1 De bacharel à jurista: perfil dos artífices da codificação civil** Daniela Silva Fontoura de Barcellos* Resumo: Tomando por base o processo de reforma do Código Civil brasileiro entre 1942 e 1969, o presente trabalho pretende analisar os recursos mobilizados para a ascensão à categoria de projetador legislativo. Para isto, utilizam-se dados relativos à: origem social e formação escolar (I), às carreiras política(II) e acadêmica(III) dos projetadores legislativos. Tendo sido a reforma do Código Civil a mais longa do século XX, parte-se da hipótese de que a tarefa performativa é um diferencial no âmago das elites jurídicas nacionais. Assim, pretende-se isolar os atributos mobilizados pelos juristas das três comissões projetadoras, comparando-as entre si. A pesquisa funda-se em entrevistas, biografias, memórias, homenagens, necrologias e documentos privados. Palavras-Chave: Elites jurídicas. Sociologia do Direito. Reforma legislativa. Introdução Os processos de transformação das leis civis oferecem uma dupla perspectiva de análise das relações entre direito e política1. Por um lado, a função legislativa favorece sistematicamente as prerrogativas do executivo, constituindo-se num verdadeiro laboratório para a instauração de uma nova ordem jurídica (VAUCHEZ, 2005, p. 271), especialmente em períodos autoritários ou de transição. De outro, permite romper com uma aparente “neutralidade” da qual o direito se investe pondo em evidência o fato de que a legislação afina-se com os interesses daqueles que a instituem (BOURDIEU, 1986, p. 3). ** Uma versão deste trabalho foi apresentada no Seminário Nacional de Ciência Política realizado na UFRGS. Este trabalho consiste numa versão em andamento da tese de doutorado intitulada “Código Civil: relações entre a política e a academia”, sob orientação do prof. Odaci Coradini realizada no programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS. * Pesquisadora da FGV Direito-Rio, Mestre em Direito Civil pela UFRGS e doutoranda em Ciência Política UFRGS. 1 Trata-se da análise das relações entre direito e política em micro-escala, ou seja, no âmbito das relações pessoais, tal como é usual no estudo de trajetos e, mais amplamente, no uso do método biográfico. (vide, por exemplo, PENEFF, 1994) 2 Entre os anos 1942 a 1969, três comissões de juristas foram convidadas pelo Ministério da Justiça para reformar o Código Civil, sendo que somente a última teve seu trabalho convertido em lei. Os treze juristas que participaram das disputas pelo “monopólio de dizer o direito” civil integram uma elite2 jurídica, ainda que a institucionalização do espaço jurídico estivesse em processo de formação. Dotados de múltipla inserção social (BOLTANSKI, 1973), os projetadores legislativos ocuparam, de forma sucessiva ou cumulativa, altos postos privativos de bacharéis em direito. Dentre eles destacam-se funções relativas a: professor de direito, advogado, parecerista e juiz3. Além disso, são também “doutrinadores”, expressão empregada no Direito para designar os produtores de conhecimento técnico-jurídico. Ao lado das ocupações jurídicas, os projetadores de leis civis exerceram outras atividades de natureza político-partidária, associativa, jornalística e literária. E é a combinação destas diversas atividades nas esferas do direito, da política e das letras que produz o “expert instituinte” (CASTEL, 1991, p. 177) brasileiro, ou seja, aquele que utiliza o conhecimento técnico para produzir diretamente normas jurídicas. Para a análise dos trajetos dos juristas integrantes das comissões de alteração do Código Civil, privilegio a inserção social e as formas de recrutamento. Para isso, analiso os dados relativos à: (I) origem social e formação escolar, (II) carreira política e (III) acadêmica. Em paralelo, procuro 2 Utilizo o termo elite em sentido amplo, ou seja, como grupos de indivíduos que ocupam posições chave em uma sociedade e que dispõem de poderes, de influência e de privilégios inacessíveis ao conjunto de seus membros (HEINZ, 2006, p. 8). 3 Refiro-me aqui genericamente aos cargos de juiz, desembargador e ministro dos Tribunais Superiores. Embora os cargos de ministro dos Tribunais Superiores (STF, STJ, TSE, TST e STM) não sejam todos privativos, constituem tradicionalmente um nicho de exclusividade dos bacharéis em direito na medida em que se exige, no mínimo, o chamado “notório saber jurídico”. 3 demonstrar que as tomadas de posição no plano político e a possibilidade de trânsito social destes agentes são determinantes no seu recrutamento como legisladores. I- Origem social e formação escolar Os treze juristas em análise integram as gerações de intelectuais analisadas por Pécaut (1980). Nascidos entre 1891 a 1933, os legisladores são filhos de pais com profissões diversas. Uma parte significativa possui pais com profissões liberais (advogados, médicos, e professores) ou vinculadas ao comércio. Apenas Orozimbo Nonato possui o pai vinculado ao exército, na patente de major. Estas informações estão sistematizadas no quadro n. 1. Quadro n. 1: Origem social dos projetadores do Código Civil Nome Ano de nac. Nascimento Nome e profissão do pai José Philadelpho de Barros 1894 Rio de Janeiro José Carneiro de Barros e Azevedo, (DF) profissão desconhecida. Rio de Janeiro Norival Guimarães, (DF) profissão desconhecida. Sabará (MG) Raymundo Nonato da Silva, Azevedo Hahnemann Guimarães Orozimbo Nonato da Silva 1901 1891 major. Orlando Gomes dos Santos 1909 Salvador (BA) Mario Gomes dos Santos, comerciante. Theophilo de Azeredo Santos 1929 Arcos (MG) Raimundo de Azeredo Santos, comerciante. Caio Mário da Silva Pereira Erbert Vianna Chamoun 1913 1923 Belo Horizonte Leopoldo da Silva Pereira, (MG) professor de português e de latim. Rio de Janeiro Dados desconhecidos. (DF) Miguel Reale 1910 S. Bento do Alfonso Reale, Sapucaí (SP) médico. Torquato da Silva Castro 1907 Recife (PE) Dados desconhecidos. Clóvis Veríssimo do Couto e 1930 Porto Waldemar do Couto e Silva, Silva (RS) Alegre professor de direito e advogado. 