UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA
ALANA LILAENE ZATORSKY
O DESEJO E A HISTERIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA: UM ESTUDO DE
CASO
Curitiba
2010
ALANA LILAENE ZATORSKY
O DESEJO E A HISTERIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA: UM ESTUDO DE
CASO
Monografia apresentada ao curso de Pós Graduação
em Psicologia Clínica – Abordagem Psicanalítica - da
Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial
à obtenção do título de especialista.
Orientador: Prof.º Dr. Jorge Sesarino
Curitiba
2010
TERMO DE APROVAÇÃO
Alana Lilaene Zatorsky
O DESEJO E A HISTERIA NA CLÍNICA PSICANALÍTICA: UM ESTUDO DE
CASO
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Especialista em
Psicologia Clínica no Programa de Pós-graduação da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, 23 de junho de 2010.
Especialização em Psicologia Clínica
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador:
___________________________________
Prof. Dr. Jorge Sesarino – CRP 08/02367
Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde
_____________________________________
Prof. Ângela Mara Silva Valore – CRP 08/01051
Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde
RESUMO
É sabido que a histeria era pensada antes de Freud. Mas foi Freud quem postulou a causa
da histeria. Ao instituir a associação livre, lançou sua aposta para o saber que o sujeito
atribui sobre o sintoma e suas causas, e viu, aí, uma nova direção clínica para o
tratamento da histeria. A histeria foi o que levou Freud a descobrir o inconsciente e a
postular a psicanálise. Freud percebeu que não era preciso encontrar um fato real, na
história do paciente, para elucidar a origem de seus sintomas. Percebe que os ataques
histéricos revelam a irrupção involuntária de fantasias inconsciente, considerando o
desejo, que tem como base a fantasia. Na histeria há um desejo edipiano (incesto e
parricídio) que se expressa em forma de sedução paterna. Acrescenta que a histérica é
obrigada a criar em sua vida um desejo insatisfeito que se inscreve em uma ordem que
prescreve queixar-se e não desejar. Tendo presente o exposto, o trabalho teve como
objetivo analisar a estrutura de uma mulher histérica e como se desenvolve o seu desejo.
O método utilizado foi a investigação de caso clínico de uma paciente do sexo feminino,
trinta e três anos de idade, que se encontra em análise. A seleção da paciente ocorreu pela
aproximação do caso clínico ao tema. Serviram como instrumento de análise a
observação e interpretação dos relatos. Conclusão: na perspectiva psicanalítica, a histeria
como tipo clínico destaca-se sozinha no discurso, é uma questão que introduz uma série
de perguntas, como a identificação com o desejo da histérica e o lugar do sentido sexual,
centrado no objeto. A questão incide sobre o desejo, isto é, sobre a falta tomada como
objeto, e não sobre a causa da falta.
Palavras-chaves: histeria, psicanálise, castração, desejo.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................06
2 Cap. I – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA....................................................08
3 Cap. II – HISTÓRICO DO CASO CLÍNICO...............................................18
4 Cap. III – DISCUSSÃO DO CASO CLÍNICO..............................................20
5 Cap. IV – CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................43
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................46
1. Introdução
Esta pesquisa consiste em um estudo clínico de análise de caso, a qual teve como
objetivo analisar mediante a escuta e interpretação a estrutura de uma mulher histérica e
como se desenvolve o seu desejo, tendo como marco teórico a perspectiva psicanalítica,
formulada por Sigmund Freud.
O singular método psicoterápico que Freud praticava e designava de psicanálise
era proveniente do chamado procedimento catártico, sobre o qual ele forneceu as devidas
informações nos Estudos sobre a Histeria, de 1895, escritos em colaboração com Joseph
Breuer.
O procedimento catártico pressupunha que o paciente fosse hipnotizável e se
baseava na ampliação da consciência que ocorre na hipnose. Tinha por alvo a eliminação
dos sintomas patológicos e chegava a isso levando o paciente a retroceder ao estado
psíquico em que o sintoma surgira pela primeira vez.
Mas esse esquema simples de intervenção terapêutica complicava-se em quase
todos os casos, pois constatou-se que participava da gênese do sintoma, não uma única
impressão (“traumática”), porém, na maioria do casos, uma série delas, difícil de abarcar.
Freud encontrou um substituto dessa ordem, plenamente satisfatório, nas
associações dos enfermos, ou seja, nos pensamentos involuntários. E descobriu que todos
os pensamentos, as lembranças, as fantasias tinham relação com os sintomas.
O sintoma tem um sentido, ou múltiplos sentidos que foram esquecidos pelo
sujeito ou que nunca lhe foram conscientes, ou até mesmo criados por fantasias
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inconscientes. Para a psicanálise, os sintomas psíquicos são formas de satisfação e estão
relacionados à sexualidade infantil reprimida. As fantasias que assim coincidem são
sempre de natureza bem diversas, podendo, por exemplo, consistir num desejo recente e
numa reativação de uma impressão infantil.
O histérico, como qualquer sujeito neurótico, é aquele que, sem ter conhecimento
disso, impõe na relação afetiva com o Outro a lógica doentia de sua fantasia inconsciente.
Uma fantasia em que ele desempenha o papel de uma vítima infeliz e constantemente
insatisfeita.
Nesses termos, e considerando os relatos da paciente em análise, para melhor se
compreender o tema pesquisado, histeria, chegou-se ao seguinte questionamento: como
se desenvolve a estrutura histérica e qual a relação com o desejo sempre insatisfeito?
E para resposta dessa questão procedeu-se à leitura de diferentes reflexões
teórico-práticos de estudos psicanalíticos, bem como à interpretação de relatos de caso de
uma mulher que se encontra em atendimento duas vezes por semana há um ano e seis
meses.
Mediante a escuta, a psicanálise vem oferecer um tratamento para a histeria, ao
possibilitar que, além da escuta do terapeuta, passe a existir uma outra, a do próprio
sujeito, que também se escuta.
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Cap. I – Fundamentação teórica
O vocábulo “histeria” deriva da palavra grega hystera (matriz, útero). A noção da
doença histérica remonta à antiguidade, época de Hipócrates, quando era considerada
uma doença orgânica de origem uterina presente, então, nas mulheres.
Na Idade Média a histeria passou a ser abordada pelo ponto de vista religioso, em
conseqüência das forças maléficas como, a possessão diabólica, diante disso, a mulher
teria que ser severamente punida.
No Renascimento a igreja ainda afirmava a possessão nas mulheres e tentava
impedir de que novas pesquisas fossem feitas, a respeito da histeria. Mas nesta época a
histeria já era considerada como uma doença curável, por não ser uma doença orgânica
do cérebro, mas sim uma desordem das paixões, com consequências somáticas; que
exigia, portanto um tratamento moral e psíquico.
No século XVI, a ideia de que a histeria provinha do cérebro abriu caminho para
se pensar que o sintoma histérico estava presente também nos homens. Já no século
XVII, “(...) pôde-se invocar, em vez da antiga sufocação da matriz, o papel das emoções,
dos ‘vapores’ e dos ‘humores’, a ponto, aliás, de confundir numa mesma entidade a
histeria e a melancolia” (ROUDINESCO, 1998, pág. 338).
No fim do século XIX, “Muito esquematicamente, podemos dizer que a solução
era procurada em duas direções: ou, na ausência de qualquer lesão orgânica, referir os
sintomas histéricos à sugestão, à auto-sugestão e mesmo à simulação (...), ou dar à
histeria a dignidade de uma doença como as outras, com sintomas tão definidos e
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precisos quanto, por exemplo, uma afecção neurológica” (LAPLANCHE e PONTALIS,
1995, pág. 211). Por este ultimo entendimento orientaram-se os trabalhos de Charcot.
Em 1870, Jean Martin Charcot, então médico da Salpêtrière, passou a se dedicar
exclusivamente ao estudo da histeria. Foi o primeiro investigador que separou a histeria
do feminino e a abordou cientificamente.
Durante os estudos sobre a histeria, Charcot começou a utilizar a hipnose a fim de
reproduzir os estados de paralisias. Charcot (apud KAUFMANN, 1996) a partir de seus
estudos inaugura o início da compreensão da histeria. Segundo ele, a histeria tinha por
etiologia a hereditariedade; uma degenerescência provocada por traumas externos. E que
tais traumas provocavam clivagem da consciência que por sua vez acabavam se
transformando em sintomas, os quais desapareciam pela sugestão do médico, ou seja, por
meio da hipnose.
