Gênero: DRAMÁTICO
Realiza-se com o objetivo de mostrar ações que
se desenrolam diante dos espectadores. Sua
principal característica é, pois, a representação.
Nele não se observa a sucessão numerosa de
acontecimentos para serem narrados (como no
gênero narrativo) nem a profusão de sentimentos
íntimos e pessoais (como no lírico).
TRAGÉDIA: representa, de modo catastrófico,
acontecimentos que causam no público não só
terror, mas também compaixão.
ATO: subdivisão da ação de uma peça, que em
geral compreende uma unidade temporal e
desenvolve um estágio, ou fase, do conflito e da
trama entre os personagens.
QUADRO: designa um cenário fixo em tempo
contínuo que pode prevalecer durante várias
cenas. Ao se mudar o cenário ou o tempo de
representação (aurora para o crepúsculo, por
exemplo) muda-se o quadro.
RUBRICA: a palavra designa os apontamentos
(em geral impressos em itálico) que o autor põe
no texto da peça e que orientam o
comportamento dos atores, a visão do diretor, ou
descrevem o cenário, a cena, situam a época etc.
A palavra rubrica vem do fato de que nos antigos
missais as descrições de como os assistentes ou
oficiantes deviam se portar (em pé, sentados, de
joelhos etc.) eram feitas com tinta vermelha,
rubra. O conjunto de rubricas se chama
didascália.
TEATRO BRASILEIRO MODERNISTA
Somente a partir de 1943 é que se pode falar da existência
de uma dramaturgia moderna do país. As peças de Nelson
Rodrigues são uma verdadeira suma de novidades: elas
mostram brutalmente a realidade familiar, seja sob a forma
naturalista, seja sob a forma expressionista, desvendam de
forma quase psicanalítica a interioridade mais profunda dos
personagens, apresentam os enredos mediante sofisticados
jogos temporais e possibilitam encenações de grande
ousadia. Há nelas, principalmente, um uso sistemático do
português coloquial nos diálogos que, por isso mesmo, são
sempre vivos e ricos.
PEÇAS MÍTICAS: As peças míticas lidam com a análise psicológica e não deixam de revelar a realidade urbana do Rio de
Janeiro.
- Álbum de família (1945); Anjo Negro (1947); Senhora dos afogados (1947); Dorotéia (1949).
ANJO NEGRO (1946)
Nelson Rodrigues 1912-1980
Anjo Negro, peça teatral de Nelson Rodrigues, foi escrita
em 1946 (estreou em 1948). O autor ao perceber o
preconceito de que o negro é alvo na sociedade brasileira
e a existência de preconceito no negro em relação a outro
da mesma cor, resolveu escrevê-la.
Um outra razão de Nelson Rodrigues escrever Anjo Negro
foi porque achava um absurdo o negro ser representado
no teatro apenas como o “moleque gaiato” das comédias
de costumes ou por tipos folclorizados. Por isso, criou um
personagem – Ismael – de classe média, inteligente, mas
também com paixões e ódios, ou seja, “um homem, com
dignidade dramática”, enredado em situações proféticas e
míticas
A peça é apresentada em três atos.
Na trama de Anjo Negro, pulula a violência, nas
suas mais diversas formas, das mais variadas
naturezas,
em
constantes
situações.
As
personagens são violentas entre si, sofrem a
violência, vivem-na. Há vinganças recíprocas e
intermináveis. Há ódio dissimulado no amor.
Amor dissimulado no ódio. Ou somente um
desejo, que gera violência. A história de Anjo
Negro apresenta-se, assim, como uma rede
truncada de muita violência.
PERSONAGENS
ISMAEL(o marido negro)
VIRGÍNIA (a esposa)
ELIAS (o irmão branco de Ismael)
ANA MARIA (a filha branca de Virgínia e Elia)
TIA E PRIMAS
CRIADA
COVEIROS DE CRIANÇAS
CORO DE PRETAS DESCALÇAS
CARREGADORES
O protagonista de Anjo negro, Ismael, é audacioso,
Nelson não faz concessões. Sem paternalismo, concebe
um personagem na contramão dos personagens negros
que geralmente se conhece: não é moleque, malandro
ou empregado subalterno, trata-se aqui de um homem
cheio de ressentimentos e paixões, mas também de
orgulho e sensibilidade, um vencedor, bem-sucedido,
arquiteto do seu destino.