4 José Carlos Moreira Alves 1933 Taubaté (SP) Luiz de Oliveira Alves, profissão desconhecida. Agostinho Neves Arruda Alvim Sylvio Marcondes Machado 1897 ? São Paulo José Manuel de Arruda Alvim, (SP) profissão desconhecida. (SP) Dados desconhecidos. Nota: Quadro demonstrativo da origem social dos agentes. Os dados biográficos foram obtidos na composição de dados constantes em: dicionários biográficos (Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, Quem é Quem no Brasil, Enciclopédia Britânica); biografias dos ministros do STF (www.stf.gov.br), livros de biográficos ou autobiográficos, currículos do sistema Lattes ou arquivados nas Faculdades de Direito e em órgãos públicos; discursos de posse em instituições de consagração (Academia Brasileira de Letras, Academia Brasileira de Letras Jurídicas, Instituto dos Advogados, Ordem dos Advogados,...); discursos de concessão de títulos acadêmicos e medalhas jurídicas; necrologias e elogios fúnebres; apresentação de obras; entrevistas com os legisladores ou pessoas de suas relações. Alguns dados ainda são desconhecidos da autora, pois a pesquisa encontra-se em andamento. Quanto à origem geográfica, os agentes são predominantemente provenientes dos três centros de poder da República Velha: Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Estes três estados, além de concentrarem o poder político, também dão origem a maior parte dos juristas que ocupam altos cargos estatais. Tomando como exemplo a origem social dos Ministros do Supremo Tribunal durante o período republicano, vemos que as origens sociais dos mesmos guardam uma exata proporcionalidade com a dos juristas projetadores, sugerindo certo padrão na origem social das elites jurídicas. Mais interessante ainda é observar que há um projetador com origem em cada um dos seguintes estados: do Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia. Estas são, respectivamente, as três origens mais freqüentes dos Ministros do Supremo Tribunal, logo atrás dos estados mais incidentes. Estas constatações são reproduzidas na distribuição das origens dos agentes redatores do Código Civil e ministros, como demonstra a tabela n. 1. 5 Tabela nº.1: Tabela comparativa da origem geográfica dos Ministros do STF, do STJ e dos redatores dos anteprojetos de Código Civil. Estado de origem Ministros do STF Ministros do STJ Projetadores do CC Alagoas 2 4 0 Amazonas 1 2 0 Bahia 14 13 1 Ceará 4 7 0 1 0 0 0 1 0 Goiás 1 2 0 Maranhão 5 2 0 Mato Grosso 2 1 0 Minas Gerais 30 25 3 Pará 1 3 0 Paraíba 5 5 0 Paraná 1 5 0 Pernambuco 11 4 1 Piauí 5 3 0 Rio de Janeiro 31 12 3 Rio Grande do Norte 1 3 0 Rio Grande do Sul 16 11 1 Santa Catarina 1 3 0 São Paulo 23 14 4 Sergipe 5 4 0 Total 160 124 13 Espírito Santo Exterior 4 Nota: Tabela comparativa do local de nascimento dos Ministros do STF, STJ e dos projetadores do Código Civil. Em relação aos ministros, a tabela abrange todo o período republicano atualizado até outubro de 2008. Na contagem dos ministros do STJ, estão inclusos os ministros integrantes do antigo Tribunal Federal de Recursos, transformado em Superior Tribunal de Justiça em 1988. Já entre os projetadores estão os 13 juristas participantes da redação de pelo menos um dos anteprojetos de Código Civil no período de 1942 a 1969. Os dados em relação aos ministros foram retirados do STF e do STJ, disponíveis, respectivamente, em: www.stf.gov.br e www.stj.gov.br, acesso em 1/10/2008. Os dados dos projetadores foram retirados de várias fontes, tal como explica a nota 4. Os estados do Acre, Amapá, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Roraima e Tocantins não aparecem na tabela, pois não possuem ministros nem projetadores com origem em seu território. Os ministros que nasceram no Rio de Janeiro, época em que este era o Distrito Federal, foram computados no estado do Rio de Janeiro. 4 Trata-se do atual Ministro Felix Fisher, nascido em 30/09/1947 em Hamburgo, Alemanha, e naturalizado brasileiro. O mesmo bacharelou-se no Rio de Janeiro em Ciências Econômicas na UFRJ (1971) e em Direito pela UEG, hoje UERJ (1972). Exerceu sua carreira vida profissional, sempre ligada ao direito, no Estado do Paraná. 6 Todos os agentes em análise realizam seus estudos pré-universitários e a graduação em direito no estado de origem5. Em geral, o doutorado, a livredocência e a tese de cátedra também ocorrem no mesmo local. Exceções são os percursos de Philadelpho de Azevedo e de Teophilo Santos que realizaram estudos em Paris. O primeiro cursou Ciência Política na École de Sciences Politiques em 1927, treze anos após sua formatura. O segundo ganhou bolsa de estudos do governo francês e foi doutorar-se na Université de Paris II, um ano após sua graduação em direito. No entanto, ambos os casos mostram a circulação internacional, traço marcante destes agentes, conforme analisado infra. Os projetadores oriundos dos estados periféricos (Pernambuco, Rio Grande do Sul e Bahia) não realizam deslocamento espacial permanecendo no estado de origem durante toda a carreira profissional. Esta constatação indica também uma maior probabilidade dos nascidos nas regiões centrais ascenderem aos postos federais privativos de bacharéis em direito, tais como: Advogado da União (antigo Consultor-Geral da República)6, Procurador-Geral da República e Ministro dos Tribunais Superiores. 