UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA ALANA LILAENE ZATORSKY O DESEJO E A HISTERIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA: UM ESTUDO DE CASO Curitiba 2010 ALANA LILAENE ZATORSKY O DESEJO E A HISTERIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA: UM ESTUDO DE CASO Monografia apresentada ao curso de Pós Graduação em Psicologia Clínica – Abordagem Psicanalítica - da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de especialista. Orientador: Prof.º Dr. Jorge Sesarino Curitiba 2010 TERMO DE APROVAÇÃO Alana Lilaene Zatorsky O DESEJO E A HISTERIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA: UM ESTUDO DE CASO Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Especialista em Psicologia Clínica no Programa de Pós-graduação da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, 23 de junho de 2010. Especialização em Psicologia Clínica Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: ___________________________________ Prof. Dr. Jorge Sesarino – CRP 08/02367 Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde _____________________________________ Prof. Ângela Mara Silva Valore – CRP 08/01051 Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde RESUMO É sabido que a histeria era pensada antes de Freud. Mas foi Freud quem postulou a causa da histeria. Ao instituir a associação livre, lançou sua aposta para o saber que o sujeito atribui sobre o sintoma e suas causas, e viu, aí, uma nova direção clínica para o tratamento da histeria. A histeria foi o que levou Freud a descobrir o inconsciente e a postular a psicanálise. Freud percebeu que não era preciso encontrar um fato real, na história do paciente, para elucidar a origem de seus sintomas. Percebe que os ataques histéricos revelam a irrupção involuntária de fantasias inconsciente, considerando o desejo, que tem como base a fantasia. Na histeria há um desejo edipiano (incesto e parricídio) que se expressa em forma de sedução paterna. Acrescenta que a histérica é obrigada a criar em sua vida um desejo insatisfeito que se inscreve em uma ordem que prescreve queixar-se e não desejar. Tendo presente o exposto, o trabalho teve como objetivo analisar a estrutura de uma mulher histérica e como se desenvolve o seu desejo. O método utilizado foi a investigação de caso clínico de uma paciente do sexo feminino, trinta e três anos de idade, que se encontra em análise. A seleção da paciente ocorreu pela aproximação do caso clínico ao tema. Serviram como instrumento de análise a observação e interpretação dos relatos. Conclusão: na perspectiva psicanalítica, a histeria como tipo clínico destaca-se sozinha no discurso, é uma questão que introduz uma série de perguntas, como a identificação com o desejo da histérica e o lugar do sentido sexual, centrado no objeto. A questão incide sobre o desejo, isto é, sobre a falta tomada como objeto, e não sobre a causa da falta. Palavras-chaves: histeria, psicanálise, castração, desejo. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO................................................................................................06 2 Cap. I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA....................................................08 3 Cap. II – HISTÓRICO DO CASO CLÍNICO...............................................18 4 Cap. III – DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO..............................................20 5 Cap. IV – CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................43 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................46 1. Introdução Esta pesquisa consiste em um estudo clínico de análise de caso, a qual teve como objetivo analisar mediante a escuta e interpretação a estrutura de uma mulher histérica e como se desenvolve o seu desejo, tendo como marco teórico a perspectiva psicanalítica, formulada por Sigmund Freud. O singular método psicoterápico que Freud praticava e designava de psicanálise era proveniente do chamado procedimento catártico, sobre o qual ele forneceu as devidas informações nos Estudos sobre a Histeria, de 1895, escritos em colaboração com Joseph Breuer. O procedimento catártico pressupunha que o paciente fosse hipnotizável e se baseava na ampliação da consciência que ocorre na hipnose. Tinha por alvo a eliminação dos sintomas patológicos e chegava a isso levando o paciente a retroceder ao estado psíquico em que o sintoma surgira pela primeira vez. Mas esse esquema simples de intervenção terapêutica complicava-se em quase todos os casos, pois constatou-se que participava da gênese do sintoma, não uma única impressão (“traumática”), porém, na maioria do casos, uma série delas, difícil de abarcar. Freud encontrou um substituto dessa ordem, plenamente satisfatório, nas associações dos enfermos, ou seja, nos pensamentos involuntários. E descobriu que todos os pensamentos, as lembranças, as fantasias tinham relação com os sintomas. O sintoma tem um sentido, ou múltiplos sentidos que foram esquecidos pelo sujeito ou que nunca lhe foram conscientes, ou até mesmo criados por fantasias 6 inconscientes. Para a psicanálise, os sintomas psíquicos são formas de satisfação e estão relacionados à sexualidade infantil reprimida. As fantasias que assim coincidem são sempre de natureza bem diversas, podendo, por exemplo, consistir num desejo recente e numa reativação de uma impressão infantil. O histérico, como qualquer sujeito neurótico, é aquele que, sem ter conhecimento disso, impõe na relação afetiva com o Outro a lógica doentia de sua fantasia inconsciente. Uma fantasia em que ele desempenha o papel de uma vítima infeliz e constantemente insatisfeita. Nesses termos, e considerando os relatos da paciente em análise, para melhor se compreender o tema pesquisado, histeria, chegou-se ao seguinte questionamento: como se desenvolve a estrutura histérica e qual a relação com o desejo sempre insatisfeito? E para resposta dessa questão procedeu-se à leitura de diferentes reflexões teórico-práticos de estudos psicanalíticos, bem como à interpretação de relatos de caso de uma mulher que se encontra em atendimento duas vezes por semana há um ano e seis meses. Mediante a escuta, a psicanálise vem oferecer um tratamento para a histeria, ao possibilitar que, além da escuta do terapeuta, passe a existir uma outra, a do próprio sujeito, que também se escuta. 7 Cap. I – Fundamentação teórica O vocábulo “histeria” deriva da palavra grega hystera (matriz, útero). A noção da doença histérica remonta à antiguidade, época de Hipócrates, quando era considerada uma doença orgânica de origem uterina presente, então, nas mulheres. Na Idade Média a histeria passou a ser abordada pelo ponto de vista religioso, em conseqüência das forças maléficas como, a possessão diabólica, diante disso, a mulher teria que ser severamente punida. No Renascimento a igreja ainda afirmava a possessão nas mulheres e tentava impedir de que novas pesquisas fossem feitas, a respeito da histeria. Mas nesta época a histeria já era considerada como uma doença curável, por não ser uma doença orgânica do cérebro, mas sim uma desordem das paixões, com consequências somáticas; que exigia, portanto um tratamento moral e psíquico. No século XVI, a ideia de que a histeria provinha do cérebro abriu caminho para se pensar que o sintoma histérico estava presente também nos homens. Já no século XVII, “(...) pôde-se invocar, em vez da antiga sufocação da matriz, o papel das emoções, dos ‘vapores’ e dos ‘humores’, a ponto, aliás, de confundir numa mesma entidade a histeria e a melancolia” (ROUDINESCO, 1998, pág. 338). No fim do século XIX, “Muito esquematicamente, podemos dizer que a solução era procurada em duas direções: ou, na ausência de qualquer lesão orgânica, referir os sintomas histéricos à sugestão, à auto-sugestão e mesmo à simulação (...), ou dar à histeria a dignidade de uma doença como as outras, com sintomas tão definidos e 8 precisos quanto, por exemplo, uma afecção neurológica” (LAPLANCHE e PONTALIS, 1995, pág. 211). Por este ultimo entendimento orientaram-se os trabalhos de Charcot. Em 1870, Jean Martin Charcot, então médico da Salpêtrière, passou a se dedicar exclusivamente ao estudo da histeria. Foi o primeiro investigador que separou a histeria do feminino e a abordou cientificamente. Durante os estudos sobre a histeria, Charcot começou a utilizar a hipnose a fim de reproduzir os estados de paralisias. Charcot (apud KAUFMANN, 1996) a partir de seus estudos inaugura o início da compreensão da histeria. Segundo ele, a histeria tinha por etiologia a hereditariedade; uma degenerescência provocada por traumas externos. E que tais traumas provocavam clivagem da consciência que por sua vez acabavam se transformando em sintomas, os quais desapareciam pela sugestão do médico, ou seja, por meio da hipnose. O procedimento catártico pressupunha que o paciente fosse hipnotizável e se baseava na ampliação da consciência que ocorre na hipnose. Tinha por alvo a eliminação dos sintomas patológicos e chegava a isso levando o paciente a retroceder ao estado psíquico em que o sintoma surgira pela primeira vez (FREUD, 1904 [1903], vol. VII, pág. 236). O singular método psicoterápico que Freud pratica e designa de psicanálise é proveniente do chamado procedimento catártico, sobre o qual ele forneceu as devidas informações nos Estudos sobre a Histeria, de 1895, escritos em colaboração com Joseph Breuer. 