A questão racial é tratada de forma radical. Numa
sociedade dominada pelo branco, a única estratégia
possível de inserção é a adoção da ética branca,
dominadora e autoritária. Repudiando sua cor e origem,
Ismael desfruta dos privilégios do branco: dinheiro,
status, prestígio e uma mulher também branca.
O traço marcante de todas desta obra é a tentativa
de desvelar a interioridade mais recôndita dos
protagonistas. Além da análise psicológica
tradicional, Nelson Rodrigues procura, sob
influência freudiana (que ele negava, afirmando
nunca ter lido Freud), aproximar-se dos abismos
do inconsciente e do subconsciente, além de criar
uma galeria de personagens arquetípicos.
Jamais houve no teatro brasileiro um mergulho tão
profundo na psique humana. O resultado dessa
investigação artística, no entanto, é também
assustadora. Destruídos os bloqueios morais
impostos pela civilização, o que aparece é um
mundo infernal de desejos proibidos, crueldade,
amoralismo e “nostalgia da lama”. Os instintos
arrastam os personagens – dentro do próprio
quadro familiar – ao incesto, à perversão e ao
crime, ao mesmo tempo que o sonho de uma
impossível pureza segue atormentando-os.
Tempo
Não fica claro em que momento transcorre a história. Do
segundo para o terceiro ato, há um hiato de
aproximadamente 16 anos. No texto da peça há uma
informação que diz “A ação se passa em qualquer tempo,
em qualquer lugar”.
Espaço
Não há nenhuma referência à paisagem externa. Toda a
história se passa no quintal, na frente e dentro da casa de
Ismael. A casa é toda cercada por muros altos para que
ninguém pudesse ver Virgínia e nem ela ver os outros
homens. No último ato (3º) diz-se, na rubrica, que se
passaram dezesseis anos e nunca mais fez sol. Não há dia
para Ismael e sua família. Há também o cenário do mausoléu
(um túmulo de vidro, tipo da Branca de Neve), onde Ismael e
Virgínia prenderão Ana Maria, deixando-a até a morte
naquele local.
ESQUEMA DAS AÇÕES E FATOS NARRATIVOS (INTRIGA)
VIRGÍNIA
Vivia com a Tia e as 5 primas. Amava o noivo da prima
caçula. Um dia se entrega a ele. (“Não houve uma palavra,
ele me pegou e me beijou. Nada mais, a não ser a mão que
percorreu o meu corpo...”)
TIA e PRIMA CAÇULA chegam e veem a cena.
A prima suicida (enforca-se)
A vingança da tia: Na noite do velório da filha, o negro
Ismael sobe ao quarto de Virgínia e a estupra. Vão se casar.
Ela nunca mais sairia da casa. A tia e primas vão embora.
O casal teve 03 filhos negros, todos mortos por Virgínia.
Toda vez que se velava um dos filhos, a tia e as primas
apareciam.
Ismael sabe que Virgínia matava seus filhos. O último fora
morto em um tanque, tão raso que não seria possível o
filho ter se afogado. Ismael assistiu a cena da janela do
quarto e nada fez para impedir.
A chegada do irmão de Ismael, o cego Elias (homem
branco).
Virgínia não sabia da presença dele, a qual é revela pela
criada negra. Virgínia a suborna para que abra a porta do
quarto e possa ver Elias.
Virgínia se entrega a Elias. Ele faz juras de amor e
fidelidade. Tem medo do irmão tal como Virgínia. Mas a
mataria para concretizar o amor, como uma libertação e
prova de amor.
A tia e as primas chegam atrasadas para o velório. Veem
Elias sair do quarto. A tia pressiona Virgínia a revelar a
traição. Ela revela. A tia ameaça contar tudo ao marido,
como forma de vingança pelo suicídio da filha.
Ismael chega. Virgínia tenta seduzi-lo, como nunca antes
fizera, pois sempre reagia como se estivesse sendo
violentada.
A tia sobe ao quarto e conta da traição. Ismael expulsa tia
e primas.
Manda que Virgínia chame Elias. Vai matá-lo. Virgínia
concorda como forma de proteção a sua vida.
