CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
MESTRADO
A Formação Continuada de Docentes Alfabetizadores nas Séries Iniciais de uma
Instituição Confessional: limites e possibilidades de desenvolvimento de práticas
reflexivas
Siumara da Silveira Melo Quintella
Ribeirão Preto
2007
1
SIUMARA DA SILVEIRA MELO QUINTELLA
A Formação Continuada de Docentes Alfabetizadores nas Séries Iniciais de uma
Instituição Confessional: limites e possibilidades de desenvolvimento de práticas
reflexivas
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação – Mestrado, do
Centro Universitário Moura Lacerda de
Ribeirão Preto, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de Concentração: Educação Escolar
Linha de Pesquisa: Currículo, Cultura e
Práticas Escolares.
Orientador: Profa. Dra. Miriam Cardoso
Utsumi.
Ribeirão Preto
2007
2
SIUMARA DA SILVEIRA MELO QUINTELLA
A Formação Continuada de Docentes Alfabetizadores nas Séries Iniciais de uma
Instituição Confessional: limites e possibilidades de desenvolvimento de práticas
reflexivas
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Educação – Mestrado, do
Centro Universitário Moura Lacerda de
Ribeirão Preto, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de Concentração: Educação Escolar
Linha de Pesquisa: Currículo, Cultura e
Práticas Escolares.
Comissão Julgadora:
Orientador – Dra. Miriam Cardoso Utsumi (CUML): ________________
2º examinador – Dra. Aline M. de Medeiros Rodrigues Reali (UFSCar): ________________
3º examinador – Dra. Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes (CUML): ______________
Ribeirão Preto, 10 de setembro de 2007
3
DEDICATÓRIA
Para o Carlinhos, meu marido, meus filhos, genros e os netos Luis
Felipe e Maria Eduarda, que me trouxeram o “encantamento” pela
vida, porque me permitiram ampliar a visão de mundo e de
humanidade, delineando, assim, a minha trajetória apaixonada
pela educação.
4
AGRADECIMENTOS
Agradecer às pessoas que me ajudaram a construir esse percurso, presentes nas linhas
e entrelinhas desse estudo, é poder dizer que nenhuma produção escrita se constrói sozinha,
apesar de ser um trabalho solitário. Dessa forma, é com reconhecimento e gratidão que
agradeço de um modo especial à orientadora Professora Dra. Miriam Cardoso Utsumi, pela
competência e humildade com que me ensinou a lançar-me nesse percurso investigativo. Um
tema que nasceu de dentro, e que representa um encontro com uma literatura fascinante, e
juntas nos lançamos nessa travessia. Obrigado por suas orientações, atenção solidária e
incansável, pois permitiram que o texto não perdesse a sua marca e identidade próprias,
respeitando a sensibilidade na produção acadêmica, enquanto delineava a minha trajetória
docente. E isso me aponta ser o começo de uma travessia que não termina com esse trabalho.
Como diz Guimarães Rosa (1979): “O real não está na saída nem na chegada, ele se dispõe
para a gente no meio da travessia”. Como sempre digo: “sou eternamente grata”.
Agradeço à Professora Dra. Aline M. de Medeiros Rodrigues Reali pelas
contribuições preciosas dadas no exame de qualificação. A sensação que tenho é como se
estivesse indicando um horizonte de possibilidades. É nesse horizonte que hoje vislumbro na
continuidade dessa trajetória apaixonada pela educação, e que me aponta caminhos ainda não
trilhados, e isso me fez refletir que a vida é muito maior que uma dissertação. No entanto,
para que eu tenha vida, e vida em abundância, é necessário e fundamental o conhecimento
investigativo e os seus desafios provocadores que me impulsionam para o trabalho de
formação e humanização das pessoas com quem divido a minha trajetória docente. Como diz
Juliet (1990): “Escrever não é apenas procurar a vida, mas, ainda, completá-la, enriquecê-la e
exaltá-la. Sou imensamente grata pela paciência e generosidade, compartilhando comigo as
referências sugeridas na banca de qualificação”.
À Professora Dra. Maria Cristina da Silveira Galan Fernandes pelo respeito com que
tratou a minha intenção de pesquisa, discutindo cuidadosamente nos Seminários de Pesquisa,
me ensinado a hierarquizar e tratar um objeto de estudo como problema de pesquisa,
sugerindo bibliografias e opções de encaminhamento, sempre tendo uma palavra animadora
em momentos de impasse. E, como não poderia faltar, no exame de qualificação, as suas
contribuições com seu apurado rigor científico nas correções metodológicas foram marcadas
com sua presença sensível, disponibilidade serena e postura acadêmica afinadíssima.
5
Aos Professores do Programa que acreditaram nesse trabalho me apoiando com
bibliografia e discussões cuidadosas e me auxiliando a construir os caminhos trilhados.
À Congregação Santa Dorotéia do Brasil, fundada por Santa Paula Frassinetti, minha
protetora, a quem me declaro devota pela fé que professo, e em particular ao Colégio
pertencente à essa Congregação, locus da presente pesquisa, onde atuo como Coordenadora
Pedagógica, ao qual devo grande parte da minha formação.
À Fafibe (Faculdades Integradas de Bebedouro), a um passo de ser credenciada
Centro Universitário, a quem tenho um débito especial pelos anos de trajetória acadêmica, e
que, apesar dos meus limites, vem apostando em mim, mais do que eu mesma.
Aos meus amigos, companheiros incansáveis de jornada acadêmica Sérgio e
Luciana, pelas atitudes solidárias, pelo cuidado que tiveram comigo nos momentos de
enfrentamento de dificuldades, pela troca de bibliografia e pelo valor da amizade tecida
nesses anos de trajetória. Vale dizer, a amizade é uma forma de deixar rastros e de nos
comprometer com a causa que abraçamos, no nosso caso, a formação de professores.
6
QUINTELLA, M. S. Siumara. A Formação Continuada de Docentes Alfabetizadores nas
Séries Iniciais de uma Instituição Confessional: limites e possibilidades de
desenvolvimento de práticas reflexivas. Ribeirão Preto, SP: CUML, 2007. (107f.)
Dissertação ( Mestrado em Educação) - Centro Universitário Moura Lacerda.
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo investigar os limites e as possibilidades do
desenvolvimento de práticas reflexivas do professor alfabetizador nas séries iniciais de uma
escola confessional do interior do Estado de São Paulo, enfocando a escola como um locus de
formação continuada. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cujas técnicas para coleta de
dados foram: análise documental e entrevistas semi-estruturadas. Os dados obtidos foram
agrupados para efeito de análise em três temas, a saber: “trajetória profissional das
participantes”, “desenvolvimento de práticas reflexivas”, “saberes docentes e abertura para a
mudança das práticas alfabetizadoras”, que se apoiaram nas discussões de Zeichner, Nóvoa,
Schön, Contreras, Pimenta, Candau, Mizukami e Reali, Mc Diarmid, entre outros. Os
resultados revelaram que as professoras interlocutoras manifestaram limites para o
desenvolvimento de uma prática reflexiva tais como: o enfrentamento de problemas de
aprendizagem das crianças, insegurança e medo de colocar na prática a fundamentação teórica
do projeto pedagógico, mas também apontaram possibilidades quanto à busca cotidiana de
inovação, criando situações na sala de aula, no sentido de abertura e adequação às mudanças,
diante das novas tendências e concepções da alfabetização. Os resultados da presente pesquisa
pareceram evidenciar que as participantes da pesquisa perceberam as mudanças ocorridas
durante suas trajetórias no processo de formação inicial e continuada, principalmente as que
ocorreram no próprio local de trabalho, bem como o estímulo e o apoio dos gestores, para que
houvesse envolvimento dos professores na organização da instituição escolar e de seu ensino.
Palavras-chave: Formação continuada centrada na escola, professor alfabetizador, prática
reflexiva.
7
QUINTELLA, M. S. Siumara. Continuous teacher-training for Literacy Teachers in the
Initial Stages of a Learning Institution: the limits and opportunities for acquiring
reflective practices. Ribeirão Preto, SP: CUML, 2007. (107 sheets). Dissertation (Master
degree in Education) - Centro Universitário Moura Lacerda.
ABSTRACT
The aim of this study is to investigate the extent of the opportunities literacy teachers have
to acquire reflective practices in the first stages of a learning Institution in the interior of Sao
Paulo State, by focusing on the school as a site for continuous training. It involves qualitative
research in which the methods for gathering data were documentary analysis and semistructured interviews. The data collected were grouped into three subjects for analytical
purposes: “the professional paths of the participants” “the teaching of reflective practices” and
“ the kind of teaching knowledge and opportunities required for changing literacy practices”,
all of which are supported by the ideas of Zeichner, Novoa, Schön, Contreras, Pimenta,
Candau, Mizukami and Reali and McDiarmid. The results revealed the limited degree to
which the subject teachers showed a reflective practice in the following areas: their manner
of dealing with the children’s learning difficulties, and their insecurity and fear of putting into
effect the theoretical basis of their pedagogical plans. At the same time, they also suggested
what opportunities there were for seeking innovations in everyday activities and contriving
suitable situations in the classroom that could bring about changes in the face of the new
trends and concepts of literacy. The results of this research bear witness to the fact that the
participants in the project noticed that changes occurred during the initial and continuous
training process, especially those that took place at the work-place itself as well in the
stimulus and support given by the managers to ensure that the teachers would be involved in
both learning of involved in both the learning of the school institution and the way it was
organized.
Key-words: continuous training undertaken in school, the literacy teacher, reflective practice.
8
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Quadro de Referência para a construção dos Temas de análise........................ 58
QUADRO 2 - Síntese das Principais Características das Participantes da Pesquisa................ 70
9
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................................................... 6
ABSTRACT ............................................................................................................................... 7
1.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 10
2.
IDENTIFICANDO OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO INICIAL E
CONTINUADA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES
NAS SÉRIES INICIAIS: AS CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA ....................... 20
3.
3.1.
3.2
3.3.
O ARCABOUÇO TEÓRICO DA PESQUISA: UM OLHAR CRÍTICO PARA A
RELAÇÃO TEORIA E PRATICA REFLEXIVA NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES............................................................................................................. 34
A concepção clássica de formação e as tendências atuais ............................................. 35
A reflexão na formação continuada e a prática do professor ......................................... 39
A relação entre os saberes docentes e a trajetória profissional ...................................... 44
4.
4.1.
4.2.
4.3.
4. 4.
4. 5.
DELINEAMENTO DO ESTUDO................................................................................. 48
Participantes da Pesquisa ............................................................................................... 50
Contextualizando o locus da Pesquisa ........................................................................... 51
Materiais utilizados na Coleta de Dados ........................................................................ 53
Procedimento de Coleta de Dados ................................................................................. 55
Procedimento de Análise dos Dados.............................................................................. 56
5.
5.1.
ANÁLISE DESCRITIVA E REFLEXIVA DOS DADOS COLETADOS................... 60
Projeto Político-Pedagógico da Instituição: construção e desdobramentos ................... 61
5.2. Plano de Formação Continuada: concepções e metodologias de alfabetização............. 64
5.3. Trajetória profissional das participantes........................................................................ 69
5.4. Desenvolvimento de práticas reflexivas......................................................................... 74
5.5. Os saberes docentes e a abertura para mudança das práticas alfabetizadoras................ 83
6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................... 91
REFERÊNCIAS ............................................................................................................95
APÊNDICES ...............................................................................................................101
A – Modelo de Autorização do Diretor ................................................................................. 103
B – Modelo de Autorização das Professoras ......................................................................... 105
C – Roteiro de entrevistas...................................................................................................... 107
10
1. INTRODUÇÃO
tornar possível a reflexão como modo de
prática educativa na formação de professor...
é um processo apaixonado e imbuído de preocupações éticas.
(KENNETH M. ZEICHNER,1993, p.33)
11
O presente estudo investiga a formação continuada de professores alfabetizadores,
quanto aos limites e às possibilidades do desenvolvimento de práticas reflexivas no local de
trabalho. O tema de investigação proposto tem sua gênese nas trilhas percorridas à partir dos
anos de 1970, quando a pesquisadora iniciou sua trajetória docente.
Na tentativa de resgatar a sua vivência como professora alfabetizadora, foi
perseguindo a idéia de refletir sobre a prática pedagógica e compreender o processo de
construção do conhecimento tendo como ponto de partida a formação inicial e continuada do
professor, uma vez que sempre foi este o seu interesse de discussão e debates, numa ciranda
que não se esgotou no tempo, pelo contrário, se desdobra e se amplia no momento em que
procura dar uma dimensão investigativa à prática pedagógica.
Dessa forma, começa o processo investigativo com a seguinte indagação: Como
apresentar um trabalho que procura se tecer pelos fios da pesquisa e da forma(ação) docente,
no que diz respeito ao desenvolvimento de uma prática reflexiva do professor alfabetizador?
Essa interrogativa está ligada à atuação da pesquisadora hoje, como coordenadora
pedagógica do ensino fundamental e coordenadora do Curso de Licenciatura em Pedagogia,
face ao enfrentamento de inúmeros desafios impostos, na educação escolar, quanto à
formação de professores, nesse segmento da docência.
Muitos dos desafios contemporâneos estão relacionados à fragmentação do
conhecimento tão característica do processo educacional, fruto dos paradigmas1 cartesianos e
positivistas legados pela modernidade. “O reducionismo tecnicista, que faz do professor um
mero executor de tarefas mecânicas, totalmente conduzido por uma ideologia imediatista, sem
capacidade de iniciativa e autonomia crítica ante aos desafios que a prática profissional
enfrenta diuturnamente” (SEVERINO,2003,p.86), tem sido objeto de permanente
preocupação e de extrema relevância na comunidade acadêmica de formação de professores.
O surgimento de paradigmas demanda um novo perfil de profissional para atuar na
sociedade do conhecimento e da tecnologia. O entendimento da idéia de cidadania
cosmopolita aponta para a urgência de uma compreensão de mundo que busca encontrar
conexão entre fatos, coisas e conhecimentos. Não cabe mais, no momento presente, a
compreensão linear dos fatos.
Costa (2003, p.35) afirma que, em função das transformações históricas e sociais
ocorridas entre os séculos XX e XXI no campo do conhecimento e da informação, o conjunto
1
Moraes (1997) define paradigma num enfoque relacional, em que conceitos e teorias soberanos convivem
com teorias rivais. “Um paradigma privilegia algumas relações em detrimento de outras, o que faz com que ele
controle a lógica do discurso” (p.32 ).
12
das instituições, criadas pela sociedade para estabelecer correspondências e hierarquias entre
campos infinitamente vastos de práticas sociais (a Ciência, o Direito, a Educação, entre
outras), tem sido forçados a rever suas práticas.
No que se refere à Educação, suscitou a ampliação de novas propostas de formação
de professores, colocando a escola e as práticas pedagógicas em questão.
A Educação é um fenômeno complexo, porque histórico, produto do trabalho de
seres humanos, e como tal responde aos desafios de diferentes contextos políticos e
sociais. A educação retrata e reproduz a sociedade; mas também projeta a sociedade
que se quer. Por isso, vincula-se profundamente ao processo civilizatório e humano.
Enquanto prática histórica, tem o desafio de responder às demandas que os contextos
lhe colocam (CONTRERAS, 2002, p.17).
Uma vez apontados esses desafios, torna-se necessário alargar o olhar para a
dimensão político-pedagógica da Educação e da escola, pois é aí que se desenvolve a prática
dos professores, procurando vê-la, mais abrangentemente, para compreender os limites e as
possibilidades dessa prática docente.
“A educação tem uma dimensão técnica e política dialeticamente relacionadas”
(RIOS, 1993, p.42). E é na articulação do pedagógico com a totalidade social que se realiza a
dimensão política da educação.
No contexto dessa dimensão político-pedagógica, percorrendo as trilhas de sua
trajetória docente, a pesquisadora pontua como nasceu a escolha dessa temática, explicitando
as iniciativas que deram motivos a este trabalho que contém, antes que um percurso, um
movimento. “Um movimento que resulta de várias trajetórias” (KRAMER, 1973, p.9). Uma
delas se inicia lá na sua vida de professora alfabetizadora, quando trabalhava com crianças de
7 a 10 anos, ao terminar o Curso Normal, e se ramifica no seu trabalho de professora de
História e Geografia, de quinta série ao Ensino Médio, quando ingressou na escola estadual de
sua cidade.
Com esse caminho se entrelaça a sua atuação em cursos de formação de professores
na rede pública, em escolas comunitárias, em escola particular católica, onde iniciou o seu
trabalho de coordenadora pedagógica.
Alfabetização, escola de primeiro grau, escola de segundo grau, formação de
professores e trabalho acadêmico são fios que foram se entrecruzando. “Fios e desafios. Alvo
de pesquisa e de trabalho profissional” (KRAMER, 1973, p.10). E, nesse entrelaçamento,
foram surgindo os temas: linguagem, alfabetização, prática pedagógica, projeto de formação
de professores, dando o contorno e o entorno à sua prática como coordenadora e formadora de
professores.
13
Considerando, assim, a dimensão histórica e cotidiana em que sua práxis pedagógica
se insere, pois lá se vão uns trinta anos de ínfimos e minúsculos pontos e contrapontos, foi, ao
longo dessa trajetória, delineando sua convicção de que a Educação tinha que investir na
questão da formação do professor.
Partindo dessa perspectiva, e percorrendo vários caminhos na tentativa de uma
prática reflexiva na formação do professor alfabetizador, se deparou com a fragmentação do
trabalho escolar, com a baixa qualidade de ensino, com a precária qualificação dos
professores, com péssimas condições de trabalho. Mas se deparou também, neste cenário
político-pedagógico, com as reformas curriculares, anunciando uma proposta de construção
do conhecimento, uma vez que a teoria da epistemologia genética de Piaget era norteadora de
um novo paradigma pedagógico, sobretudo na concepção construtivista do trabalho de Emília
Ferreiro (1985).
Nesse contexto histórico e pedagógico, considerando que o conceito de prática
reflexiva era importante no cenário da atividade formativa, o seu primeiro trabalho como
coordenadora pedagógica foi ensaiar a construção de um projeto de formação continuada de
professores de 1ª a 4ª série do ensino fundamental, uma vez que encontrou professoras
alfabetizadoras, com mais de vinte anos de experiência docente, com uma formação
positivista e behaviorista de Educação.
Nesse sentido, registra as trajetórias de formação de docentes alfabetizadoras
vocacionadas para o exercício do ofício e o percurso percorrido por cada uma delas quanto ao
desenvolvimento de uma prática reflexiva.
A preocupação com a questão da prática reflexiva na formação do professor
alfabetizador a impulsionou a tratá-la no presente estudo como conceito, na tentativa de
articular as várias concepções de prática reflexiva, tais como as apontadas por Zeichner
(1993) e Schön (2000), uma vez que, nas últimas décadas, se tornaram moda em todos os
setores da comunidade da formação de professores, temas como professor reflexivo e prática
reflexiva, com apropriação indiscriminada desses conceitos, tratados de maneira acrítica.
Movida pelo clamor histórico das mudanças de paradigmas pedagógicos e com o
surgimento de uma literatura, como descreve Zeichner (1993, p.76), de um ensino prático
reflexivo, tomou o caminho da reflexão como uma experiência na construção do projeto de
pesquisa, desejando considerar, assim, todo o processo de vivência e formação de cada
professora envolvida.
Percorrendo essas trilhas do seu trabalho docente, consciente de que não existem
respostas prontas e acabadas, de que não se resolvem problemas e nem se emitem verdades,
14
começa a experimentar a complexidade de uma práxis educativa à luz da reflexão, ancorada
nas teorias sócio-histórico-construtivista e sócio-interacionista2.
Era o desejo de superar a relação linear, mecânica, entre o conhecimento embasado
nas concepções positivistas e na racionalidade técnica e as práticas desenvolvidas na sala de
aula. Esse desejo contém um movimento de erros e acertos, de dúvidas e certezas, de
inquietação e tranqüilidade, de clareza e incoerência. Um movimento perseguido de muitas
indagações.
Indagações essas que aumentaram o interesse em desenvolver uma pesquisa que
fosse um espaço de promoção de atitudes reflexivas dos professores sobre sua própria prática,
pois, da mesma forma que Costa (2003), acreditava que, assim, pudesse contribuir para que
esses se percebessem e se assumissem como agentes capazes de reconstruir suas práticas sob
princípios teórico-metodológicos, ainda que enfrentassem condições desfavoráveis ao seu
trabalho.
Esta é a tensão que impulsiona a escolha dessa trajetória como objeto de pesquisa,
trazendo na questão da formação continuada as práticas de professores alfabetizadores3,
Desse modo, as trilhas percorridas no presente estudo foram estabelecidas no sentido
de compreender o processo de formação continuada das professoras alfabetizadoras4, a fim de
responder o seguinte problema de pesquisa: Quais são os limites e possibilidades para o
desenvolvimento de práticas reflexivas de docentes alfabetizadores das séries iniciais, de uma
instituição confessional?
Nos últimos anos, a academia tem demonstrado uma preocupação acentuada com a
formação do professor. Vários são os autores como Popkewitz (1987), Zeichner (1993)
Gimeno Sacristán (1998), Nóvoa (1999), Schön (2000), Contreras (2002) e Perrenoud (2002),
e bem como outros, nacionais tais como: Candau (1996), Nono (2001), Mizukami e Reali
(2002), que trouxeram contribuições para as discussões sobre Educação e formação docente.
Alguns trabalhos sobre formação continuada e desempenho de professor têm
2
A referência feita às teorias sócio-histórico-construtivista e sócio-interacionista diz respeito às pesquisas
realizadas por Ferreiro e Teberosky (1985) e seus colaboradores sobre o processo de aprendizagem da escrita.
Essas teorias apresentam como pressupostos básicos as convergências das idéias piagetianas e vygotskyanas
enfatizando a construção do conhecimento numa visão social, histórica e cultural.
3
Este estudo entende por professores alfabetizadores aqueles que atuam no 1º ciclo do Ensino Fundamental, a
quem se têm remetido a responsabilidade pelo processo de ensino e de aprendizagem da língua materna.
4
A pesquisadora ao se referir às participantes deste estudo, como professoras alfabetizadoras, respeita o gênero
feminino da palavra, porque todas as interlocutoras deste trabalho são do sexo feminino. Na instituição
escolhida não se tem conhecimento de profissional do sexo masculino que atue no campo de pesquisa. Quando
se refere aos profissionais da educação, em geral, utiliza a palavra no gênero masculino, ou seja, o professor.
15
analisado as dificuldades de mudança nas concepções e práticas educativas desses
profissionais em seu cotidiano escolar.
A partir dos anos de 1990, vários autores abordaram a questão da profissionalização
do professor e sua autonomia frente ao processo de formação, centrando suas análises nas
práticas escolares, ou seja, discutiram a educação em novas bases. “A compreensão dos
processos de constituição do saber docente no local de trabalho abria caminhos para os
estudos da escola nos cursos de formação e para novas possibilidades de se articular a
formação inicial e a continuada” (PIMENTA, 2005, p.33).
Embora, as produções internacionais passem a predominar e a se constituir em um
novo referencial teórico para as discussões sobre Educação no Brasil, não se pode negar que
houve a criação de espaços para análises críticas desse referencial. Entretanto, uma parcela
dos professores absorveu rapidamente essa produção como se fosse uma panacéia para a
problemática educacional brasileira, em forma de apropriação repetitiva e com recurso de
autoridade, contido em documentos oficiais sobre Educação e formação de professores,
desconsiderando outros referenciais teóricos na literatura nacional.
Um dos pontos comuns entre as produções internacionais e nacionais é o fato de
discutirem a formação dos professores entendendo-a como um processo que começa com a
formação inicial e se estende para a formação continuada. Segundo Garcia (1999), o conceito
de formação, na área de Educação, é suscetível de múltiplas perspectivas A maioria das
definições o associa ao desenvolvimento pessoal.
Zabalza (como citado por GARCIA, 1999, p.19) define o conceito de formação como
um processo de desenvolvimento que o sujeito humano percorre até atingir um estado de
plenitude pessoal. Sendo assim, observa-se que a formação é historicamente construída e que
o professor tem que se preocupar com o seu processo de formação continuada.
Tendo em vista a amplitude e a complexidade no tratamento da questão, essas idéias
e concepções apresentadas pelos referidos autores sobre a formação continuada não podem
ser apropriadas pelos programas de formação de professor de maneira acrítica, como
referência única e verdadeira.
As discussões dos autores sobre a questão do professor reflexivo como um
profissional capaz de refletir sobre sua prática são importantes, desde que se tenha um olhar
crítico para a relação teoria e prática reflexiva na formação de professores.
Nessa direção, retrata-se os esforços por diversos setores educacionais para a
implementação de ações voltadas para a formação do professor, bem como as discussões de
16
pesquisadores, tais como McDiarmid (1995), Reali (1995), Micotti (1998), Azzi (1999),
Pimenta (2005), e outros.
Micotti (1998, p.121) afirma que as tendências observadas quanto à prática da
mudança didática, que refletem concepções de ensino e de trabalho docente, sugerem a
necessidade de algumas medidas para que os cursos de formação focalizem os fundamentos
empíricos das teorias, evitando a dicotomia entre teoria e prática. Em se tratando de
alfabetização, o ensino pressupõe visão global do processo. Como há diferentes métodos para
alfabetizar, a leitura de fatos ocorridos em sala de aula, por exemplo, depende do enfoque dos
mesmos no contexto do método utilizado, que, por sua vez, é obtido pelo confronto com
outros métodos. Essa seria uma das medidas que permitiria compreender o significado de atos
isolados, de atividades ou de aspectos do trabalho docente.
A autora mostra que as contradições e incoerências entre o que os professores dizem
e o que se propõem a fazer e o que realmente fazem representam o conflito entre a sua
formação inicial e a sua formação contínua e refletem as várias concepções de ensino e de
trabalho docente.
Dessa forma, o professor enquanto sujeito histórico tem seu pensar condicionado
pelas possibilidades pessoais e profissionais no contexto em que atua, tendo que ser
respeitado no seu tempo e na sua identidade.
Analogamente Bolzan (2002, p.21) afirma que os professores agem, freqüentemente,
de acordo com o que pensam. Seu processo de pensamento está permeado de teorias e
crenças, porém esse pensamento não é observável. Considera-se assim que as trajetórias
pessoais e profissionais são fatores definidores dos modos de atuação do professor, revelando
suas concepções sobre o seu fazer pedagógico.