9 Em suas publicações, Breuer e Freud já expressavam a opinião de que os sintomas da histeria só poderiam ser compreendidos se remetidos a experiências de efeitos traumáticos na vida sexual do paciente (FREUD, 1896). E vão além em seus estudos ao assinalar que não são as experiências em si que agem de modo traumático, mas antes sua revivescência como a lembrança depois que um sujeito ingressa na maturidade sexual. As experiências sexuais infantis que consistem na estimulação dos órgãos genitais em atos semelhantes ao coito, e assim por diante, devem, portanto ser consideradas, em última análise, como os traumas que levam a uma reação histéricas nos eventos da puberdade e ao desenvolvimento de sintomas histéricos (FREUD, 1896, vol. III pág. 203). Mas esse esquema simples de intervenção terapêutica complicava-se em quase todos os casos, pois, participava da gênese do sintoma não uma única impressão traumática, porém, na maioria dos casos, uma série delas, difícil de abarcar. O método catártico já havia renunciado à sugestão, e Freud deu o passo seguinte abandonando também a hipnose. Freud encontrou um substituto dessa ordem, plenamente satisfatório, nas associações dos enfermos, ou seja, nos pensamentos involuntários, quase sempre sentidos como perturbadores e por isso comumente postos de lado, que costumam cruzar a trama de exposição intencional (FREUD, 1904 [1903], vol. VII, pág. 237). Dessa experiência Freud concluiu que as amnésias são resultados de um processo ao qual ele chama recalcamento e cuja motivação é identificada no sentido de desprazer. As formas psíquicas que deram origem a este recalcamento estariam, segundo ele, na resistência que se opõe à restauração das lembranças. O fator da resistência tornou-se um dos fundamentos de sua teoria. Quanto maior a resistência, mais profusa é sua distorção (FREUD, 1904 [1903]). 10 Na histeria, portanto, o trauma não foi elaborado. Consta em Chemama: “O mecanismo de defesa que preside à formação do sintoma histérico é então qualificado como recalcamento de uma representação incompatível com o eu” (Chemama, 1995, pág. 96). Numa carta a Fliess em 21 de setembro de 1897 (Freud, 1950a carta 69), Freud revelou que há alguns meses vinha despontando nele a ideia de que era muito difícil acreditar que os atos pervertidos contra as crianças fossem tão generalizados – em especial porque, na totalidade dos casos, o pai era responsável por eles. Só após vários anos, porém, foi que ele deu expressão pública a suas opiniões modificadas. Entretanto, a importante consequência dessa percepção foi que Freud se conscientizou do papel desempenhado pela fantasia nos eventos mentais, o que abriu as portas para a descoberta da sexualidade infantil e do complexo de Édipo (FREUD, 1896, vol. III pág. 160). De acordo com Quinet (2005), Freud, ao procurar responder à pergunta sobre a origem da histeria, cria um novo saber: a psicanálise. Freud foi levado a pôr em dúvida a veracidade das cenas de sedução e abandonar a teoria correspondente. A carta a Fliess, de 21 de setembro de 1897, apresenta os motivos desse abandono, quando Freud confessa não acreditar mais em suas neuróticas. Na teoria da sedução, vai se desenvolver uma noção crucial para a solidificação da teoria freudiana, a noção de realidade psíquica. As fantasias, mesmo que não se baseiem em acontecimentos reais, têm para o sujeito o mesmo valor patogênico que Freud atribuía inicialmente às reminiscências. A sintomatologia histérica tornou-se fruto de fantasias inconscientes das pacientes. O que antes era visto como uma ocorrência histórica na vida 11 de um sujeito torna-se um fato individual, um processo mental. Freud está dizendo aí que não importa se a sedução realmente aconteceu ou foi apenas fantasia. O que importa são os efeitos psíquicos, e esses não diferem seja o acontecimento real ou imaginado (MASSON, 1924). Em Sexualidade Feminina, Freud (1988) faz a diferenciação dos sexos durante a fase do Complexo de Édipo. A fase pré-edípica, que é a fase de ligação e relação com a mãe, é que fez Freud pensar sobre a relação com a etiologia da histeria. A identificação de uma mulher com sua mãe permite-nos distinguir duas camadas: a pré-edipiana, sobre a qual se apóia a vinculação afetuosa com a mãe e esta é tomada como modelo, e a camada subseqüente, advinda do complexo de Édipo, que procura eliminar a mãe e tomar-lhe o lugar junto ao pai (FREUD, 1933 [1932], vol. XXII pág. 133). O menino ingressa na fase edipiana; começa a manipular o pênis e, simultaneamente, tem fantasias de executar algum tipo de atitude com ele em relação à sua mãe, até que devido ao efeito combinado de uma ameaça de castração e da visão da ausência de pênis nas pessoas de sexo feminino, vivencia o maior trauma de sua vida e dá início ao período de latência, com todas as suas consequências. A menina, depois de tentar em vão fazer as mesmas coisas que o menino, vem a reconhecer sua falta de pênis ou, antes, a inferioridade de seu clitóris, com efeitos permanentes sobre o desenvolvimento de seu caráter; como resultado deste primeiro desapontamento em rivalidade, ela com frequência começa a volta-se inteiramente contra à vida sexual (FREUD, 1940 [1938], vol. XXIII pág. 167 - 168). 12 A falta do pênis é vista como resultado da castração e, agora, a criança se defronta com a tarefa de chegar a um acordo com a castração em relação a si própria (FREUD, 1923, vol. XIX pág. 159). A descoberta de que é castrada representa um marco decisivo no crescimento da menina. Daí partem três linhas de desenvolvimento possível: uma conduz à inibição sexual ou à neurose, outra, à modificação do caráter no sentido de um complexo de masculinidade, a terceira, finalmente, à feminilidade normal. O conteúdo essencial da primeira é o seguinte: a menininha viveu até então de modo masculino, conseguiu obter prazer da excitação de seu clitóris e manteve esta atividade em relação a seus desejos sexuais dirigidos à mãe, os quais, muitas vezes, são ativos; ora, devido à influência de sua inveja do pênis, ela perde o prazer que obtinha de sua sexualidade fálica. Seu amor próprio é modificado pela comparação com o equipamento muito superior do menino e, em conseqüência, renuncia à satisfação masturbatória derivada do clitóris, repudia seu amor pela mãe e, ao mesmo tempo, não raro suprime uma boa parte de suas inclinações sexuais em geral. Seu afastamento da mãe, sem dúvida, não se dá de uma vez só, pois, no início, a menina considera sua castração como um infortúnio individual, e somente aos poucos estende-a a outras mulheres e, por fim, também a sua mãe. Seu amor está dirigido à sua mãe fálica; com a descoberta de que sua mãe é castrada, torna-se possível abandoná-la como objeto, de modo que os motivos de hospitalidade, que há muito se vinham acumulando, assume o domínio da situação. Isso significa, portanto, que, como resultado da descoberta da falta de pênis nas mulheres, estas são rebaixadas de valor pela menina, assim como depois o 13 são pelos meninos e, posteriormente, talvez, pelos homens (FREUD, 1933 [1932], vol. XXII pág. 126). A mulher reconhece o fato de sua castração e, com ele, também a superioridade do homem e sua própria inferioridade, mas se rebela contra este estado de coisas indesejáveis (FREUD, 1931 vol. XXI pág. 237). Por conta da gestalt fálica, a mulher na realização do Complexo de Édipo é forçada a tomar um desvio pela identificação com o pai e, portanto, a seguir, durante um bom tempo, os mesmos caminhos