O procedimento catártico pressupunha que o paciente fosse hipnotizável e se
baseava na ampliação da consciência que ocorre na hipnose. Tinha por alvo a eliminação
dos sintomas patológicos e chegava a isso levando o paciente a retroceder ao estado
psíquico em que o sintoma surgira pela primeira vez (FREUD, 1904 [1903], vol. VII,
pág. 236).
O singular método psicoterápico que Freud pratica e designa de psicanálise é
proveniente do chamado procedimento catártico, sobre o qual ele forneceu as devidas
informações nos Estudos sobre a Histeria, de 1895, escritos em colaboração com Joseph
Breuer.
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Em suas publicações, Breuer e Freud já expressavam a opinião de que os sintomas
da histeria só poderiam ser compreendidos se remetidos a experiências de efeitos
traumáticos na vida sexual do paciente (FREUD, 1896). E vão além em seus estudos ao
assinalar que não são as experiências em si que agem de modo traumático, mas antes sua
revivescência como a lembrança depois que um sujeito ingressa na maturidade sexual.
As experiências sexuais infantis que consistem na estimulação dos órgãos
genitais em atos semelhantes ao coito, e assim por diante, devem, portanto ser
consideradas, em última análise, como os traumas que levam a uma reação
histéricas nos eventos da puberdade e ao desenvolvimento de sintomas
histéricos (FREUD, 1896, vol. III pág. 203).
Mas esse esquema simples de intervenção terapêutica complicava-se em quase
todos os casos, pois, participava da gênese do sintoma não uma única impressão
traumática, porém, na maioria dos casos, uma série delas, difícil de abarcar.
O método catártico já havia renunciado à sugestão, e Freud deu o passo seguinte
abandonando também a hipnose. Freud encontrou um substituto dessa ordem, plenamente
satisfatório, nas associações dos enfermos, ou seja, nos pensamentos involuntários, quase
sempre sentidos como perturbadores e por isso comumente postos de lado, que costumam
cruzar a trama de exposição intencional (FREUD, 1904 [1903], vol. VII, pág. 237).
Dessa experiência Freud concluiu que as amnésias são resultados de um processo
ao qual ele chama recalcamento e cuja motivação é identificada no sentido de desprazer.
As formas psíquicas que deram origem a este recalcamento estariam, segundo ele, na
resistência que se opõe à restauração das lembranças. O fator da resistência tornou-se um
dos fundamentos de sua teoria. Quanto maior a resistência, mais profusa é sua distorção
(FREUD, 1904 [1903]).
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Na histeria, portanto, o trauma não foi elaborado. Consta em Chemama: “O
mecanismo de defesa que preside à formação do sintoma histérico é então qualificado
como recalcamento de uma representação incompatível com o eu” (Chemama, 1995, pág.
96).
Numa carta a Fliess em 21 de setembro de 1897 (Freud, 1950a carta 69), Freud
revelou que há alguns meses vinha despontando nele a ideia de que era muito difícil
acreditar que os atos pervertidos contra as crianças fossem tão generalizados – em
especial porque, na totalidade dos casos, o pai era responsável por eles. Só após vários
anos, porém, foi que ele deu expressão pública a suas opiniões modificadas. Entretanto, a
importante consequência dessa percepção foi que Freud se conscientizou do papel
desempenhado pela fantasia nos eventos mentais, o que abriu as portas para a descoberta
da sexualidade infantil e do complexo de Édipo (FREUD, 1896, vol. III pág. 160).
De acordo com Quinet (2005), Freud, ao procurar responder à pergunta sobre a
origem da histeria, cria um novo saber: a psicanálise. Freud foi levado a pôr em dúvida a
veracidade das cenas de sedução e abandonar a teoria correspondente. A carta a Fliess, de
21 de setembro de 1897, apresenta os motivos desse abandono, quando Freud confessa
não acreditar mais em suas neuróticas.
Na teoria da sedução, vai se desenvolver uma noção crucial para a solidificação da
teoria freudiana, a noção de realidade psíquica. As fantasias, mesmo que não se baseiem
em acontecimentos reais, têm para o sujeito o mesmo valor patogênico que Freud atribuía
inicialmente às reminiscências. A sintomatologia histérica tornou-se fruto de fantasias
inconscientes das pacientes. O que antes era visto como uma ocorrência histórica na vida
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de um sujeito torna-se um fato individual, um processo mental. Freud está dizendo aí que
não importa se a sedução realmente aconteceu ou foi apenas fantasia. O que importa são
os efeitos psíquicos, e esses não diferem seja o acontecimento real ou imaginado
(MASSON, 1924).
Em Sexualidade Feminina, Freud (1988) faz a diferenciação dos sexos durante a
fase do Complexo de Édipo. A fase pré-edípica, que é a fase de ligação e relação com a
mãe, é que fez Freud pensar sobre a relação com a etiologia da histeria.
A identificação de uma mulher com sua mãe permite-nos distinguir duas
camadas: a pré-edipiana, sobre a qual se apóia a vinculação afetuosa com a
mãe e esta é tomada como modelo, e a camada subseqüente, advinda do
complexo de Édipo, que procura eliminar a mãe e tomar-lhe o lugar junto ao
pai (FREUD, 1933 [1932], vol. XXII pág. 133).
O menino ingressa na fase edipiana; começa a manipular o pênis e,
simultaneamente, tem fantasias de executar algum tipo de atitude com ele em relação à
sua mãe, até que devido ao efeito combinado de uma ameaça de castração e da visão da
ausência de pênis nas pessoas de sexo feminino, vivencia o maior trauma de sua vida e dá
início ao período de latência, com todas as suas consequências. A menina, depois de
tentar em vão fazer as mesmas coisas que o menino, vem a reconhecer sua falta de pênis
ou, antes, a inferioridade de seu clitóris, com efeitos permanentes sobre o
desenvolvimento de seu caráter; como resultado deste primeiro desapontamento em
rivalidade, ela com frequência começa a volta-se inteiramente contra à vida sexual
(FREUD, 1940 [1938], vol. XXIII pág. 167 - 168).
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A falta do pênis é vista como resultado da castração e, agora, a criança se defronta
com a tarefa de chegar a um acordo com a castração em relação a si própria (FREUD,
1923, vol. XIX pág. 159).
A descoberta de que é castrada representa um marco decisivo no crescimento da
menina. Daí partem três linhas de desenvolvimento possível: uma conduz à inibição
sexual ou à neurose, outra, à modificação do caráter no sentido de um complexo de
masculinidade, a terceira, finalmente, à feminilidade normal.
O conteúdo essencial da primeira é o seguinte: a menininha viveu até então de
modo masculino, conseguiu obter prazer da excitação de seu clitóris e manteve esta
atividade em relação a seus desejos sexuais dirigidos à mãe, os quais, muitas vezes, são
ativos; ora, devido à influência de sua inveja do pênis, ela perde o prazer que obtinha de
sua sexualidade fálica. Seu amor próprio é modificado pela comparação com o
equipamento muito superior do menino e, em conseqüência, renuncia à satisfação
masturbatória derivada do clitóris, repudia seu amor pela mãe e, ao mesmo tempo, não
raro suprime uma boa parte de suas inclinações sexuais em geral. Seu afastamento da
mãe, sem dúvida, não se dá de uma vez só, pois, no início, a menina considera sua
castração como um infortúnio individual, e somente aos poucos estende-a a outras
mulheres e, por fim, também a sua mãe. Seu amor está dirigido à sua mãe fálica; com a
descoberta de que sua mãe é castrada, torna-se possível abandoná-la como objeto, de
modo que os motivos de hospitalidade, que há muito se vinham acumulando, assume o
domínio da situação. Isso significa, portanto, que, como resultado da descoberta da falta
de pênis nas mulheres, estas são rebaixadas de valor pela menina, assim como depois o
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são pelos meninos e, posteriormente, talvez, pelos homens (FREUD, 1933 [1932], vol.
XXII pág. 126).
A mulher reconhece o fato de sua castração e, com ele, também a superioridade do
homem e sua própria inferioridade, mas se rebela contra este estado de coisas
indesejáveis (FREUD, 1931 vol. XXI pág. 237).
Por conta da gestalt fálica, a mulher na realização do Complexo de Édipo é
forçada a tomar um desvio pela identificação com o pai e, portanto, a seguir, durante um
bom tempo, os mesmos caminhos do menino.
Lacan conseguiu, de maneira notável, extrair da teoria freudiana que a “invalidez”
do pai da histérica é a fonte de seu amor por ele. Isso quer dizer que a histérica ama o pai
como impotente, ferido, diminuído... “O histérico ama o pai pelo que ele não dá... e
encontra assim seu lugar junto dele assumindo a vocação de ampará-lo em sua
incapacidade assinalada, marcada, e por isso supostamente sabida” (KAUFMANN, 1996,
pág. 249).