Ao trazer a história e a trajetória das professoras participantes da pesquisa, busca-se
com essa investigação atingir os seguintes objetivos:
1- identificar, na trajetória da formação inicial e continuada das docentes
alfabetizadoras, as possibilidades para o desenvolvimento de práticas reflexivas;
2- investigar os limites para a promoção de práticas reflexivas vivenciadas pelas
participantes da pesquisa;
3- analisar em que medida a instituição escolar contribui para que as professoras a
percebam como um locus privilegiado de estudos e de reflexões sobre suas
práticas.
Nesse sentido, pode-se considerar que, diante das questões acima apontadas, trazer a
análise das práticas das professoras alfabetizadoras como objeto de pesquisa possibilita
17
compreender o percurso pedagógico que ocorre com as propostas didáticas quando são
apresentadas às professoras e trabalhadas por elas. Permite também compreender que este
procedimento das análises das práticas pode se constituir em um instrumento, uma ferramenta
de apoio à mudança pessoal e profissional do professor, uma vez que se faz necessário criar
oportunidades para que os professores em grupo, no coletivo, reflitam sobre as suas práticas e
seus esforços para mudança das mesmas.
Dessa forma, acredita-se no presente estudo, que a formação das professoras se
constituirá num limite para o desenvolvimento de práticas reflexivas, pois os conceitos de
professor reflexivo e de práticas reflexivas não são comumente discutidos nos cursos de
formação.
Em contrapartida, considera-se também que as oportunidades de formação
continuada oferecidas pela instituição escolar podem vir a se constituir em possibilidades para
o desenvolvimento dessa reflexão e transformação das práticas de alfabetização, fazendo com
que as participantes da pesquisa reconheçam a Instituição como um locus privilegiado de
estudos e de reflexões sobre suas práticas.
Com esse propósito, adotou-se uma metodologia de pesquisa qualitativa, e realizouse uma pesquisa de campo, por meio de entrevistas semi-estruturadas a quatro professoras, de
uma escola confessional de 1ª a 4º série do ensino fundamental, do interior do Estado de São
Paulo, da análise documental do projeto político-pedagógico da Instituição, campo de
pesquisa, e do projeto pedagógico de alfabetização das participantes.
Nessa perspectiva, o texto é retratado pelo próprio movimento em que vive ao
produzi-lo: na primeira seção apresenta-se a introdução explicitando a gênese do tema de
investigação proposto, bem como a trajetória docente da pesquisadora. Na segunda, aborda a
questão da prática reflexiva na formação dos professores, com base nas contribuições da
literatura. Foram levantados trabalhos, publicações, dissertações de mestrado e teses de
doutorado que, a partir dos anos 1990, abordaram a questão da formação de professores
alfabetizadores nas séries iniciais.
A seguir, na terceira seção, apresenta-se o arcabouço teórico da pesquisa com
estudos consolidados nas teorias de autores que discutem a questão da prática reflexiva na
formação do professor, tratando de três questões:
Na primeira, discute-se a formação continuada clássica de professores e as
tendências atuais, apontando alguns modelos de formação continuada centrada na escola,
apoiando-se em autores como Zeichner (1993), Candau (1996), Ponte (1998), Garcia (1999),
Mizukami e Montalvão (2002). Na segunda, a prática reflexiva na formação dos professores é
18
abordada com base em autores como Schön (2000), Contreras (2002) e Pimenta (2005), que
defendem idéias que consistem em inserir a formação, tanto a inicial como a contínua do
professor, como um processo estrutural a longo prazo, visto que nenhuma reforma
educacional nos programas de formação de professores pode provocar mudanças de forma
unilateral e em um curto espaço de tempo.
Na terceira, apoiando-se nas discussões de Tardif e Raymond (1991), Nóvoa
(1999,2001) e Mizukami e Montalvão (2002), explicita-se como os saberes docentes podem
ser construídos nas duas perspectivas de formação, inicial e continuada. São consideradas,
ainda, as propostas de McDiarmid (1995) quando afirma que os professores no processo de
formação continuada precisam de suporte dos gestores para que entendam as suas demandas,
e também da criação de uma comunidade para aprenderem com a experiência dos outros
professores a repensarem e mudarem suas práticas.
O delineamento do estudo é apresentado na quarta seção, em que os referenciais
teórico-metodológicos da pesquisa são explicitados. A opção pela pesquisa qualitativa passa
pela possibilidade de olhar para o cotidiano das professoras - interlocutoras como objeto de
estudo, investigando aquilo que experimentam e o modo como elas interpretam as suas
experiências. Os procedimentos utilizados na coleta e análise de dados também são descritos
no percurso metodológico da pesquisa.
Desse modo, na quinta seção, discute-se a análise descritiva e reflexiva dos dados,
constituída em duas partes: na primeira, apresenta-se análise do projeto político pedagógico
da Instituição que norteou o projeto pedagógico de alfabetização das participantes, e o
programa de formação continuada das docentes alfabetizadoras. Na segunda, apresenta-se a
análise das entrevistas das interlocutoras baseada em três temas: trajetória profissional das
participantes, desenvolvimento de práticas reflexivas, os saberes docentes e a abertura para
mudança das práticas alfabetizadoras, relacionados com a formação inicial e continuada das
participantes.
Nas considerações finais, os dados obtidos são confrontados com a literatura e
discutidos à luz do referencial teórico. Acredita-se que a análise dos conceitos ”professor
reflexivo” e “prática reflexiva” possa contribuir para a compreensão das práticas das
professoras interlocutoras. Acredita-se também, que prática reflexiva tratada como conceito
no presente estudo, possa trazer implicações com a idéia da escola como um lugar
privilegiado de reflexão, constituindo assim, um importante cenário de atividade formativa
para as professoras alfabetizadoras, participantes da pesquisa.
19
O que se espera, ao desenvolver este trabalho, é que a forma de provocar as
discussões e o enfoque de centrar as preocupações quanto às possibilidades de práticas
reflexivas do professor alfabetizador possam levar o leitor a levantar outras perguntas mais
inquietantes do que aquelas que foram feitas durante a trajetória da pesquisa.
20
2 . IDENTIFICANDO OS PROCESSOS DE FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA
NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES ALFABETIZADORES NAS SÉRIES
INICIAIS: CONTRIBUIÇÕES DA LITERATURA
[...] não podemos pensar que, porque proporcionamos a alguém uma teoria
educativa científica, estamos fornecendo, ao mesmo tempo, os fundamentos
para guiar sua prática educativa.
(PEARSON citado por CONTRERAS, 2002 p. 104)
21
Nesta seção são apresentados alguns artigos, publicações, dissertações de mestrado e
teses de doutorado que, principalmente a partir dos anos 1990, têm abordado a questão da
formação de professores alfabetizadores nas séries iniciais, pois, segundo NUNES (citado por
MIZUKAMI e MONTALVÃO, 2002), é a partir da década de 1990 que:
[...] buscam-se novos enfoques [...] para compreender a prática pedagógica e os
saberes pedagógicos e epistemológicos relativos ao conteúdo escolar a ser
mudado/aprendido. Neste período inicia-se o desenvolvimento de pesquisas que,
buscam resgatar o papel do professor, destacando a importância de se pensar a
formação numa abordagem que vá além da acadêmica, envolvendo o
desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional da profissão docente. (p.103)
Nesse aspecto, foram identificados na literatura, trabalhos que discutiram temas
como formação inicial e formação continuada, as práticas e saberes docentes, histórias e
trajetórias de vida de professores alfabetizadores, identidade e aprendizagem profissional da
docência, a fim de possibilitar uma melhor compreensão das diversas facetas desses
processos.
André (1999) fez uma síntese integrativa do conhecimento sobre a formação docente,
com base na análise das dissertações e teses defendidas nos programas de pós-graduação em
educação do país, de 1990 a 1996.
Com relação à formação inicial, o tema mais enfatizado, segundo a autora, nesses
trabalhos era a avaliação do curso de formação, seja em termos de seu funcionamento, seja em
termos do papel de alguma disciplina do curso. Outro conteúdo priorizado era o professor,
suas representações, seu método, suas práticas.
Os estudos sobre formação continuada analisavam propostas de governo ou de
Secretarias de Educação, programas ou cursos de formação, processos de formação em
serviço e questões da prática pedagógica. Embora o número de estudos sobre formação
continuada fosse relativamente pequeno em comparação ao do total de trabalhos sobre
formação docente, os aspectos focalizados eram bastante variados, incluindo diferentes níveis
de ensino (infantil, fundamental), contextos diversos (rural, noturno, a distância, especial),
meios e materiais diversificados (rádio, televisão, textos pedagógicos, módulos, informática),
revelando dimensões bastante ricas e significativas dessa modalidade de formação.
Os temas identidade e profissionalização docente foram considerados pouco
explorados no conjunto das pesquisas, mas, segundo André (1999), eles vinham emergindo
com certa constância nos últimos anos.
A autora constatou ainda que havia um excesso de discurso sobre o tema formação
docente e uma escassez de dados empíricos para referenciar práticas e políticas educacionais.
22
Mais recentemente, foram encontrados diversos estudos sobre a construção da
identidade do professor (DIAS, 2002; PEREZ, 2003; CORSI, 2005; NONO E MIZUKAMI,
2006; e AGUIAR, 2006) que investigaram a trajetória de alfabetizadores, e os saberes
relacionados à aprendizagem profissional da docência.
Corsi (2005) investigou as dificuldades vivenciadas por duas professoras iniciantes
nas séries iniciais e em que medida essas situações difíceis serviam de base para o processo
do seu desenvolvimento profissional.
Os resultados indicaram que as dificuldades enfrentadas no início da profissão, tais
como o comportamento agressivo e desinteresse dos alunos, estavam inseridas no contexto
das práticas das professoras.
A pesquisa evidenciou que as professoras, embora enfrentassem situações comuns de
dificuldades, reagiam a essas de maneira diferente, o que refletia a influência de vários
saberes, dentre eles os saberes da formação, da experiência e os pessoais, indicando que a
prática docente é vivenciada como um processo individual.
A pesquisadora afirmou ainda que o processo de reflexão das professoras sobre as
situações vividas e a forma de lidar com elas preparavam-nas para enfrentar novas situações,
contribuindo assim para o seu próprio desenvolvimento profissional.
Nono e Mizukami (2006) também analisaram a trajetória profissional de professores
com menos de cinco anos de docência que atuavam na Educação Infantil e nas séries iniciais
do Ensino Fundamental, com trajetórias diversificadas de entrada na carreira docente.
Segundo as pesquisadoras, as iniciantes relataram a busca de diversos conhecimentos
profissionais para desenvolverem seu ensino, tais como: conhecimento pedagógico geral
(teorias e princípios de ensino e aprendizagem, conhecimento dos alunos, conhecimentos
relativos ao manejo da classe e à instituição em que trabalhavam) e conhecimento do
conteúdo específico (conceitos e idéias de uma área de conhecimento, formas de construção
de conhecimentos em determinada área), como fatores que facilitaram sua iniciação
profissional.
A pesquisa revelou que o início da carreira foi um período de sobrevivência e
descoberta, no qual as professoras procuraram ajustar suas expectativas e ideais sobre a
profissão às condições reais de trabalho.
Nono e Mizukami (2006) afirmaram que essa busca implicou, constantemente, nos
processos de desenvolvimento profissional das professoras que manifestavam disposição para
refletir sobre sua prática de ensino e orientar suas intervenções pelas observações e análises
23
que realizavam diante da participação das crianças nas aulas que propunham, evidenciando
assim a dimensão formativa da escola como ambiente de trabalho.
A partir dos dados obtidos, as pesquisadoras constataram que apesar das
peculiaridades que caracterizavam a entrada na carreira, cada professora vivenciou esse
momento de forma particular, a partir dos conhecimentos que possuíam sobre a profissão.
Os resultados desta investigação apontaram também a necessidade de que sejam
organizados programas de iniciação ao ensino para professoras principiantes, que respondam
à concepção de que a formação de professores é um processo contínuo, e que tem de ser
oferecida de um modo adaptado às necessidades de cada momento da carreira.
Ainda segundo Nono e Mizukami (2006), tais programas deveriam ser
compreendidos como um elo imprescindível entre a formação inicial e o desenvolvimento
profissional, levando em conta os diferentes conhecimentos profissionais que orientassem as
práticas escolares adotadas e que promovessem processos de desenvolvimento profissional
docente.
Aguiar (2006) estudou a relação entre a participação em processos de formação
contínua e suas implicações para a carreira docente, tendo como participantes 62 professores
que lecionavam em diferentes níveis de ensino, desde a Educação Infantil até o Ensino
Superior, focando sua análise na transformação das práticas pedagógicas e na influência dessa
formação na construção da identidade docente.
Os resultados da investigação permitiram constatar que a formação era algo
extremamente valorizado pelos professores, apesar de possuírem um sentimento de
desvalorização por conta do não reconhecimento como professores e do seu saber. Foram
citados como dificuldades e confrontos vivenciados por eles, desde as políticas educacionais
inadequadas, a oferta de cursos de capacitação que não vão ao encontro da necessidade de
formação dos professores, a falta de tempo para estudo, até as estruturas e dinâmicas dos
contextos escolares atuais. Assim, foi constatado que a formação continuada muitas vezes não
corresponde às exigências da complexidade do mundo de trabalho.
Segundo Aguiar (2006), os dados obtidos permitem afirmar que o professor não pode
ser o único a se responsabilizar pela sua formação. Esta questão implica intervenções em
vários níveis, desde os contextos de vida dos professores como também dos “outros” sociais
que com eles se relacionam, tais como os programas de formação e políticas educacionais, as
condições materiais de trabalho, o salário e a organização do trabalho pedagógico.
Esta perspectiva de formação continuada sugerida por Aguiar (2006) pauta-se na
necessidade da existência de projetos educativos entre os professores, nas escolas, podendo
24
acontecer tanto no trabalho sistemático interno à escola quanto fora dela entre os demais
profissionais do sistema educativo e do sistema social em geral.
Aguiar (2006) afirmou que o professor, com suas motivações, necessidades e
oportunidades constrói laços com a escola, os alunos, a profissão, enfim, a sua identidade.
Esses fatores são concordantes com os que Perez (2003) havia asseverado que se entrelaçam
na construção da identidade do professor.
Perez (2003) apontou a memória local como instrumento de formação de professores
e de reinvenção do espaço escolar como um lugar de encontro de pessoas e práticas; de
reencontro com a história e com a vida; lugar onde memória, palavra e práticas podem ser
compartilhadas; lugar de ser, fazer e subverter estratégias pedagógicas que nos forçam a
perder nossa memória coletiva e focalizar o compartilhar de experiências, memórias e
narrativas que reinventam as relações escola-comunidade.
O resgate das histórias e memórias da vida cotidiana na escola também foi utilizado
por Dias (2002) ao investigar professoras alfabetizadoras. Essa estratégia revelou que a
utilização das narrativas permitiu desenvolver nas participantes uma ação reflexiva que as
capacitaram a "olhar" transversalmente as experiências vividas, a realidade, o mundo e a
cultura, evidenciando o entrelaçamento do mundo subjetivo, da consciência, da intuição, dos
afetos e dos valores, com as origens de classe, relações de pertencimento, gênero, status
racial, na produção de matrizes culturais, que marcavam tanto os modos como elas sentiam,
pensavam e viviam a vida e a profissão, como a construção dos significados que lhes eram
atribuídos.
O conhecimento dos fatores que se entrelaçam na construção da identidade dos
professores é fundamental, pois, como afirmado por Dias (2002), a não consideração desses
fatores nos espaços de formação, incluindo a escola, tem mostrado que esses espaços não
estão conseguindo dar conta dos processos de formação de professoras alfabetizadoras.
No cruzamento dos dados levantados por Dias (2002) foram encontradas, por um
lado, diferenças nas experiências de vida de cada professora-alfabetizadora que, articuladas,
influenciaram as decisões da vida profissional, e, por outro, proximidades que explicavam o
que têm identificado as professoras enquanto um grupo específico da categoria.
Essas proximidades estavam relacionadas, segundo Dias (2002), à situação
socioeconômica familiar que constituía no imaginário infantil o ser professora como
possibilidade de se ter uma condição de vida, sem as limitações financeiras. Além disso, as
participantes da pesquisa afirmaram terem recebido a influência de pessoas da família na
escolha da profissão.
25
Os dados obtidos pela autora evidenciaram que, apesar das diferenças de
experiências de vida, tais como lembranças pessoais, sentimentos e vivências, as professoras
chegaram a escolhas semelhantes, que tinham seus significados e proximidades no discurso
uniformizado que perpassava os espaços de formação.
A pesquisadora ponderou ainda que o conhecimento dos percursos auxiliou na
(des)construção de uma identidade já posta na realidade educacional, que forjava modos de
ser- professora- alfabetizadora.
Outros estudos investigaram as contribuições da formação continuada para a
aprendizagem profissional da docência. Alguns com foco na formação inicial (NONO 2001;
NONO E MIZUKAMI, 2001; FERNANDES, 2002) e outros na continuada (MCDIARMID,
1995; MELLO, 1998; MICOTTI, 1998 e TEIXEIRA, GRIGOLI E LIMA, 2002).
Nono e Mizukami (2001) pesquisaram o uso de estratégias que orientavam a
observação e análise de professoras em formação, visando potencializar a aprendizagem
profissional.
As autoras propuseram que as futuras professoras analisassem oito casos de ensino,
que envolviam temáticas diversas: tratamento de tópicos ou conceitos específicos de diversas
áreas do conhecimento; dilemas vivenciados por professores; avaliação da aprendizagem;
envolvimento dos pais na atividade docente; formas de ensinar e de aprender; processos
pessoais de aprendizagem, dentre outras.
A análise dos dados apontou a presença de um conjunto múltiplo, dinâmico e
complexo de conhecimentos, crenças e expectativas orientando as observações e análises
realizadas pelas futuras professoras, diante de eventos relacionados à complexidade das
situações vividas em sala de aula.
Dessa forma, as estratégias utilizadas permitiram que as futuras professoras
construíssem, relacionassem e explicitassem diversos tipos de conhecimentos envolvidos em
sua aprendizagem profissional. A apresentação de temáticas relacionadas à atuação do
professor em sala de aula, sob a forma de casos, permitiu que as alunas, a partir de seu estudo,
se envolvessem em processos de análise, resolução de problemas, tomada de decisões,
necessários à futura atividade docente que exercerão.
Ao apresentarem a complexidade das situações de sala de aula, os casos indicaram
forte potencial para aprimorar a capacidade de observação exigida nos estágios realizados nos
cursos de formação.
Fernandes (2002) também se dedicou ao estudo de professores em formação,
analisando a contribuição da problematização das práticas de alfabetização de alunos de
26
Pedagogia, durante o estágio, concluindo que essa estratégia favorecia a construção dos
saberes docentes.
A pesquisa evidenciou em que medida havia articulação entre os saberes construídos
no cotidiano das práticas pedagógicas de professoras alfabetizadoras de crianças com a
formação docente.
Ao analisar os dados, Fernandes (2002) observou nos registros das alunasprofessoras alguns elementos contraditórios permeando as concepções do processo e da
prática de alfabetização. Dentre eles destacou: a falta de relação entre o conhecimento
aprendido e a realidade da prática pedagógica; uma prática totalmente dissociada das teorias,
demonstrando que, embora houvesse um plano de aula bem elaborado, sua prática acontecia
divorciada da teoria. O plano deveria ser bonito e bem enfeitado, para a supervisora dar o seu
aval, ficando portanto, evidente que tanto a prática pedagógica da professora alfabetizadora,
quanto da supervisora não envolviam processos de reflexão, ao contrário, assentavam-se num
ativismo pedagógico, privilegiando a forma em detrimento do conteúdo.
Por outro lado, algumas alunas-professoras apontaram como um aspecto essencial,
nesta prática, a superação dos métodos tradicionais e mecânicos, de modo que os
conhecimentos, trazidos pela criança para o espaço escolar fossem valorizados. Outras
evidenciaram que era necessário alfabetizar para além do deciframento do código escrito,
indicando, em alguns momentos, uma concepção de alfabetização como processo mais amplo,
envolvendo as entrelinhas, o letramento.
Nestes registros também foram encontradas reflexões que as alunas-professoras
fizeram a respeito da função social da prática alfabetizadora: de um lado, apontaram a
existência de uma prática reprodutora da ignorância e de seleção social; de outro, a
possibilidade de uma alfabetização voltada para a emancipação dos sujeitos, como
instrumento de libertação da ignorância e da opressão.
Nono (2001) já havia investigado quais tipos de conhecimentos estavam relacionados
à aprendizagem profissional da docência, por meio de uma pesquisa descritivo-analítica, de
natureza qualitativa desenvolvida em uma escola pública estadual de formação inicial em
nível médio de professores para as séries iniciais do ensino fundamental, envolvendo 30
participantes.
Os resultados da investigação permitiram identificar os conhecimentos relacionados
à aprendizagem da docência das futuras professoras, sobre os atos de ensinar e aprender e os
diversos tipos de conhecimentos envolvidos nesses atos.
27
Esse conjunto de conhecimentos possuía um caráter múltiplo e dinâmico, pois as
futuras professoras em formação destacaram o processo de continuidade da aprendizagem da
profissão docente e a importância, para o professor, do conhecimento de si mesmo, do aluno,
do conteúdo a ser ensinado e de como ensinar.
Dessa forma, afirma a autora que as experiências e aprendizagens vivenciadas no
início da profissão eram entendidas como base do processo de construção do ser professor.
Alguns dos estudos citados anteriormente se utilizaram de observações e casos de
ensino para potencializar a reflexão e construção do saber docente na formação inicial; Mc
Diarmid (1995) sugere estratégia semelhante para o aprimoramento e desenvolvimentos dos
saberes dos professores em serviço.
O autor analisou uma reforma educacional ocorrida no estado americano de
Kentucky, discutindo ações que poderiam contribuir para o desenvolvimento profissional de
professores daquele Estado.
De acordo com o autor, o “coração dessa reforma” estava em desenvolver novos
recursos de aprendizagens para os professores reinventarem suas práticas, dentre eles: criar
uma rede para troca de idéias e repartir conhecimentos, informações on-line e imagens de
vídeo para observações e estudos, possibilitando, assim, uma análise dos professores sobre as
suas práticas e de outros professores.
McDiarmid (1995) identificou elementos no contexto da reforma que seriam
condições necessárias de suporte de aprendizagem dos professores em desenvolvimento, tais
como uma política de decisão em conjunto com a escola para que os professores planejassem
o seu próprio desenvolvimento profissional.
O autor ponderou que se fazia necessário oferecer oportunidades de desenvolvimento
nas escolas, que viessem ao encontro das necessidades formativas dos professores, tais como
a reflexão coletiva sobre as suas práticas e seus esforços para aprenderem com a experiência
dos outros professores.
Analogamente, Micotti (1998) revelou a dimensão formadora da interpretação das
práticas de professores alfabetizadores. Os estudos realizados pela autora mostraram que a
análise das práticas ajuda o professor a trabalhar as suas próprias ambivalências. Entretanto, a
autora reconheceu que partir da análise das práticas e da experiência do professor, sem se
limitar a elas, a fim de comparar, explicar, teorizar, é uma das dificuldades mais críticas para
se trabalhar a formação do professor, especificamente no que se refere à formação das
professoras alfabetizadoras.
28
Mello (1998) investigou, por meio de um estudo de casos múltiplos de tipo
etnográfico, os saberes construídos no percurso profissional e no cotidiano de trabalho de
quatro professoras das séries iniciais do ensino fundamental de uma escola pública estadual.
O estudo discutiu inicialmente o que é “ser professor” e o papel das escolas no
desenvolvimento profissional dos docentes que nela atuavam, em particular na construção dos
saberes docentes. O estudo revelou a forte influência dos cursos de formação inicial para a
reflexão dos professores como principal instrumento da profissão e para a do formador na
vida profissional das professoras, principalmente para a implantação de mudanças nas suas
práticas pedagógicas. Por fim, o estudo mostrou o exercício profissional da docência como
um locus formativo, corroborando as idéias de McDiarmid (1995).
A construção dos saberes também foi objeto de estudo de Teixeira, Grigoli e Lima
(2002) que investigaram os dilemas e conflitos de alfabetizadoras com até seis anos de
docência, a fim de compreender as multifaces que envolvem o processo de formação
profissional, e em que medida esses conflitos/dificuldades, podiam, ou não, se converter em
saberes para a aprendizagem da docência.
Ao expressarem as suas concepções sobre ensinar e aprender e as dificuldades para
exercer o magistério as professoras revelaram, de diferentes maneiras, que a sua prática estava
assentada sobre muitos paradoxos, dentre eles, que a identificação do professor se faz pelo
saber prático ou da experiência, por oposição aos saberes das disciplinas e curriculares, ou
seja, o professor se define como o profissional da sala de aula quando associa ensinar bem,
preponderantemente, com o seu fazer pedagógico.
Dessa forma, os resultados da pesquisa indicaram que havia uma preocupação entre
as professoras pesquisadas com “o que ensinar” e “como fazê-lo” e que o discurso era
coerente: o foco era sempre o procedimento a ser adotado e qual conteúdo seria ensinado.
Sob esse aspecto, tem-se uma relação dos saberes da experiência, curriculares e da
formação, que, segundo as pesquisadoras, não parecia fundada numa reflexão sobre a própria
ação pedagógica, mas, sim, em um discurso imposto por ou decorrente de modelos de
formação que indicavam a necessidade de se “partir do contexto do aluno”, de “trabalhar com
projetos”, dentre outros.
Essa mesma situação se repetia quando as professoras descreviam como foi o
desenvolvimento de uma aula. A descrição abordava basicamente dois aspectos:
procedimentos e recursos didáticos e formas de lidar com o conteúdo. Ao falar em
procedimento e recursos didáticos, as professoras evidenciaram preocupação com o preparo
da aula de maneira a nela associar as técnicas de ensino e os recursos necessários, como
29
livros, textos e vídeo. Porém, também nesta situação, não se percebia, segundo as
pesquisadoras, uma relação entre os conteúdos e os procedimentos adotados. Os dados
obtidos revelavam que os saberes da experiência se relacionavam aos outros saberes de forma
ambígua e fragmentada, levando, assim, à análise e reflexão dos cursos de formação
continuada para professores, visto que esses objetivam e também contribuem para a
aprendizagem da docência.