do menino. Lacan conseguiu, de maneira notável, extrair da teoria freudiana que a “invalidez” do pai da histérica é a fonte de seu amor por ele. Isso quer dizer que a histérica ama o pai como impotente, ferido, diminuído... “O histérico ama o pai pelo que ele não dá... e encontra assim seu lugar junto dele assumindo a vocação de ampará-lo em sua incapacidade assinalada, marcada, e por isso supostamente sabida” (KAUFMANN, 1996, pág. 249). Segundo Lacan (1992), o corpo histérico tem algo a esconder – um furo, que Freud nomeia como castração. Como resposta a essa falta, a histérica reivindica que sua mãe lhe conceda o falo. Demanda obviamente fracassada, que posteriormente se dirige ao pai, que também não pode lhe dar o objeto almejado, deixando-a incompleta. A ferida narcísica que se desenha tem suas linhas traçadas no corpo. Que se compreenda este corpo, não como corpo orgânico e material, mas outro ou mesmo outros corpos: corpo imaginário, corpo simbólico, corpo idealizado. O que falta à histérica, este furo que ela pretende mascarar, o que é senão sua falta de um significante próprio que a identifique como 14 mulher, sujeito sexuado, diferenciado do homem. É necessário frisar que Lacan aborda o sexo pelo viés do gozo e da linguagem, e não em termos de desenvolvimento. Lacan aponta na obra freudiana duas caracterizações sobre a histeria. A primeira se dá a partir do sintoma conversivo, se inicia com a histeria de defesa em 1893 e concebe como seu fator etiológico - o trauma psíquico. A segunda caracterização situa a histeria como desejo insatisfeito, aparece em 1900. É elaborada pelo autor após o abandono da teoria do trauma e situa como fator etiológico a fantasia inconsciente. É a partir dessas duas caracterizações que Lacan recortará na teoria freudiana dois elementos fundamentais nesse quadro clínico: o nojo como resposta ao encontro com o sexual e a identificação histérica como o modo de captar a encarnação de uma misteriosa feminilidade ao sustentar a pergunta “O que quer uma mulher”? Lacan, acompanhando Freud, considera a histeria uma modalidade tipicamente feminina de neurose que funciona como um ponto de interrogação ambulante. O desejo da histérica ocupa a posição da verdade inacessível ao sujeito. Ele manifesta-se sob a forma da demanda, dirigida a um Outro, que versa justamente sobre essa verdade à qual a histérica não tem acesso: quem eu sou? o que eu quero? Com seu questionamento, a histérica compele ao Outro fornecer um saber (LACAN, 2001). A histérica faz o homem, um homem movido pela busca do saber, que não se cinge a reproduzir um saber assentado: “O que conduz ao saber (...) é o discurso da histérica” (LACAN, 1991). Esse saber, por sua vez, tenta dar conta da causa do desejo da histérica, o objeto a. 15 Nasio (1991) afirma que a histeria agarra-se a sua insatisfação a ponto de fazer dela o seu desejo, desejo com o qual Lacan (apud NASIO, 1991) marcou para sempre o que é característico da histeria. O histérico deseja estar insatisfeito porque a insatisfação garante a inviolabilidade fundamental de seu ser. Quanto mais insatisfeito ele é, mais fica protegido da ameaça de um gozo que ele percebe como um risco de desintegração e loucura. Na histeria o sujeito “se inscreve em uma ordem que prescreve queixar-se e não desejar” (CHEMAMA, 1995). Pois, a histérica tem o desejo de encontrar um significante que tape o “furo”. Mas o que não se inscreve é um significante fálico, aquele que supriria a falta, que realizaria o desejo, por isso, de toda a insatisfação. Se para a histérica o que lhe privaram foi o objeto de desejo edipiano, ou seja, o falo, então sobre o seu desejo também não é ela quem tem o saber e sim o Outro. Este que ela supõe saber a resposta ao enigma da origem e do processo do desejo em questão. Sendo que para ela o analista também vai ocupar este lugar de saber sobre ela. No entanto, a psicanálise elimina os sintomas histéricos partindo da premissa de que tais sintomas são um substituto, uma transcrição de uma série de processos, desejos e aspirações investidos de afeto e fantasias, aos quais, mediante um processo psíquico especial (o recalcamento), nega-se a descarga por meio de uma atividade psíquica passível de consciência (FREUD, 1904 [1903]). É por isso que o sintoma tem para o analista um sentido estritamente subjetivo. O analista não o considera como indicativo de uma doença, como possibilidade de enquadramento do paciente numa das classificações consagradas. A psicanálise 16 revolucionou o conhecimento do homem não como ciência da personalidade, mas como ciência do sujeito. Então o que é o sujeito? Exatamente o que o sintoma oculta. O sintoma é um bem do sujeito. Ele só se constitui porque não havia maneira de o sujeito sobreviver diante de uma representação insuportável. O sintoma é uma saída de saúde, momentânea, precária, mas a única que pode garantir certa ordem do sujeito. Portanto, o sintoma é sinal e substituto de uma satisfação pulsional que não se realizou. 17 3. Cap. II Histórico do caso clínico Para manter sigilo sobre a identificação da paciente e os envolvidos, serão utilizadas siglas fictícias para descrever o caso. J.A sexo feminino, trinta e três anos de idade, está casada há seis anos, com um homem treze anos mais velho que ela, tem uma filha de seis anos e dois enteados - um menino de dezesseis anos que reside com a paciente e uma menina de onze anos que mora com a mãe, mas frequenta a casa da madrasta. A paciente não exerce atividade remunerada e é estudante de psicologia. A paciente tem uma irmã mais velha e um irmão mais novo, e seus pais se separaram quando ela estava com nove anos de idade. A paciente procura pelo atendimento psicológico em janeiro de 2009 com a seguinte queixa: diz estar tendo atos agressivos em relação ao esposo, a quem ela compara a uma “pedra”, pois, segundo a paciente, ele não tem atitudes, o que lhe causa irritação e insatisfação, e lhe faz perder a paciência. Quando relata sobre esta agressividade traz uma identificação com o seu pai, e diz não querer ser como ele. E, nesse momento chora muito: quando chora, relata que normalmente não chora. Conta que tinha uma identificação muito forte com seu pai, mas isto mudou quando ele traiu sua mãe. E a paciente não consegue perdoá-lo e guarda grandes mágoas do pai. E como sua mãe não aceitava que os filhos tivessem contatos com o pai, ela o visitou poucas vezes escondida da mãe. Hoje tem vontade de ir visitá-lo, pois o pai encontra-se muito doente, mas os seus conflitos a impedem. 18 Traz também suas idealizações, das quais poucas foram realizadas, pois seus desejos não se opunham a sua realidade atual. J.A idealizou ter um namorado, que fosse jovem, bonito, não fosse comprometido, não tivesse filhos e frequentasse a sua casa, como os namorados de sua irmã. Mas, apesar de ser uma mulher bonita, isto não acontecia, não encontrava um namorado, e por isso não perdia a sua virgindade. Então se casou com um homem separado, mais velho, com dois filhos, o que lhe causa vergonha, e é algo que lhe incomoda até hoje. E são os seus problemas nos seus relacionamentos e os seus desejos insatisfeitos que lhe fazem procurar a clínica psicanalítica. 