Segundo Lacan (1992), o corpo histérico tem algo a esconder – um furo, que Freud
nomeia como castração. Como resposta a essa falta, a histérica reivindica que sua mãe lhe
conceda o falo. Demanda obviamente fracassada, que posteriormente se dirige ao pai, que
também não pode lhe dar o objeto almejado, deixando-a incompleta. A ferida narcísica
que se desenha tem suas linhas traçadas no corpo. Que se compreenda este corpo, não
como corpo orgânico e material, mas outro ou mesmo outros corpos: corpo imaginário,
corpo simbólico, corpo idealizado. O que falta à histérica, este furo que ela pretende
mascarar, o que é senão sua falta de um significante próprio que a identifique como
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mulher, sujeito sexuado, diferenciado do homem. É necessário frisar que Lacan aborda o
sexo pelo viés do gozo e da linguagem, e não em termos de desenvolvimento.
Lacan aponta na obra freudiana duas caracterizações sobre a histeria. A primeira
se dá a partir do sintoma conversivo, se inicia com a histeria de defesa em 1893 e
concebe como seu fator etiológico - o trauma psíquico. A segunda caracterização situa a
histeria como desejo insatisfeito, aparece em 1900. É elaborada pelo autor após o
abandono da teoria do trauma e situa como fator etiológico a fantasia inconsciente. É a
partir dessas duas caracterizações que Lacan recortará na teoria freudiana dois elementos
fundamentais nesse quadro clínico: o nojo como resposta ao encontro com o sexual e a
identificação histérica como o modo de captar a encarnação de uma misteriosa
feminilidade ao sustentar a pergunta “O que quer uma mulher”?
Lacan, acompanhando Freud, considera a histeria uma modalidade tipicamente
feminina de neurose que funciona como um ponto de interrogação ambulante. O desejo
da histérica ocupa a posição da verdade inacessível ao sujeito. Ele manifesta-se sob a
forma da demanda, dirigida a um Outro, que versa justamente sobre essa verdade à qual a
histérica não tem acesso: quem eu sou? o que eu quero? Com seu questionamento, a
histérica compele ao Outro fornecer um saber (LACAN, 2001).
A histérica faz o homem, um homem movido pela busca do saber, que não se
cinge a reproduzir um saber assentado: “O que conduz ao saber (...) é o discurso da
histérica” (LACAN, 1991). Esse saber, por sua vez, tenta dar conta da causa do desejo da
histérica, o objeto a.
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Nasio (1991) afirma que a histeria agarra-se a sua insatisfação a ponto de fazer
dela o seu desejo, desejo com o qual Lacan (apud NASIO, 1991) marcou para sempre o
que é característico da histeria. O histérico deseja estar insatisfeito porque a insatisfação
garante a inviolabilidade fundamental de seu ser. Quanto mais insatisfeito ele é, mais fica
protegido da ameaça de um gozo que ele percebe como um risco de desintegração e
loucura.
Na histeria o sujeito “se inscreve em uma ordem que prescreve queixar-se e não
desejar” (CHEMAMA, 1995). Pois, a histérica tem o desejo de encontrar um significante
que tape o “furo”. Mas o que não se inscreve é um significante fálico, aquele que supriria
a falta, que realizaria o desejo, por isso, de toda a insatisfação.
Se para a histérica o que lhe privaram foi o objeto de desejo edipiano, ou seja, o
falo, então sobre o seu desejo também não é ela quem tem o saber e sim o Outro. Este
que ela supõe saber a resposta ao enigma da origem e do processo do desejo em questão.
Sendo que para ela o analista também vai ocupar este lugar de saber sobre ela.
No entanto, a psicanálise elimina os sintomas histéricos partindo da premissa de
que tais sintomas são um substituto, uma transcrição de uma série de processos, desejos e
aspirações investidos de afeto e fantasias, aos quais, mediante um processo psíquico
especial (o recalcamento), nega-se a descarga por meio de uma atividade psíquica
passível de consciência (FREUD, 1904 [1903]).
É por isso que o sintoma tem para o analista um sentido estritamente subjetivo. O
analista não o considera como indicativo de uma doença, como possibilidade de
enquadramento do paciente numa das classificações consagradas. A psicanálise
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revolucionou o conhecimento do homem não como ciência da personalidade, mas como
ciência do sujeito.
Então o que é o sujeito? Exatamente o que o sintoma oculta. O sintoma é um bem
do sujeito. Ele só se constitui porque não havia maneira de o sujeito sobreviver diante de
uma representação insuportável. O sintoma é uma saída de saúde, momentânea, precária,
mas a única que pode garantir certa ordem do sujeito. Portanto, o sintoma é sinal e
substituto de uma satisfação pulsional que não se realizou.
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3. Cap. II Histórico do caso clínico
Para manter sigilo sobre a identificação da paciente e os envolvidos, serão
utilizadas siglas fictícias para descrever o caso.
J.A sexo feminino, trinta e três anos de idade, está casada há seis anos, com um
homem treze anos mais velho que ela, tem uma filha de seis anos e dois enteados - um
menino de dezesseis anos que reside com a paciente e uma menina de onze anos que
mora com a mãe, mas frequenta a casa da madrasta. A paciente não exerce atividade
remunerada e é estudante de psicologia. A paciente tem uma irmã mais velha e um irmão
mais novo, e seus pais se separaram quando ela estava com nove anos de idade.
A paciente procura pelo atendimento psicológico em janeiro de 2009 com a
seguinte queixa: diz estar tendo atos agressivos em relação ao esposo, a quem ela
compara a uma “pedra”, pois, segundo a paciente, ele não tem atitudes, o que lhe causa
irritação e insatisfação, e lhe faz perder a paciência.
Quando relata sobre esta agressividade traz uma identificação com o seu pai, e diz
não querer ser como ele. E, nesse momento chora muito: quando chora, relata que
normalmente não chora.
Conta que tinha uma identificação muito forte com seu pai, mas isto mudou
quando ele traiu sua mãe. E a paciente não consegue perdoá-lo e guarda grandes mágoas
do pai. E como sua mãe não aceitava que os filhos tivessem contatos com o pai, ela o
visitou poucas vezes escondida da mãe. Hoje tem vontade de ir visitá-lo, pois o pai
encontra-se muito doente, mas os seus conflitos a impedem.
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Traz também suas idealizações, das quais poucas foram realizadas, pois seus
desejos não se opunham a sua realidade atual.
J.A idealizou ter um namorado, que fosse jovem, bonito, não fosse comprometido,
não tivesse filhos e frequentasse a sua casa, como os namorados de sua irmã. Mas, apesar
de ser uma mulher bonita, isto não acontecia, não encontrava um namorado, e por isso
não perdia a sua virgindade.
Então se casou com um homem separado, mais velho, com dois filhos, o que lhe
causa vergonha, e é algo que lhe incomoda até hoje. E são os seus problemas nos seus
relacionamentos e os seus desejos insatisfeitos que lhe fazem procurar a clínica
psicanalítica.
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4. Cap. III – Discussão do caso clínico
A paciente chega ao consultório com a queixa que está tendo atos agressivos,
como jogar objetos em seu esposo, no qual tem descontado esta agressividade. Explica
que faz isso porque o marido não tem atitude, não sabe tomar decisões, e não se põe
como o homem da casa. Por ele não reagir aos seus atos agressivos, ela o compara a uma
“pedra”. A esse respeito Lacan (1992) esclarece que a mulher sente uma desvantagem
quanto ao acesso à identidade de seu próprio sexo quanto à sexualização como tal, mas na
histeria transforma-se numa vantagem, graças à sua identificação imaginária com o pai,
que lhe é perfeitamente acessível, em virtude especialmente de sua posição na
composição do Édipo.
Ao relatar sua história começa a chorar, falando que se sente agressiva como seu
pai. Aqui mais uma vez Lacan nos auxilia quando complementa que, para a mulher, a
realização de seu sexo não se faz no complexo de Édipo de uma forma simétrica à do
homem, não pela identificação com a mãe, mas ao contrário pela identificação com o
objeto paterno (1992, pág.197).