A produção de saberes específicos ao fazer pedagógico, a partir dos obstáculos e
adversidades, também foi relatada por Ferreira (2005). A pesquisadora analisou a prática
docente de sete professoras alfabetizadoras e os dados levantados indicaram que tais saberes
resultavam das interações docentes nos diferentes momentos e espaços da ação, mediatizadas
pela atitude crítico-reflexiva.
Esse estudo corrobora o de Costa (2003) que teceu críticas contundentes aos cursos
de formação que não priorizavam a reflexão crítica, afirmando que isto dificultava que as
professoras refletissem sobre sua prática no exercício da profissão, mesmo quando
estimuladas, devido à ausência do hábito.
Costa (2003) por meio de um estudo exploratório com cinco professoras e uma
coordenadora do ensino fundamental investigou alguns aspectos do cotidiano escolar
apontados pelas professoras, tais como: exigências burocráticas, cursos de formação
repetitivos ou insuficientes para garantir a aquisição de conhecimentos e habilidades para
atender as exigências educacionais contemporâneas, inutilidade da teoria para resolução dos
problemas postos na prática, falta de orientação para elaborar relatórios individuais sobre o
desempenho do aluno, indisciplina, desinteresse dos alunos, falta de apoio dos pais e, às
vezes, da equipe técnica da escola, afrouxamento das normas e regras escolares e proibição de
reter alunos entre uma fase e outra de um mesmo ciclo.
Os dados obtidos por Costa (2003) apontaram que, apesar das professoras terem sido
postas à vontade para falar de suas angústias e problemas, estimuladas pelos questionamentos
da pesquisadora, não se sentiram motivadas a fazê-lo. As causas, segundo a autora, estavam
relacionadas a diferentes fatores, dentre eles, que a reflexão crítica colocava em questão
experiências cotidianas e se chocava com valores, crenças e hábitos arraigados na cultura
escolar, provocando sentimentos de impotência, insegurança e crises de identidade.
Assim sendo, os resultados obtidos nesse estudo indicaram que os formadores não
deveriam subestimar o fato de que os professores não foram histórica e socialmente
preparados ou formados para irem além da transmissão de conhecimentos a seus alunos e, por
isso, não priorizavam a reflexão crítica, pois acreditavam que, para garantir uma boa
30
transmissão bastaria uma atualização técnica e metodológica constante e que lhes fossem
garantidas as condições mínimas para colocá-las em prática.
Segundo as constatações da pesquisadora, a situação vivida no interior da escola,
pelas professoras cotidianamente em seu ambiente de trabalho, era extremamente complexa,
difusa e contraditória e não era possível compreendê-la por meio de um pensamento simplista
que separa, distingue e classifica as coisas e não estabelece relações necessárias para o
planejamento de ações concretas no sentido de sua superação.
Castro (2005) resgatou junto a antigas professoras primárias, formadas no início do
século XX, aspectos da profissionalidade docente, que foram considerados por ele
determinantes na profissão e que precisam ser observados nos cursos de formação,
independentemente do nível em que sejam oferecidos.
Os relatos mostraram que as antigas professoras tinham uma percepção muito clara
sobre as diferenças entre a realidade que viveram no início do século XX e a dos dias atuais.
Segundo elas, havia uma sensível diferença entre o passado e o presente na posição social da
professora dos anos iniciais da escolarização e no exercício da profissão. De modo geral, elas
consideraram que a docência nas séries iniciais é essencialmente feminina e enfatizaram a
vocação como a principal qualidade de uma professora, a qual deveria ser complementada
pelo espírito crítico e pela responsabilidade.
No que diz respeito ao exercício da profissão, os depoimentos evidenciaram que dar
aulas no passado não era mais difícil, nem mais fácil do que é hoje, na medida em que a
profissão docente nunca foi fácil e sempre encerrou dificuldades. Entretanto, há uma série de
problemas da educação e do mundo atual que interferem na escola, na organização curricular
e no trabalho das professoras, tais como a multiplicidade de papéis, a burocratização, a
indisciplina e violência, que se agravaram.
Castro (2005) concluiu revelando que, apesar desses complicadores, há aspectos que
hoje são melhores, tais como a orientação que antes era precária e a facilidade de recursos
didáticos, bibliográficos e audiovisuais. Mesmo reconhecendo que, no mundo atual, a
profissão docente esteja em crise, as antigas professoras acreditam que há saída para ela.
.Esses aspectos levantados por Castro (2005) são concordantes com a crítica feita por
Sicardi (2000) quanto à fragmentação dos cursos de formação continuada que não consideram
a realidade escolar. São também concordantes com as observações feitas por Machado (2004)
sobre ausência de trabalho coletivo e interdisciplinar em um curso de formação inicial.
Para Sicardi (2000), os cursos de formação continuada de professores das séries
iniciais do ensino fundamental vêm apresentando uma abordagem linear e fragmentada dos
31
conteúdos, desvinculados dos problemas concretos, subjacentes às salas de aula, e da
realidade social e cultural dos professores e alunos.
Segundo a pesquisadora, o processo de reflexão, problematização e análise,
encaminha a busca de outro paradigma para fundamentar a formação continuada de
professores para as séries iniciais, no sentido de capacitá-los ao processo de contínua
construção e reconstrução do conhecimento e ao aperfeiçoamento de suas práticas
pedagógicas, visando educar as novas gerações com respeito à diversidade e vinculação ao
contexto e aos desafios presentes na sociedade global.
Os resultados obtidos apresentaram, ainda, o paradigma da complexidade como
perspectiva para a construção coletiva de uma concepção pedagógica de formação de
professores cujas competências e saberes qualifiquem a construção e reconstrução do
conhecimento pela pesquisa.
Machado (2004) pesquisou um curso de formação de pedagogos. A pesquisadora
investigou a contribuição de um curso de Pedagogia, a partir da análise documental do Projeto
Político Pedagógico do Curso e de entrevistas semi-estruturadas com alunos e professores.
Os dados obtidos ressaltaram a ausência de uma postura profissional e coletiva dos
professores formadores do curso, a inexistência do trabalho interdisciplinar e coletivo, e uma
dicotomia entre teoria e prática.
A pesquisadora, entretanto, ressalvou que o espaço do curso era rico no tocante ao
embasamento teórico e oferecia espaços essenciais ao desenvolvimento profissional dos
professores referente à ampliação da dimensão de cultura e pesquisa.
Pensando na realidade escolar, alguns pesquisadores vêm apontando a escola como
um locus decisivo na aprendizagem profissional dos professores.
Bragagnolo e Luna (2004), por exemplo, investigaram a construção da identidade
profissional, no contexto do trabalho docente, de 24 professoras da rede municipal.
Os resultados mostraram que as professoras primárias vinham realizando um
trabalho, historicamente, sob condições adversas. Tais condições iam desde o descaso dos
poderes públicos para com a educação, até as mais variadas acusações que lhes eram feitas de
incompetência técnica e despreparo para o magistério.
Também foram observadas exigências ou necessidades que se apresentam no dia a
dia do professor que poderiam levá-lo a novas aprendizagens. Essas demandas poderiam ser
internas, oriundas das situações cotidianas da sala de aula, ou externas, oriundas de ações
sociais, econômicas e políticas na área da educação, exigindo do professor a mobilização de
saberes próprios da profissão docente.
32
Foi possível identificar ainda, segundo as autoras, em relação ao processo de
alfabetização, a responsabilidade atribuída ao professor alfabetizador, conferindo-lhe o papel
de sujeito responsável por este processo. As professoras participantes da pesquisa revelaram
que fazem uso tanto de saberes da experiência mobilizados na prática alfabetizadora, quanto
de saberes oriundos de sua formação, expressos nos saberes disciplinares, curriculares e
profissionais. Estes saberes servem ou dão sentido às situações de trabalho que lhes são
próprias.
A escola é um locus fundamental para a aprendizagem e desenvolvimento
profissional do professor; entretanto, outros espaços de formação não devem ser negados.
Geglio (2003) investigou um programa de formação continuada oferecido pela Secretaria de
Educação (PEC- Programa de Educação Continuada) e verificou que o mesmo contribui com
novas aprendizagens e mudanças das práticas das alfabetizadoras.
O estudo desenvolvido por Geglio (2003) sobre a formação continuada de
professores e a mudança de prática contextualizou historicamente a formação docente, nas
produções dos anos 1970, 1980, e parte de 1990.
Sua análise foi pautada no significado da argumentação dos professores de que os
cursos de formação continuada, oferecidos a eles, sempre foram excessivamente teóricos
tendo em vista que suas necessidades eram de mais prática.
A pesquisa de Geglio (2003) envolveu 10 professoras e 06 escolas, que participaram
do Programa de Formação Continuada de professores, promovido pela Secretaria Estadual de
Educação do Estado de São Paulo nos anos de 1997 e 1998.
Constatou-se que a maioria dos entrevistados admitiu que ocorreram novas
aprendizagens que contribuíram para sua formação e mudança em sua prática na sala de aula.
Segundo o autor, mesmo para a pequena parcela que negou ter havido mudança, na narrativa
em algum momento a mudança apareceu, embora com pequena intensidade.
Os estudos revistos sobre os processos de formação, inicial e continuada, de
professores alfabetizadores, enfatizaram alguns aspectos desses processos, tais como: saberfazer de professores, exercício comprometido da docência, construção da identidade do
professor e seu desenvolvimento profissional.
Esses estudos permitiram compreender como os conflitos e dificuldades no
desenvolvimento das práticas docentes podem, ou não, se converter em saberes para a
aprendizagem da docência, a profissionalização, e a construção da identidade profissional, no
contexto do trabalho docente.
33
As constatações levantadas são importantes para a presente investigação, uma vez
que a pesquisadora, ao trazer a história e a trajetória das professoras pesquisadas, procurou
verificar se os seus depoimentos revelaram o movimento de contradições no processo de
resistência e de ruptura da resistência na mudança de suas práticas.
Esses estudos permitiram, ainda, observar que a escola pode ser um lugar importante
para a formação dos professores alfabetizadores, um locus privilegiado de estudos e de
reflexões sobre suas práticas, quanto à produção de competências, ou seja, na aprendizagem
profissional, pois, na escola, apresentam-se exigências ou necessidades que podem levá-los a
novas aprendizagens relacionadas ao exercício da docência.
De maneira geral, as conclusões desses estudos apontaram que a identificação dos
dilemas profissionais dos professores do Ensino Fundamental, das séries iniciais, poderá
favorecer uma maior compreensão de como se dá a construção dos saberes advindos da
experiência docente, desde sua formação inicial, levantando, assim, aspectos importantes para
a análise e reflexão dos cursos de formação continuada, para professores em exercício dentro
da instituição escolar e fora dela, visto que esses objetivam, também, contribuir para a
aprendizagem da docência.
Neste sentido, a literatura revisitada foi importante para a presente pesquisa, pois
permitiu observar proximidades e distanciamentos na trajetória profissional das participantes
desta pesquisa, além das contribuições do locus de formação.
Na próxima seção são apresentadas as referências teóricas que fundamentam o
presente estudo.
34
3. O ARCABOUÇO TEÓRICO DA PESQUISA: UM OLHAR CRÍTICO PARA A
RELAÇÃO TEORIA E PRÁTICA REFLEXIVA NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
.
As teorias são sempre produzidas através de práticas e as práticas refletem
ou geram sempre responsabilidades teóricas específicas [...] A relação entre
teoria e prática é dialógica, a teoria e prática informam-se uma a outra.
(KENNETH M. ZEICHNER, 1993, p.56)
35
Nesta seção, apresenta-se o arcabouço teórico da pesquisa, lugar de ancoragem dos
pressupostos teóricos do presente estudo. Na primeira parte, apresenta-se a discussão sobre a
formação de professores tomando como referência os estudos de Candau (1996), Ponte
(1998), Garcia (1999), Tardif e Raymond (2000), Mizukami e Montalvão (2002), no que
concerne aos conceitos de formação, e suas tendências atuais.
Em seguida, são explicitadas as abordagens sobre o conceito de prática reflexiva e a
utilização do termo reflexivo, na formação inicial e continuada do professor com base nas
discussões de Zeichner (1993), Schön (2000), Contreras (2002) e Pimenta (2005).
Na terceira parte são discutidas relações entre a aprendizagem de saberes dos
professores alfabetizadores, identidade e trajetórias de vida, a partir das abordagens de
McDiarmid (1995), Nóvoa (1999, 2001), Tardif (2002) e Mizukami e Montalvão (2002).
3.1. A concepção clássica de formação e as tendências atuais
Zabalza (citado por GARCIA, 1999) define formação de professores como área de
estudos sobre os processos através dos quais os professores aprendem e desenvolvem sua
competência profissional
A formação de professores é a área de conhecimento, investigação e de propostas
teóricas e práticas que, no âmbito da Didática e da Organização Escolar, estuda os
processos através dos quais os professores - em formação ou em exercício - se
implicam individualmente ou em equipe, em experiência de aprendizagem através
dos quais adquirem ou melhoram os seus conhecimentos, competências e
disposições, e que lhes permite intervir profissionalmente [...] (p. 26)
Para Garcia (1999), o conceito de formação pode ser entendido como uma função
social de transmissão de saberes, de saber fazer ou do saber ser e como um processo de
desenvolvimento e de estruturação da pessoa que se realiza com o duplo efeito de uma
maturação interna e de possibilidades de aprendizagem, de experiências de sujeitos.
Segundo o autor, durante algum tempo, os termos de aperfeiçoamento, formação em
serviço, formação contínua, reciclagem, desenvolvimento profissional ou desenvolvimento de
professores foram utilizados como conceitos equivalentes. Quanto ao conceito de
desenvolvimento profissional dos professores, em particular, o autor explicita que ele está
vinculado a uma abordagem na formação de professores que valoriza o seu caráter contextual,
organizacional e orientado para mudança. Esta abordagem apresenta uma perspectiva que
36
supera o caráter tradicionalmente individualista das atividades de aperfeiçoamento dos
professores.
Nesse sentido, ele entende desenvolvimento profissional como uma encruzilhada de
caminhos, que permite integrar práticas educativas, pedagógicas, escolares e de ensino. Desse
modo, ele aponta a potencialidade que possui a escola como contexto próximo e favorável
para a aprendizagem dos professores.
Para Ponte (1998), o desenvolvimento profissional ao longo de toda a carreira é
considerado um aspecto marcante da profissão docente. Ele, identifica diversos contrastes
entre as lógicas da formação e do desenvolvimento profissional, pois a formação está muito
associada à idéia de “freqüentar” cursos, enquanto que o desenvolvimento profissional ocorre
através de múltiplas formas, que incluem cursos, mas também atividades como projetos,
trocas de experiências, leituras e reflexões.
Dessa forma, explicita o autor que não há qualquer incompatibilidade entre as idéias
de formação e de desenvolvimento profissional:
[...] na formação o movimento é essencialmente de fora para dentro, cabendo ao
professor assimilar os conhecimentos e a informação que lhe são transmitidos,
enquanto que no desenvolvimento profissional temos um movimento de dentro para
fora, cabendo ao professor as decisões fundamentais relativamente às questões que
quer considerar, aos projetos que quer empreender e ao modo como os quer executar
( PONTE, 1998, p.2)
Candau (1996) identifica dois tipos de formação continuada: a clássica e a centrada
na escola.
De acordo com a autora, a perspectiva de formação que denomina “clássica” enfatiza
a formação continuada nos espaços considerados tradicionalmente como locus de produção de
conhecimento, onde circulam as novas tendências e buscas nas diferentes áreas do
conhecimento. Dessa forma, a ênfase é posta:
[...] na “reciclagem” dos professores. Como o próprio nome indica, reciclar significa
“refazer o ciclo”, voltar e atualizar a formação recebida. Uma vez na atividade
profissional, o professor em determinados momentos realiza atividades específicas,
e em geral volta à universidade para fazer cursos de diferentes níveis, de
aperfeiçoamento, especialização, pós-graduação - não só lato sensu, mas também
stricto sensu. Outras possibilidades de reciclagem podem ser a freqüência a cursos
promovidos pelas próprias secretarias de educação e/ou a participação em
simpósios, congressos, encontros orientados de alguma forma a seu
desenvolvimento profissional [...] (CANDAU,1996, p.141)
Nessa perspectiva o locus de formação continuada dos professores é a universidade e
outros espaços com ela articulados.
37
Candau (1996) critica esse modelo vigente e atribui a necessidade de construção de
uma nova concepção de formação continuada que seja compatível com a natureza dos
processos de aprendizagem profissional da docência, que estaria assentada em três premissas:
a escola como lócus de formação continuada, a valorização do saber docente e a trajetória dos
professores.
Para a autora é preciso deslocar o lócus da formação continuada de professores da
universidade para a própria escola. O reconhecimento da escola como lócus privilegiado da
formação de professores tem várias implicações:
[...] trata-se de trabalhar com o corpo docente de uma determinada instituição
favorecendo processos coletivos de reflexão e intervenção na prática pedagógica
concreta, de oferecer espaços e tempos institucionalizados [...] criar sistemas de
incentivo à sistematização das práticas dos professores e a sua socialização [...]
estimular componentes formativos que tenham uma articulação com o cotidiano
escolar [...] partir das necessidades reais dos professores, dos problemas do dia a
dia, favorecendo processos de pesquisa - ação [...] (CANDAU,1996, p.145)
A segunda premissa de Candau (1996) se assenta na importância do reconhecimento
e valorização do saber docente no âmbito das práticas de formação continuada,
principalmente no que diz respeito aos saberes da experiência.
Os saberes da experiência na concepção da autora fundamentam-se no trabalho
cotidiano e no reconhecimento do seu meio e assevera a autora:
São saberes que brotam da experiência e são por elas validados. É por meio desses
saberes que os professores julgam a formação que adquiriram, a pertinência ou o
realismo dos planos e das reformas que lhes são propostas e concebem os modelos
de excelência profissional. Eles constituem hoje a cultura docente em ação, que é
muito importante que sejamos capazes de perceber essa cultura, que não pode ser
reduzida ao nível cognitivo. (CANDAU, 1996, p.146)
Um terceiro eixo defendido pela autora consiste na consideração das etapas de
desenvolvimento profissional no magistério, pois não se pode tratar de forma homogênea e
padronizada o professor na fase inicial do exercício profissional e o professor com anos de
experiência no magistério.
Essa ótica de um modelo diferente, mais abrangente, rompe, segundo Candau (1996),
com a visão dicotômica do modelo clássico, e centra sua reflexão nas trajetórias profissionais
dos professores, permitindo-lhes apropriarem-se de seus processos de formação e dar-lhes um
sentido no quadro de suas histórias de vida.
Diante disso, a formação continuada não pode ser concebida como um processo de
acumulação de cursos, palestras, seminários, de conhecimentos ou de técnicas, mas sim como
38
um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma
identidade pessoal e profissional.
Nesse sentido, considerar a escola como locus de formação continuada passa a ser
uma afirmação fundamental na busca de superar o modelo clássico de formação
continuada e construir uma nova perspectiva na área de formação continuada e
professores. Contudo, não se alcança esse objetivo de maneira espontânea, não é o
simples fato de estar na escola e de desenvolver uma prática escolar concreta que
garante a presença das condições mobilizadoras de um processo formativo. Uma
prática repetitiva, mecânica, não favorece esse processo. Para que ele se dê é
importante que essa prática seja uma prática reflexiva, uma prática capaz de
identificar os problemas, de resolvê-los, e-as pesquisas são cada vez mais
confluentes – que seja uma prática coletiva, uma prática construída conjuntamente
por grupos de professores ou por todo o corpo docente de uma determinada
instituição escolar. (CANDAU, 1996, p.144)
Tardif e Raymond (2000) ressaltam ainda que:
De fato, segundo essa concepção tradicional, o saber está somente do lado da teoria,
ao passo que a prática ou é desprovida de saber ou portadora de um falso saber
baseado, por exemplo, em crenças, ideologias, idéias pré-concebidas. Além disso,
ainda segundo essa concepção tradicional, o saber é produzido fora da prática e sua
relação com a prática, por conseguinte, só pode ser uma relação de aplicação.
(p.235)
Os autores afirmam que é esta concepção tradicional, reducionista, que domina até
hoje, de maneira geral, os cursos de formação de professores.
Assim sendo, apontam a necessidade de renovar os fundamentos epistemológicos do
ofício do professor, pois a questão da epistemologia da prática profissional se encontra no
cerne do movimento da profissionalização do ensino e da formação de professores.
Para isso, apresentam objetivos que se inserem num projeto mais amplo da
profissionalização do ensino e da formação de professores, sendo um deles fazer com que as
escolas se tornem lugares mais favoráveis para o trabalho e a aprendizagem dos professores.
Analogamente, Mizukami e Montalvão (2002) apontam a necessidade de construção
de um novo paradigma para a formação de professores que seja compatível com a natureza
dos processos de aprendizagem profissional da docência.
Para as autoras os estudos sobre o pensamento do professor e ensino reflexivo
enfatizam sistematicamente a importância da experiência pessoal na aprendizagem
profissional e da significação pessoal de tal experiência.
De acordo com Borges e Tardif (citados por MIZUKAMI e MONTALVÃO, 2002) o novo
referencial para a formação de professores reconhece que:
39
[...] o docente é um profissional; que a natureza do seu trabalho é definida em
função do entendimento de que o professor atua com e nas relações humanas, que a
gestão da sala de aula, tarefa que é de sua responsabilidade por excelência, exige o
confronto com situações complexas e singulares, cuja solução nem sempre é dada a
priori, mas que requerem soluções imediatas; que o futuro professor precisa dominar
certas competências e saberes para agir individualmente e/ou coletivamente, a fim
de fazer face às especificidades de seu trabalho [...] (p. 103)
Nesse sentido, os conceitos de reflexão na ação formulado por Schön (2000) e de
prática reflexiva de Zeichner (1993) são de extrema importância na consideração de parte
significativa das situações em que o professor toma decisões ao longo da aula, a partir de
interpretações não previstas das situações práticas.
3.2. A reflexão na formação continuada e a prática do professor
Zeichner (1993) assevera que não existe um modelo único de reflexão, mas que,
entretanto todas as abordagens sobre o ensino reflexivo devem ter como prioridade a escola e
a sociedade. Para o autor, a formação e a prática do professor reflexivo devem contemplar as
questões relativas às conseqüências sociais e políticas de suas práticas. Uma ação reflexiva é o
ato de pensar o processo educacional com um todo social.
Para Zeichner (1993), os termos prática reflexiva e ensino reflexivo tornaram-se
slogans de reformas do ensino e da formação de professores, o que tem provocado equívocos
na sua compreensão conceitual. Um dos equívocos na utilização do termo reflexivo é a
“ilusão reflexiva”, que é uma tendência a considerar, no ensino e na formação de professores,
a reflexão centrada na própria prática da sala de aula ou nos alunos, desconsiderando aspectos
sociais do ensino.
[...] o movimento do ensino reflexivo no ensino e na formação de professores é a
tendência para se centrar a reflexão dos professores na sua própria prática ou nos
seus alunos, desprezando-se qualquer consideração das condições sociais do ensino,
que influenciam o trabalho do professor dentro da sala de aula. Esta tendência
individualista leva a que seja menos provável que os professores consigam
confrontar e transformar os aspectos estruturais do seu trabalho que entravam a
realização de sua missão educativa [...] (ZEICHNER,1993, p.23)
O autor ressalta que a reflexão pode conduzir a uma cristalização de práticas de
ensino que, ao invés de contribuir para a formação dos alunos, torna-se prejudicial, além de
desviar a atenção de laços importantes entre a escola e a comunidade.
40
Por isso, Zeichner (1993) afirma que o professor deve dirigir seu olhar tanto para
dentro como para fora da escola, para as condições sociais nas quais essas práticas se situam.
Dessa forma, afirma o autor que o termo ensino reflexivo não se refere à reflexão dos
professores na sala de aula, ao modo como aplicam as idéias dos teóricos, mas consiste na
ação dos professores de criticarem e desenvolverem as suas teorias práticas à medida que
refletem, sozinhos e em conjunto, na ação e sobre ela, acerca do seu ensino e das condições
sociais que modelam as suas experiências de ensino.
Assim sendo, Zeichner (1993) aponta que o movimento da prática reflexiva tem se
desenvolvido no ensino e na formação de professores e se constitui a partir de duas
motivações básicas. Num primeiro momento, quando a reflexão emerge como uma reação a
um tecnicismo já instalado, como uma crítica generalizada à racionalidade técnica, na qual os
professores são considerados meros executores passivos de idéias e regras pré-estabelecidas.
Num segundo, quando a reflexão surge para romper com a tradição de que o conhecimento só
é produzido na academia, chamando a atenção para o fato de que muitas das iniciativas de
formação continuada e de melhoria das escolas deixam de lado os saberes dos professores.
Zeichner (1993), situa a origem do termo prática reflexiva em Dewey, que a definiu
como uma ação que implica uma consideração ativa e cuidadosa daquilo em que se acredita
ou se pratica. A sua teoria influenciou de maneira efetiva o pensamento pedagógico
contemporâneo americano, e lançou as bases epistemológicas para o ensino reflexivo. As suas
proposições passaram a constituir uma parte importante para a compreensão do conceito de
prática reflexiva.
Dewey (como citado por ZEICHNER, 1993) distinguiu a ação reflexiva da ação
rotineira. A ação rotineira é aquela realizada por impulso, tradição e autoridade, enquanto a
ação reflexiva é orientada por três atitudes: abertura de mente, responsabilidade e dedicação.
Na sua concepção, o processo de reflexão de professoras e professores se inicia no
enfrentamento das dificuldades que, normalmente, o comportamento rotineiro não dá conta de
superar. A educação, no entendimento de Dewey, está continuamente reconstruindo a
experiência concreta, ativa e produtiva de cada um.
Segundo ele, a experiência concreta da vida surge sempre ao deparar-se com
dificuldades. Nesse sentido, argumenta que nas instituições escolares vai se formando um
conjunto de definições e códigos acerca da realidade educacional que se constituem como
verdades sendo absorvidas pelo grupo. Enquanto essas verdades, no dia a dia, não entrarem
em conflito, a realidade é encarada sem dificuldades, impedindo os professores de reconhecer
e experimentar posições contrárias, e de desenvolverem disposição constante de abertura para
41
o exame crítico da própria situação.
