamento da primeira é o próprio tempo de serviço (enquanto o militar se encontra em atividade, como acertadamente acrescenta a exposição do Gabinete do Comando-Geral) , ao passo que o da segunda é a mudança de situação funcional, ou seja, a transferência do militar para a reserva ou sua reforma. Além disso, no caso dos policiais-militares, só se conta para qüinqüênios o tempo de efetivo serviço (Lei n.° 3.775, de 1969, artigo 15), com exclusão das ficções legais, como a contagem em dobro de licença especial não gozada, que, ao contrário, é computável para a passagem à inatividade, por se basear esta nos anos de serviço, e, assim, para o adicional respectivo (Lei citada, artigo 125). O único ponto de coincidência entre essas vantagens é a forma de cálculo (item 5, retro), sem reflexo, entretanto, no seu fundamento legal e, ademais, diversificada quanto ao tempo computável para a incidência dos percentuais. Não há cogitar, além disso, de efeito cascata, pelo menos do tipo criado pelo Decreto-Lei n.° 2.019, de 1983, em que os percentuais se acumulam, de forma progressiva, como se vê do artigo 1.° desse diploma: 5%, 10%, 15%, 20%, 30% e 35%, do que resultava um total de 140%. Na espécie, têm-se duas séries de percentuais, que incidem separadamente, os dos qüinqüênios sobre o soldo (Lei n.° 3.775/69, artigo 16) e os do adicional de inatividade sobre os proventos (Lei n.° 5.544/86, artigo 2.°). 28. O Parecer n.º F-09 é irrepreensível no tocante aos argumentos usados pelo ilustre professor que o emitiu quanto ao fato de que o adicional de inatividade, pago a policiaismilitares pela transferência para o reserva remunerada ou reforma, não se confunde com a gratificação adicional por tempo de serviço. Além disso, a Emenda Constitucional n.º 18, de 5 de fevereiro de 1998, em seu art. 2.º, que deu nova redação ao § 1.º do art. 42 da Constituição Federal, abstém-se de impor, desde logo, aos militares dos Estados, o disposto no § 2.º do art. 40 da mesma Constituição (com a redação da Emenda Constitucional n.º 20, de 15 de dezembro de 1998). Ou seja: os proventos da aposentadoria dos militares poderão exceder à remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria. 29. O que mudou, em termos de ordenamento jurídico, do Parecer n.º F-09 para hoje? Um aspecto, apenas. O inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal proibia que os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público fossem computados ou acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores, sob o mesmo título e idêntico fundamento. A Emenda Constitucional n.º 19, de 05.06.98, alterou essa norma da Lei Maior, tornando-a mais restritiva: atualmente, os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não podem ser computados nem acumulados, em nenhuma hipótese, para efeito de concessões posteriores. Foi, portanto, eliminada a exigência, para a proibição, de identidade de título ou fundamento. Merece melhor exame, assim, a compatibilidade do adicional de inatividade (art. 2.º da Lei n.º 5.544, de 30.12.86) com a proibição constante do inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal, na versão decorrente da EC n.º 19/98, dispositivo esse aplicável aos militares estaduais por força do que prescreve o art. 42, combinado com o art. 142, § 3.º, inciso VIII, da Constituição Federal (nos termos da EC n.º 18/98). 30. A orientação cristalizada pelo Supremo Tribunal Federal está refletida na seguinte ementa de acórdão: Contagem sucessiva de parcelas de remuneração, ou seja, influência recíproca de umas sobre as outras, de sorte que seja a mesma gratificação incorporada ao estipêndio do servidor, para vir a integrar, em subseqüente operação, a sua própria base de cálculo. Sistema incompatível com o disposto no art. 37, XIV, da Constituição, por isso contrariado pelo acórdão recorrido (STF, RE 1300960-1/SP, rel. Min. Octávio Galloti, 1ª Turma, decisão: 12-12-1995, DJ 1, de 8-3-1996, p. 4217). Constituição Federal Anotada, de UADI LAMMÊGO BULOS, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, pág. 590. 