19 4. Cap. III – Discussão do caso clínico A paciente chega ao consultório com a queixa que está tendo atos agressivos, como jogar objetos em seu esposo, no qual tem descontado esta agressividade. Explica que faz isso porque o marido não tem atitude, não sabe tomar decisões, e não se põe como o homem da casa. Por ele não reagir aos seus atos agressivos, ela o compara a uma “pedra”. A esse respeito Lacan (1992) esclarece que a mulher sente uma desvantagem quanto ao acesso à identidade de seu próprio sexo quanto à sexualização como tal, mas na histeria transforma-se numa vantagem, graças à sua identificação imaginária com o pai, que lhe é perfeitamente acessível, em virtude especialmente de sua posição na composição do Édipo. Ao relatar sua história começa a chorar, falando que se sente agressiva como seu pai. Aqui mais uma vez Lacan nos auxilia quando complementa que, para a mulher, a realização de seu sexo não se faz no complexo de Édipo de uma forma simétrica à do homem, não pela identificação com a mãe, mas ao contrário pela identificação com o objeto paterno (1992, pág.197). É a prevalência da Gestalt fálica que, na realização do complexo de Édipo, força a mulher a tomar emprestado um desvio pela identificação com o pai, e, portanto, a seguir durante um tempo os mesmos caminhos que o menino. Tal é no caso de J.A que, quando criança era muito apegada ao pai e o acompanhava por todos os lugares, pois adorava sair com ele. Sentia medo de perdê-lo e de decepcioná-lo. Às vezes me sentia como um menino, acho que agi como um menino durante muito tempo,... só fui ficar mulher 20 quando tive a minha filha que comecei a me arrumar usar roupas coloridas e me achar bonita, mais feminina. Diz que era roqueira usava roupas pretas e largas, para esconder o corpo, e que achava bonito como a irmã se arrumava e pintava as unhas, observava também que o jeito da irmã agradava a sua mãe. Em uma de suas sessões, diz: por um período quando era bem criança, sentia raiva da minha mãe, tinha ciúmes dela com ele (pai), gostaria que ela fosse embora, e que eu ficasse no lugar dela, mas quando via que ela fazia comida, lavava a louça, pensava, mas ai serei eu que vou ter que fazer isto? Eu achava meu pai lindo, o homem mais lindo, eu achava linda as pernas dele, era forte . A identificação de uma mulher com sua mãe permite-nos distinguir duas camadas: a pré-edipiana, sobre a qual se apóia a vinculação afetuosa com a mãe e esta é tomada como modelo, e a camada subseqüente, advinda do complexo de Édipo, que procura eliminar a mãe e tomar-lhe o lugar junto ao pai (FREUD, 1933 [1932], vol. XXII pág. 133). Freud, em Sexualidade Feminina (1931), suspeita de que essa fase de ligação com a mãe está especialmente relacionada à etiologia da histeria, o que não é de surpreender quando refletimos que tanto a fase quanto a neurose são caracteristicamente femininas e, ademais, que nessa dependência da mãe encontramos o germe da paranóia posterior nas mulheres, pois esse germe parece ser surpreendente, embora regular, encontramos os desejos orais agressivos e sádicos da menina sob uma forma a eles forçada pela repressão precoce, como um temor de ser morta pela mãe, temor que por sua vez justifica seu desejo de morte contra a mãe, se este se torna consciente. É impossível dizer quão frequente esse temor da mãe é apoiado por uma hostilidade inconsciente por parte dela, 21 uma hostilidade que se desenvolve na criança, em relação à mãe, em consequência das múltiplas restrições impostas por esta no decorrer do treinamento e do cuidado corporal, e que o mecanismo de projeção é favorecido pela idade precoce da organização psíquica da criança (pág. 245). J.A recorda-se de mais um fato de infância: um dia eu estava dando banho no meu irmão, e ouviu que meu pai ia sair, naquele momento lembro que pensei que ele ia embora encontrar uma mulher loira e que não voltaria mais. E foi o que aconteceu só a mulher que não era loira e sim morena como, a paciente. Depois desse dia seu pai passou a morar com a amante, e o ex-esposo da amante do pai, começou a perseguir a família da paciente a fazer ameaças. Muitas vezes perseguia J.A e sua irmã quando iam para a escola. Diz ainda: apesar de perseguir eu e minha irmã, eu via que ele olhava para mim e não para ela. Percebe-se que, apesar de sentir medo, a fantasia de ser olhada (desejada) era maior, gostaria de ser o objeto do olhar do Outro desse que não fossem as rivais a irmã e a ex-mulher, a qual tirou seu pai. Quando a paciente fala sobre perfil masculino, do que lhe atrai em um homem, se recorda que, quando este homem a perseguia apesar de sentir medo, sentia uma forte atração por ele. Ele é o tipo de perfil que me atraí, percebo isto em outros homens e me recordo dele, mais velho, gordinho, não sei por quê, pois gostaria de ter um homem mais jovem com um corpo legal. Dör (1991) lembra que “Freud chamou a nossa atenção sublinhando que o histérico deseja, sobretudo que seu desejo permaneça insatisfeito, pois se fecha “em uma 22 lógica psíquica sem par: para manter seu desejo, o sujeito esforça-se por jamais lhe dar um objeto substituto possível”. Acrescenta ainda que, quanto mais “estrangeiro” for o parceiro ideal, mais será mantido imaginariamente como parceiro inacessível. Se a distância for real aí se torna o parceiro dos sonhos (1991). Em algumas das suas sessões traz um interesse por um fisioterapeuta e também por um professor que é médico, mas até o momento não teve nenhum envolvimento com essas pessoas, que têm o perfil descrito acima, ficando o desejo apenas na fantasia. Quanto mais difícil o parceiro, mais ela se assegura de que aquele parceiro é o ideal. Em um outro momento relata sobre a sua dificuldade em ter namorados, pois queria um rapaz correto, que quisesse namorar em casa. Queria ser como a sua irmã, que sempre namorava e leva seus namorados para casa. Mas diz que não achava correto que a irmã tivesse relação sexual em casa, pois era uma falta de respeito com a sua mãe. A insatisfação visa demonstrar que ela foi privada de alguma coisa (o pênis) e que sua vida amorosa está sempre em ruína diante, por exemplo, de sua irmã ou melhor amiga. A histérica relata ter sempre se sacrificado em dar tudo para o Outro, se fazendo de vítima. Relata suas diferenças com a irmã, diz que sua irmã sempre gostava de festa, que saia e não avisava sua mãe e que chegava tarde em casa. A paciente diz que sempre fez tudo bem diferente da irmã, que se preocupava com a sua mãe e com a sua moral. Então sempre pedia para a mãe para sair e quando estava na festa ligava para dizer que estava tudo bem, e evitava chegar muito tarde em casa. 23 No sujeito histérico persistem os vestígios de uma queixa arcaica que se desenvolve sobre o fundo de uma reivindicação de amor concernente à mãe: o histérico se viu frequentemente como não tendo sido amado o bastante pelo Outro, como não tendo recebido todas as provas de amor esperadas da mãe. A identidade do histérico é sempre insatisfatória, frágil, parcial em relação a uma identidade plenamente realizada, ou seja, ideal. Na construção do seu ideal de identidade, o histérico tenta tornar-se o objeto ideal do Outro (DÖR, 1991). A mãe da paciente em uma conversa com a filha diz que ela teria sido a ovelha negra da família. Na sessão a paciente diz ter ficado chateada com a mãe, e que não entende o porquê de ela ter dito isso, pois sempre tentou ser a filha correta, ao contrário da irmã. Mas no mesmo instante diz que percebe que pela irmã ser mais feminina a mãe sempre a elogiava, enquanto colocava defeitos nela, pois dizia que J.A tinha as mãos tortas e que era muita desastrada. Aos vinte e um ano de idade a paciente perde sua virgindade, com um rapaz que estava ficando, pois relata que não aguentava mais ser virgem e acreditava que talvez poderiam começar a namorar. As relações aconteciam só quando ele queria, esta relação sexual durou por três anos, mas nós se víamos poucas vezes, as vezes demorava até uns cinco meses, e ele não quis namorar. Freud, em seus estudos sobre a sexualidade feminina, falou sobre a proibição da masturbação, que se transforma num incentivo para abandoná-la, e torna-se motivo para rebelar-se contra a pessoa que a proíbe, ou seja, a mãe, ou o substituto materno. Uma persistência desafiadora na masturbação parece abrir o caminho à masculinidade. Se a menina não conseguiu suprimir sua masturbação, o efeito da proibição aparentemente vã 24 é visto em seus esforços posteriores para se libertar, a todo custo, de uma satisfação que lhe foi estragada. Quando atinge a maturidade, sua escolha de objeto ainda pode ser influenciada por esse intuito persistente. Seu ressentimento por ser impedida de uma atividade sexual livre desempenha grande papel em seu desligamento da mãe. O mesmo motivo entra em funcionamento após a puberdade, quando a mãe assume seu dever de guardiã da castidade da filha (FREUD, 1931, pág. 241). O que dá para observar quando J.A fala que no dia seguinte, após perder a virgindade o rapaz parou em frente a sua casa ela não lhe atendeu, pois achava que sua mãe iria perceber que ela havia perdido a sua virgindade. Em seguida se relacionou com um homem casado, diz ter se apaixonado por ele, mas ele não se separou, então ficaram juntos por apenas três meses. Eu gostei de ter sido a amante, mas não me sentia bem, acho que pelo fato da minha mãe também já ter sido traída, e eu estava fazendo a mesma coisa que a amante do meu pai. Esta seria uma forma inconsciente de tentar se satisfazer, fantasiar estar na posição de amante, e ficar com o pai, tirar o lugar da mãe, a qual lhe proibiu de um gozo pleno na infância. Com vinte e sete anos vai para uma consulta médica, nesta consulta o médico