Impacto da violência sobre a saúde de crianças e adolescentes e perspectivas de atendimento às vítimas Simone Gonçalves de Assis [email protected] CLAVES/ENSP/FIOCRUZ Saúde - estado de bem-estar físico, mental e social (OMS, 1946) Constituição Brasileira Artigo 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação Estatuto da Criança e do Adolescente Art. 4.º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Art. 5.º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. O maltrato ou humilhação de crianças engloba todas as formas de maus-tratos físicos e emocionais, abuso sexual, descuido ou negligencia, exploração comercial ou de outro tipo, que originem um dano real ou potencial para a saúde da criança, sua sobrevivência, desenvolvimento ou dignidade, no contexto de uma relação de responsabilidade, confiança ou poder. (OMS, 1999) Ciclos da vida - vulnerabilidades X suscetibilidades individuais a violência: 0-1 ano; 1- 4; 5 - 9; 10 - 14; 15 - 19 anos Bebês “controlam e educam suas famílias tanto quanto são controlados por elas; a família educa um bebê, sendo educada por ele. Sejam quais forem os padrões de reação dados biologicamente, e seja qual for o programa predeterminado do ponto de vista desenvolvimental, devem ser considerados como uma série de potencialidades para mudar os padrões de regulação mútua.” Vinculação bebê – cuidador. Aquisição do sentimento de segurança. Erik Erikson, Childhood and Society • Crianças pré-escolares: período em que são lançadas as sementes para as habilidades sociais e a personalidade da criança – e talvez a dos adultos. Aprendizado das relações sociais e de gênero. Aceitação cultural da agressão física. • Crianças escolares: compreensão de que os outros a interpretam assim como ela os interpreta. O papel dos companheiros está cada vez maior. Consolidação da auto-estima e sentimento de competência (frequentemente comprometidos em vítimas de violência) • Adolescência: novo impulso para a independência, acompanhado por confrontações com os pais a respeito de limites. Os adolescentes usam a família como uma base segura a partir da qual exploram o mundo, especialmente os relacionamentos com companheiros. Aceitaçao e prática de agressão física e verbal como forma de relacionamento e de resolução de problemas. Mortalidade de crianças de 1 a 9 anos por principais tipos de Causas Externas. Brasil - 1991 a 2005 (Agressões N=3066 ) Mortalidade de crianças menores de 1 ano por principais tipos de Causas Externas. Brasil - 1991 a 2005 (Agressões N=1178 ) 8,00 Submersão/Sufocação 4,00 Agressões 3,00 Lesão Ign Acid/intenc 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 Outros acidentes 1991 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 0,00 1996 0 1995 1,00 1994 100 1993 2,00 1992 200 1998 Outros acidentes 5,00 1997 300 Lesão Ign Acid/intenc Queimadura 1996 Agressões Acidentes de transporte 6,00 1995 500 400 Taxa Submersão/Sufocação 600 1991 Nº de Óbitos 700 7,00 1994 Acidentes de transporte 1993 800 1992 900 Mortalidade de crianças de 15 a 19 anos por principais tipos de Causas Externas. Brasil - 1991 a 2005 (Agressões N=91488) Mortalidade de crianças de 10 a 14 anos por principais tipos de Causas Externas. Brasil - 1991 a 2005 (Agressões N=7219) Acidentes de transporte 9,00 50,00 8,00 40,00 35,00 5,00 Agressões 30,00 4,00 Lesão Ign Acid/intenc 3,00 2,00 Outros acidentes Taxa Submersão/Sufocação Agressões Lesão Ign Acid/intenc 25,00 20,00 Intervenções legais e operações de guerra 15,00 10,00 1,00 Outros acidentes 5,00 2005 2003 2001 1999 1997 1995 1993 0,00 1991 2005 2003 2001 1999 1997 1995 1993 0,00 1991 Taxa 7,00 6,00 Submersão/Sufocação 45,00 Acidentes de transporte Taxa de mortalidade de crianças de 1 a 9 anos por Causas Externas e principais tipos segundo sexo. Brasil - 2005 (N=3496) Mortalidade de crianças menores de 1 ano por Causas Externas e principais tipos segundo sexo. Brasil - 2005 (N=1118) Masculino Feminino Total de causas externas Masculino Feminino 637 477 365 Submersão/Sufocação 249 109 Lesão Ign Acid/intenc Total de causas externas 13,2 8,3 4,8 Acidentes de