5 Até mesmo Caio Mario, que se mudara durante a infância para o Rio de Janeiro, acabou retornado a Belo Horizonte para cursar direito. A mudança de sua família para a capital ocorreu devido ao fato de seu pai ter ido lecionar humanidades no colégio São José (PEREIRA, 2001, p.6). 6 O cargo de Consultor-Geral da República foi extinto e substituído pelo cargo de AdvogadoGeral da União através da Lei Complementar 73/1993, publicada no D.O. de 11/02/1993. 7 Quadro n. 2: Estudos básicos, secundários e superiores. Nome Estudos primários secundários José Philadelpho de Barros Azevedo Colégio D. Pedro II, Rio de Janeiro. Hahnemann Guimarães Colégio D. Pedro II, Rio de Janeiro. Orosimbo Nonato da Silva Primário na cidade de Sabará. Colégio Morais, Belo Horizonte. (humanidades) Orlando Gomes dos Santos Escola Campo Grande, em Salvador. Escola Cócio Barcelos, Rio de Janeiro. Grupo Escolar Afonso Pena, Belo Horizonte. Instituto Padre Machado, Belo Horizonte. Colégio Marconi, Belo Horizonte. (clássico) Grupo Escolar Barão do Rio Branco, Belo Horizonte (primário). Local desconhecido. Nossa Senhora da Glória, Itajubá. Istituto Médio Ítalo Brasiliano Dante Alighieri, São Paulo. Local desconhecido. Colégio Anchieta, Porto Alegre. (primário e secundário) Theophilo de Azeredo Santos Caio Mário da Silva Pereira Erbert Vianna Chamoun Miguel Reale Torquato da Silva Castro Clóvis Veríssimo do Couto e Silva José Carlos Moreira Alves Agostinho Neves Arruda Alvim Sylvio Marcondes Machado e Instituto Lafayette, Rio de Janeiro. (primário, ginasial e científico) Local desconhecido. Local desconhecido. Formação acadêmica Graduado na UFRJ (1914) e aluno da SciencePo, Paris (1927). Graduado UFRJ (1923), livredocente em Direito Romano (1931) e catedrático de Direito Civil (1933) na mesma instituição. Graduado na UFMG (1911), livre-docente e catedrático na mesma instituição (1925). Graduado na UFBA (1930). Graduado na UFMG (1935), doutorado em Paris II (1936) e doutor na UFMG. Graduado na UFMG (1935) e doutor na mesma instituição. Graduado na UFRJ. Graduado na USP (1933) e doutor na mesma instituição (1941). Graduado na UFPE. Graduado na UFRGS (1955), catedrático na mesma instituição (1966). Graduado na UFRJ (1955), doutor na mesma instituição (1957). Graduado na USP. Graduado na USP. Nota: Quadro demonstrativo dos locais de estudos pré-universitários, universitário e de pósgraduação dos agentes projetadores do Código Civil. A maior parte das faculdades teve seus nomes alterados ao longo dos anos. Para simplificar, utiliza-se a sua sigla atual. A circulação internacional7 é traço marcante nas carreiras dos juristas projetadores. Eles tiveram oportunidade de integrar organismos internacionais, estudar no exterior, comparecer a congressos ou, ainda, representar o Brasil 7 Dezalay e Garth defendem que a circulação internacional de idéias entre os bacharéis é um condicionante do campo do Direito, pois permite estabelecer fronteiras, estruturas, e orienta as estratégias implementadas pelos atores nacionais. 8 em encontros e reuniões internacionais. Miguel Reale, por exemplo, teve alguns colóquios internacionais para discussão de seu pensamento. Um deles ocorreu em Portugal e outros dois no Brasil. O I Colóquio Luso-Brasileiro de Pesquisa Filosófica (Rio de Janeiro) e o VI Congresso Brasileiro de Filosofia (São Paulo), ambos realizados em 1999, não estão mencionados no quadro n. 3, pois não configuram exemplos de deslocamento dos agentes. No entanto, os anais publicados8 no congresso de São Paulo demonstram a presença de estudiosos vários estados do Brasil (Rio de Janeiro, São Paulo, Distrito Federal, Pernambuco, Paraíba, Bahia, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Ceará, Amazonas) e do exterior (Portugal, Itália, Espanha, Estados Unidos, Argentina, Japão), o que indica a circulação internacional das idéias filosóficas de Reale. Outros exemplos da circulação internacional dos juristas em análise encontram-se no quadro n. 3. Quadro n. 3: Circulação Internacional Nome Viagens de estudos ou para ministrar aulas Congressos, cargos ou condecorações Orozimbo Nonato da Silva Não Grã-Cruz da Ordem Nacional do Mérito de Itália e Portugal. Hahnemann Guimarães Não Representante do Brasil na Conferência Internacional do Ensino Superior em Paris, França. (1937) Congresso Internacional de Direito Privado em Montevidéu, Uruguai (1940). Chefe da delegação brasileira ao Congresso Internacional de aeronáutica civil em Chicago, EUA. (1944) José Philadelpho de École de Azevedo Politiques, França. (1927) 8 Sciences Membro da Seção Brasileira do Comité Juridique Paris, International de l’ Aviation, sediada em Paris, França. (1930) Meio Século de Filosofia. Anais do VI Congresso Brasileiro de Filosofia (6 de setembro de 1999). São Paulo: IBF, 2003. vol. I e II. 9 Representante do Brasil na “Semaine Internationale de Droit” em Paris, França. (1937) Representante do Brasil na Union Internationale des Avocats em Paris, França. (1937) Representante do Brasil no II Congresso de Direito Comparado em Haia, Holanda. (1937) Representante do Brasil no 8º Congresso Científico Americano em Washington, EUA. (1940). Membro da Inter-american Bar Association em Washington, EUA. (1940) Juiz da Corte Internacional de Justiça em Haia, Holanda. (1946-1961) Caio Mário da Silva Pereira Professor para convidado lecionar Direito Comparado na Apresentador de trabalho no IV Congresso Internacional de Direito Comparado em Paris, França. (1953) Univeristé de Paris I, IX Conferência Interamericana de Advogados França. (1953) em Dallas, EUA. (1956). Estudou common law Conferencisita em Yale, EUA (1956). em I Jornadas Latino-americanas de