Depois de assassinado Elias, Ismael diz que matará o filho
que Virgínia espera de Elias, fazendo o mesmo que ela
fazia com seus filhos.
Nasce o bebe de Virgínia. Ela desejava um homem branco,
pois assim poderia se entregar a ele, mas surge uma
menina branca, a qual nunca amará, principalmente porque
Ismael não permitirá que Virgínia jamais fique só com a
filha.
Ismael diz a Ana Maria que ele é o único homem branco
que existe. Os negros são maus e ela tem que ficar
protegida na casa. Ismael cega a menina com ácido para
que ela nunca saiba a verdade.
Passam-se 16 anos. Ana Maria idolatra o pai Ismael e
odeia a mãe. Ele também mantém relação sexual com a
menina sem que a mãe saiba.
Uma mulher é estuprada por um negro de 6 dedos. Seus
gritos de terror lembram os de Virgínia. Ninguém faz
nada.
Um grupo de negros aparece trazendo o corpo da mulher
estuprada. Teria uns 40 anos. Pedem para ficar no
estábulo da casa até que o carro venha buscar o corpo.
Aparece a tia, velha, diz a Ismael que a mulher estuprada era
sua última filha. Ela mandou que a filha passasse pela fonte
para que não morresse virgem como as outras, mas não
esperava que o homem a matasse. A tia roga uma praga
dizendo que Ana Maria morreria virgem também, que agora
já estava com 15 anos.
Quando a filha tem 15 anos, Virgínia pede a Ismael para
poder ficar a sós com a filha e revelar a verdade. Ele irá
permitir que elas fiquem três noites juntas, no final Virgínia
terá que ir embora, ficarão apenas Ana Maria e Ismael.
Virgínia concorda.
Depois de revelada toda a história a Ana Maria, esta não
acredita na mãe, a expulsa de sua vida e revela que mantém
relações com Ismael e que este a ama. Virgínia tem ciúmes.
Ao procurar Ismael vê que ele construiu um mausoléu de
vidro para que Ele e Ana Maria fiquem longe dos olhos de
todos. Ismael manda Virgínia embora.
Virgínia o seduz dizendo que Ana Maria só gosta dele
porque acha que é branco, ela não, sabe que é preto e o
deseja muito.
Ismael concorda com Virgínia em prender Ana Maria no
mausoléu para que morra ali. Faz isso. Depois os dois
sobem para o quarto. Querem ter outros filhos, os quais
morrerão como todos os outros filhos:
“SENHORA: Em vosso ventre existe um novo filho!
SENHORA: Ainda não é carne, ainda não tem cor!
SENHORA: Futuro anjo negro que morrerá como os outros!
SENHORA: Que matareis como vossas mãos!
SENHORA: ó Virgínia, Ismael!”
(Anjo Negro, página 192)
SEMELHANÇA À TRAGÉDICA CLÁSSICA
Apesar de ser formalmente bem mais semelhante à tragédia
clássica, é difícil organizar Anjo Negro dentro dos padrões
trágicos. Ismael também é movido por amor, e esse exagero
de amor o faz incorrer em erros ainda mais graves, como o
assassinato da filha; mas seu maior erro é o preconceito
com sua cor. Se se tratar Virgínia como heroína, teríamos
uma estrutura semelhante à de seu marido; seu erro seria o
mesmo, é o preconceito da cor, mas depois do casamento,
ele se torna repugnante a ela que, por ódio, mata seus
filhos. Mas eles não cometem seus erros sem ter
consciência de que os estão cometendo, é eticamente
inadequado discriminar alguém por sua cor e eles sabem
disso; contudo é difícil considerá-los personagens maus,
por que a sociedade em que estão inseridos é fortemente
racista o que quase os impele para o erro.
Todavia, Nelson Rodrigues usa muitos aspectos formais
clássicos, como o uso do coro, com a função de trazer para
o palco a opinião do senso comum sobre a situação
apresentada; nesta peça ele é feito por um grupo de
senhoras negras, como já visto, que rezam no velório dos
filhos do casal. Também tem-se a perfeita unidade de
espaço, só existe a casa de Ismael e Virgínia, não há mundo
exterior. O tempo já é mais extenso, tem-se o nascimento e
crescimento de Ana Maria, que não é totalmente
apresentado, isso faz com que se perca também a unidade
de ação; obviamente, sem que isso prejudique a qualidade
da peça.