É a prevalência da Gestalt fálica que, na realização do complexo de Édipo, força a
mulher a tomar emprestado um desvio pela identificação com o pai, e, portanto, a seguir
durante um tempo os mesmos caminhos que o menino. Tal é no caso de J.A que, quando
criança era muito apegada ao pai e o acompanhava por todos os lugares, pois adorava sair
com ele. Sentia medo de perdê-lo e de decepcioná-lo. Às vezes me sentia como um
menino, acho que agi como um menino durante muito tempo,... só fui ficar mulher
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quando tive a minha filha que comecei a me arrumar usar roupas coloridas e me achar
bonita, mais feminina.
Diz que era roqueira usava roupas pretas e largas, para esconder o corpo, e que
achava bonito como a irmã se arrumava e pintava as unhas, observava também que o jeito
da irmã agradava a sua mãe.
Em uma de suas sessões, diz: por um período quando era bem criança, sentia
raiva da minha mãe, tinha ciúmes dela com ele (pai), gostaria que ela fosse embora, e
que eu ficasse no lugar dela, mas quando via que ela fazia comida, lavava a louça,
pensava, mas ai serei eu que vou ter que fazer isto? Eu achava meu pai lindo, o homem
mais lindo, eu achava linda as pernas dele, era forte .
A identificação de uma mulher com sua mãe permite-nos distinguir duas
camadas: a pré-edipiana, sobre a qual se apóia a vinculação afetuosa com a
mãe e esta é tomada como modelo, e a camada subseqüente, advinda do
complexo de Édipo, que procura eliminar a mãe e tomar-lhe o lugar junto ao
pai (FREUD, 1933 [1932], vol. XXII pág. 133).
Freud, em Sexualidade Feminina (1931), suspeita de que essa fase de ligação com
a mãe está especialmente relacionada à etiologia da histeria, o que não é de surpreender
quando refletimos que tanto a fase quanto a neurose são caracteristicamente femininas e,
ademais, que nessa dependência da mãe encontramos o germe da paranóia posterior nas
mulheres, pois esse germe parece ser surpreendente, embora regular, encontramos os
desejos orais agressivos e sádicos da menina sob uma forma a eles forçada pela repressão
precoce, como um temor de ser morta pela mãe, temor que por sua vez justifica seu
desejo de morte contra a mãe, se este se torna consciente. É impossível dizer quão
frequente esse temor da mãe é apoiado por uma hostilidade inconsciente por parte dela,
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uma hostilidade que se desenvolve na criança, em relação à mãe, em consequência das
múltiplas restrições impostas por esta no decorrer do treinamento e do cuidado corporal, e
que o mecanismo de projeção é favorecido pela idade precoce da organização psíquica da
criança (pág. 245).
J.A recorda-se de mais um fato de infância: um dia eu estava dando banho no meu
irmão, e ouviu que meu pai ia sair, naquele momento lembro que pensei que ele ia
embora encontrar uma mulher loira e que não voltaria mais. E foi o que aconteceu só a
mulher que não era loira e sim morena como, a paciente.
Depois desse dia seu pai passou a morar com a amante, e o ex-esposo da amante
do pai, começou a perseguir a família da paciente a fazer ameaças. Muitas vezes
perseguia J.A e sua irmã quando iam para a escola.
Diz ainda: apesar de perseguir eu e minha irmã, eu via que ele olhava para mim e
não para ela. Percebe-se que, apesar de sentir medo, a fantasia de ser olhada (desejada)
era maior, gostaria de ser o objeto do olhar do Outro desse que não fossem as rivais a
irmã e a ex-mulher, a qual tirou seu pai.
Quando a paciente fala sobre perfil masculino, do que lhe atrai em um homem, se
recorda que, quando este homem a perseguia apesar de sentir medo, sentia uma forte
atração por ele. Ele é o tipo de perfil que me atraí, percebo isto em outros homens e me
recordo dele, mais velho, gordinho, não sei por quê, pois gostaria de ter um homem mais
jovem com um corpo legal.
Dör (1991) lembra que “Freud chamou a nossa atenção sublinhando que o
histérico deseja, sobretudo que seu desejo permaneça insatisfeito, pois se fecha “em uma
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lógica psíquica sem par: para manter seu desejo, o sujeito esforça-se por jamais lhe dar
um objeto substituto possível”. Acrescenta ainda que, quanto mais “estrangeiro” for o
parceiro ideal, mais será mantido imaginariamente como parceiro inacessível. Se a
distância for real aí se torna o parceiro dos sonhos (1991).
Em algumas das suas sessões traz um interesse por um fisioterapeuta e também por
um professor que é médico, mas até o momento não teve nenhum envolvimento com essas
pessoas, que têm o perfil descrito acima, ficando o desejo apenas na fantasia. Quanto mais
difícil o parceiro, mais ela se assegura de que aquele parceiro é o ideal.
Em um outro momento relata sobre a sua dificuldade em ter namorados, pois
queria um rapaz correto, que quisesse namorar em casa. Queria ser como a sua irmã, que
sempre namorava e leva seus namorados para casa. Mas diz que não achava correto que a
irmã tivesse relação sexual em casa, pois era uma falta de respeito com a sua mãe.
A insatisfação visa demonstrar que ela foi privada de alguma coisa (o pênis) e que
sua vida amorosa está sempre em ruína diante, por exemplo, de sua irmã ou melhor
amiga. A histérica relata ter sempre se sacrificado em dar tudo para o Outro, se fazendo
de vítima.
Relata suas diferenças com a irmã, diz que sua irmã sempre gostava de festa, que
saia e não avisava sua mãe e que chegava tarde em casa. A paciente diz que sempre fez
tudo bem diferente da irmã, que se preocupava com a sua mãe e com a sua moral. Então
sempre pedia para a mãe para sair e quando estava na festa ligava para dizer que estava
tudo bem, e evitava chegar muito tarde em casa.
23
No sujeito histérico persistem os vestígios de uma queixa arcaica que se
desenvolve sobre o fundo de uma reivindicação de amor concernente à mãe: o histérico
se viu frequentemente como não tendo sido amado o bastante pelo Outro, como não
tendo recebido todas as provas de amor esperadas da mãe.
A identidade do histérico é sempre insatisfatória, frágil, parcial em relação a uma
identidade plenamente realizada, ou seja, ideal. Na construção do seu ideal de identidade,
o histérico tenta tornar-se o objeto ideal do Outro (DÖR, 1991). A mãe da paciente em
uma conversa com a filha diz que ela teria sido a ovelha negra da família. Na sessão a
paciente diz ter ficado chateada com a mãe, e que não entende o porquê de ela ter dito
isso, pois sempre tentou ser a filha correta, ao contrário da irmã. Mas no mesmo instante
diz que percebe que pela irmã ser mais feminina a mãe sempre a elogiava, enquanto
colocava defeitos nela, pois dizia que J.A tinha as mãos tortas e que era muita desastrada.
Aos vinte e um ano de idade a paciente perde sua virgindade, com um rapaz que
estava ficando, pois relata que não aguentava mais ser virgem e acreditava que talvez
poderiam começar a namorar. As relações aconteciam só quando ele queria, esta relação
sexual durou por três anos, mas nós se víamos poucas vezes, as vezes demorava até uns
cinco meses, e ele não quis namorar.
Freud, em seus estudos sobre a sexualidade feminina, falou sobre a proibição da
masturbação, que se transforma num incentivo para abandoná-la, e torna-se motivo para
rebelar-se contra a pessoa que a proíbe, ou seja, a mãe, ou o substituto materno. Uma
persistência desafiadora na masturbação parece abrir o caminho à masculinidade. Se a
menina não conseguiu suprimir sua masturbação, o efeito da proibição aparentemente vã
24
é visto em seus esforços posteriores para se libertar, a todo custo, de uma satisfação que
lhe foi estragada. Quando atinge a maturidade, sua escolha de objeto ainda pode ser
influenciada por esse intuito persistente. Seu ressentimento por ser impedida de uma
atividade sexual livre desempenha grande papel em seu desligamento da mãe. O mesmo
motivo entra em funcionamento após a puberdade, quando a mãe assume seu dever de
guardiã da castidade da filha (FREUD, 1931, pág. 241). O que dá para observar quando
J.A fala que no dia seguinte, após perder a virgindade o rapaz parou em frente a sua casa
ela não lhe atendeu, pois achava que sua mãe iria perceber que ela havia perdido a sua
virgindade.
Em seguida se relacionou com um homem casado, diz ter se apaixonado por ele,
mas ele não se separou, então ficaram juntos por apenas três meses. Eu gostei de ter sido
a amante, mas não me sentia bem, acho que pelo fato da minha mãe também já ter sido
traída, e eu estava fazendo a mesma coisa que a amante do meu pai. Esta seria uma
forma inconsciente de tentar se satisfazer, fantasiar estar na posição de amante, e ficar
com o pai, tirar o lugar da mãe, a qual lhe proibiu de um gozo pleno na infância.