Dewey, afirma que no ato de rotina nas escolas, incluindo as universidades, existe
mais ou menos definições de realidade de acordo com as quais se definem os
problemas, as metas e os objetivos. Enquanto as coisas prosseguirem sem grandes
rupturas, esta realidade é percebida como não apresentando qualquer problema. O
modo como cada professor vê a realidade serve de barreira, impedindo-o de
reconhecer e experimentar pontos de vista alternativos. ( ZEICHNER, 1993, p.18)
Pimenta (2005) também considera a experiência e a reflexão conforme Dewey,
afirmando que o ensino como prática reflexiva tem se estabelecido como uma tendência
significativa nas pesquisas em educação, apontando para a valorização do saber docente a
partir da prática reflexiva.
Segundo a autora, observa-se uma tendência à tecnização da reflexão, a partir de sua
operacionalização no processo de formação inicial e em serviço do professor.
Dessa forma, Pimenta (2005) observa que as críticas ao conceito de professor
reflexivo e à formação de professores indicam problemas tais como o individualismo da
reflexão e a ausência de critérios externos potencializadores de uma reflexão crítica, mas, por
outro lado, apontam também possibilidades de superação desses limites.
Pimenta (2005) coloca o papel da teoria como possibilidade para a superação do
praticismo, ou seja, a crítica coletiva ampliada para além dos contextos de sala de aula e da
instituição, incluindo as esferas sociais mais amplas.
A teoria como cultura objetivada é importante na formação docente, uma vez que,
além de seu poder formativo, dota os sujeitos de ponto de vista variados para uma
ação contextualizada. Os saberes teóricos propositivos se articulam, pois, aos
saberes da prática, ao mesmo tempo ressignificando-os e sendo por eles
ressignificados. O papel da teoria é oferecer aos professores perspectivas de análise
para compreenderem os contextos históricos, sociais, culturais, organizacionais e de
si mesmos como profissionais, nos quais se dá sua atividade docente, para neles
intervir, transformando-os. (PIMENTA, 2005, p. 26)
Sendo assim, assevera que a análise crítica contextualizada do conceito de professor
reflexivo permite superar as limitações apontadas, uma vez que o conceito tem uma dimensão
político-epistemológica, e que a análise das contradições presentes na apropriação histórica do
conceito subsidia a proposta de transformação do conceito de professores reflexivos.
Quanto à abordagem do conceito de prática reflexiva, segundo Pimenta (2005),
torna-se necessário estabelecer limites políticos, institucionais e teóricos metodológicos
relacionados à esta, para que não incorra numa individualização do professor, advinda do
contexto que em que ele está inserido. A prática reflexiva deve centrar-se tanto no exercício
42
profissional dos professores por eles mesmos, quanto nas condições sociais em que esta
ocorre.
Nesse sentido, Schön (2000) defende uma perspectiva teórica diferente, no sentido de
que a reflexão da prática do professor discutida por ele parece ter um caráter mais individual e
centrado na sala de aula, enquanto outros autores, como Zeichner (1993) e Contreras (2002),
valorizam o trabalho coletivo e as condições históricas e sociais que condicionam aquela
prática.
A corrente desenvolvida por Schön (2000), sobre o profissional reflexivo, distingue
conhecimento na ação, reflexão na ação e reflexão sobre a reflexão na ação.
Para o autor, o conhecimento na ação traz consigo um saber, que está presente nas
ações profissionais que, por sua vez, vêm carregadas de um saber escolar. É um conhecimento
que possibilita ao profissional agir.
Todavia, explicita Schön (2000) que o conhecimento na ação não está carregado
apenas de um certo saber escolar, mas também está vinculado a um certo modo de
enfrentamento das situações do cotidiano e revela um conhecimento espontâneo, intuitivo e
experimental.
A reflexão na ação, de acordo com Schön (2000), está em relação direta com a ação
presente. Quando não se encontram respostas às situações inesperadas que emergem desta
ação presente, a tendência é pensar criticamente sobre a situação surpresa, estruturando novas
estratégias de ação.
As respostas de rotina produzem uma surpresa - um resultado inesperado, agradável
ou desagradável, que não se encaixa nas categorias de nosso conhecer-na-ação [...] A
reflexão na ação tem uma função crítica, questionando a estrutura de pressupostos do
ato de conhecer-na-ação [...] A surpresa leva à reflexão [...] Pensamos criticamente
sobre o pensamento que nos levou a essa situação difícil ou essa oportunidade e
podemos reestruturar as estratégias de ação, as compreensões dos fenômenos ou as
formas de conceber os problemas. (SCHÖN, 2000, p.33)
A reflexão sobre a reflexão na ação, outra dimensão que constitui a prática reflexiva
do professor reflexivo, segundo Schön (2000), é o momento que é marcado pela intenção de
se refletir sobre a ação, de maneira que se consiga produzir uma descrição verbal da reflexão
na ação. Ao produzir uma descrição verbal sobre a ação passada, pode-se influir diretamente
em ações futuras, ou seja, quando se reflete sobre a reflexão na ação, julgando e
compreendendo o problema, pode-se imaginar uma solução.
Entretanto, adverte o autor, todos refletem sobre a ação e nem por isso se tornam
profissionais reflexivos.
43
De acordo com Schön (2000), a racionalidade técnica é uma epistemologia da prática
derivada da filosofia positivista. A racionalidade técnica diz que os profissionais são aqueles
que solucionam problemas instrumentais, selecionam os meios técnicos mais apropriados para
propósitos específicos.
A racionalidade técnica baseia-se em uma visão objetivista da relação do
profissional de conhecimento com a realidade que ele conhece. Nessa visão, os fatos
são que o são e a verdade das crenças é passível de ser testada estritamente com
referência a elas. Todos os desacordos significativos são solucionáveis, tomando o
fato como referência. Todo o conhecimento profissional baseia-se em um alicerce de
fatos. (SCHÖN, 2000, p.39)
Ao propor uma formação profissional baseada na prática cotidiana, Schön (2000) se
posiciona na defesa do modelo empírico do conhecimento. A questão levantada por ele é
epistemológica, pois parte da discussão de como o homem se apropria do conhecimento no
seu processo de formação profissional.
Para Schön (2000), a prática de ensinar do professor não pode vir de categorias ou de
um racionalismo técnico, mas sim da observação e da necessidade exigida pelo cotidiano e
pelas dificuldades apresentadas pelos alunos.
Dessa forma, Schön propõe uma epistemologia assentada na reflexão na ação, ou
seja, a superação da racionalidade técnica requer uma outra base epistemológica. Para ele,
somente uma epistemologia da prática, fundamentada na reflexão do profissional sobre a sua
prática, é que pode orientar uma possível mudança para a formação de um profissional
reflexivo.
Contreras (2002),valoriza os saberes dos professores na formação do profissional
reflexivo, considerando-os como sujeitos capazes de produzir conhecimentos, pois, como
afirma Pearson (citado por CONTRERAS, 2002)
O educador deve elaborar seus próprios juízos de valor sobre o que deve ou não
fazer [...] estas não são decisões que se possa encomendar a outros e depois
proporcioná-las aos docentes. Todos os educadores devem responder as questões
normativas por eles mesmos. [...] (p. 104)
De acordo com Contreras (2002), a perspectiva do docente como profissional
reflexivo permite construir a noção de autonomia como um exercício, como forma de
intervenção nos contextos da prática escolar onde as decisões são produto de consideração da
complexidade, ambigüidade e conflituosidade.
O autor afirma que o importante dessa perspectiva é que a autonomia não exatamente
é uma condição que possui como requisito prévio a ação:
44
A autonomia profissional é uma construção que fala tanto da forma pela qual se atua
profissionalmente como dos modos desejáveis de relação social. A autonomia do
professor em sala de aula, como qualidade deliberativa da relação educativa, se
constrói na dialética entre as convicções pedagógicas e as possibilidades em realizálas, de transformá-las nos eixos reais do transcurso e da relação de ensino.
(CONTRERAS, 2002, p.198).
Para Contreras (2002), a idéia de reflexão na ação, habitual na vida cotidiana, adota
determinadas características próprias na prática profissional; uma delas é o elemento de
repetição. Conforme sua prática fica estável e repetitiva, seu conhecimento na prática se torna
mais tácito e espontâneo, necessitando, portanto, o professor de refletir, confrontar seu
conhecimento prático com a situação para qual o repertório disponível dos casos não lhe
proporciona uma resposta satisfatória.
Nesse aspecto, Brown (citado por CONTRERAS, 2002) alerta:
O que o modelo de racionalidade técnica como concepção da atuação profissional
revela é a sua incapacidade para resolver e tratar tudo o que é imprevisível, tudo que
não pode ser interpretado como um processo de decisão e atuação regulado segundo
um sistema de raciocínio infalível, a partir de um conjunto de premissas. A rigidez
com que se entende a razão da perspectiva positivista é o que provoca essa
incapacidade para atender todo o processo de atuação que não se proponha à
aplicação de regras definidas para alcançar os resultados já previstos [...] É
exatamente ali onde as regras não chegam que mais falta fazem as habilidades
humanas relacionadas com a capacidade de deliberação, reflexão e de consciência.
(p.105)
Na abordagem de Contreras (2002) sobre o docente como profissional reflexivo, a
prática reflexiva é guiada por valores profissionais com critérios normativos que devem estar
presentes no próprio desempenho profissional, fazendo com que as práticas sejam colocadas
em palavras e, elucidando as causas. Em seguida, cada docente escolherá se deseja retomar
suas rotinas ou vai tentar modificá-las.
Contreras (2002) afirma que a reflexão depende do conhecimento profissional e dos
conhecimentos que foram sendo acumulados ao longo da experiência do professor, ou seja, de
sua trajetória profissional.
3.3. A relação entre os saberes docentes e a trajetória profissional
45
Para Tardif e Raymond (2000) o saber docente é um saber plural. A relação dos
docentes com os saberes não se reduz a uma função de transmissão dos conhecimentos. Sua
prática integra diferentes saberes:
A relação que os professores mantêm com os saberes é de “transmissores”, de
“portadores” ou de “objetos” de saber, mas não de produtores de um saber ou de
saberes que poderiam impor como instância de legitimação social de sua função e
como espaço de verdade de sua prática. Noutras palavras, a função docente se define
em relação aos saberes, mas parece incapaz de definir um saber produtivo ou
controlado pelos que a exercem. (p.40)
De acordo com os autores, estes diferentes saberes são oriundos de quatro tipos de
saberes: profissionais, disciplinares, curriculares e experienciais.
Dessa maneira, podem ser chamados de saberes profissionais, o conjunto de saberes
transmitidos pelas instituições de formação de professores e que são denominados de saberes
das ciências da educação, da ideologia pedagógica.
O professor e o ensino constituem objetos de saber para as ciências humanas e para
as ciências da educação. Ora, essas ciências, ou pelo menos algumas dentre elas, não
se limitam a produzir conhecimentos, mas procuram também incorporá-los à prática
do professor. Nessa perspectiva, esses conhecimentos se transformam em saberes
destinados à formação erudita dos professores, e, caso sejam incorporados à prática
docente, esta pode transformar-se em prática científica, em tecnologia da
aprendizagem. (TARDIF; RAYMOND, 2000, p.37)
Segundo as considerações dos autores, o saber profissional possui também uma
dimensão identitária. Os saberes da história de vida e os saberes do trabalho construídos nos
primeiros anos da carreira constituem os fundamentos da personalidade do docente, pois é
impossível compreender a questão da identidade dos professores sem inseri-la na história dos
próprios atores, de suas ações, projetos e desenvolvimento profissional. Os saberes dos
professores são temporais, pois são utilizados e se desenvolvem no âmbito de uma carreira,
isto é, ao longo de um processo temporal da vida profissional.
Na categorização dos saberes docentes proposta pelo autor, os saberes disciplinares
correspondem aos diversos campos do conhecimento, que se dispõem na sociedade, tais como
se encontram hoje integrados nas universidades, sob a forma de disciplinas.
De acordo com Tardif e Raymond (2000), os saberes curriculares são definidos como
aqueles que correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a
instituição escolar categoriza e apresenta os saberes sociais por ela definidos e selecionados.
Apresentam-se sob a forma de programas escolares, ao passo que, os saberes experienciais
brotam da experiência dos próprios professores, no exercício de suas funções e na prática
docente de sua profissão.
46
Estes saberes são incorporados à prática docente, sem serem, porém, produzidos ou
legitimados por ela. Nesse sentido, os saberes experienciais não são saberes como os demais,
mas retraduzidos, polidos e submetidos às certezas construídas na prática cotidiana e na
experiência vivida.
Os saberes experienciais se manifestam através de um saber-ser e de um saber fazer
pessoais e profissionais validados pelo trabalho cotidiano.
Estes saberes não provêm das instituições de formação nem dos currículos, e nem se
encontram sistematizados em doutrinas ou teorias. São saberes práticos (e não da
prática: eles não se superpõem à prática para melhor conhecê-la, mas se integram a
ela e dela são partes constituintes enquanto prática docente) e formam um conjunto
de representações a partir das quais os professores interpretam, compreendem e
orientam sua profissão e sua prática cotidiana em todas as suas dimensões.
(TARDIF e RAYMOND, 2000, p.49)
De acordo com Nóvoa (como citado por MIZUKAMI e MONTALVÃO, 2002), na
formação de professores é preciso juntar as duas dimensões: a prática de formação, em si, e a
prática escolar, e isso deve ser feito na escola. A formação se faz na ação, na mudança
organizacional, na mudança das práticas da escola.
A formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, que forneça aos
professores os meios de um pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de
auto-formação participada. Estar em formação implica um investimento pessoal, um
trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista à
construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional.
( NÓVOA, citado por MIZUKAMI e MONTALVÃO , 2002, p.108)
Isto contudo não significa que seja um trabalho solitário, pois:
[...] transformar a experiência exige um trabalho sistemático, uma indagação
rigorosa, um inquérito efetivo a respeito das práticas e experiências [...] Há aqui um
paradoxo: a experiência é patrimônio pessoal mas, para que seja transformada em
conhecimento, precisa-se do outro: do outro que está nos livros, dos especialistas,
dos professores e dos colegas com quem trabalhamos diariamente. (NÓVOA, 2001,
p.3)
Nóvoa (1999) afirma ainda que, a formação de professores deve ser um processo de
desenvolvimento pessoal, mas também um momento de consolidação do coletivo docente,
que é infinitamente maior do que a soma das experiências individuais de cada um.
A crise de identidade dos professores, objeto de inúmeros debates ao longo dos
últimos vinte anos, não é alheia a evolução que foi impondo uma separação entre o
eu pessoal e o eu profissional [...] A identidade não é um dado adquirido, não é um
produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção
de maneiras de ser e de estar na profissão [...] A construção de identidades é um
processo que necessita de tempo para refazer as identidades, para acomodar
inovações, para assimilar mudanças [...] (NÓVOA, 1999, p.15 -16)
47
Para o autor, a reflexão sobre a prática pedagógica prescinde de uma reflexão mais
ampla sobre a vida pessoal. A construção de uma prática coletiva, sistemática é a condição
necessária para transformar a qualidade do ensino.
McDiarmid (1995) também discute a importância da coletividade para o
desenvolvimento profissional do professor quando enfatiza a importância da participação dos
professores em uma grande comunidade de aprendizagem, para aprender com a experiência
dos outros professores, no sentido de encorajá-los para examinarem as suas idéias iniciais,
conhecimentos e práticas.
O autor afirma que, para aprender de várias maneiras, os professores em companhia
com um grupo de professores precisam criar uma rede para troca de idéias.
Muitos dos papéis e práticas são novos para os professores, pois apresentam novas
visões de aprendizagens [...] Aprender novos papéis e novas práticas requer ambos
tempo e espaço mental [...] Uma grande comunidade de aprendizagem, na qual o
diretor entenda e dê suporte profissional. [...] Os professores precisam de um tempo
e oportunidade de estar fora física e mentalmente da rotina diária [...] Oportunidade
para os professores em grupo, no coletivo, refletirem sobre as mudanças de suas
práticas. (MCDIARMID, 1995, p.2)
Segundo McDiarmid (1995), essas novas visões de aprendizagem requerem que os
gestores entendam e forneçam suporte para que os professores possam refletir sobre suas
práticas e empreendam esforços para a mudança.
Pode-se dizer, que as idéias discutidas nesta seção através do diálogo com os autores
sobre formação continuada, concepção de escola como locus de formação de professores, o
polemizado conceito de prática reflexiva e os saberes docentes e na relação com a trajetória
profissional, trouxeram importantes contribuições norteando todo o processo de investigação
relatado nesse presente estudo.
Desse modo, na próxima seção, descreve-se o percurso metodológico da pesquisa, a
fim de especificar a natureza da investigação, apresentando os participantes e procedimentos
de coleta e análise de dados.
48
4. DELINEAMENTO DO ESTUDO
Os investigadores qualitativos freqüentam os locais de estudo porque se
preocupam com o contexto. Entendem que as ações podem ser melhor
compreendidas quando observadas no seu ambiente natural de ocorrência.
(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.46).
49
O processo de investigação que se apresenta nesta seção, com a descrição da
metodologia utilizada, os objetivos, condições locais de realização da pesquisa, tem como
ponto de partida as considerações de Bardin (1977) sobre como a visão de mundo do
pesquisador e os fundamentos que ele utiliza para a compreensão e explicação desse mundo
irão influenciar a maneira como ele propõe suas pesquisas, ou seja, os pressupostos que
orientam seu pensamento vão também nortear sua abordagem de pesquisa.
Diante da necessidade de especificar a natureza da investigação e de delinear o
percurso metodológico da pesquisa focada no problema da formação continuada de
professores alfabetizadores nas séries iniciais, busca-se no presente estudo responder ao
seguinte problema de pesquisa: quais os limites e possibilidades para o desenvolvimento de
práticas reflexivas de docentes alfabetizadores nas séries iniciais, em uma instituição
confessional?
Para isso, são analisadas questões inquietantes, relacionadas ao movimento de
contradições entre a teoria e a prática e o conflito entre a formação inicial e a formação
contínua das professoras nos desdobramentos do cotidiano do seu trabalho docente numa
escola confessional do interior do estado de SP.
Dessa forma o presente estudo tem como objetivos: identificar, na trajetória
da formação inicial e continuada das docentes alfabetizadoras, as possibilidades para o
desenvolvimento de práticas reflexivas, investigando os limites para promoção de
práticas reflexivas vivenciadas pelas participantes da pesquisa, e analisando em que
medida, a instituição escolar contribui para que as professoras a percebam como um locus
privilegiado de estudos e de reflexões sobre suas práticas.
Com esse propósito, adota-se uma metodologia de pesquisa qualitativa, visto que,
como afirmam Bogdam e Biklen (1994), a presente pesquisa preocupa-se com o contexto e
entende-se que as ações podem ser melhor compreendidas quando observadas no seu
ambiente natural de ocorrência .
Essa opção metodológica passa pela possibilidade de olhar para esse cotidiano como
categoria de análise, investigando aquilo que os professores experimentam e o modo como
eles interpretam as suas experiências.
Os investigadores qualitativos estabelecem estratégias e procedimentos que lhes
permitam tomar em consideração as experiências do ponto de vista do informador.
O processo de condução da investigação qualitativa reflete uma espécie de diálogo
entre os investigadores e os respectivos sujeitos, participantes da pesquisa.
(BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.51)
50
Assim sendo, o diálogo com as participantes da pesquisa, favoreceu a compreensão
da pesquisadora sobre a interpretação das situações vivenciadas pelas interlocutoras, além de
possibilitar o confronto com a sua interpretação e a interpretação das participantes da
pesquisa.
Bogdam e Biklen (1994) afirmam que:
os investigadores qualitativos estão continuamente a questionar os sujeitos
de investigação, com o objetivo de perceber aquilo que eles experimentam,
o modo como eles próprios estruturam o mundo social que eles vivem.
(p.51)
Tomando assim como referencial esses fundamentos epistemológicos da pesquisa
qualitativa, descritiva, de campo, a coleta de dados exigiu um conjunto de instrumentos e
procedimentos que foram utilizados para o desenvolvimento do estudo e para o cruzamento de
diversas fontes na análise dos dados.
4.1. Participantes da Pesquisa
A escolha de quatro das oito professoras do primeiro ciclo do Ensino fundamental de
uma instituição confessional localizada em uma cidade do interior do Estado de São Paulo se
deu pelo fato desse grupo ser o responsável pela condução do processo de alfabetização, ou
seja, todas elas eram as professoras da primeira e segunda séries do ensino fundamental5,
sendo que três delas apresentavam experiência no magistério e uma era iniciante na carreira.
Essa escolha também estava ligada ao início da trajetória da pesquisadora como
alfabetizadora, pois atualmente atuando como coordenadora de Curso de Licenciatura em
Pedagogia e coordenadora do Ensino fundamental, entende-se que a formação inicial de
docentes alfabetizadores, bem como a formação continuada no locus de trabalho onde atuam
são de grande relevância para o desenvolvimento de práticas reflexivas no processo de
alfabetização.
Por uma questão de ética, foi mantido em sigilo o nome das professoras, que serão
identificadas por nomes fictícios doravante.
5
Optou-se por escolher professoras das duas séries, tendo em vista a concepção de alfabetização como um
processo, que ocorre dentro do primeiro ciclo do Ensino fundamental.
51
A professora Gisele atuava há trinta anos no magistério, especificamente vinte anos
na instituição estudada com a 1ª série. A sua formação é de nível médio, magistério cursado
na própria instituição confessional em que trabalha.
A professora Sandra lecionava há vinte anos, sendo que nos últimos oito anos vinha
atuando como professora alfabetizadora na rede estadual de Ensino, assumindo no ano de
2006, uma classe de segunda série na Instituição pesquisada. Sua formação é em nível médio,
magistério e graduação em Letras.
A professora Mariana fez o curso magistério em nível médio e há dezessete anos
começou a trabalhar no locus de pesquisa. Formou-se em Pedagogia, e nos últimos cinco anos
foi atuar como coordenadora pedagógica da Educação Infantil em outra Escola Particular de
Ensino Fundamental. Há um ano e meio retornou à Instituição pesquisada, como professora
alfabetizadora na 1ª série do ensino fundamental.
A professora Maria Eduarda era iniciante no magistério da Educação Infantil, sendo
formada em Pedagogia com pós-graduação em Psicopedagogia Institucional e Educação
Infantil. No ano de 2006, assumiu uma sala de 2ª série, uma vez que já tinha atuado como
professora de Pré-Escola na Educação Infantil, no Projeto Social dos Assentados6,
desenvolvido pela Instituição. Atuava também como professora de informática na Instituição
pesquisada, com as crianças de Pré-Escola na Educação Infantil, e 1ª e 2ª séries do Ensino
Fundamental.
4.2. Contextualizando o locus de pesquisa
Esta contextualização envolve a descrição de um breve panorama histórico da origem
da Instituição pesquisada. A Congregação da qual a instituição confessional faz parte nasceu
em Gênova em 18347, e iniciou suas atividades no Brasil, em Pernambuco, no dia 19 de
março de 1866, com a vinda das irmãs:
6
Projeto Social dos Assentados é um dos projetos de Educação Popular desenvolvidos pela Instituição, na área
de Educação Infantil com crianças de 3 a 6 anos, no assentamento “Reage Brasil”, situado à 5km da cidade, no
interior de São Paulo .
7
Segundo os estudos realizados por Azzi (2000), a Congregação foi fundada no norte da Itália, num lugarejo
chamado Quinto pertencente a Gênova, por Paula Frassinetti, Santa canonizada pela Igreja Católica desde
março de 1984.
52
A espiritualidade trazida para o Brasil por essa congregação vai ser determinada por
um forte caráter europeu, correspondendo à concepção católica romanizada, e a uma
espécie de negação da experiência religiosa até então vivida aqui, considerada fruto
da ignorância e do atraso. (AZZI, 2000, p.48)
A Congregação foi se expandindo para todas as regiões do Brasil, estando atualmente
dividida em três províncias8: Província Brasil Norte - (Manaus (AM), Belém (PA), São Luis
(MA), Província Brasil Nordeste - (Natal (RN), João Pessoa (PB), Pesqueira (PE), Recife
(PE), Província Brasil Sul - (São Paulo (SP), Interior de São Paulo (SP), Nova Friburgo (RJ),
São Sebastião do Paraíso (MG), Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Porto Alegre (RS) e Rio
de Janeiro (RJ)).
Nestas três províncias são desenvolvidos trabalhos nas áreas de educação básica,
com Escolas de Educação Infantil, Ensino fundamental, Ensino Médio e na área de Ensino
Superior.
Também são desenvolvidos trabalhos pastorais com diferentes projetos sociais,
localizados nas mais diversas regiões do país; estão presentes na Pastoral da
Juventude, na Pastoral Universitária, nos Meios Populares e nas Paróquias, de forma
a atender às necessidades dos mais jovens e pobres. (TONIOSSO, 2006, p.28)
A Instituição Confessional, campo da presente pesquisa, iniciou suas atividades com
a abertura em 19 de março de 1931, do Curso Normal para a formação de professoras, em
sistema de internato.
As professoras eram denominadas de madre - mestras, uma vez que a Instituição
confessional era voltada para a formação da mocidade feminina.
Segundo Toniosso (2006), o trabalho desenvolvido pelas Irmãs da Instituição
repercutia por diferentes regiões do país. Alguns jornais da capital do Estado publicavam
notas referentes, como o fez o jornal Diário de São Paulo, na edição de 14 de fevereiro de
1932:
A escola acha-se situada num amplo e confortável prédio, construído especialmente
para este fim, e conta com elevado número de alunas. A escola acaba de adquirir um
gabinete de ciências físicas e naturais, e já instalou a biblioteca pedagógica [...]
(AZZI, citado por TONIOSSO, 2006, p.49)
O Curso Normal, voltado especificamente para a formação de professoras, foi
durante muitos anos o foco central de ação educativa desta Instituição Confessional.
Considerando os dados levantados pelo autor, desde sua primeira turma até 1975, foram 41
8
O termo província está sendo usado como o agrupamento de alguns Estados, ou seja, regiões, onde os colégios
foram sendo fundados. De acordo com Azzi (2000), com a era Republicana, ocorreu um desdobramento da
província Brasileira com a fundação de novos colégios em diversas localidades nas regiões Norte, Nordeste e
Sudeste, resultando assim a divisão atual em três províncias.
53
turmas formadas. As futuras professoras participavam de diversos eventos, como forma de
complementar ou mesmo divulgar a formação recebida, assim como a realização de círculos
de estudos, semana da Normalista, palestras e cursos, oportunizando novas experiências e
aprendizagens específicas para a carreira escolhida.