ANÁLISES
Decidido a “se tornar branco”, Ismael executa, com êxito e
sem remorso, sua estratégia. Com formação superior, era
um “médico de mão cheia, de muita competência, o
melhor de todos”; casou-se com uma mulher branca e
muita linda e renegou a mãe negra, causadora de sua
desgraça.Vestia-se sempre de branco, impecável.
Dezesseis anos depois, Ismael constrói um mausoléu para
viver com a filha, onde nenhum desejo de branco pudesse
alcançá-la, mas Virgínia enlouquece vendo-se substituída
pela filha e consegue convencer Ismael a abandonar Ana
Maria sozinha no túmulo de vidro. Juntos continuam,
Virgínia e Ismael, a gerar filhos negros que serão mortos.
A peça explicita a vivência de amor/ódio num casal interracial e ambiguidade diante de sua linhagem mestiça. O
estilo poético-realista de Nelson Rodrigues revela, de
maneira
perturbadora,
temas
adormecidos
no
inconsciente. Ele revolve esse universo profundo do
espectador trazendo à consciência o recalcado e utiliza-se
da tragédia para falar do racismo. Assim, remete-nos ao
drama grego: a tragédia, pois somente o trágico daria
conta de desvendar essa realidade brasileira relegada às
trevas – o racismo. Algo da ordem do trágico, tal qual é
explicitado no drama grego, pode estar muito próximo de
nós, se considerarmos que, enquanto humanos,
vivenciamos as emoções que o perpassam.
O elemento que direciona todas as ações humanas nesta
obra de Nelson Rodrigues é a sexualidade, apresentada
sempre de forma corrompida. O sexo está o tempo todo
relacionado à violência e ao desejo proibido.
Parece haver uma preocupação do autor em
perturbar o leitor, utilizando o choque para trazer à
tona tudo o que está velado na sociedade. Trata-se
de uma tragédia com um desfecho inesperado:
embora tudo induza ao fato de que Virgínia será
morta pelo marido, a história termina com a morte
da filha de Virgínia, tramada pela própria mãe com
a ajuda de Ismael.
Na literatura dramática não há um narrador, pois a
história é contada em forma de diálogos e
encenada em um palco. Por esse motivo há o uso
das rubricas (marcadores entre parênteses e em
itálico que explicitam as reações das personagens
como também o cenário da peça).
A obra teatral de Nelson Rodrigues é plena de
pequenos monstros, grandes pecadores e crimes
demasiadamente humanos. Os pequenos monstros
e os grandes pecadores estão ocupados, na
verdade, com crimes para os quais não há prisão
nem fiança: todos se deixam levar por suas mais
profundas obsessões e são dominados pelo lado
reprimido e obscuro do ser humano.
(Patrícia Chiganer Lilenbaum)
Personagens principais:
Ismael, Virgínia, Elias, Ana Maria, Tia, primas, criada, coveiro de
crianças e o coro de pretas descalças.
Ismael: Médico. Homem negro, inescrupuloso e violento. Profundamente
recalcado em função de sua cor, diz à filha (Ana Maria) que é branco e a
cega para que não perceba a realidade. Da mesma forma, há indícios de
que tenha cegado o irmão de criação (Elias), branco, por uma ardilosa
troca de remédios. Ismael ama o branco, mas com violência, o que fica
claro pelo isolamento a que submete a mulher para que ninguém a veja.
Virgínia: Mulher de Ismael, branca, vítima da violência sexual do marido.
Logo no início da trama, ela deseja o noivo da prima com quem é criada e
se deixa possuir por ele. Ao descobrir a traição, a prima se enforca e a tia
de Virgínia, para se vingar pela morte da filha, promove o estupro da
sobrinha por Ismael. Virgínia desenvolve a arte da sobrevivência por meio
da sexualidade (apesar de cada ato sexual com o marido conotasse uma
cena de violação/estupro), que é o que vai salvá-la no fim da trama.