fica interessado por J.A e telefona para ela, eles marcam um encontro e começam a namorar. Diz ter se sentido insegura, pois o namorado estava em processo de separação e tinha dois filhos. O namoro durou três meses e resolveram se casar. O menino foi morar com eles e a menina com a ex-esposa. E esta era mais uma das questões que preocupava J.A, pois pensava no que os vizinhos iriam falar. No dia em que a paciente resolveu sair de casa 25 para morar com seu esposo, não falou nada para a sua mãe, foi ele quem ligou para a mãe da paciente e disse que eles iam morar juntos. Esse é o recorte ideal para demonstrar a histeria no caso descrito, pois mostra claramente que tudo o que a paciente diz desejar se deu ao contrário, pois desejou tanto um homem “perfeito” e casou-se com um que já tinha sido casado e que tinha filhos. Diz sempre tentar agradar a mãe e fazer tudo para satisfazê-la, e sai escondida de casa e é considerada pela mãe a ovelha negra da família. A histérica, de uma maneira geral, vive inevitavelmente num estado latente de insatisfação que não se restringe unicamente ao registro sexual, mas que se estende para totalidade da vida, e geralmente isto é feito de maneira dolorosa e sofrida. No entanto, a despeito desse sofrimento, a histérica agarra-se à sua insatisfação, porque esta lhe garante a inviolabilidade fundamental de seu ser. Quando mais insatisfeita ela está, mais protegida das ameaça de um gozo que para ela pode ser um risco de desintegração e loucura (NASIO 1991). Em umas das suas sessões relata que não tinha vontade de ter filhos, até seu esposo falar que achava que ela não podia engravidar. E nesse dia ela engravidou. Nesse momento a paciente se sente provocada a provar ao esposo e a si mesma a sua feminilidade. Esta é a prova da castração, na qual o útero deixa de ser um falo ameaçado e à deriva, para dar lugar a outra imagem do falo, que é a do filho por nascer. Lacan (1992) aponta que o caráter problemático de sua identificação simbólica sustenta toda compreensão possível da observação. Tudo o que é dito, tudo o que é expresso, tudo o que é gestualizado, tudo o que manifestado, só ganha seu sentido em 26 função da resposta a ser formulada sobre esta relação fundamental simbólica – Sou eu um homem, ou sou eu uma mulher? Lacan (1991) no seminário livro 17 faz a pergunta – O que quer uma mulher? A partir do momento em que se faz a pergunta O que quer uma mulher? Situa a pergunta no nível do desejo, e situar a pergunta no nível do desejo, é interrogar a histérica. Como foi no caso da paciente ao ser colocada em dúvida se poderia ou não ser mãe, ser mulher?! Quando eu estava grávida, não tinha vontade de me alimentar e eu comecei a emagrecer e ficar com o corpo que eu desejava, bem magrinha, e cada vez me alimentava menos... Quando a minha filha nasceu, parecia que eu não sentia amor por ela, eu só pensava que eu tinha que cuidar, como um objeto que tinha ganho... Ela nasceu bem fraquinha e pequena. Observamos então, como se sua filha tivesse lhe dado o corpo ideal, em troca de seus cuidados. Conta ainda que foi a partir daí que começou a se arrumar e se sentir mais feminina, que até neste momento usava roupas pretas e largas. Fala mais sobre a insatisfação com o corpo, que se achava grande demais e que a irmã era toda delicada. E que quando conseguiu o corpo que desejava, ficou grávida, mas não queria perder aquele corpo novamente, por isso não comia. Depois que teve sua filha, emagreceu novamente, mas até hoje faz regimes loucos, muitas vezes tomando remédios para emagrecer e pensando em fazer lipoaspiração, embora seja bem magra. Relata já ter feito duas cirurgias plásticas, uma de seios e a outra no nariz. Mas continua insatisfeita, comenta que quer fazer novamente as cirurgias, pois acha que seus 27 seios ainda estão grandes. A analista pergunta à paciente se quer se ver com um corpo masculino visto que seus seios são pequenos. Freud coloca o eu em relação com o caráter fantasmático do objeto. É ele que atesta para o sujeito a realidade, o eu aí está como uma miragem, o que Freud chamou de o ideal do eu. Sua função não é a de objetividade, e sim a da ilusão; ela é fundamentalmente narcísica, e é a partir dela que o sujeito dá a nota da realidade (LACAN, 1992). Diremos que é porque não há simbolização do sexo da mulher como tal. E isso, porque o imaginário fornece apenas uma ausência, ali onde há um símbolo muito prevalente, que seria o da identificação com a figura paterna. Em uma das análises J.A relata um sonho. No sonho ela teria mais um filho, mas para eu ter este outro filho, eu tinha que abandonar B.A, e levá-la até um rio e deixar ela ir embora em uma barca, e eu coloquei ela na barca. Quando meu outro filho nasceu ele tinha uma cabeça grande e com o rosto da B.A, e corpo de bebê. A paciente em algumas de suas análises fala que às vezes parece não gostar da filha, como se não a amasse, pois a histérica deseja inconscientemente ter um filho homem para ganhar o falo/bebê. Quando sua questão adquire forma sob o aspecto da histeria, é facílimo para a mulher colocá-la pela via mais curta, a saber: a da identificação com o pai, como a identificação do seu próprio narcísismo com um filho do sexo masculino (LACAN, 1992). B.A (filha) hoje esta com seis anos de idade, e até a paciente começar a análise a menina dormia com ela, tirando o lugar do pai. Hoje a menina dorme em seu quarto. E a 28 paciente e seu esposo continuam dormindo em quartos separados, o que já ocorre há tempos. Quando o esposo começou a dormir em outro quarto, a paciente conta que era porque ele roncava muito e isto a incomodava. E traz também que ela tinha medo que ele passa-se mal à noite e vomitasse, pois tem medo de vômito, diante de situações que passou com seu pai. Mas em uma das sessões assume que sabe que não é por isso que o esposo dorme em outro quarto, que é porque ela não quer dormir com ele então achou esta desculpa, para sua própria defesa, ou melhor, para a própria privação de gozo, insatisfação. A questão assim problematizada permite traçar um esboço sobre a produção de sintomas concebido como articulado à representação, o sintoma histérico veicula-se a uma impressão psíquica que apresenta potencialidades para reproduzir um trauma psíquico, em cada ataque histérico (FARIAS, 1993). Esse é o ponto traumático para o neurótico. O mesmo autor aponta o sofrimento não produzido pelo recalcado mais sim pelo seu retorno que curtocircuita o endereçamento de seu feiche de sintomas ao Outro. Este Outro passa a ser para a histérica extremamente vacilante, podendo parecer-lhe desproporcional (forte e supremo) ou, em contrapartida, parecer-lhe decepcionante (fraco e doente) (1993). Nessa justa medida da histérica ao Outro, está a relação de J.A com o seu pai. Em seguida relata seu medo de vômito. Diz que quando criança seu pai viajava a trabalho e entre estas viagens seu pai ficou por várias vezes doente, com malária. Então via seu pai passar mal e vomitar sentia medo e pensava que ele ia morrer. Conta também 29 que sentia raiva do seu pai, por ele saber que ela tinha medo de vômito e que quando estava bem, ele vomitava de bêbado. Nesse momento aponta a sua insatisfação com o pai, e também reconhece o pai como imperfeito, insuficiente, e quando o pai vomitava, ela demonstrava a sua repugnância por ele, por se ver identificada com um fraco, impotente. E ela se protege da angústia provocada pela fantasia por meio do sintoma. Então sendo o seu pai um fraco, ela saberia o que é melhor para ele. Quando eu ficava triste as pessoas não entendiam meu medo e me chamavam de boba. Então eu saia para brincar na rua e me lembro que eu não gostava que anoitecesse, pois eu teria que voltar para casa... E ainda quando escurece às vezes sinto esta angústia. Esta angústia é a marca da recordação do trauma. Esses exemplos, escolhidos entre inúmeros outros, parecem provar que os fenômenos da histeria comum podem ser seguramente considerados como seguindo o mesmo modelo da histeria traumática, e que, portanto, toda histeria pode ser encarada como uma histeria traumática, no sentido de que implica um trauma psíquico e de que todo fenômeno histérico é determinado pela natureza do trauma. Postular o retorno da lembrança como fundamento para o trauma e consequentemente como causa para o ataque histérico é esboçar um conceito central na psicanálise. Trata-se da ideia de repetição, inicialmente concebida como uma repetição “alucinatória”, ligada ao trauma. Este é definido como “toda impressão que o sistema nervoso tem dificuldade em abolir por meio do pensar associativo ou da reação motora” (FARIAS, 1993). 