transporte 69 3,1 4,2 Submersão/Sufocação 2,3 Acidentes de transporte 46 45 Lesão Ign Acid/intenc 0,9 0,7 Agressões 34 29 Agressões 0,7 0,6 12 14 Queimaduras Queimaduras Taxa de mortalidade de crianças de 10 a 14 anos por Causas Externas e principais tipos segundo sexo. Brasil - 2005 (N=2781) 0,4 0,4 Taxa de mortalidade de crianças de 15 a 19 anos por Causas Externas e principais tipos segundo sexo. Brasil - 2005 (N=13645) Masculino Feminino Masculino Feminino Total de causas externas Acidentes de transporte Submersão/Sufocação Agressões Lesão Ign Acid/intenc Lesões autoprovocadas voluntariamente 20,6 8,8 7,2 3,4 4,9 1,9 4,2 1,6 1,1 0,6 0,5 0,6 Total de causas externas Agressões Acidentes de transporte Submersão/Sufocação Lesão Ign Acid/intenc Lesões autoprovocadas voluntariamente Intervenções legais e operações de guerra 122,3 17,4 72,0 5,0 24,3 7,2 8,6 0,9 6,5 1,2 4,3 2,1 1,7 0,0 Número de internações por principais tipos de causas externas - Brasil, 2006 (Agressões= 9410 IL/OG= 82) Acidentes de transporte 35000 Quedas 30000 Submersão/Sufocação 25000 Queimadura 20000 Lesões autoprovocadas voluntariamente 15000 Agressões 10000 Lesão Ign Acid/intenc 5000 Intervenções legais e operações de guerra 0 Menor 1 ano 1 a 4 anos 5 a 9 anos 10 a 14 anos 15 a 19 anos Outros acidentes Crianças Adolescentes (Assis et. Al, 2006) (Assis, Pesce & Avanci, 2005) •58,2% sofrem violência física severa praticada pela mãe e 25,5% sofrem violência do pai (chutar, morder ou dar murros, espancar, ameaçar ou usar arma de fogo ou faca) • 30,5% sofrem violência física severa praticada pela mãe e 16,2% pelo pai •47,4% das crianças vivenciam agressões com seus irmãos a ponto de se machucarem ou humilharem uns aos outros •63,1% sofrem agressão verbal do pai e 81,4% da mãe; •39,8% - agressões físicas entre irmãos a ponto de se machucarem 16,6%e entre pais. • 50% já vivenciou pelo menos um tipo de violência psicológica. Um em cada três jovens testemunhou humilhação entre os pais •50% humilha e é humilhado pelos irmãos nas brigas do dia-a-dia. Saúde mental Estado de bem estar no qual o indivíduo realiza suas habilidades, lida com os estresses da vida, trabalha produtiva e frutiferamente e é capaz de dar sua contribuição para a comunidade (WHO, 2005). Os problemas de saúde mental na infância e adolescência afetam cerca de 20% das crianças em todo o mundo (Bird, 1996; Murray; Lopez, 1996). São mundialmente escassas as políticas voltadas para a saúde mental de crianças (WHO, 2005; BMA, 2006) Violência interpessoal, especialmente a vivida pelas crianças, é o maior e isolada causa passível de prevenção da doença mental. O que o uso de cigarro significa para a medicina, a violência infantil é para a psiquiatria (Harris et al, 2007) Sintomas depressivos e violência 500 crianças rede pública São Gonçalo 4,3% das crianças evidenciaram sintomas depressivos em nível clínico; Crianças deprimidas reportam mais de duas vezes a violência física severa ocorrida do pai contra a mãe do que as não deprimidas (OR 2.6, 95% CI 1.1 to 5.9). A humilhação ocorrida dos pais às crianças é o maior preditor da depressão infantil (OR 4.8, 95% CI 1.6 to 14.8). Ansiedade, TEPT e violência 500 crianças rede pública São Gonçalo •4,1% das crianças têm sintomas de ansiedade em nível clínico. •6,5% têm sintomas de TEPT. •3.9 vezes TEPT em crianças que sofreram roubo na escola e 6,5 vezes na comunidade. •73% vezes TEPT em crianças que vivem situação de risco na vizinhança e 2,1 vezes testemunha de roubo ou ferimentos por armas de fogo. •5,9 vezes mais TEPT na que vive agressão verbal da mãe; 4,9 vezes - violência física severa da mãe; 54% mais nas que vivenciam violência severa do pai; 2,1 vezes entre os que sofrem violência entre irmãos; 69% mais entre os que testemunham violências entre pais, sendo mais grave a do pai sobre a mãe (69%). Agressividade e violência 500 crianças rede pública São Gonçalo 5,8% têm comportamento de quebrar regras. 