Ana Maria: Filha branca de Virgínia, fruto de sua relação extraconjugal com
Elias, irmão de criação de Ismael. Inexpressiva na obra, aparece apenas no
terceiro ato. É enganada e abusada sexualmente por Ismael. Ele conta a ela
que apenas ele era branco, que todos os outros homens eram negros e por
isso ela ficava presa na casa para que não fosse molestada pelos outros.
Ismael não permite que Virgínia ficasse só com a filha, ele fez com que ela
odiasse a mãe.
Elias: Irmão de criação de Ismael, branco. Tudo indica que foi cegado pelo
irmão.
Tia (de Virgínia): Mulher vingativa, cruel e superprotetora das 5 filhas. As
filhas eram solteironas, a caçula enforcou-se quando viu a cena de sexo
entre Virgínia e o noivo da menina. As demais primas permaneceram
solteironas, uma delas parecia débil, todas morreram, a última que ficara, no
final da peça é estuprada e morta por um negro de 6 dedos, que a mãe
induzira a filha a sempre passar sozinha perto da fonte. A mãe queria que a
última filha não morresse virgem.
A tia amaldiçoou Virgínia no início, e agora diante da morte da última filha
amaldiçoara Ana Maria, para que morresse virgem. Entretanto a menina já
não era mais, pois fora possuída por Ismael.
Coro de negras: com a função de trazer para o palco a opinião do senso
comum sobre a situação apresentada; nesta peça ele é feito por um grupo
de senhoras negras, como já visto, que rezam no velório dos filhos do casal.
Elas revelam o preconceito e criam expectativas nas cenas.
O coro, formado por mulheres negras, representa a sociedade brasileira e o
preconceito mascarado por meio das convenções sociais.
O TETRO DE NELSON RODRIGUES – A LINGUAGEM E A COMPOSIÇÃO
TRÁGICA EM ANJO NEGRO
Além das personagens pérfidas, inescrupulosas e grotescas como as
personagens Ismael e Virginia da peça Anjo Negro, que parecem ser a
personificação do mal, na mesma obra pode-se encontrar a
representação do puro, do belo e do sublime, nas personagens Elias e
Ana Maria.
(...)
O grotesco em Anjo Negro aparece de forma sutil e latente, não estando
explicito nas descrições das cenas, mas sim, oculto nas ações das
personagens e no resultado dessas ações.
(...)
Em Anjo Negro, a tragicidade do texto é baseada no efeito do
preconceito racial sobre o comportamento humano. A peça de Nelson
Rodrigues, censurada na época e mais tarde liberada, atinge a moral da
família burguesa e traz a tona o mal disfarçado racismo brasileiro.
Como nota-se no trecho em que Ismael conversa com Virgínia:
ISMAEL (enchendo o palco com sua voz grave e musical de negro) –
Mas eu, não. Quando vi que era uma filha, e não um filho, eu disse:
“Oh, graças, meu Deus! Graças!” Queimei os olhos de Ana Maria, mas
sem maldade – nenhuma! Você pensa que fui cruel, porém Deus, que é
Deus, sabe que não. Sabe que fiz isso para que ela não soubesse
nunca que sou negro.(num riso soluçante) E sabes o que eu disse a
ela? Desde menina? Que os outros homens – todos os outros – é que
são negros, e que eu – compreendes? – eu sou branco, o único branco
(violento) eu e mais ninguém. (baixa a voz) Compreendes esse
milagre? É milagre, não é? Eu branco e os outros, não! Ela é quase
cega de nascença, mas odeia os negros como se tivesse noção de
cor... (RODRIGUES, 2003, p. 174- 175).
(...)
As personagens de Nelson Rodrigues debatem-se numa luta vã contra
um processo de degenerescência das instituições humanas,
sobretudo da família; ao viverem no palco uma luta em vão contra o
destino, seu teatro provoca de um lado, a compaixão e, de outro, o
terror. A compaixão é o elemento subjetivo – substancialmente
humano – religa o homem às forças universais de natureza mágicomítica ao eterno recomeço; o terror – elemento objetivo – impregna
mentes e corações dos espectadores durante o mistério teatral. Esta
composição rompe com o distanciamento brechtiniano provocando
um efeito catártico intenso sobre a platéia.
(Wallisson Rodrigo Leites e Lourdes Kaminski Alves)
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ANJO NEGRO (slide resumo)