30 Conta que neste final de ano (2009), ela e a filha ficaram doente e que isto mexeu muito com ela, pois a paciente tinha vontade de vomitar e não vomitou, e que a filha vomitou e ela não teve problemas para cuidar da filha. Mas estou estranha estes dias, me sinto uma pessoa fraca, pois vi que eu não tenho controle das coisas, vi que posso ficar doente, e eu dificilmente ficava doente... Alguma coisa mudou em mim, me sinto fraca.... Percebe-se que se sente como o pai, por isso não se permite adoecer. Em 1904, os sintomas histéricos são para Freud resíduos, símbolos de certos acontecimentos, símbolos comemorativos. A crise é uma transposição para uma outra cena e uma outra linguagem do trauma inicial. Não mais se trata, de forma alguma de uma reprodução. O sintoma é um memorial que o histérico traz em si, sem saber a que esta memorial remete (TRILLAT, 1991, pág. 248). Trillat (1991) acrescenta que é papel do terapeuta atuar como intermediário e tradutor e fazer com que o Eu admita o sentido escondido no sintoma que, não servindo para mais nada, desaparece. O histérico não mais se encontra em território inimigo; ele esta reconciliado com o Eu. Mais uma das questões da paciente é o fato de que quando sua filha estava com seis meses, J.A descobriu uma mensagem com insinuações no celular do seu esposo. Esta mensagem era de uma pessoa que trabalhava com ele, seu esposo normalmente falava dela para a paciente, a elogiando, dizia que ela era bonita. Seu marido nega qualquer tipo de envolvimento. E a paciente não esquece esta mensagem, dizendo que este foi o ponto que mudou o seu casamento e o seu sentimento por ele. 31 Conta ainda que quando seu esposo falava sobre esta mulher, ela tentava não demonstrar ciúmes, fazia de conta que não se importava, mas isto a magoava e lhe deixa com raiva, pois diz que se sentia feia e inferior a esta pessoa. Até que a paciente conheceu esta mulher, e disse que não achou nada nela, que ela não era bonita, era normal. Carvalho (apud, Freitas 2006) afirma que: “Na clínica com as histéricas, constatamos que a perda do gozo está diretamente ligada à questão amorosa. É preciso amar e se sentir amada para suportar ocupar o lugar de objeto na fantasia de um homem. O que a histérica não suporta é a possibilidade de perder este lugar de objeto para outra mulher. A angústia aí se apresenta como insuportável, na medida em que a perda de gozo implicou também na perda amorosa” (pág. 96). Com o passar do casamento, seu esposo começou a trazer suas fantasias sexuais, algo que J.A já sabia, pois a ex-esposa do seu marido já tinha lhe contado este fato, mas a paciente não acreditava, até acontecer com ela. A fantasia era de que a paciente saísse com outro homem e que depois chegasse em casa transasse com ele e contasse o que o outro parceiro havia feito com ela. O pedido do esposo era “me faz corno amorzinho”. Relata uma situação parecida que acontecia em sua casa: seu pai voltou a frequentar a casa da sua mãe, passavam a tarde juntos e os dois namoravam, e a noite ele voltava para sua casa, para sua atual esposa. Esta situação me incomodava muito. Observamos que a paciente escolhe um marido como a sua mãe e J.A age como o seu pai, transando fora e, depois voltando para a sua casa. Com o tempo a paciente aceita a proposta, liga para um ex-namorado. Seu esposo a leva para este encontro, a paciente relata que achava que na hora o seu esposo desistiria, 32 o que não aconteceu. Então ela vai até o fim, transa com seu ex-namorado. Diz ter se sentido não amada pelo esposo, desrespeitada como uma garota de programa. Passa um tempo e isso acontece novamente, desta vez ela encontra o parceiro pela internet (orkut), um rapaz que lhe chamou atenção pela sua aparência, porte físico. Então conta ao esposo e tem a sua aprovação. Aqui podemos observar a relação de duas estruturas: histeria (esposa) e perversão (esposo). Diante desse fato ela pôde “descobrir”, a partir da inércia paralisante da histeria, sua história, já que, paradoxalmente, o que há de maior motilidade é exatamente o sintoma, embora ele muitas vezes surja sob a frieza estática. Sabemos que quem ocupa este lugar estático na vida do neurótico é a fantasia. Quer dizer que o que está para além do sintoma, como último véu a cair no percurso de uma análise, é a fantasia que o sujeito cria como sendo aquilo com o qual ele pode construir sua vida. Descreve a paciente: Gostei de ter transado com este rapaz, pois este fui eu que escolhei, mas eu gostaria de ver se desse jeito, eu escolhendo chegaria ao orgasmo, pois não sei o que é isto, nunca tive orgasmo, mas mesmo assim não aconteceu. A frigidez inclui-se, assim, entre os determinantes genéticos das neuroses. Quanto mais poderoso o elemento psíquico na vida sexual de uma mulher, maior será a capacidade de resistência demonstrada por sua distribuição da libido à revolta contra o primeiro ato sexual, e menos esmagador será o efeito que sua posse corporal pode produzir. A frigidez pode, então, se estabelecer como uma inibição neurótica ou fornecer a base para o desenvolvimento de outras neuroses e, até mesmo, uma pequena diminuição 33 da potência do homem contribuirá grandemente para influir nesse processo (FREUD, (1918 [1917], vol. XI pág. 210 – 211). Saiu novamente com este rapaz, desta vez seu esposo lhe comprou uma lingerie sensual e ajudou-a a se arrumar para o outro parceiro. Relata que sentiu estar se envolvendo com esta pessoa, algo que não podia acontecer. Então dá um tempo nesta “relação”. E sai pela terceira vez, desta vez diz sentir que o parceiro estava se envolvendo. Então decide não sair mais. Mas seu esposo a pergunta e aquele seu amigo? E também lhe propõem que ambos frequentassem uma casa de swingue. Algo que a paciente diz não aceitar. Dias atrás J.A fala novamente sobre esta pessoa com quem saiu, diz ter tido contato com o mesmo, mas que não quis sair com o rapaz. Em uma das análises a analista questiona a paciente se ela gosta de sexo? Diz que gosta sim. Na mesma semana depois deste acontecido descrito acima, diz: Eu não entendo o porquê não saio com outros homens se tenho a oportunidade e a aprovação do meu esposo, às vezes me acho burra. Aí pensei sobre aquela pergunta que me fez e cheguei a conclusão que não gosto de sexo, que não me faz falta e que o problema não é com o meu marido, que o problema esta comigo. Outra questão da paciente era que quando teve sua filha pegou uma pessoa para ajudá-la a qual ficava todos os dias na casa da paciente e dormia no emprego. A paciente relata ter tido uma dependência desta empregada, mesmo reclamando muitas vezes do seu trabalho, dizendo que as coisas não ficavam como ela queria. Só dizia que ela cuidava muito bem da sua filha e que a filha gostava muito dela. 34 Com o passar do tempo percebeu que tinha vergonha quando sua mãe ia visitá-la porque achava que as coisas da casa não estavam bem organizadas, e que não gostava de receber visitas. E sua insatisfação com a empregada foi crescendo, e depois de muito tempo resolveu despedi-la, processo pelo qual foi demorado e muito difícil. Dizia então que não queria mais empregada e se sentir impotente como se não fosse a dona da casa, que queria as coisas do seu jeito. E que ira pegar apenas uma diarista, algo que desde maio de 2009 não aconteceu, só em dezembro conseguiu fazer algumas tentativas, depois de se sentir cansada e insatisfeita por ter que fazer tudo sozinha, mas essas tentativas não deram certas. Quando despediu a empregada dizia se sentir satisfeita, realizada, pois agora fazia as coisas do seu jeito e estava se sentindo um pouco a dona da casa, com responsabilidades. Então dividiu tarefas em casa, o que deu certo apenas no começo. E este fato gerou mais problemas, pois a desorganizou, agora vivia para a casa, trocou de turno na faculdade, passou para o período da noite, começou a estudar menos por estar envolvida com tarefas de casa, passou a chegar atrasada e a faltar na análise, algo que não acontecia antes. E aumentaram as brigas com o marido, pois relata que ele não a ajuda, que ele só trabalha fora e que não cuida da casa. Nesse período a paciente sofreu um acidente de carro, o que lhe desestruturou mais ainda, então trancou a faculdade, diz que pretende retornar no próximo semestre (julho de 