Direito Privado universidades americanas. (1953) em Buenos Aires, Argentina (1960). Comission Internationale de Juristes em Genebra, Suíça (1965). Theophilo de Azeredo Estudou com bolsa de Atual presidente do Comitê Internacional de estudos na Université Arbitragem de Paris II (1955-1956) Comércio com sede em Paris, França (2008). Orlando Gomes Não possui Não possui. Miguel Reale Estudou na Itália. Chefe da delegação brasileira na Organização Santos da Câmara Internacional do Internacional do Comércio em Genebra, Suíça. (1951) Fundador da Associação Interamericana de Filosofia (1954). Chefe da delegação brasileira dos seguintes Congressos Santiago, Interamericanos Chile (1957); de Filosofia: Washington, EUA (1959); e Buenos Aires, Argentina (1961). Vice-presidente do Congresso Interamericano de Filosofia em Québec, Canadá. (1967) Colóquio Tobias Barreto para discussão do pensamento de Miguel Reale, em Porto e Viana 9 do Castelo, Portugal. (1996) José Carlos Moreira Alves 9 Assessor da delegação do Brasil da reunião dos 10 Ministros da Justiça dos países hispânicos, lusoamericanos e filipinos em Madrid, Espanha. (1970). Delegado do Brasil nas conferências diplomáticas da Convenção Universal sobre o direito do autor e da Convenção de Berna, realizada em Paris, França. (1971) Chefe da missão especial para representar o governo brasileiro no 50° aniversário da Proclamação da República da Turquia (1973). Clóvis Veríssimo do Couto Professor convidado na e Silva Université de Paris II. Professor convidado em Florença. Torquato da Silva Castro Residiu no Japão para cuidar dos interesses de um cliente de seu escritório de advocacia que possuía uma mineradora (1957). Nota: Quadro demonstrativo da circulação internacional dos notáveis. Os dados são relativos a viagens de estudo, de representação oficial do país ou de trabalho dentro das profissões jurídicas. Não estão computadas viagens de mero turismo. II – Carreira profissional e distinções Após a formação universitária, os projetadores civis incorporam um léxico de práticas comuns aos bacharéis de direito que, além maximizar sua inserção no espaço profissional, tornam-se reconhecidos socialmente como juristas. Dentre as características distintivas desta elite estão o exercício da docência em direito, a circulação internacional e o pertencimento a instituições 11 de consagração, como o Instituto dos Advogados Brasileiros10 e Academia Brasileira de Letras Jurídicas11. Arinos (apud Venâncio Filho, 1997, p. 8) distingue o bacharel do jurista através de duas posturas distintas. Ao primeiro, cabe a o bacharelismo, que consiste na aplicação dedutiva da técnica jurídica aplicada à realidade. Já o juridicismo, pertencente ao segundo tipo, é uma postura inovadora e criadora de formas de interpretar o direito e de sistematizá-lo, seja para ao sentido progressista, seja para o reacionário. Dezalay e Garth (2002, p. 51-52), inspirados na tradicional separação entre os produtores e práticos de direito, e diante da indiferenciação destas atividades na América Latina, criam a categoria analítica de “políticos-bacharéis”. Estes se caracterizam por serem generalistas dotados de sabedoria prática para ocupar postos-chave dentro da hierarquia social, notadamente os de natureza intelectual, política e empresarial. Miceli (1979) ressalta que a partir do Estado Novo, época em que o diploma em direito deixa de ser um bem raro, os bacharéis passam a investir na diversificação de carreiras, de forma concomitante ou alternada. Para isso, se fazem valer de postos em jornais, revistas, escolas secundárias e de relações sociais intensas, especialmente em certas instâncias de consagração. 10 Fundado em 1843, o Instituto dos Advogados Brasileiros – IAB, inicialmente chamado de IAOB surge como uma instituição que congregava exclusivamente, e representava, toda a comunidade jurídica do país. Com a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, através do Decreto nº 19.408, de 18 de novembro de 1930, o IAB passa a ser um instituto de consagração de “notáveis” juristas. (BONELLI, 1999, p. 61-81). 11 A Academia Brasileira de Letras Jurídicas foi fundada em março de 1974 ao estilo da academia francesa. A missão da academia é zelar pela pureza do idioma pátrio na literatura jurídica, acompanhar a evolução do pensamento jurídico universal e contribuir para a sua construção, congregando cordialmente, em torno desse ideal, juristas de todo o Brasil. 12 Para a identificação da presença destas características no grupo em análise, veja o quadro n.4 que demonstra esta diversificação progressiva. Quadro n. 4: Primeiro emprego e experiência docente Nome Orozimbo Nonato da Silva Hahnemann Guimarães José Philadelpho Azevedo de Primeiro emprego Professor de Economia e Estatística Rural na Escola Mineira de Agricultura e Veterinária (1923). Professor de Latim no Colégio do Professor Accioly. Professor substituto de Filosofia no Colégio D. Pedro II (1915-1917). Orlando Gomes Advogado. Caio Mário da Silva Pereira Revisor Forense. Theophilo Santos Taquígrafo. de Azeredo da Revista Sylvio Marcondes Machado Advogado Comercialista. Miguel Reale Advogado. José Carlos Moreira Alves Professor regente de Direito Civil e de Direito Romano na Faculdade de Direito da Universidade Gama Filho, RJ (1957-1964). Experiência docente Livre-docente e catedrático de Direito Civil UFMG (1931-1940). Professor de Direito Civil na PUC-RJ (1940). Catedrático de Latim D. Pedro II (1926-1937). Livre Docente em Direito Romano da UFRJ (1932). Catedrático de Direito Civil da UFRJ (1933). Catedrático de Psicologia, Lógica e História da Filosofia no Colégio D. Pedro II (1917) Livre-docente no D. Pedro II (1930). Livre Docente em Direito Civil da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ (1932). Catedrático de Direito Civil da UFRJ (1933). Professor livre-docente de Introdução à Ciência do Direito da Faculdade de Direito da UFBA (1933). Professor de Instituições de Direito Social da Faculdade de Ciências Econômicas da UFBA (1934). Professor de Direito Civil da UFBA (1936). Catedrático de Direito Civil da UFBA (1937). Professor de Francês e Português no Colégio Mineiro de BH. (1936-1939). Professor de Francês Clássico na Faculdade de Filosofia de UFM. Professor catedrático de Direito Civil da UFMG.