Com vinte e sete anos vai para uma consulta médica, nesta consulta o médico fica
interessado por J.A e telefona para ela, eles marcam um encontro e começam a namorar.
Diz ter se sentido insegura, pois o namorado estava em processo de separação e tinha dois
filhos. O namoro durou três meses e resolveram se casar. O menino foi morar com eles e
a menina com a ex-esposa. E esta era mais uma das questões que preocupava J.A, pois
pensava no que os vizinhos iriam falar. No dia em que a paciente resolveu sair de casa
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para morar com seu esposo, não falou nada para a sua mãe, foi ele quem ligou para a mãe
da paciente e disse que eles iam morar juntos.
Esse é o recorte ideal para demonstrar a histeria no caso descrito, pois mostra
claramente que tudo o que a paciente diz desejar se deu ao contrário, pois desejou tanto um
homem “perfeito” e casou-se com um que já tinha sido casado e que tinha filhos. Diz sempre
tentar agradar a mãe e fazer tudo para satisfazê-la, e sai escondida de casa e é considerada
pela mãe a ovelha negra da família.
A histérica, de uma maneira geral, vive inevitavelmente num estado latente de
insatisfação que não se restringe unicamente ao registro sexual, mas que se estende para
totalidade da vida, e geralmente isto é feito de maneira dolorosa e sofrida. No entanto, a
despeito desse sofrimento, a histérica agarra-se à sua insatisfação, porque esta lhe garante a
inviolabilidade fundamental de seu ser. Quando mais insatisfeita ela está, mais protegida das
ameaça de um gozo que para ela pode ser um risco de desintegração e loucura (NASIO 1991).
Em umas das suas sessões relata que não tinha vontade de ter filhos, até seu esposo
falar que achava que ela não podia engravidar. E nesse dia ela engravidou. Nesse momento a
paciente se sente provocada a provar ao esposo e a si mesma a sua feminilidade. Esta é a
prova da castração, na qual o útero deixa de ser um falo ameaçado e à deriva, para dar lugar
a outra imagem do falo, que é a do filho por nascer.
Lacan (1992) aponta que o caráter problemático de sua identificação simbólica
sustenta toda compreensão possível da observação. Tudo o que é dito, tudo o que é
expresso, tudo o que é gestualizado, tudo o que manifestado, só ganha seu sentido em
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função da resposta a ser formulada sobre esta relação fundamental simbólica – Sou eu um
homem, ou sou eu uma mulher?
Lacan (1991) no seminário livro 17 faz a pergunta – O que quer uma mulher?
A partir do momento em que se faz a pergunta O que quer uma mulher? Situa a
pergunta no nível do desejo, e situar a pergunta no nível do desejo, é interrogar a
histérica. Como foi no caso da paciente ao ser colocada em dúvida se poderia ou não ser
mãe, ser mulher?!
Quando eu estava grávida, não tinha vontade de me alimentar e eu comecei a
emagrecer e ficar com o corpo que eu desejava, bem magrinha, e cada vez me
alimentava menos... Quando a minha filha nasceu, parecia que eu não sentia amor por
ela, eu só pensava que eu tinha que cuidar, como um objeto que tinha ganho... Ela
nasceu bem fraquinha e pequena. Observamos então, como se sua filha tivesse lhe dado o
corpo ideal, em troca de seus cuidados.
Conta ainda que foi a partir daí que começou a se arrumar e se sentir mais
feminina, que até neste momento usava roupas pretas e largas.
Fala mais sobre a insatisfação com o corpo, que se achava grande demais e que a
irmã era toda delicada. E que quando conseguiu o corpo que desejava, ficou grávida, mas
não queria perder aquele corpo novamente, por isso não comia. Depois que teve sua filha,
emagreceu novamente, mas até hoje faz regimes loucos, muitas vezes tomando remédios
para emagrecer e pensando em fazer lipoaspiração, embora seja bem magra.
Relata já ter feito duas cirurgias plásticas, uma de seios e a outra no nariz. Mas
continua insatisfeita, comenta que quer fazer novamente as cirurgias, pois acha que seus
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seios ainda estão grandes. A analista pergunta à paciente se quer se ver com um corpo
masculino visto que seus seios são pequenos.
Freud coloca o eu em relação com o caráter fantasmático do objeto. É ele que
atesta para o sujeito a realidade, o eu aí está como uma miragem, o que Freud chamou de
o ideal do eu. Sua função não é a de objetividade, e sim a da ilusão; ela é
fundamentalmente narcísica, e é a partir dela que o sujeito dá a nota da realidade
(LACAN, 1992). Diremos que é porque não há simbolização do sexo da mulher como tal.
E isso, porque o imaginário fornece apenas uma ausência, ali onde há um símbolo muito
prevalente, que seria o da identificação com a figura paterna.
Em uma das análises J.A relata um sonho. No sonho ela teria mais um filho, mas
para eu ter este outro filho, eu tinha que abandonar B.A, e levá-la até um rio e deixar ela
ir embora em uma barca, e eu coloquei ela na barca. Quando meu outro filho nasceu ele
tinha uma cabeça grande e com o rosto da B.A, e corpo de bebê.
A paciente em algumas de suas análises fala que às vezes parece não gostar da
filha, como se não a amasse, pois a histérica deseja inconscientemente ter um filho
homem para ganhar o falo/bebê.
Quando sua questão adquire forma sob o aspecto da histeria, é facílimo para a
mulher colocá-la pela via mais curta, a saber: a da identificação com o pai, como a
identificação do seu próprio narcísismo com um filho do sexo masculino (LACAN,
1992).
B.A (filha) hoje esta com seis anos de idade, e até a paciente começar a análise a
menina dormia com ela, tirando o lugar do pai. Hoje a menina dorme em seu quarto. E a
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paciente e seu esposo continuam dormindo em quartos separados, o que já ocorre há
tempos. Quando o esposo começou a dormir em outro quarto, a paciente conta que era
porque ele roncava muito e isto a incomodava. E traz também que ela tinha medo que ele
passa-se mal à noite e vomitasse, pois tem medo de vômito, diante de situações que
passou com seu pai.
Mas em uma das sessões assume que sabe que não é por isso que o esposo dorme
em outro quarto, que é porque ela não quer dormir com ele então achou esta desculpa,
para sua própria defesa, ou melhor, para a própria privação de gozo, insatisfação.
A questão assim problematizada permite traçar um esboço sobre a produção de
sintomas concebido como articulado à representação, o sintoma histérico veicula-se a
uma impressão psíquica que apresenta potencialidades para reproduzir um trauma
psíquico, em cada ataque histérico (FARIAS, 1993).
Esse é o ponto traumático para o neurótico. O mesmo autor aponta o sofrimento
não produzido pelo recalcado mais sim pelo seu retorno que curtocircuita o
endereçamento de seu feiche de sintomas ao Outro. Este Outro passa a ser para a histérica
extremamente vacilante, podendo parecer-lhe desproporcional (forte e supremo) ou, em
contrapartida, parecer-lhe decepcionante (fraco e doente) (1993). Nessa justa medida da
histérica ao Outro, está a relação de J.A com o seu pai.
Em seguida relata seu medo de vômito. Diz que quando criança seu pai viajava a
trabalho e entre estas viagens seu pai ficou por várias vezes doente, com malária. Então
via seu pai passar mal e vomitar sentia medo e pensava que ele ia morrer. Conta também
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que sentia raiva do seu pai, por ele saber que ela tinha medo de vômito e que quando
estava bem, ele vomitava de bêbado.
Nesse momento aponta a sua insatisfação com o pai, e também reconhece o pai
como imperfeito, insuficiente, e quando o pai vomitava, ela demonstrava a sua
repugnância por ele, por se ver identificada com um fraco, impotente. E ela se protege da
angústia provocada pela fantasia por meio do sintoma. Então sendo o seu pai um fraco,
ela saberia o que é melhor para ele.
Quando eu ficava triste as pessoas não entendiam meu medo e me chamavam de
boba. Então eu saia para brincar na rua e me lembro que eu não gostava que
anoitecesse, pois eu teria que voltar para casa... E ainda quando escurece às vezes sinto
esta angústia. Esta angústia é a marca da recordação do trauma.
Esses exemplos, escolhidos entre inúmeros outros, parecem provar que os
fenômenos da histeria comum podem ser seguramente considerados como seguindo o
mesmo modelo da histeria traumática, e que, portanto, toda histeria pode ser encarada
como uma histeria traumática, no sentido de que implica um trauma psíquico e de que
todo fenômeno histérico é determinado pela natureza do trauma.