2010). Relata que a sua relação com o esposo está cada vez mais difícil e que ambos estão cada vez mais afastados. Que ele é muito desatento, que não a ajuda com os deveres de 35 casa, que só sabe dormir e trazer problemas do trabalho, diz ainda que suas conversas são sem conteúdo, e que tem vergonha de sair com o mesmo, pois ele esta acima do peso e que não emagrece, a paciente traz que não transa com ele por causa do peso. Então fizeram um trato cada três quilos que ele perdesse ela transaria com ele, como uma troca. Algo que não aconteceu, e hoje a paciente já assume não querer transar. Aprendemos, das investigações analíticas, quão universais e quão poderosas são as distribuições iniciais da libido. Nelas nos preocupamos com os desejos sexuais infantis a que estão apegados (na mulher geralmente a fixação da libido localiza-se no pai ou em um irmão que o substitui), desejos que, muito frequentemente, estavam dirigidos para outras coisas que a relação sexual ou que a incluía, apenas, como um objetivo vagamente percebido. O marido é, quase sempre, por assim dizer, apenas um substituto, nunca o homem certo; é outro homem, nos casos típicos o pai, que primeiro tem direito ao amor da mulher, o marido quando muito ocupa o segundo lugar. Depende de quão intensa seja essa fixação e de quão obstinadamente ela seja conservada, quer ou não o substituto seja rejeitado como insatisfatório processo (FREUD, (1918 [1917], vol. XI pág. 210). Em setembro de 2009, J.A decidiu ter uma conversa com o esposo, colocando todos os erros da relação nele e pediu a separação. O esposo disse que ia pensar sobre o assunto e lhe daria uma resposta. Um dia o esposo chega em casa e diz que tudo bem, que podem se separar se vai ser melhor para ela. Neste momento eu me senti em dúvida sobre a separação eu não gostei de ter ouvido isto, eu esperava que ele falasse que ia melhorar e que visse que estava errado. 36 A questão de separação mexeu com o seu esposo e fez com que ele tivesse algumas atitudes diferentes das trazidas por J.A, como a reforma da casa, algo que desde que se casaram a paciente dizia que ele só prometia, como as outras coisas que ele deixou de concretizar. Então a reforma aconteceu, desta vez sem a paciente pedir. Mas, junto com a reforma, também aconteceram muitas brigas, pois no que a terapeuta percebeu seu esposo tem saído da posição de “pedra”, como a paciente trouxe. E isso tem causado grandes conflitos para a paciente, na qual tem se sentido impotente, pois diz que a sua opinião não tem mais valor, que ele não a escuta, e que antes as coisas eram do seu jeito e que agora não é mais. Trouxe várias discussões em relação às escolhas da reforma da casa, pois um não concorda com o gosto do outro. Conta que seu esposo grosseiramente gritou com ela dizendo que a casa era dele e que seria tudo do jeito dele. Ela se ofende e chora muito e diz que sabe que não é a dona da casa e pensa na separação novamente. J.A espera que o Outro fale o que ela é, para ela se sentir a dona da casa e não uma empregada. Relata outras situações que seu esposo antes lhe oferecia e agora não lhe oferece mais, como viagens e passeios. Estes dias pedi a ele para irmos ao shopping com nossa filha e ele não queria ir, eu insisti, e começamos a brigar, não sei por que eu insisti tanto, isto não fazia importância antes. E na briga ele disse então eu vou só se você ir junto comigo buscar a R.B (a filha do esposo que mora com a ex-esposa), e eu disse a ele tudo ela, porque você prefere ela do que nós (ela e a filha), e ele disse sim eu gosto mais dela, eu não amo você. E foram para o shopping, no shopping; e lá volta a falar sobre a 37 separação, disse que tinham que começar a resolver como ficaria a situação. E que para isso precisariam de um ano até resolverem bem as coisas. O que há histérica quer que se saiba é, indo a um extremo que a linguagem derrapa na amplidão daquilo que ela, como mulher, pode abrir para o gozo. Mas não é isto que importa à histérica. O que lhe importa é que o Outro chamado homem saiba que objeto precioso ela se torna nesse contexto de discurso (LACAN, 1991, pág. 32). Assim, podemos observar que a queixa inicial da paciente era que seu esposo não tinha posição nenhuma, quando ele começou se posicionar diante das situações, a ter mais atitudes, a paciente também não aprovou, se sentiu rejeitada e impotente. Como já pontuamos, a histérica não quer se satisfazer, então não importam para ela as mudanças do esposo, pois nunca é isso. Vemos então a histérica fabricar, como pode, um homem, um homem que seria movido pelo desejo de saber. O portador do dito cujo se empenha em fazer a sua parceria aceitar esta privação, em nome do que todos os seus esforços de amor, de pequenos cuidados e de ternos favores serão vãos, visto que ele reaviva a mencionada ferida da privação. Tal ferida, então, não pode ser compensada pela satisfação que o portador teria ao apaziguá-la. Muito pelo contrário, ela é reavivada por sua própria presença, pela presença daquilo cuja nostalgia causa esta ferida (LACAN, 1991, pág. 69). Ela se sente desolada por não ser ela própria a portadora do pênis/ falo. O objeto do desejo da histérica nem é o da necessidade, nem o da demanda de amor, mas o desejo de um desejo que incide sobre a falta do Outro e não sobre o que causa essa falta (KAUFMANN, 1996). 38 Traz outro fato que lhe tem incomodado muito, que sempre foram as namoradas do enteado. Diz nunca ter gostado de nenhuma delas. E que dá atual menos ainda, a namorada do enteado tem frequentado sua casa, e com o passar do tempo ambos passaram a transar no quarto do mesmo, fato inaceitável, o que começou a gerar intrigas. A paciente diz que acha uma falta de respeito com ela, e que se eles transam na casa deles, eles também têm que transar na casa da menina. Algo que foi ponto de conversa entre os ambos os pais. A paciente com o tempo começou a mostrar um certo ciúme do enteado, e algumas vezes a chamá-lo de filho, algo que não era dito anteriormente. Diz ter tido uma relação difícil com o menino, e que seu esposo sempre um contra o outro, e que por isso não se sente responsável pelo menino. Mas de uns tempos para cá o que tem incomodado a paciente não é mais o enteado e sim a enteada. Tem demonstrados grandes ciúmes da menina, como se fosse uma rival. Tem até mesmo brigado com o esposo por casa da enteada, não querendo que a menina fique na casa deles. Disse que a princípio era por causa da reforma, pois fica muita bagunça, mas, na verdade, sabe que não é por causa disso. Mas mesmo assim diz gostar da menina e fala que o problema novamente está com ela mesma. Com o passar do tempo, trouxe mais uma recordação de infância. Às vezes eu ia passear na casa do meu pai, e ele tinha um bar, um dia no bar eu vi uma pulseira pendurada na parede. E eu sabia que esta pulseira era da mulher dele. Mas eu peguei a pulseira e levei para casa. No dia seguinte meu pai foi até a minha casa pegou a pulseira 39 e brigou comigo. Isto me deixa muito magoada, pois ele podia ter dado pra mim. Eu não gostei de ter recordado deste fato, pois fiquei muito mal com isto. Dá para observar o quanto as mulheres que lhe rodeiam são suas rivais e quanto ela disputa com elas, como, por exemplo: com a mãe, com a irmã, a mulher do pai, a namorada do filho, a enteada, a empregada e até mesmo a própria filha. O enigma que ela se põe pode ser traduzido da seguinte maneira: “o que é que a outra tem que eu não tenho?”. Durante todo o tempo de atendimento psicológico a paciente traz muitos relatos de sonhos, mas dois deles chamaram a atenção da analista. Esta noite tive dois sonho: um amigo meu me deu um trabalho para entregar para o professor... mas de repente eu estava num bar, numa festa e você (analista) ...estava lá com umas amigas suas e eu conversei com você, mas eu tinha que sair de lá para entregar o trabalho, mas tinha muita gente estava difícil de sair, então eu fui por um lado e você e suas amigas foram por outro. Eu achava que o meu lado estava mais fácil de sair, mas ficou difícil, você já estava lá do outro lado com suas amigas e eu te enxergava por um buraco e eu tinha que passar por este buraco, eu consegui passar e já sai lá na rua. A transferência está entre o desejo e o amor, na dependência do desejo do analista. O desejo da analista faz com que a verdade apareça na relação transferencial, pois o analista amado é virtualmente amante, ainda que apenas por escutar o analisando. A posição do sujeito desejante é fundamental na falta, e o analista pode conduzir o analisando à verdade de seu desejo, que é aquilo que lhe falta. 