(1950). Professor de Direito Comparado no curso de doutorado da UFMG (1951). Professor de Direito Civil da UFRJ. Professor de Direito Comercial da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ). Professor de Direito Comercial da Universidade do Estado da Guanabara (UERJ). Professor da Universidade Estácio de Sá. Professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP) Professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. (USP) Professor de Direito Romano da Faculdade de Direito Cândido Mendes, RJ (1960-1968) Professor de Direito Romano no doutorado da PUC-RJ (1962.) Professor de Direito Civil e Processual Civil da PUC-RJ (1962-1968). Professor da EBAPE- FGV (1964-1968). Professor livre-docente e catedrático de direito civil e direito romano na Universidade do Brasil (1965-1968). Professor catedrático na USP (1968-1974). Professor da Universidade Mackenzie, SP 13 Agostinho de Arruda Alvim ? (1969-1974) Professor cedido da USP à UnB (1974-). Professor da PUC-São Paulo. Erbert Vianna Chamoun Advogado. Professor da UERJ. Professor da UFRJ. Professor da PUC-RJ. Clóvis Veríssimo do Couto e Silva Advogado. Torquato da Silva Castro Agricultor. Professor da PUC-RS. Professor da UFRGS. Professor da UFPE. Nota: Quadro demonstrativo do primeiro emprego e da experiência docente dos agentes projetadores. As universidades têm a abreviação correspondente a seu nome atual. Além de professores, os legisladores civis ocuparam postos diversos nas carreiras jurídicas, jornalísticas12 e políticas. Ademais, realizam a produção de artigos e livros jurídicos, filosóficos13 e literários14. Ainda hoje, os manuais de direito civil de Caio Mario da Silva Pereira e de Orlando Gomes são os mais freqüentemente indicados nas faculdades de direito brasileiras. Com o advento no novo Código Civil, parte dos seus ensinamentos ficou desatualizada. Assim, mesmo após a morte destes autores, suas obras continuam a serem reeditadas com adaptações feita por outros autores, menos consagrados. Estas obras estão no quadro 5. 12 Miguel Reale fundou o jornal integralista Acção (1936), a Revista Panorama (1936) da qual foi diretor (1937). Além disso, foi colunista semana do jornal “O Estado de São Paulo”. José Philadelpho de Azevedo colaborou no Jornal do Commercio na seção vida jurídica entre os anos de 1936 a 1938. 13 Miguel Reale é fundador do Instituto Brasileiro de Filosofia (1949), o qual presidiu até sua morte (2006). Igualmente fundador da Sociedade Interamericana de Filosofia. Sua teoria tridimensional do direito é mundialmente conhecida e sua obra filosófica foi traduzida para o francês, italiano e espanhol. Como exemplo citamos: Filosifia del Diritto, traduzida para o italiano por Luigi Bagolini e G. Ricci (1956); Filosofia del Derecho, traduzida para o espanhol por Angel Herreros (1979); Situation de la théorie de l’État dans les domaines de la connaissance juridique, traduzida por Jacques Douchez (1953). 14 Destacamos como exemplos Miguel Reale, membro da Academia Brasileira de Letras, e Orlando Gomes, membro da Academia de Letras da Bahia (1968). Este que escreveu um livro de crônicas intitulado O Veranista. 14 Quadro n. 5: Manuais de direito de autoria dos coordenadores da segunda comissão jurídica elaboradora do anteprojeto de Código Civil Nome Caio Mário da Silva Pereira Manuais de Direito Civil Introdução ao direito civil: teoria geral do direito civil. 22ª. ed. em 2008. Atualizado por Maria Celina Bodin de Moraes. Teoria geral das obrigações. 21ª. ed. em 2006. atualizado por Guilherme Calmon Nogueira da Gama. Contratos. 12ª. ed. 2005. Atualizado por Regis Fichtner. Direitos reais. 19. ed. em 2007. Atualizado por Carlos Edson Monteiro Rêgo Filho. Direito de família. 16ª. ed. em 2007. Atualizado por Tânia da Silva Pereira. Sucessões. 16 ed. em 2007. Atualizado por Carlos Roberto Barbosa Moreira. Introdução ao Direito Civil. 19ª. ed. em 2007. Atualizado por Orlando Gomes Edvaldo Brito e Reginalda Paranhos de Brito. Obrigações. 17ª em ed. 2007. Atualizado por Edvaldo Brito. Contratos. 26ª. ed. Em 2008. Atualizado por Antônio Junqueira de Azevedo e Francisco Paulo de Crezenzo Mariano. Direito de família. 14ª. ed. em 2001. Atualizada por Humberto Theodoro Gomes. Direitos reais. 19ª ed; em 2007. Atualizado por Edson Fachin. Sucessões. 14ª. ed em 2007. Atualizado por Mario Roberto Carvalho de Faria. Nota: Quadro demonstrativo dos manuais de direito de Gomes e Pereira, com respectiva edição e atualizador. Dados atualizados até outubro de 2008. Outra característica marcante é o exercício de diversas atividades com a carreira de advogado. Sempre que possível esta se acumulava com a função de professor. Caso houvesse impedimento de cumulação de carreiras, por exigência de dedicação exclusiva, ocorre sua retomada após a aposentadoria ou a exoneração em cargos públicos que impedem a militância na advocacia. Este é o caso de Nonato, por exemplo, que, após aposentar-se do cargo de Ministro do STF, dedica-se à carreira de advogado e parecerista no Rio de Janeiro, em uma banca integrada por Theophilo de Azeredo Santos, seu exaluno na Universidade de Minas Gerais, e Idelfonso Mascarenhas da Silva (Lisboa, 2003, p. 51). 