4,3% têm comportamento agressivo. Estudos longitudinais mostram que crianças agressivas no período escolar, têm grande probabilidade de tornarem-se adolescentes e adultos violentos. Estão ainda sob maior risco de consumirem álcool e drogas, envolverem-se em acidentes, crimes, sofrerem com depressão e futuramente tornaremse pais negligentes e violentos. Tremblay e cols (2004), Auto-estima e violência 1686 adolescentes rede pública/particular de ensino de São Gonçalo Assis e Avanci, 2003 • Violência psicológica: é a que mais afeta a AE sendo 2 vezes mais presente nos jovens com baixa AE •Violência física severa: adolescentes com baixa AE são 1,8 vezes mais vítimas de violência da mãe e 1,4 vezes do pai. •Violência entre os pais e entre os irmãos: 1,3 vezes mais adolescentes de baixa-AE são vítimas de violência “[...] crianças não nascem preocupadas em serem boas ou más, espertas ou estúpidas, amáveis ou não. Elas desenvolvem estas idéias. Elas formam autoimagens [...] baseadas fortemente na forma como são tratadas por pessoas significativas, os pais , professores e amigos” (Coopersmith, 1967). Testemunhar ou ser vítima de violência pode levar a criança a perceber o mundo como inseguro, adultos como não confiáveis e eventos como imprevisíveis e incontroláveis, levando-as a culpa, vergonha, baixa-estima e depressão (Campbell & Lewandowisk, 1997). A experiência de violência interfere na regulação neurobiologica, na cognição, no processo social e afetivo, que têm diferentes manifestações dependendo também do estágio do desenvolvimento (Pynoos, Steinberg & Piacentini, 1999). Ciclo da violência Violência entre irmãos 3,2X 2X Violência Física dos pais sobre os filhos 3,8X 2,3X Violência entre pais Violência na escola Violência na comunidade 3,2X Jovem transgressor Programas exitosos na prevenção da violência juvenil (Sherman et al., 1997; Mesquita et al, 2005) Intervenções na gravidez e infância precoce para famílias em situação de risco Treinamento de habilidades parentais. Intervenções sócio-cognitivas Intervenções na gravidez e infância precoce para famílias em situação de risco. O exercício do direito a uma infância digna Visitas domiciliares – recém-nascido até pré-escola. Estratégias de prevenção com resultados eficazes. Demoram até 15 anos para mostrarem como efeito redução do número de jovens envolvidos em infrações. Diminuem vários problemas associados à infração na adolescência : abuso físico, sexual e psicológico durante a infância e distúrbios de comportamento nas crianças. Mais elevado coeficiente de inteligência e participação escolar, melhor relacionamento e compreensão pais-filhos, melhores condições de saúde das crianças. Programa ‘Médicos de Família’ – potencial de ação Treinamento para pais • Métodos disciplinares •supervisão cotidiana e monitoramento por longos períodos •definição de regras claras, acordar recompensas e punições de acordo com o comportamento do adolescente •negociação de conflitos •modificação da comunicação familiar Associar treinamento parental a programas voltados para aumentar habilidades para resolução de problemas ajuda mais a família do que uma abordagem isoladamente. São comumente propostos para famílias em situação de risco social. Intervenções sócio-cognitivas Envolve educadores e alunos. Estimular habilidades como ser humilhado ou desprezado por colegas. Baseadas na negociação, pensamento crítico, tomada de decisões; identificação, elaboração e formas de lidar com sentimentos como raiva e inferioridade; antecipação das conseqüências dos comportamentos agressivos; busca de formas alternativas e não violentas de resolução de conflitos; julgamento moral. Programas exitosos de prevençao à violencia Minayo e Gomes, 2006 perspectiva holística na conceituação do termo prevenção e no seu uso prático, o que redunda numa visão complexa da realidade e num diagnóstico pluricausal dos problemas e das soluções. família é reconhecida como um ator fundamental para ações. profissionais qualificados para o exercício de suas ações e comprometidos com os projetos em desenvolvimento. Investimento na cidadania dos jovens. A preparação para o trabalho. O envolvimento de crianças e adolescentes em atividade lúdicas e educativas. O fortalecimento da auto-estima