No decorrer deste tempo, a Instituição foi mudando gradativamente o enfoque de
suas atividades educativas, seguindo as políticas públicas educacionais.
No período entre 1931 e 1975, Toniosso (2006) explicita que a Instituição oferecia
em nível de ensino secundário, somente o Curso Normal, exclusivamente feminino. Nas
décadas de 60 e 70 deu início à Educação Infantil e a diversos cursos profissionalizantes com
turmas mistas, na modalidade de ensino médio. Na década de 1980, optou por priorizar o
Ensino Fundamental, deixando de oferecer a modalidade do Ensino Médio. No entanto, o
desejo das famílias era que seus filhos permanecessem na Instituição até a etapa final da
Educação Básica.
Em janeiro de 2000, através de uma publicação da Diretoria de ensino, foi autorizada
a reabertura do Curso de Ensino Médio que já está em sua quinta turma, possibilitando aos
alunos o acesso às Universidades do País.
Atualmente, a Instituição abriga vinte e três salas de aula na área de Educação
Infantil, Ensino Fundamental de primeira à oitava série, e Ensino Médio, contando com uma
sala de 1ª. Série e outra de 2ª Série nos períodos matutino e vespertino, perfazendo quatro
salas do primeiro ciclo do Ensino Fundamental. Cada sala conta aproximadamente com vinte
e cinco alunos e três professoras.
De acordo com Toniosso (2006), é uma Instituição privada, onde os alunos atendidos
são de um nível sócio-econômico, cultural bastante diversificado.
A Instituição desenvolve também projetos de educação popular, na área de educação
infantil atendendo crianças de 3 a 6 anos, envolvendo professores da própria Instituição. Esses
projetos são desenvolvidos nas Paróquias dos bairros de periferia da cidade e no
Assentamento Reage Brasil, localizado à 5km da cidade.
4.3. Materiais utilizados na Coleta de Dados
54
Segundo Bogdam e Biklen (1994), a coleta de dados inclui elementos necessários
para pensar de forma adequada e profunda acerca dos aspectos da vida que se pretende
explorar.
Tendo em vista os objetivos propostos, a coleta de dados exigiu um conjunto de
fenômenos e técnicas para o desenvolvimento do estudo, tais como: análise documental do
projeto político-pedagógico da Instituição, e do projeto pedagógico das professoras
participantes e entrevistas semi-estruturadas.
Materiais:
a) Projeto Político-Pedagógico da Instituição e das participantes
Bogdam e Biklen (1994) afirmaram que o interesse dos investigadores está:
na compreensão de como a escola é definida por várias pessoas na literatura oficial,
pois (...) nesses documentos os investigadores podem ter acesso à “perspectiva
oficial”, bem como às várias maneiras como o pessoal da escola comunica. (p.180)
Partindo dessa fundamentação metodológica, foi realizada uma análise documental
do projeto político-pedagógico da Instituição e do projeto pedagógico de alfabetização das
participantes, com a finalidade de compreender se as professoras pesquisadas participaram da
construção do projeto político-pedagógico da Instituição e quais os referenciais teóricos que
fundamentavam o seu projeto pedagógico, bem como o desenvolvimento de suas práticas de
alfabetização.
b) Entrevista
Optou-se pela entrevista semi-estruturada, pois ela é bastante adequada para
obtenção de informações acerca do que as pessoas sabem, crêem, esperam, sentem ou
desejam, pretendem fazer, fazem ou fizeram, bem como acerca das razões a respeito das
coisas precedentes (SELLTIZ e outros, citados por GIL, 1999, p.117).
Desse modo, as dez questões que compõem as entrevistas semi-estruturadas
(apêndice C) são questões reflexivas sobre o percurso de formação inicial e formação
continuada das interlocutoras, que tiveram por referência as entrevistas semi-estruturadas
individuais elaboradas por Maciel (2001) e Bolzan (2002), às quais foram acrescidas novas
55
questões sobre o enfrentamento da chegada de novas teorias na educação sobre o processo de
aquisição da escrita nas décadas de 1980 e 1990, objetivando melhor compreender os fatos e
como se dava o desenvolvimento de prática reflexiva das participantes da pesquisa. Essas
reflexões, além da troca de informações com a pesquisadora, acredita-se, contribuíram para a
ressignificação das práticas das professoras pesquisadas.
As questões foram pensadas a partir das seguintes categorias: formação inicial,
formação continuada, resistência, ruptura da resistência, e abertura para mudanças.
De acordo com Bogdam e Biklen (1994) as entrevistas qualitativas:
Variam quanto ao grau de estruturação. Algumas, embora relativamente abertas,
centram suas questões em tópicos determinados ou podem ser guiadas por questões
gerais. Mesmo quando se utiliza um guião, as entrevistas qualitativas oferecem ao
entrevistador uma amplitude de temas que lhe permite levantar uma série de tópicos
e oferecem ao sujeito a oportunidade de moldar o seu conteúdo ( p.135)
As questões propostas foram mobilizadoras de recordações e fizeram com que as
participantes passassem a evocar o seu percurso de formação e suas concepções de
alfabetização, sobretudo os limites e possibilidades de desenvolvimento de práticas reflexivas.
4.4. Procedimento de Coleta dos Dados
De acordo com Bogdam e Biklen (1994):
Os dados são simultaneamente as provas e as pistas. Coligidos cuidadosamente,
servem como fatos inegáveis que protegem a escrita que possa ser feita de uma
especulação não fundamentada. Os dados ligam-nos ao mundo empírico e, quando
sistemática e rigorosamente recolhidos, ligam a investigação qualitativa a outras
formas de ciência. (p. 149)
A seguir, é apresentado a forma como esses dados foram coletados:
O pedido de autorização da Instituição que compôs a unidade de observação foi
realizado junto à diretoria e coordenação (apêndice A) e aos docentes participantes da
pesquisa, que fizeram parte da amostra (apêndice B).
A escolha do espaço de trabalho para a realização das entrevistas gravadas, em
horário de acompanhamento pedagógico cedido pela coordenadora do ensino fundamental,
constitui um elemento importante, pois seria necessário um ambiente próprio para que as
alfabetizadoras se sentissem à vontade para contar suas experiências e respondessem às
perguntas, tecendo assim depoimentos livres de qualquer indício de caráter inquisitivo. As
56
entrevistas foram transcritas na íntegra, e devolvidas para as professoras se certificarem de
que não haviam sido mal interpretadas.
Para a realização das entrevistas com as professoras participantes da pesquisa, foram
necessários dois encontros. A coleta de informações sobre a contextualização histórica do
locus de pesquisa, projeto político pedagógico da Instituição, o projeto pedagógico das
participantes foi feita também com a ciência e autorização da coordenação, professoras
participantes e direção, apoiada em documentos oficiais e publicações feitas pela própria
Instituição.
Quanto à validade da pesquisa e a confiabilidade dos dados sobre os quais se trabalha
no presente estudo, procurou-se, durante a coleta, complementar e checar informações e
entendimentos, pautando-se no diálogo com as participantes da pesquisa com as quais a
pesquisadora já havia trabalhado como coordenadora pedagógica, de 1987 a 2002.
4.5. Procedimento de Análise dos Dados
Para a análise dos dados, o presente estudo se apoiou nos fundamentos
metodológicos da análise de conteúdo.
A análise de conteúdo, segundo Bardin (1997),
[...] é um conjunto de técnicas de análise de comunicações [...] não se trata de um
instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou, com maior rigor, será um único
instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um
campo de aplicação mais vasto: as comunicações. (p.27)
A organização para a análise dos dados ocorreu em dois momentos distintos: o
primeiro, na realização e transcrição das entrevistas, em que se foram agrupando as respostas
dadas pelas participantes, diante de um tema, a fim de facilitar o levantamento das tendências
relevantes. Num segundo momento, procurou-se estabelecer um contato entre os dados
obtidos, para o cruzamento com os dados levantados na análise documental do projeto
político-pedagógico da Instituição e do projeto pedagógico das professoras interlocutoras.
Assim, como afirmaram Bogdan & Biklen (1994), o investigador qualitativo:
[...] à medida que vai lendo os dados, repetem-se ou destacam-se certas palavras,
frases, padrões de comportamento, formas dos sujeitos pensarem e acontecimentos.
O desenvolvimento de um sistema de codificação envolve vários passos: percorre os
seus dados na procura de regularidades e padrões bem como de tópicos presentes
nos dados e, em seguida, escreve as palavras e frases que representam estes mesmos
tópicos e padrões (p.221)
57
Ainda de acordo com os autores, algumas das categorias de codificação vão surgindo
à medida que for recolhendo os dados, pois:
[...] tratar o material é codificá-lo. A codificação corresponde a uma transformação
dos dados brutos do texto, transformação esta que, por recorte, a agregação e
enumeração, permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão
susceptível de esclarecer o analista acerca das características pertinentes do
conteúdo. (p.97)
Partindo dessas considerações, tomou-se como referência o quadro-síntese das
categorias de análise de Bolzan (2002) e Maciel (2001), que resultaram no Quadro1, com a
caracterização das categorias definidas, a fim de se mapearem os percursos de formação
inicial e continuada das docentes participantes da pesquisa, quanto à identificação dos limites
e possibilidades de desenvolvimento de práticas reflexivas.
Essas categorias foram definidas por agrupamentos dos temas que emergiram das
entrevistas, e da análise do projeto político da instituição e do projeto pedagógico das
participantes, por categorias de significados.
58
QUADRO 1 – Quadro de Referência para a construção dos Temas de análise
Temas
Trajetória
profissional das
participantes
Categorias
1-Formação
inicial
Subcategorias
1-Tipo de formação recebida
2- Primeiros anos de carreira; etapa atual
3- Metodologia de trabalho e concepção de alfabetização
1-Tipo de formação recebida
2-Formação
Continuada
Desenvolvimento
de práticas
reflexivas
2- Origem das possibilidades de formação
3-Tipo de formação desejada
1- Negação; consideração da teoria dissociada da prática.
2- Dificuldades de retomar a prática e refletir sobre ela.
3-Aceitação e negação de informações e idéias pessoais
3- Resistência
ou trazidas pelos colegas.
4-Dificuldade de apropriação das metodologias de
trabalho com alfabetização.
1- Abandono progressivo da negação e contradição
2- Aceitação progressiva da reflexão.
3- Aceitação progressiva da relação teoria e prática.
4-Ruptura da
Resistência
4- Confrontar o seu conhecimento prático e teórico com a
situação de conflito em que se encontra.
5- Retomada da prática como exercício para reflexão.
6- Apropriação progressiva da prática reflexiva.
Os saberes
docentes e a
abertura para
mudanças
1- Disposição para repensar a prática.
2- A reflexão como um movimento de re (pensar) as
5-Abertura
para a
mudança
concepções de suas práticas que refletem o modelo de
sua formação.
4-Tentativas de construção e reconstrução das práticas
pedagógicas no seu cotidiano.
5- Mudança das suas práticas pedagógicas.
Esses temas foram sendo construídos passo a passo, emergindo a partir da leitura
e releitura dos documentos produzidos através da coleta de dados, tanto nas entrevistas, como
na análise documental do projeto político-pedagógico da escola e do projeto pedagógico das
59
professoras pesquisadas. Foi realizado um levantamento da análise das entrevistas com um
mapeamento das falas, que indicou um movimento de categorias prévias, diante de uma certa
recorrência nos tipos de depoimentos apresentados pelas professoras alfabetizadoras,
mostrando assim, aqueles elementos discursivos capazes de ilustrar a temática de
investigação.
Sendo assim, considerou-se para efeito de análise três temas: a trajetória profissional
das participantes, o desenvolvimento de práticas reflexivas, e os saberes docentes e abertura
para a mudança das práticas alfabetizadoras. Certamente, estes temas e categorias não
esgotaram as possibilidades vislumbradas (e muito menos outras que não foram enxergadas e
abordadas), mas representam o que pareceu ser mais significativo a respeito da formação
continuada das participantes, suas trajetórias, bem como da importância do desenvolvimento
dessa prática reflexiva como uma maneira de revisar sua ação docente, redirecionando seu
trabalho pedagógico.
A apresentação desses temas e categorias se constituiu em três partes, que compõem
a secção da análise descritiva dos dados.
O tema “Trajetória profissional das participantes” implicou em apontar o tipo de
formação recebida, ou seja, como se deu a formação inicial e continuada das professoras
alfabetizadoras, na instituição formativa, de modo a assegurar uma preparação consoante com
as funções profissionais que o professor deveria desempenhar, no exercício da sua profissão
docente.
No tema “Desenvolvimento de práticas reflexivas”, indicou-se os movimentos
oscilatórios de negação e aceitação no processo de desenvolvimento de práticas
reflexivas das participantes. Esse movimento oscilatório apontou os conflitos no
enfrentamento das dificuldades e desafios, bem como a aceitação no processo de
mudança, e a retomada da prática como exercício para reflexão.
“Os saberes docentes e a abertura para mudanças”, terceiro tema, se caracterizou
pela apresentação de elementos sobre os saberes mobilizados na prática cotidiana das
professoras alfabetizadoras, os conflitos e os desafios na tentativa de buscar coerência nas
suas práticas mediante a fundamentação teórica do seu projeto pedagógico de alfabetização.
A discussão desses temas constitui o objeto da próxima seção.
60
5. ANÁLISE DESCRITIVA E REFLEXIVA DOS DADOS COLETADOS
O processo de condução da investigação qualitativa reflete uma espécie de
diálogo entre os investigadores e os respectivos sujeitos, participantes da
pesquisa. (BOGDAN e BIKLEN, 1994, p.5)
61
Esta seção está dividida em duas partes: na primeira, apresenta-se alguns elementos
do projeto político-pedagógico da escola campo da pesquisa, e do projeto pedagógico das
participantes, considerando que o projeto político-pedagógico da Instituição norteou a
construção do projeto pedagógico de alfabetização e o programa de formação continuada das
docentes alfabetizadoras. Na segunda parte, apresenta-se a análise das entrevistas das
participantes da pesquisa a partir de três temas: trajetória profissional, desenvolvimento de
práticas reflexivas, saberes docentes e abertura para mudança das práticas alfabetizadoras.
Com base nesses temas procurou-se elementos que permitiram identificar os limites e
possibilidades de desenvolvimento de práticas reflexivas das professoras interlocutoras na
Instituição pesquisada.
Nesse sentido, acredita-se ser relevante conhecer os percursos de vida das
professoras alfabetizadoras participantes da pesquisa, por serem reveladores de história que
podem auxiliar na reflexão acerca dos processos de sua formação docente, seja ela inicial ou
continuada, e, conseqüentemente, das práticas na sala de aula.
Por outro lado, nessa perspectiva de conhecer os percursos de vida das professoras
participantes por serem reveladores de histórias, se faz necessário também historiar a
construção do projeto político-pedagógico da Escola e a participação da pesquisadora como
coordenadora pedagógica, uma vez que o seu envolvimento na Instituição pesquisada foi de
intervenção pedagógica no processo educacional, na tentativa de articular a filosofia e as
metodologias propostas, seus referenciais teóricos, num programa de formação continuada
mais amplo proposto pela Congregação.
5.1. O Projeto Político - Pedagógico da Instituição: construção e desdobramentos
O projeto político-político pedagógico da escola, que originou o projeto pedagógico
das participantes da pesquisa, foi tecido conforme o Plano Trienal da Província Brasil, da qual
a Instituição faz parte, denominado Plano Interprovincial de Educação, no qual a
Congregação apresenta o delineamento de sua proposta de educação a ser seguida, com base
no XIX Capítulo Geral da Congregação9.
9
O Capítulo Geral da Congregação é elaborado em Roma, onde se reúnem, a cada seis anos, todos os
representantes das províncias brasileiras e demais representantes das escolas presentes em quatro continentes:
Europa (Itália, Inglaterra, Espanha, Portugal, Albânia, Suíça, e Malta), África (Angola, Camarões, Moçambique
e São Tomé e Príncipe), Ásia (Filipinas e Taiwan) e América (Brasil, Estados Unidos, Argentina, Bolívia e
Peru), definindo e apontando os princípios educativos pautados nos eixos norteadores, que constituirão a
filosofia de educação na Congregação.
62
O Plano Interprovincial de Educação é um plano orientador das ações educativas das
Escolas das Províncias Brasileiras, sendo constituído de um marco referencial, composto por
três eixos temáticos a serem trabalhados pelas escolas nas províncias: Missão Educativa,
Referenciais Teóricos, e Ética e Justiça, com o objetivo de assegurar o que há de mais
significativo na proposta educativa da Congregação: “encontrar os traços característicos do
modo comum de educar numa ótica transformadora, procurando conteúdo, métodos e meios
capazes de provocar mudanças no ensino”: (PLANO INTERPROVINCIAL DE
EDUCAÇÃO, 2003, p.10)”.
O primeiro eixo está ligado aos princípios éticos e cristãos da doutrina e das
determinações da Igreja; o segundo, sustenta-se em teorias do conhecimento que
concebem a relação sujeito-objeto, construída na interlocução e que tem como
finalidade precípua o cultivo da vida. O terceiro eixo assume que a pessoa é vista e
acolhida como expressão de um ato criador e amoroso de Deus que a torna irmanada
à humanidade, através de valores como: respeito à diversidade, defesa da vida e
consciência planetária, participação, presença efetiva no meio dos pobres e
dialogicidade. (PLANO INTERPROVINCIAL DE EDUCAÇÃO, 2003, p.25).
Sendo assim, o projeto político-pedagógico da escola constitui a sua proposta
pedagógica a partir dos referenciais traçados neste Plano Trienal de Educação, ancorado nos
princípios do Capítulo Geral da Congregação. O referido plano é concebido como um
“documento”, ponto de partida para a construção do projeto pedagógico de todos os
segmentos de educação básica, tal como o projeto pedagógico de alfabetização das
participantes da pesquisa, apresentando a seguinte concepção de formação de professor:
Faz-se urgente e necessário juntarmos as nossas forças, traçando linhas comuns que
nos identifiquem como educadores, preocupados com a formação integral do nosso
educando em uma sociedade de mudanças constantes, onde faltam aos jovens
modelos de referência. É urgente e necessário focalizar a criança, o jovem e os
excluídos como ponto de partida para a ação educativa. Para isso a formação do
educador deverá estar voltada para a competência profissional e para a sua missão,
pois quando a competência se alia à mística, torna-o mais motivado, forte e inovador
para exercer a sua prática educativa. Cada educador deve tornar-se “alma” dentro da
instituição em que trabalha buscando potencializar a vida, contemplando as suas
diferentes dimensões. É preciso que se torne cada vez mais visível o caráter
confessional da Escola nas diferentes instâncias e segmentos do processo educativo.
(PROJETO POLÌTICO-PEDAGÓGICO, 2005, p.2).
Fundado nesses princípios filosóficos, o projeto pedagógico das professoras
alfabetizadoras foi originado do projeto político-pedagógico da Instituição, constituído em
três partes, sendo a primeira parte a apresentação da filosofia da Instituição, com um plano de
formação continuada; a segunda, a justificativa e a metodologia para cada área de
conhecimento, com referencial teórico elegido, os objetivos propostos em relação
63
aprendizagem do aluno; e a terceira, contendo as atividades a serem desenvolvidas na
abordagem de conceitos, os critérios de avaliação e os referenciais bibliográficos adotados.
O projeto político-pedagógico da Instituição, campo de pesquisa, prevê que as
reuniões de formação mensais sejam remuneradas num valor equivalente a quatro horas aulas
pela Instituição. Também prevê um investimento financeiro para a participação em Cursos,
Seminários e Congressos realizados pela Congregação em todas as Províncias brasileiras,
especificamente a do Brasil Sul, ou em Congressos Nacionais e Internacionais de Educação.
Esse investimento previsto no projeto é para professoras e coordenadores de todos os
segmentos que venham a apresentar trabalhos científicos, relatos de experiência ou que
manifestam condições profissionais, no seu processo de desenvolvimento da docência, de
contribuir no projeto de formação continuada da Instituição.
Todos esses aspectos contemplados no projeto político-pedagógico fazem parte de
um plano de formação continuada denominada CADOR10, que tem como princípios de ação:
1. Oferecer oportunidade de estudos, reflexão e compromisso concreto com a
vivência de valores cristãos, preferencialmente de fraternidade, ética e justiça;
2. Proporcionar a todos os membros da comunidade educativa oportunidade de
estudo de documentos e subsídios relativos à opção preferencial pela justiça;
3. Abrir espaços para professores na formação didática, científica e pedagógica do
trabalho educativo;
4. Criar sistemas de parceria com outros segmentos da comunidade, para reflexão de
temas pedagógicos necessários ao aprimoramento do processo educativo.
(PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO, 2005, p.24).
Os critérios de escolha para participantes do CADOR, realizado a cada dois anos
com as Escolas da Província Brasil Sul e os demais congressos e cursos, são estabelecidos
pela direção e sua equipe de coordenação, considerando o tempo de trabalho e o envolvimento
do coordenador e professor no processo pedagógico e educacional da Instituição.
Em contrapartida, o professor e/ou coordenador escolhido deverá assumir no
cronograma de reuniões de formação, ou nos grupos de estudo, a contextualização do tema
tratado no congresso ou em cursos de que ele participou, utilizando do tempo que for
necessário para realizar esse trabalho com todo o grupo de professores.
No que se refere à construção do referido projeto pedagógico do ensino fundamental,
especificamente da alfabetização na linguagem oral e escrita11 das professoras alfabetizadoras,
10
A CADOR (Caminhada Doroteana) se constitui num plano bienal de formação para educadores da Província.
Ressalta-se que o fato de ser bienal possibilita a sua reformulação num espaço de tempo que pode ser
considerado adequado. Este plano de formação continuada é planejado para ser realizado desde 1980 nas escolas
da Província Sul com o objetivo de traçar linhas de ação a partir do Capítulo Geral e do Plano Interprovincial de
Educação.
64
se faz relevante detalhar um outro aspecto de seu processo de construção a partir das diretrizes
do CADOR, pois a coordenação pedagógica, na época a cargo da pesquisadora do presente
estudo, delineou um projeto de formação continuada de professores de 1ª a 4ª série do ensino
fundamental a fim de assegurar os princípios filosóficos e os referenciais teóricometodológicos necessários à construção dos projetos pedagógicos de todos os segmentos: de
educação infantil ao ensino médio.
Nessa perspectiva, se faz necessário apresentar uma breve descrição do
desenvolvimento do plano de formação continuada especificamente voltado para as
professoras alfabetizadoras da Instituição campo de pesquisa, que se fundamentou no
propósito de oferecer quinzenalmente cursos de formação e grupos de estudos sobre as
diferentes teorias, concepções e métodos de alfabetização tais como: o tradicional-objetivista,
por meio dos métodos silábico, analítico, fônico e global; e o subjetivista, denominado
construtivista-interacionista12 tendo como referencial teórico as concepções de escrita e
letramento, contemplados no projeto pedagógico das professoras.
5.2. O Plano de Formação Continuada: concepções e metodologias de alfabetização
O plano de formação continuada foi elaborado no ano de 1997, quando a
pesquisadora ainda atuava como coordenadora pedagógica no ensino fundamental de 1ª a 4ª
série.
O referido plano de formação contemplava além do curso semanal que ocorria no
período de vespertino após o término das aulas, reuniões mensais aos sábados previstas em
calendário da instituição, com todos os professores da escola, para reflexões mais amplas
acerca de diferentes teorias e concepções de educação, consideradas no projeto políticopedagógico. Incluía também um horário semanal de acompanhamento pedagógico
individualizado das professoras de primeira a quarta série com a coordenadora, que ocorria no
11
O projeto pedagógico de alfabetização das participantes abrange outras áreas de conhecimento tais como:
Matemática; História e Geografia; Ciências naturais, com abordagem nos seres vivos, natureza, meio ambiente e
ecologia, saúde e energia; Arte, com artes visuais, música, teatro e dança; Psicomotora com atividades corporais,
jogos, ginástica, atividades rítmicas e expressivas; Religião, com desenvolvimento de temas de conteúdo bíblico.
12
As concepções consideradas como objetivista, e subjetivista abordadas no curso, se caracterizam por
postularem que o conhecimento está no objeto, no sujeito e na interação do sujeito com o objeto,
respectivamente.
65
horário das aulas de informática nos períodos matutino e vespertino, aulas estas
complementares do currículo, ministradas por outro professor.
Este horário se constituía de estudos, reflexões e encaminhamentos pedagógicos
sobre o referencial teórico de suas práticas, sobre a fundamentação para a construção do seu
projeto pedagógico, a partir do projeto político-pedagógico da Instituição, tendo como pano
de fundo o eixo temático do curso denominado: Teorias Pedagógicas: Concepções e
metodologias de alfabetização.
Num primeiro momento, a temática foi trabalhada a partir da análise da década de
1980, quando a questão entre os métodos de ensino ocupou boa parte do debate e das
pesquisas no campo da alfabetização.
Como atesta Soares (1986), a partir da divulgação da teoria da psicogênese da
escrita, as pesquisas na área se diversificaram havendo um “progressivo desinvestimento” no
estudo de métodos de ensino e, por outro lado, um crescente interesse por investigar processos
de aprendizagem, interações na sala de aula de alfabetização e outros temas correlatos.
A descoberta dos estudos no campo do letramento, de leitura e produção de textos,
levou pesquisadores a investir menos no estudo da aprendizagem da escrita alfabética.
Segundo a autora, a partir da divulgação da teoria da psicogênese da escrita, as
pesquisas na área se diversificaram e houve uma tendência de se enfatizar as matrizes teóricas
piagetiana e vigotskiana para a concepção de alfabetização.
De acordo com Emilia Ferreiro e Ana Teberosky (1985), que defendem essas
matrizes teóricas, as crianças chegam à escola já com conhecimentos e elaboram hipóteses
sobre a leitura e escrita conforme as experiências já vividas dentro e fora da escola.
Considerando essas novas concepções teóricas, as professoras foram solicitadas a
explicitar suas concepções pessoais a respeito da temática, e a identificar a experiência
vivenciada por cada uma delas sobre a alfabetização. Intencionava-se que essa dinâmica
oportunizasse uma troca de experiências, no sentido de provocar uma reflexão conjunta entre
as professoras sobre suas práticas pedagógicas de alfabetização em sala de aula.