15 O antigo cargo de Consultor-Geral da República, equivalente ao atual cargo de Advogado Geral da União foi ocupado por três projetadores do Código Civil: Hahnemann Guimarães, Orozimbo Nonato da Silva e Caio Mario da Silva Pereira. Os dois primeiros se sucederam durante o governo Vargas e Caio Mario foi Consultor-Geral da República no ano de 1961, durante governo Jânio Quadros. Estes dados estão disponíveis no quadro n. 6. Quadro n. 6: Carreiras públicas dos Projetadores Legislativos Nome Origem Hahnemann Guimarães Rio Janeiro (DF) de Rio Janeiro (DF) Sabará (MG) de José Philadelpho Azevedo de Barros Orozimbo Nonato da Silva Carreiras Públicas Federais Caio Mário da Silva Pereira Belo Horizonte (MG) Orlando Gomes Salvador (BA) Arcos (MG) São Paulo (SP) Porto Alegre (RS) Rio de Janeiro (DF) Taubaté (SP) Theophilo de Azeredo Santos Agostinho de Arruda Alvim Clóvis Veríssimo do Couto e Silva Erbert Vianna Chamoun José Carlos Moreira Alves Consultor Geral da República de Vargas (19411945) Procurador Geral da República (1945-1946) Juiz do Tribunal Superior Eleitoral, no governo Dutra (1946) Ministro do STF, durante o governo Dutra (1946) Vice-Presidente do TSE (1950-1953) Ministro do STF, no governo Vargas (1942) Consultor Geral da República, no governo Vargas (1940-1941) Ministro do STF, nomeado por Vargas (1941-1960) Vice-Presidente do STF (1951-1954) reeleito (1954-1956) Presidente do STF (1956-1958) Consultor Geral da República de Jânio (1961) Chefe de Gabinete do Ministro da Educação, Pedro Aleixo (1966) Não Não Não Não Não Coordenador da Comissão de Estudos Legislativos do Ministério da Justiça (1969-1972); Chefe do Gabinete do Ministro da Justiça Alfredo Buzaid. (1970-1971); Procurador Geral da República (1972-1975); Coordenador da Comissão de Estudos Legislativos do Ministério da Justiça (1974-1975); Ministro do STF, no governo Geisel (1975); Juiz substituto do TSE (1975-1978); Juiz efetivo do TSE (1978-1980); Vice-Presidente do TSE (1980-1981); Vice-Presidente do STF (1982-1985); Presidente do STF (1985-1987); 16 Miguel Reale (1910-2006) Sylvio Marcondes Machado Torquato de Castro (1907-1988) S. Bento do Sapucaí (SP) SP Recife (PE) Presidente da Primeira Turma do STF (1987-); Juiz Substituto do TSE (1994-1998). Membro do Conselho Federal de Cultura (19741989) Não. Não. Nota: Quadro demonstrativo das carreiras públicas federais dos projetadores civis. A forte rede de relações sociais e o hetero-reconhecimento pelos pares. Assim, os juristas das comissões elaboradoras do Código Civil recebem diversos prêmios jurídicos, homenagens e títulos doutor honoris causa. Dentre eles, destaca-se o Prêmio Teixeira de Freitas concedido anualmente pelo Instituto dos Advogados Brasileiros aos melhores trabalhos jurídicos. Instituída no ano de 1929, premiando Clóvis Beviláqua, autor do Código Civil de 1916, a medalha Teixeira de Freitas foi concedida a 6 dos 13 juristas projetadores. Outra instância de consagração relevante é a Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Outra instituição de consagração fundamental é a Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Sociedade civil fundada em 6 de setembro de 1975, e declarada de utilidade pública federal em 1983, a academia segue o estilo do modelo francês. Suas cadeiras simbólicas em número de cinqüenta têm um patrono cada e são ocupadas perpetuamente por escritores juristas brasileiros eleitos por maioria absoluta. Cinco dos treze projetadores são membros, sendo Orozimbo Nonato patrono da cadeira 28. Torquato de Castro, afiliado pela Academia Pernambucana de Letras Jurídicas, fundada por ele em 1976 e Sylvio Marcondes dos Santos detentor da cadeira 43 da Academia Paulista de Letras. Orlando Gomes foi igualmente da Academia de Letras da Bahia e da Miguel Reale, além de ser membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e da Academia Paulista de Letras Jurídicas é membro da Academia Brasileira de Letras. Estas informações estão explicitadas no quadro n. 7. Quadro n. 7: Medalhas e distinções recebidas pelos Projetadores legislativos 17 Nome Hahnemann Guimarães José Philadelpho de Barros Azevedo Orozimbo Nonato da Silva Caio Mário da Silva Pereira Orlando Gomes dos Santos Theophilo de Azeredo Santos Agostinho Neves Arruda Alvim Clóvis Veríssimo do Couto e Silva Erbert Vianna Chamoun José Carlos Moreira Alves Miguel Reale Sylvio Marcondes Machado Torquato de Castro (1907-1988) Medalha Teixeira de Freitas Não Não Membro da ABLJ Doutor Honoris Causa Sim, 1956. Sim, 1961. Sim, 1974. Sim, 1983. Não Não Patrono da cadeira 28 Sim, cadeira 28 Sim, cadeira 1 Não Não Sim, cadeira 42 Não Não Não Sim, 1968. Não Não Não Sim, cadeira 44 Sim, cadeira 26 Não afiliado pela APLJ Desconhecido. Não Não 1 Não 15 títulos Desconhecido. Nota: Quadro demonstrativo de prêmios, medalhas e distinções recebidas pelos projetadores legislativos. Os dados foram obtidos com base no site do IAB (www.iabnacional.org.br), nas Revistas da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e nos dados biográficos obtidos conforme explicado na nota 4. III – A hiperpolitização e a expertise instituinte Os juristas elaboradores dos Anteprojetos de Código Civil participaram de outras comissões legislativas, sempre a convite dos políticos no poder. Assim, há uma estreita relação entre as simpatias ou militâncias políticas, as amizades e os convites para integrar as comissões legislativas. Evidencia-se que os recursos mobilizados são provenientes de diversas redes (DURIEZ e SAWICKI, 2003) freqüentemente sobrepostas à