40 O analista é interrogado na qualidade de quem sabe. E é neste lugar em que somos suposto saber que somos chamados a ser, senão a presença real e isso justamente na medida em que a falta é inconsciente. O outro sonho foi que eu conheci uma mulher (conta que a mulher do sonho, era uma empregada que foi uma vez em sua casa, e que não tinha nada de atraente) ...e esta mulher queria transar comigo e nos fomos para uma casa, nesta casa na cama, ela fazia sexo oral em mim quando a minha mãe chegou, me senti culpada por ela ter visto aquilo. Então fiquei com medo que esta mulher começasse a contar para todo mundo o que tinha acontecido, então comecei a dar todas as minhas coisas a ela, e ela queria mais coisas, e eu dava... quando saímos para fora da casa, tinha muita gente lá, mas não sei quem eram... só sei que antes dela ir embora disse que ia falar para uma amiga dela sobre mim.... Fala que o que lhe chamou atenção no sonho não foi à parte homossexual e sim o fato de sua mãe estar lá. O que ela estava fazendo lá? J.A disse que quanto à parte da sexualidade, ela está bem resolvida. Os sonhos são atos psíquicos tão importantes quanto quaisquer outros; sua força propulsora é, na totalidade dos casos, um desejo que busca realizar-se; o fato de não serem reconhecíveis como desejo, bem como suas múltiplas peculiaridades e absurdos, deve-se à influência da censura psíquica a que foram submetidos durante o processo de sua formação. Assim, em primeiro lugar, foi em nome da realização de um desejo que o processo de pensamento durante o sono transformou-se num sonho. Quanto ao sonho, agora todos sabem que é a demanda, o significante em liberdade que insiste, pia e esperneia, que não sabe em absoluto o que quer (LACAN, 1991, pág. 121). 41 Nas últimas sessões a paciente tem tido muitas recordações de sua infância, e a análise vem caminhando por meio de associações livres. J.A recorda-se de que seu pai a chamava de pau-de-fumo. Pergunto a paciente o porquê desta palavra, ela disse que era um gesto amoroso, mas que às vezes não gostava que se sentia ofendida quando seu pai dizia brigando com ela: mais é mesmo um pau-de-fumo. Pau, que ela não podia ter, só o menino. Recorda-se de outra cena que um dia quando criança estava em seu quarto dormindo e parecia estar sem roupa e que quando acordou tinha muitas pessoas no quarto, e a paciente pedia água mais ninguém atendia, até que seu pai chegou e resolveu a situação, na verdade a paciente diz que não se recorda se tomou a água, mas que a presença do seu pai a tranquilizou. Definir o ataque histérico como decorrente do retorno de uma lembrança equivale a deslocar o campo causal da esfera física para a psíquica, pois já não é mais o trauma físico o responsável pela condição de soma elevada de excitação, mas sim a impressão psíquica que se forma a partir desse acontecimento. Na histeria o curso do pensamento é modificado; as associações de ideias são perturbadas; a vontade, os sentimentos podem ser um após o outro inibidos ou exaltados. O desejo da histérica está além das suas demandas, portanto, nenhuma notícia poderá lhe ser dada com o intuito de aplacar sua constante e insaciável rede de queixas. 42 5. Cap. IV – Conclusão e considerações finais. Para desencadear a lógica discursiva da construção deste caso, levantamos alguns pontos que identificam a histeria na clínica psicanalítica e que denuncia uma estrutura histérica no caso analisado. Como vimos, a clínica da histeria moderna também se apresenta por meio de sintomas somáticos, sem nenhuma causa orgânica, e sim como um compromisso entre uma fantasia inconsciente e a censura. Neste estudo sobre a histeria ilustrado com o caso de J.A, ao longo da análise, a paciente pela associação livre pode se recordar de muitos fatos de sua infância, os quais lhe causaram grande angústia, até mesmo algumas faltas nas sessões, por resistir. Nem mesmo a paciente conseguia distinguir entre suas fantasias edípicas inconscientes e os fatos reais. Diante disto aos poucos se formam as cadeias de lembranças, as associações dos seus sintomas, ou seja, de suas conversões histéricas. Podemos observar uma preocupação excessiva com sua aparência, o que denuncia os seus sintomas de falta de apetite o que aponta para a anorexia nervosa, juntamente com o seu medo de vômito. A preocupação com o corpo, em esconder o furo, a falha diante do ideal de perfeição, faz com que as histéricas de hoje se apoiem em modernas ortopedias corporais, possíveis substitutos das paralisias, contraturas e cegueiras, sintomas que marcaram o século passado. Enquanto continuam à procura desse ideal de perfeição, tanto corporal quanto intelectual e emotivo, sua marca patente é a insatisfação, pois a histérica não corre atrás de seu desejo, mas visa a um ideal, e por isso está sempre se queixando, tecendo justificativas 43 para continuar naquele lugar de manter o Outro idealizado, seu gozo continua como sempre em busca de reconhecimento, e na sua procura excessiva e contraditória, na sua tristeza mal compreendida, ela é criticada por uns e medicada por outros. Como pudemos analisar, a frustração com a mãe castrada que não lhe deu um pênis/ falo fez com que a paciente elegesse seu pai como novo objeto sexual. No entanto, o pai também foi insuficiente, pois não lhe deu o que ela esperava: reparar a sua falta. E a partir daí, ela se dedica a reparar essa falta com uma demanda infindável, nunca é o suficiente, o que denuncia por meio dos seus relatos de insatisfação e tristeza. Mais uma das questões destacadas no caso analisado é a falta de desejo e de prazer sexual, sua frigidez. O que prova sua eterna rivalidade com seu esposo. A estratégia histérica de J.A, em geral, sempre foi de não querer aquele que a quer, mas sim alguém inacessível, mantendo assim seu desejo sempre insatisfeito. Essa é a relação da histérica com o amor e com o desejo. Assim se pontua na insatisfação: sempre há algo melhor para encontrar. Mas como se identificar com algo que não existe, com algo que não se tem, com a falta, com o vazio? Eis então que a histérica fica na obstinação de querer reparar a própria falta e a do Outro, ela se engaja no objetivo de tornar o Outro perfeito e ela também, e aí ela encontra seu limite. A histérica tem uma demanda fálica, um desejo de reconhecimento, por isso ela sempre está numa relação amorosa sem estar, como se ela deixasse uma "saída". No entanto, a realização da posição sexual no ser humano está ligada, nos diz Freud e nos diz o aprendizado diante da prática analítica que à prova da travessia de uma relação fundamentalmente simbolizada, a do Édipo, que comporta uma posição que aliena o sujeito, isto é, o faz desejar o objeto de um Outro, e possuí-lo por procuração de um Outro. E para 44 que a histérica consiga se desvencilhar da identificação neurótica com o falo seria preciso que a função do homem e a da mulher fossem simbolizadas, e que ela fosse literalmente arrancada do domínio do imaginário para ser situada no domínio do simbólico, em que se realiza toda posição sexual normal, consumada. É pela simbolização a que é submetida, como uma exigência essencial, a realização genital, que o homem se viriliza, que a mulher aceita verdadeiramente sua função feminina. A paciente continua em análise duas vezes por semana, com suas angústias, suas recordações e fantasias cada vez mais descritas, o que tem feito evoluir sua análise. Diante disso há a necessidade de a paciente dar continuidade ao seu tratamento para que consiga simbolizar a sua feminilidade, a saber, o que é ser uma mulher, buscando novos efeitos terapêuticos. 45 REFERÊNCIAS 1. CHEMAMA, R. Dicionário de psicanálise. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. 2. DÖR, J. Estruturas e Clínicas Psicanalíticas. Rio de Janeiro: Livrarias TaurusTimbres Ed., 1991. 3. FARIAS, F. R. Histeria e Psicanálise: O Discurso Histérico e o Desejo de Freud. Rio de Janeiro: Livraria e Editora Revinter, 1993. 4. FREITAS, I. Angústia. In CARVALHO, S.: A angústia da morte. Salvador: Campo Psicanalítico, 2006. 5. FREUD, S. Estudos sobre a Histeria. (1893 – 1895). Obras psicológicas de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira, Vol. II, Rio de Janeiro: Imago, 1996. 6. FREUD, S. Primeiras Publicações Psicanalíticas. 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