A discussão levantada mostrou que a polêmica sobre os vários métodos de
alfabetização deveria ser tratada no curso, considerando o perfil das professoras e o seu
processo de formação.
Desse modo, foram abordados, teoricamente fundamentados, os métodos sintéticos,
analíticos e sintético-analíticos, também denominados de método fônico baseados nos sons
dos fonemas, utilizados pelas cartilhas que “ensinavam” as correspondências entre letras e
sons, e as concepções de construtivismo e interacionismo quanto a escrita e letramento.
66
Morais (2006) aponta que as discussões sobre vários métodos é cercada de polêmica.
Assim sendo, os métodos sintéticos são os que tomam como base a parte e dela vão para o
todo. A exemplo cita o autor a soletração, que apóia-se na memorização e na pronúncia das
letras, separadamente, para depois uni-las em sílabas, Após isso, passa-se às palavras para
finalmente chegar às frases e aos textos, e a silabação parte das sílabas (ba, be,bi, bo, bu) para
formar palavras e frases. O fônico baseia-se no som dos fonemas: o som do Be do A forma
ba.
Seguindo os exemplos conceituais de Morais (2006), os métodos analíticos vão do
todo para a parte, tais como: a sentenciação que parte da oração, e dela são retiradas palavras
que são esmiuçadas; a palavração que inicia com a palavra. Dela sai para a sílaba e, dessa,
para o fonema ou a letra. O global puro não prevê a decomposição do texto em partes, mas o
aprendizado do conjunto, e o global de contos indica o conto como ponto de início para o
aprendizado do conjunto. Os métodos analítico-sintéticos são chamados de métodos analíticos
e conciliam os dois anteriores.
Morais (2006), a partir desse panorama conceitual sobre métodos de alfabetização,
faz observações sobre o método que se convencionou chamar “método fônico”, isto é, a
proposta de ensinar os alunos a pronunciar isoladamente as unidades fonológicas mínimas –
os fonemas – e a memorizar as letras que as notam (isto é, que as representam graficamente) .
Assim, assevera o autor:
[...] os defensores, antigos e atuais do método crêem que: a) seria fácil para o
aprendiz segmentar as palavras orais em fonemas, pronunciando-os isoladamente; b)
tal procedimento constituiria um requisito para a aprendizagem bem-sucedida das
relações letra-som e c) para aprender a “codificar” e “decodificar” palavras, seria
suficiente um casamento da habilidade de segmentá-las em fonemas (consciência
fonológica, numa acepção muito reduzida) com a capacidade de memorizar as letras
que a eles correspondem, dominando o seu traçado. Tal como outros métodos
tradicionais de alfabetização, tem como fundamento uma visão empiristaassociacionista de aprendizagem, cujos processos básicos seriam a percepção e a
memória. (MORAIS, 2006. p.8)
Segundo a fundamentação teórica do projeto pedagógico das participantes da
pesquisa, quando se tenta definir métodos de alfabetização, pesa uma tradição de séculos que
os mantiveram ligados à idéia do uso do alfabeto (memorização do código alfabético-fonético
da língua), denominados métodos silábicos. Estes se caracterizavam pela formação de
palavras novas, a partir da síntese (união) de “pedaços” (sílabas) conhecidos. No decorrer dos
séculos, mudanças foram feitas, visando estabelecer uma associação da sílaba a uma palavra,
67
ou seja, a “palavra-chave” (método sintético/silábico)13, que, erroneamente, muitos autores de
cartilhas fazem crer que é um método de palavração (método analítico).
A repetição de sílabas isoladas, que em muitas classes de alfabetização é mantida até
hoje, é uma prova da importância dada ao ensino do código de escrita, em detrimento, muitas
vezes, da formação de hábitos de leitura.
Muitos foram os estudos, como os de Ferreiro e Teberosky (1985) e Kato (1985),
sobre o construtivismo quanto às concepções de escrita e letramento, voltados para as causas
de problemas de leitura, e eles apontam inúmeras desvantagens para o uso do processo
silábico, apontados no projeto pedagógico:
1. Construção de frases de conteúdo medíocre (pobreza de vocabulário: palavras
produzidas unicamente em decorrência das possíveis combinações dos fonemas estudados),
impossibilitando a escrita de textos que expressem o pensamento do escritor.
2. Atitudes negativas dos alunos em relação à leitura.
3. Prejuízo da leitura com compreensão, pois à medida que eles aprendem a
reconhecer pedaços isolados e sem significado, incorporam, como hábito negativo, a leitura
silábica ou soletrada, ou seja, não compreendem aquilo que estão lendo.
Eu penso assim, que método é uma coisa muito abrangente, pra gente falar em
método. Quando falamos em método fônico. A gente trabalha o método fônico, e nós
não sabíamos o que era o método fônico. Eu também sempre trabalhei no método
fônico. O que é o método fônico? É você trabalhar com a criança a partir do som,
da fonética. Você pode até ser trabalhado com a família silábica, mas dentro de um
texto. Você pode até ser trabalhado com a família silábica, mas dentro de um texto
Não pode trabalhar hoje descontextualizado. Porque falar, por exemplo, ”bola”:
”ba, be, bi, bo, bu, la, le, li, lo, lu”, não leva a criança a nada. Ela tem que
trabalhar o texto e o contexto (Professora Sandra).
Na sociedade contemporânea surgem, a cada dia, novas linguagens de campos
teóricos e de ação, assim como novos recursos de comunicação. Por esse motivo, deve-se
ampliar o conceito de alfabetização: da simples preocupação com a memorização do código
alfabético ao reconhecimento da existência de um universo de conhecimentos, uma
pluralidade de procedimentos e uma variedade de valores e atitudes que permitem
compreender o mundo e agir de acordo com isso.
13
O conceito de método silábico acima referendado se contrapõe às novas concepções de alfabetização e está
como justificativa no projeto pedagógico das professoras interlocutoras, que aborda os diferentes métodos de
alfabetização e do ensino da língua.
68
Eu não tenho um método, se é construtivismo, sócio-construtivismo. Eu acho que a
gente tem que se adequar à criança no dia a dia, no trabalho dela. O método é o
professor que faz dentro da sala de aula. É ele que individualiza o seu trabalho, é
ele quem formula seu trabalho. É ele que prepara suas aulas. É ele que vai até a
criança, para que a criança chegue até ela (Professora Sandra).
Essas concepções de métodos e metodologias foram discutidas levantando aspectos e
questões ligadas à prática pedagógica cotidiana das professoras.
Com base nessas abordagens, a coordenadora selecionou textos para leitura, de forma
a subsidiar teoricamente as aulas expositivas no curso de formação quinzenal, segundo o
plano de formação continuada elaborado no ano de 1997. O curso foi elaborado num
cronograma flexível, no sentido de adequar o nível de aprofundamento da temática tratada nas
discussões, articulando assim, os aspectos teóricos à prática cotidiana das professoras.
A assiduidade das professoras alfabetizadoras e de todos os professores de primeira a
quarta série do ensino fundamental possibilitou um maior um entrosamento entre os
professores, e isso parece ter contribuído para o desenvolvimento da prática da reflexão.
Desse modo, a participação das professoras investigadas na construção do seu
projeto pedagógico parece ter sido efetiva, uma vez que o projeto partiu das discussões
teóricas do plano de formação, tanto no referencial teórico elegido pelas professoras no
trabalho com as diferentes concepções de alfabetização, como na articulação dessas
concepções como fio condutor de suas práticas pedagógicas.
Embora demonstrado na análise documental, que os princípios filosóficos de ação do
projeto político-pedagógico da escola já estivessem definidos pela Congregação através do
Plano das Províncias e de um Plano de Formação da Província Brasil - Sul denominado
CADOR, e que a construção do projeto pedagógico de alfabetização das professoras tenha
partido desses princípios filosóficos e metodológicos, parece ter ocorrido também a
participação das professoras no projeto político-pedagógico, uma vez que todos os princípios
estabelecidos nesses planos acima referidos, foram se adequando ao contexto da realidade em
que a instituição, campo de pesquisa está inserida.
Um outro instrumento utilizado pela instituição, na instância de formação de
professor é a semana de planejamento antes do início as aulas, quando professores,
direção e coordenação se reúnem, para juntos discutirem o andamento do processo
educativo da escola, os pontos que deverão ser contemplados no projeto políticopedagógico para a qualidade deste processo, bem como as atividades extra-classe
(cursos, palestras, festividades, celebrações,excursões culturais e científicas) a serem
desenvolvidas durante o ano. Essas atividades são decididas em plenário, com todos
os professores e coordenadores e direção e demais responsáveis pelo cumprimento
das mesmas. (PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO. 2005 p. 65).
69
Esse aspecto explicitado no projeto político-pedagógico aponta que, as professoras
foram consultadas na forma de realização de ações que viabilizassem os princípios filosóficos
e metodológicos previamente delineado pela Congregação de que a Instituição faz parte;
entretanto, vale ressaltar que não foi uma participação tão efetiva como a ocorrida na
construção do projeto pedagógico de alfabetização das professoras participantes da pesquisa,
tendo em vista que o processo de construção do referencial teórico elegido foi originado na
concretude diária do processo de formação das docentes alfabetizadoras.
5.3. Trajetória profissional das participantes
Segundo Garcia (1999), a formação de professores converteu-se numa área de
crescente preocupação e interesse. Cada vez mais há uma necessidade de prestar atenção a
esta vertente formativa, no sentido de responder aos desafios do atual sistema educativo, pois,
na concepção do autor, aprende-se a ser professor antes até do ingresso em cursos de
formação inicial.
Huling-Austin (citado por GARCIA, 1999) fala da necessidade de programas de
iniciação à docência, que deveriam ser entendidos “como extensões lógicas do programa de
formação inicial”, e como porta de entrada num programa mais amplo de carreira doente, pois
os principiantes tendo concluído há pouco tempo o seu período de formação necessitariam
ainda de apoio semelhante ao que receberam na fase de estudantes.
Assim sendo, a fase da formação inicial seria:
[...] uma etapa de preparação formal numa instituição específica de formação de
professores, na qual o futuro professor deverá ter conhecimentos pedagógicos e de
disciplinas acadêmicas, assim como realizará as práticas de ensino. Esta é a etapa
correspondente aos primeiros anos de exercício profissional do professor, durante os
quais os docentes aprendem na prática, em geral através de estratégias de
sobrevivência. (MARCELO, citado por GARCIA, 1999, p.26)
Nesse sentido, o que se constatou na presente investigação foi que, a formação inicial
das professoras participantes se deu no curso de magistério, na modalidade normal. No início
do exercício do magistério, as Professoras Mariana, e Maria Eduarda, fizeram o curso de
Pedagogia, enquanto a Professora Sandra, o curso de Letras, como se observa no Quadro II.
70
QUADRO 2 - Síntese das principais características das Participantes da Pesquisa
Participante
Tempo de
Magistério
Gênero
Tempo de
Magistério
na
Instituição
Formação
Professora Gisele
34 anos
Feminino 20 anos
Magistério Normal
Professora Sandra
20 anos
Feminino 1 ano
Magistério Normal e Letras
Professora Mariana
17 anos
Feminino 17 anos
Magistério Normal e
Pedagogia
Professora Maria
5 anos
Feminino 5 anos
Eduarda
Magistério (E. Médio) e
Pedagogia
Os extratos que se seguem complementam essas informações:
Eu fiz o magistério aqui, nesta Instituição mesmo, e não tenho curso de graduação.
Não senti dificuldade não, porque eu tive assim, muito apoio dos meus colegas,
quando eu entrei aqui. Eu tive muita colaboração por parte deles, então para mim
foi fácil, foi bom (Professora Gisele).
Houve sim muita dificuldade no início da minha trajetória, porque o que a gente
aprende durante o magistério, não se aplica dentro de uma sala de aula. A gente
não tem uma vivência completa, uma trajetória de escola, o que é para ser dado,
para ser trabalhado, e também depende da clientela que a gente pega. Porque uma
classe não é homogênea, e sim heterogênea. Ali você tem que lidar com crianças
diferentes, estágios diferentes, com uma cultura diferente. Então é complicado.
(Professora Sandra).
Eu fiz o curso magistério e já comecei a trabalhar dentro do Colégio (Professora
Mariana).
Eu comecei fazer primeiro o Magistério e depois fiz o Curso de Pedagogia juntos.
Eu fazia o magistério à tarde e Pedagogia à noite. Foi tudo tranqüilo, gostei
bastante, não era o que queria no começo, mas depois me apaixonei. E foi muito
bom (Professora Maria Eduarda).
Essa formação obtida concomitantemente ao exercício da profissão está sendo
considerada formação continuada, com base na definição dos Referenciais para Formação de
professores (BRASIL, 1999) e André (1999):
71
a formação continuada ocorre com o professor já no exercício de suas atividades. A
formação continuada é concebida como formação em serviço, enfatizando o papel
do professor como profissional e estimulando-o a desenvolver novos meios de
realizar seu trabalho pedagógico com base na reflexão sobre a própria prática. Nessa
perspectiva, a formação deve se estender ao longo da carreira e deve se desenvolver,
preferencialmente, na instituição escolar (ANDRÉ, 1999, p.40)
Uma outra etapa apontada por Garcia (1999) é a fase de formação permanente,
contínua. É a fase de aperfeiçoamento ou enriquecimento de competência profissional dos
docentes implicados nas tarefas de formação.
Verificou-se que apenas a professora Maria Eduarda estendeu sua formação
continuada em cursos de Pós-Graduação em Psicopedagogia e Educação Especial.
Depois eu fiz Pós-Graduação em Psicopedagogia, e ano passado terminei uma em
Educação Especial. No meu segundo ano de formada, eu recebi um convite para
trabalhar no Assentamento na cidade de Bebedouro, pelo Colégio, escola que eu
estou até hoje. No começo fiquei meio assustada, pelo lugar, por ter que ir pra
longe, mas depois acabei me apaixonando também, e fiquei lá por dois anos.
(Professora Maria Eduarda).
Ponte (1998) definiu e diferenciou
formação e desenvolvimento profissional,
afirmando que a formação é um mundo onde se inclui a formação inicial e continuada, onde é
preciso considerar os modelos, teorias, e investigação empírica porque a formação é um
campo de luta ideológica e política, como já explicitado no referencial teórico, é um
movimento de fora para dentro, enquanto desenvolvimento profissional é um movimento de
dentro para fora, cabendo ao professor as decisões fundamentais, dos projetos que visa
empreender e a metodologia a utilizar.
Candau (1996), no que tange à formação continuada, apresenta algumas tendências,
afirmando que trata-se de trabalhar com o corpo docente de uma determinada instituição
favorecendo processos coletivos de reflexão e intervenção na prática pedagógica concreta, de
oferecer espaços e tempos institucionalizados nesta perspectiva, partindo das necessidades
reais dos professores, dos problemas do dia a dia.
Esse aspecto levantado por Candau (1996) é concordante com Mello (1998) que,
buscando compreender de que maneiras poderiam se dar esse processo formativo na vida
cotidiana dos professores em exercício e como os saberes iam se constituindo nesta dinâmica,
afirmou que:
[...] as proposições pedagógicas, os conhecimentos veiculados nos cursos de
formação básica e continuada de professores, o planejamento do trabalho para um
ano letivo, poderiam ser expressões da docência como ideal, porém, será na vida
cotidiana, na concretude do encontro diário entre as pessoas que trabalham na escola
e que a freqüentam, sob condições muitas vezes adversas, que o exercício da
docência se concretizará (MELLO, 1998, p.53)
72
Para autora, a complexidade da docência se caracteriza por um constante processo de
formação, exigindo-se iniciativas de formação continuada, criando condições no local de
trabalho para que o exercício da profissão seja local de aperfeiçoamento das práticas
pedagógicas, pois o local de trabalho com seus diferentes atores, também interfere na
competência docente.
Dessa maneira, Mello (1998) ressalta que trazer para a formação continuada a
reflexão sobre aspectos do trabalho docente cotidiano e dos saberes nela constituídos pode
proporcionar avanço no desenvolvimento profissional, lembrando que os resultados obtidos
pela pesquisadora confirmam que a escola é como locus formativo. A autora evidencia ainda
que é preciso que os gestores das escolas estimulem o envolvimento dos professores na
organização da instituição e de seu ensino, pois a competência docente seria também
responsabilidade da Instituição onde trabalham os professores e dos profissionais que nela
atuam, proporcionando horários de estudo e reflexão e de formação continuada remunerados,
para construção conjunta de competência para o trabalho diário.
Corroborando esses aspectos apontados por Candau (1996) e Mello (1998), as
participantes da pesquisa demonstraram nas suas falas que a formação continuada depende de
muito estudo, de cursos e apoio pedagógico da Instituição e da coordenação.
Durante um tempo, nós fizemos cursos e fomos assessorados por especialistas e
depois começamos a construir o nosso material de apoio pedagógico. A gente teve
bastante apoio dos professores, da coordenação e da direção da escola e a gente
queria começar, colocar em prática o nosso material (Professora Gisele).
Eu tive que estudar muito, porque era o tradicional, e a gente percebe que hoje não
dá certo, que o professor, principalmente o alfabetizador tem que estudar, e
trabalhar com o cotidiano da criança, com a vivência da criança. Então, eu precisei
assim, ler muito... ler muito. Eu tive muitas dificuldades no início da minha
carreira. Eu comecei nesse Colégio particular, no Jardim II, depois eu saí, e fui
para o Estado, para a Escola Pública e para mim foi muito difícil a adaptação
(Professora Sandra).
Eu acho que a minha maior formação foi aqui no Colégio. A gente percebe assim,
que a gente vai crescendo, vai vencendo as dificuldades no processo de formação
(Professora Mariana).
Aqui no Colégio a gente tem uma equipe de coordenação muito forte, que está
sempre ao nosso lado, caminhando junto com a gente (Professora Maria Eduarda).
Nos depoimentos das professoras interlocutoras da pesquisa foram revelados o apoio
da Instituição na formação continuada de cada uma delas. Esse aspecto de relevância parece
corroborar Candau (1996) quando afirma que o locus de formação a ser privilegiado é a
73
própria escola, pois, para a autora, considerar a escola como locus de formação continuada
significa superar o modelo clássico de formação continuada que:
não pode ser concebida como um processo de acumulação de cursos, palestras,
seminários, de conhecimentos, ou de técnica, mas sim como um trabalho de
reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção permanente de uma
identidade pessoal e profissional mútua. E é nessa perspectiva que a renovação da
formação continuada vem procurando caminhos novos de desenvolvimento. (p.150)
Essas afirmações parecem também corroborar Mello (1998), que adverte para a
construção de um paradigma que traga para os cursos formadores na Instituição questões
ligadas ao cotidiano do trabalho do professor, para poder, de fato, se ter momentos de reflexão
sobre as práticas na escola.
Na mesma direção, Reali et al (1995) mostra a importância de um modelo
“construtivo - colaborativo” de formação continuada centrado na escola, baseado na idéia de
ter-se a unidade escolar como sede e núcleo do trabalho de formação continuada, destinado a
profissionais de uma mesma instituição.
Essa modalidade de formação continuada poderia trazer a superação de alguns
problemas que ocorrem na modalidade de formação fora da escola, tais como a dificuldade de
concretização da possibilidade real dos professores realizarem suas transposições didáticas do
contexto e que são alvo do processo de “capacitação” para o contexto em que atuam
concretamente, adotando-se assim, como alternativa, modelos de formação continuada
centrados no grupo institucional.
Na concepção das autoras, essencialmente o que define esse modelo é o
desenvolvimento do processo de formação com um conjunto de professores de uma mesma
escola no seu próprio local de trabalho.
Reali et al (1995) afirma que a relevância de considerar essa modalidade para a
formação continuada é ressaltada por Nóvoa quando, ao discutir a profissionalização docente,
aponta para a importância da articulação entre a formação dos professores e os projetos da
escola.
Durante um tempo, nós fizemos cursos fora e fomos assessorados por especialistas
de São Paulo e depois começamos a construir o nosso material de apoio
pedagógico (Professora Gisele).
Sempre estamos estudando, nos reunindo, fazendo cursos, pra ficar sempre em dia
com toda essa movimentação que tem na Educação. O Colégio sempre teve a
preocupação de dar aos professores um apoio muito grande nesta questão. E nós
também né, somos os maiores interessados, então nunca podemos parar de estudar,
de nos interessarmos, de buscar por novas informações (Professora Maria Eduarda).
74
As falas das professoras indicam que o processo de formação continuada delas se deu
principalmente na própria Instituição, no locus de trabalho, embora a fala da professora Gisele
com 20 anos de magistério na Instituição, demonstre que o processo de formação continuada
iniciou-se com cursos e assessoria pedagógica fora da escola, formação esta, denominada
segundo Candau (1996), de modelo clássico de formação continuada.
Os dados obtidos parecem evidenciar que a Instituição desenvolve atualmente um
programa de formação de professores sistemático, que é concordante com as informações
obtidas a partir da análise do projeto político-pedagógico da escola.
Segundo o documento, os projetos de formação continuada de professores de
primeira a quarta série do ensino fundamental se fundamentam:
Na semana de estudos e planejamento no início do ano letivo, tendo como objetivo
avançar na construção de projetos individuais e comuns e integrados nas disciplinas;
nos grupos de estudos, reuniões mensais de capacitação, seminários, mesasredondas, palestras e oficinas pedagógicas, com reflexão de temas pedagógicos,
horário de acompanhamento pedagógico do trabalho do professor. (PROJETO
POLÍTICO - PEDAGÓGICO, 2005, p.112 -159).
A maioria das professoras interlocutoras considerou que esse tipo de formação
recebida foi relevante para sua prática pedagógica. Prática que pôde ser traduzida na reflexãoação e na reflexão sobre ação de cada participante do curso, conforme apresenta-se no tema a
seguir.
5.4. Desenvolvimento de práticas reflexivas
Cada professor tem a sua marca, seu modo de registrar seu pensamento sobre as suas
práticas. O importante é que cada um assuma o seu jeito. Num primeiro momento, a reflexão
passa por um movimento de re (pensar) a visão que cada qual viveu em relação às concepções
de suas práticas que refletem o modelo de sua formação.
Desse modo, Zeichner (1993) afirma que os professores que são práticos reflexivos
desempenham importantes papéis na definição das orientações das reformas educativas e na
produção de conhecimento sobre ensino, graças a um trabalho de reflexão na e sobre a sua
própria experiência no contexto em que atuam.
Pimenta (2005), apoiada em Zeichner (1993), adverte que se deve ter uma postura
cautelosa na abordagem da prática reflexiva:
75
evitando que a ênfase no professor não venha a operar, estranhamente, a separação
de sua prática do contexto organizacional no qual ocorre. Fica, portanto, evidenciada
a necessidade da realização de uma articulação, no âmbito das investigações sobre a
prática docente reflexiva, entre práticas cotidianas e contextos mais amplos,
considerando o ensino como prática social concreta. (PIMENTA, 2005, p.24)
Diante das diferentes acepções de prática reflexiva que foram incorporadas ao
discurso relativo à formação reflexiva de professor, Zeichner (1993), na tentativa de acabar
com a confusão conceitual da prática referente à prática reflexiva no ensino e na formação de
professores, aponta três orientações conceituais principais da prática reflexiva:
A reflexão como instrumento de mediação da ação, na qual se usa o conhecimento
para orientar a prática; a reflexão como modo de optar entre visões do ensino em
conflito, na qual se usa o conhecimento na informação da prática; e a reflexão como
uma experiência de reconstrução, na qual se usa o conhecimento como forma de
auxiliar os professores a apreender e a transformar a prática. (ZEICHNER, 1993,
p.32)
Desse modo, o conceito de prática reflexiva é considerado na presente pesquisa como
um processo de reflexão do professor que resulta de um movimento interno. Sendo um
movimento interno, precisa-se de algumas ferramentas científico-culturais, pois só se pode
afirmar que ocorre a prática reflexiva quando o professor explicita isso publicamente e as
ações podem ser observadas.
Conforme aponta Zeichner (1993), se a idéia de reflexão na ação e sobre a ação está
ligada à experiência de mundo, e à reflexão como modo de optar entre visões de ensino em
conflito, os primeiros dados levantados das entrevistas parecem confirmar que foi a reflexão
das professoras participantes sobre suas práticas alfabetizadoras, a partir dos textos de
cartilhas14, confrontadas com as experiências construtivistas, nascidas nas décadas de 80 e 90,
em muitas escolas consideradas modelo de um novo paradigma pedagógico, que possibilitou
a mudança de suas práticas, como mostram os extratos a seguir:
Minha experiência começou quando a cartilha Caminho Suave era usada como
instrumento de ensino. Então, surgiram algumas teorias de Educação sobre a
aquisição do sistema de escrita. E aqui a gente tinha que se adequar a essas
mudanças. E mudar é uma coisa difícil pra gente. Isso me deixava assim um pouco
inquieta, insegura, mas, a gente sempre quer ir em busca do novo, da novidade. E a
gente começou aqui na escola, um grupo de professores, que foi visitar uma escola
em São Paulo, que estava já vivendo essa experiência (Professora Gisele).
14
Os textos de cartilhas são textos curtos e fragmentados, elaborados a partir da síntese (união) de pedaços.
(sílabas) conhecidos, que formam as palavras e as frases.
76
Houve um momento que eu achei que não ia da certo, porque a escola não estava
adequada, adaptada para essas mudanças da Educação. Você pode perceber que os
pais das crianças foram alfabetizados no método tradicional. Então, toda inovação
gera um conflito, e gerou tanto, por parte do professor, do aluno, da escola, e ai a
gente tem que se moldar na realidade deles. Essa foi umas das coisas que eu tive
que enfrentar, esse problema de adaptação (Professora Sandra).
As falas das professoras evidenciaram que a fundamentação teórica do projeto
pedagógico entendia a criança como parte principal no processo de alfabetização. O professor
não alfabetiza o aluno. Ele é medidor entre o aprendiz e a escrita, entre o sujeito e o objeto
desse processo de apropriação do conhecimento como revelam os extratos a seguir:
A base da primeira série é eles perguntarem. É trabalhar muito com pergunta, e
ensiná-los a perguntar também. Como que escreve... pergunta ... pergunta...
pergunta... pergunta. Assim como eu faço as perguntas, eles também têm que
aprender a fazer pergunta (Professora Mariana).