31. O art. 2.º da Lei n.º 5.544, de 30.12.86, prevê que o adicional de inatividade é calculado mensalmente sobre os respectivos proventos, como, por sinal, não poderia ser diferente, já que se trata de uma gratificação que, como denota a sua própria designação, é percebida após a passagem para a inatividade. CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO define proventos como a designação técnica dos valores pecuniários devidos aos inativos (aposentados e disponíveis) (in ob. cit, pág. 250). Está subjacente nessa definição a prenoção de que os proventos se constituem de parcelas agregadas (valores pecuniários) que se somam para formar a remuneração do pessoal na inatividade (§ 2.° do art. 52 da Lei n.° 4.630, de 16.12.76.) Pode, diante disso, o adicional de inatividade incidir apenas sobre determinada parcela dos proventos? A Lei n.º 4.630, de 16.12.76, que dispõe sobre o Estatuto dos Policiais Militares do Estado (alterada pelas Leis ns. 5.042, de 03.07.81, 5.209, de 26.08.83 e 6.053, de 18.12.90), enseja que se possa admitir essa hipótese. O § 2.º do art. 52 dessa Lei, ao ocupar-se do que ela denomina de remuneração dos policiais militares em inatividade, estabelece: Art. 52..................................................................................................... .................................................................................................................. § 2.° Os policiais-militares em inatividade percebem remuneração, constituída pelas seguintes parcelas: 1. Mensalmente: a) proventos, compreendendo soldo ou quotas do soldo, gratificações e indenizações incorporáveis; e b) adicional de inatividade. 2. eventualmente, auxílio invalidez. 32. Desta forma, o próprio texto legal especifica qual a composição dos proventos: soldo ou quotas do soldo, gratificações e indenizações incorporáveis. Se há, legalmente, essa decomposição dos elementos que integram os proventos, então é possível calcular o adicional de inatividade apenas sobre a parcela dos proventos correspondente ao soldo. Por que se deve proceder dessa forma? Porque é inadmissível, face ao disposto no inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal, a partir da vigência da EC n.º 19, de 05.06.98, calcular o adicional de inatividade sobre outros acréscimos pecuniários. Sendo assim, a interpretação da regra do art. 2.º da Lei n.º 5.544, de 30.12.86, que determina o cálculo do adicional de inatividade sobre os respectivos proventos, deve ser feita em harmonia com o prescrito no inciso XIV do art. 37 da Constituição Federal, o qual proíbe a computação ou acumulação de acréscimos pecuniários percebidos por servidor público (...) para fins de concessão de acréscimos ulteriores. Daí resulta que o adicional de inatividade somente poderá incidir sobre a parcela dos proventos correspondente ao soldo, que está expressamente previsto e identificado como parcela integrante dos proventos na alínea a, item 1, do § 2.º do art. 52 da Lei n.º 4.630, de 16.12.76. 33. Entendo, com base nas razões constantes dos itens 1 a 23, que improcede totalmente a argüição de ilegalidade do § 2.º do art. 77 do Decreto n.º 5.262, de 17.01.70 (relativo ao auxílio moradia) e, também, com base na abordagem realizada nos itens 24 a 32, que se acham plenamente em vigor a alínea b do inciso I do § 2.º do art. 52 da Lei n.º 4.630, de 15.12.76 e a Lei n.º 5.544, de 30.12.86 (que dispõem sobre o adicional de inatividade), com a ressalva, no tocante a esta segunda conclusão, objeto dos itens 31 e 32. 34. É o parecer, s. m. j. Natal, 11 de maio de 2001. IVAN MACIEL DE ANDRADE Consultor-Geral do Estado PROCESSO Nº 35.959/99-PM INTERESSADO: FRANCISCO CANINDÉ DE PAIVA ASSUNTO: APOSENTADORIA DESPACHO Em, 14-5-2001 Aprovo o Parecer nº I-21, do Consultor-Geral do Estado. Após a publicação no Diário Oficial do Estado, encaminhe-se o processo à Secretaria de Estado da Administração e dos Recursos Humanos para adoção das providências cabíveis. DOE Nº 9.998 Data: 15.5.2001 Pág. 1 a 3 GARIBALDI ALVES FILHO Governador