Postular o retorno da lembrança como fundamento para o trauma e
consequentemente como causa para o ataque histérico é esboçar um conceito central na
psicanálise. Trata-se da ideia de repetição, inicialmente concebida como uma repetição
“alucinatória”, ligada ao trauma. Este é definido como “toda impressão que o sistema
nervoso tem dificuldade em abolir por meio do pensar associativo ou da reação motora”
(FARIAS, 1993).
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Conta que neste final de ano (2009), ela e a filha ficaram doente e que isto mexeu
muito com ela, pois a paciente tinha vontade de vomitar e não vomitou, e que a filha
vomitou e ela não teve problemas para cuidar da filha. Mas estou estranha estes dias, me
sinto uma pessoa fraca, pois vi que eu não tenho controle das coisas, vi que posso ficar
doente, e eu dificilmente ficava doente... Alguma coisa mudou em mim, me sinto fraca....
Percebe-se que se sente como o pai, por isso não se permite adoecer.
Em 1904, os sintomas histéricos são para Freud resíduos, símbolos de certos
acontecimentos, símbolos comemorativos. A crise é uma transposição para uma outra
cena e uma outra linguagem do trauma inicial. Não mais se trata, de forma alguma de
uma reprodução. O sintoma é um memorial que o histérico traz em si, sem saber a que
esta memorial remete (TRILLAT, 1991, pág. 248).
Trillat (1991) acrescenta que é papel do terapeuta atuar como intermediário e
tradutor e fazer com que o Eu admita o sentido escondido no sintoma que, não servindo
para mais nada, desaparece. O histérico não mais se encontra em território inimigo; ele
esta reconciliado com o Eu.
Mais uma das questões da paciente é o fato de que quando sua filha estava com
seis meses, J.A descobriu uma mensagem com insinuações no celular do seu esposo. Esta
mensagem era de uma pessoa que trabalhava com ele, seu esposo normalmente falava
dela para a paciente, a elogiando, dizia que ela era bonita. Seu marido nega qualquer tipo
de envolvimento. E a paciente não esquece esta mensagem, dizendo que este foi o ponto
que mudou o seu casamento e o seu sentimento por ele.
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Conta ainda que quando seu esposo falava sobre esta mulher, ela tentava não
demonstrar ciúmes, fazia de conta que não se importava, mas isto a magoava e lhe deixa
com raiva, pois diz que se sentia feia e inferior a esta pessoa. Até que a paciente
conheceu esta mulher, e disse que não achou nada nela, que ela não era bonita, era
normal.
Carvalho (apud, Freitas 2006) afirma que:
“Na clínica com as histéricas, constatamos que a perda do gozo está
diretamente ligada à questão amorosa. É preciso amar e se sentir amada para
suportar ocupar o lugar de objeto na fantasia de um homem. O que a histérica
não suporta é a possibilidade de perder este lugar de objeto para outra mulher.
A angústia aí se apresenta como insuportável, na medida em que a perda de
gozo implicou também na perda amorosa” (pág. 96).
Com o passar do casamento, seu esposo começou a trazer suas fantasias sexuais,
algo que J.A já sabia, pois a ex-esposa do seu marido já tinha lhe contado este fato, mas a
paciente não acreditava, até acontecer com ela. A fantasia era de que a paciente saísse
com outro homem e que depois chegasse em casa transasse com ele e contasse o que o
outro parceiro havia feito com ela. O pedido do esposo era “me faz corno amorzinho”.
Relata uma situação parecida que acontecia em sua casa: seu pai voltou a
frequentar a casa da sua mãe, passavam a tarde juntos e os dois namoravam, e a noite ele
voltava para sua casa, para sua atual esposa. Esta situação me incomodava muito.
Observamos que a paciente escolhe um marido como a sua mãe e J.A age como o seu pai,
transando fora e, depois voltando para a sua casa.
Com o tempo a paciente aceita a proposta, liga para um ex-namorado. Seu esposo
a leva para este encontro, a paciente relata que achava que na hora o seu esposo desistiria,
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o que não aconteceu. Então ela vai até o fim, transa com seu ex-namorado. Diz ter se
sentido não amada pelo esposo, desrespeitada como uma garota de programa.
Passa um tempo e isso acontece novamente, desta vez ela encontra o parceiro pela
internet (orkut), um rapaz que lhe chamou atenção pela sua aparência, porte físico. Então
conta ao esposo e tem a sua aprovação. Aqui podemos observar a relação de duas
estruturas: histeria (esposa) e perversão (esposo).
Diante desse fato ela pôde “descobrir”, a partir da inércia paralisante da histeria,
sua história, já que, paradoxalmente, o que há de maior motilidade é exatamente o
sintoma, embora ele muitas vezes surja sob a frieza estática. Sabemos que quem ocupa
este lugar estático na vida do neurótico é a fantasia. Quer dizer que o que está para além
do sintoma, como último véu a cair no percurso de uma análise, é a fantasia que o sujeito
cria como sendo aquilo com o qual ele pode construir sua vida.
Descreve a paciente: Gostei de ter transado com este rapaz, pois este fui eu que
escolhei, mas eu gostaria de ver se desse jeito, eu escolhendo chegaria ao orgasmo, pois
não sei o que é isto, nunca tive orgasmo, mas mesmo assim não aconteceu.
A frigidez inclui-se, assim, entre os determinantes genéticos das neuroses. Quanto
mais poderoso o elemento psíquico na vida sexual de uma mulher, maior será a
capacidade de resistência demonstrada por sua distribuição da libido à revolta contra o
primeiro ato sexual, e menos esmagador será o efeito que sua posse corporal pode
produzir. A frigidez pode, então, se estabelecer como uma inibição neurótica ou fornecer
a base para o desenvolvimento de outras neuroses e, até mesmo, uma pequena diminuição
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da potência do homem contribuirá grandemente para influir nesse processo (FREUD,
(1918 [1917], vol. XI pág. 210 – 211).
Saiu novamente com este rapaz, desta vez seu esposo lhe comprou uma lingerie
sensual e ajudou-a a se arrumar para o outro parceiro. Relata que sentiu estar se
envolvendo com esta pessoa, algo que não podia acontecer. Então dá um tempo nesta
“relação”. E sai pela terceira vez, desta vez diz sentir que o parceiro estava se
envolvendo. Então decide não sair mais. Mas seu esposo a pergunta e aquele seu amigo?
E também lhe propõem que ambos frequentassem uma casa de swingue. Algo que a
paciente diz não aceitar.
Dias atrás J.A fala novamente sobre esta pessoa com quem saiu, diz ter tido
contato com o mesmo, mas que não quis sair com o rapaz.
Em uma das análises a analista questiona a paciente se ela gosta de sexo?
Diz que gosta sim. Na mesma semana depois deste acontecido descrito acima, diz:
Eu não entendo o porquê não saio com outros homens se tenho a oportunidade e a
aprovação do meu esposo, às vezes me acho burra. Aí pensei sobre aquela pergunta que
me fez e cheguei a conclusão que não gosto de sexo, que não me faz falta e que o
problema não é com o meu marido, que o problema esta comigo.
Outra questão da paciente era que quando teve sua filha pegou uma pessoa para
ajudá-la a qual ficava todos os dias na casa da paciente e dormia no emprego. A paciente
relata ter tido uma dependência desta empregada, mesmo reclamando muitas vezes do
seu trabalho, dizendo que as coisas não ficavam como ela queria. Só dizia que ela
cuidava muito bem da sua filha e que a filha gostava muito dela.
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Com o passar do tempo percebeu que tinha vergonha quando sua mãe ia visitá-la
porque achava que as coisas da casa não estavam bem organizadas, e que não gostava de
receber visitas. E sua insatisfação com a empregada foi crescendo, e depois de muito
tempo resolveu despedi-la, processo pelo qual foi demorado e muito difícil.
Dizia então que não queria mais empregada e se sentir impotente como se não
fosse a dona da casa, que queria as coisas do seu jeito. E que ira pegar apenas uma
diarista, algo que desde maio de 2009 não aconteceu, só em dezembro conseguiu fazer
algumas tentativas, depois de se sentir cansada e insatisfeita por ter que fazer tudo
sozinha, mas essas tentativas não deram certas.