noção de multiposicionalidade dos agentes (Boltanski). A primeira tentativa de reforma do Código Civil veio a lume no governo Vargas. Os juristas Orozimbo Nonato, Philadelpho Azeredo e Hahnemann Guimarães. Alinhados à política getulista; elaboraram, a pedido do governo, um projeto de reforma do Código Civil que retirasse a parte relativa à matéria contratual e, juntamente com dispositivos do Código Comercial, criasse um Código das Obrigações. Obviamente, esta manobra tinha um duplo objetivo: 18 tornar as mudanças legislativas de Vargas ainda mais profundas e promover uma alteração desapercebida do Código Comercial. Tal empreitada não obteve sucesso, tendo havido manifestações da sociedade e dos juristas contra esta unificação. Apesar de não terem sido terem falhado no projeto de codificação, o feito desta primeira comissão foi realizar a modificação da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, consubstanciada pelo Decreto-lei 4.657, de 4 de setembro de 1942, durante o mandato de Alexandre Marcondes Filho no Ministério da Justiça. Além desta comissão, Nonato participou da reforma da Lei de Falências (Decreto-lei 7.661, de 21 de junho de 1945) juntamente com Alexandre Marcondes Filho, Philadelpho Azevedo, Hahnemann Guimarães e Sylvio Marcondes. Os elaboradores do anteprojeto de Reforma do Código civil converteram seu prestígio para ascender à posição de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Antes disso, Orozimbo Nonato havia sido nomeado por Vargas para o cargo de Consultor-Geral da República15, tendo permanecido no cargo até 1941, quando ascende a Ministro do STF. Em função disso, Hahnemann Guimarães (1941-1945) substitui Nonato no cargo de Consultor Geral da República. Guimarães, na condição de Consultor Geral da República do governo Vargas, integrou a comissão presidida pelo Ministro da Justiça Agamenon Magalhães e integrada pelos seguintes juristas: José Linhares (ministro do STF) José Miranda Valverde (OAB), Vicente Piragibe e Antonio Lafaiete de Andrada (Juízes do Tribunal de Apelação). Esta lei correspondeu à tentativa de Vargas em superar as dificuldades enfrentadas pelo Estado Novo para adaptarse as (ABREU, 2001) 15 Consultor Geral da República é o mais assessor jurídico do Presidente da República, submetido à sua direta, pessoal e imediata supervisão. É um cargo em comissão nomeado, pelo Presidente da República, dentre bacharéis em Direito “de notável saber jurídico e ilibada reputação” e possui status de Ministro. 19 Os juristas da primeira comissão alinham-se a Vargas e ocupam um conjunto de cargos públicos até chegarem ao ápice, como Ministros do Supremo Tribunal Federal, conforme sistematizado no quadro n. 9. Quadro n.9 : Carreiras públicas dos primeiros projetadores Nome Orozimbo Nonato da Silva José Philadelpho de Barros Azevedo Hahnemann Guimarães Cargos diversos Delegado de Polícia em Aiuruoca e Turvo (1912) Promotor de Justiça (1912). Juiz municipal em Rio Branco e Entre Rios (1913). Advogado-Geral do Estado de MG (1933). Desembargador do TAMG (1934) . Membro do TRE-MG. Consultor Geral da República (1940). Procurador Geral do DF (1934-1936). Prefeito nomeado do Rio de Janeiro, DF (1945-1946). Juiz da Corte internacional de Justiça, com sede em Haia, Holanda.(1946-1951). Membro do Comitê Juridique International de l’aviation (Paris, com sede no RJ) Consultor Geral da República (1941-1945) Procurador Geral da República (19451946). Integrante do TSE (1945) Ministro STF Ministro do STF, nomeado por Vargas (1941). Ministro do STF, nomeado por Vargas (1942). Ministro do STF, nomeado por Eurico Gaspar Dutra (1946-1967). Fonte: Elaboração própria, com base nos dados do DHBB e do site do STF (www.stf.gov.br). Dentre os segundo grupo de projetadores, destacam-se os coordenadores da comissão elaboradora do Código Civil, Gomes e o coordenador da comissão elaboradora do Código das Obrigações, Caio Mario das Silva Pereira. É o jurista atípico entre os codificadores. Gomes, filho de um caixeiro, é o projetador de origem mais humilde e que, no plano político, posiciona-se à esquerda. Em 1937 foi preso pelo Estado Novo por dar aulas sobre a União SOVIÉTICA. Em 1946, concorreu a senador pelo Partido Socialista Brasileiro no ano de 1946. No direito, escreveu sobre sociologia do direito e direito do trabalho. Aproximou-se timidamente da linha alternativa do direito, embora não simpatizasse com a matriz política que lhe dá origem16. 16 AMARAL, Francisco. “Evocação a Orlando Gomes”; Revista Brasileira de Direito Comparado. n. 17 (1999), p. 10. 20 Caio Mario da Silva Pereira é liberal e udenista, alinhando-se a Milton Campos. Tanto o projeto de Código Civil de Gomes quanto o de direito das obrigações de Pereira foram retirados de pauta, durante a ditadura militar. Assim, Miguel Reale é convidado para escrever o Código Civil, mas opta por convidar outros cinco juristas conservadores para empreenderem a tarefa com ele. Reale possui um perfil exemplar de uma das gerações de juristas brasileiros que transitam na permeável fronteira entre a política e a universidade, alternando postos nas faculdades de direito e na vida pública. Essa alternância é percebida na visão pessoal de Reale como “uma constante luta entre a vocação teórica do professor e a nunca vencida vocação política”.