Eu preparo minhas aulas, para que eu chegue até a criança. Se aquelas aulas que
eu preparei não estão condizentes à criança, eu mudo, porque eu quero primeiro
ajudar a criança. Não que a criança tenha que vir preparada, pronta para receber
os ensinamentos, o conteúdo que eu vou dar para ela. Se aquele conteúdo não está
correto, adequado, eu mudo pra ajudá-la. Então, nós necessitamos de extrair do
aluno aquilo que ele sabe, aquilo que crê aquilo que ele sente, porque o aluno traz
uma bagagem para a escola, é só a gente explora (Professora Sandra).
A gente começou a construir o nosso material e procurava assim adequar as nossas
atividades ao nível da classe, das nossas crianças. E começamos a achar que o
caminho era esse mesmo, que a gente estava no caminho certo. Eu vejo com clareza
que a metodologia que nós construímos contribui bastante para o desenvolvimento
critico do saber da criança (Professora Gisele).
O projeto pedagógico de alfabetização asseverava que a atuação do professor é
fundamental, pois a conquista de novos patamares de compreensão pelo aluno é algo que
também depende das propostas didáticas e da intervenção que ele fizer, como se pode
observar no trecho que se segue:
- O ambiente escolar deve ser estimulador da livre expressão do pensamento,
visando, gradualmente, à contínua construção da leitura e da escrita.
- O ponto de partida do processo de alfabetização deve levar em conta as motivações
naturais do aluno, distinguindo situações propícias de registro escrito de sua
linguagem, estimulando a ilustração dos seus textos.
- Os jogos devem ser oferecidos como atividades opcionais e não obrigatórias.
- As artes e as ciências inserem o aluno na cultura de sua comunidade e geram
conhecimento novo15.
(PROJETO PEDAGÓGICO DE ALFABETIZAÇÃO, 2005, p.13).
15
As propostas lúdicas e criadoras acima elencadas, bem como a reflexão sobre a figura do alfabetizador,
contidas no projeto pedagógico das professoras interlocutoras, estão assentadas nas idéias de Ladsmann (1995),
citada na referência bibliográfica do referido projeto.
77
É claro que o contato anterior com a escrita, fruto das vivências naturais e
significativas no lar, representa um grande enriquecimento e faz com que a criança se
diferencie de uma outra que vive em semi-abandono nas favelas, sem o contato da leitura e da
escrita em situações cotidianas.
A alfabetização não ocorre de um momento para o outro, ela é fruto de uma série de
estímulos e solicitações do meio ambiente.
De acordo com as estratégias metodológicas propostas no referido projeto de
alfabetização, os recursos empregados em uma classe de alfabetização devem apresentar
características marcantes de funcionabilidade e de significados, associadas às propostas
lúdicas e criadoras, pois:
As correntes construtivistas e o cognitivismo acreditam que as crianças constroem a
sua inteligência e seu conhecimento tanto a partir de suas potencialidades como da
interação com os outros e com seu meio. Construir histórias mentalmente parece ser
um dos meios fundamentais para elaborar significações. Ao escutar a leitura de
histórias, lendas e mitos a criança obtém uma interpretação cultural. Elas são
capazes de compreender e começar a assimilar uma modalidade mais abstrata, a da
linguagem escrita, na qual a representação dos significados é alheia a um contexto
de experiências concretas de forma imediata. Quando são elas que narram, aumenta
o controle sobre os recursos lingüísticos e cognitivos necessários para selecionar e
organizar a informação que querem proporcionar aos seus ouvintes. Através das
histórias, as crianças são incentivadas a refletir e a perguntar sobre o que aconteceu,
suas causas, conseqüências e significados. O contato feito entre a criança e a escrita
deve ser de forma espontânea e natural, pois ela já trabalha, desde cedo, informações
das mais variadas procedências: revistas, tv, cartazes de ruas, peças de vestuário,
entre outros, portanto, não tem sentido desconsiderar este arsenal de conhecimentos.
(PROJETO PEDAGÓGICO DE ALFABETIZAÇÃO, 2005, p.12).
Ainda fundamenta o referido projeto que o alfabetizador é a figura mais importante
nesse processo, por isso, deve criar um clima de descontração e amizade capaz de fazer com
que as crianças assumam seus processos de desenvolvimento, aprendizagem com segurança e
coragem, recebendo de sua pessoa o apoio e a orientação que precisam.
A alfabetização, considerada em seu sentido restrito de aquisição da escrita
alfafbética, ocorre dentro de um processo mais amplo de aprendizagem da Língua Portuguesa.
Esse enfoque coloca necessariamente um novo papel para o professor das séries iniciais: o de
professor de Língua Portuguesa.
Procuro trabalhar muito com a auto-estima da criança. Eu acho que a primeira
série é um momento que eles estão muito inseguros. Houve uma mudança muito
grande, né. Até os pais de como os pais, muitas vezes, encaram essa primeira série.
Então a criança está muito insegura. O primeiro passo ali, na primeira série é você
mostrar, que você acredita no aluno, que ele pode, que ele vai conseguir (Professora
Mariana).
78
Temos que estar sempre de olho no nosso aluno, até onde ele pode ir, os limites.
Cada um tem seu limite, a gente tem que estar sempre buscando atividades novas
para aqueles alunos que não conseguem acompanhar sala, mandando tarefas
diferenciadas, buscando novas alternativas na área de linguagem (Maria Eduarda).
Isso eu vou assim, levar para a minha trajetória. Nós estamos trabalhando
Shakespeare, na segunda série, estamos trabalhando contos, e um aluno trouxe a
Veja pra mim com uma peça de teatro que está acontecendo em São Paulo. Ele
falou se eu gostaria de ir... Era sobre Shakespeare... quer dizer, pra mim isso foi
uma glória... Porque um aluno pra mim, já foi assim, a minha realização
profissional. Eu sei que ele entendeu o que eu estava falando, ele lembrou na hora
que foi ler a “Veja”, que eu estava trabalhando Shakespeare essa semana com eles.
Eu fiquei imaginando... eu li a crônica da revista para eles, eu li as opiniões do
pessoal sobre o teatro, e ele perguntou para mim que ator que era, e eu disse que
era um ator da Globo. É importante isso, eles já viram Shakespeare, não... mas já
ouviram falar de Shakespeare. Então, eles sabem... Em todos lugares que forem e
ouvirem o nome de Shakespeare eles já vão relacionar, com Romeu e Julieta, no
teatro de São Paulo. Foi uma experiência maravilhosa (Professora Sandra).
Dessa forma, o que se pôde perceber considerando o percurso de desenvolvimento de
práticas reflexivas das participantes é que as suas falas apontaram que, apesar dos medos e
inseguranças com o trabalho de texto como centro de um trabalho de linguagem, elas aos
poucos foram abandonando as cartilhas, em grande parte em razão do apoio recebido no locus
de trabalho, conforme indicam os trechos a seguir:
Apesar da gente estar assim meio insegura, a gente tinha muita vontade de
enfrentar o novo a novidade, e colocar em prática tudo aquilo que a gente tinha
vivido e aprendido nos cursos, quando as pessoas vinham aqui até a escola para
nos assessorar. E isso me ajudou a superar as limitações que eu tinha, os medos.
Me ajudou bastante a superar (Professora Gisele).
Houve aceitação sim, do professor tradicional, aquele professor que está se
adequando às mudanças dentro da “Pedagogia Nova”, mas tem a negação sim,
muitos que acham que a gente quer aparecer, quer fazer uma figura, quer status, e
não é. Eu procuro estar sempre trabalhando, porque a gente necessita da técnica
também, para poder trabalhar, uma estratégia daquilo que você está elaborando,
que é o essencial (Professora Sandra).
Na verdade, uma prática pedagógica refletida numa concepção ideológica de
formação não muda da noite para o dia, mas no exercício da reflexão de cada dia, como
revelado nos extratos a seguir, permitindo verificar a mudança das práticas pedagógicas,
sobretudo nas conseqüências dos desdobramentos desse processo de reflexão no exercício
cotidiano das professoras alfabetizadoras, participantes da pesquisa:
As mudanças requerem do professor muita habilidade, muito cuidado, porque nós
estamos com seres pequenininhos, seres em formação (Professora Sandra).
79
Acho que todo ano, todo dia tem mudança. A mudança não ocorre de uma hora pra
outra não... Todo dia você vai mudando, revendo, você vai vendo a estratégia que
você usava, o que não foi bom, você deixa de usar, passa usar outras coisas. Todo
dia é dia de mudança, não é? (Professora Mariana).
Surgiram algumas teorias de Educação sobre a aquisição do sistema de escrita. E
aqui a gente tinha que se adequar a essas mudanças. E mudar é uma coisa difícil
pra gente (Professora Gisele).
Então a gente tem que estar buscando novos métodos, novas situações, que levam a
gente a crescer, e nunca parar (Professora Maria Eduarda).
A gente tem que estar sempre buscando idéias novas, aceitando, às vezes você está
com uma dificuldade com um aluno trabalhando determinado assunto, um colega
chega com uma idéia, e quantas vezes essa idéia não clareia ali, pra você trabalhar
esse assunto com o aluno. Tem que sempre aceitar, e estar buscando também
(Professora Mariana).
Nesse aspecto, o trabalho de Schön (2000) aponta que a prática reflexiva pode ser
entendida, no sentido mais comum da palavra, como a reflexão acerca dos objetivos, dos
meios, do lugar, das operações envolvidas, dos resultados provisórios. Tomando esse sentido,
as professoras alfabetizadoras, quando começaram a identificar o significado e a concepção
do ensino da língua, ancorados nas teorias sócio-construtivistas e interacionistas, passaram a
tomar como objetivo os processos de construção da escrita, reconhecendo as suas diversas
funções sociais e as diferentes variedades lingüísticas, refletindo sobre a importância de se
trabalhar conforme explicitam as falas a seguir:
Outra experiência é do Colégio. Eu peguei uma criança na segunda série que veio
de uma outra escola, e ela estava silábico-alfabética. Ela tem dificuldade na escrita,
na letra cursiva. Telma Weiz, num curso que ela deu, disse assim: Quem falou, onde
o professor leu, que não é para dar letra cursiva para o aluno, que é só para dar
letra de forma na primeira série. As revistas, os jornais, os livros não estão em letra
de forma, estão em letra de imprensa, então o aluno precisa conhecer a letra de
forma (Professora Sandra).
Não, nós temos vários tipos de textos, desde a história em quadrinhos, que você
pode trabalhar o texto com o aluno, depois você pode trabalhar uma prosa, você
pode fazer uma paródia, você pode fazer uma literatura de cordel. Quer dizer, você
tem “n” recursos para trabalhar com o aluno. Outra coisa também importante que
eu li, e eu até anotei aqui, isto daqui vai ser parte da minha vida, “que o processo
de escrita não contém passos discerníveis e lineares, mas recursivos”... A gente tem
que ter vários recursos, isso eu vou assim, levar para a minha trajetória (Professora
Sandra).
A gente tem que estar sempre escrevendo, a gente coloca muito em ênfase nesta
questão da escrita. A criança não pode parar de escrever. Então, textos
diferenciados, atividades que levam a pensar de forma diferente, para a criança
poder se sobressair (Professora Maria Eduarda).
80
A reflexão tende a ser enfocada interativamente sobre os resultados da ação, sobre a
ação em si mesma e sobre o conhecimento intuitivo implícito na ação, como revelam os
trechos que se seguem:
Porque como eu já eu tinha trabalhado com a cartilha, eu acho que a cartilha limita
muito a criança né, e essa nova metodologia amplia os horizontes da criança, a
partir do texto, bastante leitura. Então, eu acho que a criança não fica muito
restrita somente a algumas palavras, e conseguem depois produzir textos de
qualidade, com coesão e coerência, muito bons (Professora Gisele).
Nós estamos trabalhando o Meio Ambiente, e o aluno me trouxe uma revista Veja
para eu ler um texto informativo sobre os Ursos Polares, quer dizer... ele está me
ajudando nas minhas aulas. Eles estão trazendo a informação para dentro da sala
de aula. Isso é importante para o aluno. O aluno tem que interagir, ele tem que agir.
É isso que a gente faz numa aula dinâmica (Professora Sandra).
O projeto pedagógico de alfabetização das participantes indica o uso de textos
variados para transformar os alunos em leitores e escritores, críticos e usuários do discurso,
que compreendem o valor da leitura e podem tirar dela o prazer desse contato com variadas
tipologias textuais:
Há diferentes variedades lingüísticas: não se usa o mesmo tipo de linguagem nos
diferentes tipos de textos, porque como instrumento de comunicação, a forma deve
estar adequada ao uso. Esses usos influenciam a linguagem escrita. Por isso, se
quisermos que nossos alunos sejam leitores e escritores, é preciso colocá-los em
contato com os mais variados tipos de textos. Fazendo-os lerem, interpretarem,
pensarem sobre o conteúdo e as formas dos diferentes tipos, estaremos facilitando o
caminho para que eles se tornem usuários e produtores críticos do discurso. As
atividades com textos têm o objetivo de levar os alunos a manejarem os diversos
usos sociais dos textos. (PROJETO PEDAGÓGICO DE ALFABETIZAÇÃO, 2005,
p.7- 8).
Segundo as atividades e estratégias de produção textual propostas no projeto
pedagógico das professoras alfabetizadoras, participantes da pesquisa, não se deve ter a
preocupação com textos mais curtos ou mais simples para as crianças que estão aprendendo a
ler e escrever. A intenção deve ser sempre apresentar textos contextualizados com uma
determinada função social. Conforme já explicitado no projeto pedagógico, o centro do
trabalho é o texto, porque só ele tem significado, portanto não se define por sua extensão.
Entretanto, na maioria das vezes o conhecimento profissional acumulado, que lhes
permitem confiar em sua experiência, mostrou-se insuficiente para dar conta de trabalhar com
essas atividades, tendo em vista o objetivo proposto de desenvolver a competência lingüística
e discursiva de seus alunos.
81
Nesse aspecto, Contreras (2002) assevera que o professor necessita, dessa forma,
refletir e confrontar o seu conhecimento prático e teórico com a situação de conflito em que se
encontra. Esse confronto sempre acontece no diálogo reflexivo, na maneira pela qual
aparecem o seu modelo de compreensão e a sua forma teórica para que façam a avaliação e
modifiquem, em função das respostas, a situação que lhes é devolvida.
Para o autor, a perspectiva do docente como profissional reflexivo permite construir
a noção de autonomia como um exercício, como forma de intervenção nos contextos
concretos da sua prática pedagógica.
Um processo de reflexão crítica permitiria os professores avançarem para um
processo de transformação da prática pedagógica, mediante sua própria
transformação. Para isso, é necessário promover entre os professores um tipo de
questionamento daquilo que tinham como certo, de modo que hoje se transforme em
algo problemático, abrindo-se a novas perspectivas e dados da realidade.
(CONTRERAS, 2002, p.165)
Considerando as afirmativas de Contreras (2002) segundo as quais a prática é
em si um modo de experimentar com as situações cotidianas para elaborar novas
compreensões sobre elas, as situações de conflitos expressas nas falas das professoras
Sandra e Maria Eduarda parecem ter possibilitado o desenvolvimento de práticas
reflexivas, como demonstram os trechos que seguem:
Eu, juntamente com uma outra professora lá na escola pública, quando estamos
trocando idéias, porque ela trabalha na Prefeitura e tem uma primeira série. Então,
a gente troca idéias, vê como está funcionando, quais as crianças que estão
alfabéticas, quais as crianças que não estão alfabéticas. E a outra professora fica
do lado só prestando a atenção, e falando: Não, vocês estão erradas, vocês têm que
trabalhar a cartilha “Caminho Suave”, tem a página da “Caminho Suave”, que
para ensinar o aluno a ler e escrever. E uma olha para outra, a gente fica sem
saída, nós não sabemos o que fazer... ou a gente debate com ela e explica que nós
estamos trabalhando não construtivismo, mas contextualizando o texto, mostrando
para a criança o som das palavras. Como diz Emilia Ferreiro, quando uma criança
está na fase alfabética que você tem que mostrar para ela o som da letra. Você tem
que trabalhar a fonética com a criança. Não é para você trabalhar desde o início a
sílaba separada, mas quando ela estiver alfabética, você que vai mostrar para ela o
som da sílaba, porque senão ela vai ter dificuldade na hora escrita. Os sons do R,
por exemplo, então é importante, e a professora não entende que isso tem ser
contextualizado. Ela acha que tem que ser separado, que você trabalhando a
alfabetização não se trabalha a sílaba separada. É isso que a gente está tentando
mostrar para ela. É uma forma difícil (Professora Sandra).
Trabalhando na coordenação em outra Escola particular, encontrei uma sala de
primeira série, que já tinha passado duas alfabetizadoras. Eles estavam com o
conteúdo um pouco defasado, muito inseguros por já terem passado duas
professoras ali, e o medo da minha parte como coordenadora era de colocar
alguém que não continuasse o trabalho e haver uma nova parada ali, né. Então eu
resolvi assumir, eu achei assim, se eu pegasse, eu não largaria, eu sabia que eu
assumir esse compromisso e que eu levaria até o final. E o trabalho de
alfabetização estava bem atrasado, e eu continuei durante a segunda série, junto
com a turma, acompanhei a turma durante um ano e meio. E as crianças se
tornaram alfabéticas e leitoras Este foi um desafio e um conflito.
(Professora Maria Eduarda).
82
Nesse sentido, percebeu-se nas entrevistas realizadas com as participantes da
pesquisa uma disposição para repensar a prática como tentativa de construção e reconstrução
das práticas pedagógicas no seu cotidiano.
Quando a gente conheceu essa novidade em São Paulo, nós ficamos assim,
entusiasmados com tudo aquilo que a gente viu, e aí a gente acreditava que seria
possível também mudar a nossa metodologia. E durante um tempo, nós fizemos
cursos e fomos assessorados por especialistas e depois começamos a construir o
nosso material de apoio pedagógico. Nós fizemos um caminho junto aqui, e nesses
anos pra cá que a gente vem trabalhando com isso, eu acho que a cada ano se
aprende mais, e cada ano a gente vai assim crescendo e vendo assim a criança
desabrochando, mais segura daquilo que ela aprendeu, mais letrada (Professora
Gisele).
O Colégio sempre teve a preocupação de dar aos professores um apoio né, muito
grande nesta questão. Então, nós sempre estamos estudando, nos reunindo, fazendo
cursos, pra ficar sempre em dia com toda essa movimentação que tem na educação
(Professora Maria Eduarda).
Eu repensei, eu estudei, eu tomei consciência que precisava haver uma mudança,
em relação ao projeto pedagógico da escola, uma inovação. Isso aconteceu no
cotidiano. Todo dia é dia de mudança, mesmo quando você prepara uma aula para
sala, e você chega e vê que aquele momento não é para aquela aula, você tem que
repensar no momento. O professor tem que estar apto à essas mudanças no dia- adia (Professora Sandra).
O enfrentamento da chegada de novas teorias na educação sobre o processo de
aquisição da escrita para as professoras alfabetizadoras participantes deste estudo foi difícil e
desafiante para todas elas; no entanto, foi bastante diferente para a Professora Gisele e a
Professora Sandra, uma vez que as duas iniciaram a docência nos anos de 1970 e início de
1980 respectivamente, um momento histórico diferente das Professoras Mariana e Maria
Eduarda, cujas concepções e métodos de alfabetização estavam mais próximos das exigências
do locus de pesquisa:
Todos esses cursos que nós fizemos das teorias de Piaget, Vygotsky e Wallon, e
outros mais... Emilia Ferreiro, a gente começou a construir o nosso material e
procurava assim, adequar as nossas atividades ao nível da classe, das nossas
crianças. E começamos a achar que o caminho era esse mesmo, que a gente estava
no caminho certo (Professora Gisele).
Eu trabalhei sete anos na alfabetização de adultos, e depois fui para o
Fundamental, onde já comecei como uma sala de primeira série. No inicio foi muito
difícil, eu tive que estudar muito, porque era o tradicional, e a gente percebe que
hoje não dá certo que o professor, principalmente o alfabetizador tem que estudar, e
trabalhar com o cotidiano da criança, com a vivência da criança. Então, eu precisei
assim, ler muito... ler muito (Professora Sandra).
83
Quando eu comecei, já estava iniciando o processo de mudança. Eu não tive
dificuldade não. É o que o penso de educação. Essas teorias na Educação, sobre o
processo de aquisição da escrita, é o que eu acredito (Professora Mariana).
Enquanto para algumas professoras o processo de desenvolvimento de práticas
reflexivas foi mais tranqüilo, como para a Professora Mariana, para outras apresentou alguma
resistência, como para a Professora Sandra, conforme revelam os extratos a seguir:
A todo momento você tem que estar analisando o que você está fazendo dentro da
sala de aula, a fundamentação que você está dando ali para o seu trabalho, né. A
todo momento tem que ser repensado (Professora Mariana).
Eu sinto muitas vezes, eu tento me organizar e colocar as minhas idéias, e eu vejo
que nem sempre há uma aceitação, que o outro está estudando, elaborando uma
fala diferente, que o outro está tentando mudar, tentando passar informações
novas. Eu sinto sim, muitas vezes eu falo, eu não vou fazer nada, eu não vou mudar
mas aí eu penso e reflito. (Professora Sandra).
Considerando que o processo de desenvolvimento de práticas reflexivas é um
movimento interno, e necessita de algumas ferramentas científico-culturais e pedagógicas,
para apreender essa prática reflexiva, as professoras interlocutoras manifestaram algumas
inseguranças e medos, pois a maioria delas admite o enfrentamento das dificuldades e
desafios na aceitação de mudanças.
Foi de uma retomada interna, eu percebia que eu estava pisando num lugar que
não ia me levar a nada. Foi uma tomada de consciência, de mudança. Então foi
uma coisa interna, de mudança. Não foi nada imposta. Foi do meu profissional
mesmo (Professora Sandra).
Dessa maneira, o que se constatou foi um movimento constante quanto ao repensar
as práticas, as metodologias e estratégias de ensino, das professoras interlocutoras, no sentido
de abertura e adequação às mudanças, diante das novas tendências e concepções da
alfabetização, tais como o construtivismo e o sócio-interacionismo.
Esse movimento de abertura quanto às mudanças das práticas de alfabetização,
demonstrados pelas participantes está pautado na relação entre os saberes e o trabalho
docente, constituindo o terceiro tema dessa seção.
5.5. Os saberes docentes e abertura para a mudança das práticas alfabetizadoras
84
Tardif (2002) aponta o pluralismo do saber profissional, relacionando-o com os
lugares em que os próprios professores atuam, com as organizações que os formam e ou nas
quais trabalham, com sua experiência de trabalho, como também observado pela Professora
Sandra:
Agora que eu tenho a minha coordenadora, aqui no Colégio, e meu Gestor na
Escola Pública que estão me dando muito apoio (Professora Sandra).
De acordo com o autor, a relação entre os saberes e o trabalho docente não pode ser
pensada segundo o modelo aplicacionista da racionalidade técnica, tornando o professor um
executor de propostas prontas e determinadas por outrem.
Mizukami e Montalvão (2002 ) consideram que os saberes docentes são construídos
ao longo de toda a vida, oriundos de processos de formação que são consolidados e
revalidados na prática docente, o que pode ser entrevisto nas declarações da Professora Maria
Eduarda:
A metodologia que a gente usa aqui é de muita pesquisa. A gente pesquisa muitas
atividades diferentes, vários livros, para que criança não pare.Então, a gente tem
que estar diariamente buscando coisas novas, nos informando né, trazendo coisas
do dia a dia pra criança, pra ela também ficar interagindo com o mundo
(Professora Maria Eduarda).
As participantes da pesquisa demonstraram nas entrevistas uma constante busca de
promoção do processo de aprendizagem da docência, o que possibilitava as mudanças nas
suas práticas, aproximando a relação teoria e prática na fundamentação do seu trabalho de
alfabetização, como revelam os extratos a seguir:
Nós precisamos da teoria para trabalhar a prática, porque não adianta você ter a
prática não ter a teoria também. Porque a prática eu sei que você vai no dia, e você
fala que tem tudo na cabeça... tem tudo pensado ... é só eu ir lá e colocar na lousa.
Não é assim... Você tem que ter a teoria, porque muitas vezes você vai achar
barreiras, e que você vai ter que ter a teoria para ajudar na sua prática. A teoria é
o suporte (Professora Sandra).
Bom, eu acho que a prática tem que sempre estar fundamentada na teoria. Como a
minha coordenadora sempre diz, quando você tem fundamentação no seu trabalho,
você tem segurança, você sabe o que está fazendo, você tem consistência.
(Professora Mariana).
Assim sendo, a história e a trajetória das professoras pesquisadas, os seus
depoimentos revelaram o movimento no processo de mudança nas suas práticas, enquanto
85
observa-se, por outro lado, as limitações da reflexão, nessa busca constante de atualização de
um repertório próprio, quanto à metodologia de alfabetização e à articulação entre a teoria e a
prática no trabalho pedagógico.
Como se pôde constatar, as professoras depoentes manifestaram que seus limites
para o desenvolvimento de práticas reflexivas estavam no enfrentamento de problemas de
aprendizagem da criança quanto ao processo de aquisição da escrita alfabética, na insegurança
e medo de colocar na prática a fundamentação teórica do projeto pedagógico em relação às
concepções de alfabetização, mas também apontaram possibilidades quanto à busca cotidiana
de inovação, de novos métodos, de muito estudo, criando situações novas na sala de aula.
Bom, eu vejo com clareza que a metodologia que nós construímos contribui
bastante para o desenvolvimento critico do saber da criança, e me questiono
quando enfrento problemas de aprendizagem, mas aí, eu tento criar condições para
superar essas dificuldades. E no final de cada etapa me sinto realizada, porque eu
colho os frutos do meu trabalho, vendo uma criança lendo e escrevendo com
competência (Professora Gisele).
Nesse sentido, Nóvoa (2001) enfatiza que na formação de professores é preciso
juntar as duas dimensões: a prática de formação em si, e a prática escolar.
De acordo com o autor, formação se faz na ação, na mudança organizacional, na
mudança das práticas da escola.
Nóvoa (2001) apregoa que a identidade é lugar de lutas e de conflitos, é um espaço
de construção de maneiras de ser e estar na profissão. Certas técnicas e métodos “colam”
melhor com nossa maneira de ser. A construção de identidades precisa de um tempo para
acomodar inovações e mudanças.
Eu repensei, eu estudei, eu tomei consciência que precisava haver uma mudança,
em relação ao projeto pedagógico, uma inovação. Isso aconteceu no cotidiano.
Todo dia é dia de mudança (Professora Sandra).