Quando despediu a empregada dizia se sentir satisfeita, realizada, pois agora fazia
as coisas do seu jeito e estava se sentindo um pouco a dona da casa, com
responsabilidades. Então dividiu tarefas em casa, o que deu certo apenas no começo. E
este fato gerou mais problemas, pois a desorganizou, agora vivia para a casa, trocou de
turno na faculdade, passou para o período da noite, começou a estudar menos por estar
envolvida com tarefas de casa, passou a chegar atrasada e a faltar na análise, algo que não
acontecia antes. E aumentaram as brigas com o marido, pois relata que ele não a ajuda,
que ele só trabalha fora e que não cuida da casa.
Nesse período a paciente sofreu um acidente de carro, o que lhe desestruturou mais
ainda, então trancou a faculdade, diz que pretende retornar no próximo semestre (julho de
2010).
Relata que a sua relação com o esposo está cada vez mais difícil e que ambos estão
cada vez mais afastados. Que ele é muito desatento, que não a ajuda com os deveres de
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casa, que só sabe dormir e trazer problemas do trabalho, diz ainda que suas conversas são
sem conteúdo, e que tem vergonha de sair com o mesmo, pois ele esta acima do peso e
que não emagrece, a paciente traz que não transa com ele por causa do peso. Então
fizeram um trato cada três quilos que ele perdesse ela transaria com ele, como uma troca.
Algo que não aconteceu, e hoje a paciente já assume não querer transar.
Aprendemos, das investigações analíticas, quão universais e quão poderosas são as
distribuições iniciais da libido. Nelas nos preocupamos com os desejos sexuais infantis a
que estão apegados (na mulher geralmente a fixação da libido localiza-se no pai ou em
um irmão que o substitui), desejos que, muito frequentemente, estavam dirigidos para
outras coisas que a relação sexual ou que a incluía, apenas, como um objetivo vagamente
percebido. O marido é, quase sempre, por assim dizer, apenas um substituto, nunca o
homem certo; é outro homem, nos casos típicos o pai, que primeiro tem direito ao amor
da mulher, o marido quando muito ocupa o segundo lugar. Depende de quão intensa seja
essa fixação e de quão obstinadamente ela seja conservada, quer ou não o substituto seja
rejeitado como insatisfatório processo (FREUD, (1918 [1917], vol. XI pág. 210).
Em setembro de 2009, J.A decidiu ter uma conversa com o esposo, colocando
todos os erros da relação nele e pediu a separação. O esposo disse que ia pensar sobre o
assunto e lhe daria uma resposta.
Um dia o esposo chega em casa e diz que tudo bem, que podem se separar se vai
ser melhor para ela. Neste momento eu me senti em dúvida sobre a separação eu não
gostei de ter ouvido isto, eu esperava que ele falasse que ia melhorar e que visse que
estava errado.
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A questão de separação mexeu com o seu esposo e fez com que ele tivesse
algumas atitudes diferentes das trazidas por J.A, como a reforma da casa, algo que desde
que se casaram a paciente dizia que ele só prometia, como as outras coisas que ele deixou
de concretizar.
Então a reforma aconteceu, desta vez sem a paciente pedir. Mas, junto com a
reforma, também aconteceram muitas brigas, pois no que a terapeuta percebeu seu esposo
tem saído da posição de “pedra”, como a paciente trouxe. E isso tem causado grandes
conflitos para a paciente, na qual tem se sentido impotente, pois diz que a sua opinião não
tem mais valor, que ele não a escuta, e que antes as coisas eram do seu jeito e que agora
não é mais.
Trouxe várias discussões em relação às escolhas da reforma da casa, pois um não
concorda com o gosto do outro. Conta que seu esposo grosseiramente gritou com ela
dizendo que a casa era dele e que seria tudo do jeito dele. Ela se ofende e chora muito e
diz que sabe que não é a dona da casa e pensa na separação novamente. J.A espera que o
Outro fale o que ela é, para ela se sentir a dona da casa e não uma empregada.
Relata outras situações que seu esposo antes lhe oferecia e agora não lhe oferece
mais, como viagens e passeios. Estes dias pedi a ele para irmos ao shopping com nossa
filha e ele não queria ir, eu insisti, e começamos a brigar, não sei por que eu insisti
tanto, isto não fazia importância antes. E na briga ele disse então eu vou só se você ir
junto comigo buscar a R.B (a filha do esposo que mora com a ex-esposa), e eu disse a ele
tudo ela, porque você prefere ela do que nós (ela e a filha), e ele disse sim eu gosto mais
dela, eu não amo você. E foram para o shopping, no shopping; e lá volta a falar sobre a
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separação, disse que tinham que começar a resolver como ficaria a situação. E que para
isso precisariam de um ano até resolverem bem as coisas.
O que há histérica quer que se saiba é, indo a um extremo que a linguagem derrapa
na amplidão daquilo que ela, como mulher, pode abrir para o gozo. Mas não é isto que
importa à histérica. O que lhe importa é que o Outro chamado homem saiba que objeto
precioso ela se torna nesse contexto de discurso (LACAN, 1991, pág. 32).
Assim, podemos observar que a queixa inicial da paciente era que seu esposo não
tinha posição nenhuma, quando ele começou se posicionar diante das situações, a ter
mais atitudes, a paciente também não aprovou, se sentiu rejeitada e impotente. Como já
pontuamos, a histérica não quer se satisfazer, então não importam para ela as mudanças
do esposo, pois nunca é isso. Vemos então a histérica fabricar, como pode, um homem,
um homem que seria movido pelo desejo de saber.
O portador do dito cujo se empenha em fazer a sua parceria aceitar esta privação,
em nome do que todos os seus esforços de amor, de pequenos cuidados e de ternos
favores serão vãos, visto que ele reaviva a mencionada ferida da privação. Tal ferida,
então, não pode ser compensada pela satisfação que o portador teria ao apaziguá-la.
Muito pelo contrário, ela é reavivada por sua própria presença, pela presença daquilo cuja
nostalgia causa esta ferida (LACAN, 1991, pág. 69). Ela se sente desolada por não ser ela
própria a portadora do pênis/ falo.
O objeto do desejo da histérica nem é o da necessidade, nem o da demanda de
amor, mas o desejo de um desejo que incide sobre a falta do Outro e não sobre o que
causa essa falta (KAUFMANN, 1996).
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Traz outro fato que lhe tem incomodado muito, que sempre foram as namoradas
do enteado. Diz nunca ter gostado de nenhuma delas. E que dá atual menos ainda, a
namorada do enteado tem frequentado sua casa, e com o passar do tempo ambos
passaram a transar no quarto do mesmo, fato inaceitável, o que começou a gerar intrigas.
A paciente diz que acha uma falta de respeito com ela, e que se eles transam na casa
deles, eles também têm que transar na casa da menina. Algo que foi ponto de conversa
entre os ambos os pais.
A paciente com o tempo começou a mostrar um certo ciúme do enteado, e algumas
vezes a chamá-lo de filho, algo que não era dito anteriormente. Diz ter tido uma relação
difícil com o menino, e que seu esposo sempre um contra o outro, e que por isso não se
sente responsável pelo menino.
Mas de uns tempos para cá o que tem incomodado a paciente não é mais o enteado
e sim a enteada. Tem demonstrados grandes ciúmes da menina, como se fosse uma rival.
Tem até mesmo brigado com o esposo por casa da enteada, não querendo que a menina
fique na casa deles. Disse que a princípio era por causa da reforma, pois fica muita
bagunça, mas, na verdade, sabe que não é por causa disso. Mas mesmo assim diz gostar
da menina e fala que o problema novamente está com ela mesma.
Com o passar do tempo, trouxe mais uma recordação de infância. Às vezes eu ia
passear na casa do meu pai, e ele tinha um bar, um dia no bar eu vi uma pulseira
pendurada na parede. E eu sabia que esta pulseira era da mulher dele. Mas eu peguei a
pulseira e levei para casa. No dia seguinte meu pai foi até a minha casa pegou a pulseira
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e brigou comigo. Isto me deixa muito magoada, pois ele podia ter dado pra mim. Eu não
gostei de ter recordado deste fato, pois fiquei muito mal com isto.
Dá para observar o quanto as mulheres que lhe rodeiam são suas rivais e quanto
ela disputa com elas, como, por exemplo: com a mãe, com a irmã, a mulher do pai, a
namorada do filho, a enteada, a empregada e até mesmo a própria filha. O enigma que ela
se põe pode ser traduzido da seguinte maneira: “o que é que a outra tem que eu não
tenho?”.
Durante todo o tempo de atendimento psicológico a paciente traz muitos relatos de
sonhos, mas dois deles chamaram a atenção da analista.