(REALE, 1986, p. 38.) Por ocasião do convite feito pelo presidente Vargas para integrar o Conselho Administrativo do Estado, aceitou imediatamente. Em suas Memórias (Reale, v. I, 1987, p. 164.), Reale assim se manifesta: “não vacilei um instante sequer, pois em meu sem sempre atuaram duas valências, uma jurídica, outra política, ambas em busca de sincronia” Reale foi um dos membros mais importantes do Integralismo, ao lado do próprio Plínio Salgado, seu conterrâneo de São Bento do Sapucaí, e de Gustavo Barroso. Enquanto membro da AIB, Reale foi seu principal ideólogo, o que lhe deu a posição de chefe de doutrina. A militância de Reale no integralismo dura quase dez anos, de 1932 a 1941. É em maio deste ano que rompe definitivamente com o Integralismo, tanto quanto Gustavo Barroso. Isso porque Plínio Salgado, antes de seguir para o exílio em Portugal, confia a chefia do Integralismo a Raymundo Padilha17, A partir desse episódio, tanto Miguel quanto Barroso rompem com o integralismo, por haverem sido preteridos na ordem hierárquica do movimento. (Memórias, vol. I, 1987, p. 143144.) No quadro ç são sistematizadas as experiências legislativas dos juristas projetadores do Código Civil. 17 Então funcionário do Banco do Brasil em Campinas e futuro deputado federal e governador do Rio de Janeiro. (REALE, 1987, vol. I, p. 143.) 21 Quadro 9: Experiência legislativa Nome Comissões Legislativas Orozimbo Nonato da Silva Integrante da comissão redatora da Lei de Introdução ao Código Civil. Comissão elaboradora do Anteprojeto de Obrigações. José Philadelpho de Barros Azevedo Hahnemann Guimarães Integrante da comissão redatora da Lei de Introdução ao Código Civil. Comissão elaboradora do Anteprojeto de Obrigações. Integrante da comissão redatora da Lei de Introdução ao Código Civil. Comissão elaboradora do Anteprojeto de Obrigações. Comissão elaboradora da lei de falências. Comissão de projeto de lei da supressão da enfiteuse. Integrante da Comissão de elaboração da Lei eleitoral (DL 7.566/45). Comissão elaboradora do CC (Lei 10.406/2002) Autor do livro de Direito das Sucessões do Novo Código Civil. Agostinho de Arruda Alvim Torquato de Castro Orlando Gomes da Miguel Reale Caio Mário da Silva Pereira Comissão elaboradora do CC (Lei 10.406/2002) Integrante da Comissão designada pelo IA-MG para redigir a Constituição Estadual de MG, aprovada em1935. Através do IA-MG foi encarregado pelo presidente da comissão de elaboração do CPC da parte referente às provas (1935) Integrante da comissão de reforma do sistema tributário estadual (Pereira, 2001, p. 213) Integrante da comissão de elaboração da Lei de Organização judiciária d e MG convertida em lei (1940) Projetou a lei 4.591/1964 sobre condomínios e incorporações. Cordenador da comissão do anteprojeto de Código das Obrigações (1965) Integrante da comissão elaboradora do Anteprojedo de CC (1965) Erbert Vianna Chamoun Comissão elaboradora do CC (Lei 10.406/2002) Theophilo Santos Comissão elaboradora do CC (Lei 10.406/2002) Autor, jubtamente com o professor Temistocles Brandão Cavalcanti do Anteprojeto de Lei que cria o Conselho Nacional de Seguros Privadfos e Capitalização. (Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966) de Azeredo Clóvis Veríssimo do Couto e Silva José Carlos Moreira Alves Sylvio Machado Nota: Marcondes Comissão elaboradora do CC (Lei 10.406/2002) Comissão elaboradora do CC (Lei 10.406/2002) Lei dos Direitos Autorais (Lei 5.988/1973) Membro da comissão revisora do Código Penal. (1982) Presidente da comissão revisora do Anteprojeto das contravenções penais. (1982) Comissão elaboradora do CC (Lei 10.406/2002) Conclusão A partir de uma micro-análise do fenômeno da recodificação civil é possível pôr em evidência um conjunto de propriedades e relações necessárias para a ascensão à função de legislador civil. Além do conhecimento técnico- 22 jurídico exigido destes professores e práticos do direito, deve acrescentar-se a afinidade política com o governo em exercício. Os dados obtidos indicam que o fato d a terceira comissão ter seu projeto aceito extrapola a importância pessoal dos seus membros, na medida em que os demais projetadores possuem características semelhantes. Trabalhos futuros podem afinar a análise a fim de isolar certas propriedades dos integrantes das três comissões legislativas e seus múltiplos grupos de interesse, a fim de demonstrar certos princípios de dominação e de eventual diferenciação de perfil entre as comissões. A partir do estudo dos trajetos dos agentes da recodificação civil, a mais árdua do século XX, fica evidente que a tarefa performativa é um caráter distintivo dentro da própria elite jurídica brasileira. Bibliografia ABREU, Alzira Alves de. (coord.) et al. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro. pós-1930 [CD-ROM] Rio de Janeiro: FGV/CPDOC, 2001. AMARAL, Francisco. “Evocação a Orlando Gomes.” Revista Brasileira de Direito Comparado. N. 17, (1990) p. 6-13. BOLTANKSKI, Luc. « L’espace positionnel. Multiplicité des positions institutionnelles et habitus de classe. » Revue Française de Sociologie, XIV, 1973, p. 3-26. BONELLI, Maria da Gloria. (1999) “O Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros e o Estado: a profissionalização no Brasil e os limites dos modernos centrados no mercado”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 14. n. 39, fev./1999, p. 61-81 BOURDIEU, Pierre. « La force du droit ». Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 1986, vol. 64, numéro 1, p. 3-19. CASTEL, Robert. “Savoirs d´expertise et production de normes.” In: CHAZEL, François et COMMAILLE, Jacques. Normes juridiques et régulation sociale. Paris: LGDJ, 1991. p. 177-188. 23 DEZALAY e GARTH. La mondialization des guèrres de palais:la recosntriction du pouvoir d`’Etat en Amerique Latine, entre les notables du droit et Chicago Paris: Seuil, 2002. GOMES, Orlando. O veranista. Salvador: Ciência Jurídica, 1991. HEINZ, Flávio M. org. Por outra história das elites. Rio de Janeiro: FGV, 2006. 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