A análise do depoimento da Professora Sandra demonstra esse processo de
construção de identidades, pois o que se constatou é que parece haver, por um lado, uma
coerência entre a fundamentação teórica do projeto pedagógico e as suas práticas, por outro, a
sua formação lingüística refletindo uma condição muito própria de trabalhar com a
linguagem, dando relevância aos aspectos discursivos.
a criança já tem uma leitura de mundo, o professor só precisa explorar, que ela
sabe ler, ela sabe escrever, ela sabe informar, nós é que não sabemos explorar isso
no aluno. Nós temos vários tipos de textos, desde a história em quadrinhos, que
você pode trabalhar o texto com o aluno, depois você pode trabalhar uma prosa,
você pode fazer uma paródia, você pode fazer uma literatura de cordel. Quer dizer,
você tem “n” recursos para trabalhar com o aluno (Professora Sandra).
86
Entretanto, um outro aspecto é levantado por Micotti (1998) quando assevera que, no
processo de desenvolvimento de práticas reflexivas, muitas são as modificações observadas
na passagem das propostas pedagógicas pelo filtro da prática:
A dinâmica da mudança didática coloca para o curso de formação de professores o
problema da transformação de informação em conhecimento. Para o exercício no
magistério é muito importante a elaboração de informações mediante reflexão e
análise para à luz de estudos já realizados por outros (teorias) porque, ao mesmo
tempo em que este exercício envolve julgamentos e ações relativas a fatos que
fazem parte da vida cotidiana, envolve também ação que deve ser, pedagogicamente
adequada. (MICOTTI, 1998, p.121)
De acordo com a proposta pedagógica no projeto de alfabetização das participantes
das pesquisas, ganha enfoque relevante a concepção sócio-interacionista da linguagem, como
pode ser observado nas considerações respeitadas nas estratégias para a produção do texto
escrito:
Uma estratégia importante na produção de textos é a sua realização em etapas. Por
isso, muitas vezes, optamos por apresentar um “texto-modelo” para a reescrita, o
que possibilita ao aluno a percepção das diferenças formas de conteúdo entre vários
tipos de textos em diferentes etapas:
-elaboração de pré-texto: nessa primeira etapa do trabalho, a criança organiza as
idéias e escreve uma primeira versão de seu texto;
-reflexão sobre a escrita: a criança lê o seu texto e conversa com o professor e com
os colegas da classe, sobre o conteúdo, a organização, o tipo de texto e a linguagem
utilizada. Essa etapa pode ser realizada com a leitura feita pelo aluno, ou pelo
professor ou por um outro aluno. Pode-se ainda, passar o pré-texto para a lousa e
trabalhar coletivamente na reflexão sobre ele;
-reescrita do texto: depois das discussões, o texto é reescrito com as alterações
propostas;
-auto-correção do texto: há várias maneiras de se proceder na correção, mas
certamente se o aluno interagir com seu texto, desenvolverá estratégias de automonitoramento e a capacidade de auto-corrigir-se. Por isso, a atividade de autocorreção é importante.
Procuramos diferentes estratégias para a correção. O importante é estar estimulando,
a todo momento, o trabalho cooperativo, a interação e a participação dos alunos nas
atividades.Para conduzir a produção de textos é imprescindível que os alunos
percebam a VALORIZAÇÃO DA ESCRITA que está embutida nas atividades
propostas. (PROJETO PEDAGÓGICO DE ALFABETIZAÇÃO, 2005, p. 8-9).
O objetivo explicitado no projeto pedagógico de alfabetização de produzir e
interpretar textos, para que o aluno tenha competência discursiva, indica que a referência da
prática pedagógica não pode ser a sílaba, a letra, a palavra, ou a frase, o que tornará o trabalho
descontextualizado. O centro do trabalho é o texto, porque só ele tem significado. A partir
desse objetivo, espera-se que o aluno, enquanto produz textos após terminar a sua escrita,
volte a eles, procurando aprimorá-los e dar-lhes uma melhor qualidade.
87
Nesse aspecto, parece evidenciar-se a co-existência de concepções de ensino que
foram evidenciadas nas falas da professora, apresentando um trabalho contextualizado, com
recursos coesivos básicos, demonstrando competência discursiva do aluno.
Entretanto, o que se pôde perceber é que a Professora Maria Eduarda nos seus
depoimentos deu muita ênfase à escrita, sem demonstrar preocupação com a escrita
ortográfica se opondo à proposta de correção e ortografia do projeto pedagógico de
alfabetização, quando explicita que a conquista da escrita alfabética não garante ao aluno a
possibilidade de compreender e produzir textos em linguagem escrita ortograficamente
corretos.
A gente tem que estar sempre escrevendo, a gente coloca muito em ênfase esta
questão da escrita. A criança não pode parar de escrever. Então, são utilizados
textos diferenciados, atividades que levam a pensar de forma diferente, para a
criança poder se sobressair (Professora Maria Eduarda).
A gente percebe bastante pelos alunos, o crescimento deles. O caderno, com era no
começo do ano, a letrinha deles vai mudando, eles vão tomando outra consciência,
vão amadurecendo. Então essas mudanças vão acontecendo mesmo diariamente, e a
gente olhando bastante para o nosso aluno mesmo. É essa a mudança (Professora
Maria Eduarda).
De acordo com o projeto pedagógico das professoras um dos compromissos da
escola é ensinar as crianças a escreverem ortograficamente, respeitando o processo de
construção de escrita de cada um delas, uma vez que, a concepção de escrita ortográfica é
descrita:
Durante muito tempo a ortografia foi encarada como um aspecto da Língua que
dependia de treino mecânico. Através da imitação e da memorização as crianças
aprenderiam a escrever corretamente. Atualmente já se sabe que a ortografia tem que
ser trabalhada atendendo às suas necessidades lúdicas, apresentando desafios ao
desenvolvimento de sua percepção e raciocínio. Uma dosagem equilibrada dessas
atividades resulta em situações de aprendizagem prazerosa, nas quais o aluno
participa refletindo, pensando e adquirindo competência no uso da linguagem
escrita. (PROJETO PEDAGÓGICO DE ALFABETIZAÇÃO, 2005, p.56).
Segundo o referido projeto, um trabalho pedagógico sistemático de ortografia deverá
ser realizado com os seguintes procedimentos adotados:
- transformação da imagem mental que as crianças possuem das palavras, por meio
da comparação entre a forma correta e a que foi escrita, e posterior correção.
- correção feita pelo professor com o aluno. O professor deverá circular a palavra e
escrevê-la à lápis, para que o aluno em atividade de correção apague corrigindo-a,
ou ainda, buscando a palavra no dicionário.
-correção pessoal da professora feita em sala de aula de forma individualizada.
(PROJETO PEDAGÓGICO DE ALFABETIZAÇÃO, 2005, p.52).
88
Por outro lado, a Professora Sandra já demonstrou essa preocupação com a escrita
ortográfica, quando afirma:
a criança pode estar alfabética, mas muitas vezes não ortograficamente, que ela lê
silabas simples, mas a hora que ela vai escrever, por exemplo, a palavra
”galinha”, ela ainda não tem o som do “nh”, então ela ortograficamente não está
alfabética, e nas silabas complexas ela ainda tem dificuldades. E o que o professor
tem que fazer, investir na ortografia, ai sim muitos falam que é o método
tradicional... Não é, o aluno já está alfabético, e o professor pode fazer isso, mas
como? Dentro do texto, tudo contextualizado (Professora Sandra).
Os distanciamentos entre o que as professoras se propõem a fazer e o que realmente
fazem, levando indiscutivelmente a se constatar que, em muitas situações didáticas, "na
prática a teoria é outra", como afirmado por Micotti (1998), apontam que essa contraposição
entre a teoria e a prática representa um movimento de ir e vir que as professoras vivem no
cotidiano do seu trabalho docente, e reflete o seu modelo de formação.
No caso da Professora Gisele, parece refletir-se o confronto da formação que
evidencia um modelo de formação clássica e tradicional com as novas idéias e concepções de
alfabetização como tentativas de construção e reconstrução das práticas pedagógicas no seu
cotidiano.
Ainda observa Micotti (1998) conforme os estudos revistos que, em se tratando de
alfabetização, o ensino pressupõe visão global do processo. É esta visão que permite
compreender atos isolados, de atividades ou de aspectos do trabalho docente.
Segundo a autora, as representações de proceder de cada professor na situação de
mudança colocam em pauta os próprios procedimentos de alfabetização. Revelam as
condições educacionais subjacentes ao trabalho na sala de aula, inclusive também a respeito
do papel atribuído à intervenção do professor na aprendizagem, conforme demonstra a fala da
professora Sandra sobre a produção de textos:
Nós estamos trabalhando o Meio Ambiente, e o aluno me trouxe uma revista Veja,
para eu ler um texto informativo sobre os Ursos Polares, quer dizer, ele está me
ajudando nas minhas aulas. Ele está trazendo a informação para dentro da sala de
aula. Isso é importante para o aluno. Ele participar, ele estar presente em todos os
momentos da aula, não eu enquanto professora ficar presente na sala de aula, sem
ele ajudar. O aluno tem que interagir, ele tem que agir É isso que a gente faz numa
aula dinâmica (Professora Sandra).
Micotti (1998) revela, ainda, que as preocupações com espaço e tempo se
manifestam no aproveitamento de recursos didáticos, e são equacionadas de outra forma, em
representações que acentuam transformações feitas nos procedimentos de ensino para adaptálos às atividades dos aprendizes.
89
Se aquela aula que eu preparei não está condizente à criança, eu mudo, porque eu
quero primeiro ajudar a criança, não que a criança tenha que vir preparada,
pronta para receber os ensinamentos, o conteúdo que eu vou dar para ela. Se
aquele conteúdo não está correto, adequado, eu mudo pra ajudá-la (Professora
Sandra).
Dessa forma, os resultados obtidos na análise em relação aos saberes docentes das
professoras participantes da pesquisa revelaram abertura para mudanças nas suas práticas
pedagógicas, manifestando os conflitos e os desafios na tentativa de buscar coerência nas suas
práticas mediante a fundamentação teórica do projeto pedagógico de alfabetização.
Um dado bastante relevante que pôde se constatar na categoria é o movimento de
mudança das professoras, na busca de inovação teórica e metodológica.
Segundo Tardif e Raymond (2000), as relações entre o tempo, o trabalho e a
aprendizagem dos saberes profissionais dos professores que atuam no ensino primário, isto é,
dos saberes mobilizados e empregados na prática cotidiana, servem para dar sentido às
situações de trabalho que lhes são próprias.
Ao longo de sua história de vida pessoal e escolar [...] o tempo da vida profissional,
tempo de carreira [...] a própria noção de experiência, que está no cerne do eu
profissional dos professores e de sua representação do saber ensinar, remete ao
tempo, concebido como um processo de aquisição de um certo domínio do trabalho
e de um certo conhecimento de si mesmo.(TARDIF e RAYMOND, 2000, p.23)
Ao enfocar o papel das Instituições de formação no processo de mudanças dos
professores, Nóvoa (2001) explicita que o percurso profissional dos professores é um percurso
repleto de conflitos e lutas, de hesitações e recuos. A compreensão do processo de
profissionalização exige, portanto, um olhar atento às tensões que o atravessam.
Nóvoa (1999), ao citar Pierre Dominicé, assevera que:
o saber sobre a formação provêm da própria reflexão daqueles que se formam [...]
No entanto, a análise do processo de formação entendido numa perspectiva de
aprendizagem e de mudança, não se pode fazer sem uma referência explicita ao
modo como um adulto viveu as situações concretas do seu próprio percurso
educativo. (PIERRE DOMINICÉ, citado por NÓVOA, 2000, p.24)
Diante desses aspectos constatados, as propostas de McDiarmid (1995) são também
relevantes para as considerações conclusivas da presente pesquisa, quando afirma que os
professores precisam de uma comunidade para repensarem as suas práticas, sendo preciso
criar oportunidades para que, em companhia de um grupo, no coletivo, reflitam sobre suas
práticas. Afirma também que precisam trocar idéias com o diretor e coordenador para dar
90
melhor suporte para esses professores mudarem suas práticas e planejarem o seu próprio
desenvolvimento profissional.
Nesses aspectos, as depoentes revelaram o papel da instituição no processo de
formação dos professores, bem como o estímulo dos gestores para que haja envolvimento dos
professores na organização da instituição e de seu ensino.
Aqui no Colégio a gente tem uma equipe de coordenação muito forte, que está
sempre ao nosso lado, caminhando junto com a gente. Então tudo que traz de
novidade, de idéias novas, a gente sempre acata, dá nossa opinião, e a gente
caminha junto (Professora Maria Eduarda).
A minha coordenadora, aqui no Colégio, está me dando muito apoio. Ela é muito
aberta em relação a isso, e já trabalha há muito tempo nesta área. Eu também tenho
o meu gestor da Escola Estadual, que me dá muita abertura. (Professora Sandra).
Eu sinto assim, aqui no Colégio tudo que a gente trabalha sempre é muito bem
fundamentado. Nós temos muito apoio Como a minha coordenadora sempre diz,
quando você tem fundamentação no seu trabalho, você tem segurança, você sabe o
que está fazendo, você tem consistência (Professora Maria Eduarda).
A gente teve bastante apoio dos professores, da coordenação e da direção da escola
no processo de mudança (Professora Gisele).
Assim sendo, os resultados da presente pesquisa parecem evidenciar que as
participantes da pesquisa perceberam as mudanças ocorridas durante suas trajetórias no
processo de formação inicial e continuada, principalmente as que foram potencializadas pelo
lócus de trabalho e formação, a própria Instituição, possibilitando assim, o desenvolvimento
de práticas reflexivas.
91
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tem-se aqui uma visão nítida de que o tema abordado nesta pesquisa é bastante
amplo, fundamentalmente no que se refere ao conceito de prática reflexiva na formação
continuada do professor alfabetizador.
As expressões “prática reflexiva” e “professor reflexivo” tomaram conta do cenário
educacional no século XX, como um movimento teórico de compreensão do trabalho docente,
que tem produzido uma extensa literatura internacional e brasileira, e muito tem contribuído
na questão da formação do professor.
Os estudos revistos, alguns com foco na formação inicial (NONO,2001; NONO E
MIZUKAMI,2001;FERNANDES,2002) e outros na continuada (MELLO,1998;TEIXEIRA,
GRIGOLI E LIMA,2002;CASTRO,2005;GEGLIO,2003) evidenciaram que a análise da
formação inicial e formação continuada dos professores alfabetizadores nas séries iniciais
possibilita uma melhor compreensão das diversas facetas desses processos.
Estes estudos foram importantes para a presente pesquisa, pois davam indicações de
que a Instituição escolar era um locus privilegiado de estudos e de reflexões sobre as práticas
docentes, constituindo-se no local mais adequado para uma formação continuada que atendia
às necessidades formativas dos docentes.
Assim sendo, a presente pesquisa teve como arcabouço teórico, as contribuições de
Zeichner (1993), Candau (1996), Ponte (1998), Garcia (1999), e Mizukami e Montalvão
(2002), no que concerne aos conceitos de formação, e às tendências atuais; Schön (2000) e
Contreras (2002), Pimenta (2005), na abordagem do desenvolvimento de práticas reflexivas
na formação dos professores com base na defesa de idéias que consistem em inserir a
formação, tanto a inicial como a contínua do professor, em um processo estrutural a longo
prazo. Foram utilizadas também as contribuições de McDiarmid (1995), Nóvoa (1999),
Nóvoa (2000), Tardif e Raymond (2000), Tardif (2002), que realizaram estudos sobre os
saberes dos professores e seu desenvolvimento profissional, a identidade e trajetórias de vida
de professores.
Para se identificar quais os limites e as possibilidades para o desenvolvimento de
práticas reflexivas de docentes alfabetizadores nas séries iniciais, de uma instituição
confessional, foi realizada uma pesquisa qualitativa, descritiva, de campo que se utilizou das
respostas a entrevistas de quatro professoras de 1ª e 2ª série do ensino fundamental de uma
92
escola confessional situada no interior do estado de São Paulo e da análise do projeto políticopedagógico da escola e do projeto pedagógico de alfabetização.
Os dados obtidos mostraram algumas limitações no desenvolvimento de práticas
reflexivas das participantes da pesquisa tais como: medo e insegurança de colocar na prática a
fundamentação teórica do projeto pedagógico.
Entretanto, os resultados apontaram que o enfrentamento dos problemas de
aprendizagem das crianças e das limitações citadas anteriormente se constituíram em
alavancas para possibilitar o desenvolvimento de práticas reflexivas como a busca cotidiana
de inovação, criando situações na sala de aula, no sentido de abertura e adequação às
mudanças, diante das novas tendências e concepções da alfabetização.
Quanto ao processo de abertura de mudança de suas práticas, verificou-se que as
professoras foram abandonando as cartilhas e aderindo ao trabalho de texto como centro de
um trabalho de linguagem, quando começaram a identificar o significado e a concepção do
ensino da língua, ancoradas nas teorias sócio-construtivistas e interacionistas e nas demais
teorias e concepções de alfabetização a partir do programa de formação continuada
desenvolvido pela instituição escolar. Embora manifestando algumas resistências quanto ao
confronto entre o seu conhecimento prático e teórico e o proposto no projeto pedagógico, as
professoras alfabetizadoras passaram a reconhecer as suas diversas funções sociais e as
diferentes variedades lingüísticas.
Embora enfrentando situações de medo, insegurança e conflito, principalmente as
professoras Gisele e Sandra, todas demonstraram uma aceitação progressiva dos pressupostos
teóricos e filosóficos do projeto político-pedagógico da escola, possibilitada pelo programa de
formação continuada realizado pela Instituição.
No entanto, esta aceitação parece ter sido diferente para as Professoras Gisele e
Sandra, que haviam iniciado a docência nos anos de 1970 e início de 1980 respectivamente, e
para as Professoras Mariana e Maria Eduarda, cujo início da carreira se deu no inicio de 1990
e em 2000 respectivamente, períodos em que as concepções, paradigmas e métodos de
alfabetização estavam mais próximos das exigências do locus de pesquisa.
Assim sendo, os dados obtidos são compatíveis com os dos estudos levantados na
revisão da literatura e no referencial teórico (ZEICHNER, 1993, SCHÖN, 2000; PIMENTA,
2005) permitindo verificar a mudança das práticas pedagógicas, sobretudo nas conseqüências
dos desdobramentos desse processo de reflexão no exercício cotidiano das professoras
alfabetizadoras.
93
Permitiu ainda constatar que, a escola pode ser um lugar importante para a formação
continuada dos professores alfabetizadores, um locus privilegiado de estudos e de reflexões,
favorecendo processos coletivos de reflexão e intervenção na prática pedagógica concreta.
O que corrobora Aguiar (2006) que constatou que, o professor não pode ser o único a
se responsabilizar pela sua formação. Esta questão implica em criar sistemas de incentivo à
sistematização de práticas pedagógicas dos professores e à sua socialização. Esta perspectiva
de formação continuada pauta-se na necessidade da existência de projetos educativos entre os
professores, nas escolas, podendo acontecer abrangendo tanto o trabalho sistemático interno à
escola, quanto fora dela, entre os demais profissionais do sistema educativo e do sistema
social em geral.
Assim sendo, são relacionados alguns pontos que deveriam ser tratados com
relevância na questão da formação continuada de professores, que representam os dilemas e
paradoxos, dos professores e formadores, quando se trata de considerar a escola o locus de
formação do professor, no sentido de:
- orientar as professoras para que tenham autonomia e não fiquem reduzidas a meras
executoras dos projetos apresentados, mostrando, ao mesmo tempo, a importância de um
projeto pedagógico que dá sentido ao conjunto de atividades e que leva o aluno a envolver-se
com a linguagem;
- trabalhar o conflito entre a formação recebida pelas professoras, que dá
embasamento teórico às suas práticas, e o proposto pelo projeto pedagógico da escola;
- articular a fundamentação teórica apresentada no projeto e a prática pedagógica das
professoras;
- construir uma nova perspectiva de formação continuada de professores, que
valorize o saber docente.
Com base na revisão de literatura e no referencial teórico elegido, acredita-se que,
esses pontos vão costurando as possibilidades de desenvolvimento de práticas reflexivas tanto
coletivas como individual do professor.
Nessa perspectiva, os resultados do presente estudo pareceram evidenciar que as
participantes da pesquisa perceberam as mudanças ocorridas durante suas trajetórias no
processo de formação inicial e continuada. Mudanças essas que ocorreram no locus da própria
Instituição, bem como o estímulo e o apoio dos gestores, para que houvesse envolvimento dos
professores na organização da instituição e de seu ensino.
94
Esse aspecto se refere às oportunidades de estudos e reflexão sobre suas práticas,
oferecidas pela Instituição, possibilitando assim, a promoção de práticas reflexivas.
Desse modo, o conceito de prática reflexiva poderia ser entendido como um uma
forma de revisar a ação docente. É um acontecer pedagógico que sinaliza que um professor
reflexivo não pára de refletir a partir do momento em que consegue sobreviver na sala de aula.
Ele conquista métodos e ferramentas baseados em diversos saberes e, se for possível,
conquista-os, mediante interação com outros profissionais. Essa reflexão constrói novos
conhecimentos, os quais, com certeza, são reinvestidos na ação.
Entende-se assim, ser necessário apontar essas novas tendências e perspectivas de
formação continuada de professores tal como as defendidas por Candau (1996) e Reali et al
(1995), que rompem com o sistema habitual, o modelo “clássico” mais comumente aceito e
promovido, a partir do reconhecimento da escola como lócus privilegiado de formação
continuada.
Vale ressaltar que outras pesquisas que venham a analisar essa concepção de
formação continuada centrada na escola, podem complementar o presente estudo,
contribuindo assim, para que esse “novo” locus de formação possa cada vez mais dar conta
das necessidades formativas dos professores a fim de que ocorram mudanças significativas na
prática dos alfabetizadores.
95
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101
APÊNDICES
102
APÊNDICE A – Modelo de Autorização do Diretor
103
CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA
NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Ribeirão Preto, 16 de março de 2006
Ilmo (a) Sr (a):
Diretora xxxxxxxxxxxxx
Ribeirão Preto – SP
Prezada Senhora,
Venho solicitar-lhe autorização para que Siumara da Silveira Melo
Quintella, aluna do curso de pós-graduação do Centro Universitário Moura
Lacerda, curso de Mestrado em Educação, sob orientação da Profª. Drª. Miriam
Cardoso Utsumi, possa fazer uma pesquisa em sua Instituição, a fim de buscar
dados para sua dissertação de Mestrado, intitulada “A FORMAÇÃO CONTINUADA
DE DOCENTES ALFABETIZADORES NAS SÉRIES INICIAIS DE UMA INSTITUIÇÃO
CONFESSIONAL: LIMITES E POSSIBILIDADES DE DESENVOLVIMENTO DE PRÁTICAS
REFLEXIVAS”, que consiste na entrevista de docentes de 1ª a 2ª séries, com o
objetivo de identificar a formação continuada das docentes alfabetizadoras, os
limites e as possibilidades de desenvolvimento de práticas reflexivas.
A aluna está ciente e atenta ao código de ética, não interferindo no
trabalho da Escola e nem utilizando qualquer dado que possa vir a prejudicar a
Instituição, bem como seus professores e alunos, em sua pesquisa final.
Desde já agradeço a atenção e colaboração, e coloco-me à disposição para
os eventuais esclarecimentos que se façam necessários.
Atenciosamente,
Profª. Drª. Marlene Fagundes Carvalho Gonçalves
Coordenadora do PPGE - Mestrado
104
APÊNDICE B – Modelo de Autorização das Professoras
105
CENTRO UNIVERSITÁRIO MOURA LACERDA
NÚCLEO DE ESTUDOS E PESQUISA
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
Sou SIUMARA DA SILVEIRA MELO QUINTELLA e estou fazendo
esta pesquisa que é parte do meu curso de Mestrado, no Centro Universitário
Moura Lacerda. Gostaria de obter algumas informações sobre o professor
alfabetizador do Ensino Fundamental – séries iniciais de uma Escola
Confessional, tais como: formação inicial, continuada e metodologia de
alfabetização.
Seu depoimento é muito importante para mim, pois ao longo de sua
trajetória docente você deve ter descoberto muitas experiências de alfabetização,
e eu gostaria de saber se podia dispor de um tempo para uma entrevista, sem
prejudicar seu trabalho e seu descanso.
Tenho autorização da direção da escola para nos reunirmos e gostaria que
sua participação fosse voluntária, mas não há problema algum se você não puder
participar. Considero importante tudo o que for dito na nossa conversa, gostaria
de gravá-la com sua permissão, mas já adianto que só eu e minha orientadora
teremos acesso ao que for dito e, no meu trabalho final, usarei apenas pequenos
trechos de nossa conversa. Você terá acesso, sempre que desejar, a todos os
dados referentes aos seus depoimentos. Sinta-se à vontade para esclarecer
qualquer dúvida.
Bebedouro,
____
de
______________________
Pesquisadora
______________
de
____________________
______________________
Professora Pesquisada
106
APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA
107
1. Há quanto tempo estavam formadas;
2. Como foi sua formação inicial, ou seja, seu curso de magistério e graduação?
3. No caso de mencionar alguma dificuldade vivenciada durante a trajetória solicitarei que
explicitem essa dificuldade;
4. Quando iniciou a sua experiência como docente alfabetizadora?;
Caso não referirem a nenhuma dificuldade e resistência, perguntarei se havia enfrentado
ou não;
5. Quando confirmada alguma dificuldade ou resistência, solicitarei que falem sobre a
mesma e como haviam lidado com ela;
6. Como foi o enfrentamento com chegada de novas teorias na educação sobre o processo
de aquisição da escrita;
7. Caso relatarem alguma dificuldade, resistência ou tomada de consciência em repensar
suas práticas, solicitarei que as explicitem e que esclareçam, se estas estavam relacionadas
com razões de ordem pessoal, interna; com questões de ordem externa, seja da formação
inicial ou continuada, ou com o exercício da própria profissão;
8. Pedirei para que situem o momento e as circunstâncias em que essas dificuldades ou
resistências haviam aparecido, e como haviam resolvido, ou mesmo tentado resolver os
impasses; de onde vieram as possibilidades de solução;
9. Qual é a relação entre teoria e prática no seu trabalho pedagógico?.
10. Como é sua metodologia de trabalho e a sua concepção de alfabetização?
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