Esta noite tive dois sonho: um amigo meu me deu um trabalho para entregar para
o professor... mas de repente eu estava num bar, numa festa e você (analista) ...estava lá
com umas amigas suas e eu conversei com você, mas eu tinha que sair de lá para
entregar o trabalho, mas tinha muita gente estava difícil de sair, então eu fui por um lado
e você e suas amigas foram por outro. Eu achava que o meu lado estava mais fácil de
sair, mas ficou difícil, você já estava lá do outro lado com suas amigas e eu te enxergava
por um buraco e eu tinha que passar por este buraco, eu consegui passar e já sai lá na
rua.
A transferência está entre o desejo e o amor, na dependência do desejo do analista.
O desejo da analista faz com que a verdade apareça na relação transferencial, pois o
analista amado é virtualmente amante, ainda que apenas por escutar o analisando. A
posição do sujeito desejante é fundamental na falta, e o analista pode conduzir o
analisando à verdade de seu desejo, que é aquilo que lhe falta.
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O analista é interrogado na qualidade de quem sabe. E é neste lugar em que somos
suposto saber que somos chamados a ser, senão a presença real e isso justamente na
medida em que a falta é inconsciente.
O outro sonho foi que eu conheci uma mulher (conta que a mulher do sonho, era
uma empregada que foi uma vez em sua casa, e que não tinha nada de atraente) ...e esta
mulher queria transar comigo e nos fomos para uma casa, nesta casa na cama, ela fazia
sexo oral em mim quando a minha mãe chegou, me senti culpada por ela ter visto aquilo.
Então fiquei com medo que esta mulher começasse a contar para todo mundo o que tinha
acontecido, então comecei a dar todas as minhas coisas a ela, e ela queria mais coisas, e
eu dava... quando saímos para fora da casa, tinha muita gente lá, mas não sei quem
eram... só sei que antes dela ir embora disse que ia falar para uma amiga dela sobre
mim.... Fala que o que lhe chamou atenção no sonho não foi à parte homossexual e sim o
fato de sua mãe estar lá. O que ela estava fazendo lá? J.A disse que quanto à parte da
sexualidade, ela está bem resolvida.
Os sonhos são atos psíquicos tão importantes quanto quaisquer outros; sua força
propulsora é, na totalidade dos casos, um desejo que busca realizar-se; o fato de não serem
reconhecíveis como desejo, bem como suas múltiplas peculiaridades e absurdos, deve-se à
influência da censura psíquica a que foram submetidos durante o processo de sua formação.
Assim, em primeiro lugar, foi em nome da realização de um desejo que o processo de
pensamento durante o sono transformou-se num sonho.
Quanto ao sonho, agora todos sabem que é a demanda, o significante em liberdade
que insiste, pia e esperneia, que não sabe em absoluto o que quer (LACAN, 1991, pág. 121).
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Nas últimas sessões a paciente tem tido muitas recordações de sua infância, e a
análise vem caminhando por meio de associações livres. J.A recorda-se de que seu pai a
chamava de pau-de-fumo. Pergunto a paciente o porquê desta palavra, ela disse que era
um gesto amoroso, mas que às vezes não gostava que se sentia ofendida quando seu pai
dizia brigando com ela: mais é mesmo um pau-de-fumo. Pau, que ela não podia ter, só o
menino.
Recorda-se de outra cena que um dia quando criança estava em seu quarto
dormindo e parecia estar sem roupa e que quando acordou tinha muitas pessoas no
quarto, e a paciente pedia água mais ninguém atendia, até que seu pai chegou e resolveu a
situação, na verdade a paciente diz que não se recorda se tomou a água, mas que a
presença do seu pai a tranquilizou.
Definir o ataque histérico como decorrente do retorno de uma lembrança equivale
a deslocar o campo causal da esfera física para a psíquica, pois já não é mais o trauma
físico o responsável pela condição de soma elevada de excitação, mas sim a impressão
psíquica que se forma a partir desse acontecimento.
Na histeria o curso do pensamento é modificado; as associações de ideias são
perturbadas; a vontade, os sentimentos podem ser um após o outro inibidos ou exaltados.
O desejo da histérica está além das suas demandas, portanto, nenhuma notícia
poderá lhe ser dada com o intuito de aplacar sua constante e insaciável rede de queixas.
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5. Cap. IV – Conclusão e considerações finais.
Para desencadear a lógica discursiva da construção deste caso, levantamos alguns
pontos que identificam a histeria na clínica psicanalítica e que denuncia uma estrutura
histérica no caso analisado.
Como vimos, a clínica da histeria moderna também se apresenta por meio de sintomas
somáticos, sem nenhuma causa orgânica, e sim como um compromisso entre uma fantasia
inconsciente e a censura.
Neste estudo sobre a histeria ilustrado com o caso de J.A, ao longo da análise, a
paciente pela associação livre pode se recordar de muitos fatos de sua infância, os quais lhe
causaram grande angústia, até mesmo algumas faltas nas sessões, por resistir. Nem mesmo a
paciente conseguia distinguir entre suas fantasias edípicas inconscientes e os fatos reais.
Diante disto aos poucos se formam as cadeias de lembranças, as associações dos seus
sintomas, ou seja, de suas conversões histéricas.
Podemos observar uma preocupação excessiva com sua aparência, o que denuncia os
seus sintomas de falta de apetite o que aponta para a anorexia nervosa, juntamente com o seu
medo de vômito. A preocupação com o corpo, em esconder o furo, a falha diante do ideal de
perfeição, faz com que as histéricas de hoje se apoiem em modernas ortopedias corporais,
possíveis substitutos das paralisias, contraturas e cegueiras, sintomas que marcaram o século
passado. Enquanto continuam à procura desse ideal de perfeição, tanto corporal quanto
intelectual e emotivo, sua marca patente é a insatisfação, pois a histérica não corre atrás de
seu desejo, mas visa a um ideal, e por isso está sempre se queixando, tecendo justificativas
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para continuar naquele lugar de manter o Outro idealizado, seu gozo continua como sempre
em busca de reconhecimento, e na sua procura excessiva e contraditória, na sua tristeza mal
compreendida, ela é criticada por uns e medicada por outros.
Como pudemos analisar, a frustração com a mãe castrada que não lhe deu um pênis/
falo fez com que a paciente elegesse seu pai como novo objeto sexual. No entanto, o pai
também foi insuficiente, pois não lhe deu o que ela esperava: reparar a sua falta. E a partir
daí, ela se dedica a reparar essa falta com uma demanda infindável, nunca é o suficiente, o
que denuncia por meio dos seus relatos de insatisfação e tristeza.
Mais uma das questões destacadas no caso analisado é a falta de desejo e de prazer
sexual, sua frigidez. O que prova sua eterna rivalidade com seu esposo. A estratégia histérica
de J.A, em geral, sempre foi de não querer aquele que a quer, mas sim alguém inacessível,
mantendo assim seu desejo sempre insatisfeito. Essa é a relação da histérica com o amor e
com o desejo. Assim se pontua na insatisfação: sempre há algo melhor para encontrar.
Mas como se identificar com algo que não existe, com algo que não se tem, com a
falta, com o vazio? Eis então que a histérica fica na obstinação de querer reparar a própria
falta e a do Outro, ela se engaja no objetivo de tornar o Outro perfeito e ela também, e aí ela
encontra seu limite. A histérica tem uma demanda fálica, um desejo de reconhecimento, por
isso ela sempre está numa relação amorosa sem estar, como se ela deixasse uma "saída".
No entanto, a realização da posição sexual no ser humano está ligada, nos diz Freud e
nos diz o aprendizado diante da prática analítica que à prova da travessia de uma relação
fundamentalmente simbolizada, a do Édipo, que comporta uma posição que aliena o sujeito,
isto é, o faz desejar o objeto de um Outro, e possuí-lo por procuração de um Outro. E para
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que a histérica consiga se desvencilhar da identificação neurótica com o falo seria preciso
que a função do homem e a da mulher fossem simbolizadas, e que ela fosse literalmente
arrancada do domínio do imaginário para ser situada no domínio do simbólico, em que se
realiza toda posição sexual normal, consumada. É pela simbolização a que é submetida,
como uma exigência essencial, a realização genital, que o homem se viriliza, que a mulher
aceita verdadeiramente sua função feminina.
A paciente continua em análise duas vezes por semana, com suas angústias, suas
recordações e fantasias cada vez mais descritas, o que tem feito evoluir sua análise. Diante
disso há a necessidade de a paciente dar continuidade ao seu tratamento para que consiga
simbolizar a sua feminilidade, a saber, o que é ser uma mulher, buscando novos efeitos
terapêuticos.
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